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ABPC ~ Associagio Brasileira de Psicamilise Clinica Disciplina: Clinica da Psicose ¢ da Perversao Professor Responsavel: Eduardo Torre Carga hordria: 20 horas PROGRAMA E BIBLIOGRAFIA AULA 1 — Constituigo do campo de saber psicolégico e da familia moderna: sua compreensdo © sua artieulagao com 0s modelos tedricos em psicologia e psiquiatria. Medicalizagao do corpo e 0 nascimento da Medicina Social e do higienismo. A Ortopedia Social e a Fungo “PSI”. Racionalidade e Loucura na modernidade. Tecnologia Pineliana e Ordem Asilar. Loucura como problema médico. O nascimento da clinica, Histéria da Loueura e nascimento da psiquiatria. A clinica Psicoanalitica. Experimentagio em. sala: Esquizodrama em grupo. aN grup NN CASTEL, Robert, 1978. O Salvamento da Instituigfo Totalitéria. In: A ordem psiquiitrica - A idade de ure do alienismo. Rio de Janeiro: Graal. DONZELOT, Jacques. “A conservagio das criangas". In: A policia das familias. Rio de Janeiro: Graal, 1986. ENGUITA, Mariano. 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As estrururas clinicas em Freud. A constituigdo do sujeito © a desenvolvimento infantil. O desenvolyimento psicossexual e 0 Complexo de Edipo, A dissolugdo do Complexo de Edipo e a constituigdo do sujeito na Psicandlise. Psicanélise © Psicanalismo. Video: Uma Janela para a Lua CASTEL, Robert, O Psicanalismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978, DELL'ACQUA, Giuseppe & MEZZINA, Roberto, 1992. Resposta & erie, p. 53-79. In: Delgado, Jacques. A oweura na sala de jantar, So Paulo: Ed. Autor. DOR, Joel. O Pai e sua fungao em Psicanslise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991 FREIRE, M, Muniz. A eseritura psieéties. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2001 EREUD, Sigmund. Histéria do Movimento Psicanalitico, Obras Completas. Rio de Janeiro: IMAGO, 1994 FREUD, S. Trés ensaios sobre a Teoria da Sesualidade, Obras Completas. Rio de Janeiro: IMAGO, 1994, FREUD, S. Uma erianga é espancada: tima contribuigio ao estudo das perversbes sexuis. RJ: Imago, 1976. 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Dilemas e desafios na clinica contemporanea Dindmica em sala: Analise da Primeira Recordagao. BERGERET, Jean. Os estados-limites e suas configuragSes. In: Bergeret, J. Psicologi Paulo: Masson, 1983, Cap. 10, p. 245-266 Patolégica. Sto CALLIGARIS, Contardo, Cartas a um jovem terapeuta: reflexses para psicoterapeutas, aspirantes. € euriosos, Rio de Janciro: Alegro, 2004, COSTA, Jurandir Freite, Violéneia ¢ Psicanlise, Rio de Janeiro: Edigdes Graal, 2003 FREUD, S. A perda da realidade na neutose ¢ na psicose, In: Obras Completas, vol XIX. Rio de Janeiro: IMAGO, 1994. FREUD, S. Esbo¢o de Psicandlise (Parte 1: A mente e seu funcionamento, eap. 1 ~ © aparetho psiquico). In Obras Completas. Rio de Janeiro: IMAGO, 1994 FREUD, S, Neurose e Psicose. In : Obras Completas, Vol XIX, Rio de Janeiro: IMAGO, 1994, GOLDBERG, Jairo, Clinica da Psicose: um projeto na rede piblica. Rio de Janeiro: Te Cord Editora, 1996 KUSNETZOFF, Juan Carlos. Introduedo 4 Psicopatologia Psicanalitiea. 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O Anti-fdipo - Capitalismo e Esquizofrenia, Lisboa: Assicio&Alvim, 1972 GRINBERG, Luiz Paulo, Jung: o homem eriativo, S80 Paulo: PTD, 2003 GROF, Christina & GROF, Stanislaw. A tempestuosa Dusea do Ser: um guia para o crescimento pessoal através da crise de transformagao. So Paulo: Cultrix, 1998, JUNG, Carl Gustav et al. © Homem e seus Simbolos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995 JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, Petrépolis: Vozes, 1987 LESHAN, Lawrence. O cineer como Ponto de Mutagio: um manual para pessoas com céncer, seus familiares ¢ profissionais de saide, $20 Paulo: Summus, 1992 NAFFAH NETO, Alfredo. A psicaterapia em busca de Dioniso: Nietzsche visita Freud. Sio Paulo: EDUCIEseuta, 1994 REICH, Wilhelm, Bscuta, Zé Ninguém, Sfo Paulo: Martins Fontes, 1974 REICH, Wilhelm, O assassinato de Cristo. Sto Paulo: Martins Fontes, 1999 SACKS, Oliver, Um antrapélogo em Marte, Sao Paulo: Companhia das Letras, 1995. 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Psicaterapla: Medicina 616.914 ‘Titulo original: LA LOCURA LO CURA © 1995 Guillermo Borla Ediciones “LA LLAVE", Vitoria, Espanha © Copyright desta edigao: Editora Esfera, 2001 ISBN 85-07299-21-4 Lumpresso na Book RJ Griese ator Todos 0s direitos reservados 0 Editara Esfera Ltda. ‘Travassa Dona Pavia, 113 (01299-080 ~ Sao Paulo ~ SP Fone: (011) 3120-4766 www.editoraestera.com.br Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagso (CIP) {Cémara Brasiiaita do Livro, SR, Brasil) . cop-si6a914 ewe 420) A Claudio Naranjo, meu amigo e meu mestre AGRADECIMENTOS ‘A Bsther, pela sua entrega nos momentos dificeis de minha “viagem ao deserto” A presenga muda do doutor José Aznar. A stibdiretora Patricia pela sua confianca incondicional em meu trabalho na clinica psiquiatrica “La Abadia’ Ao silencioso Alfonso. ‘AFelipe por seu talento em dar formaa este lio, ‘Aos amigos, colegas ¢ ctimplices dg longas noites de farra € caos, quando nos divertimos e sofremos. ‘A meus companheiros de luta ¢ desenganos, meu compadire Gherif e minha irma Ise Ea todos 08 meus inimigos. ‘ ALOUCURA DOTERAPEUTA £ importante que um terapeuta tenha claro o porque, de querer sé-lo. Geralmente nos baseamos em motivagoes yocacionais, sem pensar que a nosso trabalho dedicare- mos tum tergo de nossa vida e que nessa atividade & que vai se desenvolver a nossa personalidade, Também considera: mos, na escolha profissional, as identificagées com 0 pat ou com algum familiar, o que € um ato psicol6gico. Se tomo a decisio de ser terapeuta, embora tena a intencao de ser o portador da saiide mental, em verdade jf souo mensageiro da doenga. Somente a doenga pode evar a cura, qualquer outra coisa é desculpa ou intelec tualizagio. Somente poderos ajudar quando nos reco nhecemos como doentes. Por exemplo, quando Freud foi 20 velorio do seu pai e se colocou em frente ao féretro, desmaiou, Ele, com sua imensa e genial capacidade de anélise, nao podia negar seu proprio ato falho. Sua negay tiva de ficar em pé nao era passivel de ser atribuida a sua exasperada dor, mas seus desejos parricidas. E necessé rio que se tenha grande genialidade para captar isso. Os terapeutas devem comegar reconhecendo a propria doenca mental, © que me levou a ser terapenta foi aminha doenca: ajudar os outros para roubar-lhes uma pitada de saiide. Uma atitude de vampiro, de viver da doenga do outro. Os terapeutas vivem negando sua propria pessoa € querendo ser terapeutas. Para mim, terapeuta € igual a pessoa, Rogers disse que o mais dificil € tornar-se pessoa | | \ i porque para isso é necessirio transformar-se primeifo em tim monstro. Ser monstro é rebaixar-se. Antigamente, 05 monstros eram considerados problemas de moralidade ow de ordem espiritual; no século atual sto denominados “problemas cio inconsciente”. (Os terapeutas primeiro necessitam ser pacientes. De- vem, no sentido ético do dever, saber o que vai acontecer 4 seus pacientes, caso contrério estes nao confiardo neles. Nao haver4 possibilidade de confianga porque nfo se po- de fazer os outros acreditarem naquilo em que nfo se acredita, O caminho da psicoterapia profunda é ter reco- nhecido o outro caminho, que podemos chamar de intui- Gio; mas isso nio é falado, apenas reconhecido, expresse- fe por uma percepsa0 do sujeito, nao pela raxfo, mas por outros niveis energéticos... O terapeuta sabe disso, conhe- Geo caminho, é confivel € pode aventurarse no vacuo, sem envolver ninguém em armadilhas. Nao acredito na psicoterapia breve, para mim seria como 0 Mac Donald's da psicologia profunda, dedicada a cuvar sintomas, A doenga nao se reduz a sintomas. Aguele que fica preso a eles mascara, neurotiza a doenca. E evi dente que, se 08 sintomas sio atacados, 0 ego se fortifica € emergird com mais facilidade, quase com satide, mas mut to reprimido e mais sofisticado no nivel patol6gico. ‘O alcance de um tratamento é determinado pela ca- pacidade que o terapeuta adquire no seu trabalho de in- trospeccao e pela sua transparéncia como pessoa, O que acontece freqiientemente é que se tenta resolver a pro- bblematica por meio do intelecto, mas isso nfo resolve na- da, s6 conduz 4 insensibilizacio do ser humano, Torna: mo-nos mais maquinas, mnais ordenados, mais decentes, mais eduicados € mais ajustados & norma estabelecida. Bs- se mascaramento atimenta os niveis de risco ¢ depois fica mnais dificil localizar a doenga, ja que os sintomas nfio nos servem mais de guia, ¢ corre-se orisco de que aquilo que vamos ver seja um foco secundario. Ayoucuns D0 TERAreOTA -Vivernos em uma sociedade enferma. Para detectar isco, basta considerar apenas dois sintomas:a insatisfagho a ineapacidade de viver em pa2. Ha uma intranqitilidace basiea, Todos os valores predigpdem & doenga. O sucesso conseguido pela negacao dos atos. Mas nao sfo as ques: tes politicas que fazem com que o ser humano nao fun ‘one, pois temos que assumir que & 9 ser humano quem faz funcionar qualquer politica. Estamos na época do deciinio do paternalismo, da queda da figura autoritiria ¢ de todo 0 medo que sua air séncia nos