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syost2021 Dino, inotildole: epersarde ume tems “er vino! a parte filme de Bruna Schob Resists Wovens mals O imo, a imobilidade: repensando um cinema “feminino” a partir do filme de Bruna Schelo Cerle Ma'e, Carol Alme'da, Mariare Baker 12 de margode20°8 9 Corrmerts Sera que qualquer simbolismo nos serve politicamente? Sera mesmo potente e questionador falar a partir de metaforas que pressupéem uma experiéncia de feminina universal? Mais que tudo, foram essas as questdes que nos animaram a partir de Imo, longa de estreia da diretora Bruna Schelb, a despeito do interessante risco em se apostar na forca expressiva dos simbolos como modo de narrar (alinnando-se entao 3 longa tradic3o de um cinema experimental e hope dist mover ies. /2018/08" erin moni dadorapersandmareenierinderie np-oxpar “oo Ine-ccearar amet wa syne12021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals Onde se encontra, qual a textura, cor e cheiro do nticleo duro do que significa ser mulher? Eis uma pergunta central que guia as trés encenagGes presentes nesse filme. A busca por essa esséncia do feminino, explicita no préprio titulo, é aqui performada na chave de um surrealismo que se vale de simbolos classicos de uma supesta leitura feminina das imagens. Simbolos de dgua e de outros elementos da natureza jd gastos" para falar de uma imaginada esséncia e experiéncia geral do feminino sda colocados em agao para abordar as dimensdes da opressao e da objetificagao das mulheres. Os capitulos operam a partir de uma iconografia da pintura acidental, entre o Renascimento e 0 Barroco, ¢ 6 possivel recordar aqui de como John Berger? usava dessa mesma iconogratia para [risar de que forma a Historia da Arte legitimou a mulher enquanto objeto do olhar masculino. Ne disposi¢do do quadro, em alguns jogos de luz e, principalmente, na relacdo que as Urés mulheres em cena estabelecem com os espagos e objetos que as cercam, hd uma tentativa de revisdo e atualizagdo dessas dinamicas de autorizacdo/desautorizagao do olhar. O segundo bloco do filme chega a Uratar isso de forma mais direta, quando a personagem em cena arranca seus préprios olhos. Alias, ainda que a direLora cile, em debales e depoimentos sobre seu filme, o cinema de Rogério Sganzerla e de Chantal Akerman como influéncias diretas, € na cinematografia de Luis Bufuel que se encontram as referéncias mais evidentes dispostas sobre os trés momentos do Jonya: tanta a retirada dos olhos no segundo movimento, quanto a mao decepada e guardada dentro da caixa no primeiro capitulo e a mesa das pessoas da sala de jantar, no terceiro, funcionam no péndule entre Um cio ondaluz (1923) e O discreto charme do burguesia (1972) “0 discreto charme da burguesia" “Um co andaluz” bop devise mover ie.comr 2018/08" Scene mo dak neriederrir no erga. 20+ Ime-conararamsstelhy ono -sner2021 Dio, aioliliate:repersardo umn stam “er ins partrdo fluc de Bruny Seeh Resists Movene mais ga rer ae sganzeria ou ao miperrearismo ae AKErMan, AiNGa que por vias DaStaNte aIversas ~ 0 delirio € 0 excesso para um, o rigor estrutural e a economia formal para a outra - Sganzerla e Akerman ancoram seus experimentalismos no didlogo com a matriz sécio-histérica na qual suas respectivas criagGes se inserem. Bufiuel também o faz 4 sua maneira, evidentemente, mas se em Imo lemos tracos que 0 aproximam de sua obra, nao é pela habilidade em criar correspondéncia entre o fantastico e 0 real, entre o sonho € a vigilia, e sirn em funcao de associagdes evidentes com algumas situacées ja encenadas pelo diretor, como as mencionadas acima. Essas associacdes, contudo, aparecem quase entre aspas, destacadas de um discurso critico e original. O que parece fakar em Imo é justamente uma dimensao critica que poderia vir a complexificar a ideia de feminino que se tenta construir, algo que pudesse perturbar a prépria order interna do filme de modo a sublinhar quao dificil é a tarefa de narrar um “ser mulher”. O que ternos, ao revés, 6 um exercicio de reiteracdo, bloca apés bloco, de simbologias um tanto dbvias, e uma