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Índice contemporâneos neste âmbito podem já

ser desvendados na tradição clássica.


Educação, Sociologia Nem todos os clássicos da Sociologia
da Educação e Teorias deram par ticular relevo às questões
relacionadas com educação. Há três
Sociológicas Clássicas: nomes incontornáveis neste domínio:
Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.
Marx, Durkheim e Embora Marx e Weber não se tenham
debruçado explicitamente so bre os
Weber sistemas educativos e apenas tenham

Departamento de Ciências da Comunicação
Paula Cristina Lopes∗ da Universidade Autónoma de Lisboa / Centro de
Inves tigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-
IUL. Bol seira de Doutoramento da Fundação
para a Ciência e Tecnologia. E-mail:
Paula_Cristina_Lopes@ iscte.pt.
tegrando uma teoria geral, Durkheim pro
duziu uma série de documentos seminais
da sociologia da educação. Ao longo de
uma carreira académica com mais de
três décadas, muitos foram os textos,
cursos e comunicações que gerou,
alcançando reco nhecimento não só
como sociólogo mas tam bém como
abordado a questão de modo ocasional, in ideólogo da pedagogia.
Palavras-chave: Sociologia da
1 A educação em Karl Marx 2 2 A Educação; Teorias Sociológicas
educação em Émile Durkheim 4 3 A Clássicas; Karl Marx; Émile Durkheim;
educação em Max Weber 8 Notas finais Max Weber.
10 Bibliografia 11
Abstract
Resumo
Education, systems, policies and
Educação, sistemas, políticas e proces educa tional processes have become
sos educativos têm-se tornado questões central issues in contemporary societies.
cen trais nas sociedades The discussion implies reflecting on the
contemporâneas. A dis cussão implica very concept of e ducation. In fact,
uma reflexão sobre o próprio conceito de current debates in this area could already
educação: na verdade, os de bates be seen in the classical tradi tion. Not all
the Sociology classics paid par ticular not ex plicitly grapple with educational
attention to education-related issues. systems and only occasionally addressed
Three names are mandatory reading in the issue, as part of a general theory,
this field: Karl Marx, Emile Durkheim and Durkheim produced a se-
Max Weber. While Marx and Weber did
2 Paula Cristina Lopes

ries of seminal papers in the sociology of (1866) ou O Capital (1867-1894), por exemplo.
e ducation. Throughout his over three- Para aceder a todos os documentos do autor
sobre educação ou outras temáticas, sugerimos a
decade long academic career, he con sulta do sítio: http://www.marxists.org/
produced numerous texts, courses and portugues/marx/index.htm.
papers and became known not only as a obra de Karl Marx. Neste campo, tal
sociologist but also as an edu cational como em muitos outros, o
theorist. enquadramento faz-se em relação ao
Keywords: Sociology of Education; seu desenvolvimento no pro cesso
Clas sical Sociological Theory; Karl histórico das sociedades: a concepção
Marx; Émile Durkheim; Max Weber. marxista de educação tem também por
base o materialismo histórico.
A educação é uma forma de socializa
1 A educação em Karl Marx1 ção, de integração dos indivíduos numa
so ciedade sem classes, no contexto do
A sociologia materialista – histórica – materia lismo histórico. No modelo
marxista infra estrutural – super-
dialéctica de Karl Marx (1818-1883) estrutural (dialéctico, de relação
é a sociologia da luta de classes, a so recíproca), a escola faz parte da super-
ciologia das relações de poder no seio estrutura (tal como o Estado ou a família,
das sociedades capitalistas, do estrutura por exemplo) e a educação é assu
lismo sócio-económico-político. Em pou midamente um elemento de manutenção
cas palavras, digamos que o marxismo é da hierarquia social, de controlo das
a sociologia do conflito, isto é, do classes dominantes sobre as classes
“antago nismo” (Aron, 1991: 181). As dominadas, isto é, de dominação da
contradições da sociedade capitalista burguesia sobre o pro letariado. As
(nomeadamente, en tre classes; entre ideologias que estabelecem as regras
forças e relações de pro dução; e entre são as das classes dominantes, dos
progressão das riquezas e miséria ideólogos – produtos típicos das universi
crescente da maioria) conduzirão à crise dades burguesas (Morrow e Torres,
revolucionária: a revolução do pro 1997: 25).
letariado, feita pela maioria em benefício
de todos. Na sequência (e em As ideias da classe dominante
consequên cia) dessa revolução, são, em todas as épocas, as
ocorrerá a supressão si multânea do ideias do minantes, ou seja, a
capitalismo e das classes (Aron, 1991: classe que é o poder material
147). dominante da sociedade é, ao
A educação não é temática dominante na mesmo tempo, o seu poder
espiritual dominante. A classe
1
Karl Marx faz referência a educação nos do que tem à sua disposição os
cumentos Manifesto do Partido Comunista meios para a produção material
(1848), Instruções aos Delegados do Congresso dispõe assim, ao mesmo
da As sociação Internacional dos Trabalhadores
tempo, dos meios para a produção espiritual. As ideias
produção es piritual, pelo que dominantes não são mais do
lhe estão as sim, ao mesmo que a expressão ideal [ideell]
tempo, submeti das em média das re
as ideias daque les a quem
faltam os meios para a www.bocc.ubi.pt
Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 3

