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ECONOMIA E SOCIEDADE EM MINAS GERAIS (PERIODO COLONIAL)* Francisco Vidal Luna** Na andlise da estrutura produtiva implantada nas varias dreas do Brasil a0 longo de seus primeiros séculos de existéncia, deve-se levar em conta, além das condi¢es peculiares da economia em apreco, o Sistema Colonial entdo vigente. Em larga medida, o envolver econdmico e social da Colénia, neste periodo, condi- cionou-se e direcionou-se em funcdo das regras impostas por aquele sistema, no qual se superpunham os interesses da Metropole aos da Colénia. Os vultosos investimentos efetuados no Brasil por Portugal e seus siditos visavam, em esséncia, ao fortalecimento do Estado Metropolitano, através dos recursos obtidos tanto pela Coroa como pelos individuos participantes da arris- cada empreitada. Os gastos incorridos com a colonizagao do territério, as obras de infraestrutura realizadas e os investimentos produtivos aqui implantados ob- jetivavam, na: realidade, desenvolver atividades econdmicas que possibilitassem gerar excedentes I{quidos transferiveis a Metropole. Nesse sentido, a exploragdo dos metais preciosos significava a forma mais simples. de obter tais resultados, O papel desempenhado. pelo ouro e a prata no *Neste trabalho sumariamos algumas das conclusdes pormenorizadamente desenvolvidas no estudo de nossa autoria intitulado: “Minas Gerais: Escravos e Senhores, Andlise da Estru- tura Populacional e Econdmica de Alguns Centros Mineratérios”. * *Professor da Faculdade de Economia e Administracao da USP. 34 FRANCISCO VIDAL LUNA contexto do mercantilismo propiciava a tais mercadorias importancia fundamen- tal, pois constitufa o principal meio de troca, utilizado tanto nas transag6es in- ternas como no comércio exterior. Os paises sem extragdo propria de metais viam-se obrigados a obté-los indi- retamente, através de superavits no comércio externo, com a exportagao de bens produzidos em territério metropolitano ou nas colénias ultramarinas, -No-caso de Portugal, o sonho dourado dos metais revelou-se uma constan- te ao longo dos séculos XVI e XVII. As lendas do Eldorado e do Sabaraboga exerceram um permanente fascinio. No princ{pio, as riquezas aparecem mais como fruto da imaginacdo e das esperancas do colonizador portugués. Elas existiam, realmente, a expressar as esperangas dos que adentravam os sertdes: num primeiro momento em expedi- goes de reconhecimento e num segundo na captura dos indios. A localizagao da zona aurifera deve ser creditada aos bandeirantes paulistas que palmilharam extensas dreas do territ6rio brasileiro; tais sertanistas dedica- vam-se 4 captura do elemento indfgena, base de sua mfo-de-obra e seu principal “produto” de exportacdo. Tal atividade exigia a exploracdo do sertdo e lhes pos- sibilitava efetuar subsidiariamente a pesquisa mineral. Como a procura de metais nfo se constituia normalmente no objetivo principal das incurs6es, resultados negativos, mesmo persistentes, nfo inviabilizavam sua continuidade. Enquanto houvesse gentio a capturar e mercado comprador para esta mao-de-obra, tais in- dividuos poderiam continuar a exercer tal atividade econdmica. O longo tempo transcorrido entre as primeiras penetragdes ao interior do pais e as descobertas das ricas dreas extrativas das Gerais pode ser imputado tanto a falta de preparo técnico dos paulistas, como as caracteristicas fisicas da regifio mineira, A drea que se tornaria a principal zona extrativa constitu{a o sertao inés- pito, de dificil acesso e onde o elemento branco ainda nao se estabelecera. As dificuldades do meio fisico refletiram-se na propria forma de explora¢ao dos metais e na estrutura da sociedade ali assentada. Embora viesse a tornar-se © centro dinamico e catalisador da Col6nia, seu relativo distanciamento do litoral dos portos isolava esta regiao e contribufa para gerar ali uma sociedade