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OS MAIS BELOS | BELos Og ntos CRws's og DOS MAIS FAMOSOS AUTORES M PUCHKIN;— GOGOL — A.K. TOLSTOI TURGUENEV — KOROLENKO — GORKI TCHEKHOV — GARSHIN — BUNIN LEONOV — AVERTCHENKO FELEKHOV— EHRENBURG— PRISHVIN PANFEROV — PILNIAK — BERKOVITCH TZENSKY — POLIAKOV — SHPANOV SCHAPIRO, etc., etc, SEGUNDA SRE Casa Editéra Vecchi Ltda. Rua do Resende, 144 RIO DE JANEIRO iin as Ee i ; 4 Scanned by CamScanner ne sane seni Esta publicacao foi digitalizada por. Milton dos Santos como um esforco de preservagao e divulgacdo da obra do escritor russo Leonid N. Andreyev (1871-1919) publicada em Portugués (Brasil e Portugal) eee This publication has been scanned by Milton dos Santos as an effort to preserve and disseminate the work of the Russian writer Leonid N. Andreyev (1871-1919) published in Portuguese (Brazil and Portugal) Se este trabalho é util ou de interesse para vocé, agradecemos seu apoio em divulga-lo! Nota: nao ha nenhuma intengao de se trans- gredir eventuais direitos autorais existentes sobre esta obra. Para qualquer esclarecimento ou questionamento, favor entrar em contato pelo e-mail Inandreyev@gmail.com., oes /f this work is useful or interesting for you, well be thankful for your help to promote it. Note: there is no intention to inftinge any existing copyright on this work. For any inquiry or question, please contact by email Inandreyev@gmail.com. eee Para mais informagées sobre este autor: For more information about this author: Oo leonid-andreyev.blogspot.com.br Fi facebook.com/andreyevleonid Scanned by GamScanner Jos a BELO S| CONTOS | RUSSOS SEGUND 5B ERR mE | TRADUTORES FREDERICO DOS REYS COUTINHO ie | ! MANUEL R. DA SILVA ENEIAS MARZANO ALFREDO FERREIRA LIBERO RANGEL DE ANDRADE EDISON CARNEIRO GILBERTO GALVAO J. DA CUNHA BORGES | CARLOS CASANOVA GALVAO DE QUEIROZ Direitos reservados. Priated in Brasil MCMXLV Scannex by CamScanner LEONIDAS ANDREIEV UMA FLOR ESPEZINHADA Chamava-se Yura. Completara sete anos, O mundo parecia-lhe enorme ¢ | cheio de maravilhosos mistérios. Tudo em sua volta 0 en- canlava . Conhecia bastante bem o céu, com as suas soils Se dades amis © com as suas nuvens de peitos brancos, ora prateadas, ora douradas, que passam lentamente, sem que | $e saiba para onde vio; seguia-as freqiientemente com o ‘olbar, deitado sébre a alva ou de cima do terrago da casa. m troca, mal conhecia as estrélas, porque se deitaya muito ‘eedinho. $6 sabia de uma estréla verde, grande e muito pro- > Xima da terra, a estréla que aparecia no céu pilido antes F Riis éle ir para a cama, Devia ser a maior de todas as - estrélas. ~__O que mais conkecia era o patio, o jardim e a rua com "a5 suas riquezas inesgoléyeis de pedras, de ervas c de po “steo, aveludado, e com os seus montoes de lixo extraordini- “riamente yariados, misleriosos © encantadores e nos quais _ niio Teparam as pessdas mais yelhas, do alto da sua cleyada _estatura. Ao adormecer, a noite, Yura via na sua imagi- Berea cle meen a da maravilhosos objetos que costumam } om eee de lixo: uma pedra brilhando ao ! um pedago de - ou um farrapo. | Quando, oe pela mie, percorria as grandes do centro da cidade, o que o impressionava mais niio n as amplas pedras das calcadas, sébre as quais seus m muito pequenos e semelhavam duas diminutas UMA FLOR ESPEZINDADA 281 canoas; nem as rodas das numerosas carruagens que corriam sem cessar, nem os cayalos o impressionavam tio profunda- mente como aquéle aspecto novo ¢ impressionante da terra. Tudo quanto via lhe parecia enorme; ns paredes, as arvores, os cachorros c os homens. Isto, no entanto, néo o } assombrava nem o espantava, antes, pelo contrério, servia i para tornar-lhe a vida muito mais interessante, transfor- mando-a para éle em um milagre encantador. Yura tinha sua medida prépria para tudo quanto o ! cercava. i Seu pai cquivalia a dez metros. Sua mie a trés. \ O cachorro brave do quintal vizinho a trinta metros. “Nosso” cachorro, a’'dez metros, como o papa. “Nossa” casa, embora de um sé andar, a um quili metro. Era altissima! A distincia de um ao ontro lado da rua, a dois qui- lametros. “Nosso” jardim ¢ suas drvores cram infinitamente grandes e incomensuriveis. A cidade era para éle o equivalente de um milhio em- bora nao soubesse de que. ' E assim tudo 0 mai: Conhecia bastante gente, entre grandes e pequenos. Mas | conhecia e apreciava melhor os pequenos, com os quais se | podia falar de tudo. As pessoas mais velhas conduziam-se \ nésciamente, faziam perguntas estipidas, aborrecidas, tri | yiais e conhecidas de todos, Ao falar com elas era preciso fingir-sc de hobo, balbuciar e dizer ingenuidades. Isso tor- | nava-se, naturalmente, cnfadonho,e Yura sentia o desejo de , ir-se