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KOSELLECK, Reinhard.

“Prefácio” e “Espaço de Experiência e horizonte de expectativa:


duas categorias históricas”. In. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Puc-Rio, 2006, pp. 305-327.

Ao transformar esses vestígios em fontes que dão testemunho da história que deseja
apreender, o historiador sempre se movimenta em dois planos. Ou ele analisa fatos que já
foram anteriormente articulados na linguagem ou então, com a ajuda de hipóteses e métodos,
reconstrói fotos que ainda não chegaram a ser articulados, mas que ele revela a partir desses
vestígios. No primeiro caso, os conceitos tradicionais da linguagem das fontes servem-lhe de
acesso heurístico para compreender a realidade passada. No segundo, o historiador serve se
de conceitos formados e definidos posteriormente, isto é, de categorias científicas que são
empregadas sem que sua existência nas fontes possa ser provada. (p. 305)
"História" [Geschichte] não significava ainda, antes de tudo, o passado, como haveria
mais tarde de significar sob a égide da elaboração científica. Indicava a vinculação secreta
entre o antigo e o futuro, cuja conexão só se pode reconhecer depois de se haver aprendido a
compor a história a partir dos dois modos de ser, o da recordação e o da esperança.’’
(p. 308)
‘’Com isso chego à minha tese: experiência e expectativa são duas categorias
adequadas para nos ocuparmos com o tempo histórico, pois elas entrelaçam passado e futuro.
São adequadas também para se tentar descobrir o tempo histórico, pois, enriquecidas em seu
conteúdo, elas dirigem as ações concretas no movimento social e político’’.
(p. 308)
‘’Passado e futuro jamais chegam a coincidir, assim como uma expectativa jamais
pode ser deduzida totalmente da experiência. Uma experiência, uma vez feita, está completa
na medida em que suas causas são passadas, ao passo que a experiência futura, antecipada
como expectativa, se decompõe em uma infinidade de momentos temporais ``. (p. 310)
‘’ O que distingue a experiência é o haver elaborado acontecimentos passados, é o
poder torná-los presentes, o estar saturada de realidade, o incluir em seu próprio
comportamento as possibilidades realizadas ou falhas’’. (p. 312)
‘’Expectativas baseadas em experiências não surpreendem quando acontecem. Só
pode surpreender aquilo que não é esperado. Então, estamos diante de uma nova experiência.
Romper o horizonte de expectativa cria, pois, uma experiência nova. O ganho de experiência
ultrapassa então a limitação do futuro possível, tal como pressuposta pela experiência
anterior. Assim, a superação temporal das expectativas organiza nossas duas dimensões de
uma maneira nova’’. (p. 313)
‘’Esta é uma imagem fortemente simplificada, mas suficientemente clara para o
problema com que nos ocupamos: as expectativas que eram ou que podiam ser alimentadas,
no mundo metade camponês metade artesanal aqui descrito, eram inteiramente sustentadas
pelas experiências dos antepassados, que passavam a ser também as dos descendentes.
Quando alguma coisa mudava, tão lenta e vagarosa era a mudança que a ruptura entre a
experiência adquirida até então e uma expectativa ainda por ser descoberta não chegava a
romper o mundo da vida que se transmitia’’. (p. 315)
‘’Mas não foi só o horizonte de expectativa que adquiriu uma qualidade
historicamente nova e pôde ser utopicamente ultrapassado. Também o espaço da experiência
passou por modificações cada vez maiores. O conceito de "progresso" só foi criado no final
do século XVIII, quando se procurou reunir grande número de novas experiências dos três
séculos anteriores. O conceito de progresso único e universal nutria-se de muitas novas
experiências individuais de progressos setoriais, que interferiam com profundidade cada vez.
maior na vida quotidiana e que antes não existiam’. (p. 317)
‘’O progresso reunia, pois, experiências e expectativas afetadas por um coeficiente de
variação temporal. Um grupo, um país, uma classe social tinham consciência de estar à frente
dos outros, ou então procuravam alcançar os outros ou ultrapassá-los. Aqueles dotados de
uma superioridade técnica olhavam de cima para baixo o grau de desenvolvimento dos outros
povos, e quem possuísse um nível superior de civilização julgava-se no direito de dirigir
esses povos.’’ (p. 317)
‘’Kant admitia que "pela experiência não se pode solucionar imediatamente a tarefa
do progresso". Mas estava convencido de que novas experiências, semelhantes à da
Revolução Francesa, haveriam de se acumular no futuro, de modo que "aprender por uma
experiência reiterada pode garantir um progresso contínuo para o melhor".18 Esta frase só
passou a ser concebível depois que a história foi vista e experimentada como única, não
apenas nos diversos casos individuais, mas única em seu todo, como totalidade aberta para
um futuro portador de progresso’’. (p. 319)
‘’É verdade que as gerações viviam em um espaço comum de experiência, mas este se
fragmentava em diferentes perspectivas, de acordo com a geração política e a posição social.
Sabia-se, e se continuou a saber desde então, que se vive em um tempo de transição, o qual
ordena de maneira temporalmente diversa a diferença entre experiência e expectativa’’.
(p. 320)
‘’Esses conceitos, precisamente porque tratavam de experiências imprecisas e
ocultas, continham um potencial de prognósticos que criava um novo horizonte de
expectativa. Não se trata mais, portanto, de conceitos que classificam experiências, mas sim
de conceitos que criam experiências’’. (p. 323)
‘’Ao serem criadas, tais expressões possuíam pouco ou nenhum conteúdo de
experiência, e de qualquer forma não possuíam o conteúdo a que se aspirava no momento em
que o conceito havia sido criado. À medida que iam sendo realizados constitucionalmente,
surgiram com naturalidade numerosas experiências antigas, elementos já contidos nos
conceitos aristotélicos de organização’’. (p. 326)
‘’Em vez de analisar uma possibilidade finitamente limitada de presumidas
oportunidades de organização, eles precisavam ajudar a criar novas situações
constitucionais’’. (p. 326)
‘’Quanto menor o conteúdo de experiência, maior a expectativa que se extrai dele.
Quanto menor a experiência tanto maior a expectativa — eis uma fórmula para a estrutura
temporal da modernidade, conceitualizada pelo "progresso". Isso foi plausível enquanto as
experiências anteriores não eram suficientes para fundamentar as expectativas geradas por
um mundo que se transformava tecnicamente. Mas, depois de haverem nascido de uma
revolução, quando os projetos políticos correspondentes se transformam em realidade, as
velhas expectativas se desgastam nas novas experiências’’. (p. 326)

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