2
lações materiais dominantes, as Marx, Karl, & Engels, Friedrich (1845). A
re lações materiais dominantes Ideologia Alemã. Retirado em Setembro 7, 2010
con cebidas como ideias; de http://www.marxists.org/portugues/
marx/1845/ideologia-alema-oe/cap2. htm#i10.
portanto, das relações que 3
Marx, Karl (1845). Teses sobre Feuer bach.
precisamente tornam Retirado em Setembro 7, 2010 de:
dominante uma classe, portanto http://www.marxists.org/portugues/
as ideias do seu domínio. Os in marx/1845/tesfeuer.htm.
divíduos que constituem a
classe dominante também têm, www.bocc.ubi.pt
entre ou tras coisas, de educação igualitário, para todos os
consciência, e daí que pensem; indiví duos, no propagandístico
na medida, portanto, em que Manifesto do Par tido Comunista. No
dominam como classe e de segundo capítulo do texto, intitulado
terminam todo o conteúdo de Proletários e Comunistas, Marx defende
uma época histórica, é evidente que uma das medidas “ine vitáveis como
que o fazem em toda a sua meios de revolucionamento de todo o
extensão, e portanto, entre mundo” é a “Educação pública e gra tuita
outras coisas, do minam de todas as crianças”4. A educação,
também como pensadores, reivindicada como direito pela classe ope
como produtores de ideias, rária, institucionaliza-se como paradigma
regu lam a produção e a social. Caminha-se em direcção à
distribuição de ideias do seu universa lização (e à massificação) do
tempo; que, portanto, as suas ensino, em di recção à educação de e
ideias são as ideias domi para todos.
nantes da época. [Marx e O modelo de educação preconizado
Engels (1845-1846), A por Marx é apresentado com maior
Ideologia Alemã].2 detalhe no I Congresso da Associação
Internacional dos Trabalhadores, em
As ideias passadas pela escola 1866. O documento Ins truções aos
burguesa à classe operária, passadas ao Delegados do Congresso da AIT define o
proletariado por professores ao serviço que se entende por educação numa
da “reprodução” cultural-social (e, neste perspectiva marxista:
sentido, “o educador tem ele próprio de Por educação entendemos três
ser educado”3), criam uma falsa
consciência de classe. Para su perar coisas: 1. Educação intelectual;
essa tensão, Marx apresenta várias pro
postas, dispersas por obras mais ou 2. Educação corporal, tal como é pro
menos relevantes, ao longo dos anos. duzida pelos exercícios de ginástica
Em 1848, Karl Marx propõe um modelo e militares;
3. Educação tecnológica, abrangendo indústria. A divisão das cri anças e
os princípios gerais e científicos de dos adolescentes em três cate
to dos os processos de produção e, 4
ao mesmo tempo, iniciando as Marx, Karl, & Engels, Friedrich (1848).
Manifesto do Partido Comunista. Reti rado em
crianças e os adolescentes na Setembro 7, 2010 de: http:
manipulação dos instrumentos //www.marxists.org/portugues/marx/
elementares de todos os ramos da 1848/ManifestoDoPartidoComunista/
cap2.htm.
4 Paula Cristina Lopes