at{pica em relacdo 4s demais existentes no Brasil. Divulgada a noticia da descoberta do metal, iniciou-se uma verdadeira cor- tida do ouro; de todos os pontos da Colénia chegavam indiv{duos dvidos de rique- za. A Coroa de imediato procurou impor restrig6es ao deslocamento as minas, pois o afluxo descontrolado de pessoas e o envio macigo de escravos as Gerais poderiam representar o enfraquecimento econdmico e mesmo militar de outras 4reas do pafs. Impunha-se, além disso, estruturar a maquina administrativa e ar- recadadora, sob pena de perder o dominio da situagdo. Do. préprio Reino formou-se intensa corrente migratoria, sobre a qual a Coroa tentou impor seu controle. A corrida as minas justificava-se pelo tipo de Ocorréncia| de ouro. Encontrado na forma de aluvido permitia, na primeira fase extrativa, um rendimento elevado e no qual praticamente se igualava a produti- ECONOMIA E SOCIEDADE EM MINAS GERAIS (PERIODO COLONIAL) 3S: vidade por escravo de pequenne e grandes proprietdrios Assim. 0 exercicio da atividade abria-se mesmo ,aos individuos sem recursos para adquirir um tnico escravo; dedicavam-se a faiscagdo até acumular recursos suficientes para adquirir sua propria mfo-de-obra cativa, base do trabalho na faina extrativa. Conhecida a potencialidade da drea, a Coroa tratou de montar a estrutu- ta administrativa e 0 arcabougo legal com vistas a absorver parte do produto das minas. Implantou a m4quina arrecadadora dos quintos; criou uma complexa or- ganizagHo burocrdtica na qual se confundiam fungdes executivas, legislativas € ju- dicidrias; definiu regras para a concessio de datas minerais e impos intimeras ta- xacdes sobre mercadorias e escravos enviados as Gerais. A anélise ampla das normas impostas pelo Reino revela o anseio de opter o m4ximo de rendimento para a Metrdpole e, sob tal aspecto, a legislagao, a nosso ver, revelava-se extremamente coerente. Ao monopolizar o direito de distribuir datas minerais e ao exercer usa controle sobre o fluxo de escravos encaminhados As zonas extrativas, a Coroa detinha o controle virtual da atividade e condiciona- va a organizagao da propria estrutura produtiva. A distribuigdo de datas, proporcional ao numero de escravos de cada ind{- viduo, induzia o mineiro a concentrar seus recursos em mais bragos, Isto repre- sentava para a Coroa maior potencial tributdrio em termos de quintos; mais re- ceita na forma de taxas sobre os escravos enviados as minas e uma forma indireta de fortalecimento da Metrépole, via trdfico negreito. Ao condicionar-se a conces- sao de uma segunda data mineral 4 exploraco da primeira, os mineiros viam-se estimulados a realizar um rdpido servigo extrativo nas dreas recebidas. Como se tratava de minério de aluvido, a primeira lavagem do cascalho revelava-se nor- malmente com maior teor de ouro do que as lavagens sucessivas do mesmo cas- calho. Assim, colocaya-se ao mineiro a op¢ao de efetuar intimeras lavagens do material aurffero ou realizar um trabalho superficial e logo obter nova data mi- neral ainda virgem e potencialmente mais produtiva. De modo geral, na primeira fase da atividade mineira, quando se multiplicavam as novas dreas descobertas, a segunda opgao tomnava-se mais atraente. Tal forma de exploracao tendia a racio- nalidade do mineiro e enquadrava-se perfeitamente as normas coloniais vigentes. Possibilitava também o aumento imediato da produgo e, portanto, dos quintos reais, embora se comprometessem as possibilidades futuras da atividade. A ‘nica precaugao, a limitar a ansia extrativa da Coroa, residia na eventua- lidade de excessos de ofertas de metais ou pedras preciosas ou eventuais dificul- dades na fiscalizagfio e cobrancas dos tributos !. 