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KoauMtNTACÁOEINFOflMAÇAO
'líCNICAS
REVisTA
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I NfORMAÇÃO
LEqislATivA
Bmsília • ano 32 • n. o 126
abriVjunho - 1995
E.ditot":
3oão Batista SOl.ves de SOlAsa; Dit"etot"
REViSTA.
dE
IN fo RMA.ÇÁO
LEGislATivA.
F~l)t.DORES
ISsN 0034-835-x
Publicação trimestral da
Subsecretaria de Edições Técnicas
Senado Federal, Via N-2, Unidade de Apoio 111
Praça dos Trés Poderes
70.'65-900 - Brasnia, DF
EOOOR
Diretor: João Batista Soares de Sousa
RevrskJ DE ORIGINAIS
João Evangelista Belém e lheresa eatharina de Goes campos
ECfTORAç.l.o Et..EmONlCA
Angelina Almeida Silva e Dulce Maria R. de Machado
Co'-"'OSlÇÁO E IMPRESSÂO
Solicita-se permuta.
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Wir bítten um Austaus<:h.
R(\'iSl'A dr l~rOIlMN;1,o lfGi4Ari\lA ano'- n~' - mar. 1964-. Braania, Senado Federal.
v. trimestral.
Ano '-:l, n g '-10, publ. pelo Serviço de Informaçio Legislativa; ano 3-9, nlI
11-33, publ. pela Diretoria de Informação Legislativa; ano 9- , n g 34- • publ. pela
Subsecretaria de Edições Técnicas.
1. Direito - Periódicas. I. Brasil. Congresso Nacional. Senado Federal,
S..msecr&l.trria de Edições Técnicas. 11. Sousa, João Batista Soares de, dir.
COO 340.05
COU 34(05)
REViSTA
dE
INfORMAÇÃO
LEqislATivA
Brasília . ano 32 . nO 126 . abril~unho' 1995
sUMÁRIo
1. Abordagem global. 2. Dinamismo do Direito.
3. Atitude progressista.
•
vada aos Tribunais e se desenvolve indepen- entre a Administração e as associações de mo-
dentemente da vontade do Estado. Mas sua radores. entre o loteador de terrenos e os hu-
existência e importância para a vida social são mildes compradores de lotes. entre leis discri-
re""nhecidas não apenas pelos cientistas soci- minatórias e os movimentos organizados dos
ais. mas por ilustresjuristas como Hauriou. Re- setores marginalizados.
nard. Dclos. Legal e Brethe de la Gressaye. Gény, Esses e outros conflitos de interesses vão
Ehrlich. Hubcr. Leroy. EmmanueJ Levy. Gurvi- gerando, através de usos, costumes, acordos,
tch e outros autores citados no mesmo capítu- instituições e outros processos, o Direito vivo
lo. Particularmente importante é a posição de e reaL que pode representar a "conquista" de
Jellinek. que. depois de adotar urna atitude fran- grupos dominados ou a "imposição" dos gru-
camente formalista e reduzir todo o Direito à pos dominantes.
expressão da vontade do Estado, reconhece em
E, de forma significativa, no próprio Direito
seus últimos escritos:
ProcessuaL em suas diferentes especializações,
"Sabemos hoje que as leis podem está presente esse caráter dinâmico e conflitivo
muito menos do que pensávamos antes. da vida do Direito. com o princípio do contradi-
Não apenas elas são freqüentemente im- tório. A primei :a medida do juiz, ao receber urna
potentes para modificar a vida jurídica petição inicial. é ordenar a citação da parte con-
real e mostram lacunas consideráveis, trária. Não é sem razão que a lógica do Direito
mas. ainda, nos grupos autônomos sur- pode ser chamada "8 lógica da controvérsia".
gem novos ordenamentos jurídicos. que Com razão, Miguel Reale adverte que é ne-
podem concorrer com a lei. como as con- cessário superar a prevenção existente em cer-
venções coletivas de trabalho, o movi- tos círculos, quanto à compreensão dos fenô-
mento sindical e outros". menos culturais em termos "dialéticos", sem os
E, na segunda edição da Teoria Geral do preconceitos e reservas decorrentes da carga
Eçtado, amplia sua primeira definição de Direi- ideológica unida à dialética de tipo hegeliano
to - "sistema de normas que o Estado reconhe- ou marxista. Esta é apenas urna das inúmeras
ce como obrigatórias"· para caraeteri71Í·lo como concepções dialéticas, formuladas por filóso-
"toda regra garantida em um meio social deter- fos e cientistas de todos os tempos (v. O Direi-
minado". to como experiência)
2. Dinami.çmo do Direito 3. Atitude progressista
Longe de ser "estática". a vida do Direito Além de global e dinâmica, uma abordagem
revela um contínuo "vir a ser". Forças em con- moderna do Direito deve ser "progressista" e
flito. que lutam por interesses opostos, dão ori- não "paralisante".
gem a nOTInas c situações jurídicas, que podem Diante dessa multiplicidade de ordenamen-
representar a dominação de alguns ou a con- tos e normas, em continuo "vir a ser" e marca-
quista de muitos. dos por conflitos e oposições, qual a atitude do
Homens e mulheres. classes. grupos, p0- advogado. do procurador, dojuiz, do adminis-
vos e nações são participantes desse movimen- trador, do legislador?
to gerador do Direito concreto e vivo. que rege Aceitar passivamente como direito posto
efetivamente a vida social. aquele que é lhe apresentado, interpretado e
Esse processo é conflitual e dialético em defendido pelos poderosos meios de "conven-
todos os planos. cimento" das forças dominantes?
No c<lmpo internacional. é a luta constante Ou colocar corajosamente diante de si o
entre a ação imperialista. colonialista ou semi- dever de confrontar todos aqueles conjuntos
colonialista de grandes potências. c, de outro com critérios de legitimidade e de justiça? - ten-
lado. movimentos de independência política, do presente que eles se apresentam como nor-
econômica e cultural das nações em processo mas coercíveis, que afetam a liberdade e a vida
de desenvolvi menta. de pessoas, grupos. classes ou povos inteiros.
No plano interno. é a mesma relação confli- Não se trata de contrapor a realidade a um
tiva entre empregados e empregadores, entre modelo idealista e absolut9 que "fica lá longe,
consumidores. comerciantes e produtores, en- numa caverna platôlÚca". E na planície em que
tre pequenas e grandes empresas. entre o Fisco vivemos. no processo histórico-social entre li-
e o contribuinte. entre o Estado e o cidadão, berdade e opressão. minorias dominadoras e
7
maiorias sacrificadas. que se há de exercer, com tes em todos os momentos da vida do Direito.
espírito critico e independente, a tarefa de cons- Aceitar as normas jurldicas como inexorável
trução dos homens do Direito. imposição dos detentores do poder e negar ao
O campo dessa atuação é amplo: vai desde jurista outra tarefa que não seja a de simples
a tarefa de orientar a criação de novas normas, instrumento para a aplicação das mesmas sig-
através de contratos, acordos. convenções, nifica desnaturar o Direito e, mais do que isso,
estatutos, regimentos, até sua participação nos tr.ú-lo.
movimentos de transformação de leis, decre- É certo que forças poderosas atuam conti-
tos, portarias, passando pela formulação de nuamente, com habilídade e competência, no
pareceres, prolaç;1o de sentenças e notadamente sentido de impor à sociedade nonnas que aten-
pelo trabalho de interpretação das normas. dam a seus interesses e objetivos. É certo tam-
Nesse trabalho, que é de importância fun- bém que vivemos em uma sociedade marcada
damentaI, não é verdade que o advogado, o pela injustiça: somos o 9.° pais do mundo em
juiz, () jurista estejam aprisionados ao texto da produto nacional e o último, dos 34 paises es-
lei e vinculados à vontade do legislador. Com o tudados pela ONU, no tocante à distnbuiçlo
ato de sua decretação, as leis tornam-se inde- da renda nacional. Mas essa situação, em lugar
pendentes de seus autores e adquirem wna exis- de diminuir, só pode aumentar aimportAncia ea
tência objetiva. Cabe ao jurista interpretá-las. E responsabilidade dos cultores do Direito. Ela
a tarefa de intérprete do consiste em descobrir nos obriga a rejeitar o papel que se pretende
e respeitar a vontade do legislador, mas, sim. impor ao jurista: o de instrumento "neutro",
em procurar a finalidade objetiva da lei, que, destinado à defesa de um sistema de interesses
por sua natureza, deve ~ orientada para a estabelecidos. E a reafirmar a misslo e o senti·
justiça e o bem comum. E esse o sentido do do fundamental do Direito, como instrumento d
preceito geral estabelecido no art. 5.° da Lei de serviço da pessoa humana. Todo Direito foi fei-
Introdução ao Código Civil, que é, como sabe- to por causa do homem. Hominum CQUSQ omne
mos, nossa lei comum de aplicação das normas jus constitutum est é a advertência histórica de
jurídicas: Justiniano (D.I. 5.2).
"Na aplicação das leis, o juiz atende- A posição que decorre da própria natureza
rá aos fins sociais a que ela se dirige e às do Direito e que está contida em um dos man-
exigências do bem comum". damentos do advogado, redigidos por Eduar-
Nessa luta peta vigência concreta e viva da do Couture, é clara e imperativa.
justiça é que se realiza a razão de ser ou, como "Teu dever é lutar pelo Direito. Mas
diz Roberto Lyra, "a ontoteleologia do Direito". quando encontrares o Direito, isto é, a
letra da Lei, em conflito com a Justiça,
Não podemos limitar o estudo do Direito ao luta pela Justiça"!.
conhecimento pretensamente "neutro", "puro" Como adverte Stammler:
e "objetivo" da norma posta, para sua "cega" "Todo direito deve ser uma tentativa
aplicaçao. do direito justo".
A realidade social e a justiça estão presen-
a·
Processo orçamentário federal:
problemas, causas e indicativos de
solução
sUMÁRIo
1. Considerações iniciais. 2. Uma análise dos
proMema.ç e inadequações. 2.1. A grande mobilida-
de das estnlhlras da administração pública. 2.2. A
precariedade dos processos de artictllação intergo-
vemamental. 2.3. A excessiva flexibilidade do Exe-
ctltivo para modificar projetos orçamentários. 2.4.
A flexibilidade do Poder Executivo para executar
apenas parte da programação. 2.5. A improprieda-
de do emprego de medidas provisórias em matéria
orçamentaria. 2.6. A ineficácia do Plano Plurianual
como elemento ordenador da programação. 2. 7. A
subutilização da LDO como instrumento de formu-
lação de políticas públicas. 2.8. A precária separa-
ção dos orçammtos fiscal e da seguridade social.
2.9. Inadequações no orçamento de investimmto de
estatais. 2.10. Inadequações nos processos de apre-
ciação da Lei Orçamentaria Anual (IDA). 2.11. Ina-
dequação na estrutura e funcionamento da Comis-
são Mista. 2.12. O uso de medidas provisórias para
autorizar a abertura de créditos extraordinários.
2.13. Inadequações na estrutura de assessoramm-
to. 2.14. Deficiênciasno acompanhamento da e~C1I
ção dos planos e orçamentos. 3. Conclusões e reco-
mendações. 3.1. Ajustes constitucionais. 3.2. Provi-
dências necessárias na órbita legal. 3.3. Ações ad-
ministrativas regimentais.
1. Considerações iniciais
A Constituição de 1988 trouxe uma série de
inovações no campo da orçamentação pública,
especialmente no que se refere à abrangência
dos orçamentos federais e à fonna de aprecia-
ção das propostas respectivas. Na nova ordem
Osvaldo Maldonado Sanches é Mestre em Ad- constitucional o orçamento das entidades da
ministração Pública pela EBAPfFGV e pela State
University of New York em Albany. Assessor de
administração indireta (autarquias, fundações
Orçamento da Câmara dos Deputados. Coordenador e empresas) deixou de constar sob a fonna de
Técnico de Assessoramentos à Comissão Mista no dotações globais; a lei orçamentária passou a
período 1992 a 1994. Ex-diretor de Orçamento do ser composta de três orçamentos: o fiscal, o de
Estado do Paraná. investimento das empresas e o da seguridade
9
social; a elaboração da lei orçamentária passou (montado integralmente) no seu âmbito e sem o
a subordinar-se a leis superordenadoras (Lei concurso dos técnicos do Poder Executivo, e,
de Diretrizes Orçamentárias e Plano Plurianu- nesse mesmo ano, a articulação de um padrão
al); as matérias orçamentárias passaram a ser de parecer-preliminar - mantido e aprimorado
apreciadas por uma comissão pennanente de nos exercícios subseqüentes - orientado para
senadores e deputados antes do seu exame pelo a obtenção de transparência nos procedimen-
Plenário do Congresso Nacional, e a prerrogati- tos, para a fixação de regras claras e mutuamen-
va de emendar os proposições sobre matéria te excludentes e para a limitação dos poderes
orçamentária passou a ser limitada por restri- dos relatores.
ções fixadas no próprio texto constitucional. Apesar dos avanços acima relatados, os
Além disso a nova Carta instituiu, coeren- quatro anos de experimentação com os proce-
temente com a melhor doutrina, uma forte vin- dimentos desenvolvidos pelo Congresso Naci-
culação entre os orçamentos públicos e o pla- onal para lidar com as matérias orçamentárias e
nejamento governamental. Nesse sentido um as avaliações disponíveis sobre as práticas da
dos instrumentos mais significativos foi a insti- administração neste campo colocam em evidên-
tuição da Lei de Diretrizes OtÇaInentárias 00100 cia que existel1\ sobretudo do ponto de vista
mecanismo de explicitação das políticas públi- do interesse público e da ótica dos agentes do
cas, de balizamento das modificações tributári- Poder Legislativo, uma série de inadequaçOes
as, de detalhamento das programações e metas nos processos, normas e procedimentos relaci-
contidas no Plano Plurianual e de controle da onados com a programação, execução e avalia-
implementação do planejamento. Expressam ção do gasto público. Essas inadequações,
essa vinculação, igualmente, as normas (arts. apontadas por vários relatores - sobretudo
165, § 7.°, 166, §§ Pe 4. o e 167, § l.°daConsti- pelos das LDOs -, por órgãos de investigação
tuição) que tomam obrigatória a compabbiliza- do Congresso Nacional - como as comissOes
ção da Lei Orçamentária Anual (LOA) com a Lei parlamentares de inquérito - e por estudiosos do
de Diretrizes Orçamentárias (LOO) e de ambas assunto, se situam em três categorias: constittlci-
com o Plano Plurianual (PPA). onais, legais, e administrativas ou regimentaisl .
O Congresso Nacional procurou ajustar-se, As inadequações na órbita constitucional
rapidamente, à nova amplitude dos seus papéis se referem mais ao emprego abusivo. pelo P0-
na programação de gastos do Governo, produ- der Executivo. de certas flexJbilidades propicia-
zindo, em 1989, um texto bastante articulado de das pela Lei Maior - articuladas para servir a
LDO - aprimorado nos anos subseqüentes - e um sistema parlamentarista que acabou não
articulando processos para atuar de forma subs- sendo efetivado - com o propósito de atender
tantiva na elaboração dos orçamentos anuais. contingências excepcionais, do que a proble-
O Poder Executivo, por sua vez, usou de sua mas maiores nas normas sobre o planejamento
experiência na coordenação de processos com- e o orçamento. De um modo geral, O capítulo
plexos e de sua capacidade de inf1uenciação "Dos Orçamentos" se acha bem articulado, sis-
para evitar que o Legislativo avançasse muito tematizando princípios clássicos ainda em utili-
rapidamente nos campos de formulação de pc- zação pelas democracias consolidadas - anua-
liticas de alocação de recursos, de balizamento lidade, exclusividade, prévia autorização, etc. -
da ação governamental e de controle do de- ao lado de concepções modernas defendidas
sempenho dos órgãos da administração. Não pelas áreas técnicas dos governos e meios aca-
se pode criticar nenhum dos atores desses pro-
cessos - ainda que alguns excessos tenham 1 A propósito das inadequações aqui referidas
sido praticados -, pois suas ações foram con- valc a pena examinar os parccercs do Senador MÁR-
sonantes com a tensão dialética que deve exis- CIO LACERDA c do Deputado JOÃO ALMEI·
sobre as LDOs para os Orçamentos de 1993,
tir entre os Poderes nos regimes democráticos. DA, 1994 e 1995, do Senador MANSUETO DE LA·
Nesse processo de ajuste merecem particu- VOR, sobre o Orçamento de 1993, do Senador GIL-
\aT Te\evâocia a edição da Resolução n.o ir:)i- BERTO MIRANDA, sobre o Orçamcnto de 1995,
CN, que instituiu as normas básicas de funcio- os Relatórios Finais das CPIs do PC (1993) e do
namento da Comissão Mista - aperfeiçoada pela Orçamento (1994), as publicações de JOSÉ AFON-
Resolução n.o 1I93-eN -, as ações estabeleci- SO DA SILVA, IVES GANDRA MARTINS e JOSÉ
das pelas estruturas técnicas do Congresso SERRA c as notas técnicas da Assessoria de Orça-
Nacional, em 1992, com o sentido de possibili- mento e Fiscalização Financeira da Câmara dos
tar que o Orçamento pudesse ser "fechado" Dcputados.
10
dêmicos, corno a estreita vinculação entre o pIa· mentá ri O brasileiro e a participação do Congres·
nejarnento e o orçamento. a instrumentalidade so NaCiOnal na alocação e fiscalização dos re-
do orçamento na redução das desigualdades cursos publicos são os seguintes: 1) a grande
inter-regionais e a proibição de se despender mobilidade das estruturas da administração
receitas de capital em despesas de custeio e de pública; 2) a precariedade dos processos de
manutenção. articulação intergovemamental: 3) a excessiva
A maior parte das deficiências constatadas flexibilidade do Poder Executivo para propor
deriva de não ter sido elaborada a lei comple- meKflficaçôes nos projetos orçamentários; 4) a
mentara que se refere o art. 165, § 9.°. da COfiS· flexibilidade de que di spõe o Governo para exe-
tituiçã02, como ficará evidenciado no decorrer cutar apenas a parte da programação: 5) a im-
desta aoon\agem. Se essa lei tlvesse sido pro- p{()priedade d() empl"eg\) de mooiOa'r> ptov\sóri-
duzida. já se poderia contar com uma melhor as para legislar sobre matéria orçamentária; 6) a
normati72ção da forma e conteudo do PPA e da ineficácia do Plano Plurianual como elemento
LDO. com normas claras sobre a abertura de superordenador da programação do Governo;
créditos adicionais, com prazos improrrogáveis 7) a subutilização da LOO como instrumento de
para a apreciação dos pm)etos sOOt<e matéria formulação de po\lticao:> púb\kas·, 8) a pteciria
orçamentária pelo Congresso Nacional, com separação entre OS orçamentos fiscal e da se-
definições legais sobre a forma de apresenta- guridade; 9) as impropriedades do orçamento
ção e conteúdo dos orçamentos fiscal, da se- de investimento das estatais; 10) a inadequa-
guridade e de investimento, e com diretrizes cla- çãO nos processos e prazos de apreciação da
ras e inambíguas sobre os regimes de caixa de Lei Orçamentária Anual; 11) a imprópria utiliza-
tais orçamentos. ção de medidas provisórias para a autorização
No plano administrativo e regimental as de créditos adicionais; 12) o funcíonamento
maiores inadequações têm a haver com a estru- centralizado da Comissão Mista de Planos, Or-
turação e operação da Comissão Mista, com a çamentos Públicos e Fiscalização (CMO); 13) o
articulação das prerrogativas desta com aque- distanciamento e a assistematicidade do asses-
las das comissões permanentes da Câmara e do soramento à Comissão Mista; e 14) a precarie-
Senado, com a estrutura de 9razos para a aprt;- dade dos processos de acompanhamento e fis-
daçãO das matérias orçamentárias em dois fó- cali 7..ação do Congresso Nacional.
runs - o Plenário da eMa e o Plenário do Con- A finalidade deste artigo é oferecer uma
gresso Nacional - e com a precariedade das apreciação fundamentada sobre os aspectos
estruturas de assessoramento colocadas ã dis- mais significativos de cada um desses proble-
posição da Comissão Mista e dos relatores dos mas, sobretudo sobre aqueles ligados às ativi-
'Principais llroietos que tramitam por esse ór- ~s do Congresso Nacional nas áreas de pla-
gão técnico. neJamento, orçamento e fiscali7..ação da ação do
De um modo geral, os problemas que mais Governo, focalizando as suas causas, as im-
comprometem a qualidade do processo orça- plicações mais significativas e apresentan-
do indicativos de solução para os problemas
2 Segundo SERRA, José. Orçamento no Brasil: e inadequações referenciados ao longo da
As Raizes da Crise. Atual Editora. São Paulo. 1994, abordagem.
(p. 54),
"A ausência da lei complementar [pre- 2. Uma análise dos problemas e madequa-
vista no art. 165, § 9.", da Constituição] tem ções
seis efeitos: a) li inexistência de uma padroni- 2.1. A grande mobi/idade das estruturas da
zação e hierarquização rígida dos diversos ins- administração pública
trumentos que aUtOTÍ7.am o gasto público; b)
li indefmição dos objehvos, diretrizell, metas COffi\) tem sido ass.everado em várias ocas)-
e prioridades no PPA e nas LDOs, faltando ões, pelos mais diversos agentes. 1Jl1l8 das prin-
também definir o significado de cada concei- cipais mazelas da administração pública brasi-
to; c) a não-atualização das classificações das leira é a falta de continuidade administrativa.
despesas, em especial li funcional-programá- Obras são iniciadas e paralisadas sem que se
tica; d) a inexistência de prazos adequados documente e se dê publicidade à sua causa,
para o processo orçamentário; e) a ausência
consultorias são contratadas e pagas sem que
de unifonnidade dos orçamenlos e balanços
dos três níveis de governo; e 1) a indefinição se dê seqüência aos projetos técnicos elabora-
das condições para a instituição e funciona- dos e equipamentos são adquiridos sernjamais
mento dos fundos." serem instalados, gerando grandes desperdíci-
Bu.fII••. 32ft. f . -'w./jun. f~ 11
os de recursos púbucosl. Essa falta de conti- grande parte dessas funções administrativas
nuidade tem sido potencializada pelas freqüen- envolve atividades fundadas na comparação
tes alterações organizacionais a que tem sido dos custos e dos resultados com os obtidos
submetida a administração federal- maior par- nos anos anteriores. Para que a estrutura g0-
te das quais simples maquiagens nas estrutu- vernamental adquira maturidade e eficácia é pre-
ras -, quase sempre por intermédio de medidas ciso que esta conte com um núcleo estável -
provisórias e com o propósito de ajustar o nú- cuja localização, práticas e serviços oferecidos
mero de cargos às demandas políticas, pouco sejam de domínio público -, como ocorre na
ou nada contribuindo para o melhor desempe- quase totalidade dos países desenvolvidor.
nho do Governo. Portanto, é imperioso que se coloque um
Tais mudanças têm não só comprometido o freio à inconseqüência dos últimos anos, em
desempenho das funções administrativas bási- que a estmtura da administração federal tem
cas (planejamento, programação e controle), sido mudada, sem consistentes fundamentos e
como onerado o Congresso Nacional com dis- de forma extremamente recorrente, há cada dois
cussões estéreis - inclusive porque a generali- anos. Nesse sentido a providência mais urgen-
dade dos elementos justificativos pouco aju- te é proibir o emprego de medidas provisórias
dam para apreciações qualitativas-, ampliado para a realização de modificações na estrutura
os custos de funcionamento da administração organizacional, bem como a fixação de nonna
(materiais de expediente que ficam perdidos oom imperativa exigindo que mudanças na estrutura
a troca de denominação elou endereço, equipa- básica da administração sejam propostas atra-
mentos danificados ou abandonados na mu- vés de projetos de lei, com obrigatória indica-
dança). afetado a motivação dos servidores e ção de elementos objetivos !1oObre os seus cus-
imposto grandes prejuízos aos usuários dos tos e beneficios.
serviços afetados pelas alterações organizaci- 2.2. A precariedade dos processos de arli-
onais e aos segmentos empresariais com atua- cufaçi10 intergovemamenta/
ção nas áreas respectivas. Nos últimos anos a programação contida
Como se pode perceber por simples racio- nos orçamentos da União, sobretudo nos orça-
nalização objetiva, não há sistema de planeja- mentos fiscal e da seguridade, tem assumido a
mento, programação ou controle que possa fun- feição tipica de orçamento municipal, sistemati-
cionar satisfatoriamente sob um tal processo zando milhares de pequenas iniciativas, tais
de ciranda organizacional, até mesmo porque como: construção de postos de saúde, circui-
tos de eletrificação rural, pontes, matadouros,
] Outras mazelas relevantes slo apontadas por creches, escolas urbanas e rurais, pequenos
CASTOR, Belmiro V J, Fundamentos para um Novo sistemas de abastecimento d'água, de sanea-
Modelo do Setor Público no Brasil. In Rtwista de mento básico, coleta de lixo, etc., em detrimento
Administração Pública. Rio de Janeiro. V. 28, n.· 3, de ações estruturadoras da infra-estrutura bá-
jul./set. 1994 (p. 1S6), que, ao referenciar os fatores
associados 4 falência do setor público brasileiro, ob-
sica necessária ao desenvolvimento do Pais.
serva: "inflaçio crescente e de&equillbrio orçamentá- tais como: conservação, complementação e
rio crônico erodirarn paulatinamente a capacidade do modernização da malha rodoviária de integra-
Estado prestar serviços ... Somem-se a esses dois ção nacional, ampliação das hidrovias, infra-
fatores as seqoelas do clientelismo, do corporativis- estrutura de ciência e tecnologia, prevenção e
mo, do populismo e da corrupção. O clientelismo repressão à criminalidade organizada e fomen-
inchou de maneira desordenada os quadros humanos to à conquista de novos mercados.
do Estado; o corporativismo criou privilégios injus-
tifICáveis para alguns estratos de funcionários das Isso tem ocorrido, sobretudo, pela ação de
estatais 4 custa do contribuinte, como os generosos membros do Congresso Nacional, que têm en-
fundos de penslo e de seguridade; o populismo apo- tendido como procedimento válido a busca de
sentou precocemente milhõcs de pessoas graças a atendimento aos interesses paroquiais das ba-
leis de favorecimento ou à simples ausência de con- ses territoriais por eles representadas. É claro
troles previdenciários; e a corrupção disseminada em que esse não constitui um entendimento uni-
todos os nlveis gerou uma relaçlIo espúria entre o forme, existindo parlamentares que a este se
Estado contratador e comprador, de um lado, e seus
fornecedores e empreiteiros de obras, de outro. A ~ Em palses como os Estados Unidos, França,
soma dessas patologias encareceu brutalmente o cus- Alemanha, Inglaterra e Canadá, a estrutura de Órgãos
teio estatal sem contribuir para a ampliaçlo dos ser- de nlvel ministerial tem se mantido praticamente inal-
viços essenciais." terada ao longo dos últimos vinte anos.
12
opõem, inclusive por ser evidente que, na mai- impossível dar consistência e sistematicídade à
or parte dos casos. a população é atendida de programação orçamentária da União. Enquanto
fonna mais expressiva éduradoura por empre- isso não for realizado, a administração federal
endimentos de maior efeito multiplicador reali- ficará impossibilitada - por ações políticas. bu-
zados no Estado ou região, embora nem sempre rocráticas e legais - de alocar, com objetivida-
tão aparentes quanto as pequenas obras. Esse de, os recursos necessários à implementação
comportamento é agravado por dois aspectos das ações necessárias à alav;mcagem do pro-
criticas: o primeiro deles é que na repartição cesso de desenvolvimento. E fora de dúvida
das rendas tributárias, realizada pela Constitui- que a redistribuição de encargos envolverá vá-
ção de 1988, os Estados e Municípios foram rios problemas concretos, os maiores dos quais
bastante beneficiados com recursos adicionais são a exigência de austeridade por parte das
sem correspondente ampliação nos seus encar- administrações habituadas a lucrar com a poli-
gos, às expensas de uma apreciável redução na tica do "fato consumado" e a resistência dos
capacidade financeira da Uniã0 5; o segundo, estratos da burocracia que perderão "poder"
que na medida em que os membros do Con- com a instituição de fronteiras claras entre os
gresso Nacional se envolvem com as questões vários níveis de governo. Não obstante, a revi-
de interesse local - que mobilizam pessoas e são e redistribuição dos encargos entre as vári-
instituições a que não podem deixar de aten- as esferas de governo é providência que pas-
der-, passam a ter pouco tempo disponível para sou a ser indispensável e inadiável.
dedicar às questões de maior abrangência. 2.3. Excessiva flexibilidade do Executivo
Assim, é preciso que se atue no sentido de para modificar projetos orçamentários
extinguir as transferências voluntárias da União,
ressalvadas aquelas vinculadas aos planos na- Quando da elaboração da Lei Maior enten-
cionais, regionais e setoriais, previamente apro- deram os constituintes que seria oportuno fa-
vados pelo Congresso Nacional e especifica- cultar ao Poder Executivo o encaminhamento
mente incluídos no PPA e na LDO. Na pior das de mensagens modificativas dos projetos de lei
hipóteses, dever-se-á limitar as transferências sobre matéria orçamentária formal izados peran-
voluntárias a um limitado percentual do orça- te o Poder Legislativo. Em conseqüência, foi
mento, exigindo que o acesso a estas se faça articulada a nonna do art. 166, § 5.° da Consti-
com o compromisso - assegurado por sanções tuição, que estabelece: "O Presidente da Repú-
apropriadas - do beneficiário informar, ao ór- blica poderá enviar mensagem ao Congresso
gão repassador, as empresas executoras das Nacional para propor modificação nos projetos
obras/serviços ou fornecedoras dos bens, a fim a que se refere este artigo [pPA, LDO, LOA e
de facilitar a fiscali7.açãO pelos órgãos de con- créditos adicionaisJ enquanto não iniciada a
trole interno e externo. votação, na comissão mista, da parte cuja alte-
ração é proposta". Racional quanto aos seus
Sem que se delineie com clareza as respon- propósitos, esse dispositivo acabou se pres-
sabilidades da União, dos Estados e dos Muni- tando a abusos por parte do Poder Executivo,
cípios. definindo de forma mutuamente exclu- que tem remetido, em média, duas mensagens
dente os encargos de um e dos outros6 , será modificativas por ano (em 1994 foram seis as
5 Saliente-se que os ganhos dos Estados e Muni- mensagens modificativas do projeto de lei or-
cípios se tomaram ainda maiores com a elevação da çamentária anual), comprometendo o funciona-
carga tributária, no período 1988 a 1992, como sali- mento do Congresso e impondo sérios prejuí-
entado por SERRA, José. Idem, Ibidem (p.64), ou zos às ações de planejamento dos demais ní-
seja: "quem ganhou com o aumento da carga [pelas veis de governo e do setor privado.
a1teraçõcs tributárias realizadas no período 1988 a
1992] não foi a União (cuja receita subiu apenas 40/. A cada mensagem recebida pelo Congres-
reais no período). mas os Estados e Municípios, cu- so Nacional, os prazos precisam ser reabertos
jas receitas se expandiram 28 e 97% reais, respecti-
vamente." mente locais (educação básica, habitação popular,
6 Segundo CASTOR Belrniro V. J. Idem. Ibidem atenção primária à saúde etc.) têm de ser da respon-
(p. 158), "Um novo modelo de atuação estatal no sabilidade das organizações públicas e privadas lo-
Brasil deve levar em conta ... a redefinição dos encar- cais, reservando-se as tarefas que envolvam territó-
gos federativos... que tem de ocorrer para compatibi- rio e competências intermunicipais aos governos es-
lizar a prestação de serviços por determinado nível taduais e limitando-se 11 intervenção direta e operati-
de poder político-administrativo às características va do Governo federal às questõcs e projetos de na-
geográficas do serviço prestado: serviços eminente- tureza interestadual."
13
(sobretudo para a apresentação de novas emen- mação incluída nos orçamentos. Essa situação
das), as proposições - já bastante complexas tem sido objetada, sistematicamente, por rela-
pela sua própria natureza - precisam ser inte- tores e parlamentares na apreciação das propo-
gradas umas às outras. com sérios prejuízos sições sobre matéria orçamentária que têm tra·
para a sua transparência, os controles sobre os mitado pelo Parlamento nos últimos anos. O
processos precisam ser ampliados (sobretudo entendimento destes tem sido de que a divisão
após a CPI do Orçamento), comprometendo as de competências instituida pela Constituição é
discussões dos temas mais sérios e retardando incompatível com o grau de absoluta autono-
a aprovação da Lei Orçamentária Anual mia com que tem contado a administração para
O mais grave desse procedimento, passível implementar ou não os itens da programação
de ser utilizado para tumultuar a apreciação das aprovada pelo Parlamento.
matérias orçamentárias pelo Congresso, é ser A sistemática atuaI possui uma séríe de in-
ele desnecessário, por já contar a administra- convenientes: em primeiro lugar, a seletividade
ção com os créditos adicionais para realizar os dos órgãos do Executivo na execução do Orça-
ajustes que se tomem necessários após a apro- mento neutraliza o esforço dos órgãos técnicos
vação do Orçamento. Além disso, essa prática do Congresso Nacional (comissões mistas e
tende a levar o Governo a não tratar a monta- permanentes) no equacionamento da progra-
gem de sua proposta orçamentária com a devi- mação governamental, sobretudo no que se re-
da seriedade, por saber que poderá modificá-la, fere à inclusão de novos subprojetos; em se-
a qualquer tempo, entre o início de setembro e gundo, a latitude propiciada ao Governo facili-
meados de novembro (a votação na comissão ta ações de retaliação contra os parlamentares
mista dificilmente se inicia durante esse perío- não-alinhados às suas preferências, pelo con·
do). Contudo, ainda que se admitisse a neces- tingenciamento (formal ou informal) das dota-
sidade de algumas correções, naturais pela pró- ções do interesse destes; finalmente, a faculda-
pria complexidade do Orçamento, estas só seri- de de poder executar apenas parte da progra-
am admissíveis com caráter pontual, desde que mação incentiva a administração a formular or-
o Poder Executivo se empenhasse em produzir çamentos superestimados - ampliando suas
uma programação embasada num processo con- margens de flexibilidade -, incluindo itens cuja
solidado de planejamento e programação. implementação fica pendente da "disciplina"
Tendo em vista os inconvenientes do pro· dos agentes neles interessados e transferindo
çedi mento atuaI, parece ser de toda conveniên- o poder decisório do Parlamento para a tecoo-
cia que se suprima o § s.o do art. 166 da Consti- burocracia estatal.
tuição ou que se modifique tal dispositivo de O grau de desconforto do Congresso Naci-
modo a restringir sua utilização. Nesse caso a onal com essa situação acha-se bem evidencia-
redação poderia ser modificada para: do no relatório do Deputado João Almeida, s0-
"§ 5. 0 O Presidente da República p0- bre a LDO para 1995, onde se assinala·
derá enviar mensagem ao Congresso "A conveniência de estabelecer mai-
Nacional para propor modificação nos or controle sobre a ampla latitude que
projetos a que se refere este artigo, den- possui o Poder Executivo para executar
tro dos trinta dias subseqüentes ã data apenas os subprojetos e subatividades
da assinatura do projeto original, veda- quejulgar do interesse da administração,
da sua proposição em relação a projeto sob a ótica da tecnocracia estatal - fre-
que já tenha sido objeto de proposta de qüentemente influenciada por fatores
modificação ou cuja votação já tenha se externos ou idiossincrasias - levou-nos
iniciado na comissão mista". a reincluir a norma constante da última
2.4. Flexibilidade do Poder Executivo para LOO, articulada por esta Comissão Mis-
executar apenas parte da programação ta em 1992 e 1993, com vistas à execução
Outro problema com que tem se defrontado mais equilibrada da programação... »
o Poder Legislativo, bem como os atores perifé- A conveniência de pôr termo a essa flexibi-
idade acha-se expressa também no relatório da
ricos do processo de alocação de recursos -
governadores. prefeitos e titulares de órgãos CPI do Orçamento, que inclui, como recomen-
da administração indireta - é o da excessiva dação:
discricionaridade que possui o Poder Executi- "tornar obrigatória a execução dos
vo para implementar, seletivamente, a progra- subprojetos prioritários, identificados
como tal na LDO e na Lei Orçamentária
f4
Anual. Com similar propósito. vedar que deste procedimento foi percebida também pela
subprojetos sejam excluídos da progra- CPI do Orçamento, cujo relatório inclui, como
mação setorial, antes de sua conclusão, recomendação, a de: "Proibir o uso de medidas
exceto com autorização específica do provisórias em matéria orçamentária".
Congresso. mediante rito próprio"? Também do ponto de vista teórico-doutri-
25. Impropriedade do emprego de medi- nário existem óbices à alteração da LDO após
das provisórias em matéria orçamentária aprovação da proposta orçamentária anual. O
prim~iro destes é de natureza lógico-temporal,
Nos últimos anos, mais especificamente a
partir de 1993, o Poder Executivo passou a util i- ou seja, se o orçamento anual deve obedecer
zar-se de medidas provisórias para legislar so- aos parâmetros preestabelecidos pelas cláusu-
bre matéria orçamentária. E marcante, nesse las balizadoras da LOO, uma vez concluída a
particular, o emprego desse instrumento para elaboração (pelo Executivo) e a apreciação do
alterar as \eis de diretrizes orçamentárias apro- Orçamento (peto Legislativo), não tçri2. cabi-
vadas pelo Poder Legislativo. O Congresso mento alterar essa lei superordenadora. O se~
Nacional logo reagiu aessa tendência. com fun- gundo, de adequação do foro e dos ritos para
damento em dois pressupostos básicos: o ca- apreciação das matérias orçamentárias, posto
ráter ~uperordenad?r da LDO e o rito especial que. se a Constituição - em razão da importân-
defim~o pela Coosutuição para sua apreciação,
cia dessas matérias - instituiu procedimentos
os quaIs induzem a que quaisquer modificações es~iais para a apreciação dos projetos res-
no texto aprovado pelo rito especial devem se pectIVOS pelo Parlamento, prevendo, inclusive,
processar segundo o mesmo rito ("quem não a sua preliminar apreciação por urna comissão
pode o maior, não pode o menor"). Essa reação mista permanente de senadores e deputados, é
baseou-se, igualmente, na defesa da competên- inadmissível que se permita a modificaçâo do tex-
cia exclusiva do Legislativo para legislar sobre to legal resultante por meio de procedimentos sim-9
matéria orçamentária, expressa no art. 68 da Lei plificados. como são as medidas proviSÓrias .
Maior. cujo § 3.°, UI, vedou, taxativamente, que põe sobre a.s ó·lretrizes para a e\aboração e execução
se delegasse ao Executivo a produção de legis- da lelOrçamentliria anual de 1994....' Em 29.1293 ...
lação sobre planos plurianuais, diretrizes orça- o Poder Executivo houve por bem baixar a Medida
mentárias e orçamentos8 . A inconveniência Provisória 0.° 396... Essa MP, no entanto. não teve
concluida a sua tramitação, seja pelas restrições aos
1Em certas situações a experiência de outros pll- dispositivos que invadiam prerrogativas do Poder
íses pode ser bastante inspiradora. No que se refere ugislatívo, seja em razão das objeções que muitos
à discrícionaridade do Executivo é exemplar a ação dos membros do Congresso Nacional apresentaram
empreendida pelo CongteS1lO .;los EUA, em 1974, quanto à constitucionalidade de se utilizar tal instru-
com vistas a fazer frente aos abusos praticados pelo mento para modificar a LOO. Em razão disso, esta
Presidente Nixon - que congelava dotações e progra- acabou sendo reeditada, em 28.1.94 ... , que, embora
mas aprovados pejo Parlamento -, alraves do Con- sanasse parte das restrições, continuava a padecer da
gr-essional Budget and Impoundment Control Ad. OOleção 1:JáSlca antes assinalada. Por esse motivo esta
Por meio desse ato o Congresso Norte-Americano - MP não teve, igualmente, ultimada a sua apreciação,
que já não pennite o veto a itens do orçamento ("Line sendo novamente reeditada em 28.2.94, sob a forma
item veto") - impôs ao Presidente li obrigatoriedade da Medida Provisória n.O 441194 (Mensagem n.O 52,
de executar a programação aprovada pelo Legislati- de 1994-CN), imediatamente secundada pela remes-
vo, podendo este, tâo-somente, se entender que cer- sa do Projeto de Lei n.O 1, de J 994..cN (PL n.o 1/94·
tos itens do programa de trabalho contrariam o inte- eM), com O mesmo teor de IlIl medida provisória."
resse público, solicitar ao Con~resso autorização para 9 Segundo snSA, losé A. ÔII. Curso de Direito
cancelá-Ius (recisiorls) ou comunicar seu adiamento Canstitucional. 9" ed. Malheiros Editores. São Pau-
para mais tarde no mesmo exercício (deferra{s).No lo, 1993, é defesa a utilização de medidas provisórias
pnmel1D caso, a proposta só tem vaJídade se aprova- em matéria orçamentárill, uma vez que segundo li
da dentro de 45 dias; no segundo, pode ser revertida, "interpretação lógíco.sistemática ... o Presidente da
a qualquer tempo, por ato isolado de quaisquer das República não poderá disciplinar por medidas pro-
Casas do Congresso. visónas situações ou matérias que não podem ser
~a A propósito desta reação afirma o Deputado objeto de delegação. Seria um despautério que medi-
JOAO ALMEIDA, Relator dos PLs 1J. Os 1/93 (LDO/ das provisórias pudessem regular situações que se-
94) e l/94 (alteraçãO da LOO!94). em seu parecer: jam ~edadas às leis delegadas." Também o Deputado
"Após a sua regular tramitação ..' o Projeto de Lei n.~ JOSE SERRA (idem. ibidem, pp. 78 e 80) tem de-
1, de I 993-CN (Mensagem n.022/93), foi convertido fendido essa tese, afinnando, por exemplo: "Um dos
na Lei n.O \\.694. de 12 de agosto de \993, que 'dis- mandamentos íl\a\~ inequ\vOCO!\ da nO'\'1I Constltui-
t$
Esse entendimento foi expresso também pelo mente articuladas pela Constituinte com o pro-
Deputado Nelson Jobim, hoje Minístro da Jus- pósito de vincular a LOA às normas da LDO e
tiça, quando relator do processo de revisão de ambas ao PPA), tumultuando a atuaçlo do
constitucional, ao propor nova redação para o Legislativo (pela freqüente modificaçllo nas
art. 62 da Constituição. Segundo o Parecer n.o normas), desmotivando os membros da Comis-
38, de 1994, não poderiam ser objeto de medi- são Místa (pela neutralização dos seus esfor-
das provisórias, entre outras matérias, as rela- ços no aprimoramento do processo orçamentá-
cionadas a planos plurianuais, diretrizes orça- rio) e neutraIi.zanck> as normas e principiosarticu-
mentárias e orçamentos. Afinna ele: lados com vistas a oferecer segurança e estabili-
"Entre as matérias que deverão estar dade à programação e execuçao orçamentária.
vedadas ao dORÚnio nonnativo da medi- 2.6. A ineficácia do Plano Plurianual, como
da provisória, adotamos sugestão prati- elemento ordenador da programaçllo
camente consensual de todas as propos- O Plano Plurianual, concebido pela Assem-
tas revisionais sobre o assunto: matérias bléia Nacional Constituinte como o instrumen-
relacionadas no § 1.° do art. 68 como in- to de planejamento estratégico do Governo -
susceptíveis de delegação legislativa. De delimitador da moldura institucional para aaçIo
fato não parece rnzoável que a Constituí- da adminístrnção pública federal e indicativo
ção proíba a delegação de poderes a~ de rumos para a iniciativa privada -. foi rapida-
Presidente da República sobre cert01 mente subvertido em fac-simile do antigo orça-
assuntos e, de outra parte, admita a com- mento plwianual de investimentos, passando a
petência deste para dispor sobre os mes- ter amesma ineficácia daquele. Com pouco mais
mos attavés de medida provisória, cujo de um ano de vigência o Plano Plwianual (apro-
procedimentode e1aboraçllo é muito mais vadopeIaLei n. °8.173, de 30.1.91) foi objeto de
discricionário que o previsto para ale· reformulação integral (aprovada pela Lei n.o
gislação delegada". 8.446, de 21.7.92). Nove meses depois teve pro-
Apesar do Projeto de Lei n.o 1194-CN repre- posta nova reformulação (Mensagem n.o 226/
sentar, em certa medida, o reconhecimento, pelo 93, de 29.4.93), proposta estaque foi substitui-
Poder Executivo, da impropriedade da utiliza- da em julho do mesmo ano (Mensagem n. 0474/
ção das medidas provisórias para legislar sobre 93, de 31.7.93), ficando em tramitação no Con-
matéria orçamentária, convém que se estabele- gresso Nacional até o final da Legislatura. Que
çam providências mais definitivas para coibir planejamento estratégico é este que nmda a cada
essa prática. Observe-se que, não obstante a poucos meses? Como pretender que um tal pla-
remessa desse projeto de lei, o Governo conti- nejamento possa ser determinante para a admi-
nuou, por vários meses, a regular a execução nistração pública e indicativo para o setor pri-
orçamentária de 1994 por intermédio de medi- vado, como determinado pela norma do art. 174
das provisórias (MPs n.... 465,490,516,538 e da Constituição?
563, de 1994), duas das quais (MPs 576194 e Além da freqüência com que foi modificado
682/94), impondo modificações sobre o texto o Plano Plurianual, tem mudado a sua forma e
resultante do próprio PL n.o 1194 - CN (Lei n.o conteúdo a cada edição. A cada proposta de
8.928, de 10.8.94). Semessaprovidêncíao Con- PPA, ou de alternção deste, o Governo tem 0p-
gresso Nacional corre o risco de tornar-se re- tado por um formato diferente pam oPiano Plu-
fém da vontade do Poder Executivo, que pode- rianual, com freqüentes mudanças na lingua-
rá utilizar-se regularmente desse instrwnento, gem, nas taxionomiasprogramáticase Da abran-
com base nos precedentes já existentes, desor- gência do documento. O pior é que tais mudan-
ganizando a estrutura de normas superordena- ças nIo ocorreram de forma evolutiva, OU "por
doras do processo orçamentário (cuidadosa- aproximações sucessivas" - como diria Limb-
d1on1o -, mas sim defonna ern\t:k:a eao sabor das
çIo refcrc-sc à proibição de que o governo altere o freqüentes mudanças de orientaçlo operadas no
orçamento sem "prévia autorizaçlo legislativa". Ora, "sistema" federal de planejamento como decor-
a medida provisória tem efeito a partir de lIU8 cdiçlo, reDCia da.'i freqüentes trocas de ministrosll •
de modo que, se o orçamento for assim alterado, se
estará violando o mencionado mandamento, pois a lO LINDBLON, Charlcs. The Sciencc of Mu·
a1tcraçlo ocolTClÍlantes de sua virtual aprovaQlo (ou ddJing Through. In P"blic Administmdon Rniew. V.
modiflCaçlo) pelo Congresso."... "A aplicaçio de ]9 (1959), pp.79-88.
medidas provisórias a matérias orçamentárias, em 11 No período ]988 a ]99S foram titulares do
geral, é inconstitucional." órglo central do sistema de planejamento federal:
f.
Contudo, a efemeridade e a mutabilidade de zon-se com os problemas e inadequações do
forma são apenas alguns dos defeitos consta- Plano Plurianual, observando no item 17 do seu
táveis nesse instrumento. Mesmo após os gran- parecer:
des aprimoramentos realizados pelo Congres- "Minha opini~o quanto ao Piano Plu-
so Nacional, durante a tramitação das propos- rianual é que deva ser drasticamente sim-
tas respectivas, os planos plurianuais produzi- plifICado, de forma aexplicitar, além das
dos até agora têm sido marcados por uma exaus- diretrizes e objetivos, apenas as grandes
tiva enunciaç~o de diretrizes, objetivos e metas prioridades do Governo federal financia-
setoriais - maior parte destas em termos genéri- das com recursos públicos. Identificaria,
cos e abrangentes -, tornando possível dar ao mesmo tempo, as ações governamen-
cobertura a qualquer ação que se intente exe- tais concebidas para alcançar as priori-
cutarl1 tornando-o inócuo como delimitador da dades, com as respectivas metas-fim pre-
ação g~vernamental. Outra gran~e de~c~ência cisamente quantificadas e o seu custo
do PPA tem sido a omissão dos diagnosticos - global para a sociedade. Importa também,
dimensionamento dos problemas e sua distri- entendo eu, explicitar na lei que aprovar
buição geográfica - em que se fundam as pno- o PPA qual o volume de receitas públi.
ridades nele indicadas, tornando impraticável a cas se espera arrecadar para o seu finan-
avaliação de oportunidade de cada programa. ciamento, como proceder em caso de re-
Na fonna atual o Plano Plurianual se acha desti- alização insuficiente ou a maior, e ~ par-
tuído de alcance prático. cela comprometida com odesenvolvimen-
Essas deficiências têm sido apontadas em to das ações prioritárias. A regio~jza
várias ocasiões, em especial pelos Relatores dos ção das prioridades no PFA devena ~b
PPAs e das LDOs. O Senador Dario Pereira, meter-se a critérios que tenham efetlva-
Relator da primeira revisão do PPA, assinala: mente um papel redistributivo, com a fi-
"A proposta de revisão do Plano Plu- nalidade de reduzir as desigualdades in-
rianual 1993-95 detalhou as despesas e ter-regionais e de forma a garantir que a
metas ao nível dos principais projetos. LDO e os o~mentos, compatíveis com o
Este detalhamento desagrega excessiva- Plano Pluriarmal, tenham amesma função".
mente a ação do Governo e antecipa, em
parte, o conteúdo do orçamento anual" . Uma das causas básicas das deficiências
detectadas no PPA é a crise pela qual vem pas-
De igual modo, o Deputado João Almeida, sando o sistema de planejamento federal I), com
Relator da LDOI94, salienta essa fragilidade do
documento, ao comentar a neçessidade de pro- 13 MAClEL, EVenlroo. A Crise dQ Planejamento
mover a adequação entre a LDO/94 e o PPA B1'll!Jilciro. In Revista do Sel"Viço Público. B1'll!Jília,
vigente. Afirma ele: 117 (I), pp. 37-48, jun.!set. 1989, comenta que "a
"Devemos reconhecer, entretanto, crise do planejamento brasileiro guat'l:!a vlnculos es-
que a tarefa foi grandemente facilitada treitos com as dific.uldades vivldas pelo Estado." U~
pela natureza dos detalhamentos [conti- pouco mais adiante, assinala ele.que: ~sa crise !Ol
alimentada pelas reações contrlÍrlBS ao mlervenclo-
dos no Plano Plurianual] .. , em especial nismo estatal - freqüentemente 88SOl.:18do ao plane-
no que se refere à explicitação de diretri- jamento -, pelo surgime~to de uma intensa atividade
zes, objetivos e metas setoriais, cuja ge- pc\itiça que passou li. cntIcar o e~e~to tecno~u
neralidade e exaustividade oferece cober- roerático como uma das fachadas VlSIVC1S do regime
tura para a quase totalidade das ações autoritário, e pela aceleraçllo da crise econômica.
típicas da administração pública federal". Afinna: "Essa crise, vista em sua globalidade, é, em
Também o Senador Mansueto de Lavor, verdade, múltipla, porque enfeixa uma crise áe c~i
bilidade uma crise de ansiedade, uma crise técmca e
Relator-Geral do Orçamento de 1993, sensibili-
uma cri~ conceptual". Quanto à crise técnica, obser-
va: "Os planos revelam u~a freqü~nte iI1:~ncia
Anibal Teixeira, João Batista de Abreu, Zélia Cardo- entre os objetivos estabelecidos e a tnsuficlencl8 dos
so de Mello, Marcílio Marques Moreira, Paulo Ro- meios mobilizados [inclusive para resolver proble-
berto Haddad, Yeda Crucius, A1exís Stcpanenko, Beni m/iS em setores onde sua açio é no máximo indicati-
Veras e José Serra. Cada titular ocupou a Pasta do va}... inexiste avaliação sistemática dos programas
Planejamer1to, em média, por menos de um ano. [levando os planos a se tomarem rapidamcnte obso-
U Segundo SERRA, Jo~. Idem. Ibide~ (p. 2), letos] ... os orçamentos revelam ~ma tlagrantc dcs-
"Na prática... o Plano Plunanual de InvestImentos sintonia com os planos [por possUIr a sua elaboraçio
tcm sido genérico demais." um curso autônomo em relação a estes últimos)".
2D
A duplicidade no detalhamento da progra- Assim, além de preservar os avanços obti-
mação, pela referenciação no orçamento de in- dos - inclusão de outras despesas de capital e
vestimentos dos programas de trabalho de es- exclusão das unidades cujas programações
tatais cujas despesas de capital se achavam tam- constem dos orçamentos fiscal ou da segurida-
bém detalhadas nos orçamentos fiscal e da se- de -, é imperativo que se desenvolva uma es-
guridade social, foi entendida pelos relatores trutura mais abrangente e articulada para o or-
das últimas LDOs como procedimento que çamento de investimento das estatais - crian-
afrontava o pretendido pela Constituinte, in- do sistemática apropriada para a elaboração do
clusive por induzir a erro quanto à real magnitu- Orçamento e para a fiscalização dos entes regi-
de das despesas de capital da administração dos pela Lei n.o 6.404 _11 e que se defina, legal-
federal. Essa percepção levou a que o Congres- mente, que só poderão ser caracterizados como
SO Nacional adotasse uma nova interpretação empresas estatais os entes públicos de nature-
da nonna constitucional, a partir do Orçamento za empresarial que não recebam recursos do
de 1993, ou seja, de que o orçamento de inves- Erário para cobrir seus custos de funcionamen-
timento de estatais deve incluir tão-somente to, extinguindo ou transformando em autarquias
as empresas cujas programações não constem todos aqueles que não se ajustem a tal critério.
dos demais orçamentos da União. Essa delibe- 2.10. Inadequações nosprocessos de apre-
ração, que resultou de amadurecida reflexão do ciação da Lei Orçamentária Anual (LOA)
Relator-Geral, do Presidente da Comissão Mis- Além da questão da precária separação dos
ta e das Assessorias de Orçamento do Congres- orçamentos, detalhada no item 2.8, e da exces-
so Nacional, se acha expressa no Parecer sobre a siva flexibilidade com que conta o Poder Execu-
LDO de 1994 (pp. 4) nos seguintes termos: tivo para encaminhar mensagens modificativas,
"Com o {. .. 1propósito de e'\-'itar ques-
tratada no item 2.3, o processo de apreciação
tionamentos, fonnalizamos a dispensa de da LOA tem sido tumultuado por vários outros
inclusão no orçamento de investimento problemas, dentre os quais cumpre salientar: o
da programação das empresas cujo pro- estabelecimento de normas - de questionável
grama de trabalho se ache explicitado, constitucionalidade - permitindo a posterga-
integralmente, nos orçamentos fiscal ou ção da aprovação do orçamento anual e facul-
da seguridade social, por entender a prá- tando - com graves efeitos colaterais - a "exe-
tica adotada no Orçamento de 1993 fun- cução antecipada" da proposta orçamentária;
dada no mais estrito bom senso. Seria o entendimento demasiado elástico do concei-
absurdo pretender que o Congresso ti- to "correção de erro ou omissão" contido no
vesse que autorizar duas vezes a mesma art. 166, § 3.0 da Constituição, sobretudo para a
despesa ou que patrocinasse duplicida- reavaliação das receitas públicas, e a dispersão
des inócuas e geradoras de equívocos e dos recursos pela sua alocação numa miríade
perplexidades." de pequenos empreendimentos sem maiores
avaliações quanto a custos, contrapartidas e
sas de capital e não do elemento ou grupo de despesa encargos de manutenção posterior.
de idêntico nome, como tem sido interpretado, res- Quanto às normas que têm facultado a exe-
tritivamente, nos últimos anos. Não há, portanto, cução antecipada, tumultuando, posterionnen-
razão para que se continue a elaborar o orçamento de
investimentos das estatais com a limitada abrangên- 11 Segundo CASTOR, Belmiro. Idem. Ibidem, p.
cia decorrente do entendimento equívoco de que este 160, "fator indispensável a um novo modelo de ad-
deva incluir apenas os gastos classificáveis no grupo ministração pública no Brasil é a modernização de
despesa (GND) intitulado "investimentos". Além seus mecanismos de controle externo, os quais se
di sso, tal interpretação é contrária ao interesse pú- revelaram até hoje incapazes de conviver com arran-
blico por permitir que importantes aportes de recur- jos organizacionais... como as empresas mistM, em-
sos do Erário nas suas empresas deixem de se tradu- presas públicas e fundações... o caminho para o con-
zir em ativos no Orçamento, frustrando o propósito trole de tais entidades passa pelo reforço dos conse-
constitucional que instituiu esse instrumento de pro- lhos de administração, conselhos fiscais e conselhos
gramação e de controle e mascarando a estrutura de curadores das fundações (onde o Legislativo e a ~
receitas desses entes. Por exemplo, grande parte das munidade organizada deveriam ter assento obrigató-
inversões do Tesouro na ELETROBRÁS não se con- rio) e não pela criação de rotinas e procedimentos
vertem em programações no orçamento de investi- burocráticos típicos da administração pública tradi-
mentos e, quando isto ocorre nas suas subsidiárias, cional, cujo resultado único é eliminar a liberdade
são lá classificados como •Recursos de Outras Ori~ operacional de que empresas, autarquias e fundações
gens' e não como 'Recul1lOS do Tesouro'." foram dotadas, sem ampliar o controle substantivo".