colegio de situagées que parecer girar em talso a0 redor da mesmo equivoco: a j4 mencionada intencdo essencialista que, além de anacrénica e totalizante, € ingénua considerando 0 contexto no qual o filme se insere, esse momento em que, finalmente, questées interseccionais tomam félego no debate feminista que ocorre no Brasil, E muito importante ver esse trabalho entrar em conversa direta com outros filmes, sejam eles recentes ou mesmo os diretamente herdeiros da escola experimental e do contracinema feminista dos anos 1970, tais como Barbara Harnmer, Laura Mulvey, Yvonne Rainer e Marguerite Duras. H4 nesse contato possibilidades de tentarmos, entre outras coisas, identificar © quao custosa pode ser a cruzada por esse Santo Graal que contém a esséncia do feminino. Séo muitos os dilemas do essencialismo e nada recentes: pelo menos desde que a abolicionista e mulher um dia escravizada Sojourner Truth subiu ao palco do debate para indagar “Ain't I a woman?", em 1851, somos obrigadas a compreender © quanto a ideia de sujeita fer ina universal € excludente e privilegia o kigar da mulher branca, cisgénera, de classe média e heterossexual, deixando de fora toda uma variedade de experiéncias femininas que no apenas nao formam um conjunto hamagéneo como se contradizem internamente 0 sujeito do feminismo, como destaca Teresa de Lauretis?, exige pensar o que esta dentro e fora da roprosentacéa de género, refletindo sobre 9 que essa representac3a engloba e, sobretudo, sobre 0 que ela exclui, Como transpor, para um filme, essa conseiéneia critica do lugar do feminine atravessado pelo que resta fora dele ou de sua representagio? Uma das bape dist mover es.com 2018/04" entrar mon daderopersando-arec nerisderir np orp. eer Imecconarsrascrelby ano syoer2021 iro, «otis: epersardo um ¢ rem “er ino’ a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovenes mals rigorasamente composto e bem delimitado, mas aberto ao fluxo do real que 0 atravessa e perturba. E é 0 que parece falar no filme de Schelb, construido de modo a isolar seus elementos de qualquer perlurbagao ou contradicio, por forga de uma coeréncia interna que parece trabalhar apenas em fungao da ingrala tarefs de delinear o “imo” feminino. O que queremas dizer 6 que isoladas cm si mesmas - ¢ isoladas enquanto projeto com demarcada unidade estética que da liga acs scus trés capitulos - as estratégias de engajarnento que Imo fa7 com o debate feminista ¢, particularmente, com a possibilidade de uma imagem feminista no cinema, sdo anacrénicas, Ainda que claborado em um cantexto histdrico de debates interseccionais, por uma jovem diretara que, nao a toa, tra7 camo sua primeira personagem uma mulher trans, 0 filme recai em varios momentos numa auratiza¢ao da opressio feminina ¢ do lugar aparentemente univeco que essa opressdo cria na elaboracao da categoria mulher. Ja no primeire capitulo, a personagem se vé atrapalhada na sua tarefa cotidiana de cortar macas por varias mos que nascem do seu proprio corpa, entre elas, uma mao masculina, No crescendum da coreografia dos gestos, os empecilhos vo ficando insuportaveis até que a personagem decepa essa mao masculina, finalizando assim o capitulo. O simbolismo sbvio acaba por reduzir a complexidade das nossas opressdes, que Jo sao, infelizmente, tao facilmente “decepdveis” a um s6 golpe. N3o queremos tomar a obviedade como algo em si condenavel, Ha sem diivida projetos estéticos onde a obviedade é estratégica - como no melodrama, por exemplo, onde a simbolizagao exacerbada sementa o engajamento afetivo e passional proposto pela obra. Mas Imo, ao convocar na sua materialidade um didlogo com 0 universo do cinema experimental, no se instala nesse tipo de projeto onde a obviedade é um valor, Os espacos por onde a longa circula s4o 0 interior de uma casa - as fronteiras domiciliares que cabem a mulher —e 0 verde do quintal/floresta onde essa casa esta localizada - a ideia de mée natureza e da associagao entre 0 feminino e o telurico que se sobrepdem ja no plano inicial e retarnam cam forga no sequndo bloce do filme. Os objetas igqualmente