1 Estasiduas causas podem ser apontadas como as principais a explicar a imposigio de nor- mas diferenciadas para a zona extrativa dos diamantes. Enquanto tal atividade esteve “aberta 08 povos”, tornou-se dificil efetuar um controle aceitdvel da producto de modo a evitar tanto a sonegagdo como 0 excesso de oferta no mercado. Tao logo descobritam-se os diamantes em Minas, o preco intemacional depreciou-se pela oferta adicional colocada no mercado. Ao contririo dos metais preciosos, utilizados como moeda — 0 que Ihes ampliava as possi- bilidades no mercado — os diamantes constituiam-se de um bem de Iuxo'e cujo potencial aquisitivo resumia-se a um n® reduzido de compradores. Este fato justifica a posicao de J.J. da Cunha de Azeredo Coutinho, escritor coevo, a pleitear que se utilizassem os diamantes também como moeda, pois tal medida ampliaria enormemente sua demanda. 36 FRANCISCO VIDAL LUNA A forma de ocorréncia do metal, ouro de aluvido, privilegiava métodos extrativos intensivos em mfo-de-obra, fator de produgdo de grande mobilidade, propriedade importante em atividade permanente em movimento. As proprias condigdes fisicas da area onde se concentravam os servigos, com topografia aci- dentada, rios caudalosos, elevadas taxas pluviométricas e caminhos dos piores da Colénia, dificultavam o uso intensivo de m4quinas e equipamentos de porte. Além disso, a’ inexisténcia de produgo local de ferro tornava a atividade minei- ta dependente do abastecimento externo deste produto, que se revelava extrema- mente caro nas Gerais tanto pelo custo de transporte quanto pelas diversas ta- xag6es incidentes sobre o mesmo. A prépria. Coroa, como foi visto, estimulava, via legislag#o, o uso de mé- todos intensivos em m4o-de-obra, na medida em que distribufa as datas mine- tais com drea proporcional ao nimero de cativos de cada individuo. Por fim, a pequena dimensfo das datas concedidas dificultava também a realizacao de tra- balhos de maior envergadura 2, A agua revelou-se, ao inicio da atividade extrativa, o principal inimigo dos mineiros; necessitavam retirar o cascalho aurffero depositado no leito dos rios ou nos taboleiros. Com freqiiéncia, os servicos realizados eram destru{dos pela forga hidrdulica, principalmente na época das chuvas. Com o tempo, sem em- bargo, os mineiros conseguiram dominar tal forma de energia e torné-la sua prin- cipal aliada. A dgua, lancada morro abaixo, desbastava as encostas e permitia extrair e acumular a lama rica em ouro. Para tornar isto vidvel, impunha-se o en- vio da dgua, em grande quantidade, para o topo das elevagdes, o que exigia a cons- trugfo de extensos aquedutos pelos quais se transportava a massa I{quida através de quilémetros de distancia. Para receber, armazenar e enriquecer o material au- rifero serviam-se dos mundéus, que representavam caixas de pedra de grandes Pproporgdes. Além dos bicames e dos mundéus, os mineiros executaram grandes obras de represamento e mudanga no curso dos trios, através da construgao de leitos artificiais abertos em canais paralelos ou em canaletas de madeira suspensas sobre o leito original. Tais obras civis, efetuadas particularmente quando se esgo- tavam os depésitos auriferos mais facilmente explordveis, foram realizadas com © uso intensivo de mao-de-obra e de materiais disponiveis na regio. Pelo exposto pode-se aquilatar a importancia da mao-de-obra na atividade mineira. Dela dependia tanto o trabalho extrativo propriamente dito, como a ? ‘4 perfuragio dos morros em busca dos veios pode ser citado como exemplo de ativida- de extrativa dificultada pelo reduzido tamanho das datas. Quando algum mineiro desejava efetuar uma obra segura, com os canais de ventilagdo necessirios, servigo de drenagem de Agua ¢ com um Angulo de penetragio na rocha apropriado, enfrentava o sério problema da falta de espago. Nesses casos, devia optar entre realizar um servigo mais ridimentar e inseguro, “com 0 risco de sofrer um sério acidente ou avancar nas dreas lim{trofes e incorrer na ira dos vizinhos. ECONOMIA E SOCIEDADE EM MINAS GERAIS (PERTODO COLONIAL), 37 propria construgdo das