Corpo Legislativo não poderá o Gover- guida essa providência de comunicação ao Po-
no abrir os referidos Créditos, nem auto- der Legislativo, sem quaisquer problemas em
risar a despeza sem que elles sejão previ-
23 Segundo VIANA, Arizio de. Orçamento Bra-
amente votados em Lei. Exceptuão-se os
casos extraordinários, como sejão os de sileiro. Rio. 1950 (p.146): "O crédito extraordinário
ser aberto pelo Executivo. É da essência do
epidemia, ou qualquer outra calamidade deve govemo, do poder que administra, em detenninada
publica, sedição, insurreição, rebellíão, e emergência, calamidade, ou necessidade de ordem
outros desta natureza, em que o Gover- pública, dispor de recursos para agir imediatamente
no poderá autorisar previamente a des- em salvação da coletividade. Esteja ou não em funci·
peza, dando imediatamente conta ao Po- onamento o Legislativo, não precisa o Executivo de
der Legislativo." pOOir·lhe autorização para assim proceder. Mas, é da
Essa interpretação foi mantida no Ordena- essência do regime democrático dar o Executivo contas
mento Jurídico pátrio, ao longo de todo este ao Legislativo. Após a abertura do crédito extraordiná-
século, seja no código de contabilidade, seja rio, o Executivo làril as devidas comunicações ao Le-
gislativo, a fim de justificar e de comprovar as despe-
nas leis sobre formulação orçamentária, seja nas sas que, em caráter extraordinário, houver realÍZlldo."
25
tal procedimento. Não existem, ponanto, ele- Outro aspectO grave da atual sistemática é
mentos, sejam estes de ordem prática, legal ou permitir que o Poder Executivo se valha do p0-
doutrinária. para dar suporte à orientação, im- der normativo das medidas provisórias para R::~
plementada a partir de 1989, de se passar a au- solver situações em que o crédito extraordiná-
torizar a abertura de créditos extraordinários por rio não poderia ser caracterizado, como já tem
medida provisória. Isso ()(X)rreu, ao que parece, ocorrido várias vezes. Esse procedimento acha~
por uma equivocada interpretação do art 167, § se caracterizado na Nota Técnica n.o 10/93, da
3.°, da Constituição, dado que pela absoluta Assessoria de Orçamento da Câmara dos De~
funcionalidade do procedimento tradicional, o pulados, que assinala:
entendimento mais razoável para a referência "as situações objeto de medidas provi-
ao art. 62 da Constituição, contida no § 3.° su- sórias [autorizando abertura de créditos
pra, seria o de haver necessidade de convoca- extraordinários] têm apresentado, nor-
ção do Congresso Nacional no caso da abertu- malmente, duas caraeterfsticas que evi-
ra do crédito extraordinário ocorrer dumnte pe- denciam a inadequação do seu equacio-
riodo de recesso, valendo, quanto ao mais, a namento através de crédito extraordinã-
norma do art. 44 da Lei n,o 4.320, de 1964, que rio, quais sejam: a) adicionar recursos a
estabelece: categorias programáticas já existeDtes na
"Os créditos extraordinários serão Lei Orçamentária; e b) equacionar neocs--
abertos por decreto do Poder Executivo, sidades que se repetem todos os anos.
que deles dará imediato conhecimento No primeiro caso o procedimento apr0-
ao Poder Legislativo". priado seria a abertura de crédito suple-
Por razões inexplicáveis esem qualquerfun- mentar - que existe exatamente'para isso
damento de ordem prática. optou a administra- -, no segundo, pela regularidade dos
ção por entender a norma como indicativa de eventos, não se pode falar em imprevisi-
que doravante os créditos extraordinários de- bilidade eurgência."
veriam ser autorizados por medida provisória. Assim, tendo em vista as objeções à siste-
Essa interpretação conduziu à desnecessá- mátial atual, cumpre intervir para que se modi-
ria produção de um grande número de medidas fique a equfvoca interpretação que vem sendo
provisórias - freqüentemente reeditadas várias dada ao an. 167, § 3.°, da Consôtuiç:io, que gera
vezes -, tendo por único mérito o de atravancar a desnecessária produção de um grande núme-
a pauta do Congresso Nacional. Além do mais, ro de medidas provisórias. É fora de dúvida que
esse procedimento apresenta tantos inconve- a melhor interpretação para a referência ao art.
nientes que é surpreendente ter sido mantido 62 da Constituição, contida do § 3.° supra, in
por tanto tempo. Em primeiro lugar, ele é disfun- fine, refere-se à necessidade de convocaçlo do
cional, por instituir mais uma etapa legal - a Congresso Nacional no caso da abertura do
prévia autorização - para o equaàonamentode créditoextraordinário dar-se durante periodo de
necessidades imprevisíveis e urgentes; em se- recesso parlamentar, valendo, quanto ao mais,
gundo, é inconseqüente e inócuo, visto que, a norma do art. 44 da Lei n.o 4.320, de 17 de
sendo da natureza do crédito extraordinário pr0- março de 1964. Essa norma é suficientemente
piciar o gasto imediato dos recursos. a delibe- operacional para os dias atuais, ajustada ao di-
ração do Parlamento sobre a MP que o autoriza reito pátrio, coerente com as necessidades da
nAo terá conseqüências fáticas, limitando-se a administração e de grande praticidade para am-
legitimar, a priori, despesas cujas contas não se acha exaurida ... Ademais, mesmo na hipótese do
foram apreciadas pelos órgãos de controle; e, crédito extraordinário ser aberto irregularmente, a
finalmente, é de péssima técnica legislativa, por possibilidade de caractcrizaçlo de crime de resp0n-
redundar na produção de leis de duração efê- sabilidade nlo é maior ou mais legitima pelo emprego
mera, visto que a MP. depois de se transformar da medida provisória do que pelo uso do de<:reto,
em projeto de lei de conversão durante a sua como ocorreu, por mais de um século, na prática
tramitação no Congresso Nacional, se conver- administrativa brasileira, sem quaisquer problemas
te em lei ao ser sancionada pelo Presidente. 24 no plano do direito, da doutrina ou das con~cí
as da administração". Similar foi o entendimento da
24 Obaerva o Deputado JOÃO ALMEIDA, em CPI do Orçamento, cujo Relatório recomendou o res-
seu Relatório, sobre o Projeto da LOOI95: "Consti- tabelecimento do processo tradicional de abertura de
tui um exagero que ae designe uma comisslo mista de créditos cx:traordinários, considerando uma impro-
deputados e senadores para apreciar, sem qualquer priedade que o Congresso despcnda tempo com a
conaeqll&Jcia fática, uma matéria cuja substância já apreciação de atos praticamente irreverslvcis.
28
bos os Poderes intervenientes no seu proces- sido colocadas à disposição da Presidência da
samento. Comissão Mista e dos relatores por simples atos
verbais. Esse procedimento possui vários in-
2.13. InadequaçiJes na estrutura de asses-
soramento convenientes: 1..,
túnguém se sente responsá-
vel pelo funcionamento dos ó~gãos técnicos
O Congresso Nacional acha-se razoavel- da CMO limitando-se a cumpnr as demandas
mente aparelhado para o atendimento de suas
necessidades atuais de assessoramento em
de mome'nto; 2."os membros da Comissão pre-
cisam concorrer com os demais parlamentares
matéria orçamentária (apoio à tramitação de (as Assessorias foram criadas para servi-los e
PPAs, LDOs, LOAs e créditos adicionais). So- apenas subsidiariamente à CMO) para ter aces-
mados os quadros de assessores da Câmara so ao assessoramento; 3.°) não contando com
dos Deputados e do Senado ~ederal, a insti~i urna estrutura própria de apoio técnico, os mem-
ção conta com número sufiCIente de profissIO- bros das subcomissões enfrentam dificuldades
nais especializados para as tarefas ora desem- na estruturação das rotinas de trabalho e na
penhadas e vem se equipando de forma ade- determinação dos assessores de sua confiança
quada - em termos de hardware e de software (indispensáveis para ações com<? as de ~m
-, para fazer frente às demandas de ~us ór-
gãos e membros. 2s Os problemas. eX1st~nt~
panhamento e avaliação); e 4." a inf?rmalidade
dos procedimentos tende a g~ disputas en-
derivam mais da necessidade de ajustes msti- tre os integrantes das Assessonas das Casas
tucionais - mudança cultural nos órgãos do do Congresso, sobretudo quanto às funções
Executivo para aceitar uma participação ativa de coordenação, prejudicando as ações de ca-
do Parlamento na formulação de políticas pú- ráter substantivo.
blicas e alocação de recursos e, nos do Legisla-
tivo para desencadear ações administrativas e Portanto, parece ser de toda convetúê~cia
pr~essos que conduzam à apropriada distri- que se institucionalize uma estrutura própna de
buição dos meios e instrumentos - do que à assessoramento no âmbito da Comissão Mista.
precariedade destes. Enquanto subsistirem embaraços de ordem ad-
ministrativa à criação desta sob a forma de ór-
Não obstante, a forma de relacionamento gão autônomo - nos moldes do PRODASEN e
da CMO com as Assessorias da Câmara e Se- CEGRAF, no Brasil, ou do CBOe CRS, nos EUA
nado (assistemática e informal) precisa ~ me- - essa assessoria poderia ser composta por um
lhor equacionada, sobretudo na ~fSIlCCl.1va de número determinado de assessores (especiali-
plena operacionalização da Conussão Mista de zados em orçamento e fiscalização) requisita-
Planos, Orçamentos Públicos e. Fiscalização, dos junto à Câmara dos Deputados e ao Sena-
com a implantação das subcotnlS5ÕeS pe~ do Federal e dotada com um certo número de
nentes. 2li Nos últimos anos as Assessonas tem cargos de livre provimento e de funções de c0-
25 A parti r de 1992 (orçamento para 1993), a
ordenação (cedidos pelas Casas do Congresso
alocaçio dos assessores passou a ser realizada em Nacional), para possibilitar a es,truturação de
função da área de especializaçao destes. Por exem- núcleos especializados no atendimento às de-
plo, para assessorar os relatores do orçamento da mandas de cada subcomissão permanente e dos
educação têm sido designados assessores que traba- relatores dos grandes projetos (pPA, LDO e
lham com essa área o ano todo, que conhecem a legis- LOA).
lação peculiar (do salário-educação,. por exemplo),
os programas contidos no Plano Plunanual e o perfil 2.14. Deficiências no acompanhamento da
da execução orçamentária nos últimos anos. execução dos planos e orçamentos
26 SANTOS, Ruy. O Poder Legislativo - suas A conveniência de ações mais decididas do
Virtudes e seus Defeitos. CEGRAF. Brasllia. 1972, Poder Legislativo no acompanhamento da açã.o
p. 139, ao tratar das deficiências de ~sessoria espe- governamental é algo que vem send~ percebi-
cializada de que se ressentem as COffilSSÕCS do Con- do há muito tempo. Em 1966, ao avallaJ' os no-
gresso, reporta-se ao Senador no~e-am~ricano La vos papéis que cabem aos parlamentos nas
Follete, para quem "uma assessona técmca compe- sociedades modernas, o Senador Milton Cam-
tente é de vital importância para o Congresso. Um pos e o Deputado Nelson Cameiro27 reportam-
dos principais fatores que contribuiu para. a transfe-
rência do poder e influencia, do legIslativo para o
ao mesmo tempo em que é negligente na colocação, a
Executivo, nos anos recentes, decorre do Par~ament?
seu serviço, dessa categoria de funcionário."
ter sido generoso em proporcionar ao Executivo !11C1-
os de admitir pessoal técnico para os seus semços, 11 CAMPOS, Milton e CARNEIRO, Nelson.
31
Expropriação dos bens utilizados para
fins de tráfico ilícito de entorpecentes
sUMÁRIo
1. Introdução
O presente estudo, malgrado a sua singele-
za, tem por escopo gizar os contornos do insti-
tuto previsto no art. 243, coput. da Lei Funda-
mentaL ao dispor:
"As glebas de qualquer região do
País onde forem locali7.adas culturas ile-
gais de plantas psicotrópicas serão ime-
diatamente expropriadas e especificamen-
te destinadas ao assentamento de colo-
nos, para o cultivo de produtos alimentí-
cios e medicamentosos, sem qualquer
indenização ao proprietário e sem prejuí-
zo de outras sanções previstas em lei".
As nossas atenções centrar-se-ão, princi-
paJmente, no investigar a sua natureza jurídica,
seu objeto. a maneira de sua realização, sua ex-
tensão, seus destinatários, entre outros temas
correlatos.
Trata-se de inovação no direito positivo e,
como tal, capaz de justificar supostos percal-
ços do expositor.
2. Naturezajurídica
Neste tópico, passo a cotejar o art. 243 da
Constituição, com as várias modalidades de in-
tervenção estatal na propriedade privada.
Dista - e bastante - da requisição, autoriza-
qa pelos art. 5°, XXV. e 22, m. ambos da Nonna
Edilson Pereira Nobre Júnior é Juiz Federal e Apice. São basicamente dois os pontos de dis-
Professor da UFRN. tanciamento: a) naquela a ação do poder públi-
8r_III••. 32 n. 126 "'JJun. 1995 33
co preordena-se ao uso da propriedade priva- dieado pelo art. 29 do CI'N, pouco importando
da. ao invés de sua aquisição; e b) a requisição que o bem situe-se na zona urbana OU de exten-
é auto-executável, dispensando procedimento são urbana do Município.
judicial. Mister se faz que, nessas terras, sejam des-
Tampouco se enquadra como servidão ad- cobertas cuIturas de plantas psicotrópicas. con-
ministrativa. Esta, lembrava Hely Lopes aitnadas pelo art. 2. da Lei n° 8.257, de 26.11.91,
Q
Meirelles l , forte em lição de Benjamin Basavíl- como sendo aquelas que, enumeradas pelo
baso,é Ministério da Saúde. permitam a obtençIo de
"um 6nus real, incidente sobre um bem substância entorpecente proscrita4•
partiaJIar, com afinatidade de pennítiruma
utilizaçllo pública". Acresça-se, por importante, que O cultivo
precisa ser contrário ao ordojuris.
Diferente se passa com O prescrito no art.
243, coput. da Lei Maior, uma vez este implicar A ilegalidade em causa defIui do art. 2.°, §
na extinçlo do jus proprietatis do cidadão, o 2.°, da Lei n °6.368176, sectmdadapeloart. 2.°,
que não ocorre com a servidão. parágrafo único, da Lei n.°8.257/91. Reputa-se
A despeito do nomen juris atribuido pelo com tal mácula o plantio não-autorizado, pelo
Constituinte, com a desapropriação não se con- Ministério da Saúde, para fins exclusivamente
funde. É que a perda da propriedade, por ato terapêuticos ou cíentificos. Fora disso, a plan·
compulsório do Estado, não vem acompanha- taçtoé ilegal.
da de compensaçlo financeira. O conceito de cultura, minudenciado em oi·
Embora vedado a prinápio,justífica-sepor vel infraconstitucionaI, corporifica-se "pelo pre-
força de exceção constitucional, sancionadora paro da terra destinada a semeadura, ou plan-
do uso da propriedade para fins antijurldicos. tio, ou colheita".
Observe-se, por seu nuno, não ser somen-
Não se ataca aqui o espirito informador da te a propriedade o alvo da medida drástica. A
propriedade como direito individual e inaliená- simples posse também pode sofrer os seus efei-
vel do homem. tal como consagrado em inúme- tos.
ras declarações constitucionais. Todavia. quer se esteja diante de proprieda-
É que, quando a Constituição assegura a de ou posse, imprescindiveI que o respectivo
intangíbilidade do patrimônio privado, atua, titular atue com culpa lato sensu (açIo ou omis-
segundo Celso Ribeiro IJastos2, para "impedir são dolosa, negligência ou imprudência). Incon-
que o Estado, por medida genérica ou abstrata. cebivel que a perda da coisa seja imputada a
evite a apropriação particular dos bens ecollÔ- titulo de responsabilidade objetiva.
~cos", o que não se confunde com o disposi-
bVo sob exame. no quaI. torno a frisar, é reprimi- Por derradeiro. transferida, mediante arren-
da a utilizaçlo illcita da propriedade. Da fruição damento ou parceria, a posse direta da coisa a
de tal prerrogativa em contrariedade ao Direito terceiro (art. 486 do Código Civil), o confisco
é que deoorre a dispensa do ressarcimento pe- também poderá. ter lugar. Nos contratos rurais.
cuniário ao seu titular. pelos quais é cedido o uso ten1pOI'ário da terra,
constitui obrigação do arrendatário ou pareci-
3. o objeto nMJUlorgado, cujo cumprimento compete ao
O confisco, sobranceiramente permitido. arrendador ou pan::eíro-ootorpnte, exigir a uti-
atinge imóveis rurais, JocaUzad06 em qualquer lização do ímóveI rústico na maneira convenci-
ponto do território patrial, posto que oconstítu- onada. devendo, se for o caso, optar pela resci-
ínte serviu-se do vocábulo gleba, a significar área slloda avença (arts. 26,1'1, 41, n, e 48, Decreto
apropriada para o cultivo de produtos vegetais. n° 59.566, de 14.11.66).
O critério para a definição de ím6vel1Ul'81.. Assim, quer o arrendador ou parceiro-ou-
pena de afronta à efetividade da diçIo magna, é torgante tenha-se omitido no dever de fiscali-
o da cIestínaçãI:f. Exc1ui-se o da localização, ín- zar a execuçIo do contrato, quer saiba, desde o
I Di~ilo Ad1JJinwtJtivo Brasileiro, RT, 14.· ed.,
inicio, da intençlo indevida do outro contta·
pp. 524/525.
4 Mais lICVCI1l, nCSlle ponto, a Lei D.o 6.368, de
1 CommtáritJ.J à Con.!litllição do Brasil, 2,0 V., 21.10.7~, 80 vedar no IICU art 2,0, o piantio,a cultura,
Saraiva, 1989. p. 119. a colheita c a cxploraçlo, de todas 88 plantas que
s Ver arts. 4.°, L dasLcis n." 4.504/64 e 8.6291'93 contenham substincia entorpecente, ou que dc1I:r-
e do Decreto 5S.891165.
mine dcpcnd&tcia fisica ou psIquica.
tante cabível a incidência do art 243, caput, da Carlos Ari Sundfeld7 pugna pela necessida-
Constituição Federal. É hipótese de culpa in de de ajuizamento, pela União Federal, na qua-
vigilando, decorrente da não-fiscalização do lidade de titular da competência insculpida no
comportamento da parte obrigada. art. 144, § 1.0, li, da Constituição, de ação civil
4. Modo de concretizaçi1o de rito ordinário perante a Justiça Federal.
Quanto à maneira por que os bens referidos Já Clóvis Beznos, citado por Lucia ~le Fi-
no art. 243, caput. da Lei Máxima, sãotraslada- gueiredo', entende que não se cuida de direito
dos ao acervo patrimonial da adnúnistração, novo, ao fazer referência ao art. 125 do Código
toca-se, de logo, asseverar constituir monopó- de Processo Penal.
lio da jurisdição. Prestigiando tradição instau- Pode-se, assim, vislumbrar que, em se cui-
rada pelo art. 39 da Magna Cartas, outorgada dando o imóvel onde encontradas culturas ile-
por João sem Terra aos seu barões, o art. 5.°, gais, de instrumento sceJeris do delito tipifica-
LIV, do Estatuto Básico atual, proclama: "nin- do no art 12, § 1.0, I, da Lei n.o 6.368n6, sob o
guém será privado da liberdade ou de seus bens núcleo semear, a previsão constitucional já
sem o devido processo legal". constava, no regime anterior a 1988, da legisla-
Perfilha-se. sem a menor transigência, o ide- ção penal vigente (art. 91 do Código Penal).
ano do due process ofJaw. Havia, ainda. no terreno específico, o art. 34, §
2.°, da Lei de Tóxicos, ao mencionar, às expres-
Por devido processo legal deve-se enten- sas, serem os instrumentos e produtos do cri-
der o procedimento em que é respeitado o con- me, al'Ófi o trãnsi.to em julgado da sentença con-
traditório e a ampla defesa, exsurgindo inelutá- denatória, confiscados, destinando-se à aliena-
vel a figura do julgador imparcial e independen- ção para terceiros ou à utilização pela atividade
te. Por isso, não pode desenvolver-se fora da administrativa.
liçajudicial6.
A perda decorreria de efeito automático da
Fincada, em balizas sólidas, a premissa aci- condenação (cf. Celso Delmant09~ Damásiode
ma, biparte-se a doutrina no descortinar a ação Jesus 10), proferida em processo em que o pro-
adequada. prietário ou possuidor do bem fosse denuncia-
do como autor ou partícipe dos delitos defini-
, O comando da Magna Charta LiberúJlrlm, de
15 de junho de 1215, dispunha: "Nenhum homem
dos na Lei n.o 6.368176. O seu suporte vertical
livre será detido ou sujeito a prislo, ou privado dos de validade estaria no art. 5.°, XLVI, b, sendo'
seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de desnecessária até a edição do art. 243, ambos
qualquer modo molestado, e nós não procederemos
nem mandaremC1ll proc:c:der contra ele senlo median- rio e à ampla defesa (com todas as conseqüências
te um julgamento n:gular pelos seus pares ou de har- derivadas dessas cláusulas). É fundamental deixar
monia com a lei do pals". assentado o primeiro aspecto. O devido processo
6 Dentre muitos doutrinadores, pensa assim o legal nlo é apenas o infonnado pelos princlpios do
lente da UFRN e em. Juiz Federal José Daniel Diniz: contraditório e da ampla defesa (aspecto material),
"Diante disso, é irrecusávcl concluir que o art. 5.°, mas o realizado pelo Poder Judiciário (aspecto sub-
inciso LIV, da Constituiçlo da República, assegura jetivo). Aqueles princlpios t&11 aplicaçlo mais am-
que qualquer pessoa só pode vir a ser privada de pla, para além do processo judicial~ vinculam tam-
seus bens ou de sua liberdade em dccorr6ncia de de- bém o procedimento administrativo, nos termos ex·
cisIo tomada por julgador independente e imparcial, pressos do art. 5.°, LV, da Carta Constitucional brasi-
com competência previamente determinada em lei, leira. Mas, em se tratando de privaçio da liberdade
em cujo processo tenham sido observados os outros ou da propriedade, nlo basta o respeito a tais cláusu-
princlpios processuais básicos, como os do contra- las - é dizer, nio basta a observância do inc. LV, em
ditório, da ampla defesa, da publicidade, da motiva- sede administrativa - necessârio que o processo seja
çIo da sentença etc. Sendo assim, é evidente que judicial" (Direito Administrativo Ordenado,., Ma-
ninguém pode ser privado de seus bens em virtude lheiros Editores, 1993, pp. 105/106).
de decislo administrativa, mesmo que ela 1enha sido 1 Desapropriação, RT, Primeira Leitura, Consti-
proferida com obediência ao contraditório e à ampla tuiçio de 1988, pp. 55156.
defesa, pois lhe falta o pressuposto da independen-
cia e imparcialidade do julgador" (O Procedimento • CU1'SO de Direito Adminisl1'ativo, Malheiros
Administrativo e o Devido Processo Legal, notas do Editores, 1994, p. 221.
autor). Idem Carlos Ari Sundfeld: ''O que significa o 'Código Penal Comentado, Renovar, 3." ed., p.
processo legal, nesse dispositivo? Este deve ser en- 141.
tendido como o desenvolvido perante o juiz compe-
tente e cercado das garantias inerentes ao contraditó- 10 Código PenalAnoúJdo, Saraiva, 1989, p. 2]7.
37
do o fenômeno de provimento jurisdicional~ bem por isso, interferem energicamente
secundus - a exemplo do prescrito no art. 31 do com a liberdade individual, é preciso que
~Lein°3.365/4I,oart.17daLeino8.257/ a Administração se comporte com extre-
~) é peremptório em assentar que se a mutação ma cautela, nunca se servindo de meios
dOminial prevalecerá sobre os direitos reais de mais enérgicos que os necessários à 0b-
garantia (penhor, hipoteca e anticrese) inciden- tenção do resultado pretendido pela lei,
tes sobre o imóvel, não se admitindo embargos sob pena de víciojurídico que acarretará
de terceiro. Vou adiante: não subsistirão tam- responsabilidade da Administração. Im-
bém, pelo próprio fato da aquisição não ser de- porta que haja proporcionalidade entre a
rivada, os demais direitos reais de terceiros exis- medida adotada e a finalidade legal a ser
tentes sobre o bem, como o usufruto, o uso, a atingida".
habitação, etc. O aludido pensar é corroborado por Carlos
7. ExtensiJo Ary Sundfeld 18:
Ponto assaz delicado diz respeito à eficácia
espacial da deliberação confiscatória. Melhor "Refira-se, por fim, limite fundamen-
explicando: deverá atingir toda a propriedade, tal ao exercicio da competência para exe-
ou apenas a área afetada ao plantio? cutar materialmente atos administrativos:
A sanção contida na Constituição é de cu- o principio da proporcionalidade, direta-
nho administrativo - embora infrigida pelo Ju- mente derivado dos principios da racio-
diciário por envolver o perdimento de bens - nalidade e da razoabilidade, a que nos
independendo de condenação criminal, a qual referimos no capítulo anterior. Se toda
pode até inexistir l6 . Essa a opção escolhida pela competência é vinculada a uma finalida-
Leio.08.257/91. de, que racionalmente justifica a ação
administrativa, a medida de sua utiliza-
Forçosamente, terá de conformar-se com os ção depende do grau de sua necessida-
postulados punitivos traçados para a Adminis- de para a obtenção dos fins legais. Todo
tração, entre os quais sobressai o cânon da pro- ato - e portanto, toda constrição materi-
porcionalidade, a recomendar, em tom vincuJa~ al- mais intenso que o estritamente ne-
tivo, a adstríção da pena imposta à finalidade cessário à implementação da finalidade
legalmente prevista. buscada é, por isso, ilegitimo".
Comenta Celso Antônio Bandeira de Mello l7 : Embasado em tal princípio, o Colendo Tri-
"A utilização de meios coativos, por bunal Regional Federal da 5.· Região, por sua
parte da Administração, conforme o in- 1.. Turma, em leading case na AC 13. 308-PE,
dicado, é uma necessidade imposta em sufragou, sem embargo de brilhante voto di-
nome da defesa dos interesses públicos. vergente, a tese de que o ideal de concretização
Tem, portanto, na área de Policia, como da reforma agrária nãojustifica a perda total da
em qualquer outro setor de atuação da propriedade, mas tão-só a das glebas utilizadas
Administração, um limite c:onatural ao seu a serviço da droga. A ementa do julgado, da
exercício. Este limite é o atingimento da lavra do em. Juiz Hugo Machado, apresenta-se
finalidade legal em vista da qual foi instí- assim construida:
tuida a medida de policia. Mormente no "CONSTITUCIONAL. CULTIVO DE
caso da utilização de meios coativos, que. PLANTAS PSICOTRÓPICAS. EXPRo-
PRlAÇÃODE GLEBAS. ART. 243 DA 0"/
16 Sem embargo, nilo se olvide a comunicabilida-
88, JURISDIÇÕES CML E PENAL. IN-
de de instâncias evocada no art. 65 do Código de
Processo Penal, ao detenninar fazer "coisa julgada DEPENDÊNCIA. - A expropriação de
no cível a sentença penal que rc:oonhccer ter sido o glebas nas quais é encontrado cultivo
ato praticado em estado de necessidade, em legitima de plantas psicotrópicas tem natureza
defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no punitiva, mas independe de ação penal.
exercício regular de direito". Similarmente, inviável Processa-se no juizo cível e deve levar
se ignore o art. 66 da mesma ordenança codicial, ao em conta o principio da proporcionalida-
estabelecer que "nlo obstante a sentença absolutória de. - O desejo de promover a reforma
no juizo criminal, a ação civil poderá ser proposta agníria, com o assentamento de colonos,
quando nilo tiver sido, categoricamente, reconhecida não autoriza violação do Texto Constitu-
a inexistência material do fato".
11 Curso de Direito Administrativo, Malheíros
cional, que detennina a expropriação das
Editores, 4,· ed., pp. 3661367. 18 Direi/{} Administrativo Ordenador, p. 84.
38
glebas onde forem localizadas culturas zou O plantio da maconha. Por isto é que
ilegais de plantas psicotrópicas. e não o INCRA, para desestimular tais cultivos
de toda a área de terras pertencentes ao ilícitos, deve incluir nos titulos de pro-
responsável por aquelas culturas. - O art. priedade que fornece proa cláusula de
243 da CF188 alberga norma auto-aplicá- rescisão automática do negócio jurídico
vel, e assim podia ser aplicado mesmo respectivo".
antes da Lei n. o 8.257, de 26.11.91. e inde- Discordando do entendimento vencedor, o
pendentemente da ação penal" \9. em. Juiz Francisco Falcão argumentou que, não
Em seu luzido voto, colhe-se a passagem decretada a perda integral da propriedade, o
infra: anelo de reforma agrária, visado pelo Constitu-
"A expropriação, como se disse, é inte, esvaziar·se-á totalmente.
punitiva. e por isto há de ser proporcio- Concessa venia, dissentimos deso;e enten-
nal à falta. Aliás, à justiça está sempre dimento. É certo que a refonna agrária, como
ligada à idéia de proporcionalidade. Ima- vísualizada no Estatuto da Terra (Lei n. o 4.5041
ginemos que é encontrada plantação de 64, arts. 1.0, § 1.0, 16,20, I e 21), repousa num
maconha em duas Fazendas. Numa, o conjunto de práticas tendentes à redução gra-
cultivo ilícito está sendo feito em toda a dual não apenas do latifúndio, mas, })OI igual,
área. Na outra, menos de um por cento do minifúndio, considerado corno o prédio rús-
da área está com aquele cultivo ocupa- tico de área inferior ao módulo rural ou a fração
da. Evidentemente não é justo aplicar aos mínima do parcelamento (Lei n.0 4.504/64, art.
dois proprietários a mesma punição, com 4. 0, TIl e IV; Lei n. o 5.868n2, art. 8. 0, § 1.0). Há
a perda total de suas tenas. Se em uma também o óbice do art. 6S do mencionado di-
Fazenda de cinco mil hectares são en- ploma, a impedir que a divisão de imóvel rural
contrados uns poucos pés de maconha, se faça, para qualquer fim de direito, em dimen-
não se justifica a expropriação da área sões àquelas inferiores 2o .
intei ra. O argumento em contrário SÓ en- No entanto, o fato de o imóvel, ou parcela
contraria fundamento na ideologia mar- deste, ser inferior terrritorialmente a tais lindes
xi sta, contrária ao direito de propriedade. não o livra do confisco alvitrado pelo Texto
Diante de um ordenamento jurídico em Magno. A única ponderação a ser feita, no in-
que esse direito é garantido, é inadmissí- tuito de harmonizar a ação administrativa aos
vel. O único caso até agora apreciado pelo institutos vigentes, é a de que o perdimento
TRF da 5.& Região, foi continuada a sen-
terá seu espeque no parágrafo único do art. 243
tença do Juiz que determinou a expropri- da CF, abrangedor de todo e qualquer bem usa-
ação das terras em que se localizavam do a serviço de crime de tráfico de entorpecen-
culturas ilegais de maconha. Foram rejei- te, cuja destinação é diversa da refonna agrária.
tados os argumentos, que eram muitos,
dos proprietários, que pretendiam man- \érificada tal situação, remanescem à União
ter as suas terras. E, os argumentos do dois caminhos, a saber: a) alterar, na forma dos
Governo que pretendia expropriar as Decretos TI. Q162.504/68 (arts. 1.0, 2.0 e 4.0:> e63.0581
áreas totais das propriedades, e não ape- 68 (art. 1.0). a destinação do bem para uma fina-
nas "as glebas onde foram encontradas
culturas ilegais de plantas psicotrópi- 10 Essa proibição - advirta-se - no esteio do de-
cas". como dizem a Constituição e a Lei. cidido pelo Sumo Pret6rio (RE 78.048-SP, I." T., /lC.
É importante observar que naquele caso un., ReI. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ 73/860; RE
não se tratava de grandes Fazendas, mas 87.013-MG e 92.626-7-MG), é absoluta, valendo
de pequenas propriedades. cujos donos, para as transmissões inter vivos e causa mortis. se-
responsabilizados pelo plantio ilegal, re- quer liberando a possibilidade de extinção do condo-
ceberam aquelas terras do Governo do mínio. Por outro lado, a jurisprudência não tem aco-
Estado de Pernambuco assistido pelo lhido pleitos de usucapião de imóveis de vocação
agrária, sob quaisquer de suas modalidades (extraor-
INCRA exatamente em função da refor- dinário, ordinário e especial), quando o lote usucapi-
ma agrária. Assim, pelo menos em rela- endo for inferior ao módulo rural ou a fração mínima
ção a este caso já apreciado, pode-se afrr- de parcelamento. por contrariar o objetivo, de ordem
mar que foi a reforma agrária queviabili- pública. delineado pelo art. 65 do Estatuto da Terra.
Consultar RJTJESP 90/335, 123/226 e 1361300, e
19 Julgamento em 39.94. RT 652/65.
lidade urbana. alienando-o. posteriormente, a 9. Destinatários
terceiros na forma do art. 4.° da Lei n.o 7.5601 Na hipótese do art. 243, caput. os bens con-
86 21 , cuja recepção foi reconhecida pelos tribo- fiscados serão utilizados pela União, em cola-
naise pelo Decreto n.o 577192 (art. 8.°, parágrafo boração com o INeRA, se possível dentro do
único); b) persistindo ~ta intenção de patroci- prazo de 120 (cento e vinte) dias do trânsito em
nar refonna agrária. poderá a União, nos tennos julgado de sentença, na execução de planos de
do art. 15, parágrafo único, da Lei n.o 8,257/91, reforma agrária.
ao depois de agregrar a gleba ao seu patrimô-- Penso que, in casu, aplicar-se-ão, no que
nio, desapropriar a parte restante, escolhendo couber, as normas da Lei n.08.629, de2S.2.93,
entre a desapropriação ordinária por interesse relativas à preferência da área dos assentamen-
social, facultada pelos arts. 5.°, XXI~ da CF, e tos (art. 17), ao modo de alienação (titulo de
2.°, I a 11I, da Lei n.04.132/62, efetivada com o domínio ou concessão de uso, inegociáveis por
pagamento de prévia e justa indenização em dez anos (art. 18), à ordem de preferência para a
dinheiro, ou a desapropriação - sanção regula- aquisição (art. 19, I a IV), proibições para adqui-
da pelo art. 184 da Lei Maior, Lei n.o 8.629193 e rir (art. 20), etc.
Lei Complementar n.o 76/93, caso não existam De observância compulsória também os
as situações constitucionais ou legais estorva· arts. 2 I e 22, da referida lei, ao prescreverem
doras de seu exercicio. que os contemplados assumirão O compromis-
8. O parágrafo único do art. 243 da CF so de explorar pessoalmente, ou através de seu
Eis a dição do prescrltor em epígrafe: núcleo familiar, o imóvel, bem assim que, no
"Todo e qualquer bem de valor eco· inadimplemento das condições assumidas, en-
nômico apreendido em decorrência do tre as quais a de empregar o imóvel na produ-
tráfico iJicito de entorpecentes e drogas ção de alimentos ou medicamentos, poderá o
afins será confiscado e reverterá em be- concedente resolver, de pleno direito, o contra-
neficio de instituições e pessoal especi- to, revertendo em seu favor o bem.
alizados no tratamento e recuperação de Vdl.endo-se ao parágrafo único do art 243
viciados e no aparelhamento e custeio da CF, nota-se que os bens reverterão, ora em
de atividades de fiscalização, controle, beneficio de instituições especializadas no tra-
prevenção e repressão do crime de tráfi~ tamento e na recuperação de viciados, ora na
co dessas substâncias". mantença das atividades de fiscalização, con-
Há, em relação ao caput do art. 243 da Cf, trole, prevenção e repressão dos crimes de trá-
nítida ampliação da providência inicialmente fico de entorpecentes.
arbitrada, no sentido de que todos os bens - e Fica o administrador com a opção de, se
não só as glebas - utilizados como instru~ conveniente ao interesse público, poder utili-
menta ou producta sceleris do tráfico de en- zar as coisas perdidas, no exercicio das ativida-
torpecentes serão confiscados em prol da des elencadas constitucionalmente ou, caso tal
União. Erigiu o nível magno o que continua não aconteça, aliená-las em compasso com O
no art. 34, caput, e § 2.° da Lei n.o 6.368176, art. 4.° da Lei n.o 7.560/8622 , cujo produto inte-
só que com a diferença essencial de o con- grará os recursos do Fundo de Prevenção, Re-
fisco não mais resultar da condenação crimi- cuperação e de Combate às Drogas de Abuso -
nal, mas de demanda específica, disciplina- FlJNCAB.
da, ausente qualquer incompatibilidade, pela Tais recursos serão destinados, enunciam
Lei n.o 8.257/91. os incisos do art. 5.° da lei em exame, nos se-
A qualidade de autor é da União, não sen~ guintes objetivos:
do, à falta de imóveis, imperiosa a citação do
cônjuge da parte ré. "I - aos programas de formação pro-
fissional sobre educação, prevenção, tra-
Versando sobre coisas mobiliárias, entendo tamento, recuperação, repressao, contro-
não subsistir razão para a perícia. le e fiscalização do uso ou tráfico de dr0-
A obtenção do domínio, pela União, é igual- gas de abuso; II - aos programas de edu-
mente, de feição originária. cação preventiva sobre o uso de drogas
de abuso; III - aos programas de escla-
21 TRF, 5.' Reg., 1.' 1., REü 0504902-219O-PE,
ac. un., ReI. Juiz Ridalvo Costa, DJU, Seção n, edi- 22 A lei susomcncionada teve sua execução regu-
ção de 7.6.91, p. 13.069. lamentada pelo Decreto n." 95.650, de 19.11.88.
recimento ao público; IV - às organiza- trópicas não consentido pelo Ministério da Saú-
ções que desenvolvam atividades espe- de. para fins medicinal ou de pesquisa, atingin-
cificas de tratamento e recuperação de do tanto a propriedade quanto a posse;
usuários; V - ao reaparelhamenlo e cus-
. ,c) a inf.lifio do confisco emana de processo
teio das atividades de fiscalização, con- jUdlClal, ajUIzado pela União, perante a Justi-
trole e repressão ao uso e tráfico ilícitos ça Federal, o qual tomará o rito estatuído na
de drogas e produtos controlados; VI - Lei n.o 8.257191;
ao pagamento das cotas de participação d) a Lei n.o 8.257/91, no que conceme à ma-
a que o Brasil esteja obrigado como mem- teriali7.ação do art. 243, caput, da CF, trouxe a
bro de organismos internacionais ou re- lume ação real imobiliária, sendo impositiva a
gionais que se dediquem às questões de
~r~ução ~e prova pericial, concebida para de~
drogas de abuso; VII - à participação de
hmltar as areas afetadas aQ culti.va oombativ<r
e) a movimentação do aparatojudicante d~
representantes e delegados em eventos
realizados no Brasil ou no exterior que
Es~ado, no caso do art. 243, caput, da Lei das
versem sobre drogas e nos quais o Brasil
tenha de se fazer representar; VIII - aos LelS, guarda adstrição ao postulado da propor-
custos de sua própria gestão". cionalidade, de sorte a não abranger as áreas
não vinculadas, direta ou mediatamente, ao
A alienação de tais bens será promovida plantio proibido;
direta ou indiretamente, em hasta pública, pel~
Conselho Federal de Entorpecentes - CüNFEN t) pelo parágrafo único do art. 243 da Lei
pod~ndo, com a devida autorização judicial, se; Maior, assentimento magno para o manuseio
reahzada antes do trânsito em julgado da sen· do poder-dever confiscatório estende-se a todo
tença, desde que se cuide de bens perecíveis e qualquer bem que sirva como instrumento ou
o~ ~e guarda dispendiosa, ficando as impor- produto do crime e tráfico de entorpecente;
tánclas do lanço vencedor, custodiadas em con- g) a aquisição do domínio dos bens enunci-
ta aberta em nome do citado colegiado adminis- ados no art. 243, capul, bem como no seu pará-
trativo e, igualmente, à disposição do Judiciário. grafo único, ambos da Constituição de 1988,
10. Conclusões ostenta color originário, desvinculando-se de
quaisquer encargos constituídos anteriormen-
Ao fim do exposto, conveniente sejam elen- te ao trânsito em julgado da sentença;
cados alguns remates:
h) as coisas confiscadas, ora se destinam à
a) o art. 243, caput, do Diploma Básico, in- execução de planos de reforma agrária (art. 243,
troduziu na órbita jurídica tipo corporificador caput, Cf), ora colimam beneficiar as institui-
de confisco, pois o seu império dá·se sem ne- ções especializadas na terapêutica de viciados,
nhuma compensação financeira; ou na repressão do tráfico de entorpecentes
b) incide sobre imóveis com destinação ru- (art. 243, parágrafo único, CF).
ral, onde constatado cultivo de plantas psico-
41
Ministério Público do Trabalho:
Prerrogativas do ofício são comunicáveis
à sua atuação como parte?
la..t PnAS
sUMÁRIo
r Das diretrizes hermenêuticas, 2, Do argumen-
to da e:mmcialidadr! da imtitllição. 3, Da intimação
pessoal. 4. Da Lei Complementar n. o 75, de 20.5.93.
5. Da questão da nulidade. 6. Da.t conclusões.
...
Barreira legal nos sistemas eleitorais
proporcionais
RICAROO RODRIGUES
sUMÁRIo
1. Introdução
Muitos estudiosos consideram o sistema de
eleição proporcional a alternativa mais próxima
dos princípios fundamentais da representação
política. Para Dieter Nohlen, por exemplo, isso
acontece porque OS sistemas proporcionais "tra-
tam de reproduzir a imagem mais fiel do eleitora-
do, a partir do ponto de vista dos partidos polí·
ticos'" . Segundo Arend Lijphart, os sistemas
eleitorais fundamentados no modelo majoritá-
rio. sejam através de métodos de maioria abso-
luta ou relativa, "são um reflexo perfeito da filo-
sofia majoritária: ganha o candidato eleito pelo
maior número de votantes e o resto do eleitora-
do fica sem uma representação" . Por outro lado,
a intenção básica da representação proporcio-
naI é, precisamente, "evitar este problema com
uma adequada representação das maiorias c
minorias e traduzir adequadamente votos em
assentos parlamentares, impedindo que a re-
presentação dos partidos peque por exígua ou
excessiva"2.
Ricardo Rodrigues é Assessor Legislativo da Não existem fórmulas perfeitas de sistema
Câmara dos Deputados. Cientista político graduado
pela Califomia State University Northridge e mestre I NOHI .EN. Dietl:-T. Sistemas elec!oTll{es de! mun-
em ciência política pela Universidade Federal de Per- do. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales.
nambuco. Entre 1985 e 1994. lecionou no Departa- 1981, p. 363.
mento de Comunicação da Universidade Católica de 2 LIJPHART. Arend. As democracias contem-
Pernambuco. em Recite. porâneas. Lisboa: Gradiva, 1989, p. 201.
51
o partido que obtiver votações inferio- tratavam da cláusula de barreira, não se aplica-
res aos percentuais fixados no item 11 do va às eleições de 15 de novembro de 1986.
parágrafo anterior, hipótese em que se- A promulgação da ConstítuíçAo Federal de
rão consideradas nulas.")2 1988 pôs fim à prática de inserir as exigências
Nota-se que, entre a promulgação das Emen· de barreiras minimas no sistema de representa·
das Constitucionais n. OI 1 e lI, as alterações ção proporcional do Pais, através do instrumen-
nas exigências da barreira minima objetivaram, to da emenda constitucional. No texto final da
taJvcz, um aperlCiçoamento emenosum aumento Cana Magna, os constituintes deixaram claro
no rigor. Afinal, manteve-se a exigência de cin- sua opçao contrária a tal inserção, com a omis-
co por cento do sufrágio nacional e modificou- são deliberada de tais exigências.
se apenas o número de Estados em que sua A discussão acerca da necessidade de bar-
distribuição deveria ser feita. A Emenda n. o 11 reiras oonirnas ou cláusulas de exclusão no sis·
aumentou o número de Estados de sete para tema eleitoral brasileiro só seria retomada do·
nove, embora tenha diminuido o percentual 00- rante a revisão constitucional, de 1994. O Pare-
nimo nestes Estados de sete por cento para três cer n.° 36, de autoria do Relator da revisão pro-
por cento. punha precisamente uma emenda constitueio--
A questão da barreira oonima volta a ga- na! de revisão que alteraria o art. 17 da Consti-
nhar fonna constitucional no Brasil através da tuição, ali inserindo uma cláusula de barreira
Emenda Constitucional n. ° 25, de 1985. Em seu minima. No substitutivo do Relator, o § 2.° do
parágrafo 1.°, a Emenda determinava que "não art. 17 da Constituição Federal seria acrescido
teria direito a representação no Senado Federal da expressão "comprovando o apoiamento de
e na Câmara dos Deputados o partido que não eleitores exigido em lei", passando o dispositi·
obtivesse o apoio, expresso em votos, de 3% vo avigorar com a seguinte redação:
(três por cento) do eleitorado, apurados emelei- "§ 2.0 Os partidos politicos, após ad·
ção geral para a Câmara dos Deputados e distri- quirirem personalidade juridic:a, na forma
buidosem, pelo menos, 5 (cinco) Estados, com da lei civil, requererão o registro de seus
o mínimo de 2% (dois por cento) do eleitorado estatutos no Tribunal SuperiorEleitoral,
em cada um deles"J3. o parágrafo seguinte, con- comprovando o apoiamento de eleitores
tudo, permitia aos eleitos por partidos que não exigido em lei". 35
obtivessem os percentuais exigidos preservar O substitutivo do Relator acrescia ao art.
seus mandatos, "desde que optem, no prazo de 11, ainda, dois parágrafos, um dos quais expli-
60 dias, por quaJquer dos partidos remanesceo- citava as exigências da cláusula de exclusão:
tes"l4. "§ 5. 0 Somente terá direito a repre-
Novamente, vale ressaltar, caíam as exigên- sentação na Câmara dos Deputados o
cias mínimas para OS partidos participarem da partido que obtiver o apoio núnimo de
partilha de assentos parlamentares. Dessa fei- cinco por cento dos votos válidos, ex-
ta, entretanto, a queda acontecia com todos os doidos OS brancos e os noJos, apurados
critérios da fónnula. Isto é, a exigência de cinco em eleição geral e distribuidos em pelo
por cento dos votos da última eleição cai para menos um terço dos Estados, atingindo
apenas três por cento, enquanto se reduz tanto dois por cento em cada um deles."36
a exigência do número de Estados de sua distri- Este parecer, contudo, não chegou sequer a
buição, de 7 para 5, como a exigência deeleito- ser votado. É de se imaginar que. dado seu pa-
rado minimo em cada um desses Estados, de drão conservador de votação, os membros do
três por cento para dois por cento. Congresso Revisor dificilmente promoveriam
Nenhum desses dispositi"os constitucio- mais essa mudança no sistema eleitoral vigen·
nais, porém, chegou a ser implementado. Na te. Afinal, rejeitaram a proposta para estabele-
Emenda Constitucional n. o lI, de 1978, o art. cer o voto distrital misto e a reeleiÇflo para os
217 excetuava de sua incidência as eleições de cargos executivos.
15 de novembro de 1982. Da mesma forma, a Com relação às emendas constitucionais an-
Emenda Constitucional n.o 25, de 1985, detenni- teriores à revisão, vale salientar que, à exceçlo
nava em seu art. 5,° que o disposto nos pará-
grafos I.°e l.odo art. 152 da Constituição, que n CONGRESSO REVISOR. RELATORIA DA
REVISÃO CONSTITUCIONAL. Pareceres produ-
l1 Ibid, p. 153. zidos (histórico) Brasília: Senado Federal, 1994, tomo
n Ibid, p. 155. n, p. 203.
14 Ibid. lO Ibid.
52
da Emenda Constitucional n.o 25, de 1985, pro- das circunscrições eleitorais estaduais, se os
mulgada durante o governo civil de José Sar- Estados forem estabelecidos como colégios elei-
ney, em plena transiçilo democrática, todas as torais, ou para o conjunto do país, se for insti-
emendas que abordaram a barreira mínima na tuído um colégio nacional único para eleição da
eleição proporcional brasileira foram geradas Câmara dos Deputados. constitui uma exigên-
pelo governo militar. Esse fato, por si SÓ, já era cia fundamental que, realizada. asseguraria ao
razão suficiente para tornar tais propostas ques· mesmo tempo maior rigor e efetividade à repre-
tionâveis para as lideranças políticas que se sentação proporcional numa república federa-
opuseram ao regime autoritário. Afinal, durante tiva como o Brasil".o.
esse período, quase todas as propostas de al- Em resumo. acreditam os simpatizantes da
teração na legislação eleitoral representavam, cláusula de barreira que sua aplicação no siste·
em parte, manobras governistas no sentido de ma proporcional brasileiro viria a fortalecer os
garantir seu respaldo parlamentar37 • partidos políticos. hoje enfraquecidos pela prá-
5, Implicações do estabelecimento da clá- tica do voto personalista. erradicaria as chama-
usula de barreira nas eleições proporcionais das "legendas de aluguel", e contnbuíría para a
brasileiras govemabiJidade no país.
Até que ponto a introdução de uma cláusu- Para os críticos da cláusula de exclusão no
la de exclusão na normatização das eleições pro- Brasil, por sua vez, não há razão para sua apli-
porcionais melhoraria a eficácia do sistema elei- cação no país. Leôncio Martins Rodrigues. por
toral brasileiro? A resposta a esta indagação exemplo, afirma que o pluripartidarismo extre-
não é simples. Em todos os países que adotam mado não representa um obstáculo à constitui-
tal dispositivo, a cláusula de barreira apresenta ção de maiorías duradouras de apoio ao execu-
tantos pontos positivos como limitações. Em tivo. Segundo ele, "os pequenos e os micropar-
geral, a aceitação da cláusula pelos legislado- tidos não contam. A soma das poltronas dos
res de determinado país demonstra que, pelo pequenos e micropartidos representaria cerca
menos, do ponto de vista daquela sociedade, de dez por cento da Câmara Federal". Martins
os ganhos com a inserção da cláusula na legis- diz ainda que, "apesar da alta fragmentação, o
lação eleitoral suplantaram os prejuízos. Trata- coeficiente de polarização ideológica não é tão
se de uma decisão consciente de limitar o aces- elevado como, por exemplo, no período de Gou-
so de partidos menores ao centro das tomadas lart. Portanto, há possibilidade de governar na
de decisão. base do consenso"4l.
Para os advogados da cláusula de exclusão Renato Lessa é bem mais ferrenho em sua
no Brasil, "não se justifica a representação, na crítica à barreira mínima, chamando-a de "um
Câmara dos Deputados, de um partido que não poderoso componente do paradigma da irres-
tenha obtido apoio de significativa parcela do ponsabilidade social máxima". Ele comenta que
eleitorado, como reflexo do interesse desperta- uma cláusula de exclusão da ordem de cinco
do por suas propostas"38. Scott Mainwaríng, por cento deixaría tanto a Câmara dos Deputa-
por e:,<emplo, acredita que o fato de o Brasil não dos eleita em 1990 como a eleita em 1994 com
contar com uma cláusula de barreira é a princi- apenas oito partidos. Segundo ele. "se a cláu-
pal razão para o país ter ''um número exagerada- sula de exclusão de cinco por cento fosse apli-
mente alto de partidos no Congresso, especial- cada nas eleições de 1982 e 1986, teríamos, res-
mente para um sistema presidencialista. A au- pectivamente, dois e três partidos na Câmara
sência de uma tal barreira à entrada facilita o dos Deputados" 42.
processo de mudança freqüente de partido por- Como a tabela I demonstra. os dados de
que rninimiza os riscos de formação de partidos Lessa não estão errados. Entretanto, o autor
personalistas através da reunião de pequenos não explica de que maneira a coexistência de
grupos dissidentes"39. dezenove partidos seria melhor para o desem-
José Giusti Tavares acredita que "a introdu- penho do Poder Legislativo. comparada com a
ção de uma cláusula de exclusão uniforme em coexistência de apenas oito. Lembremos aqui,
todo o país, definida por um percentual de cer- que muitos desses pequenos e micropartidos
ca de cinco por cento dos votos para cada uma sequer ganharíam acesso ao Parlamento se não
fosse pelo instrumento da coligação partidáría.
]1MAINWARING, Scott. Ibid, p. 40.
liVer CONGRESSO REVISOR. RELATORIA 40 TAVARES, José A. Giusti. Ibid, p. 46.
DA REVISÃO CONSTITUCIONAL. Ibid, p. 206. 41 RODRIGUES, Leôncio Martins. Ibid.
]9 MAINWARING, Scott. Ibid, p. 42. 41 LESSA, Renato. Ibid.
De fato. a questão da coligação de partidos sobre os resultados eleitorais. No caso da cláu-
é outro assunto que merece atenção quando se sula de barreira incidir exclusivamente nos re-
discute reforma eleitoral. Não são poucos os sultados de cada partido individualmente, as
beneficios granjeados por pequenos e inexpres- coliga«les serviriam apenas JIlI3 fonnalizar apoi-
sivos partidos através da coligação, sobretudo os interpartidários e para fins de quociente elei-
em relação ao quociente deitoral. Este fato pode toral. Caso não atingisse a barreira núnima, o
ser ilustrado pelo desempenho do PP no Esta- partido ficaria de fora da partilha de assentos,
do de Pernambuco nas eleições de 1994 para a apesar do quociente atingido por sua coIigar;;lo.
C!mara dos Deputados. Com apenas um candi- Concluindo, não existe consenso quanto à
dato recebendo mais de quarenta mil votos, o eficácia da cláusula de barreira. Certamente. nIio
partido. naquele Estado, naoteriaa menorchan- constitui um remédio infaltvel para todos os
cc de assegurar um assento no Parlamento. males do sistema deitoral brasileiro, nem mes-
Entretanto. como o partido pertencia à coliga- mo o único remédio possível. Muitos púses que
ção PF1.lPSDB. pode beneficiar-se do grande adotaram este instnunento tiveram que. através
número de votos recebidos por outros partidos dos anos, aprimorá-lo para que dele pudessem
da coligaçlo e garantir a presença de um depu- extrair o máximo em tennos de beneflcios. Outros
tado na amara. países preferiram deixar tal instrumento de fora
Por outro lado, um candidato expressivo de seus sistemas de representação proporcionaI
num partido sem uma coligação forte corre o e. aparentemente, nao sentem sua falta.
risco de não se eleger. Este foi o caso do ex- A discussão desse tema no Brasil, por oca-
deputado Paulo Octávio, do PRN de Brasília. sião da revisão constitucional. representou um
nas eleições para a Câmara de 1994. Como seu forte indicativo da preocupaçao dos legislado-
partido não se coligou., seus mais de 45 mil vo- res brasileiros com OS defeitos do atual sistema
tos simplesmente nao foram suficientes para re- de eleição proporcional. Transformar preocu-
conduzi.-loao Parlamento. pação em ação efetiva, contudo, é o grande
A cláusula de barreira certamente pode con- desafio dos parlamentares.
tribuir para minorar o impacto das coligações
Tabela 1- Eleições para a Câmara dos Deputados, 1990
ARNOlOO WALD
•
As pessoas vinculadas, direta ou indiretamen- giu um novo ingrediente, que ensejou o cresci-
te, pelo trabalho ou pelo investimento, ao mer- mento do movimento das bolsas: foi a interna-
cado e seus dependentes econômicos repre- cionalização liderada pelos fundos de captação,
sentam cerca de 100/0 da nossa população. tanto de dinheiro novo, como de créditos exter-
13. Por outro lado, não tem aumentado o nos convertidos em investimentos. Assim mes-
número de sociedades abertas e o seu cresci- mo, no plano internaciortal, verificou-se ser o
mento, nos últimos anos, tem sido lento e rela- nosso mercado relativamente incipiente pelas
tivamente pouco expressivo em relação às ne- suas dimensões. Basta lembrar que, se das mil
cessidades de recursos das empresas brasilei- maiores empresas brasileiras só 33% são de
ras. De fato, as companhias abertas represen- sociedades abertas, se conseguíssemos que as
tam cerca de um terço do patrimônio das mil mil maiores empresas brasileiras fossem todas
maiores empresas do país, e o crescimento do abertas, a capitalização em bolsa deveria alcan-
mercado, em virtude do ingresso de novas enti- çar cerca de quinhentos bilhões de dólares,
dades, tem sido reduzido. Chegou a haver um passando a corresponder, a grosso modo, ao
decliIÚo no número de empresas abertas e gran- nosso PIB.
de parte das emissões foram feitas em debêntu- 17. Feito de modo muito sumário o diagnós-
res que, embora constituindo um titulo útil e tico, que não é novo, mas não deixa de ser im-
fecundo para o crédito a longo prazo, não se pressionante, caberia examinar o que se pode
enquadram no rol das participações acionárias mudar rapidamente para que o mercado deixe
e não criam um vínculo societário de solidarie- de trabalhar em circuito fechado, exclusiva ou
dade entre os debenturistas e a sociedade. predominantemente, no interesse dos especu-
14. Em determinados momentos, os merca- ladores, para vir a favorecer mais as empresas,
dos de opções e de futuros chegaram a sofrer seus empregados, os investidores e a econo-
certas distorções, deixando de exercer uma fim- mia nacional. Trata-se de encontrar uma fórmu-
ção complementar de garantia (hedging) em re- la para que parte importante dos recursos da
lação ao mercado à vista, para criar um clima de poupança interna e externa seja encaminhada
pura especulação, sem vantagem específica para para o mercado acionário produtivo, em vez de
as empresas industriais e comerciais que abri- serem tais recursos mantidos em operações fi-
ram o seu capital e participam do mercado. nanceiras de curto prazo.
