Professional Documents
Culture Documents
Lopes Paula Educacao Sociologia Da Educacao e Teorias Sociologicas
Lopes Paula Educacao Sociologia Da Educacao e Teorias Sociologicas
ries of seminal papers in the sociology of (1866) ou O Capital (1867-1894), por exemplo.
e ducation. Throughout his over three- Para aceder a todos os documentos do autor
sobre educação ou outras temáticas, sugerimos a
decade long academic career, he con sulta do sítio: http://www.marxists.org/
produced numerous texts, courses and portugues/marx/index.htm.
papers and became known not only as a obra de Karl Marx. Neste campo, tal
sociologist but also as an edu cational como em muitos outros, o
theorist. enquadramento faz-se em relação ao
Keywords: Sociology of Education; seu desenvolvimento no pro cesso
Clas sical Sociological Theory; Karl histórico das sociedades: a concepção
Marx; Émile Durkheim; Max Weber. marxista de educação tem também por
base o materialismo histórico.
A educação é uma forma de socializa
1 A educação em Karl Marx1 ção, de integração dos indivíduos numa
so ciedade sem classes, no contexto do
A sociologia materialista – histórica – materia lismo histórico. No modelo
marxista infra estrutural – super-
dialéctica de Karl Marx (1818-1883) estrutural (dialéctico, de relação
é a sociologia da luta de classes, a so recíproca), a escola faz parte da super-
ciologia das relações de poder no seio estrutura (tal como o Estado ou a família,
das sociedades capitalistas, do estrutura por exemplo) e a educação é assu
lismo sócio-económico-político. Em pou midamente um elemento de manutenção
cas palavras, digamos que o marxismo é da hierarquia social, de controlo das
a sociologia do conflito, isto é, do classes dominantes sobre as classes
“antago nismo” (Aron, 1991: 181). As dominadas, isto é, de dominação da
contradições da sociedade capitalista burguesia sobre o pro letariado. As
(nomeadamente, en tre classes; entre ideologias que estabelecem as regras
forças e relações de pro dução; e entre são as das classes dominantes, dos
progressão das riquezas e miséria ideólogos – produtos típicos das universi
crescente da maioria) conduzirão à crise dades burguesas (Morrow e Torres,
revolucionária: a revolução do pro 1997: 25).
letariado, feita pela maioria em benefício
de todos. Na sequência (e em As ideias da classe dominante
consequên cia) dessa revolução, são, em todas as épocas, as
ocorrerá a supressão si multânea do ideias do minantes, ou seja, a
capitalismo e das classes (Aron, 1991: classe que é o poder material
147). dominante da sociedade é, ao
A educação não é temática dominante na mesmo tempo, o seu poder
espiritual dominante. A classe
1
Karl Marx faz referência a educação nos do que tem à sua disposição os
cumentos Manifesto do Partido Comunista meios para a produção material
(1848), Instruções aos Delegados do Congresso dispõe assim, ao mesmo
da As sociação Internacional dos Trabalhadores
tempo, dos meios para a produção espiritual. As ideias
produção es piritual, pelo que dominantes não são mais do
lhe estão as sim, ao mesmo que a expressão ideal [ideell]
tempo, submeti das em média das re
as ideias daque les a quem
faltam os meios para a www.bocc.ubi.pt
Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 3
2
lações materiais dominantes, as Marx, Karl, & Engels, Friedrich (1845). A
re lações materiais dominantes Ideologia Alemã. Retirado em Setembro 7, 2010
con cebidas como ideias; de http://www.marxists.org/portugues/
marx/1845/ideologia-alema-oe/cap2. htm#i10.
portanto, das relações que 3
Marx, Karl (1845). Teses sobre Feuer bach.
precisamente tornam Retirado em Setembro 7, 2010 de:
dominante uma classe, portanto http://www.marxists.org/portugues/
as ideias do seu domínio. Os in marx/1845/tesfeuer.htm.