embora quanto antes para longe de tais pessoas. t Sem embargo, por cima déle c & sua volta, existiam duas pessoas ao mesmo tempo grandes ¢ pequenas, muito inteligentes c¢ muito tolas; eram o sew papd'e a sua mami. Seguramente cram duas boas pessoas, pois de contririo ' nio poderiam ser papd c mama. Em todo 0 caso, niio res- tava diivida que se tralava de duas pessoas encantadoras c tnicas. Podia-se afirmar, sem diivida alguma, que o papd i Scanhee By Camocanner $$$ 282 LEGNIDAS ANDREIEV era muito grande ¢ terrivelmente sibio, e que Possuia um poder tio ilimitado que chegava a inspirar até médo, Tor- nava-se muito intergssante falar com @le A cérca de coisas extraordindrias, pondo, para maior seguranga, a mao na sua enorme mio, forte © quente. A mami, em troca, nio era tio grande; havia vézes em que até parecia muito peque- aha. Possufa uma grande bondade, dava beijos muito meigos e compreendia bastante bem — melhor que o papi © que Yura queria dizer quando lhe doia o estémago, Unica- mente com cla encontrava descango no sentir-se farlo da vida c dos brinquedos ou ao ser vitima de qualquer in tiga dolorosa. Na presenga do papa tornava-se desagradivel chorar, ¢ talvez fosse alé perigoso querer satisfazer tados 9s caprichos, Com a mami, 20 contririo, as légrimas tinham um sabor muito agradavel e enchiam o coraciio de uma za tao doce, que Yura nado encontrava nada igual nos brinquedos, nem no riso, nem sequer ao ler os terriveis contos de fadas. Havia que acrescentar que a mama era extraordiniria- mente formosa, pelo que todo o mundo se enamorava dela. Yura orgulhava-se disso, ainda que por outro lado lhe pa- recesse mal, posto que os que se enamoravam da mami poderiam levé-la. Sempre que qualquer homem — um daqueles senhores enormes, hostis e absortos tédas as horas em si mesmos — contemplava longa e fixamente a mami, Yura sentia um certo malestar, nao isento de inquictagio. Queria meter-se entre a mama e aquéles homens, ¢ fazia-lhe médo deixi-la s6 com éles, Algumas vézes a mami dizia-lhe palavras que o as sustavam. — Que fazes aqui? Vai brincar! Que remédio lhe restava seniio ir-se? Em outras ocasides levava o seu caderno e punha-se a desenhar, para ter o direito de ficar entre a mami e aquéles homens. Mas isso néo-adiantava nada. — Vai para o teu quarto, meu Yura — dizia-lhe a mama. — “Ja derramasie de nove dgua na toalha”. Scanned by GamScanner | ; } UMA FLOR ESPEZINHADA 283 O pior era quando um visitante suspeito e perigoso chegava no momento de Yura ir-se deitar, porque entéo nio podia vigid-lo para afastar da mami os perigos. De um modo geral, quando a mama recebia as visitas daqueles homens suspeitos, Yura experimentava um senti- mento estranho e forte ao mesmo tempo. Parecia-lhe que substituia o pai ausente. Isso o fazia até um pouco mais velho c punha-o de ma catadura, Mas, em compensagiio, tornava-se muito inteligente, astuto e grave. Ele, natural- mente, nio ja a ninguém uma dnica palavra daquilo; daya-se perfeita conta de que nfo o comprecnderiam. Mas quando depois de ter procedido assim, principiava a acari- ciar o papa, sentado nos scus joelhos, sentia-se como um homem que acaba de cumprir o seu dever. Acontecia-lhe algumas vézes que o papdé nao com- preendia os nobres sentimentos de Yura, ¢ repelia-o: — Vai brincar! Ou entio: — Deita-te Mas Yura nido se ofendia por isso, ¢ ia com muito gisto. Ele nao pretendia que o compreendessem. Mais ainda: assustava-o ser compreendido. Chegava até a dissimular com astticia. Quando lhe perguntavam por que tinha chorado, fingia nfo ouvir a pergunta, ou estar absorto nos seus brin- quedos, embora entendesse e visse tudo demasiado bem. Yura possufa j4 um terrivel segrédo; tinha-se dado conta de que aquéles dois séres encantadores e extraordi- ndrios, quer dizer, 0 papi e a mama, eram algumas vézes muito desgragades um com o outro, ¢ ocultavam-no a todo o mundo, Por isso ocultou éle também a sua descoberta ¢ fingiu que tudo marchava as mil maravilhas. Muilas vézes via a mama chorando em um canto do salio, ou da alcova. A alcova dos meninos ficava ao lado da dos pais. Em certa ocasiéo, quase ao amanhever, ouvira a voz terrivel ¢ cheia de célera do papa e a voz chorosa da mama. Yura nao se atrevia a levantar a cabeca © fingia estar adormecido, contendo a respiragio; mas depois assustou-se 4 Scanned By CamScanner ——__e__—?