15. A excessiva concentração nas negocia-
ções faz também com que, na realidade, nem 18. Após o exame do mercado de capitais,
todas as sociedades abertas tenham a liquidez cabe salientar a importância da missão que nele
que se presume para empresas cotadas em bol- pode e deve desempenhar a previdência priva-
sa ou transacionadas no mercado de balcão. da no momento em que se cogita da Refonna
Talvez sejamos um dos países de maior con- Constitucional. Efetivamente, além de comple-
centração nas operações em bolsa consideran- mentar a previdência social, que está pratica-
do que, na última década, nos períodos de mai- mente falida em todos os países, a previdência
or desconcentração, a grosso modo, três ações privada está sendo e pode ser, com muito maior
representavam cerca de 40% do movimento, cin- desenvoltura, a fonte básica não SÓ de financi-
co ações concentraram mais de 50% e 60% das amentos de longoptazO, mas também t\erecm-
50S que poderão representar uma maior partici-
negociações, cinqüenta ações corresponderam
a quase 80% e cem ações alcançaram a ordem pação efetiva nas sociedades abertas e até nas
de 90% das operações em bolsa. Assim. pode- chamadas empresas emergentes, que merece-
mos afirmar que o movimento normal nas bol- ram recentemente a criação de fundos especi-
sas não abrange mais de cento e cinqüenta ou ais autorizados a funcionar pela CVM. Trata-se
duzentas ações, enquanto, no mercado de bal- de uma forma de capital venture, que se carac-
cão, são poucas as ações movimentadas de teriza pela possibilidade de capitalizar e desen-
modo contínuo. volver pequenas e médias empresas de boa tec-
nologia para que, em seguida, seja aberto o ca-
16. Aprimeira fase do mercado acionáM se pital das mesmas.
desenvolveu em virtude dos incentivos fiscais, 19. A relevância do papel da previdência
que atualmente desapareceram ou estão em fase privada no mercado de capitais decorre de sua
de extinção ou de substancial redução. A partir estrutura que a obriga a raciocinar, investir e
de 1988, com a criação do Fundo Brasil nos aplicar no longo prazo, ao contrário do que
Estados Unidos e os leilões da conversão, sur- acontece com a maioria dos acioIÚstas, tanto
•
controle da Perdigão e em algumas privatiza- nárias estão entre as mais negociadas em bol-
ções, como a da Aeesita. sa, e nelas as entidades da previdência privada
31. Além de uma mudança do espírito e da podem ter uma importante participação acionâ-
política empresarial, que decorre da perenidade ria, tanto mais que, em virtude de principio cons-
dos fundos de pensão e da sua visão de longo titucional e legaI, as tarifas devem assegurar a
prazo, está, assim, ocorrendo uma intervenção compensação do capital investido, garantindo
na gestão empresarial que libera as sociedades o equilíbrio ecoIlÔmico-financeiro da empresa no
de preocupações imediatistas, permitindo que qual está incluido o direito a um lucro razoável.
realizem mais adequadamente a função social 35. Em todo o Brasil, a concessão de obra
que a legislação societária lhes atribuiu expres- está sendo utilizada e desenvolvida, sendo con-
samente (art. 154 da Lei n.o6.404n6). siderada pelo Presidente eleito, Fernando Hen-
32. Efetivamente, na gestão da empresa. es- rique Cardoso, como a mola mestra da nova fase
tamos agora encontrando além dos administra ~ econômica na qual entra o pais, com um sério
dores profissionais, equipes de especialistas déficit de infra-estrutura e a ausência de recur-
independentes que trazem à sociedade a sua sos financeiros para investir em obras e servi-
experiência externa em detenninados setores de ços, que são necessários e abrangem desde o
atividade e, ainda, os representantes da pou- fornecimento de eletricidade e de água até o
pança coletiva, entre os quais se destacam os transporte, as telecomunicações, o saneamen-
da previdência privada. to, as estradas de rodagem etc...
33. Resumindo uma evolução do direito so- 36. Já existem leis estaduais na matéria no
cietário que estamos encontrando em todos os Rio de Janeiro e em São Paulo, e a legislação
países do mundo, o Professor André Tunc as- federal acaba de ser promulgada. Mas a con-
sinala que está ocorrendo uma nova fonnula- cessão já entrou na vida administrativa, em re-
ção na estrutura da gestão empresarial. Se inici-
lação ao lixo no Municipio de São Paulo, às
aImente tivemos o comando exclusivo dos aci- estradas de rodagem nos Estados de São Paulo
onistas controladores nas grandes empresas, e do Rio de Janeiro, à manutenção da Ponte
foram eles, aos poucos, substituidos pela tec- Rio-NiteTÓi e ainda em inúmeras ouuas ativida-
nocracia dos administradores, a chamada "tec- des. Cabe lembrar que o recente eurotúnel - a
no-estrutura", cuja prepotência foi analisada maior obra de engenharia do século - somente
nos Estados Unidos, desde Adolph Bede até foi construido em virtude da utilização da técni-
John Galbraith. Posteriormente, os take over ca jurídica da concessão.
bids - ofertas públicas de compra de ações ou 37. Ora, as concessões exigem in'lestimen-
assunções não consensuais do controle - en- tos de longo prazo cuja rentabilidade não é ime-
fraqueceram os poderes pessoais dos adminis- diata, pois pressupõe a construção de obras
tradores, sem prejuízo de lhes oferecer eventu- que, somente quando terminadas, ensejarão a
ais "pára-quedas dourados", que adoçavam a possibilidade de distribuir dividendos. E, pois,
sua queda, enquanto se inventavam pílulas uma área privilegiada para a atuação da previ-
envenenadas para dissuadir os eventuais com- dência privada, e em particular das entidades
pradores do controle. Agora, os principais aci- de previdência fechada, que estão estudando
onistas dinâmicos já são os fundos de pensão, com as autoridades a viabilidade de institucio-
os órgãos da previdência privada, que partici- nalizar este tipo de investimento.
pam do controle com os fundos mútuos, mas 38. Também as privati7BÇÕeS, que devem ser
têm sobre eles a vantagem de ter tempo e se reiniciadas tanto no plano federa1- com as pro-
caracterizam com lD11a visão empresarial de lon-grnrnadas vendas das ações da Excclsa, do Ban-
go prazo, até por terem obrigações que se ven- co Meridional e da Light -, quanto em vários
cem num futuro mais remoto. Estados, podem ensejar a utilização de impor-
34. Estamos numa fase em que se cogita, em tantes recursos dos fundos de pensão, seja no
virtude de recente legislação, de concessões caso de privatização total ou até de privatiza-
de obras e em que já várias delas estão sendo ções parciais, que poderão vir a ocorrer, ou em
objeto de licitação, sendo evidente a necessi- parcerias de empresas privadas com entidades
dade de capitais que possam ser remunerados governamentais, nas áreas de monopólio que
a longo prazo, com UIl13 carência corresponden- admitem a utilização de recursos privados para
te à fase de construção e implantação do proje- determinadas finalidades, ou com a esperada
to. Em todos os paises, as empresas concessio- "flexibilização", que deverá permitir maiores in-
sUMÁRIo
l. Introdução. 2. O ilícito penal 3. Por que se
pune? 4. As prisões. 5. A prestação de serviços ti
comunidade. 6. Conclusão.
I. Introdução
A sociedade busca a harmonia e a paz entre
seus membros e, assim, estabelece uma série de
normas de comportamento, fruto da experiên-
cia, do convívio, do que é bom e justo para
todos. Algumas dessas regras de conduta, em
face de sua importância, são impostas coativa-
mente pelo Estado, mediante lei, e, desse modo,
temos as noonas jurídicas. Violadas essas nor-
mas, temos o ato ilícito, ou seja, a prática de
uma ação contrária a uma regra jurídica, regra
que foi estabelecida e imposta pela sociedade,
como essencial à boa convivência. A violaçãO
da norma juridica dà lugar à sanção. Sanção
essa que pode ser civil (como o ressarcimento
do dano, a execução forçada, a restituição em
espécie) ou penal. A sanção penal, como já se
disse, é o meio mais enérgico, quando outro
tipo de sanção não deu certo ou foi insuficien-
te. O crime é a ameaça mais grave, mais séria, à
integridade, à paz e à estabilidade social, ao le~
sar ou ao expor a perigo um bem juridico tido
como importante, valioso, para todos os mem-
bros da sociedade, como a honra, a vida, a li-
berdade, a moralidade, a integridade física, o
pudor, a incolumidade pública, o patrimônio etc.,
e que por isso mesmo pode causar grave de-
sordem, daí por que determinados bens são
protegidos pela lei penal. Violado o coman-
do de uma norma penal, a conseqüência será
Fernando da Costa Tourinho Neto é Juiz do Tri- uma punição mais severa, a pena. Ao crime,
bunal Regional Federal da I.' Região. segue-se a pena.
Br..n'_ •. 32n. 128 __Jjun. 1N5 83
2. O iIlcito penal um animal silvestre? A lei que dispOe sobre a
Como O ilícito penal é punido com mais se- proteção à fauna assim prevê. Ou que um beijo
veridade, imagina-se que o direito penal pode lascivo, àforça, seja punido com pena de reclu-
resolver todos os conflitos que a sociedade, são que varia de seis a dez anos? (Código Pe-
mediante a aplicação de sanção civil, não resol· nal, art. 214).
veu. ou que resolveria com amplas e profundas A pena há de ser moderada e proporcional
reformas sociais. Com acerto e perspicácia, dis- ao dano causado ia sociedade, para poder ser
se Norberto Spolansky (O delito de posse de justa e alcançar seu desiderato, seu objetivo.
entorpecentes e as ações privadas dos homens, Observem: o motorista que, em altavelocidade,
in: CademosdeAdvocaciaCriminal, v. 1, n. 5, no tráfego urbano, atropela e mata, é punido
Sérgio Antônio Fabris Editor, novembro de com pena de det~, cujo núnimo é de tres
1988, p. 102): anos e o máximo de seis (Código Penal, art. 121,
"Existe uma visão ingênua e mágica § 3.'. E o que mata o passarinho...
segundo a qual com o Direito PenaI se "La gente cree que la pena termina
pode resolver todo tipo de problemas; con la saJida de la cátceJ, y no es vemad;
desde a proteção da vida até a soluçl1o la gente cree que el ergástulo es la única
da inflaçiJo. Esta é a visão ingênua e pena perpetua. y no es verdad. La pena.
mágica do Direito Penal e do Poder do si no propiamente siempre, en nueve de
Estado e pressupõe a idéia de que toda a cada diez casos, no termina nunca. Qui-
eficácia está sempre assegurada quando en ha pecado está perdido. Cristo perdo-
o Estado atua," (grifei.) na, pero los hombres no.. ," (Francesco
Carnelutti, Las miserias dei proceso pe-
E mais. A sociedade acredita que toda pena nal,1959,p.126,apudCe?arRobenoBi-
se resume em cadeia. Se O delinqüente, conde- tencourt, in "Crise da pena privativa de
nado, não foi para a prisão, entende-se - e a liberdade", Revista do MinMjrio Públi-
imprensa para isto muito contribui - não ter co do Rio Grande do Sul, n. 31, Ed. lU,
havido punição, ainda que a infração praticada 1994,p.215).
tivesse sido levíssima, Ajustiça só se realiza,
de acordo com esse entendimento, se o infrator 3. Por que se pune?
vai para o xadrez. A justificativa da pena estaria na retribui·
Triste e infeliz equívoco. Não é a severida- çIo do mal pelo mal, isto é, a razlo da pena
de da pena nem sua ferocidade que intimidam. estaria no pecado - qu;a peccatum? Ou pune-
Há aqueles que, inclusive, jamais se intimidam, se para que não se volte a pecar - ne peccetur?
daí a proposta da pena de morte, defendida por Ou pune-se porque se pecou e para que Dlo se
alguns. E a certeza da puniçAo e a rapidez na volte a pecar e, também, para que outros do
aplicação da pena que funcionam como fator venham a pecar?
de inibição da pJátiat de crime, e não o rigor da Na verdade, a pena não é só castigo (seria
pena, se a impunidade é o que prevalece. Em uma vingança? -lembremo-nos de que a crian-
meados do século XVIII, Beccacia (Dos delitos ça bate no objeto que lhe causa uma dor). Tal-
e das penas, Atena Editora: São Paulo, 4.- 00., vez. em essência, esta seja sua maior carga -
p. 111) já percebera que: fazer sofrer quem causou um mal·, apaziguan-
"Não é o rigor do suplício que previ- do, desse modo, a revolta, a indignação públi-
ne os crimes com mais segurança, mas a ca. Dizia Durkheim (apud Alberto 2acharas
certeza do castigo, o zelo vigilante do Toron, Prevenção, retribuição e criminalidade
magistrado e essa severidade inflexível violenta (o Tao do direito penal) in Livro de
que só é wna virtude no juiz quando as EstudosJurldicos, v. 7,IEJ, 1993, p. 421) que:
leis silo brandas. A perspectiva de um "A sociedade 'pune, não porque o
castigo moderado, mas inevitável, cau- castigo lhe ofereça por si só próprio al-
sará sempre uma impressiJo mais forte guma satisfação, mas para que o temor
do que o vago temor de um supllcio ter- da pena paralise as más vontades·.,..
rlvel, em relaçlJo ao qual se apresenta A pena é, igualmente. instrumento de pre-
alguma esperança de impunidade." venção geral (intimidação geral), fazendo que
Pode-se conceber que o matuto seja con- só a ameaça de sua aplicação afaste o desejo de
denado à pena mínima de dois anos por matar cometer-se ocrime. Disse Garófalo (Crimino/~
gia, SP, Teixeira & Innão-Editores: São Paulo,
... 1I• .,••t. fi• • nlor....... L.....",'''.
1893, pp. 215/216): eles nem a sociedade sofram danos maiores, e
"A imoralidade e os instintos crimi- possam eles cumprir suas obrigações para com
nosos são muito mais comuns do que se sua família e para com a vitima ou a lamilia
pensa; é necessário, pois, que o sistema desta. Em 1976, dizia o grande penalista Rober-
penal seja de natureza a anular as vanta- to Lyra (in Prefácio no livro de Sérgio de Andréa
gens do crime e a fazer seguir uma con- Ferreira, A técnica da aplicaçilo da pena como
duta honesta, senão por sentimento, ao instrumento de sua individualização nos Códi-
menos por cálculo. gosde 1940e 1969, Forense, RJ, 1977, p. lI):
"Há de unir-nos uma mensagem bra-
Tem a pena, outrossim, a ação de pre- sileira de ação contra o crime que não
venção especial, ou seja, tem por finali- prejudique no presente a sociedade, a
dade impedir que o criminosovolte a co- família (do criminoso e da vítima) e não
meter novo delito. A pena, nessa última ameace o futuro com a reincidência cau-
hipótese, reeducaria o delinqüente, rea- sada pela promiscuidade nas prisões e
justaria sua personalidade, tomando-o pelo martírio dos egressos."
apto para a vida em sociedade."
S. A prestação de serviço à comunidade
4. As prisões
Ante os maleficios, a pemiciosidade, da pri-
É sabido por todos que as prisões, em face são por um curto espaço de tempo, o legislador
da superlotação, promiscuidade, da insensibili- de 1984, mediante a Lei n.o 7.209, deu autono-
dade moral dos demais presos e dos carcerej- mia a determinadas penas restritivas de direito,
ros, embrutece, revolta, cria outros vicioso E, penas que restringem a liberdade, mas não a
por estas razões, na verdade, uma escola de privam. São elas:
pós-graduação do delinqüente, quebrando o
último vinculo que o prendia à vida social, como a) a prestação de serviços à comunidade;
cidadão, tomando-o um celerado. A prisão, b) a interdição temporária de direitos; e
deste modo, ao invés de devolver à sociedade c) a limitação de fim-de-semana (Código
homens ressocializados, corrigidos, devolve Penal, art. 43).
homens revoltados, insensíveis, perigosos. São penas autônomas, substitutivas, e não
Ademais, como observou Míchel Foucault (Vi- acessórias.
giar e punir, trad. Raquel Ramalhete, 11. a 00.,
~zes: Petrópolis, 1994, p. 236):
As penas restritivas de liberdade substitu-
em as privativas de liberdade. Logo, o juiz apli-
"... a prisão fabrica indiretamente delin- ca a pena de prisão e, em seguida, a substitui,
qüentes, ao fazer cair na miséria a família se ocorrerem as seguintes condições:
do detento: A mesma ordem que manda a) a pena privativa de liberdade aplicada. se
para aprisão o chefe de fanúlia reduz cada o crime for doloso, deve ser inferior a um ano;
dia a mãe à penúria, os filhos ao abando- entendo que deveria ser até um ano, e não infe-
no, a familia inteira à vagabundagem e à rior a um ano, uma vez que a pena aplicada é, na
mendicância. Sob esse ponto de vista o maioria das vezes, de um ano, e assim, abrange-
crime ameaça prolongar-se." ríamos um maior número de condenados que
Sim. A prisão é um mal. Mas para os crimi- prestariam serviços à comunidade; se culposo,
nosos perigosos (imaginem~se os de altissima a pena pode ser igualou superior a um ano,
periculosidade, aqueles irrecuperáveis - dizem mas, nessa hipótese, devem ser aplicadas duas
que não existe criminoso irrecuperável!), não penas restritivas, desde que exeqüíveis ao mes-
há outra solução. Disse Foucault (Vigiar e pu- mo tempo, ou uma pena restritiva e mais multa;
nir, p. 208): b) não ser o réu, tanto no caso de crime doloso
"Conhecem-se todos os inconveni- como culposo, reincidente; c) a culpabilidade,
entes da prisão, e sabe-se que é perigosa os antecedentes, a conduta social e a persona-
quando não inútil. E entretanto não ve- lidade do acusado, bem como os motivos e as
mos O que pôr em seu lugar. Ela é a de- circunstâncias do crime indicarem que essa
testável solução, de que não se pode substituição é suficiente. (Código Penal, art. 44.)
abrir mão." Decidiu a la Câmara do Tribunal de Alçada do
Ora, assim sendo, os delinqüentes não-pe- Rio Grande do Sul que, "nos crimes culposos,
rigosos, condenados a pena de curta duração, descabe a substituição da pena privativa de li-
não devem ir para a prisão, a fim de que nem berdade por restritiva de direito quando as con-
•
zipienlhr. 1911, v. Iv, pp. 214-215), em gerai em- sa da que prevaleceu no Código de Processo
prega-se de preferência a linguagem técnico- Civil de 1974. Sobre o procedimento do recurso
jurídica no direito público, de modo que, caso extraordinário vigia o artigo 863 do Código de
surja diversidade de significações num mesmo Processo Civil de 1939, alterado pela Lei n.o 3.396,
vocábulo. o hcnneneuta, entre a expressão ci- de 2 dejunho de 1958, substituída, em 1974,
entífica e a vulgar, deverá preferir a primeira." pelo artigo 541 do Código de Processo Civil,
(Alípio Silveira, 00. cit.. p. lI). com vigência até o advento da Lei n.o 8.038, de
No texto constitucional- como no disposi- 28 de maio de 1990, cujo artigo 44 os revogou.
tivo sob investigação - não há nenhum indicio, Com efeito, o artigo 863 do Código de Pro-
por mais leve que seja, (como exemplo, a cone- cesso Civil de 1939 tinha a seguinte redação:
xão com outros palavras do artigo ou do capítu- "Art. 863. Dasdecisãesproferidasem
lo. o uso de palavras. no mesmo capitulo, com única ou última instância, caberá recurso
significações diversas, etc.) de que se possa para o Supremo Tribunal Federal, nos
inferir que o termo causa tenha sido emprega- casos previstos no artigo 101, m, letras
do, pelo legislador, em sentido equivalente ao a e d, da Constituição." (Sem grifo no
de questão ("questão é usada significando cau- original.)
sa, demanda. litígio. pelovulgo"). Com a promulgação da Lei n.o 3.396158, cita-
Se o constituinte pretendesse conferir ao da, o artigo 863 da antiga Lei do Processo pas-
preceito um conteúdo mais amplo, seria bas- sou a ter a redação a seguir:
tante escrever: 'julgar, em recurso especial, as "Art. 863. Caberá recurso extraordi-
questões decididas, em única OU última instân- nário para o Supremo Tribunal Federal
cia, pelos Tribunais" , sem nenhuma dificulda- das decisões proferidas, em única ou úl-
de semântica e sem prejuízo algum à clareza e tima instância, pelos Tribunais da União,
perfeição do texto. A presunção, portanto, em dos Estados, do Distrito Federal e dos
tema de redação constitucional, "é a de que o Territórios, nos casos previstos na Cons-
legislador exprima-se em termos técnicos, evi- tituição FetJeral." (Sem grifo no original.)
tando OS vulgares", adotando a denominação
juridico-científica de "causa", quando, no con- Já o artigo 541 do atual Código de Processo
texto, cuidou de matéria de natureza, também Civil estabeleceu:
técnica qual seja, a criação e as hipóteses de "Art. 541. Caberá recurso extraordi-
cabimento do recurso especial e a fixação de nário para o Supremo Tribunal Federal
competência de um Tribunal de instância derra- das decisões proferidas por outros Tri-
deira. bunais, nos casos previstos na Consti-
2. Antes de tentarmos, a seguir, uma inter- tuição da República." (Sem grifo no ori-
pretação integrada mediante a demonstração da ginal)
correlação entre a "expressão constitucional" e Como se observa, ao tempo da formação
o sistema de recursos, no Código de Processo jurisprudencial da Suprema Corte, segundo a
Civil em vigor, é oportuno expender algumas legislação vigente, "cabia recurso extraordiná-
palavras sobre a jurisprudência que se formou, rio das decisões proferidas por outros Tribu-
no Supremo Tribunal Federal, acerca do tema. nais". O substantivo decisões tinha, no Código
Tenhamos presente, desde logo, que os ares~ de 1939, abrangência maior, ooepção muíto mais
tos do Excelso Pretório atribuindo um elastério dilargante, compreendendo, até qualquerjulga-
maior ao vocábulo causa, no texto constitucio- mento: acórdão, sentença, despacho. Até mes-
nal, foram proferidos nos anos de I % I, I%5 e mo as decisões, em sentido lato, dejuiz de pri-
1967 (Recursos Extraordinários n.'" 53.124 e meiro grau (sentenças ou despachos) poderi-
57.728 e Agravo de Instrumento n.o 24.434). am ser objetodoextnlOIdinário (artigo 863),
Não tenho, é evidente, nem o pejo, nem a O Código de Processo Civil de 1913 usou
ousadia de discordar do entendimento firmado, de igual expressão: "das decisões proferidas
na egrégia Suprema Corte, na década de 60. por outros Tribunais" (artigo 541), em antino-
Naquela época, ele se justificava, tanto é que mia, aliás, com os artigos 162 e 163, que fazem
prevaleceu, com o aval de conspícuos juízes e nitida distinção entre acórdiJo, sentença, deci-
juristas. Era outro o Código de Processo Civil são (interlocutória) e despacho. Não restava,
(o de 1939), com uma sistemática recursal díver- pois, ao Supremo Pretório, na prevalência des-
74
Consulta e parecer
78
Ora, da simples circunstância de ser bémnão;
controlável pelo Judiciário - e disso não c) onde não há o dever jurídico
há como escapar, à vista do princípio da específico, não há transgressão e
universalidade da jurisdição (art. 5.°, conseqüentemente não há sanção;
XXVlO) - já se vê a impossibilidade de a
ele, Judiciário, voltar-se uma requisição d) é impossível, juridicamente impos-
(por qualquer dos outros órgãos esta- sível, órgão ou agente do Judiciário co-
tais) concernente a suas funções juris- meter o crime previsto no art. 10 da Lei
n.o 7.347185."13
dicionais.
16. No caso em exame, a forma utilizada para
Aliás, se os próprios órgãos da so- a obtenção das informações atenta contra a le-
berania nacionaJ - postos constitucio- tra e o espírito da Constituição no que concer-
nalmente no vértice das instituições e ne à independência e à autonomia do Poder
investidos diretamente pelo titular da Judiciário (art. 2.~.
soberania, o povo - não podem dirigir
injunções ou requisições ao Judiciário, A nova Carta Política brasileira destaca o
com maior razão não poderá fazê-lo ou- Ministério Público no quadro da organização
tro órgão ou agente, por mais quaJifica-
dos poderes do Estado, ao lado do Executivo,
do que seja."ll do Legislativo e do Judiciário, e não mais inclu-
ido no primeiro, assim como estabeleciam as
14. Em outra passagem de seu Parecer - as- Constituições anteriores (1934, 1946 e 1969).
sinado em 3 de fevereiro de 1992 - Geraldo Ata- Desapareceu, portanto, aquela relação de su-
Iiba destaca: bordinação que atrofiava as possibilidades de
"Se Legislativo e Executivo são ór- ação institucional. Com muita propriedade, Pon-
gãos da soberania nacional, traduzida na tes de Miranda, à luz do texto constitucional
Constituição, e ~m mesmo não podem de 1969, afirma que o Ministério Público "é
praticar ato de aplicação normativa um dos ramos heterotópicos do Poder Exe-
relativamente ao Judiciário, não podem cutivo (... )"14.
formular-lhe, por isso mesmo, raprisição, A propósito das considerações acima e an-
com maior razão não pode fazê-lo o MP, tes mesmo do advento da Carta de 1988, Hely
órgão constitucional autônomo, mas não Lopes Meirelles incluiu os membros do Minis-
designado diretamente pelo povo, nem tério Público em posição de equivalência aos
detentor da qualidade de órgão de sobera- demais agentes pollticos, como os chefes do
nia., Poder do Estado." 12 Executivo (Presidente da República, Governa-
15.E,entreasconcl~sfiwris,oemineme dores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos
jurista afirma: (Ministros e Secretários de Estado e de Muni-
cipio); os membros das Casas legislativas (Se-
"a) o preceito do § 1. 0 do art. 8.° da
nadores, Deputados e \treadores); os membros
Lei nO 7.347185 não se aplica ao Judiciário; do Poder Judiciário (Magistrados em geraJ); os
b) logo, a sua sanção (art. 10) tam- membros dos Tribunais de Contas (Ministros e
Conselheiros); os representantes diplomáticos
10 Há erro de impressão. O texto quer se referir ao
"e demais autoridades que atuem com indepen-
inciso XXXV, do art. 5.°, da CF: "- a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
dência funcional no desempenho de atribuições
direito". governamentais, judiciais ou quase-judiciais,
estranhas ao quadro do funcionalismo estatu-
11 "PODER JUDICIÁRIO - MINISTÉRIO
tário"u. E lembra que, "em doutrina, os agentes
PÚBLICO - REQillSIÇÃO DE DADOS. Nilo se
aplica ao Poder Judiciário o dever de atendimento a
políticos têm plena liberdade funcional, equi-
requisição de dados, pelo Ministério Público, na for- parável à independência dos juizes nos seus
ma do art. 8.°, § 1.0, da Lei n.o 7.347185", Parecer julgamentos e, para tanto, ficam a saJvo de
publicado em Revista de Direito Administl'atiwJ, n.o responsabilização civil por seus eventuais er-
187,janJ mar., 1992, Livraria e Editora Renovar Ltda., ros de atuação, a menos que tenham agido com
p. 338. O referido trabalho foi também divulgado
lJOb. cit., p. 342.
pela Revista Trimestl'al de Direito Público, 2/124,
com o titulo "Requisição do Ministério Público a 14Comentários à Constituição de 1967 com a
Juiz - Relações entre órgilos constitucionais autôno- Emenda n. o 1. de 1969, Editora Revista dos Tribu-
mos". (Os grifos estão neste original.) nais, SP, 1970, tomo li, p. 407.
120b. cit., p. 340. nOb. cit., p. 51.
llrasfll• •• 32 n. f 28 "'JJ.... 1N5
culpa grosseira. má-fé ou abuso de pod.er"16. iminente (arts. 1519 e 1520)".
17. Perante os juízes e tribunais o preten- 20. O Anteprojeto de Lei Geral de aplicação
dente à satisfação de um interesse - como a das nonnasjurídicas (1964 l, de autoria de Ha-
obtenção de infonnações - pede, ~quer. A roldo Y.llladão, previa a"oondenaçã'o do abuso
petição ou o requerimento é submetido ao con- de direito", nos termos seguintes: "010 será
trole de legalidade e pode ser indeferida se de- protegido o direito que for ou deixar de ser exer-
satender qualquer exigência legal (legitimida- cido em prejuizo do proximo ou de modo egois-
de. possibilidadejurldica, etc.). Tal rontrole tem ta, excessivo ou anti --social" (art. I I ).
como parâmetros o disposto nos incisos XXXIII 21. O Anteprojeto (revisto) do CódígoCivil
e XXXIV do art. 5.0 da Constituição. Se houver brasileiro ( 1973) trata de modo impHcito o abu-
o retardamento ou a omissão, a parte dispõe do SO de direito como uma espécie do gênero ato
recurso administrativo e do mandado de ilicito. Declara o art. 186: "Também comete ato
segurança. ilicito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
18. O uso indevido do poder-dever de re- excede manifestamente os limites impostos pelo
quisição, quer quanto à fonna quer quanto ao seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
conteúdo. caracteriza uma das modalidades do pelos bons costumes".
~~o~do~m~mfflmA~C~
22. Tais considerações revelam que é iUcito,
plementar n. ° 75/93 estabelece uma das hipóte- data venia, O procedimento da requisiçlo ad0-
ses de desvio de poder. como se verifica peJo § tado na espécie, posto colocar em posiÇllo me-
0
1.0 do art. 8. , declarando que o membro do
nuquicamente inferioro Poder Judiciário perante
Ministério Público "será civil e criminalmente o Ministério Público, hipótese que atenta con-
responsâvel pelo uso índevido das informações tra a independência e a autonomia dos poderes
e documentos que requisitar (...)". e subverte o princípio-garantia do controle de
A propósito do tema, vale invocar o Código legalidade dos atos administrativos, exercido
Civil português. que fornece a noção do abuso pelo Judiciário. Outro raciocinio implicaria em
de direito através de um preceito incluído entre admitir que o Procurador-Geral da República
as dísposições gerais que regulam o exercício e pode "requisitar", compulsivamente, do Presi-
a tutela dos direitos. dente do Supremo Tnbunal Federal infonnaçt'les
Diz o art. 334. 0 que "é ilegítimo oexercício de cunho administrativo para instruir procedi-
de um direito, quando o titular exceda manifes- mento sob sua responsabilidade. O paradoxo
tamente os limites impostos pela boa-fé. pelos seria irremediável, já que ao Judiciário oompete
bons costumes ou pelo fim social ou econômi- o exame da legalidade do próprio ato requisit~
co desse direito". rio, cuja ameaça de responsabilidade (pelo
Conforme a lição de Fernando Augusto ~roou~~~m~~w~
Cunha de Sá, "o abuso de direito traduz-se, pois, clarada a ilegalidade.
num aeto ilegitimo. consistindo a sua ilegitimi- 23. A Constituição estabelece que o poder-
dade precisamente num excesso de exercicio de dever de requisição é sempre vinculado ao m0-
um certo e detenninado direito subjectivo: hIlo- tivo e à competência. O inciso VI do art. 129
de ultrapassar-se os limites que ao mesmo di- declara ser função institucional do Ministério
reito são impostos pela boa-fé, pelos bons cos- Público, entre outras, requisitar infOTllUlQlSes e
tumes ou pelo próprio fim social ou econômico documentos para instruirprocedimentos admi-
do direito exercidO"I'. nistrativos de sua competência. No mesmo sen-
19. O Código Civil brasileiro não tem uma tido é o texto do art. 8. 0 da Lei Complementar n.o
regra específica sobre o abuso de direito. Po- 75/93, invocado, aliás, como suporte jurldico
rém. a exegese do art. 160 pennite a conclusão da requisição: "Para o exercício de suas atribui-
de que oprincípio foi implicitamente retonheci- ções, o Ministério Público da UniIo podetá, nos
do. Reza o mencionado dispositivo: "Não cons- procedimentos de sua competência:".
tituem atos iUcitos: I - os praticados em legíti- Interpretando disposições da Lei n.o 7.3471
ma defesa ou no exercicio regular de um direi- 85, Hugo NigroMazziJü, mo dos mais qualifica-
to reconhecido; 11 - a deterioração ou destrui- dos membros do Ministério PUblico e autor de
ção da coisa alheia, a fim de remover perigo notável prestigio, escreveu: "Desde que esteja
16 Ob. C loco cil.
o órgão do Ministério Público atuando dentro
17 Abv.w de direito, cd. Ministério das Finanças.
de sua área de atribuiçlJes, terá ele o poder de
Lisboa, 1973, p. 103. requisição, pouco importa seja federal, estado-
ai ou municipal a autoridade, a repartição públi- tão submetidas ao controle de outros órgãos.
ca ou o órgão público destinatário da Consti- Conclui~se, portanto, diante do conteúdo
tuição (Lei Complementar federnl n. ° 4.0181, art. das requisições, que inexiste um procedimento
15, I e IV); poderá dirigir-se a qualquer pe&5'oa administrativo, sob a competência do ilustre
fisica ou juridica. pública ou particular (Lei Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do
n.o 7.853/89, art. 6.°; Lei n.o 8J16919O, art 201, VI, Trabalho do Paraná, capaz de autorizar, legal-
b e C)"18. Não obstante ter sido feito antes da mente, o uso da requisição.
Carta Política de 1988 eda Lei Complementar n.o 24. No episódio em exame, a requisição re-
75/93, o aludido comentário guarda a maior atu- veste« de uma forma defesa em lei (Cód. Civil,
alidade porquanto analisa a requisição como 3rt. 82) para o exercício de um eventual direito à
um ato admi nistrativo vinculado ao motivo e à infot'l1l3Çf!jo. Caracteriza-se, dentro das circuns-
competência. tâncias de um confronto institucional, como um
Os expedientes de requisição transcritos no
instrumento de força a lembrar a origem bélica
início deste parecer não indicam a existência de do instituto da requisizione. E, longe de com-
qualquer procedimento afeto ao ilustre autor por um interesse público, o expediente utiliza-
da requisição. Abstraída a hipótese de preten- do estimula o litígio entre autoridades respeitá-
der as informações para documentar wna even- veis e expressões do Estado que devem convi-
tual ação popular - para a qual estaria a legiti- ver "independentes, sem conflito, sem rivalida-
midade como cidadão 19 - , qual seria o "proce- des sem lutas - tal como é o ideal (ou o sonho)
dimento administrativo" de competência do ilus- da ~oncepção apriorlstica da separação perfei-
tre Procurador-Chefe da Procuradoria Regional ta dos poderes"20.
do Trabalho no Paraná, capaz de "justificar" o
uSO da requisiçãor 25. O alerta de que o consulente poderá ser
responsável pela falta injustificada e o retarda-
Obviamente não seria uma irnrestigação cri- mento indevido do cumprimento das requisi-
minai, posto que o consulente, na qualidade de ções é de todo improcedente. A nonna do ano
membro do Tribunal Regional do Trabalho, tem 8.°, § 3.°, da Lei Complementar n.o 75/93, pre-
a prerrogativa de somente ser processado e jul~ vendo a responsabilidade em geral (administra-
gado pelo Superior Tribunal de Justiça (Cf, art. tiva, criminal e civel) do omisso ou retardatário,
105,1, a), Cone onde o requisitante não atua. pressupõe a validade (e a eficácia) do ato jurídi-
Seria um "procedimento administrativo" no co da requisição, o que não ocorre, em meu en-
interesse da categoria profissional a que per- tender.
tence o requisitante? Também esta hipótese Por outro lado, a ameaça penaI, por exem-
deve ser eliminada, pois a atnbuição para repre- plo, somente pode ser irrogada quand~ O retar-
sentar o Ministério Públioo Federal é do Procu- damento ou a omissão ofenderem wn tnteresse
rador Geral da República, corno chefe da insti- de ordem geral, relativo à sociedade inteira, e
tuição(LC n. D 75193, art. 26, n. não de caráter especial, isto é, limitado a uma
Seria um "procedimento administrativo" categoria profissional. Naquela hipótese, o Mi-
com a finalidade ceosória de funcionários e nistério Público atua corno defensor da comu-
magistrados do Tribunal ou da 9.a
Região da nidade de indivíduos, razão pela qual se justifica
Justiça do Trabalho? Igualmente esta cogita- que, em nome da ooletividade, se imponha a mais
ção perde substância pela manifesta falta de severadas sançõesjurídicas: a pena criminal.
competência para qualquer tipo de investiga- 26. Em conseqüência do exposto, respondo
ção disciplinar relativamente a pessoas que es- à consulta, afinnando que:
26.1. No caso da consulta, a requisição é um
U A deftsa d()s interesses difitsos em juízo, Edi-
ato jurldico inválido porque se reveste de for-
tora Revista dos Tribunais, SP, 1991, p. l67, (grifos
do original).
ma defesa em lei.
19 Tal hipótese é descartada por duas razões. Pri- 26.2. A requisição não pode ser utilizada
meiro, porque as hipóteses de requisição previstas contra um agente político que desfruta de inde-
pelo art. 8. 0 da Le n.o 75193 são previstas para o pendência e autonomia em relação ao órgão re-
exerclcio das atribuições do Ministério Público e não quisitante.
do cidadão, isoladamente considerado. Segundo, por· 26.3. Perante os órgãos do Poder Judiciário
que a Lei n. o 4.717/65 resolve a dificuldade da o.bten-
ção de informações com a requisição determmada 10 PONTES DE MIRANDA, ob. cit., tomo I, p.
pelo juiz às entidades sonegadoras. 558.
SUMÁRIo
L IntroduçiIo
Um bom número de aposentados e pensio-
nistas com mais de sessenta e cinco anos têm
advogado a tese de que o preceito constitucio-
nal do art. 153, § 2, 0, 11, teria agasalhado uma
imunidade tributária de aplicação imediata. Ad-
mitem, contudo, que somente lei complementar
teria o condão de contera eficácia da supracita-
da norma da Lei Maior, pelo fato da Carta Mag-
na, no inciso 11, do art. 146, exigír lei comple-
mentar para regular as limitações constitucio-
nais do poder de tributar. Como a cogitada lei
qualificada inexiste, consideram-se com o direi-
to ao beneficio constitucional integral, excluí-
do o limite fixado em lei ordinária, até o surgi-
mento da lei complementar.
\oéjamos um outro critério jurídico sobre a
questão.
2. A exoneraçao tributária das pessoas
idosas
O art. 153, § 2.°, inciso 11, da Constituição
Federal dispõe que o imposto de renda e pro-
ventos de qualquer natureza "não incidirá, nos
tennos e limites fuados em lei. sobre rendimen-
tos provenientes de aposentadoria e pensão,
pagos pela previdência social da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
a pessoa com idade superior a sessenta e cinco
anos, cuja renda total seja constituída, exclusi-
Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho é Sub- vamente, de rendimentos do trabalho" .
procursdor-Gcrat da Fazenda Nacional e Coordena-
Impende esclarecer que a exoneração do
dor da Representação Judicial da Fazenda Nacional
- Advogado em Brasília, imposto de renda na fonte e na declaração só
83
atinge os proventos de aposentadoria e pen- não incidirá o imposto de renda sobre proven-
são, de modo que, existindo demais rendimen- tos da aposentadoria e pensão.
tos do trabaJho, aJcançandoestes O limite miní- É bem rerdade que a norma dom. 150, VI,
mo, o imposto de renda incidirá, indubitavel- e, do Estatuto PoUtico detennina serem imunes
mente, apenas sobre estes. à incidência de impostos as instituiçOes de edu~
Embora a norma constitucional, em comen- caça0 e de assistência social, sem fins lucrati-
to, exija que a renda total do aposentado e pen- vos, "atendidos os requisitos da lei", sendo que.
sionista seja constituida, excJusivamente, de neste caso, a Jei cogitada é, claramente, a com-
rendimentos do trabalho, para o gozo do bene- plementar nacional, uma vez que vincula todos
ficio, sob a justificativa de indevida omissão da os entes politicos tributantes, diferentemente
legislação infraconstitucional, a Receita Fede- do que sucede com o dispositivo constitucio-
raJ, na prática, não tem exigido que a pessoa nal do art. 153, § 2,0, II. o qual se liga apenas à
com mais de sessenta e cinco anos comprove União.
não possuir qualquer rendimento de capital,
A Lei nO 7.713, de 22 de derernbrode 1988.
como o proveniente de uma locação de imóvel.
para a fruição da exoneração. disciplinou a matéria em seu art. 6.°. inciso xv,
tendo fixado mo limite para a fru.içAo do bene8. ~
Colime« que o retromencionado precepti. cio que não abrangeu a totalidade dos proven-
vo da Carta Magna de 1988 não estabelece di- tos de aposentadoria.
retamente wna imunidade tributária com os seus A partir de 1.° de janeiro de 1992, data da
termos e limites constitucionalmente definidos vigência da Lei n.o 8.383/91, esse limite mensal
(como ocorre, por exemplo, com o preceito do passou a mil Ufir, correspondente à parcela dos
art. 153, § 3.°,111, da CF, hipótese em que lei rendimentos provenientes de aposentadoria c
complementar, prevista no art. 146, 11, da CF, pensão, transferência para reserva remunerada
pode, apenas, declarar o sentido da imunida- ou reforma pagos pela previdência social da
de), mas, apenas, prevê a possibilidade dessa União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
exoneração se dar nos termos e nos limites fixa- Municipios, ou qualquer pessoa jurfdica de dí~
dos em lei ordinária federal. reito público interno, a partir do mês em que O
lniludivelmente, o preceito programático do contribuinte completar sessenta e cinco anos
art. 153, § 2.°, inciso n, da Lei Suprema não tem de idade. Na declaração, o limite corresponden-
aplicabilidade imediata, posto que o direito a te à soma dos valores mensais.
exoneração do pagamento do imposto de renda Atualmente, vigora o limite mensal de R$
sobre rendimentos provenientes de aposenta- 676,70 para os rendimentos recebidos a partir
doria e pensão, pagos a pessoas idosas, have- de 1.0 de:janeiro de 1995 (art. 9.°, inciso V, da Lei
rá de ser exercido "nos termos e limites fixados n.o 8.981, de 20 dejaneiro de 1995).
em lei". Como arremate, insta noticiar que, nos au~
Se o escopo do constituinte fosse o de ex- tos do Mandado de Injunção n.o 38581400-RJ,
cluir da tributação a totalidade desses rendi- onde os impetrantes reclamavam a falta de lei
mentos, seria outra a redação do texto constitu- complementar que garantisse o gozo da exone-
cional, como "não incidirá o imposto de renda ração prevista no art. 153, § 2.°, inciso n, da
sobre os rendimentos provenientes de aposen- Superlei. o Ministro Moreira Alves exarou V.
tadoria e pensão" pois, como se sabe, é regra Despacho nos seguintes tennos:
hermenêutica que a lei não contém palavras inú- "MANDADO DE INJUNÇÃO N."
teis. 000038581400
Trata-se, pois, de regra constitucionaJ não
auto-executável e condicionada, isto porque ela Origem: RIO OE JANEIRO
não pode ser aplicada enquanto não for edita- Relator: MlNISlRO MOREIRA ALVES
da lei, prevista pelo constituinte, que precise Impetrantes: AugtLUo Villas Boas e wtro
os seus elementos e limites. (Adv.: Bento Gonçalves Ferreira Gomes).
Observe-se que o constituinte indica, ex- Impetrados: Presidente da República e
pressamente, as hipóteses em que entende ne- Mesa do Congresso Nacional.
cessária a disciplina de determinada matéria por Despacho: 1. O inciso lI, § 2.°, doanigo
lei complementar, o que não sucede no caso em 153 da Constituição Federal deferiu à le-
..
tela, quando deixa a critério de lei ordinária a gislação ordinária o estabelecimento dos
fixação dos tennos e dos tetos sobre os quais
tennos e dos limites em que não incidirá dora do texto constitucional, de lhe cen-
sobre rendimentos provenientes de apo- surar OS EXCESSOS apontados na ar-
sentadoria e pensão, pagos pela previ- gumentação dos Impetrantes.
dência social da União, dos Estados, do Em tal caso, entretanto, resultaria ab-
Distrito Federal e dos Municípios, a pes- solutamente imprópria a via processual
soa com idade superior a sessenta e cin· eleita, porque a tanto não está autoriza-
co anos, cuja renda total seja constituí- da, pelo artigo 5.°, LXXl, da Constituição
da, exclusivamente, de rendimentos do Federal."
trabalho.
2. Em face do exposto, e acolhendo o
Sucede que a Lei n.o 7.713, de 22 de parecer da Procuradoria-Geral da Repú-
dezembro de 1988, em seu artigo 6.°, xv, blica., nego seguimento ao presente man-
regulamentou os termos e os limites des- dado de injunção (artigo 38 da Lei n.o
se beneficio, com a alteração introduzida 8.03&"W).
pela letrab do§ 3.°doartigo 12 da Lei 0.°
8.383. Brasília, 24 de abril de 1992.
Ministro MOREIRA ALVES
Ora. se a hipótese prevista no citado
dispositivo constitucional está abarca- Relator"
da por essas disposições legais, inexiste (Publ. inDJde4.5.92, s. I, p. 5833)
omissão regulamentadora a inviabilizar o 3. Conclusão
exercício do direito conferido pela Cons- Isto posto, forçoso é concluir:
tituição, não cabendo O mandado de in- a) a exoneração tnbutária aventada pelo art.
junção para se atacar essa regulamenta- 153, § 2.°, n, da Carta Magna, além de ambígua,
ção por eventuais excessos (extensão do mostra-se tênue, ao permitir o texto constituci-
beneficio a outros que não os estritamen- onal que lei ordinária fixe os tennos e estabele-
te referidos no texto constitucional) em ça os limites desse beneficio;
que tenha incidido, a juízo dos impetran- b) assim, tal preceptivo constitucional {OOS-
tes. Tem, }Xlis, razão, o parecer da Procu- tra-se como uma norma não auto~xecutável e
radoria-Geral da República, ao acentuar, condicionada;
depois de transcrever os defeitos que os
impetrantes arrolaram sobre as referidas c) diante da inexistência da vislumbrada lei
disposições legais. complementar, caso não fosse válida a legisla~
"'Ademais, se procedentes fossem as ção ordinária federal vigente e aplicável à espé-
críticas feitas às Leis federais sob exame, cie, mesmo com toda a sua reconhecida defici-
na linha de raciocínio adotada pela impe- ência, os aposentados e pensionistas não po-
tração, haver-se-ia, antes de encontrar deriam reivindicar o beneficio.
qualquer FALTA de norma regulamenta-
sUMÁRIo
88
Não se diz ai que os tribunais senten- leis manifestamente inconstitucionais e os
ciarão sobre a validade, ou invalidade, regulamentos manifestamente incompatí-
das leis. Apenas se estatui que conhece- veis com as leis ou com a Constituição."
rão das causas regidas pela Constitui- Não havia mais dúvida quanto ao poder
ção, como confonnes ou contrárias a ela. outorgado aos órgãos jurisdicionais para exer-
Muito mais concludente é a Consti- cer o controle de constitucionalidade. A refor-
tuição brasileira. Nela não só se prescre- ma constitucional de 1926 procedeu a algumas
ve que alterações, sem modificar, no entanto, a subs-
'Compete aos juízes ou tribunais fe- tância.
derais processar e julgar as causas, em Consolidava-se, assim, o amplo sistema de
que alguma das partes fundar a ação, ou controle difuso de constitucionalidade do Di-
a defesa, em disposição da Constituição reito brasileiro. Convém observar que era ine-
Federal (art. 60, a)'; quívoca a consciência de que o controle de
como, ainda, que 'Das sentenças das jus- constitucionalidade não se havia de fazer in
tiças dos Estados em última instância abstracto. "Os tribunais - dizia Rui - não inter-
haverá recurso para o Supremo Tribunal vêm na elaboração da lei, nem na sua aplicação
Federal, quando se questionar sobre a geral. Não são órgãos consultivos nem para o
validade de tratados e leis federais, e a legislador, nem para a administração (.. .)"6. E,
decisão do tribunal do Estado for con- sintetizava, ressaltando que ajudidal review
trária(art. 59, § l.°,a)'. Ué um poder de hermenêutica, e não um poder
A redação é claríssima. Nela se reco- de legislação"'.
nhece, não só a competência das justi-
3. A Constituição de 1934 e o controle de
ças da União, como a das justiças dos constitucionalidade
Estados, para conhecer da legitimidade A Constituição de 1934 introduziu profun-
das leis perante a Constituição. Somente das e significativas alterações no nosso siste-
se estabelece, a favor das leis federais, a ma de controle de constitucionalidade. A par
garantia de que, sendo contrária à sub- de manter, no art. 76, I1I, b e c, as disposições
sistência delas a decisão do tribunal do contidas na Constituição de 1891, o constituin-
Estado, o feito pode passar, por via de te determinou que a declaração de inconstitucio-
recurso, para o Supremo Tribunal Fede- nalidade somente poderia ser realizada pela
ral. Este ou revogará a sentença, por não maioria da totalidade de membros dos tribunais.
procederem as razões de nulidade, ou a Evitava-se a insegurançajurídica decorrente das
confirmará pelo motivo oposto. Mas, contínuas flutuações de entendimento nos tri-
numa ou noutra hipótese, o principio fim- bunais (art. 179)8.
damental é a autoridade reconhecida ex-
Ó RUI BARBOSA, op. cit., p. 83.
pressamente no texto constitucional, a
1 RUI BARBOSA, op. cit., p. 83.
todos os tribunais, federais, ou locais,
8 MANGABEIRA, João, Em (orno da Consti-
de discutir a constitucionalidade das leis
da União, e aplicá-las, ou desaplicá-Ias, tuição, São Paulo, Ed. Nacional, 1934, pp. 115·7;
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha, op.
se~ndo esse critério.
cit., pp. 159-65. Cumpre notar que o anteprojeto
É o que se dá, por efeito do espírito do continha, no art. 57, a seguinte regra: "Não se poderá
sistema, nos Estados Unidos, onde a letra argüir de inconstitucional uma lei federal aplicada
constitucional, diversamente do que ocor- sem reclamação por mais de cinco anos. O Supremo
re entre nós, é muda a este pr0p6sito"s. Tribunal não poderá declarar a inconstitucionalidade
A Lei de n.o 221, de 20 de novembro de 1894, de uma lei federal, senão quando nesse sentido vota·
veio a explicitar, ainda mais, o sistema judicial rem pelo menos dois terços de seus ministros. Só o
de controle de constitucionalidade, consagran- Supremo Tribunal poderá declarar definitivamente a
do no art. 13, § 10, a seguinte cláusula: inconstitucionalidade de uma lei federal ou ato do
Presidente da República. Sempre que qualquer Tri-
"Os juízes e tribunais apreciarão a
bunal não aplicar uma lei federal ou anular um ato do
vai idade das leis e regulamentos e deixa- Presidente da República, por inconstitucionais, re-
rão de aplicar aos casos ocorrentes as correrá ex officio, e com efeito suspensivo, para o
S RUI BARBOSA, Os atos inconstitucionais do Supremo Tribunal. Julgado inconstitucional qualquer
Congresso e do Executivo, in Trabalhos jurídicos, lei ou ato do Poder Executivo, caberá a todas as pes-
Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1962, pp. 54-5. soas, que se acharem nas mesmas condições do liti-
89
Por outro lado, a Constituição consagrava rém, que nâo se tratava de formulação de um
a competência do Senado Federal para "sus· juizo politico, exclusivo do Poder Legislativo,
pender a execução, no todo ou em parte, de mas de exame puramentejuridicolJ •
qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamen- Não obstante a breve vigência do Texto
to, quando hajam sido declarados inconstituci- Magno, ceifado pelas ~cissi.tudes poUticas que
onais pelo Poder Judiciário", emprestando efei- marcaram aquele momento histórico, nIo se
to erga omnes à decisão proferida pelo Supre- pode olvidar o transcendental significado des-
mo Tnbunal FedeJal (arts. 91, Iv, e 961. se sistema para todo o desenvolvimento do
Talvez a mais fecunda e inovadora altera- controle de constitucionalidade mediante açIo
ção introduzida pelo Texto Magno de 1934 se direta no Direito brasileiro '4 .
refira à "declaração de inconstitucionalidade
para evitar a intervenção federal", tal como a Não se deve omitir, ainda, que a Constitui-
denominou Bandeira de Mello 1o, isto é, a repre- ção de 1934 continha expressa ressalva àjudi-
sentação interventiva, confiada ao Procurador- cia1ização das questões poUticas, dispondo o
Geral da República, nas hipóteses de ofensa art. 68 que "é vedado ao Poder Judiciário c0-
aos principios consagrados no art. 7, I, a a h. da nhecer das questões exclusivamente políticas".
Constituição. Cuidava-se de fórmula peculiar Manifesta-se digna de mençlo a competên-
de composição judicial dos conflitos federati- cia atribufda ao senado Fedem] pa18 "examinar,
vos, que condicionava a eficácia da lei inter- em confronto com as respectivas leis, os regu-
ventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, § 3.'), à lamentos expedidos pelo Poder Executivo, e
declaraçilo de sua constitucionalidade pelo suspender a execução dos dispositivos ilegais"
Supremo Tribunal (art. 12, § 2."). Assinale-se, (art. 91, n). Emescólioaoart. 91, n, daConsti-
por oportuno, que, na Assembléia Constituin- tuiçilo de 1934, Pontes de Miranda destacava
te, o Deputado Pereira Lyra apresentou emenda que "tal atribuição outorgava ao Senado Fede-
destinada a substituir, no art. 12, § 2.°, a expres- ral um pouco função de AlUI. Corte Constitucio-
são "tomar conhecimento da lei que a decretar nal (...)"U. A disposição não foi incorporada,
e lhe declarar a constitucionalidade" por "to- todavia, pelas Constituições que sucederam ao
marconhecimento da lei 1oca1 argüida de infrin- TextoMagnodc 1934.
gente desta Constituição e lhe declarar a in- Finalmente, afigura-se relevante observar
constitucionalidade"lI. que, na Constituinte de 1934, foi apresentado
Esse controle judicial configurava, segun- projeto de instituição de uma Corte Constitucio-
do Pedro Calmon, um sucedâneo do direito de nal, inspirada no modelo austríaco. Na funda-
veto, atribuindo-se à Suprema Corte () poder de mentação<1a proposta tãe.da-oaediretamente. aG
declarar a constitucionalidade da lei de inter- Referat de Kelsen sobre a essência e o desen-
venção e afirmar, ipsofacto, a inconstituciona-
13 MIRANDA, Pontes de, Comentários ti Cons-
lidade da lei ou ato estadual 12 • Advirta-se, po-
tituição da Repilblica dosEs/odos UnideM do Brasil,
gante vitorioso, o remédio judiciário instituído para a 160 de Janeiro, Ed. Guanabarl, 1938, v. 1, p. 364.
14 POLETTI, Ronaldo, Controle da constituc~
garantia de todo direito certo e incontestável". Tal
disposiçio acabaria por consolidar, entre nós, um nalidade das leis, Rio de Janeiro, ForcnllC, 1985, p.
modelo concentrado de controle de constitucionali- 93. Afigura-se relevante observar que, na Constitu-
dade. NIo prevaleceu, todavia, essa orientação, pre- inte de 1934, foi apresentada proposta de instituiçlo
dominando o entendimento que assegura o poder de de um Tribunal especial, dotado de competSncia para
illaplicar a lei tanto ao juiz singular quanto aos tribu- apreciar questões constitucionais suscitadas no cur-
nais. Anote-se, ademais, que a cláusula inicial impor- so dOll processos ordinários, bem como para julgar
tava na cQIIstitucionalizaçiio dos preceitos aplicados pedido de argQiçlo de inconstitucionalidade formu-
há mais de cinco anos. lado por "qualquer pessoa de direito público ou pri-
9 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha,
vado, individual ou coletivamente, ainda mesmo quan-
op. cit., p. 170; ARAÚJO CASTRO, A nova Cons- do aiD tcnh& ;n~ direto (. ..)". O projeto <Jr: au-
tituição b"asileil'a, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, toria do Deputado Nilo Alvarenga criava uma Corte
1935, pp. 246-7. Coo.!tt\tuc\OOI.\, m~tadt. n& ~ ~ Kelte\\, ~
confiava a sua provocaçio a qualquer sujeito de di·
10 Cp. cit., p. 170. reito (cf. Ana Valderez Ayres Neves de Alencar, A
li ARAÚJO CASTRO, op. cit., pp. 107-8. Competência do Senado Federal para Suspender a
12 CALMON, Pedro, Inten>enção federal; o art. Execução dos Atos Declarados Inconstitucionais,
12 da Constituição de 1934, Rio de Janeiro. Freitas Revista de Informação Legislanva, 15(57):237-45).
Bastos, 1936, p. 109. 15 MIRANDA, Pontes de, op. cit., p. 770.
volvimento da jurisdição constitucional (Wesen nalidade das leis é um campo aberto para
und EntwickJung der Staatsgerichtsbarkeit)16. a política, porque a Constituição, em si
4. O controle de constitucionalidade na mesma, é uma lei sui generis, de feição
Constituiçilo de 1937 nitidamente política, que distribui pode-
res e competências fundamentais"IS.