obras civis implantadas nas Gerais. Assim, o estudo das caracteristicas dos proprietérios de escravos e da massa de cativos existentes em Minas tornou-se, a nosso ver, elemento de fundamental importancia para o en- tendimento da sociedade ali estabelecida. Sob tal aspecto, estudamos a composicfo da massa escrava em varias lo- calidades mineiras no perfodo 1718 e 18043. Quanto ao sexo, evidenciou-se amplo predominio masculino, em particular nas fases iniciais da lide mineira. No que se refere 4 estrutura etdria, os dados disponfveis revelam uma significati- va concentracao da escravaria na faixa que pode ser considerada mais produtiva entre 15 a 44 anos. Por fim, no que diz respeito 4 origem dos escravos, notou-se, no periodo ascensional da lide aurifera, marcante superioridade quantitativa do elemento africano. Com a decadéncia, reduziuse, provavelmente, a capacidade de adquirir novos escravos do exterior; tal fato, paralelamente ao proprio cres- cimento da massa escrava existente em Minas, modificou a participacao relativa, com aumento proporcional dos cativos nascidos na Colénia. Ainda sob o aspec- to da origem da massa escrava, os resultados obtidos demonstram o elevado peso telativo dos elementos Sudaneses dentre os cativos Africanos, principalmente na fase de ascensdo da atividade aurifera, quando ocorreu, concomitantemente, incremento no porcentual do grupo em aprego, que se revelava o preferido para a lide extrativa. No respeitante aos proprietdrios de escravos, evidenciou-se um predomi- nio de individuos com um némero reduzido de cativos (entre um e quatro escra- vos), sendo raros os grandes senhores de escravos. Dentre os milhares de mineiros estudados, poucos registram-se com mais de quatro dezenas de escravos e apenas um ultrapassou a centena. Para cada uma das localidades estudadas, o ntimero médio de escravos por proprietario — que variou entre 3,7 e 6,5 — revelou relati- va estabilidade, apesar de refletirem tanto épocas de ascensao da atividade (1718 a 1738) como de decadéncia da faina aurifera (1804). Ao fazermos uso do Indice de Gini, medida estatistica largamente utiliza- da nos estudos a respeito de distribuic¢do de riqueza, obtivemos resultados — 0,403 e 0,573 — a refletir uma sociedade onde a propriedade, neste caso medida pela posse de cativos, encontrava-se relativamente bem distribu{da, possivelmente de forma mais igualitéria do que a prevalecente nas demais dreas da Colonia. Ademais, a mineracdo possibilitava aos préprios escravos maiores oportu- nidades, nao s6 de alforria, como de se tomarem proprietdrios de cativos. Isto pode ser ilustrado pelos resultados obtidos a partir do manuscrito referente a capitagio dos escravos no Serro do Frio, em 1738. Nessa localidade, entre os 1744 senhores listados que pagaram o tributo, proporcional aos escravos pos- suidos, nada menos de 387, ou seja, 22,2% constitufam-se de ex-escravos, ou 3 Estudamos a Vila de Pitangui (1718-23); a Comarca'do Serro do Frio (1 738); a Freguesia de Congonhas do Sabard (1771 € 1790); Distrito de Sao Caetano (1804) e Vila /Rica (1804). 38 FRANCISCO VIDAL LUNA seja, elementos forros. Estes, em conjunto, detinham um total de 758 escravos, ou seja, 9,9% da escravaria taxada. Tal situag4o repetia-se em 1771 na localidade de Congonhas do Sabar4, na qual os fortos perfaziam 21,7% dos senhores'e sua escravaria representava 102% da massa de escravos da localidade. A partir das idéias e evidéncias empfricas apresentadas, vamos efetuar al- gumas consideragdes a respeito das caracter{sticas essenciais do Brasil Coloni a grande lavoura, a monocultura e a escravidao. As peculiaridades de atividade mineira propiciaram a formacao de uma estrutura singular em relapdo a Colénia. De modo geral, aquilo que se pode com- parar 4 “grande lavoura” nao predominou, a nosso ver, nas Gerais. A atividade assentou-se essencialmente no pequeno produtor, por