produz. E necessaria relativamente confianga 20 feminino. Nio podemos falar da doenca se nao temos capacida de de duvidar daquilo que mais queremos, daquilo que da snais estabilidade, Se nao nos arriscarmos a duvidar, repe- tiremos os mesmos eros, seguiremos numa corrente em que um cego guia o outro. ‘Aquilo que mais atemoriza o ser humano é cair em uma crise, pois essa é a expressio de tudo o que esta por vesolver: a dependéncia, a necessidade, a caréncia... Nao te pode resolver nada profundo senio pela crise, pois é tla que possti os elementos da cura. Os processos Ler’ péuticos devem procurar momentos de crise, provocélos, poo tentar suavizérlos, A crise do paciente é uma estratégia hherdica. O ego vem de tal forma disfargado que aparenta sofver, pedir ajuda, maso que realmente tenta € se fortale- ter e continuar no trono. O ego tenta chegar & satide pas: sando primeiro por um saldo de belezal No entanto, 9 taminho do proceso de cnra é tornai-se um doente ainda mais doente. Eéai que o terapeuta intelectualiza mais, para pare cer ser menos doente ¢ ter mais controle. Se a sade ¢ Verdade nao se manifestam livremente é porque nao es- tho presentes, Se tenho que controlar mew pensamento, tninha emocdo e minha ago, isso significa que hé algo pio resolvido em mim. A presenga e a transparéncia nao 20 ameagam ninguém, no atentam contra ninguém, apenas conta 0 ego, que teme perder 0 controle, como se consi- derasse a esséncia humana mé. A esséncia do ser humano % boa, o ser humano é bom; por que controlar entio aqui- lo que é bom? ‘A diferenga entre o terapeuta'e o paciente é que o pric meiro reconhece sua doenga, seguird em sua enfermidade sem coldcar obstéculos a esse continuo caminhar, enquan- to 6 segundo a nega, quer livrar-se da doenga mental ¢ sua fantasia é fazer o tratamento para nao ser mais um doente. ‘Aluta do terapeuta é ensinarlhe que as coisas acontecem e que ter uma abitude frente a vida é transcender o soffimen- to, transcender a doenca, que nao terminaré até o dia de sua morte. Em vez de soluicionay, trata-se de fortificar a ati- tude frente A vida; ha coisas que ndo podemos mudar, mas podemos transformar nossa atitude frente a elas. Isso € aceitacao e s6 com cla terminarao os porqués. ‘Esse é 0 caminho do terapeuta, Seu verdadeiro traba- tho nao é atingir uma meta, mas estar no caminho: ndo importa onde esta, mas como est, O coma é o que se ensi- na ao paciente. Gostaria de deixar claro o grande desconhecimento que os terapeutas tém de si como pessoas. E af, nesse es quecido campo de desenvolvimento, que se formard sua vi sio da savide mental e sua compreensao da doenca. Todas as descobertas de Freud devemse a ele reconhecer-se doente e, portant, seu mérito foi o de se conhecer, 0 da anto-observacio. Os terapeuias atuais ndo tém a coragem de duvidar de si mesmos e de perder o controle; esses dois estados sio 0 minimo a ser vivenciado, pois sio centros do conhe- cimento profunde que todo ser humane possui. Pressinto que os terapeutas femam que, ao fazer uma psicoterapia profunda, colocarao em evidéncia, frente a si ‘Aroucuaa po Terareu a. ea seus pacientes, problemas nio resolvidos. Diante da tal ‘ameaca, optam por manter-se a margem da doenca, Gnico territério conhecido por eles, pelo medo de naulragarem e serem enquadrados em suas proprias qualificagdes, O mensageiro da satide ser o mais doente é um duro golpe para o narcisismo. Nao € nada sadio necessitar dos neces- sitados e € pior ainda nao o reconhecer. ‘Admitamos, como terapeutas, que a satide nao pode ser conquistada s6 em um processo terapéutico. A psicote- rapia profunda ensina ao paciente um novo estilo de vida. ‘A procura de si proprio nao tem coro meta uma pretensa “satide”, mas a transformacio do proprio caminho em me- ta, Nao podemos nos conformar em sermos bem-sucedi- dos, em sermos apenas pessoas educadas, menos ainda po- demos aceitar pardmetros que somente nos tém trazido insatisfacdo ¢ angtstia. As @guas mais calmas costumam ser as mais podres. ‘A saiide mental é um estilo de vida, nao cinco anos de psicoterapia, O verdadeiro terapeuta convida, com sua atitude, o paciente a renascer. ‘A maior parte dos terapeutas fantasia com o fato de seus pacientes nfo questionarem mais sobre a satide, Nao se atrevem a pensar em mobilizar as transferéncias negati- ‘yas € sexuais de seus pacientes, pois isso repercutiria em sets pantanos inconscientes. ‘Anenhum doente é permitido que adoeca e que essa enfermidade seja desejada pelo terapeuta. Mas também no é razoavel que a satide dependa da satisfacao dos ou- tros e menos ainda da satisfagao do terapeuta. “Uma pergunta que sempre me fiz é: se escuto os ow tros, quis siio meus direitos de ser eu mesmo? ‘Tabu dos tabus é se reconhecer como pessoa frente aos pacientes, No entanto, para mim, esse € 0 comero de uma s6lida recuperacao. 22 Axoucuna curs ‘Tenhamos presente que @ nenhum pai é facil reco- nhecer sua ignorincia frente a seus filhos ¢, por isso, @ tinica coisa que faz é manter uma imagem que ser4 a cau ba da inseguranga deles. Estou seguro de que a verdade nao prejudica; a0 contrario, o eu se fortifica ao aceitar 0 init e a imperfeicio. Este século tem fracassado pela in« sisténcia em se viver da falsidade, pelo medo de se reco- hecer tal como se é. A tinica escola para ser pai é ver com cldreza sua propria posicéo como filho frente aos pals, © que também nao é uma garantia de criar filhos perfeitos. Nio podemos dar aquilo que nos foi negado. Um casal c vente engendra filhos famintos ¢ desnutridos; mas nao existe pai que aceite isso. “Ainaioria supde que “fazer o contrario”, em qualquer sentido, conduz a satide. O tinico lugar a que chegamos com isso é adotar uma fobia contra a origem do conflite Perclemo-nos 20 nos orgulhar de nao sermos como nossos antecessores ¢ fantasiamos acreditando que, por "fazer 0 Contrério”, nda cometemos o mesmo erro, mas esquece- mos que a insatisfagio e a angiistia ainda estio presentes. © pior de tudo é que pouguissimos chegam a reco- nhecer isso, e sem o reconhecimento, pedra angular da mmaturidade, tudo 0 mais se deformara. ‘Um dos valores a se recuperar a honestidade, Nesse ponto, quem nio tiver clareza repetird as préprias falas, Os terapeutas chegam a esse ponto como uma proje- cio de sua propria doenca, Existem tantos medos quantos s40 08 tipas de pessoas. Ha terapeutas cujo medo se baseia na plena consciéncia do préprio medo, porque sAo men- sageiros da satide e so responsaveis por fornecé-la. A mex thor forma de nao reconhecer o nao-saber é intelectual: rar, fornecer sempre uma aparente explicacio como saida, Alguns terapeutas passam avvida dando explicacdes cin vez de reconhecer simplesmente que nao saber. Nao ‘Aovcuna 90 TeRansuTa conseguem ficar calados ¢ aceitar que nao sabem, Como terapentas, tém a obrigacdo de dar respostas a seus pacien- tes, para escapar As suas préprias fantasias e nda ficar mal. Osiléncio do terapenta 6, em certos casos, muito mais poderoso que o saber. Quando dois ignorantes se encon tram, o melhor é se calarem, reconhecendo a ignorancia, tanto daquele que pergunta como daquele que nao tem a resposta. E que o siléncio seja um contato. Existe 0 nao-sa- ber: no sabemos e nada acontece. Mas isso ¢ muito dificil Outro tipo de medo dos terapeutas refere-se 20 que fazer se nao hi pacientes e o que fazer para manté-los, pois so eles que nos tornam terapeutas, Eu acredito que teros 1s pacientes de que necessitamos, assim como os pacientes tém o terapenta de que precisam; isso no sentide de que 08 medos, de um e de outro, se correspondem, nao que sejam ‘os mesmos, pois isso nao funciona terapeuticamente, em bora aconteca, Um cerapeuta dara um tratamento de acor- do com sua patologia, no com sua sazide mental. Falo do medo do abandono: o que vamos fazer sem pacientes, o que vamos fazer com nossa angristia? B muito Gificil encarar essa frustracio como terapeuta, porém mais dificil ainda @ aceité-Ia como pessoa. Podemos ter todas as desculpas: de que temos medo de evoluir, de que no te- imos desejo de estar bem. Mas somos nés que mao que- remos estar bem e é nesse ponto que temos que nos en- frentar, porque esse nao é um problema que teros como terapetita, mas como pessoa. Quem esta sendo abando- nado é a pessoa, quem tem medo de viao ter pacientes é pessoa. £ a pessoa quem nao pode viver sem 0 contato, embora se justifique por razées profissionais. Por isso a muitos terapentas n&o agrada questionar seus pacientes. Mas para todo paciente deve estar presente 0 abandono do terapeuta, pois, caso isso nda seja encarado, repete-se 0 ciclo que o trouxe a terapia, nao sendo resolvido o primet ro nticleo: pai e mie. E necessério ter claro o que signifi cam a perda ou a independéncia, pois quase nunca essas Hl t 24 ‘Aoucuna cura situagGes se resolvem de uma forma civilizada, consciente. ‘A maior parte das decisdes importantes sio desastrosas, caéticas ¢ intensas, porque requerem tanta energia quan toa usada na repressio. \ Alguns terapeutas tém o delirio megalomano de ser grandes curandeiros e viver, na seducdo, 0 desejo de gran- deza que todo ser humano tem. £ muito importante que, quando o paciente chegar a nossa frente, sejamos honestos com ele. Se uma pessoa tem problemas de seguranca porque é