A Carta de 1937 traduz um inequívoco re-
trocesso no sistema de controle de constitucio- No mesmo sentido, pronunciaram-se Fran-
nalidade. Embora não tenha introduzido qual- cisco Campos19, Alfredo Buzaid20 e Genésio de
quer modificação no modelo difuso de controle Almeida Moura21 .
(art. 101,111, b e c), preservando-se, inclusive, a Impende assinalar que, do ponto de vista
exigência de quorum especial para a declaração doutrinário, a inovação parecia despida de sig-
de inconstitucionalidade (art. 96), o constituin- nificado, uma vez que, como assinalou Castro
te rompeu com a tradição jurídica brasileira, con- Nunes, "podendo ser emendada a Constitui-
sagrando, no 3rt. 96, parágrafo único, princípio ção pelo voto da maioria nas duas Casas do
segundo o qual, no caso de ser declarada a in- Parlamento (art. 174), estaria ao alcance deste
constitucionalidade de uma lei que, a juizo do elidir, por emenda constitucional, votada como
Presidente da República, seja necessária ao qualquer lei ordinária, a controvérsia sobre a lei
bem-estar do povo, à promoção ou defesa de que se houvesse por indispensável"22. Mas,
interesse nacional de alta monta, poderia o Che- em verdade, buscava-se, a um só tempo, "vali-
fe do Executivo submetê-la novamente ao Par- dar a lei e cassar os julgados"23.
lamento. Confinnada a validade da lei por dois Todavia, quando em 1939 o Presidente Ge-
terços de votos em cada uma das Câmaras tor- túlio \3rgas editou o Decreto-Lei n. o 1.564, con-
nava-se insubsistente a decisão do Tribunal. firmando textos de lei declarados inconstitucio-
Instituia-se, assim, uma peculiar modalida- nais pelo Supremo Tribunal Federal, a reação
de de revisão constitucional, pois, como obser- nos meiosjudiciários foi intensa24 . Considerou
vado por Celso Bastos, a lei confinnada passa a Lúcio Bittencourt que as críticas ao ato presi-
ter, na verdade, a força de uma emenda à Cons- dencial não tinham procedência, porque, no seu
tituição l1. entendimento, o Presidente nada mais fizera do
É bem verdade que o novo instituto não que "cumprir, como era de seu dever, o prescri-
colheu manifestações unânimes de repulsa. to no art. 96 da Carta Constitueional"25 . Conce-
Cândido Mata Filho, por exemplo, saudava a de, porém, o insigne publicista que a celeuma
inovação, ressaltando que: suscitada nas oportunidades em que atos judi-
..A subordinação do julgado sobre a cias foram desautorizados, entre nós, "está a
inconstitucionalidade da lei à delibera- demonstrar como se encontra arraigado em nos-
ção do Parlamento coloca o problema da so pensamento jurídico o princípio que confere
elaboração democrática da vida legislati- à declaração judicial caráter incontrastável, em
va em seus verdadeiros termos, impedin- relação ao caso concreto"26.
do, em nosso meio, a continuação de um
preceito artificioso, sem realidade histó- 11 MOTTA FILHO, Cândido, A evolução do
rica para nós e que, hoje, os próprios controle da constitucionalidade das leis no Brasil,
americanos, por muitos de seus represen- RF,86:277.
tantes doutíssimos, reconhecem despi- U Op. cit., pp. 246 e s.
do de caráter de universalidade e só ex- 10 Da ação direta de declaração de incanslitucio-
plicável em países que não possuem o nalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva,
sentido orgânico do direito administrati- 1958, p. 32.
vo. Leone, em sua Teoria de la polltica, 21 Inconstitucionalidade das leis, Revista da Fa-
mostra com surpreendente clareza, como culdade de Direito da Universidade de São Paulo,
a tendência para controlar a constitucio- 37:161.
22 CASTRO NUNES, José de, Teoria e prática
16 Projeto do Deputado Nilo Alvarenga, de do Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Forense, 1943,
20.12.1933, in: Annaes da Assembléia Canstituinre, p. 593, nota 25.
Rio de Janeiro, 1935, pp. 33-35.
llNUNES,op. cit., p. 593, nota 25.
17 BASTOS, Celso, Curso de direito consh'tucio-
Z4 BITTENCOURT, op. cit., pp. 139-40.
nal, 5.' ed., São Paulo, Saraiva, 1982, p. 63; cf., Fran-
cisco Luiz da Silva Campos, Diretrizes constitucio- 2~ BlTTENCOURT, op. cit., p. 139.
nais do novo Estado brasileiro, RF, 73:246-9. 26 BITTENCOURT, op. cit., pp. 139-40.
111
Por outro lado, cumpre notar que a Carta de parágrafo único).
1937 vedou, expressamente, ao Judiciário c0- Deve-se ressaltar que, embora o constituin~
nhecer das questões exclusivamente políticas te tenha outorgado a titularidade da ação direta
(art. 94), e o mandado de segurança perdeu a ao Procurador-Geral da República, a disciplina
qualidade de garantia constitucional, passan- da chamada representação interventiva confi-
do a ser disciplinado pela legislação ordinária. gumva,já na Constituiçlo de 1934, wna peculi~
E o Código de Processo Civil, de 1939, excluiu ar modalidade de composição de conflito entre
da apreciação judicial, na via mandamental, os a União e o Estado. Cuidava-se de aferir even-
atos do Presidente da República, dos ministros tual violação de deveres constitucionalmente
de Estado, dos governadores e interventores impostos ao ente federado. E o poder atribuido
dos Estados (art. 319). ao Procurador-Geral da República, que, na C0ns-
S. A ConstituiçiJo de 1946 e o sistema de tituição de 1946, exercia a função de chefe do
controle de constitucionalidade Ministério Público Federal- a quem competia a
defesa dos interesses da União (3rt. 126) -, deve
O Texto Magno de 1946 restaura a tradição ser considerado, assim, uma simples represen·
do controlejudicial no Direito brasileiro. A par lação processual 27 •
da competência de julgar os recursos ordinári~
os (art. 10I, 11, a, b e c), disciplinou-se a apreci- A argüição de inconstitucionalidade direta
ação dos recursos extraordinários: "a) quando teve ampla utilização no regime constitucional
a decisão for contrária a dispositivo desta Cons- institufdo em 1946. A primeira açIo direta. for-
tituição ou à letra de tratado ou lei federal; b) mulada peloProcurador-Geral da República, na
quando se questionar sobre a validade de lei qual se argüia a inconstitucionalidade de dis-
federal em face desta Constituição, e a decisão posições de lndole parlamentarista contidas na
recorrida negar apliatção à lei impugnada; e c) Constituição do Ceará, tomou o n.o 93 16• A de-
quando se contestar a validade de lei ou ato de nominação emprestada ao novo instituto - re-
governo local em face desta Constituição ou de presentação - segundo esclarece Themistocles
lei fedeml, e a decisão recorrida julgar válida a Cavalcanti, se deveu a uma escolha entre a re-
lei ou o ato" . Preservou-se a exigência da maio-- clamação ea representação, "processos c0nhe-
ria absoluta dos membros do Tribunal para a cidos pelo Supremo Tribunal Fedeml"2!I. A aná-
eficácia da decisão declaratória de inconstitu~ lise do sentido de cada um teria conduzido à
cionalidade (art. 200). Manteve-se, também, a escolha do termo representaçifo, "já porque ti~
atribuição do Senado Fedeml para suspender a nha de se originar de uma representação feita
execuçiJo da lei declarada inconstitucional pelo ao Procurador-Geral, já porque a função deste
Supremo Tribunal (3rt. 64). era o seu encaminhamento ao Tribunal, com o
§ 1. "A representaçilo inlervenlivo seu parecer"30.
A Constituição de 1946 emprestou nova A ausência inicial de regras processuais
conformação à ação direta de inconstituciona- permitiu que o Supremo Tribunal Federal ~
lidade, introduzida, inicialmente, no Texto Mag. senvolvesse os mecanismos procedimentais
no de 1934. Atribuiu-se ao Procurador-Geral da que viriam a ser consolidados, posteriormente,
República a titularidade da representação de pela legislaçao processual e pela práxis da Cor·
inconstitucionalidade, para os efeitos de inter- te3 1• E, por isso, colocaram«, de plano, ques.
venção federal, nos casos de violação dos se-
guintes princípios: a) forma republicana repre- ~7 BANDEIRA DE MELW, Oswaldo Aranha,
sentativa; b) independência e harmonia entre op. cit., p. 192.
os poderes; c) temporariedade das funções ele- a Rp. n.o 93, de: 16.7.1947, Rei. Min. Annibal
tivas, limitada a duração destas à das funções Freire, AJ, 85:3; BRANDÃO CAVALCANTI. ~
federais correspondentes; d) proibição da ree~ mfstocles. Do Controle da Constitucionalidade, Rio
leição de governadores e prefeitos para o perto-- de Janeiro, Forense, 1966, p. 110.
do imediato~ e) autonomia municipal; f) presta- 2' BRANDÃO CAVALCANTI, Themlstocles,
ção de contas da administração; g) garantias op. cit., p. 112.
do Poder Judiciário (art. 8.°, parágrafoúnico, r:Je
30 BRANDÃO CAVALCANTI, Themistoelcs,
oart. 7.°, VII).
op. cit., p. 112; cf., também,Rp. n. o 94, de: 17.7.1947,
A intervenção federal subordinava-se, nes- ReI. Min. Castro Nunes, AJ, 85:31,
se caso, à declaração de inconstitucionalidade 31 BRANDÃO CAVALCANTI, Themistoeles,
do ato pelo Supremo Tribuna1 Federal (3rt. 8.°, op. cit., pp. 111-12.
•2
tôes relativas à forma da argüição e à sua pró- ao preceito invocado e basta esta con-
pria caracterização processual. Questionava-se, trovérsia para que 'o ato argüido de i.n-
igualmente. sobre a função do Procurador-Ge- constitucionalidade' seja submetido pelo
ral da República e sobre os limites constitucio- Procurndor-Geral da República ao exame
nais da argüição. do Supremo Tribunal Federal. E a dúvida
Na Rp. 94, que argüia a inconstitucionalida- é de tanto maior relevo quanto é o pró-
de dos preceitos consagradores do regime par- prio Poder Exea:rtivo quem vacila na apli-
lamentarísta na Constituição do Estado do Rio cação do cexto constitucional, no momen-
Grande do Sul, indagou-se sobre a necessida- to em que se integra o Estado na plenitu-
de de se formular requerimento ao Procurador- de de sua autonomia política.
Geral. E esse entendimento foi acolhido, tendo Grave é a responsabilidade do Gover-
o chefe do Ministério Público Federal solicitado no diante da contingência de pôr termo à
"que a medida fosse provocada, o que foi feito intervenção no Estado, entregando o
através de pedido devidamente justificado"3l. Poder Executivo, não ao seu detentor
Na opinião do insigne publicista, que exer- eleito pelo povo mas a um representante
cia o cargo de Procurador-Geral da República, a eventual eleito pela Assembléia.
argüição~e inconstitucionalidade não poderia Cumpre, por isso mesmo, o Procura-
ser arquivada, mas, aO revés, deveria ser sub- dor-Geral da República, um dever impos-
metida ao Supremo Tribunal, ainda que com to não só pela alta consideração que
parecer contrário do Ministério Público)). merece o Aviso do Exrno. Sr. Ministro da
Essa orientação tomou-se ainda mais evi- Justiça, mas ainda pelos altos propósi-
dente na Rp. 95 (ReI. Min. Orozimbo Nonato), tos que o inspiram trazendo questão de
na qual o Procurador...<Jeral da República mani- tanta relevância ao conhecimento deste
festou-se peja constitucionalidade do preceito E. Tribunal, esperando que este se pro-
impugnado, justificando, no entanto, a propo- nuncie sobre a legitimidade do artigo 2. o
situra da ação, pelas seguintes razões: do Ato das Disposi.ções Transitórias da
"Não tem esta Procuradoria Geral ne- Constituição do Estado diante da Cons-
nhuma dúvida em opinar a respeito, rea- tituição Federal, bem como sobre a cons-
firmando conceitosjá emitidos em outro titucionalidade da intervenção federal
parecer, no sentido de prestigiar o texto depois de promulgada a Constituição
votado pelas Constituintes estaduais, Federal.
cuja validade se presume, quando não Requer, por isso, a \bssa Excelência
colida com princípios fundamentais e ex- que distribuida a presente como recla-
pressos na Constituição Federal. mação, seja a mesma processada como
Esta colisão não se verifica, a meu de direito"l4.
ver, na hipótese, porquanto a norma im- O Supremo Tribuna\ Federa1 ressahou que
pugnada nada mais fez do que concreti- não se tratava de simples consulta, mas de "ex-
zar O princípio da hierarquia dos poderes posição de um conflito de natureza constitucio-
no chamamento ao exercício do Poder nal, elementarmente constitucional, não ocul-
Executivo. tando a forma algo dubitativa das comunica-
Na Constituição Federal, também é o r
ções a ocorrência do tumulto (... 5 • E, con-
Presidente da Câmara o imediato na subs- cluiu, a final, pela constitucionalidade do art.
tituição do Presidente e Vice-Presidente 2. 0 do Ato das Disposições TranSitórias da
da República, e esta é uma tradição do Constituição de Pemambuco36•
nosso Direito constitucional. J4Rp. n." 95, de 30.7.1947, ReI. Min. Orozimbo
Pouco importa que o poder não esteja Nonato, AJ, 85:55~. Nio obstante, convém assína-
ainda constituído porque o mesmoprincí- lar que o Ministro Edgar Costa não conheceu da Re-
pio se aplica a todos os casos de vaga. presentação, uma vez que esta tinha, "nilo apenas a
aparência, mas incontestável caráter de consulta" (AJ,
Subsiste, entretanto, a impugnação 85:68-9).
12 BRANDÃO CAVALCANTI, Themistooles, ))Rp. n." 95, de 30.7.1947, ReI. Min. Orozimbo
op. cit., p. 110. Nonato, AJ, 85:58.
JJ BRANDÃO CAVALCANTI, Themístoclcs, J6Rp. n." 95, de 30.7.1947, ReI. Min. Orozimbo
op. cit., p. 111. Nonato, AJ, 85:55-75.
Desde o inicio, firmou-se no Supremo Tri- necessário, ao Congresso Nacional, na
bunal Federal a orientação de que se cuidava compreensão esclarecida da sua funçIo
de uma controvérsia de índole constitucional. coordenada com a do Tribunal, nJo será
O Poder Judiciário não se limitava a opinar. A inútil o exame desses aspectos, visando
sua decisão configurava "um aresto, um acór- delimitar a extensão, aexecutoriedade ea
dão", que punha ''fim à controvérsia como árbi- conclusividade do julgado.
tro final do contencioso da inconstitueionali- Na declaração em espécie, o Judiciá-
dade"17. A propósito, vale registrar a seguinte rio arreda a lei, decide o caso por inapli-
passagem do voto proferido por Castro Nunes, cação dela, e executa, ele mesmo, o seu
naRp. n.094: aresto.
"Consiste a intervenção, nas hipóte- Trata-se, aqui, porém, de inconstitu-
ses do n.o VII, na suspensão, importa di- cionalidade em tese, e nisso consiste a
zer, na decretação pelo Congresso da inovação ~nhecida entre nós na prá-
nilo-vigência do ato legislativo. tica judicial, porquanto até entlo nJo
São duas atribuições distintas, de in- permitida pela Constituição.
dole diversa, mas articuladas: a decisão Em tais casos a inconstitucionalida-
do Supremo Tribunal situa--se no terreno de declarada não se resolve na inaplica-
juridico; a do Congresso, no plano poli- ção da lei ao caso ou no julgamento do
tico, mas a titulo de sançho daquela. direito questionado por abstração do tex-
\tm aqui, a propósito, esclarecer que, to legal comprometido; resolve-se por
nos termos do assento constitucional e uma fórmula legislativa ou quase legisla-
dos motivos de sua inspiração, o Supre- tiva que vem a ser a não-vigência, virtu-
mo Tribunal não é provocado como ór- almente decretada. de uma dada lei.
gão meramente consultivo, o que con· Nos julgamentos em espécie, o Tri-
traviria à índole do Judiciário; não se li- bunal não anula nem suspende a lei, que
mita a opinar, decide, sua decisão é um subsiste, vige e continuará a ser aplica-
aresto, um acórdão; põe fim à controvér- da até que, como, entre nós, estabelece a
sia como áJbitro final do contencioso da Constituição, o Senado exercite a atribui-
inconstitucionalidade. É nessa função de ção do art. 64.
áJbitro supremoque ele inteJvém, se pro- Na declaração em tese, a suspensao
vocado, no conflito aberto entre a Cons- redunda na ab-rogaçio da lei ou na der-
tituição, que lhe cumpre resguardar, e a rogação dos dispositivos alcançados,
atuação deliberante do poder estadual. não cabendo ao órgão legiferante cen-
Dai resulta que, declarada a inconsti- surado senão a atribuição meramente for-
tucionalidade, a intervenção sancionado- mal de modificá-la ou regê-la, segundo
ra é uma decorrência do julgado"18. as diretivas do prejulgado; é uma incons-
O Supremo Tnbunal FedemI exercia, pois, a titucionalidade declarada erga omnes, e
função de "árbitro final do contencioso da in- não somente entre as partes; a lei não foi
constitucionalidade". Não se tratava, porém. de arredada apenas em concreto; foi cessa-
afastar, simplesmente, a aplicação da lei inc0ns- da para todos os efeitos"llI.
titucional. A pronúncia da inconstitucionalida- Com essa colocação, o eminente jurista e
de, nesse processo, tinha dimensão diferencia- magistrado logrou fixar principios do próprio
da, como se pode ler no magnifico voto de Cas- controle abstrato de nonnas, que viria a ser in-
troNunes: 1IOduzioo. entre nés, pela Emenda n.o 16, de 1965.
"Atribuição nova, que o Supremo Os limites constitucionais da açfo direta
Tribunal é chamado a exercer pela pri- também mereceram aprecisa ret1exJo de Castro
meira vez e cuja eficácia está confiada, Nunes. Na Rp. D.o 94, enfatizou--se o caIáte1' ex-
pela Constituição, em primeira mão, ao cepcional desse instrumento. "Outro aspecto,
patriotismo do próprio legislador estadu- e condizente com a atitude mental do intérpre-
al no cumprir, de pronto, a decisão e, se te, em se tratando de intervenção - ensinava -
é O relativo ao caráter excepcional dessa medi-
37 Rp. n.o 94, de 17.7.1947, Rei. Min. Castro da, pressuposta neste reglmen a autonomia
Nunes, AJ, 85:33.
..
à Constituiçlo de 1946, n. o 16: refonna do Poder Judi·
ciário, Brasllia, Câmara dos Deputados, 1968, p. 24.
mentos sumários, uma maior inspeção
jurisdicional da constitucionalidade das
leis, não será inútil configurar o impró~ A Constituição de 1967 não incorporou a
prio de uma redação, que devia conferir à disposição da Emenda n." 16, que pennitia a cri-
representação a idéia nítida de oposição ação do processo de competência originária dos
à inconstitucionalidade e o impreciso de Tribunais de Justiça dos Estados, para declara-
moa referência a atos de natureza nonua- ção de lei ou ato dos municípios que contrari-
tiva de que o nosso sistema de poderes assem as Constituições dos Estados. A Emen-
indelegáveis (art. 36, §§ l.oe 2.~conhe da n." 1, de 1969, previu. expressamente, o con-
ce apenas uma exceção no § 2. o do art. trole de constitucionalidade de lei municipal,
123 da Constituição"~5. em face da Constituição estadual, para fins de
A proposta de alteração do disposto no art. intervenção no munidpio (art. 15, § 3.0 , d).
64 da Constituição, com a atribuição de eficácia A Emenda n. o 7, de 1977, introduzju, ao lado
erga omnes à declaração de inconstitucionali- da representação de inconstitucionalidade, a
dade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, representação para fins de interpretação de lei
foi rejeitada46 • Consagrou-se, todavia, o mode- ou ato normativo federal ou estadual, outor-
lo abstrato de controle de constitucionalidade. gando ao Procurador-Geral da República a legi-
A implantação do sistema de controle de timidade para provocar o pronunciamento do
constitucionalidade, com o objetivo precípuo Supremo Tribunal Federal (art 119,1, e). E, se-
de "preservar o ordenamentojurídico da intro- gundo a Exposição de Motivos apresentada ao
missão de leis com ele inconviventes"47 veio Congresso Nacional, esse instituto deveriaevi-
somar, aos mecanismos já existentes, um ins- tar a proliferação de demandas. com a fixação
trumento destinado a defender diretamente o imediata da correta exegese da lei'll.
sistemajurídico objetivo. Finalmente, deve-se assentar que a Emenda
Finalmente não se deve olvidar que, no to- n. o 7, de 1977, pôs termo à controvérsia sobre a
cante ao controle de constitucionalidade da lei utilização de liminarem represl:fltação de inrons-
municipal, a Emenda n. o 16 consagrou, no art. titucionalidade, reconhecendo, expressamente,
124, XlII, regra que outorgava ao legislador a acompetência do Supremo TrIDunal para deferir
faculdade para "estabelecer processo de com- pedido de cautelar, formulado pelo Procurador-
petência originária do Tribunal de Justiça, para GeraldaRepltllica (CF 1967/1969, 3rt. 119, I,p"f.
declaração de inconstitucionalidade de lei ou 7. O controle de constitucionalidade na
ato do Município em conflito com a Constitui- Constituição de 1988
ção do Estado" .
Se a intensa discussão sobre o monopólio
6. O controle de constitucionalidade na da ação por parte do Procurador-Geral da Re-
Constituição de 1967/1969 pública não levou a uma mudança na jurispru-
A Constituição de 1967 não trouxe grandes dência consolidada sobre o assunto, é fácil de
inovações no sistema de controle de constitu- constatar que ela foi decisiva para a alteração
cionalidade. Manteve-se incólume o controle introduzida pelo constituinte de 1988, com a sig-
difuso. A ação direta de inconstitucionalidade nificativa ampliação do direito de propositura
subsistiu, tal como prevista na Constituição de da ação direta.
1946, com a Emenda n. 0 16, de 1965. O constituinte assegurou o direito do Pro-
A representação para fins de intervenção, curador-Geral da República de propor a ação de
confiada ao Procurador-Geral da República, foi inconstitucionalidade. Este é, todavia, apenas
ampliada, com o objetivo de assegurar não SÓ a um dentre os diversos órgãos ou entes legiti-
observância dos chamados princípios sensíveis mados a propor a ação direta de inconstituci-
(art. 10, VIl), mas também prover a execução de onalidade.
lei federal (art. 10, VI, 1.8 parte). Acompetência Nos termos do art. 103 da Constituição de
para suspender o ato estadual foi transferida 1988 dispõem de legitimidade para propor a ação
para o Presidente da República (art. 11, § 2. 0 ).
Preservou-se o controle de constitucionalida- 41 Mensagem n.O 81, de 1976, Diário do Con-
de in abstracto, tal como estabelecido pela gresso Nacio1lal. O Texto Magno de 1988 não man-
Emenda ".016, de 1965 (art. 119,1, f). teve esse instituto no ordenamento constitucional
brasileiro.
~5 Brasil. Constituição (1946), cit., p. 67.
49 A Constituição de 1988 manteve a competên-
46 Brasil. Constituição (1946), cit., pp. 88-90. cia do Supremo Tribunal para conceder liminar na
~1 BASTOS, Celso Ribeiro, op. cit., p. 65. ação de inconstitucionalidade (art. 102, I,p).
.
das oferecidas à Comissão da Organízação dos Pode-
res e Sistema de Governo, 1988, pp. 214 e 342.
SI ANscHOTz, Oerltard, 'krbandlungcn dca 34.
Juristentags, Berlim e Lcipzig, 1927. v. 11, p. 208.
constitucionalidade das leis estaduais, median- trole de constitucionalidade a ação declarató-
te requerimento do Presidente da República. ria de constitucionalidade.
A propositura da ação pelos partidos políti- A Emenda Constitucional 0.° 3, de 17 de
cos com representação no Congresso Nacional março de 1993, disciplinou o instituto firmando
concretiza, por outro lado, a idéia de defesa das a competência do Supremo Tribunal Federal
minorias, uma vez que se assegura até às fra- para conhecer e julgar a ação declaratória de
ções parlamentares menos representativas a constitucionalidade de lei ou ato normativo fe-
possibilidade de argüir a inconstitucionalidade deral, processo cuja decisão definitiva de méri-
de lei. to possuirá eficácia contra todos e efeito vin-
. ~salte-se que não são numericamente sig- culante, relativamente aos demais órgãos do
mficabvas as a~s propostas pelas organiza- Executivo e do Judiciário. Conferiu-se legitimi-
ções partidárias. E verdade, porém, que muitos dade ativa ao Presidente da República, à Mesa
dos temas mais polêmicos submetidos ao Su- do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos De-
premo Tribunal, no processo de controle abs- putados e ao Procurador-Geral da República.
trato, foram trazidos à baila mediante iniciativa Considerando a súbita repercussão da introdu-
dos partidos poHticos. Assim, a discussão so- ção do instituto, cumpre agora cogitar se repre-
bre a constitucionalidade da Emenda Constitu- senta ele um novum no modelo brasileiro de
cional n.o 2, de 1992, que antecipou o plebiscito controle de constitucionalidade.
sobre a forma e sistema de governo previsto no Em verdade, o dispositivo não inova. A im-
a~ 2.° do AJ?CT'2, o questionamento da legiti-
precisão da fónnula adotada na Emenda n.o 16-
mldade da lei do salário-mínimo'3, a controvér- representação contra inconstitucionalidade
sia sobre a legitimidade do pagamento median- de lei ou ato de natureza normativa, federal
te precatório para os créditos de natureza ali- ou estadual, encaminhada pelo Procurador-
mentícia~. Isto para não falar das diversas ações
?eral - não conseguia esconder o propósito
propostas contra a política econômica do Go- mequívoco do legislador constituinte, que era
verno". o de permitir desde logo, a definiçãO da con-
trovérsia constitucional sobre leis novas.
Ao lado desta ampla legitimação para a pro-
vocação do controle abstrato de normas cui- Não se fazia mister, portanto, que o Procu-
dou o constituinte de instituir mecanism~ (art. rador-Geral estivesse convencido da inconsti-
5.°, LXXI) para a tutela de direitos subjetivos ~io~li~de da ~rma. Era sufíciente o requi-
lesados em decorrência da omissão normativa. S1to obJetlvo relattvo à existência de controvér-
No mesmo passo, instituiu-se ainda processo sia constitucional. Dai ter o constituinte utili-
de controle abstrato da omissão normativa in- zado a fórmula equivoca - representaçdo con-
tra a inconstitucionalidade da lei, encaminha-
constitucional (arl103, § 2."), instituto-aexem-
pIo do anterior - ainda carente de conformação da fJf!h! Procurador-Geral da República - que
exphCItava, pelo menos, que a dúvida ou a even-
definitiva.
tual convicção sobre a inconstitucionalidade
8. A Emenda Constitucional n. o 3 de 1993: não precisava ser por ele perfilhada.
A açdo declaratória de constitucionalidade
~e. correta essa orientação, parece legitimo
. ~o bojo ~ reform~ tributária.de emergên- admlbr que o Procurador-Geral da República
CIa, mtroduzlU-se
no slstema brastleiro de con- tanto poderia instaurar o controle abstrato de
normas, com O objetivo precípuo de ver decla-
S2Cf. ADIN n'" 829, 830 e 831, Relator: Minis-
tro Moreira Alves, DJ 20.4.93, p. 6.758.
rada a inconstitucionalidade da lei ou ato nor-
mativo (ação declaratória de inconstituciona-
.~3 ADIN n.~ 737, proposta pelo Partido Demo- lidade ou representaçdo de inconstituciona-
crático TrabalhIsta - PDT, Relator: Ministro Morei- li.dade), como poderia postular, expressa ou ta-
ra Alves, DJ 22.10.93, p. 22.252. c1tamente, a declaração de constitucionalidade
S4 ADIN n" 672, Relator: Ministro Maroo Auré-
da norma questionada (açdo declaratória de
lio, DJ 4.2.92, p. 499. constitucionalidade).
S~ Cf, v.g., ADIN n. 0357, Relator: Ministro Carlos
Velloso, DJ 23.11.90, p. 13.622; ADIN n.O 562, Re-
A cláusula sofreu pequena alteração na
lator: Ministro Drnar Galvilo, DJ 10.9.91, p. 12.254; Constituiçãode 1967 ede 1967/69 (representa-
ADIN n. O605, Relator: Ministro Celso de Mello, DJ ~do do Procurador-Geral da República, por
5.3.93; ADIN n.O 931, Relator: Ministro Francisco Inconstitucionalidade de lei ou ato normati-
Rezek, DJ 2.9.93. vofederalou estadual - CF, 1967, art. 115, I, l;
ar..". a. 32 n. 126 . ../1l1li. 1e85
CF, 1967/69,art. 119,1,1). em tomo da representaçdo interventiva" -
O Regimento Interno do Supremo Tribunal confusão essa que contaminou os estudos do
Federal, na versão de 1970 56, consagrou expres- novo instituto - não permitiram que essas idéí-
samente essa idéia: as fossem formuladas com a necessária clareza.
Sem dúvida, a disciplina especifica do tema
"Art. 174.... no Regimento Interno do Supremo Tribunal
§ l°. Provocado por autoridade ou por Fedeml serviria à segurançajurldica. na medida
terceiro para exercitar a iniciativa previs- em que afastaria, de urna vez por todas, as COD-
ta neste artigo, o Procurador-Gera1, en- trovérsiasque marcaramo tema no direito c0ns-
tendendo improcedente a fundamenta- titucional brasileiro.
ção da súplica, poderá encaminhá-la com
parecer contrário". Entendida a representaçlJo de inconstitu-
cionalidade como instituto de conteúdo dú-
Essa disposição, que, corno visto, consoli- pUce ou de caráter ambivalente, mediante O
dava tradição já velha no Tribunal. permitia ao qual O Procurador..Qeral da República tanto
titular da ação encaminhar a postulaçllo que lhe poderia postular a declaração de inconstitucio-
fora dirigida por terceiros, manifestando-se, nalidadeda norma. como defender a d.ecJaraçllo
porém, em sentido contrário. de sua constitucionalidade. afigurar-se-ia legi-
Assim, se o Procurador-Geral encaminhava timo sustentar, com maior ênfase e razoabilida-
súplica ou rqJresentação de autoridade ou de de, a tese relativa à obrigatoriedade de o Pmcu-
terceiro. com parecer contrário, estava simples- rador..Qeral submeter a questão constitucional
mente a postular uma declaração (positiva) de ao Supremo Tribunal Federal. quando isto lhe
constitucionalidade. O pedido de representa- fosse solicitado.
ção, formulado por terceiro e encaminhado ao A controvérsia instaurada em tomo da re-
Supremo. materializava, apenas, aexistência da cusa do Procurador-Geral da R.epúblicaJll de
controvérsia constitucional apta a fundamen-
tar uma necessidade pública de controle.
'7 BUZAID, op. cit., p. 107; Barbosa Moreira,
Essa cláusula foi alterada, passando O Regi- As Partes na açIo dc:çlarat6ria de inconstitucionali-
mento Interno a conter as seguintes disposições: dade, Revisto de Direilo da Procuradorla-Geral do
..Art. 169. O Procurador-Ge131 da Re- Estado da Guanabara, n.O 13 (1964), p. 67 (75~76);
pública poderá submeter ao Tribunal. BRANDÃO CAVALCANTI, ThcmfstocJes, op. cit.,
mediante representação O exame de lei pp. 115 s.
ou ato nonnativo fedeml ou estadual, para ,. É certo que uma avaliaçio desse modelo brasi-
que seja declarada a sua inconstitucio- leiro de controle abstrato de nonnBll 1110 pode deixar
de considerar BIl circunstâncias polfticas dominantes
nalidade. durante todo o período de desenvolvimento dellllC
§ 1°. Proposta a representaç;to, não instituto. Os pressupostos indispensáveis penudos
se admitirá desistência, ainda que afinal por Kelllell para esse advopdo da ConsIin.içllo que,
o Procwador-Genl se manifeste pela sua segundo ele, deveria ser dotado de todas as garantias
improcedência." imagináveis tanto em face do Governo quanto em
Parece legitimo supor que essa modificação face do Parlamento (Wesen "nd Entwicklungder-Sta-
atgeri~ht.rhorkeit, VVDStRL 5 (1929), p. 30 (75».
não afterou, substancialmente, a idéia básica
nIo poderiam ser assegurados !Ob o império de um
que norteava a aplicaçlo desse instituto. Se o regime de exccçlo.
titular da iniciativa rnanifestava-se, afinal, pela O Procurador-Geral da República exercia, no
constitucionalidade da norma impugnada, é controle abstrato de nonnas, o papel especial de ad-
porque estava a defender a declaração de cons- vopdo da Constituiçdo, interessado exclusivamente
titucionalidade. na defCllll da ordem constitucional.
Na prática. continuou o Procurador-Geral a Com isso logrou o constituinte brasileiro positi-
oferecer representações de inconstitucionali- var proposta formulada por KelllCll quanto à insti-
dade. ressaltando a relevância da questão e tuiçlo de um advogado d4 Con.rJillliçlJo{Yerfll.JSlll'l-'
manifestarnlo-se afinal, muitas vezes. em favor gsanwalf) que deveria deflagrar o controle de normas
ex ojJir:io sempre que uma lei se lhe afigurasse incom-
da constitucionalidade da norma. patível com a Constituiçio (idem. ibídem). Ao c0n-
A falta de maior desenvolvimento doutriná- trário da representaçlo interventiva. que pressupõe
rio e a própria balbúrdia conceitual instaurada um interesse da Unilo na preservaçlo de principias
fundamentais da ordem federativa, o controle abstra-
36 Dl de 4 de 9Ctembro de 1970, pp. 3.971 e ss. to de nonnas independe de qualquer inteR:sse espc-
100
encaminhar ao Supremo Tribunal Federal repre- norma impugnada62 •
sentação de inconstitucionalidade contra o Ora, ao admitir o cabimento dos embargos
Decreto-Lei n. o 1.077, de 1970, que instituiu a infringentes opostos pelo Procurador-Geral da
censura prévia sebre livros e periódioogS9, não República contra decisão que acolheu repre-
serviu - infelizmente - para realçar esse outro sentação de inconstitucionalidade de sua pró-
lado da representação de inconstitueionalidadelíO• pria iniciativa, o Supremo Tnbunal Federal con-
De qualquer sorte, todos aqueles que sus- tribuiu para realçar esse caráter ambivalente
tentaram a obrigatoriedade de O Procurador- da representação de inconstitucionalidade, re-
Geral da República submeter a representação conhecendo implicitamente, pelo menos, que
ao Supremo Tribunal Federal, ainda quando ao titular da ação era legitimo tanto postular a
estivesse convencido da constitucionalidade declaração de inconstitucionalidade da lei, se
da norma61 • somente podem ter partido da idéia disso estivesse convencido, como pedir a de-
de que, nesse caso, o Chefe do Ministério Pú- claração de sua constitucionalidade, se, não
blico deveria, necessária e inevitavelmente, for- obstante convencido de sua constitucionalida-
mular uma ação declaratória - positiva - de de, houvesse dúvidas ou controvérsias sobre sua
constitucionalidade. legitimidadeque redamassem wn pronunciamen-
Na Representação n. o 1.092, relativa à cons- to definitivo do Supremo Tribunal Federal
titucionalidade do instituto da reclamação, con- Everdade que a Corte restringiu significati-
tido no Regimento Interno do antigo Tribunal vamente essa orientação no acórdão de 8 de
Federal de Recursos, viu-se o Procurador-Geral setembro de 1988 (Rp. n.<> 1.34-9, Relator: Minis-
da República, que instaurou o processo de con- tro Aldir Passarinho, RrJ 129, pp. 41 ss.). O Pro-
trole abstrato de normas e se manifestou, no curador-Geral da República encaminhou ao Tri-
mérito. pela improcedência do pedido, na con- bunal petição formulada porgrupo de parlamen-
tingência de ter de opor embargos infringentes tares que sustentava a inconstitucionalidade
da decisão proferida, que julgava procedente a de determinadas 0
disposições da Lei de Infor-
ação proposta, declarando inconstitucional a mática (Lei 0. 7.232, de 29 de outubro de 1984).
O Tribunal considerou inepta a representação,
cífico, sendcrlhe estranha mesmo a idéia de interesse entendendo que, como a Constituição previa
jurídico a ser protegido (Rp. n.o 700, Relator: Minis- uma ação de inconstitucionalidade, não pode-
tro Amaral Santos, p. 690 (714); Ação Rescisória n.o ria o titular da ação demonstrar, de maneira in-
848, Relator: Ministro Rafael Mayer, RTJ n.o 95, p. sofismável, que perseguia outros desiderato~.
49 (58); Rp. 11.° 1405, Relator: Ministro Moreira Embora o Supremo Tribunal Federal tenha
Alves, Diário da Ju.~tiça de 1.7.88).
considerado inadmissível representação na qual
Por isso, dever-se-iarn diferençar, de fOlllJ8 cl.ll1'll, oProcurador-GernJ da RcpúbJirn afirma, depJa-
as competências do Procurador-Geral da República. no, a constitucionalidade da oormaM , é certo
No primeiro processo, representava ele \) interesse
da União em face de um determinado Estado, que,
que essa orientação, calcada numa interpreta-
efetiva ou supostamente, desrespeitara princípio sen- ção literal do texto constitucional, não parece
sível estabelecido na Constituição. No controle abs- condizente, tal como demonstrado, com a natu-
trato, atuava Como representante do interesse geral reza do instituto e com a sua práxis desde a sua
com o propósito de instaurar o controle judicial das
normas estaduais ou federais (BANDEIRA DE CANIl, Themístocles, Arquivamento de represen-
MELLO,op. cit., p. 189; MENDES, Gilmar, Con- tação por inconstitucionalidade da lei, RDP R" 16, p.
trole de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e 169', CARDOSO, Adaucto Lucio, voto na Reclama-
polítit:os, São Paulo, Saraiva, 1990, pp. 230 e ss.). ção n.o 849, RTJ 50, pp. 347·8; BASTOS, Celso,
59 Reclamação n.O 849, Relator: Ministro Adalí-
Curso de Direito Constitucional, 1982, p. 69.
cio Nogueira. RTJ 59, p. 333. 62 Embargos na Repr=ntsçilo n." W92, Relator:
,., Cf., sobre o assunto, registros da discussão Ministro Néri da Silveira, RTJ n." 117, pp. 921 e ss.
travada no Conselho Federal da Ordem dos Advoga- &:l Rp. n." 1349, Relator: Ministro Aldir Passari-
dos do Brasil, em março de 1971, in: Arqui vos do nho, RTJ n.o 129. p. 41.
Ministério da Justiça, n.O 118 (1971), pp. 23 ss.
M Representação n. o 1349, Relator: Ministro AI-
61Cf., a ptopósito. MARINHo, Josaphat, In. dir Passarinho, RTJ n." 129, p,41. O Tribunal ~onsióe
constitucionalidade de lei - representação ao STF, rou inepta ti representação, entendendo que, como ti
RDP 12, p. 150; PEREIRA, Caio Mário da Silva, Constituição previa uma ação de inconstitucionalida-
voto proferido no Conselho Federal da OAB, Arqui- de, não poderia o titular da ação demonstrar, de manei-
vos do Ministério da Justiça, nO 118, p. 25; CAVAL- ra insofismáve\, que perseguia outros desideratos.
101
adoção pela Emenda n,o 16, de 1965. dade de se instaurar O controle abstrato com
Todavia, a Corte continuou a admitir as re- pedido de declaração de constitucionalidade,
presentações c, mesmo após o advento da tomaram inevitável a positivaç40 de um insti-
Constituição de 1988, as ações diretas de in- tuto específico no ordenamento constitucional,
constitucionalidade nas quais o Procurador- consubstanciado na ação declaratória de cons-
Gerallimitava-se a ressaltar a relevância da ques- titucionalidade.
tão constitucional, pronunciando-se, afinal, 9. ConclusiJo
pela sua improcedênciaM • Pelo exposto, constata-se tendência - ain-
Em substância, era indiferente, que o Pfo.. da que fragmentária - à adoção de um sistema
curador-Geral sustentasse, desde logo, a cons- aproximadc a modelos concentrados de con-
titucionalidade da norma, ou que encaminhas- trole de constitucionalidade. ?aTa umto, fazem-
se o pedido, para, posteriormente, manifestar- se necessários, entre outros, os seguintes apri-
se pela sua improcedência. moramentos:
Essa análise demonstra claramente que, a - criação de incidente de inconstitu-
despeito da utilização do tenno representaçiJo cionalidade, tal como acolhido no Subs-
de inconstitucionalidade, O controle abstrato titutivo do Relator-Geral da Revisão
de normas foi concebido e desenvolvido como Constitucional (Parecer Jl°27);
processo de natureza dúplice ou ambivalente. - desenvolvimento da eficácia geral
se o Procurador-Geral estivesse convenci- das decisões do Supremo Tribunal Fe-
do da inconstitucionalidade, poderia provocar deral (eficácia erga omnes, com a conse-
o Supremo Tribunal Federal para a declaração qüente supressão do obsoleto inciso X
de inconstitucionalidade. Se, ao revés, estives- do ano 52 da Constituiçi:) FedenIl), a p0s-
se convicto da legitimidade da nonIUl, então sibilitar a redução do colossal número de
poderia instaurar o controle abstrato com fina- feitos que ameaçam inviabilizar o funcio-
lidade de ver confirmada a orientação questio- namento da Corte;
nada. - adequado instrumento objetivo de
sem dúvida, a falta de um melhordesenvol- controle do direito pré-constituciona1;
vimento doutrinário sobre essa face peculiar da - via para controle da legalidade do
representação de inconstitucionalidade e a de- ato regulamentar, com a conseqOente
cisão do Supremo Tribunal na Representação supressão do inciso Vdo art. 49 da Cons-
n,o 1.349, que, praticamente, negou a possibili- tituição Federal.
1ft
Considerações acerca da
constitucionalidade na expedição de
medidas provisórias versando matéria
orçamentária pública (Nota Técnica nº 1/95)
sUMÁRIo
1. ll/trodução. 2. As leis orçamenfárias - sua
história. 3. A/anffestações do STF acerca de medi·
das provisorias. 4. Apresentação do prohiema. 5.
Conclusão.
1. Introdução
Com o trabalho em epígrafe. tecem-se con-
siderações acerca da expedição de medidas pro-
visórias versando matéria orçamentária pública
sob a Constituição Federal de 198&. Com esse
fito. foi compulsada bibliografia discriminada
ao término deste estudo. constituida por textos
doutrinários de obras consagradas. bem assim
textos de aTt\cuhstas rom foco específico sobre
a problemá1ica em tc\a. Foram. ainda. pesquisa-
das as jurispmdências do Supremo Tribunal
Federal ~ STF e do Superior Tribunal de Justiça
- STJ. Importante contribuição foi também ob-
tida nos pareceres do relator do processo de
revisão constituc\onat Deputado Nelson Jobitl\
pela atualid1de do trabalho. Finalmente. é de se
esclarecer que o posicionamento aqui estabe-
lecido. embora alicerçado nas fontes anterior-
mente referidas. é de op\nião do autor deste
trabalho.
Será apresentado. inicialmente. breve his-
tórico da matéria legal orçamentária na Jnglater~
ra - berÇO do Direito Constitucíonal- e no Bra-
siL como forma de incitar o leitor à compreen-
silo da relevância da matéria orçamentária nos
albores do Direito Constitucional e na proteção
da cid1dania.
A segu\r. far-se-á breve s\f\tese das deci-
sõcs do Supremo Tribunal Federal acerca da
temática das medidas provisórias, de forma a
Róhison Gonçalves de Castro é Consultor de fornecer supedâneo às afirmações que posteri-
Orçamentos.
8r••flla a. 32 n. 126I1br./Jun. 1995 103
ormente serão colocadas. que:
Em continuidade, realizar-se-á a explanação "A partir de agora, ninguém será obri-
do assunto central desse trabalho, já fornecen- gado a contribuir com qualquer dádiva,
do elementos que conduzem a conclusão que empréstimo ou beneficio e a pagar qual-
se encontra ao final. quer taxa ou imposto, sem o consenti·
2. As leis orçamentárias - sua história mento de todos, manifestado por ato do
As origens mais remotas do orçamento pú- Parlamento; e que ninguém seja chama·
blico são encontradas na Inglaterra. Lord Ma- do a responder ou prestarjuramento, ou
caulay, nos seus Ensaios sobre a história da a executar algum serviço, ou encarcera-
Inglaterra, de 1864, afinna que a máxima se- do, ou duma forma ou doutra, molestado
gundo a qual "todo imposto deve ser consenti- ou inquietado, por causa desses tributos
do pelo povo" era "tão antiga que ninguém pode ou da recusa em pagá-los."
precisara origem". No Brasil, a Constituição do Império (1824)
Os historiadores da Ciência das Finanças, atribuiu ã Assembléia Geral a competência para
no entanto, fixam essa origem na memorável fixar anualmente as despesas públicas e repar-
Magna Carta, salvaguarda das liberdades in- tir a contribuição direta. Prescreveu, ainda, que
glesas, outorgada - ou mais precisamente acei- "O Ministro da Fazenda, havendo
ta - pelo Rei João-sem-Terra (lohn Lackland) recebido de outros Ministros os orça-
emjunho de 1215, após a confrontação nos pra- mentos relativos às despesas de suas
dos de Runnymede. Isso antes mesmo da cria- repartíç(ies, apresentará na Câmara dos
ção do regime parlamentar, eis que a Câmara Deputados, anualmente logo que estiver
dos Comuns reuniu-se, pela primeira vez, em reunida, um balanço geral da receita e da
1265. despesa do Tesouro Nacional do ano an-
Na realidade, a Magna Carta foi aceita pelo tecedente e igualmente o orçamento ge-
Rei, que lhe após o selo real, por imposição dos ral de todas as despesas públicas do ano
barões, que a redigiram, rebelados contra os futuro e da importância de todas as con-
excessos tirânicos de João-sem-Terra, notada- tribuições e rendas públicas".
mente a elevação da seutage - um imposto pago Nossa primeira lei orçamentária, contudo,
pelos vassalos feudais para se eximirem do ser· somente adveio em 14 de novembro de 1827.
viço militar e para atender às despesas do exér- Alfred Buebter, professor de Finanças Pú·
cito real com as guerras - e outras exações tirâ- blicas da Universidade da Pensilvânia, asseve-
nicas. ra, lapidarmente, que "a história do orçamento
No item 12 da Magna Carta, ficou estabele- é a história de séculos de lutas pelo controle
cidoque: popular do tesouro público" (o grifo é nosso).
....No scutage or aid shall be imposed O Brasil, ao entrar no século:xx, ultrapas-
in the Kingdom un1ess by lhe common sou suas duas primeiras décadas sem maiores
council oflhe realm, except for lhe por- novidades na questão da organização das fi-
pose of ransoming lhe King's person, nanças públicas. O clima reformista e questio-
making bis first.oorn son knight, and nador que marcou a mesma época nos Estados
manying his eldest daughter once, and Unidos não foi sentido aqui. A economia brasi-
lhe aids for this purpose shalI be reaso- leira era caracterizadamente agroexportadora e
nable in amount." a industrialização eaurbanização eram fenôme-
"Nenhuma scutage ou taxa pode ser nos dmidos, a ponto de não exigirem grande
lançada no nosso reino sem o consenti- atuação do setor público.
mento geral, a não ser para armar cavalei- Em 1922, por ato do Congresso Nacional,
ro a nosso filho mais velho e para cele- foi aprovado o Código de Contabilidade da
brar, wna vez, o casamento de nossa fi- União. Tal nonna e seu regulamento Jogo baixa-
lha mais velha. E esses tributos não ex- do constituiram importante conquista técnica,
cederão limites razoáveis. De igual ma- pois possibilitaram ordenar a gama imensa de
neira se procederá quanto aos impostos procedimentos orçamentários, financeiros, con-
da cidade de Londres." tábeis e patrimoniais que já caracterizavam a
No BiII ofRights, de 7 de junho de 1628, a administração federal.
segunda Carta da Inglaterra, ficou estabelecido Para resumir, pode-se verificar que a ques-
1M
tão orçamentária no Brasil evoluiu de confonni· questionamento: como. então. poderia a ques-
dade às etapas políticas no País. Governos au- tão da cidadania, dos direitos e das liberdades
toritários afastaram o Congresso da delibera- do brasileiro estar solucionada?
ção do orçamento. bem assim como concentra- Resta evidente, no entanto, a importância
ram as receitas públicas nas mãos da União. da matéria dentro da evolução do País para o
Nas etapas democráticas a tendência era justa- que se denomina Estado democrático de direi-
mente a situação inversa.
to. O Relato! do Proce~ de Revisão Con~tltu
Convivendo com estas sístoles e diástoles cional. em seu parecer sob o capítulo que abran-
da vida política nacional. chegamos a 1988. onde ge a matéria orçamentária, asseverou:
nova Constituição democrática é promulgada, "O orçamento público é expressão fi-
mais uma vez descentrali7~ndoreceitas para os nanceira da cidadania. Sua origem remon-
níveis inferiores da Federação e chamando ° ta às primeiras lutas em favor da prote-
Congresso a exercer sua atribuição de atuar ção da cidadania e do controle político
sobre o orçamento. não só decidindo sobre ele, do cidadão sobre o Estado, estando inti-
mas também encarregando-o de sua fiscaliza- mamente ligada à própria gênese das
ção, a que a Lei Maior denominou de controle Constituições" .
externo.
Fica, assim, cristalina a relevância do pro-
Com este trabalho, contudo, queremos afir- blema que será discutido a seguir.
mar fato, que compromete todo esse processo
evolutivo, dado que leis orçamentárias têm sido 3. AlanifestaçiJes do STF acerca de medi-
promulgadas em desacordo com a Norma Cons- das provisórias
titucional. Antes. cuntudo. de passar à anàlise Sobre a materia "medidas provisOrias~,ex-
da questão, analisar-se-á com maior profundi- traiu-se algum conteúdo de decisões do Supre-
dade o dealbar do orçamento público nas na- mo Tribunal Federal, que se exporá, resumida-
ções desenvolvidas. mente a seguir, como elemento subsidiário à
É cristalino que o orçamento público é uma melhor compreensão da problemática em tela,
conquista das idéias democráticas liberais, su- dado que fundamentam a argumentação que
perando o absolutismo, na defesa dos direitos será sustentada:
do cidadão. Inicialmente, ao permitir que o \X)vo - As medidas provisórias configuram, no
decidisse, diretamente ou mediante seus repre- direito constitucional positivo brasileiro, uma
sentantes, quais tributos seriam pagos, evitan- categoria especial de atos normativos primári-
do a extorsão do Estado perdulário. Depois por os emanados do Poder Executivo, que se re-
lhe garantir igual participação na decisão acer- vestem de força, eficácia e valor de lei.
ca dos gastos públicos e na fiscalização de sua
execução. Finalmente, por lhe possibilitar a in- - Como a função legislativa ordinariamente
clusão no orçamento das despesas públicas pertence ao Congresso Nacional, que a exe~ce
que lhes proporcionem a garantia dos seus di- por direito próprio, com observâncla da cstnta
reitos e liberdades, onde incluímos as dotações tipicidade constitucional que define a natureza
das ativídades estatais, toma-se imperioso as-
destinadas a um Poder Judiciário administrati-
vamente independente. sinalar - e adverti r - que a utilização da medida
provisória, por constituir exceção derrogatória
Retomando à realidade de nosso País, é fá- do postulado da divisão funcional do poder,
cil admitir que a questão orçamentária está lon- subordina-se, em seu processo de conversão
ge de ser resolvida. Até porque o Orçamento é legislativa, à vontade soberana do Congresso
o retrato de uma Nação. Nele estão espelhados Nacional.
o sistema tributário, as questões do endivida-
- O que justifica a edição das medidas pro-
mento interno e externo, do tamanho e das fun-
ções do Estado. da solução aplicada ao federa- visórias é a existência de um estado de necessi-
lismo fiscal. à seguridade social, ainda os bene- dade, que impõe ao Poder Executivo a. ad~o
ficios e incentivos, a distribuição dos recursos imediata de providências de caráter legislatIvo,
por funções, naturezas e órgãos. Todos esses inalcançáveis segundo as regras ordinárias de
problemas, vitais por sua natureza, estão tonge legiferação, em face do próprio periculum in
de possuir solução adequada no Brasil. Corno mora que certamente decorreria do atraso na
se poderia esperar que o orçamento fosse uma concretização da prestação legislativa.
- A plena submissão das medidas provisó-
questão bem resolvida? E daí retiramos outro
loa
constar do texto constitucional o impe- tanto, aperfeiçoada para que ocupe o am-
dimento de que medidas provisórias se- plo espaço que lhe foi reservado como efê-
jam usadas paro alterar quaisquer das leis tivo elemento do processo orçamentário."
a que se refere o capítulo em tela". A determinação concretizada no art. 166, §
Com a edição de tais medidas provisórias, o 3.° da Constituição, segundo a qual "as emen~
Poder Executivo tem pretendido alterar a lei de das ao projeto de lei do orçamento anual ou aos
diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária projetos que o modifiquem somente podem ser
mediante utilização de ato legal de uso restrito aprovadas caso sejam compatíveis com o pla-
a situação emergencial e que não poderia ter nQ p\mianual eoom a lei demtetriz.es~
versado sobre a matéria em razão de vários obs- tárias", seria tornada letra morta, pela lmpoSSl-
táculos opostos pela própria Constituição. A bilidade de seu atendimento. E, "a Constituição
Carta Magna abre exceção ao que dissemos não pode submeter-se à vontade dos Pode~es
quando estatui: constituídos e nem ao império dos fatos e cu-
"Art. 167. São vedados: . cunstâncias", conforme manifestou o STF.
De outro lado, a Constituição, na ausência
§ 3.° A abertura de crédito extraordi- de lei complementar sobre a matéria, fixa, no §
nário somente será admitida para aten- 2.° do art. 35, de suas disposições transitórias,
der a despesas imprevisíveis e urgentes, o cronograma rígido de encaminhamento e apre-
como as decorrentes de guerra, como- ciação das leis orçamentárias e, especificamen-
ção interna ou calamidade pública, ob- te, em relação à LDO, impede, mesmo, a inter-
servado o disposto no art. 62." rupção de sessão legislativa antes de sua apro-
Entende-se que somente nesse único caso, vação (art. 57, § 2.°). Parece, assim, claro, que a
pode-se valer o Executivo da edição de medi- Constituição veda modificações na LDO, após
das provisórias em matéria orçame~~ria, por o seu envio para a sanção, salvo os decorren-
ser exceção constitucionalmente admItida e pela tes de veto. Qualquer alteração na LDO, por
nature7.a emergencial da matéria de que tratam. iniciativa do Poder Executivo, somente terá lu-
Nos demais casos. a própria Lei Maior contém gar antes de iniciad.a a votação, na Comissão
impedimentos para que se proceda dessa forma. Mista da parte cuja a\\etaçào é Jlroposta, ÇQfl-
° pri meiro óbice, de narnreza lógi~-te~po
ral, não admitiria alteração da lei de dlretnzes
soant~ decreta expressamente o art. 166, § 5.°
da Carta Magna.
orçamentárias após o térmi no da elaboração da O segundo aspecto a ser abordado refere-
proposta orçamentária anual pelo Executivo, se ao veÍCulo utili7.ado. Dentro da Seção da
pois o orçamento anual, de acordo com a Cons- Constituição que trata especificamente das ~e~s
tituição, deve obedecer a parâmetros preesta- orçamentárias, a Constituição autoriza, expliCl-
belecidos por cláusulas balizadoras, materiali- tamente o uso de medidas provisórias em um
zadas no Plano Plurianual e na LIX). único c;so, quer seja, para a abertura de .crédi-
Admitir-se alteração na LDO após elabora- tos extraordinários nas hipóteses autonzadas
do o orçamento seria destituir de sentido aque- (art. 167, § 3,0). Nenhumesforçoexeg~ticoto~
la lei e permiti r que o Executivo inverta a lógica na-se necessário, pois, para se conclutr terrnt-
da hierarquia legislativa, executando oorçamen- nativamente que, ressalvada a hipótese aven-
to como melhor lhe aprouver, e depois tentan- tada está afastada qualquer outra utilização de
do adequar as diretrizes às s~as ações !legais. medidas provisórias versando matét?a orça-
Nelson Jobim, sob o tema, aSSlm se manifestou: mentária pública. Como bem lembra o t1ustrado
Deputado José Serra, em ~ mais recente.o~ra
"De outra parte, o Substitutivo agru- sobre a temática orçamentána, durante a V1gen·
pou, em um mesmo capitulo, o planeja- cia da Constituição de 1967, o Governo Militar
mento e o orçamento por entender que jamais usou de decretos-leis para modificar leis
são temas afins, que se hierarquizam e se orçamentárias.
sucedem cronologicamente."