divíduos que constituem a
classe dominante também têm, www.bocc.ubi.pt
entre ou tras coisas, de educação igualitário, para todos os
consciência, e daí que pensem; indiví duos, no propagandístico
na medida, portanto, em que Manifesto do Par tido Comunista. No
dominam como classe e de segundo capítulo do texto, intitulado
terminam todo o conteúdo de Proletários e Comunistas, Marx defende
uma época histórica, é evidente que uma das medidas “ine vitáveis como
que o fazem em toda a sua meios de revolucionamento de todo o
extensão, e portanto, entre mundo” é a “Educação pública e gra tuita
outras coisas, do minam de todas as crianças”4. A educação,
também como pensadores, reivindicada como direito pela classe ope
como produtores de ideias, rária, institucionaliza-se como paradigma
regu lam a produção e a social. Caminha-se em direcção à
distribuição de ideias do seu universa lização (e à massificação) do
tempo; que, portanto, as suas ensino, em di recção à educação de e
ideias são as ideias domi para todos.
nantes da época. [Marx e O modelo de educação preconizado
Engels (1845-1846), A por Marx é apresentado com maior
Ideologia Alemã].2 detalhe no I Congresso da Associação
Internacional dos Trabalhadores, em
As ideias passadas pela escola 1866. O documento Ins truções aos
burguesa à classe operária, passadas ao Delegados do Congresso da AIT define o
proletariado por professores ao serviço que se entende por educação numa
da “reprodução” cultural-social (e, neste perspectiva marxista:
sentido, “o educador tem ele próprio de Por educação entendemos três
ser educado”3), criam uma falsa
consciência de classe. Para su perar coisas: 1. Educação intelectual;
essa tensão, Marx apresenta várias pro
postas, dispersas por obras mais ou 2. Educação corporal, tal como é pro
menos relevantes, ao longo dos anos. duzida pelos exercícios de ginástica
Em 1848, Karl Marx propõe um modelo e militares;
3. Educação tecnológica, abrangendo indústria. A divisão das cri anças e
os princípios gerais e científicos de dos adolescentes em três cate
to dos os processos de produção e, 4
ao mesmo tempo, iniciando as Marx, Karl, & Engels, Friedrich (1848).
Manifesto do Partido Comunista. Reti rado em
crianças e os adolescentes na Setembro 7, 2010 de: http:
manipulação dos instrumentos //www.marxists.org/portugues/marx/
elementares de todos os ramos da 1848/ManifestoDoPartidoComunista/
cap2.htm.
4 Paula Cristina Lopes
posição ocupada dentro da divisão social um ser individual (e, nesta abordagem,
do trabalho”. (Ortega, 1999: 13) aproxima-se, em ter mos de colaboração
A proposta educativa de Durkheim as teórica, à psicologia), mas também como
senta na socialização progressiva das no um ser social [Durkheim afirma a
vas gerações como meio de preservar a existência no indivíduo de dois seres,
or dem social (a pedagogia reproduz a distintos embora separáveis apenas por
orga nização social). Para que haja abstracção: o “ser individual’ (estados
educação é, pois, necessário “termos em mentais particulares) e o “ser social” (sis
presença uma geração de adultos e uma tema de ideias, sentimentos e hábitos
geração de jovens, e uma acção que experimem o grupo ou grupos a que
exercida pelos primeiros sobre os per tencemos). O fim da educação é
segundos” (Durkheim, 2009: 49). Pela constituir
leitura da sua definição (a “fórmula”) de e esse “ser social” (Durkheim, 2009: 53)].