feia, temos que Ihe dizer que é feia, que nao se trata de uma distoreao, que nao hé um problema psicol6gico, mas algo real. Nunca di- zer-ihe que o mais importante no ser humano € a beleza interior... Nao mentir, mas trabalhar com aquilo que se tem, Nao negar um problema quando vernos que o proble- ma é no aceitar a realidade. Se cremos que uma pessoa nao vai chegar até onde pretende, melhor dizé-lo desde ‘0 comeco, pois no final isso nos sera cobrado. Estou con- vencido de que o mel nao foi feito para o focinho dos por- cos € creio também que muitos nfo vio realizar sua fanta- sia, Vale mais nos guiarmos pelo concreta, pelo minimo. ‘Para mim, o verdadeiro trabalho terapéutico esta no cotidiano, Queremos e pretendemos viver coisas extraor- dindrias, Mas 0 extraordinario é poder viver o dia-a-dia Nao temos que sugerir idéias e fantasias que paciente nao vai atingir. Perseguimos pequenos ideais alheios, de- sejos alheios, frustragdes alheias que foram projetados so- bre nés. Isso nao vamos conseguir alcancar nunca, Tanto & verdade que vamos a terapia no para livear-nos disso, ‘mas para seguir nessa busca. Por isso é tio dificil ao tera- penta desnudar-se frente ao paciente, porque tudo foi Gistorcido € o que deve ser feito é tirar aquele bem-estar neurético, aquele bem-estar controlado, comodo. O trax balho do terapeuta é acordar o ser humano, sacudir a fal- sa comodidade interna, o controle, a resignagao a situa: Ao sem risco. ‘Aovcuna po renareuta 25 terapeuta deve acreditar que, aconteca 0 que acon tecex, nada ocorrerd, nao haverd tragédia. Caso contrario 0 terapeuta ficard insistindo em que o doente nose altere, pois se o fizer vai sentir-se mal e cle proprio se sentiré mal pelo paciente, e situacdes desse tipo nao estao escritas em henhum livro, Também nio est escrito que o paciente po de levar o terapeuta a perder a paciéncia, Mas se ele nao consegue provocar alteracao no terapeuta, acredito entio que nao houve nenhum contato feal entre os dois, ‘Tam- bém existe um ponto do processo.em que o paciente pro- ‘cura frustrar o terapenta; brinca dizendo que este jé nao é um cara tio bom e que jé nao o diverte, mas o aborrece. Outros terapeutas temem 0 siléncio, O siléncio é co- ino a recuperagio de si mesmo, é estar consigo, permane- cer em seu mundo ¢ com isso estar satisfeito. Para mis es: se € 0 ato da terapia. ‘Alguns terapeutas sto moralistas ¢ vivern dando or- dens aos seus pacientes: isto esté mal e isto esta bem; is so se vollara contra voce e isso contra sua farflia... Mas sio ordens baseadas em seus preconceitos, no temor a perda da tolerdncia e a0 descontrole. Assim, repito: nao pode haver saiide mental com controle, Mesmo 0 10s pos: sui uma ordem, 0 centro do furacio é silencioso, mas 0 centro precisa do furacio. HA pessoas que so excelentes, muito corretas, mu _ to pontuais, muito educadas, muito respeitaveis, de tal forma que, frente a elas, dé vergonha ser neurdtico. Fica- se com muita culpa, porque acredita-se que nfo se vai dar conta da situagio. O terapeuta, muitas vezes, gostemos ou no, é um simbolo daquilo que na nossa fantasia conside- ramos como perfeito, como alguém que devemos imitar. E como se tentassemos ser como aquele que temos @ nossa frente. Por isso devemos pedir ao paciente que, com toda a honestidade, nos diga coma nos vé, o que pensa de nds, fe depois devernos nos abrir, mostrar-Ihe todas as possibili- dades, explicarthe como temos relagdes sexuais, o'que te- 26 ‘Aoveuta cura mos de mau, ‘Temos que ir fazendo ma lista, porque © pe ciente nunca vai perguntar. Percebo um erro dos terapeutas: acredlitar que somos portadores da verdade ¢ cla satide. Isso negar que tenha- mos algo daquilo que o paciente nos traz, Essa mentira chega ao paciente e 0 faz sentir-te culpado. Agora, se 08 pacientes nacla mais tém além da capacidade de softer ¢ hao Ihes damos a possibilidade do prazer, acreditando quie quem tema capacidade do prazer € mau, ¢ essa idéia foi o comego da doenga (j4 que © prazer da crianca era negativo €, portanto, foi reprimido), estamos repetindo ‘com os pacientes © que nossos pais nos fizeram. F-entio, novamente, aquilo que nao se esclarece se repete. Ha terapeutas a quem interessa que o paciente conti nue sofrendo. E como uma obsessio erer que a cura é se~ guir sofrendo; 0 ato de manter a pessoa na dor, em wma atitude masoquista, € uma posic’o muito sédica do tera peuta, Eston convencido de que a cura € 0 prazer, Mas existe aqueles que se sentem mal quando 0 paciente Ines diz que esta tudo bem... A consulta pode ser uma con- versa, com comentarios de que a vida nao esta tio mal as- sim, que é bonita. O terapeuta deve ser capaz de romper sua rigidez € seu medo, pois, jf que nao pode ensinar o prazer em wm diva, durante 45 ou 55 minutos, deve voltarse para o exte- rior, para a vida, Tenho visto, nos meus 18 anos de expe: réncia, dois egos chegarem entronizados 20 consultério, um querendo ser louvado € outro querendo louvar, ¢ 308 poucos minutos que dura a consulta nio se resolve nar da, além de egos se fortalecerem. Os terapeutas sentem como um dever serem pessoas controladas, tm um esteredtipo da saiide mental. Acredi- tam que uma pessoa sadia nao pode colocar em risco sua Avoucuns po TenareuTa a imagem, nao pode descontrolar-se no nivel verbal. Man- tém-se numa posi¢ao de supercontrole. Como o controle nfo é uma alternativa saudavel, ma- nifestam uma sutil agressividade, para negar o que na reali dade estio sentindo, Por meio do controle tentam anes| siar o malestar. Mas isso nao quer dizer que o paciente nao capte a mensagem agressiva. Esses terapeutas apenas conse- guem ensinar ao paciente que 0 contsole ésinal de sate. A repressio nunca foi saudavel. O mais importante ¢ trabalhar os contetidos reais de ambos, dentro do mesmo descontrole. £ preciso perder o medo de que aconteca al go assustador, Por isso clevemos comecar trabalhando as Fantasias catastroficas, pois assim evita-se que aconteca ab go mau, O mais saudavel é dizer aquilo que nao dese) mos que aconte¢a, pois, ao nos calarmos, estamos facili tando que tal fato ocorra. Nao se deve confundir descontrole com destr ‘utivida- de, O descontrole simplesmente expressa aquilo que se es té sentindo, é dar-se liberdade para expressar aquilo que se pensa, Temos medo de nos soltar ¢ esse temor é disfars ado pelo seut contetido. Mas o contesido é geralmente a go mental, fantasioso, Preacupamo-nos com esse conteri- do, temendo que, ao expressé-lo, algo catastréfico va acontecer. E isso é uma armadilha, pois o que tememos é, a0 expressilo, perder o controle ¢ nos tornar destrutivos Simplesmente temos que dizer o que se passa dentro de és, embora nos dé medo 0 fato de estarmos nos abrindo. Estamos repletos de fantasmas ameacadores: que nos re- jeitarao, que vio dizer alguma coisa. Mas, na realidade, ‘essa é a forma de encobrirmos o medo de nos soltar Seo terapeuta perder 0 controle, o que pode aconte- cer é que o paciente perca também seu controle e the diga sua verdade, Na realidade, o terapeuta teme que o pacien- te se expresse € solte aquilo que tem reprimido © que, além disso, ao fazé-lo, descubra a repressao da préprio te- | ' 1 28 ALoucuna cura vapeuta, Para evitar isso, é estabelecida uma cumpliciday de} ew nao perco 0 controle para que vocé nio perca. Se um terapeuta nio se mostra como pessoa, entio & uum mau terapeuta, 4 Assim como hé diversos tipo’ de paciente, com pato- logias especificas, existem varios tipos de terapeuta. Assim como 0s paciente se identificam com certo tipo de trata- mento, de acordo com sua patologia, os terapeutas se identificam com certas escolas ou com técnicas determi- nadas, porque sio mais adequadas As possibilidades de seu ego e nelas se sentern mais aptos e fortes. A essa predispo- sigdo colaboram tanto a dimensio sadia como os conte dos patolégicos do terapeuta. ‘Temos, entdo, terapeutas muito ativos que se inc nam ao questionamento, a permissividade ¢ a liberagio da repressao. Sio terapeutas cujo trabalho é voltado a0 desnudamento interior. $40 anti-repressivos. Aceitam am- plamente o direito 20 prazer ¢ & desobediéncia, o que au- xilia muito proceso de pacientes muito reprimidos. Bs- ses terapeutas sao, geralmente, muito vigorosos e tém personalidade marcante. Atuam como libertadores, tanto dos repressores como dos reprimidos. Mas tém suas des- vantagens, jé que tendem a subvalorizar o rompimento dos pacientes maduros e atuam com excesso de autorida- de sobre seus pacientes. ‘Outros terapeutas so do tipo emocional. E, com seu excesso de emogio, sio bastante liberdis para com pessoas muito austeras na representagao ou manifestacio de suas emocdes, Sao terapeutas muito fortes, que nada conside- ram ridiculo, insistindo repetidamente que, na manifesta- Gao das emo¢ées, nao pese nenhum fator de repressio, Ao mesmo tempo que trabalham o emocional, colocam énfa- ge no trabalho corporal, em atividades do tipo reichiano, com alta presenga emocional, Bsses terapeutas também ALOUCURA 80 TenAPEvTA pee 29 tém seus inconvenientes, pois os pacientes mergulham em uma atitude catartica continua, como se todo 0 processo ficasse reduzido & expresso de emogoes de forma obsessi- va, Sem espago a nenhum raciocinio, simplesmente enfati- zando a dimensio emocional, até