gorias, de 9 a 18 anos, deve acção, de cariz político, laico e público:


compreen der um curso graduado e participativo, de construção de ‘melhores’
progressivo para a sua educação cidadãos. Mais e ducação equivale a
intelectual, corpo ral e politécnica. mais liberdade (social).
Os custos destas es colas 5
politécnicas devem ser em parte Para uma leitura mais aprofundada, cf. Marx,
Karl (1869). On General Education. Retirado em
cobertos pela venda das suas Setembro 7, 2010 de http://www.marxists.
próprias produções. (Marx, 1978: org/history/international/iwma/
223) documents/1869/education-speech.htm.
A educação tem por missão (histórica) a
O trabalho é, em Marx, um princípio e emancipação do homem, a sua
ducativo. O homem total constitui-se a libertação (praxis libertadora) que levará
par tir da articulação ensino – trabalho à construção de uma nova ordem social.
desde a infância, a partir de uma O processo e ducativo deve ser
preparação politéc nica para desenvolver entendido como o processo pelo qual os
o maior número pos sível de ocupações indivíduos produzem a sua e xistência
(Aron, 1991: 169). Na base deste (homem-cidadão, sujeito produtor do seu
processo de preparação do indiví duo próprio processo histórico), numa
encontra-se a tríade ‘educação intelec perspectiva abrangente (em vários
tual’, ‘educação física’, ‘educação profis sentidos) e como meio de combate a
sional’. Nas Minutas das Sessões do uma alienação crescente, típica das
Con selho Geral da Associação sociedades capitalistas. A ideia de que a
Internacional de Trabalhadores, de 17 de necessidade capitalista de uma força de
Agosto de 1869, podem ler-se algumas trabalho mais flexível obriga à introdução
referências a este propósito: “o trabalho da escolaridade básica pública e à
mental deve ser com binado com o constituição das escolas técnicas é
corporal, com a ginástica, e a instrução também desenvolvida no primeiro
tecnológica”; “a educação deve ser volume da obra O Capital, publicada em
nacional sem ser governamental” três tomos entre 1867 e 1894. (Morrow e
[pública]; “por um lado, é preciso uma Torres, 1997: 25).
mudança das circunstâncias sociais para A formação/instrução do proletariado é
criar um ade quado sistema de a porta para o conhecimento, mas
educação; por outro lado, é preciso um também a porta para a transformação da
sistema de educação adequado para sociedade. Este é o carácter
poder mudar as circunstâncias sociais” 5 revolucionário da educação (Santos,
[dialéctica entre o social e o educativo, 2005b); a evolução é sempre um produto
en tre teoria e prática]. Como se revolucionário.
depreende, esta é uma formação para a A implementação da educação
politécni ca-industrial é outro dos 1917) é a sociologia da objectivação do
paradigmas edu cativos em análise e social, da coisificação das relações
discussão desde Karl Marx. sociais (Cruz,
6
Os principais documentos de Émile Durkheim
2 A educação em Émile sobre educação são Educação e Sociologia, A
Edu cação Moral e A Evolução Pedagógica em
Durkheim6 França publicados em 1922, já após a sua morte,
pelo seu discípulo Paul Fauconnet.
A sociologia estruturalista – funcionalista
– sistémica de Émile Durkheim (1858-
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Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 5

1989: XI). Esta ciência autónoma e em educação como ‘bem’ social.