— qt 284 LEQNIDAS ANDREIEYV lanto com aquela conversa tempestuosa no meio da noite, que perguntou com voz abafada a velha ama: — Que esto éles dizendo? A velha, espantada, respondeu-lhe em voz bnixa: —Dorme... dorme! Isso niio é nada...! ~Quero ir para a tua camal — Nao tens vergonha? Tao grande ja, ¢ ainda querendo dormir com a ama... — Quero ir para a tua cama! Tenho médo...! O papa e a mama falaram durante muito tempo, esfor- cando-se por nio gritar; provivelmente nao queriam que se ouvisse nada do que Yura acabou por deitar-se no lado da ama, entre os lengdis tesos e duros, embora quentes © agradaveis. No manha seguinte o papi e a mama estavam muito alegres. Yura fingia acreditar naquela’ alegria, e talvez acabasse, efetivamente, acreditando nela. Mas naquela mesma tarde — ou talvez algumas horas depois — Yura viu 0 seu papa chorar, Foi do seguinte modo: ao passar Yurar por diante da porta entreaberta do escritério do papd, ouviu um rumor estranho e lancou um olhar Ja para dentro; enlio viu o papa deitado de brugos no sofa e chorando em voz alta. Estaya 86 no aposento. Yura foi-se embora; mas depois de ter dado uma volta por tédq a casa, voltou outra vez a porta entreaberta do escrilério, O papa continuava chorando. Tudo poderia explicar-se se, ao menos, chorasse silenciosa- mente; mas ndo era assim; antes solugava com forga, ran- gindo os dentes! Seu papi, tio enorme ec tao extraordindrio, estendido a comprido no sofi e, com os ombros trémulos, chorando com tédas as suas fércas...! Yura ficou estupe- fato. Uma limpada langava uma luz avermelhada sabre a escrivaninha, em cima da qual estavam dispostes lapis, ca- nelas, ¢ outros objetos preciosos, que sempre tentavam Yura. De repente o papd soltou um longo suspiro, e¢ me- cheu-se. Yura afastou-se nas pontas dos pés, procurando nio fazer ruido. A vida coutinuou depois o seu curso ordindrio. Nin- guém sabia a que se passava no escritério do papd. Mas » Scanned by CamScanner~ UMA FLOR ESPEZINHADA 285 imagem daquele homem enorme, misterioso e encantador, que cra o papa, e¢ que, sem cmbargo, chorava, gravou-se na meméria de Yura de maneira inapagavel. O menino guar- dava ciosamente siléncio sébre aquela impressio, como se se tratasse de uma coisa sagrada e terrivel, e com ésse. si- léncio amava o pai ainda mais profundamente; ao mesmo tempo ocultava-lhe aquéle amor, pois nio convinha que o papa percebesse isso, Tinha de fazer acreditar que tudo caminhava 4s mil maravilhas, no melhor dos mundos. Yura conseguiu isso plenamente; o papd nio percebeu L que @le o amava de maneira particular, ¢ quanto a dar a entender que acreditava que tudo caminhava 4s mil mara- vilhas, nao ¢ra coisa demasiado dificil e ainda mais se con- siderarmos que a sua vida cra, na realidade, muito inte- ressantc. Tudo Ihe intercssava © o apaixonava: o sol, os ramos das irvores ¢ os horizontes longinquos, que via do terrago da casa. Ainda nao podia desligar-se de tudo quanto o cer- cava; quando a erva exalava um delicioso perfume, Yura i pensava que aquéle perfume brotava déle mesmo; quando se deitava na sua caminha, experimentava a sensagio de que, juntamente com éle, deitavam-se o imenso quintal, a rua, a chuya, os charcos, enfim, todo o mundo enorme, en- cantador e misterioso. Tudo adormecia ¢ acordava com éle, O que o impressionava mais cra considerar que, se antes de deitar-se, enfiava um pau na terra, na manhi seguihte cn- contrava-o no mesmo lugar; os brinquedos que escondera na véspera, também nfo se moviam do seu lugar e pareciam , esperé-lo. Tomava-os por coisas vivas. Se podiam man- terse no seu lugar, também podiam afastar-se déle; por ésse motivo o melhor era esconder os abjetos mais preciosos : debaixo do travesseiro; assim ficara mais trangiilo. Além disso sentia-se feliz ao verificar que a ama, a casa e o sol ; existiam, nio sdmente “‘ontem”, quando se metera na cama, e sim todos os dias. Tanto lhe agradava aquilo que, mal abria os olhos pela manhd, sentia um vivo deéseja de ri e de cantar muito alto. Quando lhe perginiavam o seu nome, respondia: — Yura. \ csr é Scanned by CamScanner ~ 286 LEONIDAS ANDREIEY Mas alguns nao se contentavam com essa resposta e insistiam para que lhes dissesse todo o seu nome. Entio éle respondia: — Yury Mijailovich. E em scguida, depois de uma curta vacilagdo, acres- centava: — Yury Mijailovich Puchkarev. Era um dia extraordinirio: o dia dos anos da mama, Viriam noite 03 convidados, ¢ haveria uma banda militar. No jardim e na varanda acender-se-iam baléezinhos multi+ cores, Yura deitar-se-ia, nfo as nove, como sempre, porém muito mais tarde. Levantou-se quando todo 9 mundo ainda dormia, yes- tiu-se ds pressas, e passou revista a téda a casa, contando ver nela coisas estupendas, Mas ficou surpreendido desagra- davelmente; os aposentos — da mesma maneira que tédas as manhas — estavam ainda por arrumar, a criada e a cozi- 1 nheira dormiam e¢ a porla de entrada continuava por abrir. Tinha pensado que a casa despertaria de repente, que o pessoal comegaria a mover-se e que os aposentos tomariam um ar de festa. No jardim era ainda pior$ as alamedas estayam sem varrer e nas drvores ndo se via um unico ba- laozinho. Yura sentiu uma grande inquietagéo. Santo Deus! ; Quando iam fazer tudo aquilo? Afortunadamente viu, no pitio, © cochciro Eumeno, lavando a carruagem; embora Eumeno fizesse aquilo tédas as manhis, e tivesse 0 seu aspecto habitual, Yura surpreendia nos seus movimentos qualquer coisa de solene, Eumeno olhou distraidamente para Yura. Yura, em troca, olhou com respeito para a sua grande barba negra € compreendeu que o cocheiro era um homem muito impor- tante. — Bons dias, Eumeno — disse-lhe. Depois foram-se precipitando os acontecimentos. De Tepente apareceu o porteiro ¢ pds-se a varrer as alamedas Scanned by GamScanner ne Scannet UMA FLOR ESPEZINHADA 287 do jardim; depois se abriu uma janela da cozinha ¢ ouviu-se um coro de vozes femininas; no umbral da porta surgiu @ criada com um pequeno tapéte na mao e pés-se a baler néle com um pau como se batesse em um cachorro. Tudo principiou a mover-se ¢ a agitar-se. Os aconte- cimentos sucediam-se com tal rapidez, que lhe era impos- sivel segui-los. Enquanto a ama dava o cha a Yura, jé tinham estendido arames entre as drvores do jardim, para pen- durar os baléezinhos; arrumaram-se og méveis no salio ¢ o cocheiro Eumeno atrelou um cavalo ao carro ¢ partiu para a cidade. Deus sabe com que fim. Depois Yura, acompanhado pelo pai, comegou a pen- durar os baléezinhos no jardim. O papa mostrava-se encan- lador: ria-se, pilheriava, ajudava Yura a subir pela esca- dinha pouco sélida, e subiu éle mesmo; por fim, cairam com a escada sobre a erva, mas sem se maguarem. Yura levan- tou-se enquanto o papi, em vez disso, ficava deitado sébre a erva, com as maos debaixo da cabeca e os olhas cravados no céu azul. Daquela maneira, com o seu ar grave é sério, o papa parecia-se muito com Gulliver, quando pensava no seu pais, onde viviam homens muito grandes e de altissima eslatura. Para arrancar o papi aAqueles tristes pensamentos, Yura, sentando-se em cima dos seus joelhos dobrados, disse-lhe: —Lembras-te, papai? Quando eu era ainda muite pe- quenino, sentava-me nos teus joelhos e tu agitava-os como se {Ossem um cavalo. Porém mal tinha terminado essa frase, 9 pai levantou-o com tanta férga que Yura caiu na erva, com o nariz no chao. Yura sentiu-se ofendido e tentou mostrar a expressiéo de um homem ferido no seu amor préprio; mas o papé, como que zombando da sua célera, pos-se a fazer-lhe cécegas debaixo do brago, de modo que éle ndo teve outro remédio seniio tirse; depois o papi segurou-o pelas pernas como um lei- laozinho e levou-o para a varanda. Ao vé-lo assim, a mama exclamou espantad: —- Maa, que fazes. cabega...! Vai subir-lhe todo o sangue & yy GamScanner 288 LEGNIDAS ANDREIEV, Depois disso, Yura achou-se de pé sdbre as pernas, vermelho, com os cabelos em desordem e nito sabendo se cra muito desditoso ou muito feliz. O dia corria veloz, como um gato perseguido por um cachorro, A titulo de arautos da festa, jd préxima, che. gavam de vez em quando lacaios e criados com cartas ¢ bolos magnificos; apresentou-se depois a modista e meteu-se com a mama na aleova; depois chegaram dois senhores ¢ uma dama e mais... mais gente ainda. Yura pensava que téda a cidade estaya em agitagdo naquele din. O menino examinava enm um olbar aquelas pessoas vindas de um mundo desconhecido para éle e passeava diante delas com ar modesto e grave ao mesmo tempo, como filho daquela cujo aniversdrio se festejava; julgava dever seu receber os cavalheiros ¢ as damas que chegavam, assim como examinar os bolos e bandejas que traziam; mas, ao meio dia, sentia-se jd téo cansado, que de repente ' achou-se detestando e desprezando a vida. Teve mas pala- i yras para a ama e, com o propésito de desgostd-la, atirou-se vestido sdbre a cama, com o rosto no travesseiro, e imediay tamente ficou adormecida. Acordou com a mesma sensagio de asco contra a vida; mas depois de ter lavado os olhos e de ter olhado 4 sua volta, notou que tudo era encanigdor e delicioso neste mundo. Poucos minutus depois Ihe puseram uma roupinha de séda vermelha, com o que pode considerar-se como definiti- vamente ligado & festa. Chegando & varanda, viu servida nela uma longa mesa, com uma toalha tio branca como a neve, e recoberta de cristais. Yura era arrebatado nova- mente pelo torvelinho dos acontecimento: — Ja estéo aqui os misicos! — gritou muito como- vido, procurando o pap’, a mama, ou qualquer pessoa capaz de compreender a importincia daquele fato. O papa e a mama estavam sentados no jardim, em um bosquezinho escondide entre flores epadciras. Ambos guar- davam siléncio, A linda cabega da mami descansava sobre 9 ombro do papé. Embora éste abragasse a mamé, tinha o ar preocupado ¢ nao