o cansaco. HA terapeutas que enfatizam a capacidade de abstra- gio ea verbalizacao. Trabalham o pensamento e tém umn divecionarento muito mental, no sentido de que tudo de- ve passar pelo proceso de andllise. Esse proceso tem suas yantagens, porque consegite uma interiorizagao, ja que pacientes tendem a abusar do contetido emotivo, o que os leva a uma incapacidade de pensar. Esses terapeutas ensi- nam a desenvolver a capacidade critica, a auto-andlise € a observacio, Outros terapeutas tém um estilo muito normativo, com muita consciéncia da nao extrapolagao do que man- daa ordem social. $40 muito adequados a pacientes que, com facilidade, vao além dos limites na agao, pois os aju- dam a interiorizar a importncia de nfo invadir o univer- so dos outros. Sao terapeutas de contencao, de norma; trabalham muito bem os limites ¢ as fronteiras. Utilizam muito sua capacidade analitica e a tipica capacidade roge- rinna de empatia. A proposta é que, antes de se ultrapassa- rem certos limites, chegue-se 2 bons acordos, a bons con- tratos, a bons arranjos. E obvio que terapeutas desse tipo também tém suas contradigdes, porque nao podem se equivocar e deixar clara a idéia de que é por terem supe- rego muito forte que sao esse bom menino, esse menino repreendido. Por isso, esses terapeutas tendem a ser mui to rigidos "Ha aqneles que trabalham as dreas corporais da auto- estima, em fungio de viver bem a vida, de reconhecer 0 direito As coisas € aos prazeres. Sio terapeutas voltadas as deficiéncias e com eles os pacientes chegam a se aproxi- mar melhor da realidade, de seus direitos ¢ de seu proprio prazer. Fazem um born trabalho terapéutico de diversica- Avoucuns cuna dle de papéis. Trabalham com 0 corpo, coma thassagem € tatilizam também as terapias norte-americanas de auto afirmacao. O problema com esses terapeutas € que n&o tém a profundidade suficiente, sho superficiais, exageram nd bem-estar euforico, como se tivessem a compulsio de ficar bem, de maneira muito répida, tal como se conhe- cessem os quatorze passos para a liberdade ou a felicida- de. Caem em uma rigidez metédica. Existe outro tipo muito habil para trabalhar com @ ternura, a receptividade, a emotividade e, principalmente, com a capacidade ce entrega que se manifesta no dar e re- ceber. Sao terapeutas muito emotivos € ternos, adequados para pacientes muito austeros em sua expressio amorosa ‘ou 0s do tipo "machao mexicano”. Esses terapeutas ja con- tribuem muito s6 com sua presenga. Ao mesmo tempo, dedicam-se & sensibilizacio, trabalham com o psicodrama, com a troca de papéis, encarnando cada um dos papéis em questio. Mas, assim come existe tanto drama, também acontece que se estabelecam grupos terapéuticos de imo; bilidade e isolamento, que constroem uma ilha feliz ¢ se retroalimentam mutamente, até atingir’ uma simbiose benfazeja, Esse tipo de terapeuita tende a ser muito posses sivo com seus pacientes ¢ a dificultar os rompimentos, porque sente temor ao abandono, motiyo pelo qual tenta estabelecer uma boa familia com o grupo. Esse é, no meu julgamento, o risco principal com esse tipo. Além disso, ‘sao muito sensuais ¢ outorgam muita permissividade A se~ xuialidade. Nao censuram, mas nao favoregam a liberdade que permitiria a independéncia. Hi ainda terapeutas que estimulam um alto grau de desenvolvimento da intelectualidade, com grande liberda- de de expressio ao paciente, o que é muito positivo. Tam- bém sao muito tolerantes e receptivos, so suaves em suas opinides € debatem com argumentos muito sutis. Esses terapeutas trabalham a sutileza, o invisivel. Mas também tam sua problemitica: como se dedicam muito & area inte- A Leticuna no TERAPeUt 3h lectual, as vezes usando artes proprias das culturas orien- tais, fazem muita questao de nao tocar no ego. Assim mo outros terapeutas tendem ao excesso de manifestagio do ego, estes se inclinam a nao Ihe dar importancia, a nio evoci-lo, a negé-lo, razio pela qual cria-se uma repressio importante ¢ auséncia de possibilidade de expressio ou de catarse, 0 que é fator de grande limitagao. Além disso existe pouco contato, uma espécie de presenga ausente, pois dedicam-se principalmente as meditagoes ¢ a traba~ Thos muito intelectuais ¢ analiticos. Outras terapias focam 4reas esotéricas, como a astrolo- giaeo tard, que dio véo a imaginacio dos pacientes, & cria tividade, a liberdade. Fornecem inclusive oportunidade de explorat mundos fora da razéo, Usando de crenga na in- fluéncia dos astros, conseguem dissolver conflitos aqui na Terra, movendose a niveis arquetipicos; por meio do traba- Iho sobre um planeta podem vencer as patologias das figu- ras internas do pai e da mae, £ mais facil wabalhar com al- go arquetipico que com algo terrestre, Esses so caminhos tum tanto ilus6rios, trabalha-se o pessoal projetado no nivel césmico, O trabalho é efetivo € profundo, mas pode-se dar uma desconexio, uma aceleragio da fantasia, pouco conta to com a realidade terrena, com tendéncia a ficar muito além ea desvalorizar 0 cotidiano. Bsse € 0 risco: ver somen- te as influéncias planetarias ¢ negar as terrestres. Como se 0 mundo Thes fosse pequeno, entao disparam-se fantasias € recebemse mensagens de extraterrestres, 0 que pode levar 6s pacientes a wma ruptura total com: sua realidade, Outros terapeutas baseiam seu estilo em uma gran de capacidade de ser receptivos ¢ tolerantes, Tém uma atitude hedonista frente A vida, sio uns tipos alegres que tentam nio se ater por muito tempo aos problemas ¢ 208 conflitos. Acham sempre uma saida, sie muito habeis em ter na porta dos fundos uma possibilidade de escape, Es- ses terapeutas em geral tm um notével jogo de cintura para coisas muito simples e elementares. Sao bons tera 82. Anoucves cums peutas infantis, bons terapeutas corporais, bons pedago- ps. Mas tendem a fugir dos problemas de forma exage- Tada, Sao escapistas. Como conclusio poderiamos dizer que existem tes andes estilos. Os primeiros, com uma grande habilidade para trabalhar com a emo¢o, 0 que presume capacidade Ge expressar e exteriorizar, baseiam-se no contato, em te- rapias corporais, so pouco racionais, esto apoiados pela forca de sua presenga, pela grande potencialidade de vi ver o presente e de desfruté-lo. Os segundos trabalham 0 pensarnento, com orientagio para o pasado; fazem um Pabalho analitico muito demorado, porque dao muita im- portancia a todos os detalhes em cada situagio e relagio. Finalmente, ha os terapeutas do terceiro estilo, que se concentram na ago, valorizando muito os impulsos ¢ 2 realizaggo dos desejos. Dessa forma, vemos que para estes 6 mais importante ¢ realizar o desejo, para os do outro grupo é analisar o desejo antes de satisfazé-lo ¢ para os de- Tnais o fundamental é poder expressar 0 deseo. Por experiéncia sei que cada paciente, na sua prime! ra tentativa de cuidar da saiide, ird ao terapeuta que The desperte menos conflitos, jé que nos processos psicotera- péuiticos ha uma série de etapas, de degraus, cujo fortale- Cimento é muito importante, a medida que s¢ vai avangan- do, O ptimeiro terapeuta sera o encarregado de colocar os alicerces, de levantar a primeira estruitura, aceitando a queda de todo o edificio, de todo 0 ego. Para evitar isso € necessirio fortificar as coisas mais primitivas ¢ elementa- res, Por isso, 0s pacientes percebem, seja por intui¢go ou por acaso, 0 terapeuta que corresponde a essa etapa. Not- mmalmente, os pacientes muito racionais procuram come gar com terapeutas racionais, os emotivos com emotivos € Os ligados a ago com seus correspondentes, Mas esse € 0 primeiro passo e, tarde ou cedo, se houver uma evolucio, Fevem ser revisadas as areas de caréncia, Por esse motivo gustento que um terapeuta sozinho nao pode ter 0 mono- ‘A.LOUCURA D0 TERAPEUTA 33 pélio da transferéncia, pois isso é prejudicial, da mesma forma que os mecanismos de defesa: sio os salva-vidas da infancia ¢ os inimigos terriveis da idade adulta, Dessa for- ma, sou favordvel a transferéncia multipla, na qual existe todo tipo e estilo de terapeutas, porque isso permite um maior desenvolvimento dos centros internos que foram inibidos por uma série de circunstancias. Quanto maior for a possibilidade de contatar com diversos estilos, me- Ihores oportunidades de abertura e de amacuurecimento sax dio tera o paciente. Por qué? Porque isso aconteceu na fa- milia: a mae tinha um carater, o pai outro, os irmaos outro etc. Eo que tentamos é fazer uma regressio para revisar es ses caracteres € alcangar um equilibrio com aquil que fi- cout inibido, atrofiado on desconhecido no caminho.da ve ida, Por isso, considero muito importante wm processo em que se oferega a possibilidade de transferéncia méltipls £ importante que os terapeutas tenham percorrido os trés caminhos, as trés sendas da psicoterapia, que te iham trabalhado sua emogao, sua agao € seu pensamento. Risse € 0 trabalho que temos de realizar para ser terapeuta ¢ para ser pessoa: temos de atingir um desenvolvimento harménico dos wés centros. Se fizermos muitas concessoes a uma determinada téc nica, estaremos certamente descuidando de outras areas de desenvolvimento. Por exemplo, é impossivel trabalhar corpo por meio da anélise, como é impossivel analisar @ mente s6 pelo puro trabalho corporal. Cada uma das técni- vas @ uma mina de riquezas, mas nao € solugio total. Para chegar & totalidade temos que trabalhar as trés reas, pot que os problemas da vida sio males afetivos, males do inte Jecto, males da ago. Temos de trabalhar tudo. (Os diversos estilos da psicoterapia nao sio nada mais do que diferentes tipos de psicopatologia. Por que me identifico com a psicandlise, com a terapia de confronta- a0 ou com a reichiana? Porque corresponde a minha psicopatologia. Acredito, entio, que deverios retoznar um Axoucuea coma principio mais essencial e importante, perguntando pelos criadores: quem foram Freud, Perls, Reich? Quem foram eles? Questionandlo sobre eles vernos que a propria teoria de cada um nfo foi nada mais do que o descobrimento ad propria doenga. Por exemplo, Freud, que era uma pessoa com dificuldade cle contato corporal, que vivia em uum ambiente muito repressivo, desenvolveu seu trabalho mantendo distancia, mas conduziu-o com tal destreza € maestria que esse o levou A saiide. Foi sua prépria patolo- gia que 0 orientou em direcdo a suas notavels descober- tas, permitiv-the criar sua teoria, sua escola € seu traba Iho. O mesmo vale para Jung e seu interesse no césmico € no arquetipico. Da mesma forma nasceu o psicodrama: Moreno era dramitico e muito expressivo, tinha a habili- dade psicodramatica de representar diferentes papéis. In- dagando como surgiram as diversas escolas, verificamos que sua origem nfo é outra senao a patologia dos mestres, Eles reconheceram a prépria doenga € tomaram conheci- mento de como trabalhiéla, Isso vale para aqueles que se acham muito doutos por ter recebido uma formacao intelectual acad@mica: @ im- portante que o terapeuta conhega a origem da escola que segue. As escolas nao foram criadas por dedugdes men- tais, mas sao fruto de arduos e profundos trabalhos pes- soais, envolvendo autoconhecimento € um compromisso pessoal. Foi 0 que levou seus criadores a compreender que, se tinha funcionado para eles, poderia servir para os, outros. Esse é 0 importante trabalho dos grandes homens: ter contribuido com sua experiéncia, ter trazido os resulta dos que conseguiram com seu sofrimento, E esse poder nao se consegue indo @ um cursinho ou lendo um livrinho, Se nos consideramos discipulos de algum mestre, 0 mnais importante é averiguar que ele fez com sua vida, por que ele chegou até esse ponto. Eu acredito que o ver~ dadeiro ensinamento € que eles foram eles mesmos, ¢ pt- cieram ser. Por isso nao se trata de seguir ao pé da letra seus exercicios, porque tanto a entrega como a capacida- de afetiva nao se conseguem com isso. O que o terapeuta deve fazer & mostrar 0 mesmo que os grandes homens mostraram: entrega e disponibilidade para o risco. Dessa forma os exercicios serio titeis, mas é preciso repetir 0 exercicio para descobrir-lhe 0 valor. Quando 0 exeteicio nao resultar em nada, é importante a presenca terapéuti- a, que nos mostra que se pode conseguir. Isso se chama confianca ¢ experiéncia. Na experiéncia esti a satide E obvio que o trabalho de psicoterapia exige um alto grau de responsabilidade ¢ compromisso. Ninguém se prepara em cinco anos, ningutém se prepara com um dow torado, porque dessa forma somente adquirimos conhect- mentos académicos, que nao sio a cura, A verdadeira pre paragio é 0 caminho e o caminho é a prépria vida. Nao se pode estudar para ser pessoa. Nao se estuda para deixar de ter conflitos e sofrimentos. E preciso realizar um gran de trabalho pessoal, pois 0 essencial de um terapeuta é es- tar presente e ser harménico, para que nao seja uma frau de. Estar presente é reconhecer 0 caminho que 0 outro vai comecar como um guerreiro da vida. O terapeuta é co- imo um velho que jf percorreu o caminho, ¢ isso é uma atitude que nao se pode transmitir com palavras. A pre senga mesma so as rugas que ele tem, as feridas cujas ci- catrizes sio visiveis para o paciente. A presenga dé con fianca e dé a possibilidade de continuar, de saber que esta indo bem. Porque, ao comecar uma psicoterapia profun- da, a tinica cura que se pode brindar é o fato de reconhe- cer o proprio sofrimento, a prépria dor e a transcendéncia alcangada, Entio, é bom dominar uma técnica, é bom ter realizado um aprendizado intelectual e formativo; mas jum bom terapeuta deve largar os instrumentos, deve arris- carse a largar a técnica e apoiar-se em si proprio. A técni- ca nio cura, quem cura a pessoa. Nesse aspecto existe uma desvalorizagio pessoal: os terapeutas pensam que nfo podem curar a si proprios. H isso é uma grande ment i “36 Atoucuea cura ra, Ninguém cura pela técnica que domina. O mérito € pessoal. A béncio pessoal. Quem cura somos n6s. O mé- rito dos grandes terapeutas foi terem sido eles mesmos: Essa foi sua huta € com isso curaram, Este é o ensinamento ea mensagem: sejamos nés mesmos € nao imitemos nin- guém. E é ai que esti a cura, porque, se nao nos reconhe- cemos como uma béngao da vida, como uma graga, nio existe auto-reconhecimento, e isso repercutiré no pacien- te. Eu acredito que somente cura quem se atreve a fazé-lo. Nio hé técnica para isso, s6 atitude. E somente podem ter atitude as pessoas, os homens completos, as mulheres completas. Quem reconhece a si proprio pode reconhe- cer 03 outros... Eu convido os terapeutas a se colocarem em frente do paciente ¢ a permitirem que seu material de trabalho seja simplesmente 0 que vier a acontecer, que aquilo que possa ocorrer seja a alternativa que ambos trabalharao. Para isso, é importante que rompamos com pretensdes € com programas de realizagio do ser. E preciso esquecer as estratégias terapéuticas, esquecer as brincadeiras. A pre- senga e 0 que acontece sio as tinicas coisas com que € pos- sivel trabalhar. Tudo 0 resto sio fantasias, tudo o mais sio pretensdes. Ninguém pode dar 0 passo por ninguém, cada um deve andar seu caminho a seu proprio passo. O tinico que sabe onde esti é o paciente, o tinico que pode reconhecer se quer trabalhar € 0 paciente. Temos que escuta-lo, mas escttando-nos. Nao temos que ver suas impossibilidades, mas nossa incapacidade de aceité-las, devido a nossa ansie- dade, pretensio ¢ impulsividade. Queremos que o pacien- te saia de onde ele nao quer sair. Nossa incapacidade de ver isso € de aceitélo é parte da nossa doenga, no da sua. Dar liberdade, Esperar que a tiltima palavra seja a dele € no a nossa. Que seus medos sejam seus medos, e sejam suas as suas fantasias. Que a solugao de seus conflitos Ihe pertenga, Tudo isto pode-se atingir somente pela toleran- ‘A.LoucuRa no seRAreutA 3 cia, pelo respeito 4 seus siléncios, a seu tédio, a seu egois- mo, a seu narcisismo, a sua incapacidade, a seu menospre- zo, a sua vaidade, Somente se dermos acolhida a isso, rece- bendo-o e observando-o sem prejulgar, estaremos falando de um trabalho profundo. Nossas pretensbes no sio mais do que impoténcia, sinais de um ego muito,exigente. Ase- guranga se manifesta na confianca. f pois, muito impor- tante curar, nao como um ato de soberba, mas porque re- conhego meu caminho, minha meta, meu sofrimento € porque reconhego a dor de ainda nao ter atingido o final © trabalho do terapeuta precisa de muita humildade, A luta se da até a morte ISSN 1413-8123 ABRASCO ASSOCIAGAO BRASILEIRA DE POS ADUAGAO EM SAUDE COLETIVA, cm Marte! on os Pau opdloge nem wm = que des pretensio de cx citNcia 8 saUDE coLETIVA 1(1), 1998 minhaslo & eiruegia, Greg es- capa da morte mas se torna ego, amnésico ¢ “vazio". Por "vazio", Sacks entendle a to lal ineapneidade dle Greg re ler informagdes, realizar re flexées, a! ielo, exe presenr emogdes ou memorl- nar Fates © eventos atuais. O aytor desenvolve intensis consicleragoes sobre © gi de desenvolvimento clos lo- bos frontais em In manos, sobre 0 papel dos sonhos, das vigilias © clas Fantasias Comenia que Greg parow sua vida 90s anos 60, de qtr do se lembea de conjuntos musititia, times de fulebal ¢ linguagem de época. O que nosis impressiona, por eatuclo cle Sacks € si cidade de perceber em Greg pati cle seus sérios proble- mas de satide. Come cle 2 monstro", mas unt observa “ainda que como neurologists, cu tivesse que Iniar da sindrome cle Greg, de sens ‘léficits que isso Fosse acleqquncle pars deserevé-lo, Bu sentin que cle linha se transferees om owe ipo de pesson: que embora a lesio do lobo fron: Uivesse, de ceria forma personalidade, (ambém the deixara um tipo de ielenticlr- a de ov personaliclicle, 3 que de uma espécie estranha © primnitiva’ (pg. 74). Mais a experiéncia narrada por Sacks com o Dr. Carl Benneul, ascinante ainda & portador da sindrome de Youre, Iss sindrome se conheee pelos esiranhos gru- nhidos, crispngées, caretas we xing estos, blasit mentos invohintivios emit: dos pelas pessoas que dela solicn, Sem me deter neu ra suis elescrigio cliniea, pre~ fire acompanbar © enea mento de Oliver pelo mé co-cirurgiio Dr. Beonelt, mo ade midlor cla pequens cl americana de Branford, ama- do © querido por seus clien= les ¢ respeitade pelos seus colegas de pronto-sacore ¢ In} local, Bennett, além de opene con perfeigio, sem lize, elivige carro © pilots um gwar. Swit “esquisitisse” The eonfe: capazes de se manifestaren: ulssoluiamente convercionais dueanle as atividadles pprofis- is, Os gestos Ibruscas, ing por exemple, manifestando- s¢ livremente nos mor de descontragio. Sacks