Outra face da questão consiste na titulari-
E ainda: dade da competência para a apreciação de qual-
"Introduzida pela Constituição de quer proposição legislativa que envolva maté-
1988, a Lei de Diretrizes Orçamentárias ria orçamentária. Neste particular, está sendo
(LDO) tem-se revelado um instrumento novamente afrontado o Estatuto Fund.amental,
de relativa eficácia, podendo ser, entre- que reserva, em seu art. 166, § 1.0, inciso I, à
8,..t1l_ _ . 32 n. 126 -"'JJun. 1995 109
Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públi- E O que não pode o Presidente da República
cos e Fiscalização, a competência de examinar e fazer nem mesmo por delegação do Poder com-
emitir parecer sobre os projetos orçamentários, petente, jamais poderia ser feito sob a forma de
da qual se fwtam a tramitações de medidas pr0- usurpação. O que não pode ser objeto de dele-
visórias, que seguem o seu rito próprio, institu- gação legislativa, menos poderia ser, obliqua-
ídopela Resolução n.o01, de 1989-CN. mente, alvo de Medida Provisória, que possui
O legislador constituinte, ao outorgar ao vigência e efeitos imediatos.
Congresso Nacional, a competência indelegá- O aspecto mais grave, todavia, da continui-
vel de dispor sobre planos plurianuais, diretri- dade dessas adoções de atos extravagantes pelo
zes orçamentárias e orçamentos (art. 48,11 e art. Presidente da República, é aquele referente à
68, § 1.0, lU), pretendeu garantir ao povo e às independência dos Poderes. A medida provi-
Unidades Federadas a prolação da última pala- sória constitui exceção derrogatória do postu-
vra a respeito do conteúdo dos dispêndios pú- lado da divisão funcional do poder; no entan-
blicos, bem como das formalidades que a ativi- to, possui limites. A intromissão, por essa for-
dade a eles relativa deverá atender, de maneira ma, do Poder Executivo em assuntos que esca-
a se assegurar a correção de seu exercício. De pam à sua alçada, consubstancia-se em intole-
grande justiça o dispositivo: se é o povo que rável invasão de competência, com a qual não
contribui para as despesas do Estado, natural pode compactuar o Congresso Nacional sob o
que a ele se reserve a eleição das prioridades a risco de se tornar Poder secundário da Repúbli-
serem perseguidas. ca. Não pode o Parlamentoeximir-se do aunpri-
As medidas provisórias em discussão, pos- mento de suas mais elementares missões cons-
to que em atenção a relevantes interesses polí- titucionais, entre elas a de zelar pela preserva-
ticos tenham sido admitidas pelo Congresso ção de sua competência legislativa em face da
Nacional, deparam-se, sem dúvida, submetidas atribuiçao normativa de outros Poderes e a de
a um exame acurado, com a constatação de que sustar os atos do Poder Executivo que exorbi-
a matéria por elas regulada é precisamente o tem do poder regulamentar ou dos limites de
maior óbice em desfavor de sua admissão como delegação legislativa, consagrados nos incisos
constitucional. Aquela matéria - diretrizes or- XI e V, respectivamente, do art. 49 do Diploma
çamentárias - está situada em posição imune Supremo.
ao alcance das medidas provisórias, estando 5. Conclusão
tal exclusao explícita na /ittera do art. 68 da Diante do exposto nas partes anteriores,
Constituição, dispensando maiores elaborações pode-se extrair a conclusão que medidas provi-
da hermenêutica. Ademais, como visto, veda a sórias que tratam de matéria orçamentária são
delegação legislativa em matéria orçamentária inconstitucionais, salvo aquelas que contêm
o inciso III do § 1.0 do art. 68 da Lei Maior, créditos extraordinários, porque:
verbis: a) usurpam competência legislativa indele-
..Art. 68. As leis delegadas serão ela- gável;
boradas pelo Presidente da República,
que deverá solicitar a delegação ao Con- b) atentam contra o princípio da separaçao
gresso Nacional. dos poderes, de que a medida provisória é ex-
§ 1.° Não serão objeto de delegação ceção.
os atos de competência exclusiva do Assim lastreado, pode-se asseverar que
Congresso Nacional, os de competência qualquer iniciativa legal pertinente a matéria
privativa da Câmara dos Deputados ou orçamentária, com a exceção supracitada. ha-
do Senado Federal, a matéria reservada à verá que se acomodar em projeto de lei, vedada
lei complementar, nem a legislação sobre: qualquer outra espécie de proposição.
I - organização do Poder Judiciário e Pode-se, ainda, inferir que, dada a magnitu-
do Ministério Público, a carreira e a ga- de do tema, exposta na avaliação histórica inici-
rantia de seus membros; almente realizada, bem assim como pela preo-
11 - nacionalidade, cidadania, direi- cupação com o tema que teve o Relator do Pr0-
tos individuais, poHticos e eleitorais; cesso de Revisão Constitucional, as recorren-
tes violações que vêm ocorrendo constituem
IH - p/anos plurianuais, diretrizes precedente de indisfarçável indisposição das
orçamentárias e orçamentos. " forças políticas que ocupam os Poderes Execu-
BASTOS, Celso Ribeiro Curso de Direito Constitu- JOBIM, Nelson. Pareceres às emendas apresenta-
cional. 12" ed., São Paulo, Saraiva, 1990. das ao processo de Revisão Constitucional na
qualidade de Relator-Geral. Brasília, 1994.
BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. MELLO Fli.HO, José Celso de. Considerações s0-
Comentarios à Constituição do Brasil V. 6, bre as Medidas Provisórias. Revista da Pro-
t. 2. São Paulo, Saraiva, 1991. curadoria Genll do Estado de São Paulo. 1990.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucio- MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucio-
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111
Requisitos para Ministro e Conselheiro de
Tribunal de Contas
ff4
Os princípios informadores do contrato
de compra e venda internacional na
Convenção de Viena de 19801
JUOITH M"RJINs-CoSJA
SUMÁRIO
Introdução
I) Se no plano do di reito interno cresce, pro-
gressivamente. a ntenção doutri nária ejurispru-
dencíal ao papel dos princípios jurídicos na
regulação, conformação e aplícação de celtas
i nstítutos 2 • com mwto mais razão, no campo do
direito dos contratos internacionais. os princí-
118
admitem a consuetudo como fonte legítima de contratuais no comércio internacional, tendo em
produção normativa. conta a diversidade dos sistemas jurídicos na-
O que se tem. na verdade, é uma mescla de cionais l4 . As condições gerais dos contratos,
modelos de fontes. de um lado o modelo da ou condições gerais de venda, constituem a
prática, traduzida na expressão "usos do co- consolidação de modalidades usuais na con-
mércio internacional", origem da [ex mercato- tratação: são "regulamentações detalhadas às
ria, de outro o modelo da regulamentação de quais as partes podem se referir em suas nego-
ordem convencional. Em ambos convivem os ciações"I~, facilitando, assim, a tarefa de estru-
prin,eípios que. em geral, passam do plano da turar e redigir o instrumento negociai; os con-
prátlca para o plano da regulamentaçãojuridica tratos-tipo assemelham-se às condições gerais
convencional, sendo, desta forma, recolhidos de venda, porquanto constituem, igualmente
ou recebidos pelo direito escrito 11 • "regulamentações ou fórmulas padronizadas:
com numerosos pontos comuns, diferindo ge-
Inviabilizado o modelo "puro" de regula· ralmente tão-só no que tange às particularida-
~entação punctual das regras contratuais, em des de cada ramo do comércio"16. Por sua vez
VIrtude das próprias especificidades do comér- os incoterms. expressão que designa os "ter-
cio !nt~rnacional, admite-se, outrossim, que a mos usuais do comércio internacional", consti-
ausenC13 de qualquer regulação poderia con- tuem espécie de súmula dos costumes interna-
d,u~ir a um estado de profunda insegurançaju-
cionais em matéria de compra e venda, repre-
ndlca. Por esta razão a Comissão de Direito sentadas por dez siglas, periodicamente edita·
Comercial das Nações Unidas, mais conhecida das pela Câmara do Comércio Internacional, que
pela sigla UNCITRAL I2 , vem há décadas se indicam certas cláusulas-padrão nesses contra-
dedicando à tentativa de normatizar os pontos tos~ estas contemplam outros deveres resultan-
mais polêmicos desse comércio, em especial a tes do vínculo que não os deveres principais
arbitragem, o câmbio, a moeda e, de forma parti- de entregar a coisa e pagar o preçol?.
cular, o contrato de compra e venda, À UNCI·
6) Ora, pelo mero arrolamento das fontes
TRAL se deve a organização das convenções
sobre o tema, entre elas a Convenção de Viena usuais do contrato de compra e venda interna-
de 1980, fonte da mais importante regulação con-
cional já se pode perceber QUe, nesta matéria, a
vencional a esse respeito. tendência é a de unificar e unifonnizar as regras
contratuais. A unificação, contudo, não sofre,
5) Importa lembrar que, entre as fontes de em nossos dias, da pretensão codificadora oi-
produção normativa dos contratos internacio- toccntista que buscou sistematizar e reduzir
nais estão as leis uniformes, as condições ge- todo O direito a um mesmo corpus normativo.
rais dos contratos, os contratos-tipo e os in- Hoje em dia objetiva-se. mais do que uma unifi.-
coterms. Como é por todos sabido, as chama-
das leis uniformes resultam de convenções in- tra~sferência de propriedade na C&V Internacional,
ternacionais 13 e pretendem uniformizar as regras HaIa, 1958; a Convenção sobre Competência, Haia,
1958; a Convenção Unifonne sobre a Compra e Ven-
11 É, de fato, característica dos princípios jurídi- da Internacional, Haia, 1964; a Lei Unifonne sobre a
cos o fato de terem sua origem na prática, ou "direito Fonnação dos Contratos, Haia, 1964; e a Convenção
costumeiro", Daí existirem alguns que se situam em sobre a Compra e Venda de Mercadorias, VleJla, 1980.
'~zona pré-positiva", sendo progressivamente posi- 14 Estudo interessante sobre o caráter nonnativo
tlvados seja por intervenção legislativa, seja por in- dos tratados internacionais - que constituem, ao
tervenção judicial, que os "recolhem" e completam o mesmo tempo, ~ato jurídico" e nonna - está em Paul
seu processo de positivação. No caso do direito in- Reuter, "Le Traité Intemational, acte et nonne", in
ternacional, as leis unifonnes, as convenções e a arbí- Archil'es de Phi/osophie du Droit, 32, 1987, p. 111,
tragem cumprem este papel de recolha e positivaçãO. onde acentuado o seu caráter paradoxal, no qual se
12 Uniled Natiam Comission for Internationa/
combinam "lei" e "contrato", prevalecendo. contu·
Trade Law, criada pela ONU em 17 de dezembro de do, segundo o autor, os aspectos consensuais.
1962 com a especlfiCB missão de "fomentar a hanno- 15Nesse sentido, SUZlIn Lee Z8ragoza de Rovira
nização e a unificação progressivas do direito comer- "Estudo Comparativo sobre os Contratos Internaci~
ciai internacional através da coordenação dos traba- onais: aspectos doutrinários e práticos", in COfltra-
lhos de outras organizações: preparar novas conven- tos Internacionais, Ed. Revista dos Tribunais, Silo
ções; infonnar sobre as legislações nacionais inclu- Paulo, 1985, p. 61.
indo a jurisprudência". ' l'Idem. ibidem.
n ~o consideradllS leis unifonnes a Convençio 17 Assim, Maria Lu~a Machado, "Os Incoter-
de HaIa, 1955, a COI1venção sobre a lei aplicável à ms", in Contratos Internacionais, cit., pp. 143 e ss.
120
A expressão "boa-fé objetiva" se despren- ternacional que o princípio exprimia não ape-
de, portanto, da pesquisa da intencionalidade nas um estado psicológico, o conhecimento ou
da parte, de nada importando, para a aplicação a ignorância do fato (acepção subjetiva), mas
do princípio. a sua consciência individual no indicava referência aos usos, a uma "regra mo-
sentido de não estar lesionando direito de ou- ral de comportamento". A boa-fé na acepção
trem ou violando regrajuridica. O que importa é objetiva traduzia, assim, tleterminadas exigên-
a consideração de um padrão objetivo de con- cias de comportamento que poderiam ser re-
duta, verificável em certo tempo, em certo meio conduzidas ao princípio geral da responsabili-
social ou profissional e em certo momento his- dade, por forma a conduzir, no caso concreto, à
tórico J9 • aplicação das regras concernentes à responsa-
a.2) Deveres que decorrem da boa-fé bilidade contratual por ruptura do ajuste, e o
Do princípio geral da boa-fé objetiva nas- conseqüente dever ressarcitório à parte preju-
cem, em matéria contratual, outros princípios, dicada pela ruptura.
como o da responsabilidade e o da tutela da Outros casos, recolhidos da prática do c0-
confiança legítima. e certos deveres de condu- mércio internacional, bem demonstram a extre-
ta aos quais as partes estão adstritas mesmo se ma abrangência do princípio da boa-fé. Na ver-
não explicitados, estes deveres, no instrumen- dade, este se põe como uma concha hospedei-
to contratual. Já antes de expressamente con- ra de uma imensa gama de deveres. No "caso
sagrado pela Convenção de Viena, o princípio Amco"41, o princípio da boa-fé foi consagrado
da boa-fé vinha sendo aplicado nas relações como gerador do dever de não-contradição, o
comerciais internacionais corno "princípio ge- qual vem indicado, em certos sistemas, pelo
ral do direito contratual integrante da lex mer- brocardo venire contra factum proprium, atu-
catoria". Foi enunciado, por exemplo, em 16 de almente reconduzido. nos sistemas da civil law,
outubro de 1979, no célebre "caso Norsolor"4ll. à boa-fé objetiva. Efeitos similares são atingi-
Na espécie, afirmou a Câmara do Comércio In- dos, no sistema anglo-saxão, pelas regras da
estoppel4l •
39 Fundamental para esta compreensão é o dis- Como se vê, este princípio, além de atuar
crime entre os princípios e as regras. ambos espécies
como cânone hermenêutico, importa na criação
do gênero "norma jurídica". Segundo Dworkin, am-
bos têm a mesma substância, distinguindo-se, contu- de deveres para as partes, deveres estes que,
do, entre si, em função das diversas dimensões de numa relação contratual, se alocam a lalere dos
sua atuação. As regras são aplicáveis como disjunti- deveres principais43 - na compra e venda, o
vas .. isto é, ou se aplicam ou não se aplicam - con- dever de transmitir o domínio, para O vende-
forme haja ou não a correspondência extra entre a dor, e de pagar o preço, para o comprador. Na
hipótese abstratamente prevista e o fato concreto. Convenção está posto, como cânone herme-
Se os fatos que são previstos abstratamente pela nêutico, no art. 7, retrocitado. Suas conseqüên-
regra se conflguram. ou bem a norma incide e projeta cias, no que concerne à criação, confonnação e
eficácia. ocorrendo, aI. as conseqüências da estatui- regulação dos direitos e deveres laterais po~
ção. ou bem não incide. e, então, de nada importa a
sua exislência (rectills: previsão normativa) para a
dem ser vislumbradas nos seguintes artigos:
decisão do aplicador da lei. Obedecem, portanto, ao
do por Goldman. mesma revista, p. 379.
critério do tudo ou nada. Diferentemente, os princí-
41 Ref. in JOllma/ dll Droit lntemationa/, 1981,
pios jurídicos de valor não estabelecem "conseqüên-
cias" que possam operar automaticamente quando p. 914 e aludido por Kahn, op. cit., p. 323.
satisfeitos os pressupostos abstratamente previs- 42 O princípio do venire contra jactum proprium
tos. Isto porque obedecem. os princípios, á dimen- indica li proibição de se beneficiar de suas próprias
são do pe.m e do valor. não apontando apenas a um contradições em detrimento de outrem. Seu campo
tipo de decisão em particular. Podem, portanto, se primordial de aplicação é o direito processual, embo-
assim o indicarem as circunstâncias concretas, ser ra não se restrinja a este. No sistema da common law
afastados em razão da colidência com outro princí- é conhecido sob a denominação de estoppel, tendo a
pio (Dworkin, op. cit.. pp. 75 e ss). Assim opera o função de flexibilizar o formalismo processual ve-
principio da boa-fé objetiva. Não é "pensável" a sua dando à parte que, por suas declarações, sua atitude,
aplicação se adotado o critério próprio ás regras. As seus atos, enfim, conduziu a outra parte a modificar
circunstâncias concretas são determinantes e vincu- a sua posição em seu próprio detrimento.
lantes da ação do intérprete. que deve pesá-las e va- 4J Assim, Clóvis do Couto e Silva, "O Princípio
lorá-las complessivamente. da Boa·fé no Direito Brasileiro e Português", in Es-
40 Referido por P. Kahn, op. cít.. p. 321. Este t14dos de Direito Civil Brasileiro e Português, Ed.
caso vem reproduzido na Rev. Arb. 1983, e comenta- Revista dos Tribunais. São Paulo, 1988, p. 43.
121
- art. 27: prevê o direito da parte que comu- perder o direito a exigir. do vendedor. a cxecu-
nicou. notificou ou avisou a outra, e cujo aviso, çao das suas obrigações contratuais;
comunicação ou notificação se atrasou ou re- - art. 54 : assinala o dever de diligência,
cebeu equivocada transmissão. prevalecer-se que incumbe ao comprador, para que as finali-
de tal comunic3ça<> desde que ela tenha sido feita dades do contrato sejam plena e eficazmente
"por um meio adequado às circunstâncias"; alcançadas;
- art. 32. I : contém o dever de aviso. que - art. 62: contém o dever de lealdade, in-
incumbe ao vendedor, de comunicar ao com- cumbente ao vendedor, na execuçlo do contra-
prador que expediu as mercadorias, se estas não to, sob pena de incidir, como ocorre para o com-
estiverem "claramente identificadas para os fins prador. a vedação do principio do venire con-
do contrato"; trafaetum proprium;
- art. 32, 2 : prevê o dever de diligência. - 3rt. 68 : prevê o dever de informar. a cargo
que incumbe ao vendedor, quando estiver obri- do vendedor, sobre o risco de perda, deteriora-
gado a tomar providências para o transporte ção ou perecimento das mercadorias, se tal ris-
das mercadorias, devendo "celebrar os contra- co conhecia OU "deveria saber". sob pena de
tos necessários para que o transporte seja efe- inversão da regra do risco contratual;
tuado até o lugar previsto, pelos meios de trans- - art. 77: prevê o dever de cooperar com a
porte apropriados às circunstdncias e nas con- contraparte para o bom adimplemento do con-
dições usuais de tal transporte"; trato e de tomar as medidas necessárias para
- art. 32, 3 : assinala o dever de informar, ntlo aumentar o seu prejulzo, traduzindo o que
que incumbe ao vendedor. relativamente às con- no direito anglo-saxão é conhecido como duty
dições para o estabelecimento do seguro sobre of mitigate: o credor deve tomar as medidas
a mercadoria vendida, se não estiver obrigado necessárias e razoáveis. à vista das circunstân-
a subscrever. ele próprio, uma apólice de segu- cias. o que o traduz., também, como manifesta-
ro de transporte; ção do principio da razoabilidade~
- art. 35. 1e 2, alínea d: prevê os deveres de - art. 79. 4: prevê o dever de informar, a
guarda. custódia e adequado acondiciona- cargo de ambos os figurantes da relação con-
mento das mercadorias. os quais incumbem ao tratual. quaisquer fatos impeditivos da execu-
vendedor; ção das obrigações contratuais e os seus efei-
- art. 35,2 : regula o dever, incumbente ao tos no cumprimento do contrato.
vendedor. de adequar as mercadorias vendi- Como se observa. é extenso o rol dos deve-
das às finalidades do contrato; res que decorrem da boa-fé e cuja quebra pode
- art. 35, 3 e art. 36, I e 2 : assinala dever de conduzir inclusive à configuração do inadim-
garantia. no caso. o de garantir a coisa vendi- plemento contratual, mesmo quando prestada
da contra riscos; a obrigação principaL Constitui, nesse sentido,
umafonte de otimização da conduta contralu-
art. 38, I : contém o dever (que incumbe ao a~. tendo em vista o pleno e eficaz atendimen-
comprador) de examinar as mercadorias rece- to da finalidade para a qual foi criado o vinculo.
bidas em prazo breve, "tendo em conta as cir- qual seja, o adimplemento contratual.
cunstâncias"·\ É característico dos principios jurídicos.
- art. 46, I: registra o dever, incumbente ao além da multifuncionalidade que lhes é própria.
comprador. de agir eom lealdade na execução a interconexão com outros principios ou regras
do contrato e conseqüente proibição do venire pertencentes ao sistema ou micr0s9stem8 onde
contra factum proprium - que é um princípio inseridos. Nessa perspectiva, articula-se à boa-
decorrente da boa-fé objetiva·' - sob pena de fé objetiva o padrão do comportamento razoá-
.... Aqui se nota a atuação, sempre in concreto, do velou standard da razoabilidade.
princípio da boa-fé objetiva: a sua aplicaçio jamais
prescinde do exame das circunstâncias objetivas do
caso. Para o exame punctual da obrigação de exami· brasileiro in "O Principio da Boa-fé", Rm$ta Ajuri.r,
nar 8S mercadorias, vide Ben Abderrahmane, "La v. 50, p. 207, Porto Alegre, 1990.
Confonnité des marchandises dans la Convention de
.. Sobre 09 princlpios juridic09 de valor como
Vienne du 11 avril 1980 sur Ies contrats de vente inter-
"fontes de otimização" de condutas ver, por todos,
nationale de marchandises", in Droit et Pratique du
Robert Alexy, "Sistema Jurldico, Principios y Ra-
C ilmmerce InternatiOllal, v. 15,4, 1989, pp. 555 e 98.
zôo Práctica", in Revista Dom, Universidad de A1i-
•! Comentei a aplicação do princípio no direito cante, 1988, p. 143.
122
B) o princípio da razoabilidade circunstâncias concretas do caso e das finali-
O princípio da razoabilidade traduz o stan- dades da existência da própria relação contra-
dard da reasonable person, uma das mais im- tual. No contexto da Convenção, devem ser ti-
portantes contribuições do direito norte-ameri- das em conta, na sua aplicação, as circunstân-
cano à Convenção. Este não vem expresso, cons- cias e as peculiaridades do comércio internaci-
tituindo, portanto, o que a doutrina nomeia por onal, e, inclusive, de cada setor econômico deste
"princípio inexpresso ou implícito". O fato de comércio: as circunstâncias do comércio de ae-
não estar expresso não lhe retira a força vincu- ronaves são. por certo, diversas daquelas do
lante e o seu perfil é deduzido de regras que comércio de produtos agrícolas, e cada uma
permeiam toda a Convenção. delas deve ser, em particular, consideradasl .
Segundo anota Clóvis do Couto e Silva· 7 , o b.2) Normas decorrentes do principio
conceito de "irrazoabílidade" de certa conduta O princípio geral da razoabilidade admite
ou de certa disposição contratual deve-se à cri- numerosas variantes. V.g., o padrão da pessoa
ação dos tribunaisjudiciários norte-americanos razoável, o do comportamento razoável, O da
que, mesmo antes da adoção, pelo Uniform disposição contratual razoável, o do prazo
Commercíal Code, do conceito de unconscío- razoável. Expressa-se, de maneira especial, nas
nah/eU!, "manipulavam a aplicação das leis ou seguintes disposições:
fatos para impedir resultados intoleráveis em - art. 8, I : contém nonna de interpretação
certos contratos de adesão". Desta forma, por das declarações de vontade e comportamento
construçãojurisprudencial, foi elaborado o con- das partes, levando-se em conta a intenção do
ceito de "cláusula não razoável" o qual "permi- declarante "quando a outra parte conhecia ou
tiu que se pudesse considerar. no direito ameri- não podia ignorar tal intenção", vale dizer, ~
cano, não escrita a disposição contratual que do. razoavelmente ou segundo o senso comum,
ferisse a "consciência"49 ou atribuir ao juiz o não seria lícito à parte para a qual dirigida a
direito de reduzir-lhe os efeitos a quase nada"50. declaração ignorar o sentido que a contraparte
b.l) CaracterizaçiJo lhe teria querido dar: trata-se, pois, de referên~
Na substância do conceito de cláusula irra- cia à vontade cognoscivel, forçando as partes
zoável está um parâmetro de conduta. o da ra~ "a uma maior responsabilidade na sua atuação,
zoabilidade. Standards constituem arquétipos que é sobretudo exigível no domínio do comér-
exemplares da experiência social concreta que cio intemacional"s2;
são chamados a atuarjuridicamente, ou através - art. 8. 2 : o arquétipo do comportamento
de princípios ou através de cláusulas gerais, razoável está aí expresso na medida em que,
proporcionando ao intérprete um critério de inaplicável a norma de interpretação do pará-
aplicabilidade do conjunto normativo. Existen- grafo anterior, por qualquer circunstância que
te o princípio ou a cláusula geral. o intérprete é obste a pesquisa da intenção do declarante
reenviado ao standard. o qual, por isso, não devem as declarações e os comportamentos
permite visualização in ahstracto. sendo de serem interpretados "segundo o sentido que
dogmatização inviável. lhes teria dado uma pessoa razoável, com qua-
Poder-se-ia afinnar que o padrão da razoa- lificação idêntica à da contraparte e colocada
bilidade constitui a tradução do "senso co- na mesma situação". Como se percebe, de pou-
mum"', vale dizer, do que é tido, como em certas co importa, aqui, a pesquisa da intenção do
circunstâncias. em certo momento e em certa agente. O que deve o intérprete verificar é se,
comunidade (seja nacional. cultural, profissio- razoavelmente, a tal ou qual declaração ou a
nal ou outra) como racional, equilibrado. pru- certo comportamento poderia ser atribuído de-
dente ou sensatQ. Também é con<:eito pata set tenninado significado. Para \2..\ verif~es
concretizado: sua aplicação se faz, como a do tará ainda o standard vinculado à identificação
princípio da boa-fé objetiva. sempre à vista das entre a qualificação (profissional. técnica, cien-
47 In O Princípio da Boa-Jé e as Condições Ge- SI Ver, nesta Revista, Vera Maria Jacob de Frade-
rais dos Negócios, op. cit., p. 31. ra, "O Conceito de Inadimplemento Substancial no
art. 25 da Convenção de Viena de 1980.....
48UCC, parágrafo 2-302.
~2 Assim, Maria Angela Bento Soares e Rui Ma-
~9 Entre
aspas. no original. nuel Moura Ramos, Cantratoslntemacionais- Com-
~Clóvis do Couto e Silva, ob. por último cit., p. pra e Venda, Cláusulas Penais, Arbitragem, Ed. Li-
32. vraria Almedina. Coimbra, 1986. 39.
1R
tojurídico receba. em mais de um sistema, idên- sistemas jurídicos, freqüentemente pouco c0-
tica compreensão. Por isso os intérpretes da nhecidos aos Estados de diferente tradição, a
Convenção não devem perder de vista a diretriz presença de Estados com sistemas econômi-
do caráter internacional, sob o risco de inter- cos também diversos e não raro contrapostos,
pretarem as suas normas com os óculos. para a diversidade dos patamares de desenvolvirnen-
este efeito deformantes, da pré-rompreensão64 to econômico, sistema~ políticos distintos e com
que lhes é dada desde o direito interno. freqüência contrastantes, alguns Estados com
Conclusão problemas de integração regional, não sendo
de olvidar-se, ainda, o fato da desconfiança de
O direito, em qualquer uma de suas mani- alguns países em relação às precedentes con-
festações, traduz uma experiência prática, razão venções que haviam imposto o dominiocomer-
pela qual, no seu campo, a "aderência ao real" cial das nações mais potentes.
se põe como uma necessidade ineludivel. A anâ- O que resultou, portanto, foi uma soluçdo
lisc dos princípios informadores da Convenção de compromisso. Esta, longe de ser um defeito,
de Viena sobre a compra e venda internacional pode ser vista como um grande beneficio da
de mercadorias bem evidencia, ao meu ver, o Convenção aos próprios direitos nacionais. O
papel da prática comercial na construção de um direito comparado demonstra que, mesmo quan-
modelo dinâmico de solução das concretas si- do ocorrem circunstâncias políticas que permi-
tuações problemáticas, por forma a conduzir o tem a recepção integral de um sistemajuridico
seu intérprete a uma pelll18C1ente revisão das por outro, mesmo assim, os costumes nacio-
regrasjurídicas que contém. nais, preexistentes à recepção, conformam e
Nesta perspectiva se pode concluir com uma modificam o direito recebido. Esta solução de
dupla afirmativa. a primeira dela dizendo respei- compromisso, ao incorporar os princípios aci-
to aos aspectos intrinsecos da Convenção, a ma indicados, tende a aumentar o grau de efici-
segunda referíndo-se aos seus aspectos extrin- ência das nonnas convencionais. Para isto, é
secos. notadamente no que diz respeito à rele- preciso, contudo, que os princípios que a infor-
vância do seu estudo para os juristas brasileiros. mam sejam bem compreendidos e eficazmente
No que diz com a primeira das assertivas, utilizados.
importa ultrapassar o maniqueísmo que por ve- No que se refere aos aspectos extrínsecos
zes ainda assalta aos estudiosos e concluir que da Convenção, perspectivados da sua relevân-
a Convenção não é nem "boa" nem "má" - foi o cia entre nós, cabe considerar que, muito em-
acordo possível, em face das objetivas condí- bora não seja o Brasil signatário da Conven-
çôcs vigentes à época de seu nascimento. Acen- ção, o seu estudo se reveste, como bem salien-
tua. com procedência Justin Sweet. em análise tou Ruy Rosado de Aguiar Jr. 66 , de dupla im-
comparativa entre a Convenção e o Uniform portância entre n6s. De um lado, essa regula,
Comercial Code norte-americano. fonte de ex- além dos contratos de compra e venda de mer-
pressa inspiração para várias "onnas da Con- cadorias celebrados entre partes que tenham o
venção que. naquele "o esforço de unificação seu estabelecimento em Estados signatários
era (... ) baseado sobre uma língua comum, so~ (art. 1.0, I, a), também os contratos aos quais se
bre uma comum tradição jurídica. sobre uma aplicam. pelas regras do direito internacional, a
formação jurídica relativamente unifonne, so- lei de um Estado contratante (art. 1.0, 1, b). Sabe-
bre a existência de leis simílares, sobre práticas se que a Lei de Introdução ao C6di.go Civil Bra-
comerciais relativamente comuns; se fundamen- sileiro detennina que, "para qualificar e reger as
tava. além do mais em uma fé comum em um obrigações. aplicar-se-á a lei do país em que se
sistema de mercado, na autonomia privada, em constituírem", assentando que "a obrigaçAo
um sistema judiciáriofamiliar econhecido e sobre resultante do contrato reputa-se constituída no
uma reconhecida exigência de uniformidade"65. lugar em que residir o proponente" (art. 9, CQ-
Já a Convenção operou sobre base cultural put e § 2.°). Já por aí se percebe que, em caso de
diversa: a presença de Estados com diversos compra e venda de mercadorias celebrado en-
tre parte estabelecida no Brasil e parte estabe-
.... Para o exame da noção de "pré~ompreensão", lecida, V.g, na Argentina, "provindo desta a
vide, por todos. Joseph Esser. Precomp"rnsione e proposta de negócio. a nossa regra de direito
sce/la dr:! merodo ne/ processo di individuazione dei
dirirro. Trad. italiana de S. Palti e G. Zaccaria. Edizi- 66ln "A Convenção de Viena (1980) e a Resolu-
oni Schienti fiche Italiane, Camenno, 1983. ção do Contrato por Incumprimento", Revista da
6j Op. cit.. p. 303 Faculdade de Direito da UfRGS, v. lO, 1994, p.7.
~7 Idem. ibidem.
&lIdem. ibidem.
f28
A defesa da concorrência no Mercosul
sUMÁRIo
Apresentação. 1. Introdução. 2. Coordenação
de políticas macroeconômicas. 3. A defesa da con-
corrência na União El4ropéia. 4. A defesa da con-
corrência no AfercoslIl. 5. Conclusão. 6. Projeto de
Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercado
Comum do Sul- Mercosul
Apresentação
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) não
deve ser entendido como uma organização in-
ternacional consolidada, considerando que ain-
da se encontra numa fase de transição.
Esse estágio de transição está de acordo
com o fenômeno de organizações internacio-
nais que buscam se aperfeiçoar no tempo, es-
pecialmente no campo da integração econômi-
ca regional.
O trabalho aqui apresentado é o produto de
pesquisa e troca de opiniões desenvolvidas com
inúmeras pessoas, cujas idéias penneiam qua-
se todas as páginas. A todas elas sou extrema-
mente grato e, de maneira especial, aos Conse-
lheiros do CADE, Carlos Eduardo Vieira de Car-
valho e Neide Teresinha Malard.
Assim, o presente estudo sobre "Defesa da
Concorrência no Mercosul" apresenta-se como
uma contribuição para estimular o debate sobre
esse importante e complexo tema.
1. Introdução
José Matias Pereira é advogado e economista. Creio necessário, antes de defender a ne-
Mestre pIa Universidade de Bmsília - UnB. Técnico cessidade da aprovação de um acordo de "De-
de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa fesa da Concorrência no Mercosul", destacar
Econômica Aplicada - IPEA. Exerce o mandato de alguns aspectos relevantes do Tratado para a
cnselheiro do Conselho Administrativo de Defesa constituição do Mercado Comum do Sul (Mer-
Econômica - CADE, do Ministério da Justiça. Re- cosul), finnado pelos governos da Argentina,
presentante do Brasil na Comissllo de Defesa da Brasil, Paraguai e Uruguai, na cidade de As-
Concorrência do Mercosul.
8,. .,,__. 32n. 12Sabr./J.... 1N5 129
SlUlçãO, Paraguai. no dia 26 de março de 1991. relação a terceiros Estados ou agrupamento de
O Mercosul não deve ser entendido como Estados e a coordenação de posições em foros
uma organi7.ação internacional consolidada, econômico-comerciais regionais e internacio-
visto que se encontra num estágio de transi- nais; a coordenação de políticas macroeconô-
ção. Teve suas estruturas decisórias e as suas micas e setoriais entre os Estados-Partes - de
instituições definidas. a partir de janeiro de 1995, comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal
confonne previsto nos artigos 1.0 e 18 do referi- monetária, cambial e de capitais, de serviços.
do Tratado. Esse estágio de transição está de alfandegária, de transporte e comunicações.
acordo com o fenômeno de organizações inter- entre outras.
nacionais que buscam se aperfeiçoar no tempo, Dos instrumentos adotados pelo "Tratado
especialmente no campo da integração econô- de Assunção", sobressai o programa de libera-
mica regional. O melhor exemplo é o caso da ção comercial, que visa alcançar reduções tari-
Europa. que nasceu com a instituição do Trata- fárias progressivas, lineares e automáticas,
do de Paris em 1951. que criou a Comunidade acompanhadas de eliminação de restrições não-
Européia do Carvão e do Aço - CECA, à qual tarifárias ou medidas de efeito equivalente, as-
se agregaram a Comunidade Econômica Euro- sim como de outras restrições ao comércio en-
péia - CEE e a Comunidade Européia de Ener- tre os países, para chegar a uma tarifa zero s0-
gia Atômica - EUROTON, instituídas pelo Tra- bre a totalidade do universo tarifário.
tado de Roma, de 1957, aglutinando gradual- Na fase atual, deve-se ressaltar, o Mercosul
mente seus órgãos originários em órgãos c0- - que não possui personalidade internacional
muns (Tratado de Fusão. de 1967), com a deno- - deve ser definido como um processo, que vem
minação de Comunidades Européias (ou Euro- sendo conduzido por duas instituições transi-
pa dos Doze), sendo posteriormente rebati71lda tórias, o Conselho do Mercado Comum e o Gru-
de Comunidade Européia (através do Ato Uni- po do Mercado Comum. auxiliado por uma Se-
co Europeu, de 1987). para finalmente, com a cretaria Administrativa, Esses dois órgãos tran-
entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em sitórios (visto que assim foram definidos pelo
1992. dcnomínaNle União Européia Tratado de Assunção, que igualmente se defi-
O tratado que instituiu o Mercosul. deve-se ne transitório), apesar de possuírem uma certa
destacar, tem como objetivos principais a inser- organicidade, não devem ser entendidos como
ção mais competitiva das economias dos qua- uma pessoa jurídica de Direito Público Interna-
tro países num mundo em que se consolidam cional.
grandes blocos econômicos e onde o progres- Pode-se perceber que, para que ocorra com
so tecnológico se torna cada vez mais essenci- sucesso a fase de transição, será necessário
aI para o êxito dos planos de desenvolvimento. resolver a questão da tarifa externa comum e a
Visa também favorecer economias de escala, definição do modelo institucional do Mercosul.
reforçando as possibilidades de cada um dos Quanto à institucionalização definitiva do
países-membros com o incremento da produti· Mercosul, está claro que a sua estrutura só de-
vidade, além de estimular os fluxos de comércio verá ocorrer a médio prazo. Isto porque a entta-
com o resto do mund<', tomando mais atraen- da em operação dos órgãos que comporlo a
tes os investimentos na região. Nesse sentido, sua estrutura institucional estará sujeita aos
não se trata de reproduzir. num plano regional, avanços logrados no final do periodo de transi-
uma política de substituição de importações. ção, que está ocorrendo de forma segura e gra-
Busca ainda promover esforços de abertura duaI. Quanto aos órgãos intergovernamentais
nas economias dos quatro países. que deverão que eventualmente venham a substituir o Con-
conduzir à integração gradual da América Lati- selho do Mercado Comum e o Grupo do Merca-
na, bem como balizar as ações dos setores pri- do Comum., creio recomendável que mantenham
vados e da sociedade como um todo, que deve- as mesmas características desses. Isto porque
rão ser os principais agentes do processo de o fenômeno da integração do Mercosul implica
integraçao. uma gradualidade com vista à instituição defi-
nitiva de órgãos decisórios e legisladores, cuja
Tem o Mercosul como características pri- função, no futuro, terá o poder de alterar os
mordiais a livre circulação de bens e serviços e procedimentos para consolidar a integração.
de fatores produtivos entre os países; o esta~ O processo de integração do Mercosul está
belecimento de uma tarifa externa comum e a superando a fase de uma zona de livre comércio
adoção de uma política comercial comum em
130
para entrar no estágio seguinte - a união adua- cia e o livre acesso ao mercado no âmbito do
neira -. onde cerca de 85% das tarifas já foram Mercosul.
harmonizadas e os 15% restantes convergirão Em relação à promOÇão da harmonização da
num prazo de dez anos (sendo que em cinco legislação antitruste dos países-membros do
anos mais 5% delas e em dez anos os 10% res- Mercosul, faz-se necessário registrar, na busca
tantes). BUSC3 3ssim o Mercosul, no campo da de um paradigma, que a União Européia não se
integração econômica regionaL tomar-se uma submeteu, ainda, a um processo de harmoniza-
união aduaneira. com tarifas externas comuns e ção Observe-se, porém, que no "Tratado de
polilica externa comum. onde se pretende, ve- Roma", e de forma específica. nos seus artigos
nha haver liberdade de movimentação dos fa- 85 a 90, foram estabelecidos os referenciais bá-
tores de produção. a exemplo do que ocorre na sicos,de defesa da concorrência nos países da
União Européia. UE. E importante observar que a própria natu-
Caso prevaleçam os pressupostos de que reza econômica do direito de defesa à concor-
continuará havendo confiança recíproca entre rência, que está ocorrendo a nível internacio-
os Estldos·Partes. determinação política, cres- nal,já conduz a uma harmonização natural. No
cente envolvimento empresarial e de outros tocante à matéria substantiva, pode-se consta·
segmentos da sociedade civil, bem como o tar que o direito antitruste do Brasil, da Argen-
constante ajustamento macroeconômico e co- tina, da Alemanha ou dos Estados Unidos da
ordenação de políticas macroeconômicas, o América, exceto na parte processual, possui
processo de integração do Mercosul se tomará poucas diferenças.
irreversível. Entendo que essa consolidação irá
3. A defesa da concorrência na Unido Eu-
facilitar, no futuro. caso venha a ser do interes-
se dos países-membros, uma negociação de ropéia
adesão. em bloco, dos integrantes do Merco- Deve-se observar que no texto deste traba-
sul ao Acordo Norte-Americano de Livre Co- lho, várias são as referências à legislação da
mércio - NAFTA. composto pelo Canadá, Es- União Européia sobre concorrência. contida nos
tados Unidos da América e México. artigos 85 a 90 do Tratado de Roma. Creio ne-
cessário fazer algumas considerações sobre a
Nesse sentido. ainda. é importante o esta-
mesma.
belecimento de entendimentos dos países-mem-
bras do Mercosul com a União Européia, com Diretamente aplicáveis em todo o território
vista a negociar um tratado para a formação de da DE, as regras européias sobre concorrência
uma associação inter-regional de comércio, es- aplicam-se aos casos em que exista efeito sobre
pecialmente nos setores industrial e de servi- o comércio entre Estados-Membros.
ços, cooperação científica e tecnológica, meio O artigo 85 proíbe acordos que possam afe-
ambiente. transferência de capital, defesa da tar o comércio entre os Estados-Membros e que
concorrência. entre outros, considerando os tenham como objeto ou efeito produzir um im-
interesses recíprocos que existem atualmente e pedimento, restrição ou distorção na concor-
que tenderão a aumentar gradativamente entre rência no interior do Mercado Comum. Isso in-
ambos. clui, de modo particular, fixação de preços, divi-
2. Coordenação de políticas macroeconô- são do mercado, restrição de produção ou de
micas desenvolvimento tecnológico, bem como a im-
posição de condições discriminatórias de for-
No que diz respeito à coordenação de polí- necimento ou quaisquer outros condicionamen-
ticas macroeconômicas do Mercosul, as ativi- tos não razoáveis. Tais acordos são automati-
dades nessa área vêm se reali7.ando gradual- camente inválidos, a menos que tenham sido
mente e de forma convergente com os progra- objeto de uma isenção pela Comissão Européia,
mas de desgravação tarifária e eliminação de órgão executivo da 00.
restrições não-tarifárias. Esse esforço busca
assegurar condições adequadas de concorrên- Essas isenções, previstas no artigo 85, pa-
cia entre os Estados-Partes e a evitar que even- rágrafo 3. 0 , que têm como fonte de inspiração a
tuaís descompassos nas políticas dos países- forma de aplicação da "regra da razão" norte-
membros favoreçam ou prejudiquem artificial,- americana, só poderão ser outorgadas se o acor-
mente a competitívídade de bens e serviços. E do contribuir para a produção, distribuição, ou
nesse contexto que se toma imprescindivel as- progresso econômico, ao mesmo tempo que
segurar as condições adequadas de concorrên- permita aos consumidores uma participação ra~
133
Que o presente Protocolo deve conter as necedor, com o pr0p6sito de dissuadi~lo de de-
regras de que se valerão os Estados-Partes e as terminada conduta, aplicar-lhe represália ou
empresas para a defesa da concorrência no obrigá-lo a agir em determinado sentido.
Mercado Comum; e Segunda Seção - Do Abuso de PosiçlJo
A necessidade de se garantir a liberdade de Dominante
concorrência e o livre acesso no âmbito do
Mercado Comum, Art. 4.° É vedado aos agentes econômicos
utilizar-se de posição dominante para, em todo
Acmdam: ou parte substa.crcial do Mc«:ada COilt«ilf. pc-.
Capítulo I - Objeto e Âmbito de ApUcaçifo ticar condutas que prejudiquem a concorrencia.
Art. 1.° O presente Protocolo tem por objeto Parágrafo único. O abuso de posição domi-
a defesa da concorrência e o livre acesso ao nante poderá consistir, dentre outras, nas se·
mercado no âmbito do Mercado Comum. guintes condutas:
Art. 2.° Em matéria de concorrência. as em- a) impor, direta ou indiretamente, preços de
presas governamentais ou com participação compra, ou venda ou condições de transaçlo
estatal que explorem atividade não monopolís- não equitativas;
tica terão idêntico tratamento ao conferido às b) restringir, de modo injustificado, a pro-
empresas privadas. dução, a distribuição e o desenvolvimento tec-
Capítulo 11 - Das Práticas Restritivas da nológico, em prejuízo das empresas ou dos con·
Concorr~ncia sumidores~
Primeira Seção - DosAcordos CoJustÍt'ios c) aplicar a terceiros contratantes condiç&:s
Art. 3.° São proibidos os acordos e as práti- desiguais em caso de prestações equivalentes.
cas concertados entre os agentes econômicos colocando-os em desvantagem na amcorrência;
e as decisões de associações de empresas Que d) suboTdiJlaT a ceJcbraçlo de t:mJtm/> à
tenham por objeto, ou por efeito, impedir, res- aceitação, por parte do outro contratante, de
tringir ou distorcer a concorrência eo livre aces- prestações suplementares que, por sua nature-
so ao mercado para a produção, processamen- za, ou de acordo com os usos comerciais, do
to, distribuição e cotnereialização de bens e ser~ tenham relação com o objeto do contrato;
viços, em todo ou em parte, do Mercado C0- e) recusar, injustificadamente, a venda de
mum, que possam afetar o comércio entre os bens ou a prestação de serviços;
Estados·Partes, tais como:
f) condicionar as transações. injustificada-
I - fixar, direta Ou indiretamente, os preços mente, ou de modo não fundado nos usos, c0s-
de compra ou de venda, bem como quaisquer tumes ou práticas comen:iais, à não-utilizaçlo,
outras condições para a produção ou comerci- aquisição, venda, distribuição ou submissIo de
alização de bens ou serviços; bens OU serviÇQs produzidos, processados, dis-
lI-limitar ou controlar a produção, a distri- tribuidos ou comercializados por terceiro;
buição. o desenvolvimento tecnológico ou in-
vestimentos; g) vender bens ou prestar serviços a preços
inferiores ao seu custo, com a finalidade de eli·
UI - dividir mercados de bens, ou serviços minar a concorrência no mercado.
ou fontes de supriIncnto de maténa-prima 0lJ
insumos; Terceira Seção - DosAtos de ConcentraçlJo
Art. 5°, Os Estados-Partes adotarão na le-
IV - acordar ou coordenar ações em con- gislação nacional o controle dos atQs e acor·
cursos, leilões ou licitações públicas; dos que resultem na concentração e<:onômica,
V - adotar, em n:lação a parceiros comerci- entendido como tal a participação igual ou su-
ais, condições desiguais, no caso de presta- perior a 200/0 (vinte por cento) do mercado rele-
ções equivalentes, colocando-os em desvanta- vante de bens ou serviços e de quai5quer atos
gem na concorrência; ou acordos que possam produzir efeitos anti-
VI - subordinar a celebração de contratos concorrenciais em todo ou em parte do Merca-
ou a reali7.ação de n~gócios à aceitação de pres- do Comum.
tações suplementares que, pela própria nature- Capítulo IIl- Consultas e Soluçiks de Con-
za ou pelos usos comerciais, não tenham rela- trovérsias
ção com O objeto do cont:rato ou do negócio;
Art. 6.° Os Estados-Partes cooperarão entre
VII - exercer pressão sobre cliente ou for-
134 "_"'.f. d_ .nlor....1Io 1 ..._.at.".
si e com a Comissão de Comércio do Mercado espanhol e português, sendo ambos os textos
Comum no sentido de assegurar o cumprimen- igualmente autênticos.
to oportuno e adequado das normas, procedi- PELO GOVERNODAREPÚBLICA
mentos e ações que forem estabelecidos em ARGENTINA
matéria de defesa da concorrência e do livre
acesso ao mercado, Os mecanismos de coope- PEW GOVERNO DA REPÚBLICA
ração poderão consistir no intercâmbio de in- FEDERATIVA DO BRASIL
formações, consultas, assessorias, cooperação PELO GOVERNODA REPÚBLICA DO
técnica e outros que sejam convenientes. PARAGUAI
Art. 7. 0 Com objetivo de prevenir eventuais PELO GOVERNO DA REPÚBLICA
causas anticompetitivas descritas nos artigos ORIENTAL DO URUGUAI
3.° e 4.°, os Estados-Partes elegerão, por inter-
médio da Comissão de Comércio do Mercado
Comum, mecanismos de coordenação entre as
Bibliografia
respectivas autoridades encarregadas da apli-
cação das leis nacionais de defesa da concor- ALMEIDA, Paulo Roberto de. Solução de Contro-
rência, vérsia no Mercosul: O Protocolo de Brasília
Art 8.° A Comissão de Comércio do Merca- ao Tratado de Assunção. Boletim da Socieda-
do Comum zelará pela aplicação do presente de Brasileira de Direito In/emacional, V XLV,
Protocolo. n.o 77/78,jan.ljun.l1992.
BARBOSA, Rubens Antonio. America Latina em
Art. 9. 0 As questões levantadas pelos Esta- Perspectiva: a integração da retórica à reali-
dos-Partes sobre a aplicação do presente Pro- dade. Edições Aduaneira, São Paulo, 1991.
tocolo deverão ser submetidas à Comissão de CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Cons-
Comércio do Mercado Comum. Se no âmbito da titucional.4" ed., Livraria Almedina, Coimbra,
Comissão não for obtido o consenso ou se a 1986.
controvérsia for solucionada apenas em parte, CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. A Apura-
aplicar-se-ão os procedimentos previstos no ção de Práticas Restritivas da Concorrência.
Sistema de Solução de Controvérsias para o Anais do II Seminário Internacional de Defe-
Mercado Comum do Sul. sa da Concol'Tênçíll. Cj\J)E. BT'aS\\\2>, 12 2> \61
9194.
Capítulo IV - Disposições Finais COELHO, Inocêncio Mártires. A defesa da livre
Art. lO. O presente Protocolo entrará em vi- concorrência na Constituição de 1988. Anais
gor 30 (trinta) dias após o depósito do segundo do II Seminário Internacional de Defesa da
instrumento de ratificação, com relação aos dois Concorrência. CADE. Brasília, 12 a 16/9/94.
primeiros Estados-Partes que o ratifiquem. DAWSON, Frank Griffith. Regime de integração de
Para os demais signatários, entrará em vi- empresas da Comunidade Européia. Anais do
gor no trigésimo dia após o depósito do res· II Seminário Intemacional de Defesa da Con-
pectivo instrumento de ratificação, e na ordem corrência. CADE. Brasília, 12 a 16/9194.
em que foram depositadas as ratificações. FARIA., Wetet R. Constituição Econômica. Uber-
Art. lI. A adesão por parte de um Estado ao dade de iniciativa e concorrência. Sérgio An-
Tratado de Assunção implicará, ipso jure, a tonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1990.
adesão ao presente Protocolo. FAUNDEZ, Júlio. Jurisdição Internacional e con·
corrência - Do confronto à harmonização.
Art. 12. O Governo da República do Para-
Anais do II Seminório Internacional de Defe-
guai será o depositário do presente Protocolo e sa da Concorrencia. CADE. Brasília, 12 a 16/
dos instrumentos de ratificação, e enviará cópi- 9194.
as devidamente autenticadas dos mesmos aos FERRAZ,Tércio Sampaio. O Conceito jurídico de
Governos dos demais Estados-Partes. oligopólio e a legislação sobre o abuso do p0-
Da mesma maneira, o Governo da República der econômico. Anais do II Seminán'o Inter-
do Paraguai notificará aos Governos dos de- nacional de Defesa da C07IcOI"Tência. CADE.
mais Estados-Partes a data de entrada em vigor Brasília, 12 a 1619/94.
do presente Protocolo e a data de depósito dos GATI. Rodada de Negociações Comerciais Multila-
terais (Ata Final da Rodada do Uruguai, con-
instrumentos de ratificação.
cluída em 15.12.93). Câmara dos Deputados.
Feito na cidade de , aos dias do mês Mensagem n,o 408194, do Poder Executivo.
de de 1994, em um original, nos idiomas
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Cons-
135
tituiçôo de 1988 - Inte"pnlaçilo e critica. Edi- Direito e experiincia antitruSU no Breuil e no.r
tora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1990. EE. UU. Editolll Revista dos Tribunais, 810
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MALARD, Neide Teresinha. Integraçlo de Empre-
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SHIEBER, Benjamin. Abusos do poder econômico.
137
os honorários advocatícios contratuais como Em segundo lugar. tem-se, no inciso IV; ain-
os judiciais. é evidente a sançilo patrimonial da do referido art. 269. a menção aos institutos
sofrida indevidamente pela parte vitoriosa. O da prescrição e da decadência. Também neste
que se pretende é oferecer à parte vencedora. particular, não se pode dizer, sem leviandade,
através da condenação à verba honorária, sub- que se está diante de uma sucumbência. In casu,
sidios financeiros para que possa pagar ao seu o julgador não julga. efetivamente. nem proce-
advogado. Constata-se. pois, de plano, a im- dente nem improcedente o pedido. O deferimen-
propriedade da nova regrn legal. to da pretensão fica obstaculizado por uma
Feita tal avaliação preliminar, impõe-se aven- questão meritória, mas 010 intrinseca ao seu
turar em divagações filosóficas sobre o que vêm teor, qual seja, a ocorrência das extintivas da
a ser os conceitos de ''partes vencida e vence- prescrição e da decadência. Por motivo alheio
dora", bem como sobre o que se deve entender às vontades das partes. consignado DO orde-
por "sucumbência". A descriçãojuridico-posi- namento juridico pátrio. o processo chega ao
tivada não traz maiores luzes a tais indagações. seu término, sem que se possa reputar sucum-
Há que se perquirir se a sucumbência hábil a bente uma das partes. considerando que não
acarretar os ônus concernentes às despesas se acolheu. nem se rejeitou o pedido formulado
processuais e aos honorários advocaticios é a pela suplicante.
processual 00 a substancial. Distinguem-se, de Finalmente, no que pertine ao inciso V do
plano, as figuras da extinção do feito com ou citado dispositivo legal, também não se con-
semjulgamento do mérito. substancia um pronunciamento em que se con-
Quando O pronunciamento jurisdicional é fira a imputação a qualquer das partes da quali-
emitido com fulcro no art. 269, I e lI, do Código dade de sucumbente. Se o autor renuncia ao
de Processo Civil. ou seja, por ser acolhido OU direito sobre que se funda a ação, pratica, nos
rejeitado o pedido do autor, ou por reconhecer casos em que tal postura é admitida. um ato de
o réu a procedência do pedido. 010 resta dúvi- mera liberalidade, não se podendo identificá-lo
da que se está diante de uma hipótese em que como sucumbente, diante do réu. pela mesma
uma das partes sucumbe diante da adversária. razão exposta quanto à figura da transaçAo.
Aliás. quanto ao mencionado inciso lI, é pe- Constata-se, pois, claramente que nestas três
remptório ocomando exarado no art. 26 do mes- situações há dificuldade em se vislumbrar uma
mo diploma legal. Já quanto aos incisos m, IVe das partes como sucumbente, dentro da con-
V, permitem-se alguns devaneios acerca da te- cepção terminológica mais adequada da expres-
mática em apreço. são.
m.
Em primeiro lugar, J'q)Ol1Oome ao item que
Quando se parte para a extinção do feito,
alude à hipótese de transação. Em verdade. a
transação pressupõe a mútua rent)ncia de inte- sem apreciação do mérito, ai sim é que grassa a
resses entre as partes litigantes. A medida em impertinência da imputação dos ônus sucum-
que há uma posição de mera liberalidade dos benciais. Se não se chegou a verificar que. efe-
contendores. na hipótese em que isto seja ad- tivamente. merecia a chancela judicial, se a pre-
mitido pelo ordenamento juridico pátrio, não se tensão deduzida pelo autor ou a resistência 0fe-
pode afirmar. sem que se esteja esvaIando para
recida pelo réu. como se pode visualizar um
uma imprecisão, que uma das partes sucumbiu deles como vencido diante do outro ? Esta in-
diante da outra. O tratamento da questão pela dagação fica sem resposta. desafiando os in-
norma positivada foi explicitado no § 2. 0 do já térpretes do ordenamentojuridico pátrio. O art.
citado art. 26. Por simples concessão da regra. 26. § 2. 0 da Lei Adjetiva Civil registra que. se o
estabeleceu-se que, silente o acordo, as despe- processo terminar por desistência do pedido.
sas seriam divididas, equitativamente, entre as as despesas e os honorários serão pagos pela
partes. Não se reportou aos honorários advo- parte que desistiu. Dito comando não satisfaz.
eaticios. Na realidade, se as partes transigiram, Quem desiste não sucumbe, necessariamente.
não se pode, a rigor. tecnicamente, se afirmar vez que pode, como. diga-se de passagem. nas
que qualquer uma delas sucumbiu. Muito me- demais hipóteses de extinção do feito, semjul-
nos. até por uma injunção lógica. é impossivel gamento do mérito (exceto a prevista no art.
dizer que ambas sucumbiram. Há. pois, apesar 267, V, do CPC), renovar o pedido em nova de~
da regra expressa do Código de Processo Civil, manda.
nebulosidade na configuração de uma sucum- Como a sucumbência. conceitualmente. re-
bência propriamente dita. clama uma substancial vitória de urna das par-
138
tes, devem ser consideradas, para o efeito de da piores. Para que uma pessoajuridica de di-
imposição de ônus, tão-somente as situações reito privado possa ajuizar uma demanda, há
descrítas no art. 269, I e lI, da Lei Adjetiva Civil. que demonstrar, de plano, que existe no mundo
A sucumbência, nO caso, apenas será a subs- jurídico e que o signatário do instrumento pro-
tancial, e não a meramente processual. Destar- curatório tem poderes estatutários elou legais
te, salvo se for traçado novo perfil da definição para representá-la. Se, embora instada a fazê-lo,
do instituto, a rigor, somente nas duas hipóte- a parte não comprova que dito signatário pos-
ses indicadas, pode-se considerar, efetivamen- sui estes poderes, gera-se um contexto que, fa-
te, uma das partes como sucumbente. talmente, conduzirá à inviabilização do prosse-
Partindo deste enfoque, firma~se, de pron- guimento do feito, até os seus ulteriores ter-
to, um posicionamento contrário ao dimensio- mos. Se este signatário for alguém completa-
namento excessivo que se procura emprestar mente alheio aos negócios sociais, que, de má-
ao termo "sucumbência", fulcrado tal posicio- fé, esteja pretendendo causar-lhe prejuízo, como
namento nas peculiaridades intrínsecas à pro- se pode imputar o pagamento das verbas con-
pria estrutura conceitual da aludida expressão. cernentes à sucumbência à pessoa jurídica?