reiteram uma simbologia que nao abre muitas brechas para duvidas: as jé ciladas magas, 0 passaro na gaiola, o espelho, a carne da mulher posta sobre a mesa do jantar, a fruta-vulva, a manequim Judo esté ali para sublinhar que se rata de um filme com os pés bem fincados em uma esfera simbélica bastante compactuada com 0 campo psicanalitica do que significa “ser” mulher ou homem, sem contudo elaborar sobre © que nos [eva a interiorizar essas naturalizages, ou mesmo camo estas vam atravessadas de redes complexas que nao cabern nas polaridades do bape dist mover es.com 2018/04" entrar moni daderopersando-arec nerisderir np orp. eo Imesconarsramsselhy “no syner2021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals construgdo cristalizadora n&o apenas da mulher, mas do homem, posto que a masculinidade em cena é apenas aquela que atende ao discurso binario opressor/oprimida. E talvec movida por essa pulsdo do imedialto e de um debate necessdrio — refleltida lambém nas angustias que o proprio festival de liradentes apresentou em sua edi¢do de 2017, quando © lonya Subybaya, de Léa Pyrata, foi justamente questionado por suas representagdes do feminino ¢ do feminismo - que Schelb articula uma resposta surrealista de cédigos facilmente apreensiveis. E nesse mo ento de performar uma imaginada substancia da condigao feminina, ela termina se valendo de cristalizagées que parecer, assim como suas trés personagens, enclausuradas num espago de ndo-reagio e silenciamento. A pontuar que o filme 4 todo construido a partir da auséncia de palavras, ¢ o que poderia ser um artificio extremamente sofisticado (e ousada} para Bdar com o tema em um longa-metragem - como se insurgir usando as armas que o sistema aponta cantra voc? - termina apenas reiterando uma imobilidade daquelas mulheres ilhadas em uma casa onde nem elas mesmas se encontram. Seja cortando/decepando macas enquanto maos estranhas tentam impedir suas aces no primeiro bloco, seja se expondo ao espelho, ou se colocando nua sobre uma mesa onde homens gargalham os privilégios de serem homens diante do “banquete” a eles apresentado, © movimento de reacdo dessas mulheres ¢ sempre muito contido, Mesma no Ultimo bloco, talvez a mais didatico de todos, quando se esboca um movimento catértico de resposta da mulher 4 sua condi¢io socialmente construida, 0 gesto parece mais timido do que esperavamos que fosse: no mamento em que se percebe objeto de cena, a mulher nua sobre a mesa se levanta e passa a encher as tacas dos homens com a sangue que sai de um corte em sua barriga, bebida que logo depois eles desfrutam, desavisados do liquide que atravessa seus dentes. Perder a oportunidade de colocar nesses copos 0 sangue menstrual parece ser menos uma tentativa de fugir de mais um simbob evidente (se jd havia tantos, por que ndo mais um?}, e mais um direcionamento por uma imagem ponderada e no ofensiva. Como se 0 préprio filme nao conseguisse sair desse lugar de uma coreografada e, de certa forma, respeitosa imobilidade que define e contém suas personagens. Imo surge como sintoma de algumas falas que atravessam o discurso feminista sobre e no cinema brasileiro contemporaneamente. £ importante enquanto exercicio de realizacdo de uma diretora em principio de carreira e certamente bem intencionada, disposta a assumir, ope dist mover es.com 2018/04" entrar mos daderopersando-arec nerisderir np orp. eer Imesconarsramscelby 0 syner2021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals algum ponto de estabilizagde, como se fosse mesmo possivel definir um “cinema feminine” calcado em certos elementos expressivos abundantes em Imo, como o siléncio, a imobilidade, © hermetismo, o enigma. Em Tiradentes, as autoras desse texto formavam uma maioria no juiri da critica, acontecimento se ndo Unico, raro na historia do festival Como consequéncia, sentimos no ar certa expectativa pela premiagao de um filme explicitamente pautado pela questaa de género porque, oras, nao é isso que interessa as mulheres, sobretudo, as feministas? Dentro ou fora do filme, pois, 0 problema parece ser 0 mesmo: a concep¢o