pírica, assente na teoria do ‘facto social’,
é a solução científica para decifrar o A sociedade, considerada como
mundo. Em poucas palavras, digamos meio, condiciona o sistema de e
que é uma so ciologia do consenso e da ducação. Todo o sistema de
ordem, da coe são social, da moral edu cação exprime uma
(entendida como ‘pro duto social’). Marx sociedade, res ponde a
está para as relações de poder como exigências sociais, mas tem
Durkheim está para as relações de também por função perpetuar
coesão social. A sociologia durkheimiana
ensina o respeito pelas normas www.bocc.ubi.pt
colectivas (Aron, 1991: 383). os valores da colectividade. A
A teoria da educação durkheimiana es trutura da sociedade,
inspira-se na sua teoria sociológica geral. considerada como causa,
Durkheim interessou-se desde cedo pela determina a estrutura do
educação enquanto objecto de estudo so sistema de educação, e este
ciológico; pelo carácter social-histórico tem por fim ligar os indivíduos à
do fenómeno educativo; pelos métodos colec tividade e convencê-los a
de educação de cada sociedade em tomarem como objecto do seu
determi nado período histórico; pela respeito ou da sua dedicação a
forma como uma sociedade disciplina e própria sociedade. (Aron, 1991:
integra através da educação; pela forma 374)
como favorece a realização dos seus
membros. Foi o primeiro autor clássico a Tal como vimos na proposta educativa
afirmar a educação como processo de Marx, também o modelo
social, como fenómeno social, capaz de durkheimiano de ensino assenta na ideia
ser descrito, analisado e explicado de uma escolarização pública e laica
sociologicamente (Sebastião, 2009: 23), [embora defenda que a edu cação deva
como “função essencialmente social” ser submetida à acção do Estado,
(Durkheim, 2009: 61), como “coisa Durkheim não prevê a monopolização
eminentemente social” (Durkheim, 2009: estatal do ensino: “o indivíduo é mais
94). Este clássico da pedagogia facilmente i novador do que o Estado”
francesa, teórico fundador da sociologia (Durkheim, 2009: 61)]. E, tal como no
da educação, considera que os fins da marxismo, está lhe subjacente uma
educação devem ser determinados pela teoria da ‘reprodução’. Durkheim vê a
sociologia. A sua teoria define a transmissão do saber como modo de
perpetuação da ordem social, de re da inculcação moral e da qua lificação e
produção da organização social. A redistribuição dos indivíduos pela
educação tem uma função social, estrutura social (Sebastião, 2009: 28).
colectiva. Uma sociedade Como salienta Ortega, no texto La
predominantemente caracterizada pela Educación como Forma de Dominación:
solidariedade orgânica assenta na di Una Interpretación de la Sociologia de la
fusão de valores morais e na divisão do Educación Durkhei miana, “a escola
tra balho. A consolidação deste tipo de configura-se como institui ção total,
soli dariedade passa pela difusão de envolvente, que possibilita a indi
uma edu cação secular e científica vidualidade apenas enquanto esta é uma
(Sebastião, 2009: 25), educação que ex pressão de uma função social
contribui para a coesão social, através concreta, da
6 Paula Cristina Lopes

posição ocupada dentro da divisão social um ser individual (e, nesta abordagem,
do trabalho”. (Ortega, 1999: 13) aproxima-se, em ter mos de colaboração
A proposta educativa de Durkheim as teórica, à psicologia), mas também como
senta na socialização progressiva das no um ser social [Durkheim afirma a
vas gerações como meio de preservar a existência no indivíduo de dois seres,
or dem social (a pedagogia reproduz a distintos embora separáveis apenas por
orga nização social). Para que haja abstracção: o “ser individual’ (estados
educação é, pois, necessário “termos em mentais particulares) e o “ser social” (sis
presença uma geração de adultos e uma tema de ideias, sentimentos e hábitos
geração de jovens, e uma acção que experimem o grupo ou grupos a que
exercida pelos primeiros sobre os per tencemos). O fim da educação é
segundos” (Durkheim, 2009: 49). Pela constituir
leitura da sua definição (a “fórmula”) de e esse “ser social” (Durkheim, 2009: 53)].
ducação, A educação “perpetua e reforça a
homogenei dade [entre os seus
a educação é a acção exercida membros] fixando com antecedência na
pelas gerações adultas sobre alma da criança as simili tudes que a
aque las que ainda não estão vida colectiva exige” (Durkheim, 2009:
maduras para a vida social. 52). Ela “cria no homem um novo ser”
Tem por objecto suscitar e (Durkheim, 2009: 54):
desenvolver na criança um
certo número de estados físi o ser novo que a acção
cos, intelectuais e morais que colectiva, por via da educação,
lhe exigem a sociedade política edifica assim em cada um de
no seu conjunto e o meio ao nós, representa o que há de
qual se des tina melhor em nós, o que há em
particularmente. (Durkheim, nós de verdadeiramente hu
2009: 53) mano. O homem, com efeito, só
é um homem porque vive em so
deduzimos a ampliação do conceito: a ciedade. (Durkheim, 2009: 57)
e ducação é a acção exercida por pais e
pro fessores sobre a criança; é uma A educação é um processo de
acção que ocorre ininterruptamente; é socializa ção constante do indivíduo que
uma acção que constitui a criança como tem por fi nalidade “fazer dele um ser
verdadeiramente humano” (Durkheim, Do ponto de vista durhkeimiano, o sis
2009: 59), um ser novo, assegurando, tema educativo deve ser meritocrático
simultaneamente e em consequência, (de expressão das capacidades
“entre os cidadãos uma co munhão de individuais) em bora reconheça o peso
ideias e de sentimentos sem os quais da “herança cega”: “mesmo que o
qualquer sociedade é impossível” percurso de uma criança não fosse, em
(Durkheim, 2009: 61). Há, portanto, uma grande parte, predeterminado por uma
dupla consequência: a progressão indivi hereditariedade cega, a diversidade
dual e a manutenção social. Na sociolo moral das profissões não deixaria de
gia durkheimiana, entre ‘sociedade’ e arras tar consigo uma grande
‘indi víduo’ não existe propriamente diversidade pedagó
conflito; pelo contrário, sociedade e
indivíduo são ideias inter-dependentes. www.bocc.ubi.pt
Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 7