forca de variadas circuns- tancias, inclusive pela orientaca0 metropolitana. Tal linha de conduta nao cons- titufa uma mudanga inexplicdvel nas regras do Sistema Colonial. Representava, na verdade, uma adaptacdo de tais normas as caracteristicas proprias da minera- go, mantendo-se, entretanto, o objetivo essencial do Sistema, qual seja, possi- bilitar a transferéncia do maximo possivel de excedentes a Metrépole. Se a atividade agucareira, quando aqui implantada, exigiu a grande lavou- ta, tal nfo ocorreu com a mineracao. Dentro da racionalidade do Sistema Co- lonial podia permitir-se, ou mesmo estimular, extracgo mineral através de uma estrutura produtiva que podia ser caracterizada como de “pequena proprieda- de”. Neste sentido, reveste-se de importancia fundamental o fato dos indivi- duos se deslocarem para as minas — tanto da Colénia como do Reino — por ini- ciativa propria, sem necessitar contar com estimulos da Coroa; destes, 0 mais usual e importante em outras dreas da Colénia era, sem diivida, a concessio de uma extensa gleba de terra, que acabava por condicionar a propria estrutura de propriedade da regido. Embora fundamentado na mao-de-obra escrava, o regime escravista na mi- neragdo apresentava caracteristicas especiais. A atividade mineira permitia aos cativos relativa liberdade de aco e maior oportunidade s6cio-econdmica quando comparada as outras economias coloniais. A forma como se efetuavam os trabalhos extrativos exigia do escravo, além do esforgo fisico, um certo grau de concentracdo ¢ empenho, principalmente naqueles dedicados 4 fase de enriquecimento e apuracdo do ouro. Apesar do in- tenso controle e fiscalizacdo sobre os cativos, somente através de estimulos obti- nha-se efetiva dedicacao por parte dos escrayos. Ofereciam-se determinados tipos de recompensas, em geral materiais 4, ou se concedia relativa liberdade de traba- tho ao cativo. Eram freqiientes os. casos nos quais autorizava-se ao escravo dedi- 4 Erao caso\da extrago diamantina na qual se ofereciam determinados presentes, inclusive aalforria, ao escravo que encontrasse diamante de porte, ECONOMIA E SOCIEDADE EM MINAS GERAIS (PER[ODO COLONIAL) 39 car-se por algumas horas 4 extragao em seu proprio beneficio, apés o desempenho da jornada de trabalho estipulada ou apéds obter determinado volume minimo de produgao. Com isto, muitos cativos obtinham recursos para a compra de sua propria liberdade 5. Ademais, as proprias caracteristicas da sociedade ali estabe- lecida, na qual ocorria franco predominio masculino — dentre a populagao ci- vil — propiciava as escravas do sexo feminino, ou as forras; oportunidade de concu- binato ou prostituigdo, justificando a elevada propor¢gao de mulheres na catego- tia de forros proprietdrios de escravos. Através das causas apontadas, talvez seja possivel justificar, ao menos em parte, o elevado namero de forros proprietdrios e escravos existentes no Serro do Frio e em Congonhas do Sabard. Note-se que ‘os resultados apresentados para tais localidades devem subestimar o efetivo nimero de forros ali estabelecidos. Os forros listados nos documentos estudados representam apenas os libertos que haviam ascendido a categoria de senhores de escravos. Infelizmente, nao possui- mos elementos para calcular 0 numero de’ forros nao proprietdrios, alocados tanto na mineragdo como em outras’atividades dentro da sociedade mineira. Outra das caracteristicas bdsicas do sistema colonial a merecer certa quali- ficagao, no que se refere as Gerais, diz respeito 4 “‘monocultura”. Ao implantar-se a atividade extrativa mineral, ao infcio do século XVIII, somente a expectativa de elevados rendimentos justificava tal empreendimento. Provavelmente a gran- de maioria da massa populacional, deslocada para a zona mineira, visava dedicar-se diretamente 4 propria atividade aurifera. Sem embargo, as caracteristicas da pr6- pria’ mineragdo