de um sujeito do feminisma univoco, que ndo deixa margem para a contradigao @ a alteridade, para o que, de fora da representacdo, chega para tensiondla e desestabilizd-la. Este texto, escrito pelas trés singulares mas femininas @ leministas do Juri da critica de Tiradentes 2018, € ua conversa a partir e com Imo. Mais que isso, 6 uma conversa com o debate e as referéncias do cinema feminino 2 dos feminismos que de modo importante vém aparecendo cada vez mais (e lomara que mais ainda) no contexto brasileiro contempordineo. Assim, nao se trala de um exercicio de critica singular de um filme, trala-se de uma partitha de reflexdu, Enlendemos que s6 conseguiremos amadurecer o debale feminista se investirmos numa ruptura critica que opere um desvio da matric essen jalista, de modo a questionar, sem descanso, a Lentativa de representagdo de um suposto “universo feminino”. Desse universo, afinal, ja temos representacées suficientes, Mulheres em casa, bordando, preparanda refeigées, se olhande no espelho, mulheres jovens, atraentes, silenciosas, contidas, isaladas, angustiadas, 4 mercé de apetite masculino, disse tudo ja vimos o bastante no cinema, na televisda ¢ na publicidade. Chantal Akerman, certa vez, disse que um filme ¢ feminista ndo pelo 0 que mostra, mas por como se mostra.’ Fm outras palavras, ndo basta a boa intencdo de filmar mulheres, ¢ preciso refletir sabre como filmar mulheres de modo a nao aprisionaas nas mesmas representagdes que tanta queremos desconstruir. Foi justamente esse “como” que nos pareceu fragil em Ime: a escolha pelo pastiche de situacdes e estratégias vindas do cinema experimental e da performance tem seu mérito como exercicio de realizagao, mas nao responde 4 necessidade de abalar ou ampliar as fronteiras da representacdo da mulher no cinema e as formas de existéncia das mulheres no mundo. Se a insergéo de Imo em um festival como Tiradentes pode ser encarado como uma resposta a demanda por reflexdes sobre a presenca feminina no cinema brasileiro hoje - na realizacao, form rans no rritirs— nraricarnnc virnentamante rafarm! bape devise mover .com 2018/04" emtrora non daderopersando-arec nerisderie np orp. eo Ime-comarsrasselhy ona syner2021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals 11=Tais sirrbolos s’io ammplamente usados numa iconografia ocicenval das artes visuais, como na Vénus de Botticelli e nos diversos quadros com c tema do suicidio da Ofélia ou em filmes mais contemporAnecs como Elena (Petra Costa, 2012), Melancolia {Lars Von Trier, 2011). Masmo numa referéncia das religiosicades africanas. por exemplo, a agua lambém se associa ao feminino em arixds e entidades como Oxum e lemanja. 2 Berger trata do “olhar masculino” sobre a mulher na segunda capizulo de sua série Modos de ver. 3-— AURETIS. A lecnologia do género. Ini HOLLANDA. Tendéncias e impasses: 0 leminismo como critica da cultura. Rio de Janeiro: Racco, 1994. 4 AKERMAN apuc LAURETIS. Figures of resistance. Essays in feminist thcory. Urbana and Chicago: University of Illinois Press Chicago, 2007, p. 32. Por Carla Maia, Carol Almeicia ¢ Mariana Baltar CATEGORIAS 21" Mostra ce Tiradenies Next O atrack de Mademoiselle Leona 3 DE FEVEREIRO DE 2018 previous “Imo” e os caminhos de interpretacao: um debate aberto 28 DE MARGD DE 2018 hope dist mover es.com 2018/04" entrar mon daderopersando-arec nerisderir np orp. eer Imesconarsrascelhy 70 syner2021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals hope dist mover es.com 2018/04" entrar mon daderopersando-arec nerisderir np orp. eer Imesconarsrascelhy ano syner2021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals Deixe uma resposta Comentario Nome * E-mail * Site Favor digite a resposta em digitos: 2*um= hope drvisle moveriex.co 2018/08" Seer moni dadoropersadkmareenerinderie np-orpar “oo Ine-coenraramecelhy a0 syner2021 Dio, «otis: epersardo um & rem “erin a partido filme de Bruns Sckoh —Reviste ovens mals © 20°6 Revista Moventes ope dist mover es.com 2018/04" e-trora mon daderopersando-arec nerisderie np expr. 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