ducação, A educação “perpetua e reforça a
homogenei dade [entre os seus
a educação é a acção exercida membros] fixando com antecedência na
pelas gerações adultas sobre alma da criança as simili tudes que a
aque las que ainda não estão vida colectiva exige” (Durkheim, 2009:
maduras para a vida social. 52). Ela “cria no homem um novo ser”
Tem por objecto suscitar e (Durkheim, 2009: 54):
desenvolver na criança um
certo número de estados físi o ser novo que a acção
cos, intelectuais e morais que colectiva, por via da educação,
lhe exigem a sociedade política edifica assim em cada um de
no seu conjunto e o meio ao nós, representa o que há de
qual se des tina melhor em nós, o que há em
particularmente. (Durkheim, nós de verdadeiramente hu
2009: 53) mano. O homem, com efeito, só
é um homem porque vive em so
deduzimos a ampliação do conceito: a ciedade. (Durkheim, 2009: 57)
e ducação é a acção exercida por pais e
pro fessores sobre a criança; é uma A educação é um processo de
acção que ocorre ininterruptamente; é socializa ção constante do indivíduo que
uma acção que constitui a criança como tem por fi nalidade “fazer dele um ser
verdadeiramente humano” (Durkheim, Do ponto de vista durhkeimiano, o sis
2009: 59), um ser novo, assegurando, tema educativo deve ser meritocrático
simultaneamente e em consequência, (de expressão das capacidades
“entre os cidadãos uma co munhão de individuais) em bora reconheça o peso
ideias e de sentimentos sem os quais da “herança cega”: “mesmo que o
qualquer sociedade é impossível” percurso de uma criança não fosse, em
(Durkheim, 2009: 61). Há, portanto, uma grande parte, predeterminado por uma
dupla consequência: a progressão indivi hereditariedade cega, a diversidade
dual e a manutenção social. Na sociolo moral das profissões não deixaria de
gia durkheimiana, entre ‘sociedade’ e arras tar consigo uma grande
‘indi víduo’ não existe propriamente diversidade pedagó
conflito; pelo contrário, sociedade e
indivíduo são ideias inter-dependentes. www.bocc.ubi.pt
Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas 7
gica” (Durkheim, 2009: 50). Neste par deus, ele é o intérprete das grandes
ticular, como cada profissão é ideias morais do seu tempo e do seu
caracterizada por uma bateria de país” (Durkheim, 2009: 69). Este ‘intér
competências teórico práticas, “a partir prete’ deve atender à individualidade que
de uma certa idade, [a educação] não há em cada criança e deve procurar
poderá manter-se a mesma para todos “favorecer” o seu desenvolvimento
os indivíduos aos quais se aplica” (interessante como também Marx
(Durkheim, 2009: 97), o que nos leva, abordou a questão, embora de forma
por um lado, à ideia de uma crescente absolutamente distinta, ao criticar a
divisão do trabalho social, e, por outro, à concepção burguesa de educação que,
de uma cres cente especialização: na sua perspectiva, não considera as
crianças como seres concretos mas
é a sociedade que, para poder como seres abstractos). “Em vez de
sub sistir, precisa que o aplicar a todos, de uma forma
trabalho se di vida entre os
seus membros, e de uma forma www.bocc.ubi.pt
mais do que de outra. É por invariável, a mesma regulamentação
isso que prepara com as suas impes soal e uniforme, deverá, pelo
próprias mãos, pela via da e contrário, di versificar os métodos
ducação, os trabalhadores segundo os tempera mentos e as
especia lizados de que precisa. características próprias de cada
É pois por ela e através dela inteligência. (...) Uma educação
que a educação é tão empírica, maquinal, não pode deixar de
diversificada. (Durkheim, 2009: ser compreen siva e niveladora”
98) (Durkheim, 2009: 84).
Durkheim distingue educação de peda
O significado social do trabalho do edu gogia. A educação é a matéria da peda
cador também é abordado. O professor gogia; a pedagogia é a reflexão sobre fac
(laico) deve acreditar na “sua tarefa e na tos da educação, é, por assim dizer, uma
grandeza da sua tarefa” já que ele é “a teo ria prática. Na mesma linha
voz de uma grande pessoa moral que o conceptual, de fine práticas educativas
ultrapassa: é a sociedade. Da mesma como modalidades da relação entre
forma que o padre é o intérprete do seu
gerações, que servem de objecto a uma fins que a educação deve seguir em
ciência: a ciência da edu cação. “As cada momento (...) o ideal pedagógico
práticas educativas não são factos de uma época exprime antes de mais o
isolados uns dos outros; mas, para uma estado da so ciedade na época
mesma sociedade, estão ligados num considerada” (Durkheim, 2009: 89).