E, na vivência prática, o exegeta depara, em cer- Por outro lado, pode acontecer de uma pes-
tas ocasiões, com controvérsias de dificil, se- soa jurídica ingressar com uma ação, sem decli-
não impossível, deslinde, à luz da interpretação nar seu domicílio e sem comprovar a sua exis~
ampliativa ora repelida. Em seguida, relJOrtar- \ência, com os registros t.tJmeTtlais QU civls
se-á a ditas controvérsias, de certo já conheci- pertinentes. Concedido prazo para a correção
das de inúmeros julgadores. do vício e inerte a parte interessada, como deve
É evidente que a parte se "presenta" nos se posicionar o magistrado? Logícamente, se a
autos através de seu advogado constituído pessoa jurídica inexiste (pelo menos é o que se
mediante o competente instrumento procurató- depreende do que dos autos consta e, ao que
rio. O defeito na representação, como é do co- se sabe, o que não está nos autos não está no
nhecimento geral, em regra, pode ser sanado, mundo), quem arcará com os ônus sucumben-
cabendo ao magístrado conferir à parte esta ciais? O seu advogado? Não, porque não há
oportunidade. Não se desincumbindo o inte- mandatário sem mandante. Cuida-se de uma
ressado deste mister, decorre, pleno jure, a in- pergunta que ficará sem resposta.
viabilização da constituição da relação juridi-
co-processual, inexistindo pressuposto funda- Vê-se, portanto, que não é de tão simples
mental, de índole subjetiva, da dita constitui- deslinde a questão dos ônus sucumbenciais,
ção. Sem capacidade postulatória, será inviável
como, à primeira vista, para o analista desavisa-
alcançar a prestação da tutela jurisdicional, de do, possa parecer. Acrescente-se, ainda, a hi-
caráter meritório.
pótese de extinção do processo, por perda de
objeto. Em algumas circunstâncias, pode ser
Suponha-se, por exemplo, que não se tenha atribuída dita perda à responsabilidade de um
demonstrado que a assinatura lançada no ins- ou outro litigante, ao qual incumbirá, via de
trumento procuratório tenha partido do punho consequência, os ônus sucumbenciais. Em ou-
do suposto constituinte autor, através do me- tras, a análise meritória fica prejudicada por fato
canismo apropriado do reconhecimento carta- completamente alheio à vontade e à consciên-
rário da finna. Em não sendo corrigida a irregu- cia das partes. Mais uma vez, resta o magistra-
laridade, no prazo legal, sucede-se a extinção do atado, sem ter como impor a um ou a outro o
do feito, semjulgamento do mérito. Sobre quem pagamento das despesas processuais e hono-
recairão os ônus sucumbenciais? Ao advoga- rários advocatícios.
do? É evidente que não, vez que não está; habi-
litado p'cla suposta parte interessada. A dita Eis um tema a ser pensado e discutido no
parte? É óbvio que também não, já que não seiojudicial. O ordenamento jurídico não escla-
manifestou sua vontade em constituir o signa- rece. A apreciação da expressão "sucumbên-
tário da petição inicial, pelo menos do que se cia" , a teor de suaconcepção terminológica, em
depreende do fato da assinatura não ter sido cotejo com o seu enfoque dentro de um encaixe
reconhecida em Cartório, comprovando-se, compatível com a análise axiológica e teleológi-
quantum satis, o exercício de tal prerrogativa. ca do texto nonnativo, não satisfaz. Partindo,
Note-se, pois, o quanto complexa se toma a como se partiu, da visão estrita do tenno "su-
solução da questão. Mas existem situações ain- cumbência", não desautorizada pela hennenêu-
tica jurídica, diante do contexto vivenciado na
139
espécie, tem-se que, salvo quando o magistra- dida reamhece a procedência, não se pode, ex-
do julga, efetivamente, procedente ou improce- ceto se subvertendo a lógica. condenar qual-
dente o pedido ou quando a parte adversa alu- quer das partes aos ônus sucumbenciais.
140
Das Disposições Constitucionais
Transitórias
(uma redução teórica)
Ivo DANTAS
sUMÁRIo
1. Importância do tema. 1.1. NOl'a Constihtição
e as situações anteriores. 1.1. Frmções das Disposi-
ções Trmu;tórias. 1.3. Técnica Legislatim e Dispo-
sições Transitórias. 1. Conceito de "Disposiçães
Gerais" e de "Disposições Transitórias". 3. O Di·
reito Constihlcional Brasileiro, o Direito Estrangei-
ro e as ,.Disposições Transitórias ". A dOlltrina bra-
sileira e o eshldo do tema. 4. C oncltlsàes.
l.Importância do tema
O estudo das denominadas Disposições
Transitórias Constitucionais comporta, em
nosso modo de entender, a elaboração de uma
Redução Teórica. que. conrndo. ainda não des-
pertou as atenções dos estudiosos nacionais
do Direito Constitucional.
Assim, enquanto alguns se limitam a uma
análise seqüenciada dos assuntos que as com-
põem no texto jurídico-positivo, outros. inclu-
sive, em "manuais" ou "comentários", nem nes-
sa perspectiva enfrentam a matéria, apesar de a
prática nos ensinar, seja ele de capital impor-
tância, sobretudo, quando tomado em seu ver-
dadeiro sentido. e não. com objetivos fisiológi-
cos ou para atender interesses pessoais de al-
guns responsáveis por sua elaboração.
A constatação do que ora se afirma poderá
ser feita ao longo da leitura dos artigos que as
compõem, visto que a atual Constituição de
1988, em seus 70 artigos (versão originária) in-
cluiu matérias que. por mais boa vontade que
tenha o intérprete, não justificam sua elevação
ao nível constitucional, mesmo que levada a
Ivo Dantas é Doutor em Direito Constitucional extremos a teoria das denominadas Constitui-
- UFMG. Livre Docente em Direito Constitucional
- DERJ. Professor da Faculdade de Direito do Reci- 1 Capítulo do livro Constituição Federal - Teoria
fe - UFPE (Mcstrado e Grndullçl'lo) e Advogado. e Prática - (Editora Renovar, RJ, vol. IV), em preparo.
fU
leirn de 5.10.88 (ADCT). passageiro.
1.3. Técnica legislativa e Disposições Tran- São situações de direito ou de fato
sitórias que, embora transitórias, não devem nem
No aspecto referente ã técnica legislativa podem ser, por isso mesmo, descuradas
utilizada pelas Disposições Transitórias, é de pelo legislador. . .
ressaltar-se que a matéria nelas inserida ~o t~ Dado esse seu caráter - de translton-
obedecido à mesma fonnulação das DIsposl- edade - não seria admissível tratá-las no
ções Pennanentes. vale dizer, não se e~nt~m texto do ato da ordem legislativa, nem
os assuntos distribuídos de forma diferenCIa- promiscuí-las com o arti~ado ,efetivo
da, igualmente não existindo "Títulos", "Capí- deste, pois, uma vez atendlda a SituaçãO
tulos" ou "Seções". ou o caso especial, o dispositivo deixa
Toda a matéria que lhe compõe é apresenta- de interessar: é absorvido pelo tempo ou
da sob forma de "artigos", "incisos" e "pará- pela consumação do fato previsto" - con-
grafos". clui.
Referindo-se à matéria, escreve Mayr
2. Conceitos de "Disposições Gerais" e de Godoy 17:
"Disposições Transitórias"
"nem todos os dispositivos legais são
Em sua parte permanente costuma a maioria
grafados com a idéia de perenidade. Al-
das Constituições fazer referência às "Disposi- guns vão para o texto com vida curta,
ções Gerais", definidas por Pinto Ferreira em
apenas para regular urna situação passa-
seu Curso de Direito Constitucional14 como
geira, criada muitas vezes com razão ~e
"normas que interessam a todo o corpo da Cons-
condições díspares da lei nova e do di-
tituição, não sendo assim objeto de um capítu- reito anterior.
lo especial".
Essas são as disposições transitóri-
Ao contrário das Disposições Transitórias.
as ou provisórias, que vigem enquanto
que trazem em si um sentido de temporalidade, não se esgota, no tempo, a razão de te-
de passagem, de adaptação, as Dispo~ições rem sido criadas".
Gerais são aquelas que "abrangem vános as- Plácido e Silva, no Vocahulário Juridico l8,
pectos comuns e repetitivos", como observa
é taxativo:
Mayr Godoy na monografia Técnica Constitu-
inte e Técnica Legislatival~. "É a regra jurídica que se estabelece
em uma lei, em caráter temporário, para
Topograficamente, são colocadas ao final regular negócios ou casos que se apre-
do texto permanente e antes das "Disposi~s sentam pela sua própria promulgação.
Transitórias", mantendo a numeração sequen- Não têm, pois, vigência duradoura, E
ciada de seus artigos com relação às "Disposi- se extinguem tão logo se reajustam ou se
ções Permanentes", mas com uma particulari- liquidam os casos por ela previstos, den-
dade: não se encontram divididas em "Títulos", tro do prazo que ela mesma estipula".
"Capítulos" ou "Seções", no ~e, n~e.ponto, Pedro Calmon, em seu Curso de Direito
se assemelham às Disposlçôes I ransltónas, sob Constitucional Brasileiro - Constituiçao de
o ponto de vista da Técnica Legislativa. 194619, ensina:
Hésio Fernandes Pinheiro no seu já clássi-
co livro Técnica Legislativa - Constituiçtlo e "charnam-se Disposições Transitórias as
Atos Constitucionais do Brasi/16, preocupan- que têm prazo curto de ~~, ao co~
do-se com as Disposições Transitórias, ensina trário das normas constltuClOnatS propn-
amente ditas, que são permanentes e inal-
que
teráveis até a reforma ou a revisão do
"na fase de transição de um sistema legal
texto. Nelas se reúnem as providências
preestabelecido e aquele determinado por complementares, medidas de emerg~
um novo ato da ordem legislativa, situa-
decisões que não teriam, por sua espécIe
ções aparecem que exigem imediata.dis-
transitória, lugar e oportunidade entre os
ciplina, porém, com caráter especJaI e preceitos da Constituição, e até - o que é
I'Ed. Saraiva, 1993,6,' ed., p. 647. I?Ob. cít., p. 147.
15Ed, Leud, 1987, p. 145. 1BEd. Forense, 1987, 1/01. ll, p. 103.
16Liv. Freitas Bastos, 1962,2,' 00" p. 121. 19Ed. Freitas Bastos, 1954, 3,' ed., p. 341.
sUMÁRIo
I. Introdução ao tema: a ino'Wlção: as duas hi-
póteses; a restriçãojurisprudencial. 2. Interesse pe-
culiar da magistral1lra: o interesse do fimcionalis-
mo em geral: o conceito de interesse geral e pecu/íar
da magistratura nacional; as razões da competin-
cia originaria; a impossibilidade de discipJinação,
por legislação outra, dos direitos e deveres do ma-
gistrado; osprecedentes existentes; a vitaliciedade e
a licença-prêmio examinadas à luz de legislação lo-
cal. 3. O impedimento ou suspeição da maioria: hi-
pótese referente unicamente a "ação": as etapas
necessárias: exaurimento da cam'QCação de todos
os substitutos; inaplicabi/ídade a procedimentos
administrativos por questão de competênâa privati-
va do tribunal de origem. 4. Conclusão: evolução e
aprimoramento da jurisprudência sintonizada com
a vonlade do constituinte.
1. Introdução ao tema
Uma das mais significativas inovações da
Carta Política de 1988 resultou no prestígio, em
sede constitucional, de uma modalidade de ação
de competência originária do Supremo Tribu-
nal Federal, quando ocorrer interesse de todos
os membros da magistratura ou quando existir
impossibilidade de julgamento por qualquer tri-
bunal em decorrência de a maioria de seus mem-
bros estar impedida ou suspeita, por direta ou
indiretamente interessada no desfecho da de-
manda.
O teor dicotômico da alínea n do inciso I do
artigo 102 da Constituição Federal possibilita
distinguir duas modalidades de ação (ou recur-
50 - RTJ 131/949) que passam à competência
originária da Suprema Corte:
a) quando todos os membros da ma-
Antônio Vital Ramos de Vasconcelos é Juiz Fe- gistratura sejam direta ou indiretamente
deral aposentado. Professor. Advogado.
t49
interessados; e vo dosjuízes), haverá plena adequação ao per-
b) quando mais da metade dos mem- fil da demanda referida no art. 102.1, n. da Cana
bros do tnbwtal de origem estejam impe- da República.
didos ou sejam direta ou indiretamente Um dos pontos de partida, a trato do tema e
interessados. motivador desta incursão, prende-se á recente
A proliferação de demandas invocando a decisão ~o STF, na Ação Originária 269-9/SP,
ocorrência de uma das circunstâncias configu- em queJUíza federal substituta questionava ato
radoras da competência originária do STF fez do tribunal de origem que sobrestou seu vitali-
que com a Suprema Corte, de forma paulatina, ciamento. Deliberou o Ministro Francisco Re-
fosse aprimorando sua jurisprudência sob a di- zek, Relator, em decisão monocrática, deixar de
retriz de wna interpretação restritiva, de forma reconhecer a competêncía originária da Corte,
tal que.o entendimento hoje prevalente, para as ao fundamento de inexistir, no particular, inte-
duas hipóteses. pode ser assim sumariado: resse especifico da magistratura.
a) no primeiro caso, há necessidade
de que ocorra a discussão sobre direito No exame do relevante problema, afere-se
peculiar à magistratura, o que não pode que o núcleo do indeferimento repousa na ale-
ser confundido com direito que se esten- gação de que a decisão do TRF, suspendendo
de à generalidade do funcionalismo. Des- uma vitaliciedade já consumada pelo decurso
sa forma, deixaram de ser reconhecidas do ~iênio, não ~ria frustrando uma garantia
como da competência do STF causas em atnbuída aos magtstrados como taís. Para esse
que se discutia sobre vencimentos, cor- desiderato, o ínclito Relator invocou jurispru-
reção monetária de pagamentos atrasa- dência da Corte "no sentido de ser incompe-
dos, URP e tantas outras matérias con- tente para apreciar pedidos desta natureza, vis-
gêneres, por não dizerem respeito a tema to que inexiste, na controvérsia, interesse es-
especifico dos magistrados; pecifico da magistratura a justificar a invoca-
b) no segundo caso, há necessidade ção do mencionado dispositivo constitucional"
de que o impedimento ou a suspeição da (llJU de 3.3.95, p. 4119- (grifos nossos) indi-
maioria dos membros do tribunal de ori- cando três especificos precedentes em '.....-,
gem seja aferido depois de se esgotarem originárias. '"""""'"
todos os meios de convocação de subs- . A dicção co~~cional, no particular, pre-
titutos, até que resulte definitivamente VIU como ação ongtnária do STF aquela "... em
comprovado que a corte originária não q~ t~ os. membros da magistratura sejam
teria condições de julgamento da causa. dIreta ou mdIretamente interessados ...".
em razão do que necessariamente esta Dando interpretação ao preceito, a orienta-
passaria a ser de competência do Supre- ção da Suprema Corte tornou-se sólida, na es-
mo Tnbunal Federal. pécie, no sentido de limitar sua competência
Note-se, com a merecida ênfase, que quan- originária às hipóteses em que a ação tenha por
do a Constituição Federal confere ao STF com- objeto direitos, interesses ou vantagens pecu-
petência originária ou recursal, significa que o liares à magistratura (AOr. n. 08, Min. ~lloso,
órgão colegiado, como um todo, com sua com- RTJ 13813; AOr. n. 011, Min. Gallotti,RTJ 1281
475; AOr. 38, Min \W.oso, RTJ 138111; Pet. S06
posição constitucional, deve proceder ao jul-
gamento da ação. Por conseguinte, não pode a Min. Néri da Silveira; MS 0. 0 21.441. Mio. Gal:
matéria ser apreciada nem por qualquer de suas vão, entre outras).
Turmas. nem tampouco pelo relator, monocrati- ?'- a~o proposta buscava aferir, na soluçlo
camente, julgando o mérito de causa, corno in- da bde Instaurada, se a garantia constitucional
constitucionalmente dispõe a Lei n. o 8.038/90 davitaliciedade, assegurada pelo art. 95, inciso
em seu artigo 38, posto que a matéria é de com- I, da Constituição Federal. e disciplinada exau-
petência exclusiva da Corte Maior. rientemente pelo art. 22 da LOMAN (Lei Com-
2. O ;nteresse peCU#Ol"da mag;S/rafl/ra pJementar n. o 35n9), podia sofrer regramento
a) Análise de uma hipótese restritivo pelo regimento interno de um tribu-
Quando o objeto da demanda, de conteúdo nal, mormente acrescendo requisito novo.
constitucional e de manifesto interesse de toda Tal como configurada (criada pela Consti-
a magistratura nacional, tiver colorido próprio tui~o e disci:plinada pela LOMAN), essa ga-
de um direito peculiar (mesmo que não-exclusi- rantia de vitaliciedade indubitavelmente encaí-
I.
princípio que, fundado na necessidade de pre- denamento constitucional específico, até mes-
servar a unidade da ordem jurídica nacional, mo para a preservação da incolumidade da atu-
consagra a supremacia da Constituição" de for- açãojudicante que se transrnuda em segurança
ma que, como corolário, "esse postulado fim- para osjurisdicionados em geral.
damental de nosso ordenamento normativo im- No altiplano do detido exame da tese, o con-
põe que preceitos revestidos de menor grau de teúdo da lide em foco necessariamente implíca
positividadejurídica guardem, necessariamen- o interesse geral da magistratura, o que induz à
te, relação de conformidade vertical com as re- incidência de norma de competência excepcio-
gras inscritas na Carta Política, sob pena de ine- nal do STF. Deveras, como disciplinada pela
ficácia e de conseqüente inaplicabilidade", im- Carta da Repúbl ica, a vitaliciedade do magistra-
pondo a conclusão de que "atos inconstitucio- do constitui uma garantia que se adquire pelo
nais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, só decurso do prazo de dois anos no pleno exer-
em conseqüência, de qualquer carga de eficá- cício da judicatura. Nessa fase, o juiz encontra-
ciajurídica" (ADIn 652-5-MA, Plenário, DJU se em estágio probatório e quaisquer procedi-
de 2.4.93, p. 5615). mentos administrativos, para fins da perda do
Extrai-se do julgado em comento a diretriz cargo, somente podem aoorrer durante esse
segundo a qual a declaração de inconstitucio- período. Deveras, completado o biênio, najudi-
nalidade de qualquer norma jurídica alcança, catura. opera-se a aquisição da vitaliciedade,
inclusive, os atos pretéritos com base nela pra- ipso jure, A declaração formal do tribunal, efe-
ticados, eis que o reconhecimento desse su- tuada posteriormente - malgrado superfetativa
premo vício jurídico - que inquina de total nuli- mas com evidente propósito solenizador -,
dade os atos emanados do poder público em pode representar, quando muito, apenas e ex-
qualquer de suas esferas - desampara as situa- clusivamente uma confirmação de uma situa-
ções constituídas sob sua égide e inibe, ante çãojuríclicajã operada e que ingressou no mun-
sua absoluta inaptidão para produzir efeitos do como ato jurídico perfeito, posto que reali-
jurídicos válidos, a possibilidade de invocação zado em plena consonância com a vontade e
de qualquer direito. diretrizes constitucionais.
Como a matéria atinente à magistratura na- Estabelecido esse indefectível perfil, jamais
cional vem rigidamente disciplinada na Carta poderá a vitaliciedade, já adquirida pelo trans-
Política, o constituinte preocupou-se com sua curso dos dois anos de exercício da judicatura,
fiel observância, de maneira que as ações que ser retroeliminada ou ficar na dependência de
versarem sobre tais direitos, de in.teresse gemi uma manífestaçã,Q ulteriQf não ~)Iev\sta 00 Tex-
e peculiar dosjuízes brasileiros, passam à com- to Maior.
petência originária da Suprema Corte, único tri- Assim, sem permeios e nesses exatos limi-
bunal eleito constitucionalmente para remover tes, a vitaliciedade passa a ser uma questão tí-
do ordenamento positivo a manifestação esta- pica, ínsita, natural, específica, restrita, peculiar
tal inválida e desconforme ao modelo plasmado e vinculada ao magistrado, pelo que todos os
na Carta Magna, com todas as conseqüências juízes brasileiros passam a ter interesse direto
daí decorrentes, inclusive a plena restauração ou indireto na matéria, razão por que o consti-
de eficácia das leis e das normas afetadas pelo tuinte brasileiro - com sua excepcional previsi-
ato declarado inconstitucional por pretensa bilidade do alcance da questão - disse perten-
vontade de afetar direito específico do magis- cente ação dessa natureza à competência origi-
trado. Esse poder excepcional- que extrai a sua nária e privativa do Supremo Tribunal Federal,
autoridade da própria Carta Política - converte visto que a solução dada pela Suprema Corte
o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro le- terá, entre outras virtudes, aquela de pacificar a
gislador negativo. questão para toda a magistratura nacional, evi-
Desse modo, a ação referida na primeira parte tando a desnecessária proliferação de deman-
da alínea n do inc. I do art. 102 da Carta da das em patamares inferiores, a par de trazer se-
República revela-se como instrumento proces- gurança e tranqüilidade para o exercício - já por
sualmente adequado à colirnação do fim pre- demais desgastante - da judicatura nacional.
tendido, posto que o interesse geral e peculiar Essa garantia, mais que voltada ao juiz, cons-
da magistratura, em questão dessa envergadu- titui um predicado destinado basicamente ao
ra constitucional, impõe seja a restrição impos- jurisdicionado, eis que o magistrado carece de
ta por norma regimental confrontada com o or- um mínimo de segurança para o exercício de
154
res constituintes. A deliberação, referida no tex~ dam de matéria de interesse do funcionalismo
to constitucional, é objetivamente para a perda em geral.
do cargo, ou pode ser ela transmudada para No caso examinado, contudo, a situação é
uma "confinnação" da garantia adquirida medi- diversa e distinta. Cuida~se de rígido discipli-
ante a fonna instituída na Cana da República? namento constitucional da garantia de vitalici-
Inegavelmente, o deslinde dessa relevante edade especifica do magistrado, que não pode
questão constitucional não afeta apenas o au- ser tida como um direito aplicado à generalida-
tor da ação - pois constituirá aquele cogitado de dos funcionários públicos.
"precedente invocável, pera~te a Ad~nistra A situação enfocada na referida ação origi-
ção ou a Justiça, como pertmente à SituaçãO nária (mandado de segurança contra ato de tri-
atual de todo o magistrado, apenas porque e bunal, modificativo de vitaliciedade já adquiri-
enquanto o seja". da na fonna constitucional) amolda-se com pre-
O eminente Ministro Sepúlveda Pertence, cisão na hipótese ensejadora da competência
Relator no AgRg n. o 423-o~SP, disse, com sin- originária do STF e guarda estreita harmonia
gular propriedade, que dada a supremacia das com a orientação da Suprema Corte quanto à
garantias constitucionais do due process e seus competência prevista na letra n do artigo 102 da
corolários (v. g. , CF, art. 5. 0 , LUI e LVII e art. 93, Cana da República, em virtude de ter por objeto
IX) - outorgadas a quem quer que seja o sujeito direitos, interesses ou vantagens peculiares à
do litígio substancial posto emjuízo -, cumpre magistratura.
amoldar à efetividade delas a interpretação da Uma esclarecedora lição proveio da Supre-
vetusta disciplina legal (...) em ordem a assegu~ ma Corte quando, em sessão plenária de
rar que "as leis é que se devem interpretar con- 16.1 D. 91, resolvendo questão de ordem susci-
fonne a Constituição e não, O contrário" (DJU tada pelo eminente Relator, Ministro Néri da
de 13.3.92, p. 2.921) pelo que repugna à consci- Silveira, estabeleceu o verdadeiro discrímen
ênciajuridica ~rer impor mera norma re~~n para negação da competência do STF: "nas cau-
tal à vontade clara e soberana do constitumte sas em que o interesse da magistratura é co-
em operacionalizar, no Judiciário brasileiro, to-- mum ao interesse de todo o funcionalismo"
das as vitaliciedades adquiridas na fonoa da (Pel. 506-MG, in DJU de 19.1O.91,p. 16.605). No
Constituição Federal a um posterior placet do mesmo sentido, a decisão tomada na AOr 91-2-
tribtmallocaI. RS, in DJU de 14.2.92, p. 1168). A contrario
b) Os precedentes sensu, se o interesse da magistratura, por ser
Para dar pela incompetênr::ia do STF, no próprio a ela, não for comum ao funcionalismo
caso concreto, o eminente Relator invocou três em geral, tinnada estará a oompetência excepcio-
precedentes. Todos, porém, dizem resJX:ito a nal da Suprema Corte para o deslinde da questão.
postulações de IndoJe retributiva de magistra- Na evolução dajurisprudência do STF res~
do, porquanto referentes a rnaté~a ~e venci- too firmada a diretriz segundo a qual se os inte-
mentos, que é, obviamente, um direito que se resses, direitos ou vantagens constitue~ situ-
estende à generalidade do funcionalismo pú- ações juridicas comuns a outras categonas fun-
blico. Examinem-se os precedentes citados: cionais ou inerentes a diversos estratos soci-
a) NaAOr 32-7, ReI. Min. Marco Aurélio ais descaracteriza-se, em função desse estado
(DJU 2.4.93, p. 5610), cuidava-sede magistra- de ~munhão jurídica, a própria ratio essendi
dos de São Paulo postulando pagamento de justificadora da especial e inovadora compe-
diferenças de vencimentos. tência originária do Supremo Tribunal Federal,
b) Na AOr 33-5, ReI. Min. Moreira Alves em ordem a esta resultar recusada quando os
(DJU de 13.11.92), magistrados de São Paulo direitos reclamados não tenham qualquer co-
propuseram ação ordinária para obten~o de notação de natureza corporativo-institucional
correção monetária das parcelas de venCimen- e não se restringirem, por isso mesmo, apenas
tos pagas com atraso. àqueles que estejam investidos no desempe-
c) NaAOr 34-3, ReI. Min. Francisco Rezek nho dos cargos judiciários.
(DJU de 22.3.93), magistrados de São Paulo
igualmente requereram matéria de "índole retri- Destarte, sempre que a globaJidade dos di-
butiva". reitos envolver, inegavelmente, pelo elevado
Os três precedentes, por conseguinte, não grau de extensão e de quase indeterminação
têm pertinência com o caso concreto, pois CUÍ- subjetiva de seus titulares, todos os agentes
158
Em precedente de porte, decidiu o SlF, por presidente do tribunal de origem sustentou que
votação unânime de seu Plenário, inclusive com ao ~mpetrante "não interessava, efetivamente,
voto de seu Presidente, que: a diSCUSsão em tomo da subsistência, em face
"STF: competência (art. 102, I, n): do regime da LOMAN, da licença-prêrnio insti-
causa cuja decisão pende da solução de tuída pela lei local. Aliás, pressu}lOS1O da sua
questão prejudicial, de interesse geral e pretensão é plena vigência da lei estadual, no
peculiar da magistratura (aplicabilidade ponto focado, o que, de resto, não foi questio-
ou não aos magistrados de lei local que nado na decisão administrativa, que simples-
outorga direito à licença prêmio aos ser- mente indeferiu o pedido pela consideração de
vidores em geral) - (Reclamação n. o 414- que não preenchidos os requisitos previstos
na lei local".
7~ Relator Min. Sepúlveda. Pertence, in
DJU de lO.3.95,p. 4.880). Acrescentou a autoridade: "Desse modo,
Malgrado discutido nessa ação que não salvo melhorjuízo, sobre contrariar, o tema sus-
seri~ lícito ao magistrado computar, para efeito citado, os próprios interesses do reclamante
de lIcença-prêmio, o tempo de disponibilidade permito-me ponderar que a questão aqui verti~
punitiva, o STF reconheçeu sua competência da não se apresenta, sob o ponto de vista da
originária para julgamento da causa, não pelo controvérsia estabelecida, com contornos idên-
fundamento da inicial, mas por envolver maté- ticos aos do precedente invocado (RTJ no/
ria de interesse de toda a magistratura - direito 1285), onde, então sim, abertamente se discutia
dos juízes à licença-prêmio concedida por lei a subsistência da lei estadual concessiva de
local, em face da Lei Complementar n. o 35, de licença-prêmio aos magistrados, causa do in-
14.3.79 (LOMAN) -, e deferiu a liminar, autori- deferimento do beneficio de que resultou o afo-
zando provisoriamente a pretendida contagem ramento da ação lá tratada".
de tempo, avocando os autos do mandado de Em adendo às informações, após conside-
segurança que tramitava no tribunal de origem, raremoart.13daLein.oS.038190eoart.156do
por acolhimento da reclamação formulada. RI -STF, tratando da legitimidade para o exercí-
A tônica da inicial defesa residiu em que a cio da reclamação, fizeram essa observação:
questão imediatamente discutida no mandado "Do enunciado desses dispositivos, a impres-
de segurança avocado - contagem do tempo são que se colhe é a de que, como em qualquer
de disponibilidade punitiva para fim de Iicença- causa, não agindo esse Pretória ex o.fficio, deve
prênúo (ou espe::ial) - teria interesse meramen- o reclamante se apresentaI com legítimo inte-
te local, por envolver questão relativa à inter- resse na reclamação, requisito que talvez não
pretação de norma estadual reguladora de be- preencha quando se considere que o acolhi-
neficio concedido a todos os funcionários pú- mento da reclamação, pelo fundamento aco\hi-
blicos e não apenas aoS juízes. do na r. decisão liminar, implicará, inexoravel-
mente, o próprio indeferimento da pretensão de
O órgão do Ministério Público, opinando direito material deduzida na ação que propõe".
sobre o feito. destacou que antes do exame des-
se tema de fundo deveria ser feito, pelo STF, o Sopesando tudo isso, o eminente Relator
da própria admissibilidade da concessão a ma- foi categórico: "O argumento é inteligente, mas,
gistrados de licença de tal espécie, em face do data venia, não procede", esclarecendo que
regime jurídico nacional estabelecido pela Lei seria preciso distinguir as hipóteses: se a recla-
Complementar n.o 35/79. "Ou seja: antes de de- mação visava resguardar a autoridade dejulga-
liberar sobre a possibilidade de tal ou qual tem- do do STF, então, sim, a parte interessada para
po ser contado para efeito de licença-prêmio, o ajuizá-\a seria apenas aquela a quem aproveita-
órgão julgador deverá deciwr se a própria li- ria a observância da decisão que se pretende
cença é lícita. E esse, sem dúvida, é tema de desrespeitada; entretanto, o mesmo não suce-
interesse de toda a magistratura do país, a jus- deria se a reclamação, sobretudo quando inter-
tificar a competência originária do Supremo Tri- posta antes da decisão definitiva da causa no
bunal Federal (art. 102, inc. I, alínea n, da Oms- tribunal de origem, fundava-se em alegada usur-
tituição da República)". pação da competência da Suprema Corte, hipó-
tese em que, além do Ministério Público, qual-
Preliminarmente, discutiu-se à exaustão, quer das partes estaria legitimada a reclamar,
nesse precedente, a magna questão de compe- sem que coubesse espewlar se, afirmada a com-
tência originária do STF, na medida em que o petência da Corte, a decisão de mérito que nela
f81
sajulgue-a isoladamente ou em colegiado" (RTJ car aconstante evolução eo aprimoramento da
1351%8). jurisprudência da Suprema Corte, dando a inte-
A experiência haurida após a vigência do lecção verdadeira do alcance da preceituaçllo
atual texto constitucional tem permitido verifi- do art. 102, 1, n, da Constituição Federal. de-
monstrando sintonia fina com a vontade do
.,u
o civilista Arnaldo Wald
tU
rio de advocacia em São Paulo, embora manti- o artigo 5.° da Constituição Federal incisos
vesse o do Rio de Janeiro, ao qual se dedica um Ve, principalmente, o X, dão autonomi~ â inde-
de seus competentes filhos. nização pelo dano moral, o que não ocorria. de
m~o geral, antes, pelo que se entendia, majori-
O Direito Civil era o direito próprio da cida-
dania romana. confundindo-se com o Direito tariamente, que a acwnulação do ressan:imento
Romano, ou o Jus Quiritum. que estendeu pela material com o do moral consistiria um bis in
Idade Média. onde o civilista era o romanista. idem, porque se tinha em vista os reflexos ec0-
Savigny deixou claro que, em Roma. Jus nômicos do último.
Publicum significava "não o direito que con- O dano moral pertine aos direitos da perso-
cerne ao Estado. mas toda a lei sem distinção, nalidade, conseqüência de uma conduta que
todo o Jus publicum stabilitum". provoca dor ou sofrimento, que se relacionam
Lentamente, o Direito Civil foi identifican- com o núcleo ético de ser humano, podendo
do-se como o Direito Privado. deixando de ser reparado, em certos casos. sem repercus-
abranger o Direito Público. sões econômicas visíveis, por importar mesmo
em dano material presumido.
O límpido Mareei Planiol. professor da Fa-
~~de de Direito de Paris. cuja elegância esti-
D1'z. \:lem Wald que"a idéia de que a óor hu-
hstica não passou despercebida a Amoldo mana não pode ser traduzida em algarismos
Wald, em seu modelar Traité Élémentaire de matemáticos, ou seja, em valor monetário não
Droit Civil, Tomo I, p. 10. explica a razão. É que, mais prevalece numa época como a nossa:'.
após a.queda da administração imperial, certas Tendo sido Wald autor de anteprojeto de lei
prescnÇÔeS perderam ou foram perdendo valor referente às concessões de obras e serviços
e utilidade, pelo fato de Estado se reger por públicos, é altamente significativa sua exposi-
outras normas e instituições poUticas. ção "Novos Aspectos da Concessão de Obras
e do seu Financiamento" (in Revista de Infor-
"Par suíte", ensina ele, "Les jurisconsultes maçi10 Legislativa, n.o 112) em que, além de
n'allaient pios chercher dans les recueils de reafirmar sua preocupação com o econômico e
Justinien que les régles de droit privé. C'est de o social, e de sustentar que "não há mais hoje a
la sorte que le droit civil prit peu à peu son sens distiJ19ão tradicional rígida entre a área pública
actuel et devint le droit privé" . °
e a pnvada. entre Direito Público e o Direito
Desse bloco monolítico desligaram-se, com Privado", reclama a apropriada legislação so-
autonomia, o Direito Comercial e o Direito Pro- bre concessões. "a fim de evitar um risco de
cessual. que veio, posteriormente. a integrar ° frustração do País, em virtude da falta de recur·
l?ireito Público, no sentido atual da expressão. sos adequados para que as empresas conces-
E por isso que o Direito Civil empolgava o Di- sionárias possam cumprir o papel que delas se
reito Privado. espera".
Sem ter perdido a perspectiva histórica Escritor que domina um instrumento expres-
Wald não deixou de assimilar, como resídu~ sional despojado, mas agradável, inteligência
cu~tural, a originária natureza publicística e to- penetrante e possuidor de vasta informação,
°
tahzadora do Direito Civil, que lhe possibili- Wald mostra, em sua obra, indisfarçável reper-
tou alargar seu campo de investigação jurídica cussão do Direito francês, de cujo governo foi
com rara maestria bolsista em 1954. trabalhando no Instituto de
Como registrou no prefácio da 1.8 edição de Direito Comparado em Paris, de sorte que em
seu Curso de Direito Civil, "no mundo da téc- seu espírito ressoa a catedralesca codificação
n!cs, o Direito deve assegurar a disciplinajurí- elaborada por Tronchet, Portalis, Bigot-Préame-
dica, baseado num conhecimento profundo das neu e MaIeville, todos com intensa vida públi-
realidades econômicas e sociais". Essa visão ca, detenninada pela Constituição de 1791, que
ampla também está explícita no ensaio Desen- estabeleceu regime monárquico e representati-
volvimento, Revoluçilo e Democracia (p. 62). v.o, ~otivando projeto de Cambacéres, que se-
n~ consul d~a\, com Napo\efto, pela Con&i-
Na 1P edição de Obrigações e Contratos ~ição de I?9.9 (Lebnm foi cônsul qüinqüenal).
Cpp. 117/120), Wald trata do dano patrimonial e vlOdo particIpar ambos dos debates sobre o
moral. inv~do a Constituição de 1988, que, Código Civil. cujo nome foi restituído pelo art.
como é notóno, resolveu todo o ordenamento 68 da Carta Outorgada de 1814. revista em 1830,
jurídico brasileiro, razão pela qual, sob sua ótica, que manteve sua força obrigatória, denomina-
todas as controvérsias devem ser enfrentadas.
ar. .". a. 32 n. f 28 "'./Jun. fft5 185
çlo que perdurou mesmo quando um decreto contrato eà limitação da propriedade iJDividuaI"
de 1852, do tempo de Napoleão UI, restituiu-lhe observa Paulino Ja<x(ues (Da Norma Jurldica'
o nome de "Código Napoleão" e cujo motivo 2. a ed., p. 35). '
principal de permanência foi seu realismo social. Do Código de Processo Civil (1807). prepa-
porque os redatores levaram mais em conside- rado por comissllo integrada por TreilhaRl. que
ração os costumes (sobretudo os de Paris) do votou pela condenaçAo do rei. Try. Seguier.
que o Direito romano (este vigorava no Midi, Berthereau ePigeau. a principal fonte foi a "or-
aqueles no Norte, atingidos pelo espirito ger- donnm:e" de 1667. do reinado de Luiz XIY. além
mânico), porque. como se lê em Aubry e Rau das leis revolucionárias e dos debates no Con-
(Cours de Droit Civil Français, 5a 00.• Tomo I, selho de Estado.
p. 36), "Ie Droit coutumier était le Droit de la
majorité des françaís. et ]a p]upart des membres MareeI Proust. romancista sobre o qual
de la Section de legislation du Conseil d'État Wald escreveu na juventude. como trataria de
étaient originaires de pays de coutume". outros ternas literários e de assuntos filosófi-
Outras fontes foram as "onlonnances" reais, cos e pollticos, registra em Le Temps Retrouvé
o Direito intermediário, ou seja. as leis que vi- últimovo]ume de Em Busca do 1émpo Perdido'
goravam desde a Revolução. o Direito canô- que viu inscrever-se "no losango de sua jane:
~a". o campanário da igreja de Combray que.
nico. a jurisprudência dos parlamentares e a
profunda contribuição de Pothier. grande ma- pondo assim sob meus olhos a distância das
gistrado e advogado, fàlecido em 1772. Os prin- léguas e dos anos. viera em meio da luminosa
venhua e com tom inteiramente outro do som·
cipios fundamentais do estatuto foram a igual-
dade dos franceses perante a lei. a independên- brio que parecia apenas desenhado":
cia do Direito CiviL em face das crenças. a pro- Através desse losango de palavras, as quais.
teç40 da liberdade individual e a garantia da segundo o poeta Francis Ponge. constituem.
inviolabilidade da propriedade. "00 monde concret. aussi dense, aussi existant
O intervencionismo estatal nas relações pri- que le monde exterieur", evoca-se. palidamen-
vadas foi uma reação a esses principios. te. a majestosa elaboraçAo te6rica de Amoldo
WaId, que o situa. indubitavelmente, entre os
Com a publicação do livro de Gastão Morin. maiores civilistas brasileiros, intérprete de wna
La Revolte du Droit Contre /e Code "010 hou- visAo arejada. corajosa, substancial e renova-
ve mais dúvida quanto à restrição à autonomia dora do fenômeno juridico.
dos indivíduos, à decadência da soberania do
1M
Derecho penal como tecnología social
(Notas sobre las contradicdones dei sistema penal)
SUMARIO
Universidad Autónoma de Centroamérica. Prof. Iworhmg inr modemen Slrafrecht. Heidelberg, C.F.
Universidad de Costa Rica. Müller Jurislischer Verlag. 1994. p.4.
187
principios de la filosofia práctica en ideas obje- doce la represiÓD penal ai núnimo posible'. A
tivas deI bien y de la justicia, en la voluntad eUo colabora0., decididamente:, las siguicntes
divina. en la naturaleza dei bombre. etc. Por ello tnixirms:
podja considerarse aceptable una nonna penal EI principio dei derecho penal como ulli'!"2
eo la medida cn que ella guardara correspon- ralio. que seflala que el derecho penal. debido
dencia con la ley divina o natural. tanto a sus consecuencias estigmatizantcs
EI idealismo alemãn. por el contrario. pro-- como a los vinculos que debe guardar con eI
blematiza la creencia en la posibilidad de un Estado de derecho. 5610 debe reaccionar frente
conocimiento a priori de valores materiales. a las perturbaciones más importames de la con-
Kant pone de manifiesto la cuestionabilidad vivencia social y ésto a condiciÓD de que las
epistemológica de las construeeiones de la me- dernás ramas deI ordenamiento juridico bayan
tafisica tradicional y muestra que ellas fracasan fracasado en la tarea de proteger los valores
a la hora de fundamentar leyes práeticas con fundamentales eo juego. La idea esencial en
pretensi6n de validez universal, pues la razón este sentido es la de que el derecho penal no
humana sólo puede reconocer carácter necesa- puede protegerlo todo; es solamente "Ia més
rio y vinculante a aquellas normas y regias que atilada espada deI contraI estatal..,.
eUa misma se ha dielado. Luego de la "Critica EI principio deI den:cho penal fragmentario.
de la Raz6n Pura", resulta en consecuencia im- según el cuaI el derecho penal constituye un
posible. como lo ha puesto de manífiesto eI Prol conjunto discootinuo de ilicitudes donde los
Hassemer extraer d contenido concreto de las espacios vacios significan necesariamcnte li-
normas jurldico-penales de un código divino o bertad.
de una ley natural eterna. En e1 centro de la EI principio de no confusión entre el dere-
filosofia práctica de Kant ~tá más bico e1 coo- eho penal y la moral, de confurmidad a:m c1
cepto de autonomia. de la razóo práctica como cuallos leros que 500 contrarios a la moral de
auto-Iegisladora. Para el idealismo alemán no un grupo detenninado no necesariamente tie-
se trata en consecuencia de derivar el ordena- nen que ser por ese ~smo hec~ tipificados
miento juridico de un conjunto de princ!p~~ como delito. De grau importancia es til este
supremos. sino más bieo de seflaIar la poslblh- sentido el concepto de bien jurldico. que com-
dad de concertar el orden juridico a través de pIe originariamente una funci6n descri~
aquellos que se verão regidos por él. EI modelo doca: Las sanciones pena)es (penas o medidas
de esta teoria lo constituye el contrato social. de seguridad) que tienen por fin no la protccci.-
La idea fundamental es que a través de este 6n de un bien juridico concreto. sino que sola-
contrato no se modifica eI volumen o la extensi- mente persiguen asegurar concepciones mora-
ón de la libertad dei hombre. sino sólo su moda- Ies. no resultan legitimas7•
Iidad: se renuncia a la libertad "saIvaje" o "sin
ley" en beneficio de una 1ibel1ad "segura", ejer- El principio de aJlpebilidad. que ~ la pena
cidad aI amparo de leyes justas3. Es un orden dependiente de la posíbilídad de que se formu-
fundado eo la libertad y para la libertad. le ai sujeto unjuicio de reproche por no baber~
En este marco conc:eptual se desarrolla el se comportado confOl'l7U! a derecho pudiendo
derecho penal clásico. el cuaI viene a cumplir haberlo hecho. Este juicio de reproche es de
uo encargo social determinado: debe marcar (y carácter estrictamente jurldico: se reprocha no
asegurar) los limites de la libertad civil. EI dere- haber aetuado conforme ai ordenamientojurl-
cho penal clásico se configura as' como el dere- dica, no el haber violado tal o cual precepto
cho de "Ias violaciones a la libertad y sus con-
secuencias" 4 y postula una serie de principios 5 Ver: HASSEMER, Wmfricd. op. cit.• p. 3 ff.
cuya filosofia, si se la mira detenidamente, pa- 6 AsI: ALBRECHT. Peter-Alcxis, Formali.ic-
rece poder reducirse a la idea de que la única nmg versus Flex.ibilisierung: Strúrecht quo vadis'1,
cn: ~ guten, da noch stets da Bole schlffi. En-
poUtica criminal conveniente es aquelJa que re- ,'Jayos cie"tifico-criminales ert honor ih, Herbert
J4F, oditado por Lormz BiJl1illF YRDdig:r Laut-
2 HASSEMER, Winfried, Theorie und sonolo--
mann, Frankfurt a.M., Suhrkamp, 1993. p. 255.
gie MS Verbfffhens, Frankfurt a.M., Athcn um Ver·
7 AIIÍ: HAssEMER. Winfricd, Sozialtechnolo-
1ag. 1973, p. 29.
J Ver: KERSTINO. Wolfgang. Wohlgeordnete
gic und Moral; Symbole IUld R.cchtlgt)1Cr. cn: IWcItu
F~iheit. Frankfurt a.M. Suhrkamp. 1993, p. 351. und Moral, editado por Hcike JUOS. Heinz M01Ier·
Dlc1z y mfricd Ncumann, Baden-Badcn, Nomos,
.. HASSEMER. Winfried. op. cit.• p. 5. 1991, p. 331.
ia
moral. Con eI principio de culpabilidad se ex- dicionales fórmulas deontológicas de legitima-
cIuye además la responsabilidad por eI resulta- ción se considera0 entonces insuficientes para
do. La culpabiJidad se configura asi como un justificar la intervenciÓD jurídico-penal. El sis-
elemento constitutivo deI delito, sin el coai no tema penal como tecnologia social se ve así ante
es posible hablar de un hecho punible. la imposible tarea de demostrar en todos los
E] principio de inocencia, según el cuaJ na- campos en los que es requerido, que es funcio-
die es culpabIe hasta tanto no se demuestre en nal, que produce consecuencias favorables y
juicio su culpabiJidad. Fundamento deI princi- evita las desfavorables 'o.
pio de inocencia es la idea de que vale más de- 2. Derecho penal como tecnologia social
jar Jibre a un delicuente que sancionar a un ino- Puede afirmarse que el tránsito dei derecho
cente, lo que, según mi manera de ver las cosas, penal bacia una tecnologia social se observa
oonduce a limitar las bipótesis de prisi6n pre- en la mayoria de los ordenamientos jurídicos
ventiva. En fecto, si el imputado no es culpable deI mundo actual. En Alemania, por ejemplo, la
hasta tanto una sentencia no lo declare tal, la nueva tendencia encuentra respaldo en una
restricci6n de su Jibertad en el proceso debe ser parte significativa de la teoria y práeticajudici-
la excepc:i6n y no la regla. al, precisamente aquella que podriamos llamar
El principio deI debido proceso, que se re- conservadorall . Las directrices generales de esta
suelve en una serie de derechos que configu- nueva orientación deI derecho penal son claras
ra0 la noci6n moderna deI proceso y entre los
y pueden sintetizarse, como ya ba sido puesto
que se destacan, sin querer ser exahustivo, los de manifiesto l2 , en los siguiente puntas funda-
siguiente: a) amplías posibilidades de defensa mentales:
en juicio, b) derecho de ser oido en eI proceso, 2. L Transfonnaciones dei derecho penal
c) notificaci6n de las resoluciones, d) posibili. material
dad de apelar las decisiones judiciales sin que En primer lugar se producen cambios signi-
sea posible que se resue]va la apelaci6n en per- ficativos a nível dei derecho penal material.
juicio deI apelante (prohibici6n de la reforma- Meta dei derecho penal material pasa a ser
tio in peius), e) derecho a unjuez natural (sólo sobre todo la persecución pronta y eficaz de
aquel que ha sido investido con arreglo a la una serie de fenómenos que ]a llamada "opini-
constituci6n y las leyes con la potestad de diri- ón pública", manipulada de ordinario por los
mir los conflietos juridico-penales puede deter- medios de comunicaci6n colectiva, considera
minar si una persona ha cometido un delito e peligrosos. EI derechopenal esllamado acurn-
imponerle la sanci6n correspondiente), f) dere- p]ir eficazmente su funci6n represiva en los más
cho a no ser juzgado dos veces por el mismo variados campos: Ia eoonomía, la política ambi-
delito (non bis in idem). ental, la política fiscal, el derecho deI consumi·
1.2. Transformación dei derecho penal
clásico \0 lbid., p. 331.
En estos principios se refleja un particular 11 Una encuesta realizada en Alemania a los Jue-
aspecto de "la dialéctica de la modemidad"8. ces y funcionarios dei Ministerio de lusticia de Hes-
Pues con ellos se pretende combatir originaria- sen, seflala que la mayoría de estos funcionarios estA
mente un derecho penal moralizante oon armas de acuc:rdo en acelerar el preceso penal por medio de
medidas tan radicales Ç()IllO la limitaci6n de los medi-
tomadas del arsenal de la filosofia política de la os de prueba, de las oportunidades en que pueden
ilustraci6n. La batalla, como lo seftala el Prof. ser p~sentados así como de los recursos de que dis-
Hassemer, file ganada yel enemigo result6 der- pone el imputado en contra de las resoluciones judi-
rotado. Pero las annas adquirieron autonomia y ciales (!). Sobre el punto, ver: ALBRECHT, Pcter-
se ban vueIto en contra de los principios ai ser- Alexill, op,cit. (supra nota 6), W. 260 llll. Ver tambi-
vicio de los cuales estaban. EI derecho penal, aI én en este sentido ef proyecto de ley alentán para
radicalizarse la Iucha contra las concepciones "descargar" la administraci6n de justicia, publicado
moralizantes, toma entonces el camino que lo en: Deutscher Bundestag, 12. Wahlpe::riode, Druck-
lleva a convertirse en una tecnologia sociaI9• sache 12/3832. Este proyccto contempla también oon-
EUo coloca aI derecho penal bajo la presión de siderabJes limiÚlciooes de los derechos dei imputado.
11 Una exposiciÓll de estas ideas pucde verse en:
una nueva necesidad de ]egitimaci6n. Las tra-
HASSEMER, Winfricd, Sozialtechnologie; op.cit. (su-
pra nota 1), pp. 329 SIl.; dei mismo autor: Produktve-
• Ibid. rantwOl"hmg (supra nota I), pp. 6 und S8.; ALBRE·
, Ibid., p. 329. cm, Petc::r·Alexis, op.cit., (supra nota 6), pp. 264 86.
dor, consumo de drogas. etc. Ellema de la nue- modificarse en dírecci.6n a una desformalizaci-
va tendencia parece ser: deI cielo a la tierra yde ón de la posición dei prisionero seguido ésto
la cona a la tumba. todo y todos dentro deI sis- de una reducción de los beneficios que se con-
tema penal. ceden a la clientela de las prisiones.
En lugar de perseguirse la proteceión de bi- 2.3. Transformaciones de la teoria penal
enes jurídicos individuales y concretos, se bus- A nivel de la teoria penal se prefi.eren expU-
ca la tutela de bienes juridicos indeterminados caciones funcionalistas que permiten la adap-
y universales (Ia salud pública, el orden públi- tación de los institutos penaIes a los requerimi-
co,la moral y las buenas costumbres. etc.). entos de la moderna politica criminal. EI dere-
Se recorre a la multiplicación de los llama- cho penal deja de ser un limite de la politica
dos delitos de peligro abstraeto, es decir, de criminal-a>mo loconsideraba v. Liszl-. El dere-
aquellos que reprimen una oonducta que ni dafta cho penal se convierte más bien en instrumen-
Di pone concretamente en peligro un bien jurl- to de aquella.
dica lI}, sino que en eJ fondo criminaJjzan tm Las teorias de la pena se fundamenIan iBU8l-
sólo la posibilidad de la posibilidad de una lesi- mente en criterios sociotecno16gicos. La razón
6n a un bienjuridico. por la que se castiga se bus<:a no cn la retribu-
Se reducen los pre5Opuestos de la imputa- ción dei hecho según 50 reprobabilidad, sino
ción de delitos. Se tiende a reprimir las fonDaS de conformidad con las consecuencias que la
de tentativa en lugar de los delitos consuma- sanción pueda tener con relación ai desarrollo
dos; se aumenta la represión de las formas de de la criminalidad. EI individuo eleja de ser la
participación criminal (autoria y complicidad); meta de la pena y se convierte en instrumento
se aumenta el número de los delitos de omisión de la politica criminal.
y culposos. Finalmente se refleja esta tendencia en una
serie de esquemas cognitivos y nonnativos. Se
Se recorre ai uso de cláusulas generales y trata de dominar el futuro, de prevenir riesgas.
conceptosjuridicos indeterminados, oon lo que en lugar de sancionar los hechos ya cometidos.
se lesiona el principi.o de legalidad criminal (5610 Se profesa una fe en la posibiJidad de que el
ellegislador puede determinar que es delito y derecho penal configure activamente la reali-
50S concecueocías) y la seguridadjurídica. dad socioecoDÓmica. La legitimación de las in-
Todo ello va acompaftado de un aumento tervenciones juridico-penales se busca no cn
generalizado de los limites núnimo y máximo de el concepto de justicia sino en el de eficacia. no
las sanciones penales, con lo coai se pretende es la persona dei delincuente y la reprobabili-
satisfacer eI interés de la prevenci6n general. dad de sus 3etos lo que es relevante. sino los
2.2. Transformaciones dei derecho penal imperativos funcionales de una sociedad des-
procesal y de ejecución de la pena personalizada.
A nivel dei derecho procesal penal se ob- Por lo dernás puede decirse que la tenden-
serva la tendencia a mejorar la eficiencia dei sis- cia de convertir ai derecho penal en una tecn0-
tema a costa de los derechos dei imputado. Esto logia social tiende a impregnar todas las mani-
se manifesta en el aoortamiento, abaratamiento festaciones dei quehacer jurldico penal y afec-
y desformalización dei proceso y el rechazo de ta de ordinario todas las instaneias de contrai
supuestas "perturbaciones dei proceso" pro- social: legislaci6n, administrnción de justicia, eje-
venientes dei imputado y 50 defensa. El proble- cuci6n de la pena. policia, rninisterio público. etc.
ma radica en el hecho de que todas esas refor- 3. Un ejemplo reciente: "reformas urgen-
mas, que pretende0 verificarse en favor de la tes" en el sistema penal costarricense
protección de la vletima dei delito. corren, por
decirlo así. a cuenta deI imputado y no dei Esta- Un ejemplo reciente de esta tendencia pue-
do represor u . Elias se traducen a menudo en de verse en el proyecto de Iey que rue reciente-
una reducci6n de las posibilidades de defensa mente sometido a la consideración de la Asam-
asi como de los trámites procesales e investiga- blea Legislativa costarricense por el Ministro
ciones tendientes a la averiguación real de los de Seguridad y que \leva el significativo titulo
hechos. de "Reformas Urgentes aI Código Penal, el Có-
EI derecho de ejecuión de la pena tiende a digo Procesal Penal y Ley Orgánica de la Juris-
dicción Tutelar de Menores"·4.
13 HASSEMER, Winfried, Sozia/technologie; 14 La critica siguientc se basa en cl proyecto pro-
op.cit. (supra nota 1), p. 329. puesto el 14 de diciembre de 1992. en trimite co la
170
En sus líneas generaIes se basa la propues- bis) Yque configura0 una política de tratarnien-
ta en los siguientes aspectos: to deI menor, que en el mejor de los casos es
Se plantea una nueva tipificación de deter- inadecuada y obsoleta y que se resuelve, en
minadas condudas. En este sentido se propo- sus rasgos fundamentales, en las siguientes
ne considerar como delito internacional el tráfi- medidas: I) sometimiento al menor a exámenes
co de vehículos automotores proveniente de técnicos para detenninar su adicción a las dro-
aetividades ilícitas (reforma ai art. 7 C.P.); se gas o aI alcohol, 2) internación dei menor como
introduce la figura de la conspiración para co- medida tendiente a su recuperación (!) y 3) se
meter el delito de homicídio tanto simple como propone la especializaci6n de determinados ór-
calificado (arts. 111 y 112 C.P.), aspecto éste ganos (O.u., Centro de Infonnación Policial deI
que se relaciona con la inclusi6n de un articulo Ministerio de Seguridad Pública, Ministerio
"47 bis" en la Parte General deI Código Penal, e1 Público), en la investigación y represión de las
cuaI vendria a establecer la figura de la "cons- conductas realizadas ]Xlr los menores.
piración"; se reprime aI que sin estar debida- La concepci6n general deI proyeeto es en
mente registrado yautorizado en el Ministerio reaIidad simple. EUa se resuelve, como puede
de Seguridad Pública, reaIice actividades pro- apreciarse, en un aumento de penas, tipificaci-
pias de los miembros dei servicio de vigilancia ón de nuevas conductas como delitos, reducci-
privada, de la Reserva de la Fuerza Pública o ón de las garantias procesales y persecución
desempefle cualquier clase de labores de segu- de los menores infraetores. Con elJo se preten-
ridad privada (art. 308 C.P.). de introducir una manera de combatir la crimÍ-
Se propone un aumento sistemático de los nalidad basada en lo fundamentaI en una re-
limites mínimos y máximos de las penas privati- ducción sistemática de las Iibertades individu-
vas de libertad previstas para determinados ales y un aumento correlativo de las facultades
delitos. Están en esta hipótesis la reforma aI art. intervencionistas-represoras dei Estado. Todo
74, según la coaI a los autores, coautores, cóm- el proyecto reposa, pues, en la firme creencia
plices e instigadores que realicen el hecho pu- de que ai fenómeno de la delincuencia se le com-
nible con la participaci6n de menores de 18 bate con más represi6n, sacrificio de las liberta-
aflos, se les aplicar la pena más grave aumenta- des individuales y de los principios deI Estado
da en otro tanto; la reforma ai artículo 77 que de derecho.
prevê un aumento de las penas en el caso eo No es mi intención analizar los problemas
que la VÍctima sea un menor de 18 aflos y las que presenta en detalle el anterior proyecto de
reformas a los artículos 209, 229, 213,214,321 Y reforma - los que sin lugar a dudas son muchos
322, que agravan las penas en determinadas y muy graves15. Más bien quisiera llamar la aten-
hipótesis dei delito de robo, daflos, hurto y ex- ci6n sobre la concepción general que lo anima
torsión. En estrecha relación con la idea de agra- y sobre su actitud ante el problema de la delin-
var las penas de prisión se encuentra la propu- cuencia.
esta de introducir pena de prisión para las con- 4. Crítica dei derecho penal como tecnolo-
travenciones previstas por los artículos 374 y gia social
413 c.P. y la introducción de un requisito eco- La concepción dei derecho penal como tec-
nómico para el otorgamiento de la libertad con- nología social es criticable, pues no medita su-
dicional y de la condena de ejecución condicio- ficientemente sobre las causas de la delincuen-
naI (articulos 60 y65 C. P.). cia y las medidas legítimas para combatida.