manifestou qualquer alegria quando Scanned by GamScanner UMA FLOR ESPEZINIADA 289 Yura anunciou a chegada dos muisicos. A mami mostrava-se também completamente indiferente ante uma noticia tao importante, Yura estaya desconcertado. Por fim a mamiic soltou-se das maos do papa, ¢ disse: — Deixa-me, porque tenho muito que fazer. —Lembra-te, ouves...2 — recomendou o papa em } um tom que inspirou certa inquietagio a Yura. | — Mas, nao tens vergonha? — perguntou a mami, sindo-se. Contudo, aquéle riso nfo causou a Yura prazer algum, antes pelo contrario, pois 9 papi continuava com o seu ar triste e grave de Gulliver, que pensasse no pais dos gigantes. Apesar disso, breve se esqueceu Yura daquelas ni- | nharias: a festa desdobrava-se ante éle com todo o seu mis- { terioso encanto. Os convidados afluiam sem cessar; em pouco tempo ja ndo havin um sé lugar vazio na grande mesa ricamente servida. Ouviam-se intimeros gritos, risos, e can- onetas; a musica principion a tocar. As alamédas do jardim, desertas havia pouco tempo e por onde somente passeava Yura imaginando que era o principe do conto em busca da princesa adormecida, encheram-se de genle que fumava e falava em voz alta. Yura espreitava a chegada dos convidados junto a porta de entrada, examinando-os atentamente, um depois do outro; com alguns déles conseguiu até cntabular relagdes amistosas, enquanto os acompanhava desde o vestibulo até a sala de jantar. Dessa maneira {éz-se amigo intimo de um oficial que se chamava Mitenka, assim, em diminutivo, como sc se tratasse de um menino. Mitenka tinha uma es- pada metida em uma bela bainha: garantia a Yura que nao | 8e podia sacar a espada da bainha, mas Yura via clagamente | que isso nao era verdade. O pior foi que aquéle tstipido de Mitenka, em vez de levar sempre consigo a espada, pres- cindiu dela e colocou-a em um canto do vestfbulo, como se se tratasse de uma simples bengala. Mas, até colocada da- : quela maneira, a espada conservava a sua importincia, vendo-se logo quanto era diferente de uma simples beng, Ruasos (2." série) — 19 Scanned By Camocanner __—<—$—$— 290 LEGNIDAS ANDREIEYV Qutra coisa causou a Yura um profundo desgésto: apresentou-se logo outro oficial, a quem ja conhecia, ¢ que se chamava, proyavelmente de pilheria, Yury Mijailovich, quer dizer, o mesmo nome de Yura. Esse falso Yury Mijai- lovich viera jd muitas vézes 4 sua casa — até montado a cavalo cm cerla ocasiio — e sempre precisamente alguns minutos antes de hora de Yura deitar-se, Yura metia-se na cama, enquanto o falso Yury Mijailovich ficava a sés com mama. Causava-lhe isso uma certa inquietagiio, Quem sabia © que podia acontecer?... Aquéle oficial nio prestava a menor atengio a Yura; agora, enquanto caminhava ao lado de Mitenka, o falso Yury Mijailovich tinha um ar inocente, como se niio fésse culpado de nada, e cofiava o bigade. Beijou a mao da mama, e Yura sentiu-se ofendide; mas como o outro oficial, o esttipido Mitenka, fizera o mesmo, Yura tranqiilizou-se. Breve comegaram a chegar convidados em tio grande numero que pareciam caidos do céu. Cafam uns junto a mesa da sala de jantar ¢ outros no jardim. Pelas alamédas aparcciam muitos estudantes e muilas mocinhas. Estas to- matam conta de Yura e puseram-se a beijocé-lo. Depois a mais bonita de tédas, que se chamava Ninochka, comegou a empurra-lo no baloigo até que éle caiu. Yura feriu-se em um joclho c sujou as calcas, mas guardou-se naturalmente de chorar; por outro lado, a dor que a queda lhe produsira acalmou-se logo. Precisamente naquele momento passou por ali o papd, acompanhado por um velho calyo, © perguu tou-lhe: — Maguaste-te? Yura nada lhe respondeu. Parccia ter enlouquecida do subito, Pos-se a soltar gritos alegres o a fazer uma porgie de coisas incompreens{veis. Experimentavn a necessidade do realizar qualquer coisa extraordiniria, So tiversso tido um sino do tamanho da cidade, teria comegado a tocd-lo com tidus as suas fSrgas. Mas como niio tinha sina, tropou em uma alta tilia que havia defronte da yaranda, Aa vi-lo vi de baixo, os convidados riam-se ¢ 1 mami comegou a grolar assustada; depois, a banda de musica comegou a tocar du repento; tendo ji descido da drvoro, Yura mantinhn-so Scannéd by Camscanner nO UMA FLOR ESPEZINIADA 291 diante dos misicos, de pé, com as pernas abertas e com um dedo metido na béca, costume ao qual tinha renunciado havia muito tempo. Qs sons da banda, semelhantes a uma tempestade, feriam-no por todos os lados, agitayam-no, e faziam-no estremecer ligeiramente. Julgava Yura que tudo tinha desaparecido e sdmente ficara no mundo aquela mu- sica. Os tambores abriam suns amplas fauces de cobre e cuspiam notas. Yura pensava que com aquéles instrumentos poderiam fazer-se lindos