mesmo sistema em que todas as partes A educação é assim, na teoria durkhei
con tribuem para um mesmo fim: é o miana, um meio de auto-renovação das
sistema de educação próprio de um lugar so ciedades, o ‘cimento’ que une os
e de um tempo” (Durkheim, 2009: 75). As indivíduos numa suficiente
aspi rações (ideais) de uma sociedade, homogeneidade (afirmando se,
que variam consoante o momento simultaneamente, a coexistência da diver
histórico que atra vessa, traduzem-se em sidade) que assegura a manutenção, a
doutrinas pedagógi cas que dependem, coesão social. Para além da família, por
também elas, do estado do ensino em exemplo, a escola é um dos pilares do
cada momento. “Só a história do ensino processo de so
e da pedagogia permite determinar os
8 Paula Cristina Lopes
gica comparativa, o pensamento dos três a sua relação com outras institui
clássicos: ções sociais (economia, burocra
cia e acção política, respectiva
os três autores partilham uma mente). Em terceiro lugar, todos
orientação comum, apesar das os três perceberam que a
suas diferentes abordagens posição da educação na
teóri cas. Em primeiro lugar, estrutura social e sua relação
unanime mente trataram a com outras insti tuições eram a
educação como instituição chave para com preender a
social macroscópica, e não dinâmica da mudança
como um amontoado de or educacional. Embora somente
ganizações (escolas, Durkheim tenha teorizado
faculdades, universidades) ou profun damente sobre os reais
como um con junto de mecanis mos de
colectividades (profes sores, desenvolvimento educa cional,
alunos e directores), nem como nenhum deles deixou dúvi das
um aglomerado de pro de que esta deveria ser uma
priedades separadas (inputs, parte integrante das suas
pro cessos, outputs). Em macroteo rias – para Marx, a
segundo lugar, Marx, Weber e mudança e ducacional nasceu
Durkheim colocaram do jogo dialéc tico entre infra-
firmemente a institui ção estrutura e super
educacional na estrutura so cial
mais ampla e propuseram www.bocc.ubi.pt
problemas interessantes sobre estrutura; para Weber, ela
estava associada à dinâmica de Parsons, Bourdieu e Passeron, Boudon.
burocra tização, embora esta Só a partir da leitura das teorias
ligação es tivesse ‘escondida clássicas da sociologia se poderá chegar
em algum ponto decisivo’; para a um entendimento mínimo do que foi (e
Durkheim, ela es taria, e do que é) “pensar a educação”.
deveria estar, unida à acção
política e, deste modo, ao de
senvolvimento de uma Bibliografia
sociedade orgânica integrada e Archer, M. (1980). “The sociology of e
normativa. (Archer, 1980: 234) ducational systems” in T.
Bottomore., S. Nowak, & M.
Evidentemente, o pensamento dos Sokolowska, Socio logy of the State
clássi cos condiciona, enquanto pilar of Art. London: Sage Publications.
seminal re flexivo, o pensamento dos
contemporâneos. Há algumas Aron, R. (1991). As Etapas do
correlações lógicas (embora não Pensamento Sociológico. Lisboa:
exaustivas): a que une Marx a Althusser, Publicações Dom Quixote.
Establet e Baudelot, Bourdieu e
Passeron, Dahrendorf; a que une Cruz, M. B. (1989). Teorias
Durkheim a Par sons, Merton ou Basil Sociológicas – Os Fundadores e os
Bernstein, mas tam bém Lévi-Strauss, Clássicos. Lisboa: Fundação
Saussure, Barthes; a que une Weber a Calouste Gulbenkian.
12 Paula Cristina Lopes
www.bocc.ubi.pt