gica” (Durkheim, 2009: 50). Neste par deus, ele é o intérprete das grandes
ticular, como cada profissão é ideias morais do seu tempo e do seu
caracterizada por uma bateria de país” (Durkheim, 2009: 69). Este ‘intér
competências teórico práticas, “a partir prete’ deve atender à individualidade que
de uma certa idade, [a educação] não há em cada criança e deve procurar
poderá manter-se a mesma para todos “favorecer” o seu desenvolvimento
os indivíduos aos quais se aplica” (interessante como também Marx
(Durkheim, 2009: 97), o que nos leva, abordou a questão, embora de forma
por um lado, à ideia de uma crescente absolutamente distinta, ao criticar a
divisão do trabalho social, e, por outro, à concepção burguesa de educação que,
de uma cres cente especialização: na sua perspectiva, não considera as
crianças como seres concretos mas
é a sociedade que, para poder como seres abstractos). “Em vez de
sub sistir, precisa que o aplicar a todos, de uma forma
trabalho se di vida entre os
seus membros, e de uma forma www.bocc.ubi.pt
mais do que de outra. É por invariável, a mesma regulamentação
isso que prepara com as suas impes soal e uniforme, deverá, pelo
próprias mãos, pela via da e contrário, di versificar os métodos
ducação, os trabalhadores segundo os tempera mentos e as
especia lizados de que precisa. características próprias de cada
É pois por ela e através dela inteligência. (...) Uma educação
que a educação é tão empírica, maquinal, não pode deixar de
diversificada. (Durkheim, 2009: ser compreen siva e niveladora”
98) (Durkheim, 2009: 84).
Durkheim distingue educação de peda
O significado social do trabalho do edu gogia. A educação é a matéria da peda
cador também é abordado. O professor gogia; a pedagogia é a reflexão sobre fac
(laico) deve acreditar na “sua tarefa e na tos da educação, é, por assim dizer, uma
grandeza da sua tarefa” já que ele é “a teo ria prática. Na mesma linha
voz de uma grande pessoa moral que o conceptual, de fine práticas educativas
ultrapassa: é a sociedade. Da mesma como modalidades da relação entre
forma que o padre é o intérprete do seu
gerações, que servem de objecto a uma fins que a educação deve seguir em
ciência: a ciência da edu cação. “As cada momento (...) o ideal pedagógico
práticas educativas não são factos de uma época exprime antes de mais o
isolados uns dos outros; mas, para uma estado da so ciedade na época
mesma sociedade, estão ligados num considerada” (Durkheim, 2009: 89).
mesmo sistema em que todas as partes A educação é assim, na teoria durkhei
con tribuem para um mesmo fim: é o miana, um meio de auto-renovação das
sistema de educação próprio de um lugar so ciedades, o ‘cimento’ que une os
e de um tempo” (Durkheim, 2009: 75). As indivíduos numa suficiente
aspi rações (ideais) de uma sociedade, homogeneidade (afirmando se,
que variam consoante o momento simultaneamente, a coexistência da diver
histórico que atra vessa, traduzem-se em sidade) que assegura a manutenção, a
doutrinas pedagógi cas que dependem, coesão social. Para além da família, por
também elas, do estado do ensino em exemplo, a escola é um dos pilares do
cada momento. “Só a história do ensino processo de so
e da pedagogia permite determinar os
8 Paula Cristina Lopes