capacetes. Mas no tardou em sentir uma espécie de tristeza. Era certo que a musica continuava trombetcando, mas éle nio eva feliz, Soltou um profundo suspiro, cohtemplou o céu c pos-se a vaguear pelo jardim e pela casa, tudo cheio de genic. Convenceu-se com pezar de que chegava demasiado tarde a todos os lugares; teria querido ver como se dispunham as mesas para jogar as cartas, mas ja estavam dispostos com os jogadores sentados a elas. Ficou parado perto de uma das mésas, ¢ o pai félo sair dali. Teria querido ver como se principiava a dangar, e estava certo de que se dangaria no salao. Mas o baile ja tinha principiado, nao no salio, e sim sob as tilias do jardim. Teria querido ver como se acendiam os baléezinhos, mas jé todos, absolutamente todos, eslavam acesos. Dir-se-in que se tinham acendido todos ac mesmo tempo que as estrélas. Naturalmente, a mama dangava melhor que todo o mundo. Il A noite apresentou-se ao mesmo tempo que se acendia um festéo de baléezinhos vermelhos, verdes e amarclos. Féra dia enquanto tinham permanecido apagados. Mas entio 8 noite estendeu-se por todos os Jados. Penetrou na espes- sura, inundou, como se fésse agua, com aos suas frescas trevas, o jardim, a casa e o céu. Aquilo era lindo, como o lindo conto de fadas de um livro com desenhos a céres. Havia um lugar de onde a casa desaparecia por completo; nio se via mais que uma janela quadrada, gragas a luz Scanned by GamScanner 292 LEGNIDAS ANDREIEV vermelha que a iluminava; via-se também a chaminé sdbre © telhado com uma luzinha brilhante no alto. Parecia que a chaminé olhasse para baixo, enquanto pensava nos seus negocios. Que negécios podem. preocupar uma chaminé? Quem sabe? Das pessoas que continuavam no jardim nio restavam mais que as vozes, Enquanto um homem estava junto de um balidozinho aceso, era visivel; porém mal se afastava déle, desaparecia, desaparecia, ¢ nfo se ouvia mais que a sua voz erguendo-se e flutuando cornjosamente nas trevas. Unicamente se tornayam visiveis os militares e os estudantes, gracgas aos seus uniformes brancos. Cada um désses era como u’a mancha branca com a brasa do cigarro em cima, | © com a voz. Entao principiou o melhor para Yura: imaginou que } era o heréi de um conto de fadas. A gente, a festa, e os baléezinhos, continuavam presos a terra, enquanto éle, Yura, voava, se evaporava e se desfazia na atmosfera, como um graéo de pd. O grande mistério da noite transformou-se no seu proprio mistério. Tinha-se apoderado déle uma espécie | de loucura. Julgou-se invisivel como um espectro. Embora pudesse entrar livremente na cozinha para ver o que acon- tecia nela, preferiu subir ao terrago contiguo e pas-se a obser- var de li. Na cozinha assavam carne, guisavam, iam e vinham. E aquelas pessoas ignoravam que éle as estava con- \ templando e que via tudo 0 que faziam. | Depois foi contemplar a alcova dos pais; estava de- serta, mas as camas ja tinham sido preparadas e uma pe- wena lampada brilhava sdbre elas; depois passou a alcova dbs meninos; sua cama estava também preparada, espe- rando-o, Atravessou o salio onde jogavam as cartas, como um ser invisivel, nas pontas dos pés e contendo a respira- gio. Ao chegar ao jardim, onde realmente nio podiant vé-lo por causa da escuridéo, respirou a plenos pulmées. Depois, sempre como um espectro invisfvel, aproximava-se cautelosamente das pessoas, com infinitas precaugées, tanto que quase podia tocd-las com a mao. A gente nio suspei- \ java sequer da sua presenga c continuava conversando com | téda a trangililidade. Dessa maneira esteve espreitando muito Scahned by camscanner — - UMA FLOR FSPEZINHADA 293 tempo Ninochka ¢ escutando-a falar. Um pouco mais de { tempo ali e ela o teria apanhado em flagrante. Ninochka chegou a gritar: 's tu, Yura? Mas éle acocoro respiragao, ¢ Ninochka nao pode Para que a coisa se tornasse ainda mais misteriosa, resolyeu arrastar-se em vez de andar, mais que por nada \ porque, indo pelas alamédas, corria o riseo de ser visto. Deslizou assim muito tempo dez anos, segundo 0 seu calculo — escondendo-se sempre das pessoas ¢ afastando-se delas cada vez mais, Acabou por distanciar-se tanto que comecou a sentir médo, Entre o presente e o passado, quando @le__passeava_livremente com todo o mundo, abria-se um abismo diffeil de transpor, Descja muito de- veras voltar aos lugares iluminados, mas isso ji era impos- sivel para éle. Estava perdido para sempre! A misica continuava tocando, ¢ todo o mundo — até a sua mama! — tinha-se esquecido déle... Sdzinho! A erva, coberta de orvalho, exalava uma frescura que o fazin | tiritar; os arbustos arranhayam-no no rosto e nas milos, ¢ as 1 trevas pareciam impenetriveis. Ai, meu Deus! r Sem seguir um plano definido ¢ sem qualquer