en uel meneinna que "estamos iante de algo de nivel st perior A mera repercusste siimica, quase antonitien os modlelas inatares. Vemnos ny ate Trksicw ow le encamaghe nlerpretaglo, pelo «qu as habilidades, sensibilida- des, a tolalidade dos tengos néuricos de otra ere (grifo nosso) conquistam 0 cérebro, em a pessem, tog rede seul sistem. nermoso, duratii= ic toca a durago de seu desempenho" (pig. 113) Q caso de Virgil € tam Lyém_ surpreendente. Cego desde tenra dale, 295 50 moss que [ez 0 imposstvel para conseguie uma cirurgia que Ihe proporcionasse 0 dom da visto. Amy, 1 noiva, conseguiy em parte © que pretendlera. Virgil voliou a ver, Porgy a sun histéria nos porite sim prrofunda rele so sobre 9 “enxergar” © 0 ver”. Quand ollios, depois de ter silo cege por Gintas anes, oe havit Virgil abit os meméria visual em que apolar sua percepgao ¢ nem mundo algum de experién- cia © semticlo esperanclo-a, Ble | mas o que wi nao tinha corréncia, seu cérebro nao consepuit the dar senticlo Nés que nascemos co: visio", diz 0 anor, “in poe usie", Sacks caminha por tad a irajetéria de sofrinen- tc dle Virgil na experignein dg wer © ho wer © ngs feusttl Ges cle sits mulher, Athy © conclui: “viv-se eitre dois nulas, exilaclo nbos — 11m tormento a0 quial nfo parecia ser possivel escapar Mas af veio a libertagio, na seguncla @ dler- cltticin& sabe couetiva (1), 1996 + ucira que ele recebeu como dadiva, Agora, por fim, a Virgil € permiticlo nao ver, escapar co mundo ofvscante visto ¢ do © mordoante espico, parr relomar a seu proprio ¢ vercacleire ser, 0 timo & concentraclo mnuinclo de todos 05 otras senticos que havia sielo seu lar em quase 50 anos" (pig. 164). Outre caso interessante parrace por Sacks é 9 do artista plastico Franco Magnani que exilou-se, quin do Jovem, de sua terri natal, Pontito, pequena cidade cla Toscana, na ttélia, por oca- silo da guerra. Deneminaclo ‘Artista da Meméria" Magnani tem uma eapacidace obsessi- . fotogrifiea © infinita dle rewatar sua cidade (apenas eh, sob toclos os Angulos, de forma tecorclatéria ¢ ima. ginativa, Este astista eiclético, conforme Sacks, € a9 mesmo. tempo vitinn © possuicor le im repertério de imagens, cujo poder ¢ dificil conecber. Ele nto esta livre parm ter equivoces de memdria e nem para detxar de lembrar. Tra tase cle uma meméria prto- logics, com um poder de fie xigio, de fossilizagto ou de petrificagto em plena ativiela- de, marcada porém por wina Fesponsabilidade cultural cle Fecordar passado © preser- var seu sentido. Sacks, que Acompanhou Magnani cle Sio Francisco (onde vive e pinta compulsivamente) a Pontite, observando todas as suas agOes © rengdes, conelui que crincins sabe cotenva 177), 1998 ein profunde vazio interior. si pela guerm ¢ pelo exilic, onde arte dt pintura tansformou- ago essa crincl Se nun espago extemo dle enumerasio © recringte intl. nitas de um berg 20 mesmo iznclo ¢ preserva tempo ides do. Todo esse entusinsmo nesgotivel esti a servico de um projeto sem fim, porém scm intrespeegio e profundi- dade para além dele mesmo. A pens isadla por Sacks € 9 do a to com prodigiosa capaciela- de de desenhar paisagens, runs, edificios, igrejas, caste los ete. Talando dos idivrs savants @ autor mencion: que nfo se trata apenas dle um sibio, mas cle um prod. sscido en Londres, & io, ho de um funcionirio da Companhia de THinsite, po- bre, esse rapaz hoje comple- ta 22 anos. Depois de dling ado seu autismo, teve a [elicidacle de encontrar a compreensio de um profes: sor @ varios incentivaclores que soubersin valorizar mais seu talento que sts ¢leficién cins, E projetar, ter suas obras pre- micas, suas capaciciacles es- limuladlas ¢ ser hoje reconhe- ciclo como génio. Desenvol- ssi conseguiu se vew também profundas hal lidades musicais, Depois cle acompanhar os pasos, as reagdes, as vivéneias do ti lento no paradoxo cas cleli- cidncins cle Su:phen, Oliver conctuiv: ‘suas limitagées, pa radoxalmente podem servir como forgas também. Sua vi € valiosa, no que me pa- rece, precisamente por trans mitir Gm ponte le vista mars vilhosamente dlireto ¢ nko conceittializado do mundo. Stephen pode ser limitaco, uisito, idiossincratico, esq) mas the foi permitide aleangar 6 que poucos de nés conseguimos, uma sigaifican- le represeniagio € investiga~ gio do mundo” (pag. 251), Oliver Sacks termina sua a com a histérla de obr Temple Grandin, a autista he forneceu o titulo de ave seu tral ho. Professora da Colorado State University, gerente de seus préprios neg: Scios, pesquisadora e conferéncista cle rename, ela “town ttre spp a do autismo, mas sobrétu- pelo pela inteligencin pra talento tecnico, pelo forte poder de introspecsio ¢ relato. Mas seu poder es- sencial esti na profiunca sen= sibilidace para com 0 mun: lo animal e para a essencia- ielacle do afeto e da compre- 0 clos sentiments do gaclo bovine e suino. Temple surpreendey a todos, numa recente palestra quanclo dlis- “se pudesse estilar os dedos ¢ deixar de ser autisia, flo 0 Faria — porque entio pho seria mais eu. O autisme € parte do que sou". E Sacks acrescenta: Temple acred "E por a que 0 Autisme posst ser“associacle com algo cle valor que fie alarmada com a erradicé-lo (pg. 297) Vodlos os sete relatos de Oliver Sacks sto sobre pes- is que vivem hioie. No entanio, 0 comum, mas também undo do senso confinw-los num texto sobre patolagia. © que se tora comovente ne live de Sacks 6 a sun capacidade cle colo- car noses preconceitos de Bonta-cabeg: Naandlo © pvertenddo ferente; segunclo, a relagto de es anheza: e, em tereelro I gar, langande nove elhar sobre © complexe e polissé= ico mmunco da savicle © et no docnga, Canforme sf prefacio clo livre: *s imag lo da natuiez € nas rien que # nossa; para mim, como médlico, a riqueza da nature: za deve ser estuclack no fe némeso ki saticle © das eo- engas, nas ielinitas formas de adaplacho que organismos hi pessoas, se recansiidem clan te dos desafios ¢ vicissindes (pig. 16). Em outras Sacks quer mosiar que os cli tUrbios eas doengas po- dem (er um papel 5 de revelar poderes evolugio © forms cle viel que nuncs seriany imaginadlés na auséncia clesses males, Nese sentide, 2 doce m poder criative. Se por precisos, forga o sistema ner~ voso 2 buscar inesperados crescimentos & evolugio. Por isso, diz 9 autor "sou levis a pensar x2 no seria necessirie conceitas de savide/doenca pacidace do organismo de crinr init noes organiz: ndequada % posicio especial Ficaclt segundo suas ncecssi- cles, mais clo que cat ter is de una “herima” spiel mente definida” (pag. 1A. colenmid de geralmente correspende una contagion wiela, iss0o lo é una Fualidade, © eqteais- quer que sejam as prabtenas, bo apenas a despe suns cemdligoes, 1s por ene st delas ¢ at mesma cont sun ajuda Assim, a rellexao de Oliver Sacks vem a ser dle hemes ne campo da Satide. Sobretde porciuc, sent grandes preten- ses de ser unt aintrapskage Po, part a necessichide de de casos, procedimenta tie presente na Clinica ¢ na Fy dlemiclergin ra se chewy nde prepirin e vivenci "O. estucles cba pessents doenga exige 0 esteele dl solo impulse cla elacne:t. Mas a realidacle dos pacientes, as formas como eles e seus cé- rebros consiréem seu proprio mundo, 59 poder ser tot mente compreendicas pe obscrvagio clo comportamen- to exterior” Gbid.). F Sacks comenta Ches- terston, através cle seu deieti- ve espiritual, quanda diz: “quando um cientista fala de un fipa ou de um eso, nunen esti se referindo a si mesmo, mas a sew vizinho, provavelmente (psig. 199) Por compreencler liver 5: rologists, trou is pobre! iste, ks, uum ete Hleeo bran- jospital & co © desertow do dey lahorti6rie, para pesqu= har a vida de sane ny ropdlege em inka. ronteiris dlistantes da expe A neurologin © of esti. dos ce cérebre hole #6 lor harm Areas de ponts ne campo de conhecinento, Sut cantribuigio para a visio nuts ampliads de save nie se disette, No entinte, eau si aidmiriglo pensar que, net enaltecimento inconteste dos equipamentos ns cle alte custe, © tecnoke rellexio © Sahedoria na am ple | wich, once # existaneia soi 1 nos torarnos UhDS. 1 CIENCIA & SAUDE COLETIVA T {1}, 1996 0 POUOMALe & muar annuanrtar - sa abidalernarns - Verps . 1993, FWKadhetle. 