e’da area onde a mesma desenvolveu-se propiciaram o surgimento de: intimeras atividades complementares. A drea produtiva das Gerais correspon- dia, como foi visto, a uma zona distante dos portos e dos demais nacleos econd- micos da Colénia. Ademais, a massa populacional concentrada na mineragdo neces- sitava de uma gama variada de bens, quer os destinados a sua sobrevivéncia, quer os materiais exigidos pela atividade extrativa. Para atender tal demanda, desenvol- veu-se' um intenso fluxo de mercadorias provenientes de Portugal ¢ das mais va- riadas e distantes partes da Colonia. A economia mineira, que representou o pri- meiro e efetivo elo de interligagao: do pais, refletiu-se intensamente na zona cria- toria do Sul do pats, na agropecudria do Norte e em alguns pontos do litoral co- mo, por exemplo, em Salvador eno Rio de Janeiro. Apesar da grande maioria do abastecimento ser proveniente de dreas exter- nas 4 zona extrativa, nas Gerais também se criaram atividades nao voltadas dire- 5 Deve-se lembrar que uma larga parcela dos negros submetidos ao regime escravista nas Gerais provinham de regides africanas, onde a minerado constitufa uma atividade econdmica secularmente explorada. Assim, muitos dos escravos possufam conhecimentos técnicos a res- péito desta faina, e que influenciaram 0 método extrativo adotado no Brasil. Tal conhecimento provavelmente criava um tipo de relacionamento. diferenciado entre senhor e escravo, além do que; devia propiciar a este iltimo a oportunidade de alto rendimento extrativo quando devidamente estimulado. 40 FRANCISCO VIDAL LUNA tamente 4 extracdo mineral. As dificuldades de transporte; a distancia em telagao. as outras dreas produtivas da Colénia e dos portos de embarque; a elevada con- centracfo populacional nas zonas produtivas e o desenvolvimento rdpido de al- guns niicleos urbanos de grande porte foram algumas das causas que podem ser apontadas como responsdveis pela implantacdo de intmeras e variadas atividades na regifo. Neste sentido, existiam nos nicleos urbanos mineiros individuos de- dicados tanto ao artesanato © como 4 prestagdo de uma larga gama de servicos. A prépria agricultura ali desenvolvida chegou a ter representatividade no abas- tecimento da populagao mineira. Certas localidades, como Vila Rica, representaram, no século XVIII, 4reas urbanas de grande densidade populacional e nas quais se praticava uma intensa divisdo social de trabalho. Assim, embora, em princfpio, a economia mineira ten- desse a adquirir uma. estrutura voltada totalmente a “‘monocultura” extrativa, sua prépria dindmica de crescimento levou ao surgimento de variadas atividades, no ligadas diretamente 4 mineracdo, embora dependessem desta para sua sobre- vivéncia. Pelo exposto, pretendemos haver evidenciado algumas caracteristicas impor- tantes para o entendimento da economia mineira implantada nas Gerais no trans- correr do século XVIII. Pelas caracteristicas singulares da sociedade ali estabele- cida, acreditamos que a maioria dos conceitos gerais acerca da economia e socie- dade colonial brasileira devem merecer certa qualificagdo quando referido aos estudos daquela area. Esperamos que as evidéncias empiricas apresentadas\ possam contribuir para o alargamento de nosso conhecimento a respeito do -evolver sécio-econd- mico de Minas Gerais, que se nos apresenta de fundamental importancia para o proprio entendimento tanto do processo unificador da Colénia como do deslo- camento de seu eixo econdmico do Norte para o Centro-Sul. © Aollongo do século XVIII, como se sabe, a Coroa impés limitagdes a existéncia de certas atividades na regio’ mineira. De forma geral, desestimulava a agricultura para impedir a con- coméncia por bragos e procurava evitar as atividades manufatureiras para manter a’dependén- cia em relagao aos produtos exportados por Portugal.

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