espe- ranga de salvar-se, Yura caminhou direita em ditegio a uma luz fraca ¢ misteriosa. Afortunadamente achou-se junto ao caramanchio coberto de planas trepndeiras onde vira pela mapha os pais. Sim; cra o mesmo caramanchéo. Os balée- zinhos em volta cstavam todos apngados, exceto um verde que brilhava muito bem, e outro amarelo ji a ponto de es tinguir-se, Embora nio houvesse vento, a chama oscilava lentamente ¢ tudo parecia oscilar também em volta déle. Yura quis entrar no caramanchiio para empreendor uma nova vida, ou antes, para voltar i sua vida possada, Mas naquele momento mesmo, ouviu vozes, Sua mami e o falso Yury Mijailovich estava ali, O verdadeiro Yury Mi- jailovich — Yura ficou como que cravado no lugar; scu coragdo cessou de pulpitar ¢ sun respiragiio ficou parada por um segundo. A maméi disse: do uns arbustos, contendo a t é-lo. Scanned by GamScanner 294 LEGNIDAS ANDREIEV — Deixa-me! Estis louco?... Pode entrar alguém! Yury Mijailovich responden: — Nio tenhas médo. A mami acrescentou: — Hoje completei vinte e seis anos. Ja estou ficando velha! Yury Mijailovich disse: —Niéo saber nada...! E’ possivel que nao saiba nada? Nem sequer uma suspeita?... Escuta... Ele aperta *a mio de todos com a mesma férga?... A mami respondeu: — Que pergunta tio engragnda!... Naturalmente!... A todos!... Sim... Quer dizer, nfo... A todos, nio! E Yury acrescentou: —Tenho pena déle! A mami protestou: ~ —Tens pena! Déle?... E soltou uma gargalhada. Yura compreendeu que falavam do papa. Mas, por que falavam assim, meu Deus?... E por qué se ria a mama? Yury Mijailovich disse: —Espera! Nao te deixarei ir embora! A mama replicou: —Tira a mao... Nao... nfo!... Deixa-me!... E depois guardaram siléncio. Yura olhou através da folhagem e viu que o oficial abragava a mam, cobrindo-a de beijos. Depois conversaram ainda um pouco; mas o menino nao comprecndeu nada, como se tivesse esquecido de repente o significado das | palavras. Lembrava-se de uma s6 palavra: “Mama”. Mur- murava-a sem cessar com os labios secos, e parecia-lhe que sonhava de maneira terrivel. Para nfo pronuncié-la em voz alla, tapou a béca, primeiro com uma das mios, e depois The pds a outra por cima. Assim ficou, sem, se mover, até que a mamii c o oficial safram do caramanchao. Quanto Yura entrou na sala onde jogavam as cartas, 0 velho senhor, grave e calvo, brigava com o papd; agitava a méo no ar e gritava que o pai de Yura agira mal, que aquilo cra uma incorregéo da sua parte, que nunca mais ‘ Scanned by GamScanner | UMA FLOR ESPEZINIADA 295 jogaria cartas com éle, etc, etc... O papa sorria e queria responder; mas o velho nao lho consentia ¢ comegou a pro- testar ainda com mais férga. Ele era muito pequenininho, enquanto que o papa cra grande, bonito, e de elevada esta- tura ¢ o seu sorriso era Lio triste como o de Gulliver, quando pensava na patria dos gigantes. Imediatamente compreen- deu que era necessirio ocultar-lhe 0 que acabaya de acon- lecer no caramanchio, e estimé-lo mais. Yura amou-o com lernura... com muita ternura... De repente, Yura, soltando gritos selvagens, precipi- tou-se contra o velho calyo ¢ comegou a bater-lhe com téda a farga dos seus punhos, — Nao insultes o papa! Néio o insultes!... Meu Deus, que balbtirdia! Uns riam-se, outros grita- vam. O papi tomou Yura nos bragos, tapou-lhe a béca com a mao, exclamou: — Onde esti a mae déle?... Vio chamé-la! Depois Yura derramou uma torrente de lagrimas e de solugos. O que lhe fazia mais médo era que o papa adivi- nhasse o seu grande segrédo. Quando a mami entrou, o menino pés-se a gritar ainda com mais férca, julgando afastar assim as suspeitas do papd. Negou-se, no entanto, a que a mama o tomasse nos bragos e apertou-se ainda mais fortemente contra o pai. Este viu-se obrigado a leva-lo para o quarto. Talvez éle tampouco tivesse grande desejo de separar-se de Yura. Ainda mal saira do salio, pés-se a abragar o me- nino ardorosamente, repetindo: — Querido!... Meu queridinho!... E disse & mama, que seguia atris: — Olha para éle!... Que te parece? A mami responde —A culpa é das malditas cartas! Brigavam de tal maneira que assustaram o menino. O papa acrescentou, rindo-se: , | ~— E’ yerdade; aquéle velho usa uma linguagem muito violenta. Mas que te parece o 10380 Yura? Rico, que ridinho!... Scanned by GamScanner 296 LEGNIDAS ANDREIEYV Na alcova Yura insistiu para que o pai o despisse. Ja_comegas com os teus caprichos? — perguntou o papa. — Eu nao sei despir-te. A mama far isso melhor do que eu. — Mas eu quero que fiques aqui — declarou Yura. A mami tinha os dedos muito dgeis e despiu Yura em um abrir e fechar de olhos; enquanto o despia, éle con- servou a mio do papa segura. Mas como o papa principiava ji a enfadar-se e nado