Se propone como complemento de estas
15 Merece resaltarse en este lugar, y a manera de
medidas una reforma deI artículo 298 dei Códi-
ejemplo, la desaguisada política que se pretende se-
go ProcesaI Penal que tendria corno objeto otor- guir en relación con la reforma de la Ley de la Juris-
gar la posibilidad de negar la excarcelación cu- dicción Tutelar de Menores, la que se basa (según se
ando la víetima deI delito haya sido un menor deduce dei texto de la propuesta de reforma de los
de 18 aflos y coando se imputen delitos de hur- artículos de dicha ley números 21 bis, 23, 32, 43, 51
to, robo agravado y extorsión relacionados con bis y 52) en la idea parad6jica de lograr la recuperaci-
vehiculos automotores. La propuesta de refor- ón dei menor por medio de su intemamiento en ins-
ma de algunos artículos de la Ley de la Jurisdic- tituciones de control. Paradójica porque eI problema
ción Tutelar de Menores (21 bis, 23,32,43 Y51 no se ataca recluyendo ai menor en un establecimien-
to de este tipo, sino sólo por medio de la modificaci-
Comisión de Asuntos Jurídicos de la Asamblea le- ón efectiva de las condiciones socioecon6micas en
gislativa de Costa Rica. las que aquél vive.
según cI número de tomo, sentencia y página. zen der Bekdmpftmg der' Organmer'fen Kriminali-
tãl, Frankfurt a.M., Manuscrito de la conferencia
2<1 BVerfOE, 39, 156 (165); 57,250 (270).
pronunciada ante la EuropAische Rcchtsakadcmie
25 BVerfOE, 38,281 (302). Tria, 1994, p. 1 88.
]li STERN, Klaus, op.cit., (supra nota 17), p. 866. l' Ibid., p. 2.
174
EI sentimiento de inseguridad de la poblaci- 8. Critica de la critíca
6n y 50 temor frente a la posibilidad de ser víc- Las soluciones antes expuestas, por más
tima de un delito se basa, en lo fundamental, en sugerentes que puedan ser, no dejan de ser en
un aumento cuantitativo de la criminalidad, que el fondo insatisfaetorias.
se manifiesta sobre todo en delitos taIes como
el robo de vehículos, robos practicados en las 8.1. Critíca deI princípio de prohibición
viviendas o en la vía pública (llamados popu- dei exceso
larmente "carterazos"), bandas juveniles, etc. EI principio de prohibici6n deI exceso, apli-
Ahora bien, el hecho de que los delitos se cado aI derecho penal, quiere suministrar un
realicen de manera profesional, por media de paràmetro de crítica de las políticas criminales
bandas, a nivel internacional, con el empleo de excesivas. Pera las posibilidades reates que ofre-
moderna tecnología o incluso con el empleo de ce este principio para controlar eI aumento de la
medios financieros considerables, no represen- represión estatal no deben sobreestirnarse. En
ta, en general, nada cualitativamene nnevo, sino efecto, lo que es "idóneo", "necesario" y "pro-
tan sólo, como lo afinna la doctrina de comenta- porcionado" no puede apreciarse de manera
ri030, un aumento cuantitativo de las prácticas absoluta. Algo es idôneo, necesario y propor-
delincuenciales comunes. Para la represión de cionado sólo para determinados sujetos, en
este tipo de criminalidad bastarian por lo gene- determinado tiempo y en detenninado lugar. De
rallas leyes penales existentes (en lo funda- fQrma tal que· dependiendQ de los sujetos, los
mentai eI Código Penal, Procesal Penal y leyes tiempos o la sociedad - podria estimarse inclu-
conexas). A lo sumo se requiere Wla cuidadosa so que la supresi6n de derechos fundamenta-
adaptación, pero no la sustitución de los prin- les de los individuos (por ejemplo, la pena de
cipias clásicos garantes de los derechos fim- muerte) es necesaria para combatir la delincu-
damentales31 • 8ólo para combatir un aumento encia. Abora bien, estas restricciones o supre-
cualitativo de la delincuencia, en especial al fe- siones de los derecbos fundamentales resultan
nómeno de la criminalidad organizada, p:xIrian inadmisibles, como se exprondrá más adelante,
resultar necesarias medidas más enérgicas. si se parte de la perspectiva de un derecho pe-
nal democrático. Por lo demás, no debe perder-
7.2. Prevención normativa y prevención se de vista que el principio de prohibición del
técnica exceso pierde su carácter crítico y se convierte
La distinci6n entre prevención normativa y en un elemento de legitimaci6n deI control so-
prevenci6n técnica es también importante. Por cial, en aquellos casos en los que el Tribunal
prevenci6n normativa se entiende aquella que Constitucional sefiala que las medidas adopta-
tiene lugar por media de la creación de delitos y das por ellegislador no son excesivas.
sancionesjurídico-penales. La segunda es aque-
tIa que combate la crimi nalidad con una serie de 8.2. Critica de las distincíones cantidad-
medidas de carácter técnico que tienden a eli- cualidad y prevención técnica~ prevención
minar los supuestos fácticos que favorecen las normativa
conductas deIictivas. En este sentido se ba pro- La distinción entre el aumento cuantitativo
puesto recientemente como alternativa al recm- y cualitativo de la criminalidad es doblemente
decimiento de la prevenci6n normativa un me- criticable. En primer ténnino, porque se conten-
joramiento de las medidas de prevenci6n técni- ta con afirmar que para reprimir un aumento
ca. Por ejemplo: para combatir fenómenos de cuantitativo de la criminalidad bastan las leyes
corrupciÓfl en la admínistración pública no ha- existentes, con lo cual se deja sin problematizar
ria falta crear más delitos y agravar las penas el sistema de represi6n existente. Por otra parte,
existentes, sino adoptar medidas de reorgani- sugiere que ante un aumento cualitativo de la
zación admi nistrativa que hagan desaparecer o crimínalidad se pueden utilizar medidas más
modifiquen las estructuras que favorecieron eI P.nérgicas. Ahora bien., estas "medidas más enér-
surgi miento de los problemas de corrupciôn. O gicas" suponen, de manera general, un ataque
bien: para combatir el problema de la droga es a los principias deI Estado de derecho.
necesario hacer desaparecer el mercado ilegal, Ai concepto de prevenciôn técnica también
a lo que podría contribuir, paradójicamente, su se le pueden hacer varios reparos: I) no debe
legalización. olvidarse que toda medida de prevención téc-
)0 Ibid. nica, en tanto que provenga de algún ente pú-
blico, debe estar amparada por alguna norma
H Ibid.
• r..al• •. 3211. 1211 . . ../JIIII. 1995 175
dei ordenamiento jurldico. A ello obliga el prin- la represión jurldico-penal.
cipio de legalidad administrativa. Por tanto, las Las sociedades modernas son, en rcalidad.
medidas técnicas tienen también una base nor- sociedades de minorias. en eI sentido de que se
mativa, 2) por otra parte, debe tenerse cuidado componen de una serie de grupos y subgrupos
en no caer en la trampa de que las medidas téc- muy heterogéneos, cada uno de los cuales se
nicas vengan a resultar más peligrosas que Ias rige por sus propias representaciones dei mun-
estrietamente normativas. En efedo, un aumen- do y de lo que se considera valioso o no. La
to considerable de la intervención estatal re- llamada "cultura oficial" no es la cultura de t~
dunda. en general, en detrimento de la libertad dos, Ri siquiera de la mayoria. La cultwa oficial
individual Yen beneficio deI sistema de control es también cultura de minorias, precisamcntc la
oficial. de aquellas que han logrado elevar sus propias
9. lA perspectiva de un derecho penal de- representaciones ai rango "oficial".
mocrático La existencia de una cultura oficial supone
9.1. Derecho penal y democracia necesariamente la presencia de una serie de te-
Conviene primero que nada relacionar dos presentaciones culturaJes que no son oficiales
conceptos: derecho penal y sociedad democrá- y que, por tanto, concurren con aquella. Como
tica. la cultura oficial a menudo se encuentra reves-
tida dei poder definitorio de lo que debe ser
EI derecho penal constituye un conjunto de considerado valioso o no, no es raro que la te-
normas cuya estnJctura lógica está constituida laci6n entre la cultura oficial y Ias subculturas
por un supuesto de hecho (comportamiento que que existen a 50 lado se traduzca en represi6n,
la norma define como delito o contravención) y la que se resuelve a favor de la primera y en
un efecto juridico (que es siempre una valoraci- detrimento de las segundas. Por esta razón es
ónjuridica dei comportamiento definido como frecuente que el fenómeno de la reprcsión se
delito). EI efectojuridico propio de las normas presente como una especifica variante de las
juridico-penaIes se resuelve en el deber ser de relaciones de poder entre minorias concurren-
una sanción que consiste siempre en una pena teso La represión tendrla 50 origen coando por
o en una medida de seguridad. diversas razones de orden sociológico una mi-
En la estrnetura lógica de la nonnajurldioo- noria alcanza el poder de definici6n relativo a
penaJ se relevan así dos problemas que mere- que conduetas deben ser sancionadas como
ce0 resaltarse: él deI poder de definición dei desviadas, nocivas, perjudiciaJes, etc. y priva
comportamiento como delito O contravención de vaJidez a toda otra manifestación cultural.
y la represión que se revela en la sanción que La represi6n lIega a uno de sus pontos más
se liga a tal comportamiento y que lleva implici- problemáticos cuando una minoria aJcanza el
ta una lesión de los derechos fundamentaJes de poder de definir cuales conduetas se conside-
lapersona. ra0 delitos, cuales son 50S consecuencias y
Por sociedad democrática entiendo aquella quienes deben ser considerados delincuentes.
en la que todo ciudadano tiene la oportunidad: En una sociedad democrática. por d contra-
I) de desempeftarse potencialmente tanto en eI rio, el poder de definici.6n relativo a las c:onduc-
rol de legislador como de destinatario de nor- tas que cleben considerarse como delitos y a
mas. 2) de participar en los procesos de decisi- las sanciones que se aplica0 como consecuen-
ón de los problemas de la comunidad, y en la eia de aquellos, debe ser objeto de critica por
que 3) e1 fundamento último de legitimidad de parte de todos los grupos que componen la
toda decisión o instituci6n poJitica o juridica sociedad. Todo ciudadano en 50 doble rol de
radica en el hecho de que es producto de una legisladorpoteocial y destinatariode normas dcbe
discusi6n en la que todos los miembros deI con- poder participar activamente en Ia critica y ~
glomerado social han podido tomar parte. blematizaciÓR de dicho proceso de definici6n.
9.2. lA idea de un derecho penal democrá- La politica criminal, la dogmática penaI y en
tico como parámetro critico dei sistema penal general las ciencias penales, en 50 calidad de
De la uni6n de estas conceptos -derecho discursos especializados en la tematiZ3CÍón de
penal y sociedad democrática- se sigue, en lo los problemas criminales, juegan en los proce-
que aqui interesa, un parámetro para criticar: 1) 50S de definición de los delitos y las penas un
la legitimidad de las medidasde represi6njuri- papel de gran importancia. Con todo ddJe scfta-
dico-penaIes y 2) determinar el limite mismo de larse que en una sociedad democrática el dis-
.78
curso de las ciencias penales no puede recla- ma de las garantias jurídi~procesales, pues
mar una absoluta autoridad epistemológica en en este caso se niega o reduce la posibiJidad de
lo que concieme a la comprensión de la crimi- hacerjusticia, sin la cual ninguna sociedad de-
nalidad y los medios de combatirla. No existe mocrática puede existir.
una "realidad alU afuera", que "la ciencia" cap- EI ejercicio de los derechos fundamentaJes
ta Y la presenta como verdad revelada a los dei ser humano (politicos y sociaJes) es lo que
mortales. La ciencia en general no hace en el hace posible el intercambio efectivo de ideas y
fondo otra cosa que producir una nueva reali- la formaci6n de discursos que problematizan
dad, que concorre con las producidas por otros los diversos campos dei quehacer humano. Yel
discursos sociales (moral, cultura, política, ec0- desarrollo dinámico de estos discursos da lu-
nomia, etc.) y las producidas por las concienei- gar a su vez aI nacimiento de los procesos de-
as de los sujetos individuales. En una sociedad mocráticos, los que SOn responsables de la cre-
democrática debe siempre existir, en consecu- ación legítima deI derecho. Por eUo no pueden
encia, la posibilidad de que eI discurso de las limitarse sistemáticamente los derechos funda-
ciencias penales sea problematizado no sólo mentales de las personas, sin que se afecte a su
"desde adentro", es decir, por los teóricos de vez el carácter demcrático de una socieda.d. De
las eiencias penales, sino también desde afue- aqui se sigue, entre otras cosas, la prohibici6n
ra, por todos los sectores de la población intere- de la pena de muerte, que es la negaci6n abso-
sados o afectados por los problemas eriminales. luta de toda posibilidad de desarrollo de la pro-
En el concepto de sociedad democrática va pia personalidad, de la pena de prisión y gene-
impUcita una barrera de la represi6n jurídico- ral de las penas perpetuas o excesivamente lar~
penal: esta no puede llevarse aI extremo de que gas. Todas ellas se traducen en obstáculos in-
dificulte o ponga en peligro la existencia misma salbables para que determinadas personas o
de los procesos democráticos de decisi6n y grupos de personas se integren efectivamente
enlendimiento. a los procesos de discusi6n democráticos.
10. Cuatro peligros o las trampas de una
Sin querer ser exhaustivo en este punto, creo política criminal "bien intencionada"
que la represi6n jurídico-penal hace peligrar
esos procesos democráticos cuando menos en Con todo, esta manera de razonar esconde
los siguientes casos: cuatro peligros. En primer ténnino, puede fá-
cuando pone en entredieho la existencia de eilmente transformarse en un medio de legiti-
aquel derecho humano primigenio dei que ha- maci6n de la opresión de las clases menos fa~
blaba Kant, a saber, el derecho de toda persona vorecidas de la sociedad. En segundo término,
a participar de las mismas libertades de que no da respuesta precisa aI problema de si el
gozan todos los demás sujetos 32. Tal sería el castigar puede annonizarse realmente con la
caso de una política criminal racista, aÚIl cuan- idea deI Estado de derecho y de democracia. En
do refleje la opini6n de la mayoria; tercer lugar, no dice que hacer en los casos en
que determinadas personas o grupos, de he-
cuando la represión se traduce en un obstá- cho o pot razones iurldicas, quedan tOlalmente
culo para que detenninados grupos de perso-- excluidos de participar en los proceSOs demo-
nas se desenvuelvan como miembros activos cráticos de decisión. Porúltimo, no explica como
de la colectividad y participen en los procesos es posible racionalizar aquello que es irracio-
políticos, económicos, etc. Tal es el caso de la nal: el sistema de control social. De manera tal
eriminalizací6n de detenninadas formas o esti- que es necesario complementar la tesis de un
los de vida (homosexualidad entre adultos, con- derecho penal democrático, con las siguientes
sumo de drogas, confeciones religiosas o cre- observaeiones.
dos políticos);
10.1. Escatología penal
cuando la represi6n se traduce en una nor-
El discurso deI derecho penal mínimo no es
n "Freíheit (Unabhllngigkeit von eines anderen inofensivo. Esconde en realidad una trampa muy
nõtigender Willkür), sofem sie mit jedes anderen peJigrosa. Dicho discurso seftala que el dere-
Freiheit naeh einem allgemeinen Gesetz zusammen cho penal, esa "espada afilada" deI Estado, só10
bestehen unn, ist dieses einzige, ursprüngliche, jedem debe intervenir: I) ante las violaciones más gra-
Menschen, kraft seiner Menschheít, zustehende Re- ves, 2) de los bienesjuridicos más importantes
eht". KANT, lmmanuel, Die Metaphysik der Sinen, de la sociedad y 3) cuando las demás ramas deI
en: Werlazusgabe, editado por Wilhelm Weischedel, ordenamiento jurídico han fracasado en el in-
Frankfurt a.M., Suhrkamp, T. vn, 1977, p. 345.
sobre las demás que componen la sociedad. de prisi6n, véase; LODERSEN, KJaus, Stufenwoile
El1ICtZUng der Frciheitsstrafe, en: SIra.fr«Jttspolitik.
Yo CftX) que un proceso democrático de dis- Bedirrgw.gerr der Slrafrechtsrefomt. Editado por
cusión dei poder punitivo debe tomar el cause Wmfricd Hassemcr, Frankfurt a.M.lBemlNew York.,
de una critica deI poder de definición el cual, Peter Lang Verlag, ] 987. pp. 83 88.; Luzón Pefla,
como lo advirtiera Walter Benjamin en un céle- Diego-Manuel, Die Ersetzungsformen der Frciheits-
bre ensayo, reposa en última instancia en un und anderer Strafen in der spanischen Strafrceh~
ejercicio de violencia11 • form, co: SII'tl.frechtspolitik. Bedirrgrurgm der Strcz·
frechtsreform. Editado por Winfried Husemcr,
33 Ver: BENJAMIN, Walter, Zur Kritik der Frankfurt 8.M,lBemINew York, Peter Lang Verlag.
Gewalt, cn; GesammelteSchri.ften,2. Edición.Frank- 1987, pp. 103 Si.
.,78
procesos de discusi6n democráticos. En efec· que para evitar ese riesgo conviene elevar la
to: las nonnas jurídicas no pueden imponerse sospecha a rango de principio y afirmar que la
legítimamente a aquellos que no han podido razôn es siempre la máscara de la sinrazón. Toda
tener la posibilidad de discutirIas. Y si la aplica- institución, incluso aquellas que afirman ser
ción de la norma es ilegítima, debe tenerse el razonablemente democráticas, deben someter-
derecho de oponerse a 50 aplicación. se a la prueba de la sospecha de ser irraciona·
10.4. La sospecha como método les. Yo creo que esto conduce a rechazar toda
Con todo, no encierran estas elucubracio- pretensi6n de darle a las instituciones -eualquí-
nes otra trampa? Pues, no es en el fondo con- era que éstas sean- un fundamento esencialis-
tradietorio querer racionalizar lo que por princi- ta. Tan sólo queda la posibilidad de buscar fun-
pio no es racional, es decir, la venganza organi- damentaciones de tipo procedural. Es decir, tan
zada e institucionalizada en manos dei Estado? pronto como se semeten las instituciones y las
Corno es posible interactuar racionalmente con ideas aI "torbellino de la problematización"3~, no
lo irracional, sin correr a 50 vez e\ nesgo de quedan más que 9roceoos de di'DlSión. en los
irracionalizarse o, lo que es todavia peor, de lle- cuales unos argumentos sustituyen a otros en
gar a encontrnr ~ razón en la sinrazóni 'lo creo un proces<l perrnanentede IeMVación. 'j critica.
FERNANDO BRAG4.
sUMÁRIo
183
dência histórica de Savigny (a nonna pelos caraeteristicas de soberania: leis, governos. li-
costumes), servir, mais tarde, de base para o berdades, privilégios, usos e costumes. e ainda
sistema científico-racional. a administração da justiça prometida com pro-
4. As Ordenações pósito legislativo de unidade. Além do p~
50 ordinário, foi também conservado O sumário
A idéia da codificação nos vem de Portugal, e instituido o especial, este aplicável a certas
detentor da pedra angular do nosso direito, causas, como as do despejo, as de executivo
desde as Ordenações. nascidas na Consolida- fiscal e as possessórias, segundo lições do Pr0-
çiJo do Reino, em 1139, com a ind~ncia fessor Antonio José de Souza Levenhagenl2 .
da Lusitânia do jugo espanhol, onde Vigora- Nestas Ordenações, foi editada. em 1729, a Lei
vam leis esparsas denominadas Cartas Forais da Boa RaziJo, que enfraquecia as influências
e Diplomas. disciplinando as ~pçôes, di~i do Direito Romano e do Canônico, por q~
to e privilégio, referentes aos direitos ~scal, JU- toes de rivalidade do Estado com o Clero.
dicial e agricola. A vigência dessas leiS perdu-
rouatéD. Diniz, "O Lavrador" (1261-1325), que As Ordenações Filipinas, mesmo depois
da Revolução de 1640)), continuaram em vigên-
depois promulgou a Lei das Sete Pt1!'tidas, ali-
cerce jurídico das Ordenações, fortificadas no cia por força da lei promulgada por D. J~o 1'1,
reinado de D. Duarte "O Eloqüente" (1391-1438), em 29 de janeiro de 1643, e se estendiam ao
ao promover diversas medidas destinadas à Brasil.
organizaçãojurldica (Estado dentro do Estado), 5. A codificaçilo civil brasileira
a integrar os semitas na sociedade portuguesa, A extravagância da legisla.ção contida nas
nascendo assim a idéia de um código único, Ordenações, bem como sua complexidade de
que substitufsse e unificass~ as disposições par- disposição, de diflcil consulta, eram sentidas
celares, às vezes contrárias elou contraditórias. pelos juristas brasileiros. Esse pensamento sur-
ge justamente com as primeiras manifestaçOes
Em 1446, na chamada Idade ch Ouro, foram de uma nova codificação. Após proclamada a
tornadas públicas, por Afonso V; "O Africano" Independência., a lei de 23 de outubro de ~ 823
(1442-1481), as OrdenaçlJesA/onsinas, que ins- determinava a vigência, com algumas modifica-
tituíram, para as causas de pequeno valor, o
processo exclusivamente real e a obriçat~rie
ções, de toda a legislação portu~ nec:es-
sária., ainda, à continuidade da ordemJuridica,
dade de os juízes tentarem aJcançar, preliminar- ressalvando, entretanto, que vigoraria até a ela-
mente. a conciliação entre as partes. boração de um código que atendesse juridica e
No período denomínado Novos Mundos ao socialmente, uma normatíz.açao essencialmente
Mundo, surgiam as Ordenações Manue~inas~ brameira.
no reinado de D. Manuel 1, "O Desrobndor' Em 1855, oGavemJimperialddiberou,OJmO
(1469-1521 )10, com substanciais modificações na medida preliminar ao novo código, a consoli-
legislação anterior, apenas sumariadas, ~ dação de nosso Direito Civil, em virtude de se
ênfase ao processo comum e ao dever de JUSti- enconttar a legislação, na época, completamen-
ça, atuantes no movimento nacionalista, emen- te esparsa., sem sistemática e sem ordem.. encar-
dadas e atualizadas. regando-se desse engenho, Augusto Teixeira
Coma morte do Cardeal D. Henrique (1512- de Freitas que entregou. em 185~, a obra CaI!-
1580), na era dos fogos de Crepúsculo, mas solidaçao das Leis Civis, COnsl~O o ~
sob o Poder dos Austrias, como documenta meiro tratadojurídico nacional, admirável b-
João Ameal, Portugal passa para o domínio es- nha de organicidade.
panhol, com o reinado de Felipe 11 de Espanha e
I de Portugal (l580-1598)1l. Eram as OrdenaçX)es Depois da elaboração desse trabalho, o
Filipinas que passavam a viger, com as noonas emínentejurista fo13 conlratBdo para eJabonu o
Projeto do Código Civil, o qual fez divulgar em
estabelecidas nas anteriores, como o processo
1865, parte do esboço com quase 5.000 artigos,
escrito, a mínima iniciativa dosjuízes e a obser-
vância das três fases processuais: a postulató- U In Manual de Direito ProceSSlUJI Civil. Editora
ria ou ordinária, a probatória ou instrutória e a Atlas, 3." 00., São Paulo, 1978.
decisória. bem como a conservação de todas as II Conhecida como a "Jornada de 1.0 de dezem-
bro", quando a Coroa e o Cetro vol~ restaurados
10 In História de Portugal (Das origens até 1940).
para Portugal, conquistados em A1Jubarrota, pelo
f," 00., Livraria Tavares Martins, Porto, 1%8.
Soberano de Castela, D. Joio IV (1604-1656), o
11 Perlodo de reinado. "Restaurador" e fundador da Dinastia de Bragança.
iN
sendo severamente criticado pela Comissão Emjaneiro de 1899, Clóvis Bevilácqua inicia
encarregada de estudá-lo, que o achou longo e seu trabalho, entregando o Projeto, em novem-
prolixo. Entretanto, a obra de Teixeira de Frei- bro do mesmo ano, à Comissão incumbida do
tas, considerada genial, influenciava o jurista estudo, sob a presidência do Ministro Epitácio
Velez Sarsfield, para adaptá-Ia à codificação ar- Pessoa. o qual solicita a colaboração de outros
gentina, como autor, também, naquele país, de juristas e entidades especializadas. Após mui-
um Projeto que levou seu nome. tas criticas e debates em reuniões sucessivas,
Nabuco de Araújo, ministro na época do onde foram emendados e alterados alguns pon-
contrato de Teixeira de Freitas, fora encarrega- tos, surge, então, o Projeto Revisto, que é en-
do de novos estudos atinentes à elaboração do caminhado à Câmara dos Deputados em 17 de
Projeto, vindo a falecer antes de sua conclu- novembro de 1900 e recebido para examiná-lo
são, deixando apenas redigida urna minuta con- pela "Comissão dos vinte e um" que, trabalhan~
tendo 182 artigos. do seriamente, produziu um enorme compêndio
em 8 volumes de atas.
Em 1881, foi apresentado por Joaquim Felí-
cio dos Santos um outro Projeto, estudado por Concluiu-se a aprovação do Projeto em 1902
uma COmissão fonnada por Lafayette Rodrigues pelo PlenáriQ da Câmarn, sendo envlado ao Se-
Pereira, Antônio Joaquim Ribas, Francisco Jus- nado e recebido por outra Comissão encarrega-
tino Gonçalves de Andrade, Antônio Coelho da de revisá~lo, tendo como Relator o Doutor
Rodrigues e Antônio Ferreira Vianna, tendo Rui Barbosa, que apenas em três dias redigiu o
sido, de imediato, criticados tais apontamen- seu parecer, revisando todos os artigos e ex-
tos, pela falta de sistema e também pela prolixi- pondo uma apresentação de emendas. Era pre-
dade. Dissolvida a Comissão, FeUcio, sabendo cedido o trabalho de mestre Rui de uma crítica
de sua tentativa frustrada, entregou seu traba- de conjunto que concluía por acentuar a neces-
lho como colaboração, à Câmara dos Deputados sidade de espelhar o código à cultura nacional,
que o arquivou como documento histórico. para o que requeria vazado em linguagem es-
O Conselheiro Cândido de Oliveira, Minis- correita, de fonna a "considerá-lo à posteridade
tro da Justiça, nomeia, em 1889, uma outra CO-
como um monumento impecável".
missão, reformando o propósito de elaboração Na seqüência desse assunto, faz-se urgen-
do Projeto do Código Civil, mas é alcançado te e necessária a transcrição de uma peça literá-
pela Proclamação da República, não realizando, ria de mestre Rui, intitulada de Gramática e
assim, o seu trabalho. Língua u
"Para bem redigir leis, de mais a mais
Campos Sales, em 1890, verificando os re- não basta grarnaticar proficientemente. A
sultados infrutíferos do trabalho em Comissão, gramática não é a língua. O alinho gra-
entrega ao jurista Coelho Rodrigues o penoso matical não passa de condição elemen-
encargo. Em 1893, termina ele a tarefa, que é tar, nos exames de primeiras letras. Mas
também rejeitada, apesar de o Senado da Repú- o escrever requer ainda outras qualida-
blica tentar, sem êxito, convertê-lo em lei. des; e, se se trata de leis, naquele que
A idéia persiste. O Congresso vota nova lhes der forma se hão de juntar aos dotes
deliberação encarregando o Governo de nome- do escritor os dojurista, rara vez aliados
ar outra Comissão ou designar um só jurista na mesma pessoa. São as codificações
que a concretizasse. monumentos destinados à longevidade
Campos Sales, agora Presidente da Repú- secular; e só o influ.xo da arte comunica
blica (1898-1902), juntamente com o Ministre durabilidade à escrita humana, só ele
Epitácio Pessoa, escolhem o jovemjurista cea- marmorisa o papel, e transfonna a pena
rense Clóvis Bevilácqua, Professor em Recife. em escopro. Neçessário é, portanto, que,
Essa escolha é criticada, conforme transcreve nossas grandes formações jurídicas, à
Mário da Silva Pereira,·4 "sob a alegação de cristalização legislativa apresente a sim-
não set ele profundo oonhecedot da língua, e plicidade, a limpidez, e a transparência
por faltar-lhe, para a tarefa, amadurecimento de das mais puras formas de linguagem, das
idéias", uma vez que a recomendação feita a
Bevilácqua era de aproveitar, no possível, o Pr0- 15 In Coletânea Literária (1868-1922). Organi-
jeto de Coelho Rodrigues. zada, anotada e prefaciada por Baptista Ferreira, 4."
14 In Instituições de Direito Civil, v. I. 2." od., ed. Cia. Melhoramentos, Editora Nacional, 1940, pp.
1966, p. 63. 209-10.
8''''''••. 32 n. 1. . . . ../1.... 1885 185
expressões mais clássicas do pensamen- fez em francês a Anatole France na Aca-
to. Dir-se-á que ponho demasiadamente demia de Letras. E quando da campanha
longe, alto em demasia, a meta que subli- eleitoral na Bahia (1919), quem o recebeu
nho a wn ideal praticamente irrealizável. em nome do povo foi o venerando mes-
Mas eu não exijo que igualemos essa tre e contendor."
perfeição custosa e rara. Basta que, ao O Projeto não teve o andamento que mere-
menos, dela nos esqueçamos. não a p0- cia, fazendo com que, em 1911, João Luis Alves
dendo alcançar: que a lei não seja impre- propusesse sua aprovação provisória, O que
cisa, obscura, manca, disforme, solecis- não foi aceito. Serviu, porém, sua insistência de
ta. Porque, se não tem vernaculidade, cla- estimulo no Senado que, de imediato, o discu-
reza, concisão, energia, não se entende, tiu, votou e aprovou, devolvendo à Câmara para
não se impõe, não impera: falta às regras discussão final das emendas.
da sua inteligência, do seu decoro, da
sua majestade." Finalmente, pela Lei n." 3.071 17, de 1.0 deja-
neiro de 1916, é convertido em realidade o s0-
Divulgado o parecer de Rui Barbosa, é aplau- nho de quase um século, tendo trabalhado em
dido pelos juristas e filólogos, como Cândido sua elaboração os civilistas brasileiros, nota·
de Figueiredo, sendo também criticado por ou- damente na última fase, ada votação, que des-
tros. pertou o interesse de todo o pais e a colabora-
Ainda sobre a apresentação do Projeto do ção de juristas de todos os Estados, com pare-
Código Civil. e à guisade ilustração, éo Profes- ceres, colaborações, críticas e artigos doutriná-
sor Ebion de Lima l6 quem comenta: rios, entrando em vigor somente em 1.° de janei-
"Em 1902 o Presidente da Comissão ro de 1917, wn ano depois. 18
Especial do Código Civil, Dr. Joaquim 6. Apresentaçi10 do Código Civil Brasileiro
Seabra, solicitou ao seu antigo profes- O método na codificaçi1o
sor Carneiro Ribeiro a correção lingüísti- Todo código supõe-se uma distribuição sis-
ca do maior cometimento de nossas le- temática das partes que se compõem. A ordem
trasjurídicas. O gramático, dispondo ape- metódica na classificação das matérias é, por-
nas de quatro dias para rever cerca de tanto, essencial em uma boa codificação.
2.000 artigos, abalançou-se à empresa, em O método histórico tradicional
atenção à amizade e ao serviço patrióti-
co. Passado da Câmara ao Senado, cou- Gaio foi o seu autor. Éa figura mais enigmá-
be a Rui Barbosa emitir o parecer sobre o tica da Jurisprudência Romana. No Digesto
Projeto. Rui impugna-o a começar pela encontra-se fonnulado: Omne jus quo urimur;
linguagem. apontando 524 scnêJes de gra- vel adpersonas pertinet. ve/ adres, ve/ ad ac-
mática, entre os quais 7 correções indé- tiones.
bitas de Carneiro Ribeiro. Este revida em Nesse método o Direito Civil compreende-
Ligeiras Observações. Quanto aos 7 pon- ria as regras referentes às pessoas, às coisas e
tos observados, defende 2 e passa em às ações. Foi aplicado no Code Napo/éon (pes-
seguida a criticar as demais emendas ao soas, bens e as várias maneiras pelas quais se
Senador. Foi então que Rui produziu a adquire a propriedade).
sua Réplica, monumental exibição de fi- A França, como berço do numinismo, prefe-
lologia onde analisa com documentação riu adotar a sistematização compreensiva e ci-
dos clássicos, cada um dos senões no
17 A Lei n." 3.071, de I." de janeiro de 1916, no
parecer que dera. Carneiro Ribeiro retru-
Código Civil foi modificada pela Lei n." 33.725, de
ca com volumoso comentário de 900 pá- ]5 de janeiro de ]9]9.
ginas, demonstrando não me~os vasta e 18 A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto
profunda erudição vernácula. E a Trépli- n,o 4.657, de 4 de setembro de 1942) foi modificada
ca. Foi a mais célebre polêmica filológica pela Lei n.o 3.238, de 1.0 de agosto de 1957. A Lei n."
do Brasil. Proveitosa para a boa lingua- 6.952,de6de novembro de 1981, publicada no DOU,
gem. Muito nobre, porque se terminou a de 7 de novembro de 1981, acresc:enta parágrafo ao
refrega sem rancor. Rui envia ao seu anti- Art. 134 da Lei n."3.071, de 1.0 de janeiro de 1916. A
go mestre um exemplar da saudação que Lei de Introduçio ao Código Civil Brasileiro, em seu
art. 4," eslatui: "Quando a lei for omissa, o juiz deci-
16 In Curso de Literamra Brruileira. VII. Editora dirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e
FTD. S/D pp. 251-2. os princlpios gerais de direito."
I.
entífica. Essa assertiva é oportuna, porque é justa-
o processo de Leibnitz mente na Parte Geral que se enfeixam regras es-
Fundado nas causas geradoras, ou seja, a senciais sobre pessoas, bens como objeto de
diferenciação entre as causas que fazem nascer direito e sobre fatos jurídicos, como causas
ou extinguir o direito. Essas causas são: natu- geradoras, ou extintoras de direitos.
reza, convenção, posse, sucessão e delito. 7. Divisão do Código Civil Brasileiro
Essa classificação não é satisfatória, segun- Conforme já foi dito, nosso Código foi ela-
do alguns juristas, em razão de o direito poder borado pelo método científico-racional, consa-
ter causas diversas, como por exemplo, o usu- grado peios países mais desenvolvidos:
fruto que pode advir da lei, da convenção ou
Alguns estudiosos tem observado algumas
do testamento. omissões, bem como contemplação de institu-
Classificação deduzida na natureza do tos em decadência, sustentando, porém, que
Direito na época de sua elaboração não se afiguravam
Esse critério (pessoais e reais) foi proposto como hoje os institutos apreciados.
por Teixeira de Freitas. A noção, embora sendo Prova-se, no entanto, que a solidez da obra
exata, porque todo direito é pessoal ou real, de Bevilácqua tem resistido ao tempo e, por mais
impossibilita, estabelecidas as divisões, proce- que se a adapte, não há por que mudá·la em sua
der-se às subdivisões, não resolvendo, portan- substância.
to, as dificuldades. 8. Esquema da evolução do Direito (qua-
O método científico-racional dro demonstrativo)
Preconizado, como vimos, por Savigny e O Código Civil Brasileiro é wna peça rigoro-
adotado pelo Código Civil Alemão, compreen· samente científica, devendo apenas ser atuali-
de uma Parte Geral e outra Especial. Na primei- zada, adaptada elou acrescida aquelas partes
ra, são apresentadas as pessoas, as coisas, os que o desenvolvimento sócio-político vem pre-
atos jurídicos e a disposição sobre prescrição e mindo l9 , valorizando ou extinguindo, na razão
exercício dos direitos. Na segunda, estão o di- direta da necessidade atual 20, porque é, sem
reito das obrigações, das coisas, de família e dúvida alguma, o nosso Código, um "monu-
sucessões. mento impecável", uma riqueza de que se orgu-
O método usado no Brasil lha alei Civil Brasileira.
O método científico-racional foi o usado pelo
legislador brasileiro, o qual, segundo o Profes-
sor Washington de Barros Monteiro, com mais
técnica que a verificada no Código Alemão, ao
dar à Parte Geral outra disposição (pessoas, 19 O projeto do futuro Código está redigido com
bens e fatos jurídicos), e invertendo a ordem 2.099 artigos que, se aprovado, substitui o Código
das matérias na Parte Especial (família, coisas, em vigor, bem como a Primeira Parte do Código Co-
mercialde 1850,eaLein. u3.071,de l.udejaneirode
obrigações e sucessões), pois, sendo a família
1916, que contém 1.807 disposições, tendo sido en-
o motivo maior da sociedade, é ali que se en- viada ao Congresso em 1975, pelo então Presidente
contram os mais importantes institutos jurídi- da República Ernesto Geisel. O referido projeto di-
cos e morais. vide o Código em sete livros: Parte Geral, Direito das
Críticas têm sido dirigidas à compreensão Obrigações, Atividade Negociai ou Empresarial, Di·
reito das Coisas, Direito de Famllia, Direito das Su-
da Parte Geral, dizendo-se encerrar princípios
cessões e Livro Complementar, este abrigando as
meramente acadêmícos, elementos heterogêne- disposições transitórias neçessárias à passagem de
os ou abstrações inúteis, que poderiam ser dis- uma parte para outra codificação. O projeto fora ela-
pensados sem prejuízo para o Código, susten- borado pelos juristas Miguel Reale (Supervisor), João
tando-se, inclusive, que as futuras codificações Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda A1vim,
de Direito Privado não mais precisarão da Parte Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clóvis do Cou-
GemI. to e Silva e Torquato Castro. Sua vigência, se aprova-
Washington de Barros Monteiro sustenta do, está prevista para um ano após sua publicação.
que "a subsistência da Parte Geral é um fato e 10 Sendo o direito uma ciência mutável e tendo
apresenta incontestável utilidade. Nela são dis- sido o Código elaborado numa época em que preva-
postos todos os princípios e regras de aplica- lecia o individualismo e a fonnação agropecuária no
ção comuns a qualquer relaçãojurídica." pais, é providencial a sua atualização, yr:z que hoje
predomina o interesse social.
187
Bibliografia FERGUSON, loho - Frmdtullenlo8 da Civilizaçllo
Ocidental, Zahar Editores, 1964.
CORREIA, Alexandre e SCIASCIA, Gaetano - NOGUEIRA, Adallcio Coelho - IntrodvçlJo ao Di-
MtJmla[ de Direito Ronumo e le:tIo.s em cor- reito Romano, Rio de Janeiro, 1966.
respondência com os artigos do Código Civil
PEIXOTO, José Carlos de Matos - Cww de /Jini-
Brasileiro, Silo Paulo, 1957.
to Romano, Rio de Janeiro, 1950.
JORGE MIRANDA
fN
Licitação: pontos polêmicos
105HI0 MUkAl
sUMÁRIo
i. introdução. 2. Os pontos polêmicos.
I. Introdução
A Lei n.08.666/93 - a denominada Nova Lei
de Licitações -, com as alterações que lhe fo-
ram introduzidas, a par de conter inúmeros avan-
ços, em especial, no sentido da moralização das
licitações, contém vícios de inconstitucionali-
dade, regras distorcidas e conflitantes, e, ain-
da, nonnas obscuras, que tem levado os estu-
diosos do assunto a ter visões dist\ntas e oon-
trovertidas sobre vários dos comandos inser-
tos nessa legislação.
O objeto da presente exposição, que nos foi
detenninado pelos organizadores deste exce-
lente, oportuno, democrático Seminário, a quem
parabenizo efusivamente nesta oportunidade,
por sua realização, é não só apontar e comentar
os pontos polêmicos da referida legislação,
como também indicar as distorções, os pontos
conflitantes e as deficiências legislativas que,
certamente, são encontradas na Lei n. o 8.666/93.
Por oportuno. apenas para mantennos urna
metodologia razoável de indicaçãO e análise
desses pontos, esclarecemos que iremos seguir
a própria ordem dos artigos e demais dispositi-
vos da Lei.
Outro deta lhe que queremos esclarecer: não
teceremos criticas a autores ou articulistas. pois
todos, indistintamente, merecem de nós o maior
respeito científico por seus posicionamentos.
2. Os pontos polêmicos
Toshio Mukai é Doutor em Direito - USP.
Assim, vejamos tais pontos:
Aula magna, ministrada no 1.0 Seminário Nacio- I) Art. I. a e parágrafo único - A polêmica
nal de Direito Administrativo - Recife - 27.11.94 a aqui é quanto à inconstitucionalidade da Lei,
2.12.94 - Editora NDJ. no ponto em que diz que ela estabelece nonnas
. ,. .IU••• 32n. 126abrJJun. fP95
gerais sobre licitações e contratos administrati- 2) Art. 5. co-Controvérsia quanto ao signifi-
vos (art. 1.0 - caput) e logo declara que todas cado da expressão "fonte diferenciada de re-
as entidades da Administração Pública, direta cursos".
ou indireta, devem se subordinar ao regime (in- Ao início da vigência da Lei n.o 8.666193
tegral) da Lei (parágrafo único). Ou seja, a Lei entendiarnos que essa expressão apontava para
diz simplesmente que todas as suas disposi- as diversas dotações orçamentárias indiaKJ8S
ções são normas gerais. nos próprios contratos, por onde correriam as
Há quem tenha defendido esse comporta- despesas (obras e serviços públicos, serviços
mento do legislador. de terceiros, fomecimentos)~ contudo, outros
Para nós, e temos evidenciado isso em l0- lhe deram diferentes significados: por exemplo,
dos os lugares em que falamos dessa Lei, essa fontes de recursos para a merenda escolar. rela·
estratégia do legislador levou ao seguinte re- tivos aos SUOS. etc. Hoje entendemos que este
sultado: urna lei ordinária federal a pretender último entendimento é o correto.
legislar sobre licitações e contratos (em todos 3) Art. 7. ~ § 3. co - Controvérsia sobre a ex-
os aspectos, especificas e procedimentais) para pressão "explorados sob o regime de conces-
Estados, Municípios, Distrito Federal e empre- são". Alguns têm entendido que sob essa ex·
sas, autarquias e fundações de qualquer nível pressão cabem as concessões de serviços pú-
de governo; para isso, declarou que todas as blicos. Entendemos que a ressalva SÓ se justifi-
suas normas são gerais. Ora, se observarmos ca para as concessões de obras públicas, por-
que a Lei n. o 8.666/93 veio substituir um Estatu- que é da natureza delas que os recursos para a
to Jurídico de Licitações e Contratos, que regia, implantação da obra pública sejam do conces-
portanto, todos os aspectos das licitações e sionário.
contratações. é evidente que ela também tem 4) Art. 7.°, § 4. Veda O contrato "guarda-
(> -
esse caráter. portanto, na realidade, se constitui chuva" (aquele em que os serviços e forneci-
de normas gerais, especificas e procedimentais. mentos são fixados por estimativa).
No caso, as enquadrou todas como sendo
gerais. a pretexto de se fundar na competência Entendem alguns que a norma veda a esti-
exclusiva da União para baixar normas gerais mativa em contratos de fornecimento ou de ser-
sobre licitações e contratações (art. 22, inc. viços. Entendemos nós que o § 4. 0 do art. 7.°
XXVII da CF). Om, ai. exatamente p:nque ooons- somente trata de contrato de execuçlo de obra
tituinte falou apenas em normas gerais, é por- pública, pois somente aqui há fornecimento de
que ele deixou de fora as normas especificas e materiais e sen4çosconcomitantcmenre.
procedimentais. O legislador, ao trazer estas úl- 5) Art. 12 - Consideração do requisito "im·
timas para o campo das normas gerais, à evi- pacto ambiental" para a elaboração do projeto
dência, infringiu a Constituição. básico.
Além disso, quando declarou, na ementa, A norma labora em erro, mas não chega a
que aLei n. o 8.666/93 regulamenta o art. 37. inc. ser inconstitucional.
XXI. da CF. declarou-se agindo inconstitucio- Équeo § 1.0 , inc. IV, doart. 225 da CF exige,
nalmente, posto que, à evidência, quando o na fonoa da lei, para a instalação de obra ou
constituinte ali falou" ... nos termos da lei", não atividade potencialmente causadora de signift-
poderia estar dando ao legislador ordinário da caUva degradaçi10 do meio ambiente estudo
União competência para regulamentar matéria prévio de impacto ambiental, a que se dará pu-
puramente administrativa (que é o caso das lici- blicidade.
tações e contratos) através de lei nacional.
Portanto. não é qualquer obra que está a
Não. Sendo o Brasil uma Federação. com exigir estudo prévio de impacto ambientaI.
Estados e Municipios autônomos política, le-
gislativa e administrativamente (art. 1.0 - caput A controvérsia: poderia a lei ordinária, no
e art. 18, da CF). a lei ali mencionada só pode ser caso, exigir mais do que a Constituição exigiu?
federal para as licitações e contratações fede- Temos para nós que sim.
rais, estadual para as dos Estados e municipal 6) Art. 15 - inc. IV-As compras, sempre
para as dos Municípios. Além disso, o caput que possível, deverão "ser subdivididas em tan-
do art. 37 fala que os Poderes da União, Esta- tas parcelas quantas necessárias para aprovei-
dos, Distrito Federal e dos Municípios obede- tar as peculiaridades do mercado, visando ec0-
cerão aos incisos que indica. nomicidade".
i.
A norma parece indicar que o legisladorcstá tra tal aberração jurídica, ou seja, o fato de uma
a induzir a "picotagem" das compras. fazendo lei ordinária federal vir mandar que os Munici-
com que sejam sempre utilizados os convites. pios publiquem seus avisos de licitações, não
Será isto que a Lei pretende? nos seus Diários Oficiais ou em jornais locais
que lhes façam as vezes. mas sim no Diário
Se formos ao art. 23, em especial, aos seus Oficial do Estado.
§§ 1.0 e 2.°, teremos, infelizmente. a resposta
positiva. pois o primeiro dispositivo repete. com É mais uma flagrante inconstitucionalidade
redação mais detalhada, o inc. IV referido. e o da Lei. como tantas outras que se contém nela.
segundo dispõe que, no caso do § 1.°, "a cada 10) Ar!. 21. § 3. °- Contagem dos prazos de
etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço apresentação dos envelopes a partir da última
ou compra há de corresponder licitaçào dis- pub\icação ÓO ooita\ resumido.
tinta, preservada a modalidade pertinente para A Lei n. o 8.666/93 exigia, na sua redação ori-
a execução do objeto em licitação". ginaL três publicações. As MPs reduziram para
Verifica-se que a retirada da expressão "do uma publicação e a Lei n. o 8.883/94 alterou a
total do" antes do vocábulo objeto, constante redação do dispositivo para dizer que não era
da redação originaI (art. 8."), promovida pela Lei da primeira publicação que se contava o prazo,
n.o 8.883/94, deu à regra aquele sentido. mas sim da última; esqueceu-se o legislador que
7) Art. 15. § 7. ~ 1 - vedação da indicação de só há uma publicação.
marca.
11)Arl. 22 - §§ 2. °e 9. 0 _ Conceito de To-
Tem-se, algumas vezes, admitido a indica- mada de Preços.
ção de marca, nesses casos, com argumentos
frágeis. O § 2.° dQ art. 22 da Lei, desde a redw;ãQ
original, conceituava a Tomada de Preços como
O certo é que, talvez dificultando a aquisi- a modalidade de licitação "realizada entre inte-
ção de certas mercadorias como remédios, por ressados devidamente cadastrados ou que
exemplo, a norma existe e não pode ser violada. atenderem a todas as condições exigidas para
Observe-se que aqui a norma veda expres- cadastramento até o terceiro día anterior à
samente a "indicação de marca", enquanto que, data do recebimento das propostas, observa-
no inc. I do art. 25 (que fundamenta a padroni- da a necessária qualificação".
zação), veda-se a "preferência de marca", o que Ocorre que a Lei n.o 8.883/94 incluiu o § 9. 0
significa que não se pode escolher a marca pela ao art. 22, expressando que "na hipótese do §
marca 2.° deste artigo. a Administração somente po-
8) Arts. 17 e 18 - Alienação de bens. In-
derá exigir do licitante não cadastrado os
documentos previstos nos arts. 27 a 31, que
constitucionalidade.
comprovem habilitação compatível com o ob-
A despeito de vozes tímidas que ao início jeto da licitação, nos termos do editar'.
pretenderam (pasmem!) defender a constitu-
cionalidade dessas disposições (que pre- Portanto, a segunda parte do § 2.° (do con-
tenderam legislar a respeito dos bens públicos, ceito de tomada de preços), embora tenha o le-
de maneira uniforme para todas as entidades gislador se esquecido de subtraí-Ia do texto,
políticas), já o STF, em cautelar (decisão provi- está revogada por esse § 9.°, posto que, segun-
sória), declarou inconstitucionais tais normas do a LICC (§ 1.0 do art. 2. 0 do Decreto~Lei n.o
em relação aos Municípios. 4.657, de 4.9.42), está revogada disposição de
E com inteira razão, posto que, num sistema lei anterior por disposição de lei nova: "... quan·
federativo como o nosso, é inconcebível que do expressamente a declare, quando suas dis-
uma lei ordinária federal vá dizer ao Município posições são incompativeis, ou ...".
de que modo ele vai administrar os seus bens No caso, à evidência, o disposto no § 9. 0 é
(públicos) e, em especial, em que condições ele inteiramente incompatível com o que se contém
pode aliená-los. no § 2.° do art. 22, segunda parte. Portanto, esta
9) A rI. 21 - inc. Il- Trata da publicação de disposição está revogada.
12) Ar!. 23, §§ 1. Q e 2. Q - Impõem a divisão
avisos das concorrências e tomadas de preços
dos Municípios no Diário Oficial do Estado. em tantas parcelas quantas necessárias se com-
provem técnica e economicamente viáveis, das
Temos registrado que nenhuma voz (salvo obras, serviços e compras (§ 1.0), bem como
engano nosso), na doutrina, se levantou con- que a cada etapa ou conjunto de etapas deles,
197
corresponda licitação distinta, preservada a mais pela norma infraconstitucional.
modal idade cabivel para cada etapa ou conjun- Portanto, se em determinado caso o objeto
to de etapas (§ 2."). da contratação estiver ao alcance da iniciativa
O § 1.", com o acréscimo das "comprns", foi privada (como ocorreu no caso do R.E. n.o
transportado do § I.", art. 8." da Lei n." 8.666193 87.347, l."T. -4.3, 1980, ReI. o Ministro Xavier
(redaçãooriginaJ), pela Lei n." 8.883/94. de Albuquerque: "Não cabe dispensa de licita-
ção, em favor da Petrobrás, para instalar postos
O § 1." do art. 8." dizia que as obras, servi- de gasolina e de socorro mecânico em estrada
ços e fornecimentos seriam divididos em tantas estadual" - ~vx-Iegis, v. 137, pp. 20 e s. -maio
parcelas quantas se comprovarem técnica e eco- de 1980), sem dúvida que caberá a licitaç!o. não
nomicamente viáveis, a critério e por conveni- obstante a redação atual do inc. VIII do art. 24
ência da Administração .... omita aquela exceção.
O § I." do art. 23 (pela redação da Lei n."
8.883/94) excluiu do texto esta parte final, com o 14) Art. 25. "caput" -Inviabilidadedecom-
que a estatuição tomou-se imperativa (As obras. petição. Comparecimento de apenas um inte-
serviços e comprns ... seriIo divididas ... ). ressado.
Assim, toda vez que estivermos perante Não obstante haja entendimentos no senti-
objetos Iicitat6rios cindiveis por natureza de- do de que, em comparecendo apenas um inte-
vemos, de regra, proceder a licitações distintas, ressado na licitação e em atendendo ele a todas
não podendo (salvo se. comprovadamente, isto as condições do instrumento convocatório, é
não for viável técnica e economicamente) efe- lícita a sua contratação, temos entendido que
tuar mais, como antigamente aurna só licitação não há fundamento legal para tal.
com julgamento cindido ou por itens. Aliás, pela ausência da competitividade,
13) Art. 24, inc. VIII da Lei n. 08.666193 - princípio fundamental da licitação, inscrito no
Operações entre órgãos e entidades públicas. inc. I do § 1.0 do art. 3," da Lei n.o 8.666/93, tal
A redação original do inciso VIII do art. 24 não será possivel.
era: "quando a operação envolver exclusiva- Mas, por outro lado, se, aberto um certame,
mente pessoas jurídicas de direito público in- em que se deu ampla divulgação, compareceu
terno, exceto se houver empresas privadas ou apenas um interessado, pelo menos nesse caso
de economia mista (sic) que possam prestar ou específico, ficou exatamente comprovada a in-
fornecer os mesmos bens ou serviços, hipóte- viabilidade de competição, dai por que caberá a
se em que ficarão sujeitos à licitação". contratação com base no art. 25, caput, da Lei
n." 8.666/93. Para tal, fonnar-se-á, com os ele-
A redação dada pela Lei n. ° 8.883/94 foi to- mentos extraídos do processo do certame Hei-
talmente diferente: "VIlI- para a aquisição, por tatório, um processo especifico de inexigibili-
pessoa juridica de direito público interno, de dade de licitação, com a observância das for-
bens produzidos ou serviços prestados por ór- malidades do art. 26 da Lei, e contratar-se-á di-
gão ou entidade que integre a Administração retamente a única empresa que compareceu ao
Pública e que tenha sido criado para esse fim certame.
específico em data anterior à vigência desta Lei, 15)Art. 30-Qualificaçãotécnica: compro-
desde que o preço contratado seja compatível vação de aptidão para desempenho de ativida·
com o praticado no mercado". de pertinente e compatível com O objeto da lici-
Com essa redação amplíssima (as contrata- tação.
ções podem agora ser tanto na horizontal, ou Sabe-se que a Lei n." 8.666/93 veio, quanto
seja, no ãmbito do mesmo Governo, como na às exigências técnicas, dizer que a comprova-
vertical, ou seja, entre órgãos elou entidades ção de aptidão referida no inc. 11 do art. 30, no
da União, Estados e Municípios; e a exceção caso de obras e serviços, seria feita por atesta-
quanto à possibilidade do oferecimento do bem dos fornecidos por pessoas juridicas de direito
ou do serviço pela iniciativa privada foi excluí- público ou privado, devidamente certificados
da do texto) a nonna ofenderá. em muitos casos pela entidade profissional competente, limita-
concretos, o princípio da licitação. das as exigências a:
É que a exceção referida é em respeito ao a) quanto à capacitação técnico-pro-
principio da livre iniciativa, inserto no texto fissional-
constitucional, e não poderá ser afastada sem u u ,
202
vado, dentre outros, o princípio da publicida- das, desde que admitidas e nos limites autoriza-
de. Por outro lado, se esses outros documen- dos pela Administração (art. 72). nas condições
tos hábeis substituem o termo de contrato (art. previstas no edital e no contrato (parte final do
62) e se este deve ser publicado, aqueles de- inc. VI do art. 78).
vem ser publicados, pois estão no lugar, fazen- 27) Art. 82 da Lei n. () 8.666/93.
do as vezes, daquele. Essa disposição contém uma redação que
26) Art. 72. emface do art. 78, inc. 111. poderia levar os menos avisados a um entendi-
O art. 72 da Lei n.o 8.666/93 reza: mento enganoso do seu conteúdo.