cialização do indivíduo, mas também 3 A educação em Max Weber7


uma das instituições mais poderosas de
‘combate’ à anomia ao dispor de uma A sociologia accionalista – compreensiva
sociedade. O seu papel (central) na – interpretativa – explicativa de Max
integração sucessiva de cidadãos em Weber (1864-1920) é a sociologia da
dada comunidade está im plicitamente acção social dotada de sentido e de
correlacionado com a sua cen tralidade significado subjec tivo: o sentido é
enquanto motor (e reprodutor) de interactivo porque tem sig nificado social;
diferenciação social. Os fins da é subjectivo porque indivi dual. A
educação são sociais, os meios que sociologia de Weber é a “ciência
emprega são sociais, as necessidades a 7
que responde são sociais. Mas também O pensamento de Max Weber sobre
educação consta em textos como Ensaios de
morais: a educação é um pilar basilar da Sociologia, A Ciência como Vocação, Os
construção (e manutenção) de uma Letrados Chineses, Buro cracia ou Sobre a
comunidade moral. Universidade ou em discursos académicos como
As propostas educativas – A Profissão e a Vocação de Cien tista; A
Profissão e a Vocação do Homem Político
pedagógicas de Durkheim mantêm a (Universidade de Munique, 1918).
actualidade há mais de um século como que se propõe compreender
referencial teórico metodológico a nível interpretativa mente a acção social, para
de reflexividade social [isto é, de deste modo a ex plicar causalmente no
investigação das funções do sis tema seu desenrolar e nos seus efeitos” (Cruz,
educativo e dos processos educativos, 1989: 584) [a acção é o comportamento
desenvolvida a um nível teórico e/ou em humano dotado de sentido subjectivo; a
pírico], ou de acção social, implicada no acção social é a acção onde o sentido se
curso histórico das sociedades (particular refere ao comportamento, à con duta, de
mente na questão das políticas outras pessoas. Há quatro tipos de
educativas, e em concreto da ‘educação acção – a acção racional relativamente a
para a cidadania’). um fim, a acção racional relativamente a
um valor, a acção afectiva, a acção
tradicional – a que correspondem três
tipos de domi nação – racional, trina racionalista. O conceito de “tipo
carismática, tradicional]. Em poucas ideal” liga-se à noção de compreensão,
palavras, digamos que a sociolo gia ao processo de racionalização e à
weberiana é a uma teoria (racionalista) concepção analítica e parcial da
da acção social dotada de causalidade (Aron, 1991: 495). São
intencionalidade sig nificativa (Cruz, exemplo de tipos ideais o capitalismo, a
1989: XII). democracia, a sociedade, a burocracia, a
Ao contrário de Durkheim, que lei. Olhemos mais de perto o tipo ideal
pretendia explicar ‘factos sociais’, Weber “buro cracia”:
procura cap tar, para depois
compreender e interpre tar, conexões de é a organização permanente da
sentido (o conteúdo sim bólico) nas co operação entre numerosos
acções dos indivíduos. O en tendimento indiví duos, exercendo cada um
dos fenómenos sociais é pos sível pelo deles uma função
método compreensivo: compreen der especializada. O buro crata
significa, sempre, apreensão interpreta exerce uma profissão sepa
tiva do sentido. Weber defende a utiliza
ção do “tipo ideal”, o centro da sua dou www.bocc.ubi.pt
Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 9