podia adivinhar o que se passara no caramanchado, Yura, a contra-gésto, decidiu-se a deixa-lo partir. E, ao abragi-lo para despedir-se, recorreu a uma pequena esperteza. — O velho nio vai mais brigar contigo? — perguntou, como se apenas se preocupasse com aquilo. O papa continuava sem compreender nada. Soltou uma gargalhada, abragou outra vez Yura com muita férea, e res- pondeu: — Nao... no! E se tornar a vir brigar, eu o jogarei na rua, por cima do muro, — E’ isso mesmo, papa! E’ isso mesmo! Tu podes fazé-lo porque és muito forte... —Sim; tenho alguma férga... Enfim, toca a dor- mir!... A mami ficara contigo. Mas a mami replicou: — Vou mandar a ama, porque eu tenho de dar ordens para a ceia. O pai gritou-lhe: — A ceia pode esperar, c tu podes ficar um pouco com o pegqueno. Mas a mami insistiu: — Ha convidados, e devo atendé-los. O papa olhou-a fixamente e depois encolheu os ombros. Entéo a mama acedeu: —Esté bem; ficarei aqui. Mas dize a criada que nfo confunda os vinhos. De ordinirio, quando a mama se encontraya junto de Yura, metido jd na cama, tomava-lhe uma das miios entre as suas até tle adormecer. Mas desta vez a mame pa- Scanned by GamScanner UMA FLOR ESPEZINHADA 297 recia ter-se esquecido por completo de Yura, como se esti- vesse sdzinha no quarto, Com as mos cruzadas sdbre os joelhos ¢ com um ar pensativo, olhava fixamente para diante de si. Yura mexeu-se para atrair a sun atengio; mas a mama disse lacénicamente: —Dorme!... E continuou olhando para diante de si. Sem embargo, quando as palpebras de Yura se cerraram ¢ o menino prin- cipiou a cair no abismo chamado sono, ela pés-se repenti- namente de joelhos diantc de sua cama ec comegou a co- bri-lo de apaixonados beijos. Seus beijos eram ardentes e tmidos. — Por que estiio umidos os teus beijos? — perguntou Yura meio adormecido. — Estés chorando? — Estou chorando, sim. — Nao chores. —- Bem, niio chorarei — consentiu docemente a mama. E pés-se outra véz a cobri-lo de beijos. + Com um movimento pesado e¢ entorpecido pelo sono, Yura levantou os bracinhos, passou-os cm volta do pescogo da mae e apertou fortemente a carinha quente contra a face timida e fria dela. Era sua mae... E sem embargo, como s¢ tornava triste e penoso tudo aquilo! Scanned by GamScanner ALEXANDRE PUCHKIN (1799-1837) Um dispara memordvel. vadugdo de Carlos Casanova NIKOL, on GOGOL (1809-1852) A carta extravia Tradugio ‘aa Frederico dos. Reys Coutinho ALEXEI K. TOLSTOI (1817-1875) Os vurdalaks Traducao de Alfredo Ferreira IVAN TURGUENEV (1818-1883) A aventura do tenente Yergunoy .- Traducdo de Galvdo de Q: FIODOR DOSTOIEVSKI (1821-1881) O sonho de um homem ridiculo Tradugao de Frederico dos Reys Coutinho VLADIMIR KOROLENKO (1853-1921) (O\ivellip ‘ainefro.20U. -.5)..s eee rene eee . Traducdo de Enéias Marzano ANTON TCHEKHOY (1860-1904) Do amor Tradugéo de Edison Carneiro MAXIMO GORKI (1868-1936) Oi erhil siete ates enis cogs suk aaeen ot eee . Traducao de Libero Rangel de Andrade ALEXANDRE KUPRIN (1870-1935) Natalia Davidoyna ........-.0:20.0000< poet eetance Tradugéo de Carlos Gasanova IVA BON oes A maldicao da gloria . Tradugao de / ADELE TEFFI (1883) | Uatral€gia no) YEO ~~ +0. oe... ee. das wate ae 148 Trade de J. da Cunha Borges A. BUKHOV (1882) | Fazer a corte | | Traduca | | ILYA EHRENBURG (1891) j Historia de um cachimbo de barro ............ aes 162 Tradugdo de Libero Rangel de Andrade ARKADIO AVERTCHENKO (1881- Asay) | wee 142 | ALEXANDER POLIAKOV (1908-1942) Trofén .. | Tradugao de Aljredo Ferreira IRENE NEMIROYSKY (1898) A partida para a festa ....-.-..-:0see ss eee ae : 185 Traducdo de Edison Carneiro LEONID LEONOV (1899) (A desyentura de Ivan .................. ‘ oe 199 Tradugéo de Alfredo Ferreira FELEKHOV (1894) A miséria, 176 203 Tradugéo de Alfredo Ferreira F, PANFEROY (1896) Reape ee Meatless ek se vege evens 218 Tredugéo de Alfredo Ferreira R. SHPANOV (Contemporaneo) © homem de éculos ... - Tradugao de Alfredo | es 235 | ITZHOC-DOB BERKOVITCH (1895) Sob a ameaca do Pogrom .......N)...-...0.ececeeeeee 241 Z Tradugéo dG Gilberto Galvito SERGEI SERGEYEV TZENSKY (1876) { O homem que nao podia ser morto .........-..0.-00005 250 | Tradugéo de Alfredo Ferreira MIKHAIL PRISHVIN (1873) Um Iobisomem na estepe .. 264, ] Tradugéo de Alfredo Ferreira BORIS PILNIAK (1894) | © vento humano 270 $e aaa Scanned by CamScanner LEONIDAS ANDREIEV (1871-1919) Uma flor espezinhada Traducdo de’ Alfredo Ferreira LEON SC O homem da cruz, Tradugéo de Gilberto ‘Galvag VSEVOLOD M, GARSHIN (1855-1888) De propésito nao fo Py Traghte im Aljredo “Ferrétra Composto e impresso nas oficinas grdficas da Casa Editéra Vecchi Ltda. - Rua do Resende, 144 - Ria de Janeiro

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