3 LANGER , Manin Cang EDUARDO PAVLOVSKY A Crise do Terapeuta* rEu me perguntel varias vezes qual era a methor forma de falar sobre este, tema, Meu interesse & que possam compariithar de algumas de minhas inqulelagdes. Mas ew ainda no aprendi a compartitnar sem me mostrar, ‘mew inieresse 6 que possam me seguir em minkas pro= prias imagens. Tampouco queria ordenar denasiadamen- te a exposigao, cada vez desconfio mais de minhas ex- posigdes ordenadas; prefiro falar como esbogo, duvidando ‘de minhas afirmagdes a cada inslante; questionando-me ‘a mim nio aos outros; refletindo sobre mim mesmo © no sobre 0s outros, Talvez algum: tedrico possa escre- ver algun dia uma teoria da Psicandlise de 71. Eu, de imediato, estou seguro de que naa sou o indicado para fazé-lo. ‘Isto me permite poupar tempo, conhecendo mi- nnhas limitagées; de todo miodo, pensei que a melhor maneira de introduzir o tema era fentar ostrar-thes. 05 inomentos psicoterapéuticos em que me vi inciuido, apre- sentéclos ante os senhores, com mintias préprias con- tradigoes. Tralei de associar livremente a respeito de tudo ov que recordava neste instante, Pensei: “Crise nao & decad cia, Tentar conscientizar ao maximo a crise & esbogar a possivel superagtio. Mas isto sint, em didlogo, escutan- do 0 onto, cut fazendo-se éscutar pelo outro, Mas como contertucle prommetaia ne cielo Pelee 71, evguniedo pelo conto Se Pacoima, vay islo 6 dificill Negar a crise & condensi-la, ¢ aprisioné- ta, & enquisté-ta, oblilers-la, & ficarmos s6s, € no in teriorizar 0 didlogo com 0 ouiro dentro de mim. Todos estamos um pouco doenles deste tipo de surder, Mas lambimn — peniei — a surdez protege" “Sabe porque venho vé-lo, dowlor Pavlovsky? Nao por mir, mas por minha frm, Creio que 6 preciso internd- fa, creio que esté fouca”. Foi contundente, A verdade € que ouvi pouco, porque tinha olhos azuis © era muito bonita. Tenho um problema com os oihos azuis, Entéo fossi... para ganhar tempo, Disse-the: “Hum, pode repetir?” Disse-me: "Minha irma esl4 louca, doutor; quer dizer, faz coisas de louca", Senti que comegava a situar- ‘me no papel de psicoterapeula, Abrin a bolsa e extraiu um envelope © me disse: “Aqui the (rago um eletro-ence- falograma”. “Cagamos" — pensei — Porque, para mim, tum elelro-encetalograma algo realmente misterioso. Et io poderia traduzir em palavras as coisas que sinto de win Uragado eletro-encefalogratico. Na realidade, bus- quel desesperadamente o informe do médico; o informe que 0 médico escreve sempre debaixo dos riscos. Mas doo encontrava, Encontrava-me diante de uma strie’ de riscos e 0 olhar dela... Senti-me muito idiota. Na realidadle, compreendi que mew primeico gesto foi a de impostor. Eu devia ter-Ihe dito, de salda, que nio on- fendia nada disto, que nunca me interessou nada, Mas © primeiro gesto me levou ao segundo € j& no podia recta, "Para que abrit o envelope, idiota” — disse-me. Yenho ver © senhor porque, em casa, confiamos 10 senior, doulor". Eu me sentia morter. Houvera desejado desaparecer, Entéo, senti que me ruborizava, "Que opi- na, doulor?” "Bom, bom — disge-te — ew preteriria estulé-la primeiro", Dei dois olhares técnicos, como fx xando algum ponto particular do tragado, e 0 enfiei no envelope “Aqui tenho 0 relatério, dowtor — disse-me cla — ¢ me estenden outro papel... Lio relalbrio desinleres- sailamente, como se tivesse feito um diagnéstico prévio ‘A tinica cotsa que relive foi algo de ... algo que se {PVG Iolo mos eletros ... Ht algo assim como inente anormal”. Creio que, além disto, "aisritmia “marcada- ea palavea “Minha irma (em fugas” — disse-me, Neste momento, ja havia passado a contrairansferéncia erbtica, "Fugit varias vezes de casa — continuo, Casourse aos 18 anos. Deixon o marido ¢ fugiw owlra vez. Juniou-se com um tipo © vollow a fugir. Viajou pelo interior do. pais. Junta: se com tipos. Se visse com que tipos! Fuma, Fuma, Fuma. Fuma maconha. Fuma, Fuma, Oh! Obr" Eu o seni as- sim: “Junta-se com gente muilo estranha, E* muito boa Quero ajudé-la. Mas achamos que est4 louca. Ajude-nos, doutor. Ela vive agora com varios amigos. Aceitou con- vetsar com o senior porque € arlista, mas disse que € tim quadrado". “Quem?” — disse en —. “O senhor, doulor, mas diz que 0 senhor © n6s no somos pra fren le, que somos quadrados”. “Hum, hum" — disse ew — ganliando tempo (tum, hum, & um trejeito psicanalitico para ganhar tempo). Pensci que, de mim, dizem muitas coisas: que sou histérico, psicopala, manobrador, mas “quadradol"... noo suportava, Era superior a todas as minhas forgas. “Quadrado no sou” — pensei —. E disse eu: “Enlao diz ela que somos quadrados?" — com Uma @nfase e um tom bastante agressivos —. Senti que estava fazendo uma alianga com a irma, E ela me disse: "Sempre foi limida, calada e retraida, em casa” “Esquizotrénica” — pensei. Estremeci, J& havia feito umn diagnéstico, J4 ia tralar de uma esquizofrénica, Havia escutado: calada, timida e relraida, Pensei emt interna~ G0, Jiro que cheguei a pensar nas imagens de uma Glinica moderna, J& via grupos familiares... assembléias. Vieme fazendo psicadrama. Arrebalei-me. Inlerpretei-me, porém: “Wort esla-the_devolvendo_o iagndstico. Chamou-o de quadrado_e voc® a chama de esquizolrénica, e jaa inlema, Além de nao saber Psiquia~ {ria, voce & vingativo". Pensei: “Eu devia ter feilo 0 curso de meédicos psiquiatras no hospicio. O que perdi!" “Sou empresdria — disse-me, Viajo permanentemente. Custa-me muito chegar. Mew iro também quer vé-lo”, 23d 0 inndo dela. “Estou muito preocupada, Ele se analisa © 0 analista pensa que Marla esl psic6tica, e Ihe pareceu muifo bom que vigssemos ver o senhor”. E sew iemio — perguntei — por que nio veio? “Tinha sessio” disse-me —. “Claro — disse eu — finha sessio". Ime- dialamente, porém, dei-me conta de que havia dito “cla- ro" © me Sentié muito aborrecido. Que quer dizer “linha sesso"? — pensei — Que mande sua sessio para o diabo e pio abandone Marla". Senti pena. Dei-me conta de que fina passado para o outro lado. Agora era mar fisla, Quem impde a importancia do ritual psicanalitico? Se alguém fem sessdo parece juslificar todas as ausén- cias. “Bonita infra-estrutura econémica — pense —. ‘Tu= do previslo, isto, que tem a ver com a Psicandlise?" Pensei_ em Withelm Reich, Disse-me: "Quando se casou pela primeira vez, papai Ihe disse: Voc8 faz o que quiser de si, € sua vida, voct & livre, que seja feliz; mas nés pensamos que este tipo vai faz@-la infeliz. Digo-o por experiéncia. Faga 1 que quises, mas, como pai, digo que voce nao vai ser feliz com este rapaz" “Bonita_mensagem esquizofrenizante para_ “um elefante” — pense. E Marta responden ao papal: “Por que nio vai para © diabo, papai2" E o papai leve um enfarte. “Bom, Mar- tal", pensei. Entendia agora algo de suas fugas. Pensei em Cooper: “A loucura néo esta numa pessoa, porém num sistema de relagdes de que fax parte isto que chamamos. de paciente”, ‘Ela continuow falando: “Eu estou para ir 8 Europa e quero ficar tranqiila antes da viagem”. “Pas same a bola” — pensei, Larga-me a fouca em cima © vai passear 1 Tornou a vida de papat impossivel. Veja, doutor, um dia desapareceu, aos 18 anos, em Mar del Plata. Ti vemos qe proctiri-Ia ea encontramos eaminhando pela Avenida Luro; © as vores & tao sacana, que fugit no mesmo dia em que papai havia sido promovido na companhia”, dissociar_alé 235 y ' “E voce, de quem foge” — perguntei-Ihe —, “Como?” — disse-me —. “Sim, em suas viagens, de quem foge?” Othou-me fixamente. Contemplei-a fixamente, Eu sabia gue @ pergunta era agressiva — mas sei que sow agres- sivo, Manieve a pausa. Seus olhos se umideceram. En- lio disse a cla — nio sei bem porque — algo assim como: “Todos fugimos sempre um pouco. Todos vivemos tum pouco fuginds, néo acha?” Houve um longo inter valo. Ela se recompds. Eu conhecia este lipo de recom- posigo imediata. Conliego-o porque também & meu. Pen- sci: "Vejo-me em voce. Reconhiego em mim este gesto rapido, esle trejeito que parece afastar as emogGes como “vulgares”, Ale chorar ¢ vulgar. Sio_tejeitos de, “lasso” — pensei —. Curioso, quando Comegava a senticta mais integrada, mais pessoa, ela forna a se “despersonalizar”, Converte-se em gesto impostor. Recompée-se e dissocia- se. Reconstréi-se em diregio a uma normalidade ima- ginada © se converte outra vez na boneca de éxito em- presarial Pensei: “A ilogicidade das fugas tem sua origem na enfermidade da aparente légica de oulras pessoas” So mett espellio” — pensei. Pensei em Pichon Ri- vigre neste momento, em quanto nos deixou a todos. Foi um (orvelinho de momentos. Senti gratidao por com- preender. Que me interpretem outros. Pensel no "homem do gravador"' — juntava-se-me todo —. Cruzei com © Che. “Quando Marta pode vir ver-me?" Marcamos as 6 de quarla-teira, Pensei_ numa idéia de Cooper, que di que muilas vezes a vitima propiciatéria da_mensagem de uma familia € cémplice do processo; a Gnica maneira de senlir-se alguém ser definido pelo menos como wn louco, & preciso escolher entre ser alguém louco ou nio ser ninguém, Passar pela vida sem ao menos morrer ¢ sentir a morle como propria. “Ale a morle nos & rou hada — pensei —. Os outros sentem nossa propria more”, Retecese A. ovate, transrla« publica no Ler Temps Mod oe UGE ah de Ba, Mde repre "om “ata ene im, pled Path atsiatinty “ines piotecatainene, raves sta aiienasessto "revo. 236 A Idéia & que somos cimptices da definigaa que o outio faz de nds. O sistema de relagdes humanas & 0 doente. E evidente, gera dialeticamente uma contravioltncia per- manente, Fugas, neste caso. Revolugéo em outros. Pensei porém: “Camo desencaixar Marta deste f0u1,o ciimplice mais—impartane o_processo, se €u S iqueti-la? Como _desen maga, lode_o-aprendido?Ca-~ esa car _a_huymanizar-me?_Com_que tuodelos? Acaso_algu HA porém algo de horror e algo magnifico em tudo isto, De grande empresa a construir. Os outros se as- suslam, Pensei no homem novo, Na humildade. “Recons- {ruir” — pensei — © fui ler uma frase de unt génio, que diz assim: “Dentro da sociedade burguesa, @ Psicand- lise esté condenada & esterilidade, ou, pior ainda, j& que 0 objeto da educagio nesta sociecade € educar em sett beneficio © como educar para oulra sociedade & uma ilusio, toda a pedagogia psicanalitica, antes da revolu- fo social, 56 se pode utilizar em beneficio da sociedade burguesa. ‘Os pedagogos psicanaliticos que tentam mudar esta sociedade — ou 0s psicanalistas — a parlir de dentro, experimentardo 0 mesmo que um sacerdote que foi converter um moribundo agente de seguros, e que sO conseguiw sair ele proprio segurado. A sociedade € mali poderosi que o esforgo de alguns de seus membros", 1930, Wilhelm Reich. 