rada da vida familiar, desligada, compreen são da dinâmica (micro e


como poderíamos dizer, da macro) do fenó meno educativo,
perso nalidade que lhe é nomeadamente as suas re
própria. (Aron, 1991: 507) lações/conexões com outras esferas do
so cial (instituições e grupos, por
Ao contrário de Marx, para Weber a ca exemplo). A educação, relação
racterística mais evidente da sociedade associativa (como qual quer relação
capi talista é a racionalização social), modo de preparação dos homens
burocrática. A es trutura social de poder para a vida social, é para We ber (tal
assenta em três tipos de ordem: a como para Karl Marx) um meca nismo
económica (que se exprime nas classes), que contribui para a manutenção de uma
a social (que se exprime no status) e a situação de dominação de um grupo em
da luta pelo poder (que se exprime nos relação a outro (na perspectiva webe
partidos). riana, seja a dominação racional,
Tal como em Karl Marx, a educação carismática ou tradicional). Os exames
não é temática dominante na obra de nas universi dades são exemplo dessa
Max We ber. Na verdade, a sua dominação (“obe diência”). Mas vai mais
influência nesta área data de finais dos longe: segundo We ber, a ambivalência
anos 60, início dos anos 70 do século XX dos exames traduz-se,
e pode sistematizar-se da seguinte
forma: Weber trabalha um modelo www.bocc.ubi.pt
implícito de reprodução no âmbito da por um lado, na selecção de indivíduos
teoria da burocracia, atribuindo ao de classes sociais privilegiadas que vêm
Estado um pa pel de agente de uma a ocu par posições privilegiadas na
racionalização societal global e de sociedade: por outro, esse sistema pode
mediador de conflitos entre gru pos resultar na consti tuição (e reprodução)
sociais (Morrow e Torres, 1997: 27). A de uma ‘casta’ privi legiada. O diploma,
proposta weberiana possibilita a símbolo de prestígio social, ao mesmo
tempo que certifica a es pecialização dos huma nista (“de cultivo”); a racional-
indivíduos (“peritos”), abre portas à burocrática (especializada)
obtenção de vantagens (económi cas e
sociais, por exemplo) pelo ingresso nas Historicamente, os dois pólos
instituições públicas e privadas e pela opostos no campo das
ocu pação de cargos nessas estruturas finalidades educacionais são:
(burocráti cas). A selecção social é um despertar o carisma, isto é,
elemento per manente na sociedade e a qualidades herói cas ou dons
educação contribui para essa selecção mágicos; e transmi tir o
social, favorecendo o ê xito individual. O conhecimento especializado. O
diploma é um critério de selecção social. primeiro tipo corresponde à es
A educação é, portanto, fac tor de trutura carismática do domínio;
estratificação social. o segundo corresponde à
A escola é palco de relações de poder, estrutura (moderna) de
logo de dominação (combina a domínio, racional e burocrático.
dominação tradi cional com a Os dois tipos não se opõem,
burocrática). No centro da pro posta sem ter conexões ou transições
weberiana está a identificação de três entre si. O herói guer reiro ou o
tipos de educação: a carismática; a mágico também neces sita de
treino especial, e o fun
10 Paula Cristina Lopes

cionário especializado em geral burocrática (“do especialista”) e encontra


não é preparado se subjacente ao capitalismo. As
exclusivamente para o instâncias dominantes em cada período
conhecimento. São porém histórico par ticipam na definição das
pólos opostos dos tipos de edu finalidades da edu cação.
cação e formam contrastes Como sabemos, o capitalismo é, para
mais radicais. Entre eles estão We ber, a forma mais elevada de
aque les tipos que pretendem racionaliza ção. Numa sociedade
preparar o aluno para a conduta capitalista-racional burocrática, os
da vida, seja de carácter indivíduos distinguem-se pelas suas
mundano ou religioso. (Weber, qualificações (havendo neces sidade de
1971: 482) “funcionários especializados”,
“profissionalmente mais informados”): a e
Os três tipos de dominação correspon ducação é o elemento que contribui para
dem aos três tipos de educação, sendo a selecção social, é um dos recursos
que cada um deles é mais ou menos possíveis para se manter – ou melhorar
valorizado pelas instituições burocráticas – o status (e quanto mais reduzido for o
políticas-económicas-sociais em determi grupo, maior o prestígio social dos seus
nada época: a dominação carismática membros). Também para Weber, tal
corres ponde à educação de carisma, como para Durkheim, a edu
sendo identifi cada com a antiguidade; a cação é um processo de socialização
dominação tradi cional prende-se com a perma nente, constante (que, para além
educação human ista (do “homem da escola, se consubstancia igualmente
culto”), sendo caracterís tica do na família), de reprodução e manutenção
patriarcalismo; a dominação racional social.
relaciona-se com uma educação racional A actualidade do pensamento
weberiano é por demais evidente: está weberiana, a educação é fonte de um
presente no crescente processo de novo princípio de controlo, en quanto
burocratização das so ciedades (e das racionalidade instrumental de domi
instituições, dos processos e dos nação burocrática (Morrow e Torres,
sistemas educativos), está presente na 1997: 24). Se em Marx a educação pode
necessidade de especialização oprimir ou emancipar o indivíduo (no
(nomeada mente tecnológica, tendo no sentido de “li bertação”); em Durkheim, a
horizonte a so ciedade ‘da informação’ educação é o mecanismo pelo qual ele
ou ‘do conheci mento’), está presente na se torna membro de uma sociedade (se
diversificação de formas de educação torna “um ser novo”). Weber vai mais
(traduzida em currícu los e políticas longe: a educação é factor de selecção e
educativas renovadas a grande rotação). de estratificação sociais. Marx e
Durkheim centraram-se no poder das
forças externas ao indivíduo; Weber
Notas finais centrou-se na capacidade de acção do
No pensamento marxista, a educação é indivíduo sobre o ex terior.
um espaço de reprodução ideológica dos Margaret Archer, no texto The
inte resses da classe dominante (a sociology of educational systems,
burguesia); em Durkheim, a educação é sintetiza, numa ló
vista como ins tituição integradora
essencial à ordem so cial; na perspectiva www.bocc.ubi.pt
Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 11