1930. Como_nie_ficar_louca? “Os analistas que pensam que a Psicanilise pods mo- dificar 0 tipo de vinculo doente entre os seres humanos caem numa utopia baseada na tolal ignorancia da exis- ‘éncia econdmica e politica”. 1931. 0 mesmo louco Pensei: “Quio bem define a reagio aos génios que incomodam!" ow talvez “como sabe enlouquecé-los bem!” Pensei_nos_governos. A grande esquizofrenia_estd alt ‘0s grandes Toucos eslio ali, La se hd de buscar a es- quizotrenia em estado puro. C~ ‘quer diseurso desta gen te que “governa”, e digo "nm ‘overnam”, e digo “nos violentam", € um exempio m io da contribuigdo es- 231 quizofrenizante do sistema, Dialeticamente porém, tudo isto gera confusio ou conlraviolencia Por que, quem define a quem? Quem & violento? O que define lem sempre alguém que se deixa definir, ou alguém que lula desesperadamente para no se deixar definir. A opgao ¢ clara, Nas melhores. familias, ocorre (0 mesmo; fazent-se ou repelem-se os gestos que os pais aprenderam, © um € normal ou meio homem, ou se de- saprendem estes geslos, tenlando alcangar 0 projeto pelo qual cada pessoa se define no mundo; entio termina-se inevitavelmente sendo revoluciondrio, ou nao se resiste ¢ cada um se torna fouco Cada um, na realidade, 6 uma mistura de “meio ho- ment", “revolucionario” © “louco”. Da superagio desta coniradigio nasceré o projeto futuro, mas as tres opgbes sio validas. Por isto, pode haver revoluciondrios-loucos- meio-homens. Revoluciondrio-louco-meio-homem. Revolu- cionfrio-meio-homem. A mudanga & enfrentar esses pares anlitélicos e nio projelar uma parte na outra, mas supe~ rar a propria contradicao. Como,-porém--mudar_uma_sociedade Vio _esquizotreni- zanle2. Ha outra opgao que nfo seja a “radicalmente re- Voluciondria", em que talver seja necessério realizar um estudo posterior das metasteses do sistema extirpado? E* possivel que subsistam estes pares contraditérios numa fulura sociedade? Talver s6 se possa realizar a mudanca analisando e prevenindo os restos de autoritarismo es- quizofrenizante que inevilavelmente vaio permanecer, con- finuar numa fulura sockedade, Quer dizer, analisando e superando permanentemente as contradigdes numa socie~ dade socialista, Esta é a grande psicolerapia. Ali, a Psi- cologia pole fazer-se revolucionar Eu nio compartitho, por ideatismo, da idéia de Cooper — apesar de loda a validade deste lipo de experiencia — de convivéncia comunitéria onde nfo funcionem os Preconceilos ow prejuizos correntes, sem anarquia nem auloritarismo, com uma implicagao total e ativa das fa- iag dos membros da comunidade, Diz Cooper: “Numa conuinidade experimental deste tipo 0 sujeito nfo leré 238 de lular contra os desejos alienados de outros que tras fam de moldiclo na medida, de curd-lo de seus intentos de converter-se na pessoa que realmente € Entio d cobriré modos auténticos de relacionar-se com os outro: Tudo isto me parece de uma profunda validade, ane- rece-me um grande respeito, mas se esta lerapia comu~ niléria no esté ligada A lula revolucionaria direla, ela sera tragada pela reagio. Dai puliilarem atualmente os termos “comunidades te- rapéuticas”, “técnicas sensitivas ou psicodramaticas”, em mios da reagao, Quando todos estes processus tecnicos nao estéo ligados a uma learia revolucionaria, engrossam © caldo da reagio. Por isto florescem as academiias © 05 inslitutos, as (6enicas novas, mas lécnicas para 0 consti- mo, porque, nas maos da reagdo estas técnicas perdem (0 verdadeiro germe revoluciondtio que talvez possam con- ler, © permanecerao abortadas se nao estiverem ligadas a uma leoria da grande mudanga, E posso ateslar, por tninha propria experiéncia, de que h4 duas classes de psi- codrama, de acordo com diferentes “concepgées do mun~ do” ou ideologias. Sou responsdvel por haver ulilizado © psicodrama durante anos, a favor do sistema, em forma reaciondria. S6 uma informacéo lebrica politica mais am- pla me permite reencontrar, apenas agora, 0 vercadeiro germe que pode ter como técnica de mudanga. Porém, colo no psicodrama. Otho nas ténicas sensitivas. lho nas comunidades terapéuticas. Olho_na_psicandlise,. Por ‘quecom_estas-léenicas.niia vamos fazer a revolugao. Nao nnos contundamos. Por aqui as coisas no passam, Pensei num capliulo de Cleaver, de sew livro Alma acorrentada, onde realiza uma descrigao © analise psi colégica da dissociagaq mente-branca — —_corpo- negeo..E* a melhor descri¢ao psicanalitica que li até ago- ra. Eu néo sei se Cleaver, alguma vez, leu Freud, Pensei na descrigéo da familia argelina de Fanon, em Sociologia da revolugdo. Pensei mas terapias radicais, Em Sartre ena vida de Genet. Nunca compreendi melhor a homos~ sexualidade, a partir da perspectiva psicanalitica, do que quando li Saint Genet. 239 “Sim — pensei — tem de existir outra Psicandlise, temos de recuperar o embrido revolucionario. Temos de desencaixé-la dos divas. Que a outra Psicandlise adap- tativa va para muito longe num Charler,* mas para mui- to Jonge. Pensci. Estava. pensando, Néo quero -censurar nada, Senao, nao é valido, C4 estou, metido em minhas contradigées © estou mentindo a mim mesmo. Talvez eu me piojete neste: Charter. Isto no ¢ dialético, se nao 6 actilo também como mets; ew também sow reaciondrio’ ‘Othio com educar para a imobilidade, Ja 0 disse meu grande amigo Rodrigué, durante anos (nao & frase dele, & minha idéia sobre uma idéia dele):. engolimos a pa~ lavra acting out como oposia ao pensamento ou A acko; agora penso que sabemos que hd um atuar pensante € fem lroca também sabemos que & uma imobilidade que & um verdadeiro acting out regressive. Importamos selfings imveis reaciondrios. Aprenderios 0 formal & inglesa. Mas. a geragio nos_questiona tudo, Era morena. Totalmente diferente da iri, Marla che- gou pontualmente. Era ima estranha mistura de hippie, inoctncia e tir- meza, que me produzia uma sensagéo muito curiosa. "Sou Marta — disse-me — creio que € verdade que estou doente”. “Comecamos bem” — pensei —. “Cons- citncia de enfermidade". Primeira batalha ganha. ‘Mag 0 senor esti mais louco do que eu — disse-me sorrindo — e minha irma e minha familia inteira esto loucos como o senhor”. Fez uma longa pausa, Tentet varios gestos. Ulilizei primeiro a tosse, quando néo sabia (© que fazer. Neste caso, disse duas vezes: “Hum, hum". Nao, creio que foram 118s, Na realidade, disse trés ve- zes. “Hum, hum, bun", Firmei-me na cadeira © comecet a dizer: “Bom, tenho a impressio de que € como se .e ela riwese as gargalhadas, Entendi que ria de minha maueira de falar “Ja comega com 0 como se. Sempre dizem como se. Nao, falando sério — disse-me — eu o respeilo um 20 chnter gon velo felada. paca taarporiae ura, quanta acon ee ctcoarine ee ten espern fo Wansporte ty a ASIN Me ancibia” lee iaid eipectawente a West Siew" por Sea foots do revise 240 pouco, mas nfo quero sacaned-lo, creio que voc® & am bom sujeito, mas realmente nao necessito de sua ajuda, Sei que fago coisas esquisilas, porém acredite-me que, se fazemos um balango entre vocé, minha familia e eu quem € 0 normal? Sabe o que sucede com minha fami- Tia? Custou-lhes muito subir e querem que ev seja como eles, que siga a linha ou as ilusdes dos vellos, minha ima, meu irmao, 0 velho. Sabe? Tem um conceilo da vida totalmente diferente do meu. Eu, desde os 17 anos, nao 0s suporlo. Para minha ira, a ambigao & fazer car~ reira, presligio e grana, Fazem a vidiniia — disse-me — Sorri e disse para mim: “Isto serve também", Deixei de sorrir. "Ou nio Ihe agrada o prestigio, a voct? Sit, encanta-se que o conhecam. Sai em revistas, faz teatro. Tem um exibicionismo doentio, mas voc® me diverle por- que tem humor’ “Tinha que fazer algo, Pensei imediatamente em contra- identificagio projetiva. Era uma saida. Mas ela confit mou falando, "Vocé sabe o que & a vidinha? Ser nor mal € fazer a_vidinha, Minha familia faz a vidinha, A vida pequenininiia, sabe, egolsta, burguesa, ambiclosa, ruim, As pessoas gostam da vidinha, Os Campanelli, Nun- ca vé lelevisio? Amar os filhos, os tios, os avos, reunir- se nos aniversdrios e falar das férias, do custo da vida, de. fulebol, de modas. Fingir que se gosta muito da familia e mentir a si mesmo todo o tempo; importar-se uma ova com quem esié ao lado. Este que se foda. Este nao & Minha familia € assim, sabe? Quando mataram 0 Che, eu chorava e mamae me disse: Sio coisas da adolescéncia, teu papai também era socialista quando jo- vem, simpatizava com Repetto; depois, pouco a_pauco, vais’ deixar de ser idealisla e te vais sitwar na realidade. ‘Minha ema me diese: Era um psicopata e win’ asmatico, Olhou-me e me disse com pena: Percebe? Voct percebe isto? Que vida de merda a de minha familia! Escuta, voce se dA conla de que para eles a normalidade & mor fer aos paucos, © que querein qué ett morra aos pouicos? Se me separo deles e vivo A minha maneira com meus finigos, sem entrar na cadeia infernal, grilam que sou louca e julgam meus amigos loucos”. 241

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