gica comparativa, o pensamento dos três a sua relação com outras institui
clássicos: ções sociais (economia, burocra
cia e acção política, respectiva
os três autores partilham uma mente). Em terceiro lugar, todos
orientação comum, apesar das os três perceberam que a
suas diferentes abordagens posição da educação na
teóri cas. Em primeiro lugar, estrutura social e sua relação
unanime mente trataram a com outras insti tuições eram a
educação como instituição chave para com preender a
social macroscópica, e não dinâmica da mudança
como um amontoado de or educacional. Embora somente
ganizações (escolas, Durkheim tenha teorizado
faculdades, universidades) ou profun damente sobre os reais
como um con junto de mecanis mos de
colectividades (profes sores, desenvolvimento educa cional,
alunos e directores), nem como nenhum deles deixou dúvi das
um aglomerado de pro de que esta deveria ser uma
priedades separadas (inputs, parte integrante das suas
pro cessos, outputs). Em macroteo rias – para Marx, a
segundo lugar, Marx, Weber e mudança e ducacional nasceu
Durkheim colocaram do jogo dialéc tico entre infra-
firmemente a institui ção estrutura e super
educacional na estrutura so cial
mais ampla e propuseram www.bocc.ubi.pt
problemas interessantes sobre estrutura; para Weber, ela
estava associada à dinâmica de Parsons, Bourdieu e Passeron, Boudon.
burocra tização, embora esta Só a partir da leitura das teorias
ligação es tivesse ‘escondida clássicas da sociologia se poderá chegar
em algum ponto decisivo’; para a um entendimento mínimo do que foi (e
Durkheim, ela es taria, e do que é) “pensar a educação”.
deveria estar, unida à acção
política e, deste modo, ao de
senvolvimento de uma Bibliografia
sociedade orgânica integrada e Archer, M. (1980). “The sociology of e
normativa. (Archer, 1980: 234) ducational systems” in T.
Bottomore., S. Nowak, & M.
Evidentemente, o pensamento dos Sokolowska, Socio logy of the State
clássi cos condiciona, enquanto pilar of Art. London: Sage Publications.
seminal re flexivo, o pensamento dos
contemporâneos. Há algumas Aron, R. (1991). As Etapas do
correlações lógicas (embora não Pensamento Sociológico. Lisboa:
exaustivas): a que une Marx a Althusser, Publicações Dom Quixote.
Establet e Baudelot, Bourdieu e
Passeron, Dahrendorf; a que une Cruz, M. B. (1989). Teorias
Durkheim a Par sons, Merton ou Basil Sociológicas – Os Fundadores e os
Bernstein, mas tam bém Lévi-Strauss, Clássicos. Lisboa: Fundação
Saussure, Barthes; a que une Weber a Calouste Gulbenkian.
12 Paula Cristina Lopes

Durkheim, E. (2009). Educação e Sociolo


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