"O contratado, na execução do con- Reza ele:
trato, sem prejuízo das responsabilida- "Os agentes administrativos que pra-
des contratuais e legais, poderá subcon- ticarem atos em desacordo com os pre-
tratar partes da obra, serviço ouforneci- ceitos desta Lei ou visando a fmstrar os
mento, até o limite admitido, em cada caso, objetivos da licitação sujeitam-se às san-
pela Administração" (grifei). ções previstas nesta Lei e nos regula-
Essa norma, corno se verifica, prescreve dois mentos próprios. sem prejuízo das res-
comandos importantes: a) não admite a sub- ponsabilidades civil e criminal que seu
rogação das responsabilidades, das obrigações, ato ensejar" (grifei).
do contratado para o subcontratado; b) não A Lei 0.° 8.666/93, em teMOS de sanções
admite a subcontratação total do objeto do con- administrativas, somente as prevê para a em-
trato. presa concorrente (art. 87), não as contemplan-
Nessas condições, como ficaria a interpre- do para o agente administrativo.
tação do disposto no inc. VI do art. 78, que diz Assim. poder-se-ia pensar nas sanções pe-
ser motivo de rescisão contratual: nais.
Entretanto. isso não ocorre, eis que, para
"a subcontratação total ouparcial do seu que só o fato do descumprimento de alguma
objeto, a associação do contratado com das disposições da Lei, se constituísse em cri-
outrem, a cessão ou transferência, total me, \.aI estatuição teria que teI sido feita na Se-
ou parcial, bem como a fusão, cisão ou ção III - Dos crimes e das penas, em termos de
incorporação, não admitidas no edital e tipificação penal, que os especialistas denomi-
no contrato" (grifei). nam de norma penal em branco.
Se lida isoladamente do contexto, tal regra,
poderíamos entender que, se o edital e o con- Como isso não ocorre, com certeza o art. 82,
trato admitissem, seria possível a subcontrata- com a redação que contempla. ficou inócuo em
ção, a cessão ou a transferência totais do con- tennos de comando legal. A corroborar a nossa
trato, o que seria um absurdo, primeiro porque interpretação, veja-se a parte final da referida
o contrato administrativo é sempre intuitu per- disposição, que diz: ... sem prejuízo das res-
sonae, máxime quando decorrente de licitação, ponsabilidades civil e criminal que seu ato
e segundo porque, então, uma empresa que ensejar.
sequer tenha participado da licitação, executa- Portanto, somente quando o descumprimen-
ria o total do contrato. to de alguma disposição da Lei n. o 8.666/93 for
Como vimos, por outro lado, o art. 72 im~ considerado pelos arts. 89 ou seguintes, como
de aquele entendimento, pois ele somente ad- sendo crime, é que haverá a apenação. Fora daí,
mite a subcontratação se parcial. não.
28)Art. 87 - Competência para a aplicação
Destarte, a única interpretação posSÍvel para das sanções de suspensão tempotária para hei-
o inc. VI do art. 78 é no sentido de que será lar e contratar com a Administração e de inido-
motivo de rescisão do contrato o fato de o con- neidade.
tratado ceder, subcontratar ou transferir o con- Tem surgido opiniões errôneas quanto à
trato totalmente a terceiro, sem dar conhecimen- abrangência ou âmbito de validade dessas san-
to do fato à Administração. O edital jamais p0- ções.
derá prever a cessão, a subcontratação ou a
transferência, totais, do contrato. A Lei n. o 8.666/93 não fixa a competência
Já a cessão, a transferência ou a subcontra- para a aplicação da primeira sanção (a mais leve),
tação parciais, estas, sim, poderão ser efetua- fazendo-o apenas quanto à segunda, no § 3.°
sUMÁRIo
1. A intervenção
A atividade intervencionísta do Estado no
domínio econômico é o objeto essencial do Di-
reito Econômico. A questão da oportunidade
ou não desta intervenção não constitui mais
motivo de discussão, pois as constituiçõel> ela-
b<uadas por diversos países, principalmente
após a 11 Guerra Mundial, incluem um capítulo
denominado "Da Ordem Econômica e Social".
A intervenção econômica do Estado é, por-
tanto, um fenômeno historicamente permanen-
te. Pode-se dizer que sempre existiram fonuas
de intervenção, embora qualitativa e quantitati-
vamente diferentes das que são características
dos nos1>OS dial>.l
As normas interventoras anteriores às atu-
ais eram de caráter proibitivo e de polícia. Esta
Maria Eli7.abeth Guimarães Teixeira Rocha é
atitude de abstenção do Estado das atividades
Especialista em Direito Constitucional pela Univer- econômicas está ligada a um determinado mo-
sidade Federal de Minas Gerais. Mestra em Ciências delo juridico - o liberaI - e a uma deterrttinada
luridico-Pollticas pela Universidade Católica Portu- ideologia - a do individualismo. 2 Este modelo
guesa. Doutoranda em Direito Constitucional pela jurídico assenta-se em dois postulados essen-
Universidade Federal de Minas Gerais. Professora ciais: a separação absoluta entre o direito pú-
Titular de Direito Constitucional na Âssociaç.ão de blico e o privado e o predomínio da autonomia
Ensino Unificado do Distrito Federal - AEUDF. da vontade privada na esfera econômica.
Professora Adjunta da Faculdade Cândido Mendes
-Ipanema - RJ e do Centro de Ensino Unificado de O Estado Liberal que emergiu da Revolução
Brasília - CEUB-DF. Francesa e cuja predominância durante o sécu-
lo XIX acentuou nitidamente a separação entre
Trabalho apresentado ao Professor Washington a atividade econômica e política caracterizou~
Albino Peluso de Souza, na disciplina de Direito se pela ausência do seu domínio sobre a eco-
Econômico I, no curso de Doutorado em Direito nomia. O bem-estar geral traduziu-se na soma
Constitucional, na Universidade Federal de Minas
Gerais. OBS: NOTAS AO FTNAL DO ARTIGO.
I~ Houve, no Brasil, dois padrõcs de imigraçilo: a de-obra nas regiões brasileiras, no periodo de transi·
"colonização" e a "imigração" simplesmente. O pri- ção da Aholiçllo da Escravatura, encontra-se em:
meiro, dirigido e induzido pelo governo central, foi BEIGUELMAN, Paula - Formação Políh~a do Bra-
uma tentativa de eriar no país um campesinato de sil, São Paulo, Livraria Pioneira, Ed., 1967 e A For-
tipo europeu. independente e produtivo. O outro, mação do Povo no Comple:ro Cafeeiro: Aspect03
promovido pelos agricultores de Silo Paulo e, poste- Político.~. São Paulo, Livraria Pioneira, Ed.. 1968;
riormente. pelo governo estatal, visa especialmente li ANDRADE. Manoel Correia - A Terra e o Homem
provisilo de milo-de-obra pIIra as f87.endas de café. O no Norde,,'e, São Paulo, Ed. Brasiliense, ]973,2.·
padrão de "coloni:l.ação" obteve êxito relativo nos 00., pp. 96 S5.
Estados sulinos do Rio Gmnde e Santa Catarina, onde 11 A politica dos governadores que apressou a
se estabeleceram grandes colônias de alemães. O de integração dos Estados li Federaçilo vemcalizou llS
"imigraçilo", entretanto. foi o dominante. e São Pau- relações sociais, consolidando o ehefe regional nos
lo tornou-se. cada vez mais. a área promotora e de Estados e o "coronel". no Município. Sua conseqüên-
destino deste lluxo. O quadro abaixo representa, em cia no campo foi a feudalização do campesinato, t0-
termos percentuais. o volume de imigrantes que che- talmente dependente de uma polltiea, o qual sob
garam ao Brasil e a São Paulo. nos anos de 1884 a condições de lealdade e confonnidade absolutas, ~
1888. deria usufruir parcialmente a terra e alguns outros
bens e serviços.
Para uma disctlssilo sobre a existência no Brasil
de relações feudais ou semifeudais, consultar SO-
ANO N."IMIGRANTES ~."IMIGRAN1tS DRÉ, Nelson Werneck, Formação Histórica do Bra o
(Brasil)
.---.- .. __ .-
(São Paulo)
._._-
.sil, op.eit.. pp. 307 88.
------- • o •• •• - _'o ._ - - - - _ . -
215
das", vez que o mecanismo de deprecia9Io cambial do Brasil, op.cit. p. 196.
geraria a lOCializlçlo dOll prcjulzos das oligarquias, 22 VENÂNCIO mHO, Alberto - op. cit.. p. 29
decorrentes do dcclfnio dos preços do caf6. Em sen-
23 SODRÉ, NcllIOD Wemeck: - op. cit.. p. 303.
tido contrário • tese de Celso Furtado, consultar:
PELÂEz, C.M. - "A8 con8CqQ6ncias econômieali :N CARONE, Edpr - op. cit. pp. 135-136.
da ortodoxia monctúia cambial e fi9Cal no Brasil en· 25 O tcncntisrno, sua ideologia, llCU projeto e 8UU
tre 1889-1945". In RevUta Brasileira de &0If0mi4. repcrcusBÕeS sociais ultrapassam os limitcs delta
Y25l~:'0 3, 1971, pp. 5.82; SUZIGAN. WiIIlOll c monografIA. Neste lICIItido consultar: Sn.VA, H61io -
P~ Carlos ManocI - HiJIórla MonetiÍria do 1912 - Sangue na Ama de CopaC4btJna. Rio de
Brasil. Bruilia, UnB, 1982 e Politic(J do ~ e Janeiro. Civiliz8çlo BrasilciJa, 1964 e J926 -A Gnm-
crucimmto d(J economtalmuiidrtJ, 1889-1945. es- de Man:ha, Rio de Janeiro. Civilizaçlo Bra8ileira,
crito com Annibal Vilela, Rio de Janeiro. IPEA- 1985; DRUMOND, José Augusto de - O MOl'i-
INPES. 2.' cd.• 197 5; FRITSCH, Winston - "A. mmto Tenmti&la: InlenlenfãoMilitar e Conflito Hi-
pectos da polltica econômica no BruiI: 19()6...1914", erárquico (1922-1935). Rio de Janeiro, 0rIal, 1986.
In EconOfffUJ BI'tuilelNl: rmt(J mão histórica. coor-
CAMARGO, AspUia. op. cit., p. 132.
:16
denador Paulo NcuhaUB. Rio de Janeiro, Campu8.
1980, pp. 257-315 c "Apogeu c Cri8C na Primeira O poema de Dem6cri1o Rocha, publicado no j0r-
República: 1900-1930" In A Ordem do Program. nal O Povo, de 4 de julho de 1931, sob o pseudônimo
Cem anw de politic(J econômica repIIbJietm(J (1889- de Antônio Garrido, rctra1a com lirismo "a entrada
1989). orpnizlldo por MarccIo de Paiva Abreu, Rio da coluna no Nordeste". "contra a qualllC ergueram
de Janeiro. Campus. 1989, pp. 31-72, FRANCO, todas as forças coligadas da oIiprquia, do miB1icit-
Gustavo BarroBo - Refontta monetária e instabili- mo e do banditismo":
dade thuwr,. all'tnuíção repIIblicana, Rio de Jancí- " ...Lá vem eles!
ro. BNDES. 1983 e "A primeira d6cada rcpublica. O fantasma da lei sofria vertigens no Ccar6 c pe-
na" ,InA Ordem do Progruso. C_lUIO$de políCicG dia socorro
econôMica ,..,blic_. op. cit, pp. 11-30. Em t0-
das estllS obras. buaca-IIC rdativizar o p8pC1 e o peso • bcnçIo do padre Ck:ero
de SIo Paulo e da oligarquia cafceira no EBtado brasi- e 80 chap6u de couro
leiro, salieJ1tBndo a exist6neia de pfCIIIllcs contJáriu e • cartucheira de Lampilol
a da, provenientes de outros grupos oIi(lérquicos re-
Sionais e doe próprios banqueiros internaciOnai8. Lá rim elesl
Em 0& Bulializm/os: O Rio de Janeil'o e (J Repíl- E dois mil cangaceil'Ol
blica qt4e nãofoi. SIo Paulo, ComJl8llhia das Letras. cmpiquetavam as fronteiru com o Piauí.....
1987, 3.' ed., CARVAllIO. JOIIé Murilo de, faz um
relato intat:sunte sobre .. pritiC88 oIis'rquicas na "O Brito da oligarquia era o de que "Prestes nIo
primcirlI d6cada republicana e o lIijamcnto das claBBcs entrará". pois
papu1IRS do excrcici.o de 8CUS direitos de cidadlnia.
governantes, beatos e cangaceiros, estipcndlados
Finalmente LESSA. Renato c JANOTn Maria pelos cofres do
de Lourdcs em 8UU obras, respectivamente, A in-
l"mf80 npllbJicQlfQ, SIo Paulo. V6rtic:e, 1987 c O Erário, opunham a rcsistancia men:cnéria aos do-
CCJrOfffflümo, _a POlJtiC4 de Compromi&w. 810 Blgni08 da miUcia
Paulo, BruilienllC. 1981. concentram sua atcnçIo na MVOIucionúi.a libertadora".
política dos governadores e nas diSllCllllllc8 de S1UUl
facç&s. In: OOMES, Anseia de Castro e FERREI- "Prestes nIo entrará!
RA. Maricta de Moncs - "Primeira República: um Um chuveiro de beIu - • toa
beIanço historiográfico", In Estwdw Hislórico.t. SIo
Paulo, Vértice, 1989, pp. 146-250. riscava de fogo as estradas reai8
21' Examinando-lC a competancia da Unilo na
rnUéria, vcr-lO-á q~ se limita. instituiçlo de bsnooB
Prestes nIo entrati
cmiS801'ClI e à criaçIo e manutcnçlo de alflndegas E. o dinheiro do ~ro
(art 7.... § ],0. itens I c 2). Cabe. ainda,. destacar o enchia a bolsa de todos 08 bandidos nos 1IClrtlIcI...
lIJtiso 13, onde BC remcll: JlIIf8 a lei ordinária o direito Preste. nIo cntratil"
di Unilo c dos Estados de legislarem sobre viaçIo
f6m:a e navep;lo interior. e uma manifestaçIo inci- In BONAVIDES. Paulo - Dem6crlto Rocha -
piente de um papel mais ativo do Est8do em defesa UtIUJ Vocação ptmI a Liberdade, FDf'taIc::za, editado
da economia DICionaI , quando o puágrafo único date pela FundaçIo Demócrito Rocha. 1988, 2.' ed., pp.
mesmo artigo determina q~ a navegaçlo de ~ 17·18.
sem llCIi feita por naVÍOlJ nacionais. In VENANCIO
1'1 No BraaiI. a abundincia de tatu nIo fortaJo.
FILHO, Alberto - op. oit. p. 28
11 FURTADO. CelllO - Forrrwção ECOlfÔlflica
eeu sua distribuiçlo mais eqaitativa. o. proprictúi-
os de terra reduzem-se a um número limitado de pes- cedência legal sobre direitos de posse. Se \) fazendei-
soas. que controlam grandes extensões, impossíveis ro, tornado sesmeiro, tivesse instalados posseiros
de serem utilizadas produtivamente. Em contrapar- em suas terras e nllo os quisesse como agregados,
tida, uma categoria numerosa de pessoas utilizam pela Lei de 18 de setembro de U~50, ele estava, uni-
lotes insuficientes para assegurar a subsistência fa- camente, obrigado a indenizá-los, pelas benfeitorias.
miliar e cuja dimensão nilo permite a racionalização e Litteris~ Art. 5.° " .. " .
mCCllnização da produção. Abaixo desses dois extre- § 2.° - "As posses em circunstâncias de ser legi-
mos encontram-se, ainda, diferentes tipos de traba- timadas, que se acharem em sesmarias ou outras con-
lhadores rurais, tais como os parceiros, arrendatári- cessões do governo, não incuT1Ias em comissão ou
os, assalariados, "bóias-frias", que, em esmagadora revalidadas por esta Lei, só dario direito à indeniza·
maioria, trabalham para terceiros. çIo pelas benfeitorias" In; Legislação Agrícola do
Os dados do censo agrícola no Brasil e da produ- Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, V. m-
tividade da terra por hectare estio in SILVA, José (1808-1889), 1911, pp. 17-18.
Gomes da - A Reforma Agraria no Brasil, Rio de
Para um maior aprofundamento do tema consul-
Janeiro, Zahar, 1971, pp. 51-52 e CAMARGO,
tar: LIMA, Ruy Cime - Pequena História Territori-
Aspásia, op. cit., pp. 124-125.
al do Brasil: Sesmaria e Terras Devolutas, Porto
11 Era a troca de tudo por tudo, que envolvia um
Alegre, Livraria Sulina Editora, 1954,2' ed.; ARAN-
complicado balanço de favores prestados e recebi·
TES NETO, Antonio Augusto - "A Sagrada Familia
dos, desde as relações materiais - a cessa0 da terra
- Uma Análise Estrutural do Compadrio" In Cader-
em troca de parte dos gêneros alim~tícios produzi·
nos do InstiMo de Filosofia e Ciências Humanas,
dos - até a recíproca lealdade - tio caractenstica pela
n.O 5, São Paulo, Unicamp - Brasiliense, 1975; POR·
trama religiosa e do compadrio, através do qual, o
TO, JrnIé da Costa - O Sisrema Sesmaria' do Brasil,
ag~o colocava seu filho 80b a tutela e proteçJo
Distrito Federal, Ed. Universidade de Brasília, 1980.
do fazendeiro - padrinho, tecendo uma teia de rela-
lO Nas eleições paroquiais, a renda liquida anual
ções sagradas. Sobre o assunto consultar: LEAL, Vi-
mínima era 100$000 (cem mil réis) - § 5.°, do art. 92,
tor Nunes - Coronelismo, Enxada e Voto: O Municí-
nas provinciais, a exigência dobrava: 200$000 (du-
pio e o Regime Represenlalivo no Brasil, Rio de Ja-
zentos mil réis) - § 1.°, do art. 94, e, em se tratanto
neiro, Forense, 1948', QUEIROZ, Maria lsaura Pe-
reira de - O Mandonismo Loca/no Vida Política
das eleições gerais, passava para 400$000 (quatro-
centos mil réis) - § 1.0, do art. 95.
Brasileira e Outros EMaios, São Paulo, A1fa-ôme:-
ga, 1976, PRADO JÚNIOR, Caio - Fomração do n Sobre a Guarda Nacional consultar: SODRÉ,
Brasil Contemporâneo, São Paulo, Ed. Brasiliense Nelson Werneck - História Mililar do Brasil, Rio de
Ltda, 1957, 5.' ed., e BEZERRA, Maria do Nasci· Janeiro, Civilizaçlo Brasileira, 1968,2." ed., pp. 116
mento - A Estratégia do Patemalistno na Parceria, ss.
Natal, Editora Universitária, 1987. J1 MARTINS, José de Souza - Os Camponeses
l'Nesse sentido ver: NOVAIS, Fernando A. - ~ 1981, p. 46.
e a Política, Petrópolis, Ed.
Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colo- J] In LEAL, Vitor N Ul1es - Coronelismo, Enxada
nial (1777-1808), São Paulo, Ed. Hucitec, 1981, pp. e Voto: O Município e o Regime Represenwtivo no
92-106 e MARTINS, José de Souza - O Cativeiro Brasil,op. cit., p. 166 e Vll.LAÇA, Marcus VinIcius
da Terra, op. cit., pp. 7-93. É importante ressaltar e ALBUQUERQUE, Roberto C. - Coronel, Coro-
que, no penedo colonial, quem não tivesse sangue néis, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1965, pp.
limpo, estava excluido da herança. Assim, os bastar· 217-221 . Estes eram os mecanismos "institucionais"
dos, os mestiços de branco e Indio, estavam impedi- utilizados pelos "coronéis" para combater os dissi-
dos de se tornarem proprietários. dentes. Paralelamente a eles, os "coronéis" mobiliza·
Ademais, pelo regime do morgadio - que tomava ram com freqüência seus "jagunços", inclusive «ja-
o primogênito herdeiro legal dos bens de um fazen- gunços profissionais", que existiam em grande nú-
deiro - interditava-se a dispersão da riqueza pela mero, para conter ou exterminar seus adversários; In
herança, mas nlo obstava a abertura de novas fazen- MARTINS, José de SoU1A - Os Camponeses fi a
das e a constitu1ção de novas propriedades, mediano Política, op. cit., p. 48. Sobre o assunto consultar
te simples ocupaçio e U80 da terra. Aliás, era este o ainda: PANG, Eul- Soo - Coronelislno e Oligarqui-
processo de obtençlo de sesmarias. Somente após a IJ.J - 1889-1943, traduçlo de VeTa Teixeira Soares,
ocupaçio da terra credenciava-se a legitimação da Rio de Janeiro, Civi1izaçllo Brasileira, 1979~ DUAR-
sesmarill. Um mestiço pobre poderia até abrir sua lE, Nestor - A Ordem 17iYada e a Organizoção
posse, mas nunca se tomar um sesrneiro em raz.lo Política Nacional, Slo Paulo, Companhia Editora,
dos mecanismos de exclusio da propriedade da terra. 1966,2." ed.
A estrutura fundiária brasileira pouco se altera- 34 JANOTTI, Maria de Lourdes M. - O Coro-
ria, no tocante ao seu caráter elitis~ e segregador, nelismo, Uma Política de Compromissos, op. cit.,
com a il1dependência. Pela Lei D.O 601, de 18 de se- pp. 11-21. Os vicios do sistema oligárquico seriam
tembro de 1850, a concessio da sesmaria tinha pre- vigorosamente apontados por Rui Barbosa.. desde a
217
campanha civilista ( 1910 ). A este propósito, escre- pela ação permanente do Estado no mercado do café,
veu Luis Viana Filho: "Desde que se proclamara a o que, finalmente conseguiram na década de 20 ... As
Repilblíca, as eleições haviam sido apenas um mito. práticas de intervencionismo econômico reforçaram
Banido o Imperador, que de certo modo coibia as a dominação polltica dos plantadores. Com este p0-
ambições imoderadas, destruidos os velhos partidos, der, os plantadores puderam superar a resistencia
agora substituldos por transitórios agrupamentos, inicial do Executivo. intervir no mercado e reforçar as
agitado o pais pelas revoluções, aos eleitores ficara Práticas monopolísticas que asseguravam preços ar-
apenas a função de sancionarem as combinações acer- tificialmente altos para o café. Uma vez que as oli-
tadas pelas maiorias politicas eventuais. Apenas um garquias agrárias conseguiram garantir sua represen-
ou outro deputado conseguia eleger-se em oposição. tação exclusiva na arena poIltica. o liberalismo ec0-
Principalmente após a administração de Campos nômico perdeu sua rai.ron d 'éIN. Como consc:qO!n-
Sales, que incentivara a chamada "polltica dos gover- cia, os principias do laissez-fQire, estabelecidos nas
nadores" cuja fórmula se resumia num apoio recípro- normas constitucionais, foram abandonados em be-
co entre o Presidente da República e os Govemad~ neficio da intervenção continua do Estado no merca·
rcs dos Estados da Federação, havia desaparecido do. REIS, Elisa Maria Pereira - Política Cafeeira... ,
completamente o pensamento de se organizarem op. cit., p. 166.
partidos estáveis. Vivia-se dentro de verdadeiro cir- 39 UNHARES, Maria Yêda e SILVA, Francisco
culo vicioso, que funcionava com exatidão, esmagan- Carlos Teixeira - História da Agricultura Brasikira,
do qualquer veleidade de rebeldia contra aquelas for- Slo Paulo, Brasiliense, 1981.
ças conjugadas. Prestigiados pelo Presidente, os
40 Sobre o cultivo do café no Vale do Paralba,
Governadores elegiam deputados da sua conflJlJ1Ç8
incumbidos de apoiarem, no par1amento, a vonlade nomeadamente no munícfpío de Vassouras, consul-
do chefe da Nação". VIANA FILHO, Luis - A Vida
tar: STEIN, Stanlcy J. - Grandeza e ~cadincia do
de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, Café no Vale do Paraiba, tradução Edgar MagaIhIes,
8.' ed., pp. 523 ss.
Slo Paulo, Ed. Brasiliense, SD.
41 Nesse sentido, "um esforço sistemático para o
35 JANOTTI, Maria de Lourdes M. - O Coro-
controle da oferta e para influenciar os preços do
nelismo, Uma .... op. cit., pp. 23-24. café no mercado internacional principia-IIC em 1906,
16In SCHWARTZMAN, Simon - B~s do Au- COm o Acordo de Taubaté. firmado pelos governos
toritarismo ... , op. cit., p. 79. A intervenção do Esta- estatais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
do era tamanha, que um observador da época chegou Tentativa de controle fora fcita pelo governo de SIo
a afirmar que "em nenhum lugar do mundo - pelo Paulo quando em l902, proibiu o plantio de novos
menos nlo nas fndias Holandesas - se proporciona cafeeiros durante cinco anos". REIS, Elisa Maria
aos agricultores tantas garantias legais para permitir- Pereira, Política Cafeeiro .... op. cit., p. 9.
lhes cultivarem suas terras em paz, como no Brasil". 42 DELFIM NETO, Antônio - O Problema do
In: STEIN, Stanley J. - Vassouras, a Brazilian Co- Café no Brasil, Rio de Janeiro, Editora FGV: Minis-
ffee Cmml)l 1850-1900, Cambridge, Harvard Uni- tério da Agricultura, 1979, pp. 33-34.
versity Press, 1957, p. 241. 43 A gradação de Piettrt que estabelece as tres
37 A proteção ao setor exportador operava-se atra-
M1ades econômicas, a saber: economia subordinada,
vés das desvantagens cambiais, mecanismo de mani- independente e dirigida - gradações estas, que o BÍs-
pulaçio da taxa de câmbio, que regulava as trocas tema capitalista liberal tipico vivenciou ao longo dos
entre a moeda nacional c as estrangeiras, de maneira a séculos, manifestou-se de forma anômala no Brasil.
permitir que, sobrevindo uma queda nas exporta- Nem a retórica radical do Etat Gendarme propalada
ções, o setor exportador recebesse proporcionalmente pelos franceses nem, tampouco, a moderac;lo teórica
mais, em razão da desvalorização da moeda nacional. de Adam Smith relativa a ação do Estado na ativida-
Tal medida onerava o consumo da coletividade de econômica prosperam no pais, onde se podia vis-
vez que os produtos importados passavam, tam- lumbrar um modelo polltico econômico n1i geMris.
bém, a custar mais; com isso, o setor exportador In SOUZA, Washington ~luso Albino de - IAreito
ficava protegido, às custas da sociedade, que acabava Econômico e Economia Política, 2.° volume - Direito
por arcar com o ônus da desvalorizaçio. In COHN, Eoonômico Brasileiro, Belo Horizonte. 1971, P. 253.
Gabriel - "Problemas da Industrialização no Século 44 CARVALHOSA, Modesto - Dif'eito Econ6-
XX". in Brasil em Perspectiva, organiz.a9lo de Car- lJJico, Ed. Revista dos Tribunais, 810 Paulo, 1972,
los Guilherme Mata, São Paulo, Difel, 1982, 13." pp_ 99 e 143-l44.
ed., pp. 293-294. 4S GRAU, Eros Roberto - op. cit., p. 62.
31 Sob o impacto de crises recorrentes do merca- 46 SOUZA, Washington Peluso Albino de - Direi-
do, as preferências pela ação do Estado em relação a to Econômico e Economia ... ,cp.cit., pp. 253·254.
esforços cooperativos os levaram - (os oligarcas) - a
renovar suas demandas a favor da intervenção esta-
tal. Depois de três instâncias de "intervenção teor
poriria", os fazendeiros passaram a fazer campanha
sUMÁRIo
1. Introdução. 2. Edllcação e biblioteca no con-
texto brasileiro. 3. Biblioteca e C o/'utihlição. 4. Bibli-
otecário.~ brasileiros e a Constituição de 1988. 5.
ConsideraçÕl.'sfinais.
I. Introdução
O processo de elaboração da atual Consti-
tuição brasileira. promulgada em 5 de outubro
de 1988. foi um momento ex}X)nencial na histó-
ria do Brasil. Todos os segmentos da socieda-
de foram convocados a contribuir nesse pro-
cesso. Pela primeira vez a sociedade brasileira
pôde participar da organização básica do País,
a partir das oportunidades concedidas às di-
versas parcelas de opinião de expressar. discu-
tir e defender suas reivindicações junto aos
constituintes eleitos em 15 de novembro de 1986,
durante o trabalho desenvolvido pelas diver-
sas comissões temáticas organi7.adas pela As-
sembléia Nacional Constituinte. Nos constitu-
intes o povo depositou sua confiança, credi-
tando-lhes poderes para expressar os anseios
da sociedade brasileira e garantir o resgate da
Sueli Angélica do Amaral é profe~sora e pesQui- cidadania do nosso povo na construção da
sadora no Departamento de Ciência da Inlormação e democracia.
Documentação da Faculdade de Estudos Sociais
Aplicados da Universidade de Brasília, Mestre em Os brasileiros desejavam que a Constitui-
Biblioteconomia e Documentação pela Unl3. Espe- ção representasse. fundamentalmente. um avan-
cialista em Mllrketing para empresas públicas pela ço social com a transformação da sociedade
Fundação Getúlio VllTIZ8S de Brasílin. Atualmente em brasileira pelo progresso e implementação de
Doutoramento na UnA. Trahlllhou na Bihlioteca do mudanças necessárias para alcançar a melhoria
Senado Federal. Recebeu dois prêmios: Menção hon- da qualidade de vida de nosso povo. Entretan-
°
rosa no XI Concurso de Monograllas sobre Servi· to, esperar o T1l<1ximo de uma Constituição pode
ço Público pela Escola Nacional de Administração ser utópico. Certamente ela foi escrita refletin-
Pública c foi vencedora do conCll~ para comriblltl.'d do as limitações que temos. Somos um País de
papers. promovido pela Intenmlional Federalion of
Librnrv Associntion no âmbito da Américll Latina e
grande extensão territorial e imensas riquezas.
do Ca;;be. mas considerado "em desenvolvimento". Nos-
",__11_ _ • 32 11. 128 .",../}.... 1"5 221
sa Carta Magna foi redigida retratando essa si- ises do mundo. Todas essas características as-
tuação. seguraram à federação a legitimidade para ex-
Embora cada cidadão tivesse sua parcela pressar as reivindicações dos bibliotecáriosjun-
de responsabilidade e cada segmento pudesse to à Assembléia Nacional Constituinte.
ter sido representado para expressar seus an- 2. Educaçilo e biblioteca no contexto bra-
seios e lutar pelos seus ideais, no caso especí- sileiro
fico dos bibliotecários brasileiros, acredita-se Segundo Cristóvam Buarque1, o desafio à
que nem todos tomaram conhecimento da par- imaginação e sensibilidade dos constituintes
ticipação da classe no processo de elaboração seria definir uma organização da sociedade bm-
da Carta Magna. Neste sentido, no momento sileira, onde a liberdade fosse o elemento-eha-
em que a revisão constitucional vem sendo co- ve da modernização econômica, ao mesmo tem-
gitada, é apresentado este artigo, visando in- po que fossem eliminados todos os sistemas
formar sobre as atividades realizadas por essa que mantivessem o atraso social. Neste enfo-
categoria profissional. que, a educação representaria o elemento es-
O objetivo primordial dos bibliotecários bra- sencial no caminho para alargar o horizonte da
sileiros era destacar a instituição biblioteca no prática da liberdade e a eficiência do processo
texto constitucional, ressaltando-Ihe o verda- produtivo. Sem esse elemento, a economia nIo
deiro papel no contexto do país. O termo biblio- ampliaria sua produtividade e não seria possí-
teca foi entendido considerando-se todas as velo atendimento dos requisitos necessários à
designações como: centro, e/ou sistema, dou modernização social Aeducação seria o cami-
serviço de documentação, elou informação, ou nho para a mobilização social sem o que a mo-
qualquer outra designação que pudesse ser atri- dernização econômica não distribuiria seus fru-
buído a uma unidade de informação conforme tos, constituindo-se, por estas razões, meio e
sua atuação e extensão. fim do processo.
Diversos eventos foram organizados pelos A. educação integral do homem pernÕ\iráque
bibliotecários, visando à elaboração de propos- as potencialidades de cada um possam ser de-
tas que englobassem os interesses fundamen- senvolvidas a serviço do bem-estar de todos e
tais da classe. Pela sua representatividade em de cada um. A vida humana só pode atingir
caráter nacional, destacou-se o XIV Congresso significado pleno, quando existe uma cones-
Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, pondência harmoniosa entre o processo técni-
realizado em Recife, de 20 a 25 de setembro de co-cientifico e o processo social. Assim, a edu-
1987, concomitantemente com o XII Encontro cação é a assimilação da soma de conhecimen-
Nacional de Informação Jurídica. Na ocasião to e de habilitações práticas adquiridas em
foram apresentados alguns trabalhos sobre o vários domínios da vida social, quer na produ-
assunto, embora grande parte deles não tenham ção, quer na administração, quer no consumo
sido incluídos nos volumes dos anais do evento. ou nos serviços e que sintetizam a experiência
Pelo mesmo critério de representatividade histórica das gerações precedentes. Esta assi-
nacional, neste artigo será comentada a atua- milação economiza tempo epennite a cada nova
ção da Federação Brasileira de Associações de geração dar mais um passo avante na evolução
Bibliotecários (FEBAB). A FEBAB congrega as histórica da sociedade. 2
associações bibliotecárias do Brasil e as Co- No Brasil, quando se discute sobre educa-
missões Permanentes, que atuam em diversas ção, de um modo geral é sempre lembrada a es-
áreas do conhecimento, interagindo com os cola como instituição essencial. Entretanto, a
usuários específicos de cada setor. É uma insti- biblioteca também é uma instituição educativa
tuição sem fins lucrativos, mantida pelas Ass0- básica, apesar de não ser reconhecida deste
ciações de Bibliotecários. Foi fundada em 26 de modo, sendo considerada apenas como com-
julho de 1959, durante a realização do 11 Con- plementação ao ensino.
gresso Brasileiro de Biblioteconomia e Docu- Nem todos têm uma visão ampla da biblio-
mentação, em Salvador, Bahia. Pelo Decreto fe- teca e o Estado não a reconhece como um seg-
deral n.o 50.S03, de9 de novembrq de 1966,foi
considerada de utilidade pública. E filiada à In· I BUARQUE, Cristóvam. Nosso cllrso sobre
temational Federation ofLibraries Association Constituinte. In: ABREU, M.R. cd. Constituinte c
- IFLA, entidade internacional, que congrega Constituição. Brasllia: UnB, 1987, p. 9
as federaÇÕeS de bibliotecários de todos os pa- 1 ABREU, Maria Rosa, ed. Constilllinle e Cons-
tituição. Brasllia: UnB, 1987, p. S
mento responsável pela ação continuada e in- mos o termo biblioteca nas constituições es-
tegrada de ensino e cultura. Constata-se que, trangeiras indexadas na base de dados CONS,
tanto nos programas de ensino, quanto nos alimentada pela Subsecretaria de Análise do
programas culturais, a biblioteca não é encara· Senado Federal, que integra o Sistema de Infor-
da como tendo méritos suficientes para adqui- mações do Congresso Nacional (SICON). As
rir direitos de prioridade. Na área pedagógica, constituições pesquisadas não representam o
consideram-na como complementação educa- censo total das constituições existentes. Entre-
cional, quando seu caráter é essencial, posto tanto. no universo pesquisado foram encontra-
que a leitura é fundamental aos processos de das quatro constituições estrangeiras em que o
ensino e de constante auto-aperfeiçoamento. termo biblioteca constava do texto constitucio-
Na área cultural, mais propensa às realiza~ nal. Em 16 de maio de 1987, quando foi realizada a
çôes de maior apelo popular, que embora fortui- pesquisa, obtivemos interessantes informações.
tas simulam modificar a curto prazo o perfil do Entre as constatações, observou-se que na
cidadão, não se obteve ainda o reconhecimen- Constituição da Bulgária de 16 de maio de 1971,
to de que as bibliotecas são as bases para a capítulo I1I, artigo 46, referente aos direitos e
ação governamental e comunitária no desen- deveres fundamentais dos cidadãos, consta
volvimento cultural de uma coletividade. que:
" A criatividade no domínio da ciên-
A biblioteca é um projeto muito além da es- cia, cultura e arte serve ao povo e desen-
cola e dos demais veículos de cultura de massa. volve-se no espírito comunista. O Esta-
Integra-os, articulando-os. Participa da educa- do dedica cuidados especiais ao desen-
ção formal, da auto-educação, da educação de volvimento da ciência, da arte e da cultu-
massa, do processo de produção de idéias, do ra, criando estabelecimentos de ensino
ensino em qualquer grau. Sendo mais livre que superior, instituições de pesquisas, edi-
a escola, a biblioteca é a instituição que pode toras de livros, bibliotecas, museus, ga-
neutralizar as tendências massificantes dos ve~ lerias de arte, teatros, cinemas, rádio e
ículos de comunicação. Sua função educativa televisão".
não visa à reprodução do sistema, mas busca a
transformação do homem e sua conscientiza- Na Constituição italiana de 1. o de janeiro de
ção do mundo. Para a tomada de consciência, o 1948, Parte 11, Ordenamento da República, Títu-
ato de ler é fundamental e determinante para o lo V, as Regiões, as Províncias, os Municípios,
homem se libertar. Privilegia-se, assim, a men- reza o artigo 117:
sagem escrita, porque ela permite aos grandes "A Região decreta as seguintes nor-
contingentes humanos deterem-se no texto, na mas legislativas nos limites dos prin-
mensagem, avançando e revendo, chegando à cípios fundamentais estabelecidos pelas
reflexão de acordo com o ritmo, capacidade e leis do Estado, desde que ditas nonnas
motivação de cada um. l não conflitem com o interesse nacional e
com o de outras Regiões:
A biblioteca não marginaliza o público anal-
fabeto ou iletrado, pois utilizando recursos a - ordenamento das repartições e das
partir da tecnologia educacional, pode criar ser- entidades administrativas dependentes
viços de atendimento a essa grande parcela da da Região;
população brasileira, oferecendo a informação - circunscrições comunais;
segundo suas necessidades. 4 - política local urbana e rural;
3. Biblioteca e Constituição - museus e bibliotecas de entidades
Pesquisadas as oito Constituições brasilei- locais;
ras, percebemos que o termo biblioteca não fi- - outras matérias indicadas por leis
gura em nenhuma delas. constitucionais. As leis da República
Decepcionados com a constatação, busca- podem conferir à Região o poder de de-
cretar nonnas de atuação das mesmas".
] FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE ASSOCIA- Na Constituição da Polônia, de 22 de julho
ÇÕES DE BmLIoTEcÁRIoS. A biblioteca e o de 1952, no Capítulo VIII- Direitos e Deveres
Constituição; contribuição à Assembléia Nacional Fundamentais do Cidadão, o artigo 73 determi-
Constituinte eleillJ em 1 j de novembro de J986. Rio na que:
de Janeiro: FEBAB, 1986, 32p. "Os cidadãos da República Popular
4Op. cit., 3.
SUMÁRIO
1. Introdução
O tema da responsabilidade objetiva do Es-
tado l , nada obstantejá haver uma larga quanti-
dade de escritos sobre o mesmo, continua sen-
do um tema atual e em evolução, principalmen-
te no sentido de vencer os preconceitos civilís-
ticos que o envolvem. Após uma breve consi-
deração histórica, faz-se aqui uma referência à
relevância constitucional do princípio, com aten-
ção para os fundamentos e as razões que infor-
Heleno Iaveira Tôrres é Mestre em Direito Pú- I ALCÂNTARA, M." E. Mendes. Responsabi-
blico (UFPE). Aperfeiçoado em Direito Tributário lidade do Estado por atos legislativos e jurisdicio-
Intemacionai pela I Universidade de Roma "La Sa- nais. SP: RI, 1988; ALESSI, Renato. La responsa-
pienza ". Foi pesquisador na fi Universidade de bilità della pubblica amministrazione, 3." ed., Mila-
Roma "Tor Vergara" no perlodo acadêmico 93194. no: GiufTrc.':, 1955; _ _ L 'illeeiro e la respomabilità
o
231
mam o seu conteúdo. Cuida-se ainda da referi- emerge a obrigaçilo de indenizar.
da temática enquanto instituto vinculado estri- Divergindo desta opiniao, Maria Sylvia Z.
tamente ao regime de direito público. dando- Di Pietro faz notar que a responsabilidade é do
lhe a conotação da teoria do risco administrati- Estado, que é pessoa juridica, e que por isso
vo, ou seja. reconhecendo a existência das de- seria errado falar em responsabilidade da Ad·
nominadas excludentes de responsabi/izaçl1o ministração Pública, já que esta não tem pers0-
objetiva. elementos que descaracterizam o nexo nalidade juridica, não é titular de direitos na or-
causal entre o antecedente (fato administrati- dem civil. Como assevera, a "capacidade" é
vo) e o conseqüente (dano>. elidindo assim a do Estado e das pessoasjurldicas públicos ou
responsabilização estatal. Por fim, são expos- privadas que o representam no exerclcio de
tos alguns aspectos relevantes sobre o dever- parcela de atribuiçlJes estatais 3.
poder de regresso da Administração em rela- Essas duas opiniões, ambiguas na essên-
çao ao agente causador do dano. cia, servem para ilustrar o quadro de incertezas
2. Aspectos sobre a personalidadejurldica quanto ao tema.
do Estado
De há muito que adoutrina se interroga s0-
Para um maior rigor de tratamento, mister bre a existência e a forma de manifestação da
que inicialmente, mesmo com brevidade, faça- personalidade jurídica do Estado. Hoje, firma-
mos uma apreciação quanto à relação entre a se o entendimento positivo de existência de uma
personalidadejuridica do Estado e o tema, com personalidade, considerando-o oomo sujeito de
o fito de demarcar o verdadeiro sujeito passivo direitos e obrigações, porque desde a formaçlo
da responsabilização aos danos causados a do Estado de Direito (para nós, demarcado na
administrados: o Estado ou a Administração Revolução Francesa), ao mesmo tempo que sua
Pública. atuação confere direitos e imp(le obrigações aos
Helly Lopes Meirelles prefere a designação individuos, o faz também para si próprio, como
"responsabilidade civil da Administração Pú- forma de garantia para a Comunidade sob sua
blica" ao invés da denominação tradicional, a égide de poder. Tal relação comutativa só é p0s-
"responsabilidade civil do Estado", porque, sível, inconteste, entre pessoas, sujeitos sub-
segundo o citado mestre, em regra, a responsa- metidos a umaordemjmidica, titulares de direi·
bilidade ocorre com fundamento nos atos ema- tos e obrigações.
nados pela Administração. atos administrativos
stricto sensu, e não dos atos polfticos, que, em O Estado é, assim, pessoajurídica. tanto para
principio, não geram responsabilizaçllo, uma vez a ordem interna como para a ordem intemaciOoo
que é da atividade administrativa dos orgl1os
públicos. e nilo dos orgilos de governo, que GARCIA DE ENTERlA, Eduardo; FERNANDEZ,
Tomás-RamÓII. Curso de dinilo admirri3/ralh>o, SP:
civile degli errti pubhlici, Milano: Giuffrc, 1972; RT, 199]; MASAGÃO, Mário. Curso de Direito
AMARO CAVALCANTI. Responsahilidade Civil Administrativo, SP: RT, v. H; MEIRELLES, Helly
do Estado, RJ: Laemmcrt; ARAÚJO, Edmir Netto Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 13.' ed.,
de. Re~hilidade do EslDdo por alo jurisdicio- SP: RT, 1988; MELW, Cel90 Antonio Bandeira de.
nal, SP: RT, 198]; BITTAR, Carlos Alberto. lUs- Elflmfl1flos de Direito Administrativo, 3." cei., SP:
poruohilidade civil doEstado nas ativídadesnuclea- Ma1heiros, 1992; NEVES, Marcel.o. A coll8tiluc~
res, SP: RT, 1985; CAHALI, Yussef Said. Respon- naliznção simbólica, SP: Acadamica, 1994. PACHE-
sabilidade civil do Estado, SP: RT, 1982; CANOTI- CO, J. da Silva. A nova Constituiçlo e o problema da
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sabilidade do Estado por atos lícitos, Coimbra: AJ· to público e privado prcstadoru de acrv:iço p{lblico.
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Freitas Bastos, 1964, v. 1; CRETELLA IR., José. servações sobre a responsabilidade patrimonial do
Comentários à Constituição de 1988, SP: Forense Estado. Revista de Informação Legislativa, Brasllia:
Unív., 1992, v. VI~ _ _ O Estado e a obrigação de
o
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indenizar; SP: Sal'lliva. 1980; DELGADO, J. Au· VELWSO, Carlos Mario da Silva. Responsabilida·
gusto. Responsabi]idade civil do Estado pela demora de Civil do Estado. Revista del,,/ortII4çiJo Legislati-
na prestaçIo jurisdicional. Revista de pI'OCuso, SP: l'a, Brasflia: 1987, a. 24, n.o 96, out. - dc:z., pp. 233·
1985, V. 10, n.o 40, out.-dcz., pp. ]47~S6; Dl PIE· S2; ZANOBlNI, Ouido. Corso di Dirilto A"""inis-
TRO, M." Sylvia zanello. Direito Administrativo, 1ra1iwJ, S.' cei., Milano: Giuffre, ]947, v. 1.
2.' cei., SP: Atlas, ]991; DIAS, Jose de Aguiar. Da lMEIRELLES (1988, p. 546).
rt:sponsabi1idade civil, RJ: Forense, 1944. v. 11; )01 PlETRO (1991, p. 354).
nal, sujeito capaz de direitos e obrigações pre- encontra, a qualquer titulo, passivel de arcar
disposto a atuar em qualquer relação jurídica com as conseqüências de fatos danosos. Tra-
como parte legitima. tando~se de responsabilização do Estado, a
Nesta linha, apresenta-se como sendo mais mesma deve ser apreendida como sendo uma
consentânea com a realidade a proposição apre- obrigaçãojurídica que detém o mesmo de man-
sentada por Di Pietro, uma vez que a Adminis- ter ilesos os bens e direitos dos administrados,
tração, esta sim, não possui personalidade jurí- restabelecendo, dentro do possível, o status
dica independente em relação ao Estado a que quo ante alterado por atos originários de sua
serve. A responsabilização cabe ao Estado, que conduta.
é o sujeito de direito constituído pela ordem Hoje, o princípio da responsabilidade do
jurídica, pois este pode ser responsabilizado não Estado identifica o próprio Estado de direito
apenas por atos administrativos, mas, nas três democrático e social, que se justifica pela im-
funções em que se especializa o poder do Esta- pessoalidade isonômica na relação com os ad-
do, também por atos legislativos e judiciais. ministrados e pelos próprios objetivos firma-
dos, de atuação conjunta e garantia dos direi-
Nesta linha de raciocínio, o Estado não fica tos constituidos, sob uma perspectiva demo-
imune à responsabilidade por atos praticados crática e responsável.
no seu interesse, porque, em termos de nemi- A responsabilidade, quer pública, quer pri ~
nem laedere, a ninguém é lícito causar danos vada, pode ser contratual ou extraCQntratua\. A.
aodireito alheio, e atualmente anortlUltiva cons- responsabilidade contratual deriva da infra-
titucional submete todos os sujeitos, públicos ção de cláusulas aceitas por ambas as partes.
ou privados, ao seu enquadramento jurídico, Descumprida uma ou algumas das cláusulas
de tal sorte que qualquer dano pode acarretar contratuais. faz.-se despontar a responsabilida-
para o autor a obrigação de reparação·. de do infrator. A responsabilidade extracon·
De notar, portanto, que tal correlação de di- tratual, delitual ou aquiliana, não deriva de
reitos e obrigações só é possivel por haver uma qualquer relação contratual, mas da lesão a um
submissão do Estado à ordem constituída, se- direito subjetivo ou prática de ato ilícito a um
gundo a qual os cidadãos lesados podem opor terceiro, com a infração ao princípio neminem
contra o mesmo suas pretensões indenizatóri- laedere, na medida em que quem desempenha
as, face a danos porventura causados por ele uma atividade deve suportar-lhe os riscos e
no desenvolvimento de suas ações'. perigos, as vantagens e desvantagens, sem
3. SitucionaJidade da responsabilidade do causar danos a ninguém.
Estado Não estamos interessados aqui na respon-
Haja vista a vultuosa quantidade de ativi- sabilidade contratual, mas tão-somente na res-
dades desenvolvidas pelo Estado, no exercício ponsabilidade extracontratual do Estado, por
dos seus serviços, são constantes as possibili- danos causados através de ações unilaterais,
dades de exposição de administrados a riscos, lícitas ou ilícitas.
que freqüentemente passam ao plano da realida- 4. Evolução doutrinária
de, com a ocorrência de danos. Surge, com isso, a A responsabilidade patrimonial do Estado
condição inicial para a responsabilização. é uma conquista do moderno Estado de direito,
O termo responsabilizaçifo deve ser enten- na medida em que se tomou um mecanismo a
dido como a posição inercial do sujeito que se serviço da legalidade e da igualdade dos admi.-
nistrados perante o mesmo. Mas atente-se que
• Neste sentido, diz Amaro Cavalcanti (p. XI): não foi uma conseqüência inexorável pelo sim-
"O Direito é a regra de conduta e proceder tanto dos ples fato de exsurgência da instituição "Esta-
individuos como do Estado, conseqüentemente, as- do". O que deve ser tido como fundamental é a
sim como sucede com os indivíduos, assim também submissão do Estado à ordem juridica por ele
deve o Estado, em princípio, responder pelos pró- mesmo instituída. Outrosssim, os cânones da
prios atos." vigente configuração do princípio em tela é fru-
'Como bem assinala Mello (1992, p. 325): "Se to de uma lenta evolução, plena de dogmas e
nllo há sujeitos fora do direito, não há sujeitos irres- preconceitos que entravaram o seu desenvol-
ponsáveis; se o Estado é um sujeito de direitos, o vimento, principalmente em função das con~
Estado é responsável. Ser responsável implica res- ções civilistas e do seu caráter absolutista.
ponder por seus atos, ou seja, no caso de haver causa-
do dano a alguém, impõe~lhe o dever de repará-lo", A finalidade desta breve digressão históri-
.r..o•• •. 32 n. 1 . "./JUII. ., lHI5
ca sobre a evolução do instituto não terá como inexistência de qualquer proteção juridica aos
fito estabelecer novos parâmetros de compre- administrados. Os danos causados por agen-
endo ou relatar os detalhes, por épocas e paí- tes públicos eram reparados por estes, indiví-
ses, em modo pormenorizado. quanto ao mes- dualmente, caso tivessem agido por dolo ou
mo. Nossos propósitos são mais modestos, a culpa.
começar do ponto de partida. 4.2. Fase da responsabilidade civilista
O topos inicial será o surgi mento do Estado Das discussões sobre a dícotomia dos atos
de direito moderno (Revolução francesa), dife- de império e dos atos de gestão, na França, uma
rentemente do que faz Augustin Gordillo, se- das principais conseqüências foi a alteraçAo da
guido por M" Emilia M. Alcântara6 , que consi- teoria da irresponsabilidade do Estado, admiti-
dera a percepção de cinco etapas: época primi- do-se a responsabilização da Administração
tiva (desde a origem da humanidade até Roma); para os danos provenientes de atos de gestlo,
época teológica (alta Idade Média na Europa); no caso de culpa ou dolo do agente público. A
época estatista (séc. XVIII); época de indeci- irresponsabilidade permanecia, oontudo, exclu-
silo e época intermediária. Parece-nos que a sivamente para os atos de império.
postura mais coerente encontra-se na estipula- Esta teoria, que ainda se mostrava eminen-
ção do Min. Carlos Mario da Silva \tiJoso1, que temente civiliSfa, de responsabilidade aquilia~
estabelece quaU'o fases distintas a partir da for- na pela verificação da existência de culpa do
mação do Estado. São elas: fase da irresponsa- agente na condução das atividades públicas,
bilidade absoluta, da responsabilidade civilis- não correspondia aos anseios dos cidadlos
ta, da teoria da culpa administrativa ou da/aule porque a estes pouco interessava ter sido o
du service e a fase atual da responsabilidade dano causado por ato de jus geslionis ou alO
objetiva. de jus imperU. Dada a dificuldade de caracteri~
4.1. Fase da irresponsabilidade zação do que seriam os ditos "atos de gestão",
Mesmo nos domínios do advento do Esta- a responsabilidade por culpa foi lentamente
do de direito, com a formação dos regimes cons- perdendo vigor, mas não se pode negar o salto
titucionais, a exclusão da responsabilidade pre- de qualídade na proteção dos direitos dos ad-
valeceu ainda durante quase todo o século XIX. ministrados deixado por ela.
Os motivos eram os mais díspares possiveis 4.3. Fase da "Jaute du serv;ce "
para justificar a insubmissão do Estado ao de- Como desenvolvimento necessário da te0-
ver de ressarcimentoS, em claras seqüelas ab- ria da culpa civilista, em observância aos direi-
solutistas. Nisto consistiam as fórmuJas sinte- tos e às garantias dos administrados, que pas-
tizantes: le roi ne peut malfaire, dos franceses so a passo se fertilizavam ainda mais no desen-
a the King can do no wrong, dos ingleses. volvimento das idéias liberalistas, instalou-se a
A prevalência deste pensamento, todavia, fase da publicização da culpa administrativa ou
variou de pais a pais. Nos Estados Unidos, até da/aute du service fra~ - criaçãojurispru-
1946, ainda vigia este princípio, tendo desapa- dencial do Consei! D 'Elal.
recido com o advento do Federal Trol Claims Esta teoria trazia no seu bojo pontos de cru-
A cf; e na Inglaterra, até 1947, através do Crown cial significaçao publicistica. Passa a respon-
Proccedjngs Act. Mas isto não implicava na sabilidade do Estado a ser independente da fal-
ta do agente, sendo originária da Administra-
6 ALcÂNTARA (1988, p. 147). ção, pelo mau funcionamento do respectivo
serviço que provocou o dano. A responsabíli-
7 VELLOSO (1987, p. 237).
dade passa a ser imputada, então, pelo mau fun-
I "Le ragioni della esclusioni non sono le steS5e
cionamento do serviço público ou a sua inexis-
in tutti gli autari: ora si paria deI carattere etico e
tência, cuja decorrência deve ser concretamen~
giuridico dello Stato, che escluderebbe che essa p0s-
sa in qualunque modo commettere stti illiciti, ora te examinada a partir da natureza do serviço, o
della funzione, propria dei medesimo di creare il di- lugar e as circunstâncias de sua realização.
rino, che sarebbe incompatibile con qualunque atti- Assim, costuma-se resumir sua configura-
vità contraria ai diritto e alia legalità; ora dei carattere ção como aquela falta que ocorre quando o ser-
publicistico deUa per90nalità de/lo Stato, cite impe- viço púbJico não funciona, devendo funcionar,
direbbe il suo usogeltamento a un principio di dirit-
to privato, quale quello della responsabilità per dano funciona mal ou funciona atrasad09 .
ni", ZANOBINl (1947, p. 261). Neste sentido, tam-
bém: DIAS (1944, p. 154). 9 Assim, MELLO (1992, p. 329).
A culpa passa a ter então uma detennina- to do ato estatal. Outrossim, imprescindível se-
ção publicística; mesmo que sob certo sincre- ria. tão~somente, a verificação do nexo de cau-
tismo, para efeito de responsabilização do Es- salidade entre o dano e a conduta do ente pú-
tado. Em verdade, há um deslocamento de pos- blico. Em resumo, qualquer dano deveria ser in-
tura, passando da verificação da culpa de al- denizado sem qualquer questionamento sobre o
guém que age em nome do Estado para a res- caráter culposo da conduta do agente lesante.
ponsabilização do Estado, por culpa propria- Estes pensamentos oonfluiam para a teoria
mente sua. Deixa de existir, então, uma indivi- do risco, ou seja, para uma teoria segundo a
dualização da culpa, passando-se para a verifi- qual todo o dano deve ser reparado por quem
caç30 da culpa do seniço estatal. se arriscar, com ou sem a intenção de tirar pro-
O que qualifica esta responsabilidade é o veito, a exercer por si, ou por via de outrem,
de ser uma necessária transição para a culpa uma atividade qualquer, da qual possa resultar
objetiva do Estado, porque o funcionário não é O dano.
um private man, nem suas faltas podem ser pri- Partindo da cristalização dessas concep-
vatizadas. Os atos destes são atos da própria ções, a responsabilidade do Estado assume um
entidade pública e, por contingência, é esta a caráter de instituto exclusivamente de Direito
autora dos danos infligidos a terceiros. Público lD, sob os preceitos do risco integral,
4.4. Fase da responsabilidade objetiva do formando a responsabilidade objetiva do Esta-
Estado do, bastando O mero nexo causal entre o dano e
Após o dominio das teorias privatisticas, a conduta estataL. Como proclama Velloso,
finalmente a responsabilidade do Estado é pos- "segundo essa teoria, o dano sofrido
ta e equacionada em tennos de Direito Público. pelo individuo deve ser visualizado como
Como marco para esta separação, aponta-se o conseqüência do funcionamento do ser-
famoso caso Blanco (1873), no qual os julga- viço, não importando se esse funciona-
dores, rejeitando as prescrições do Código Ci- mento foi bom ou mau. Importa, sim, a
vil de Napoleão, utilizaram--se dos postulados relação de causalidade entre o dano e o
publicísticos, como únicos, necessários e sufi~ ato público". lJ
cientes para a resolução dos casos em que o
Estado figura como causador de danos aos ad- Pela teoria do risco objetivo figura o enten-
ministrados. dimento de que ao lesado não interessa conhe-
cer o responsável pelo dano, ete almeja o res-
Em verdade, esta decisão refletia a tendên- sarcimento, desde que restabelecido o nexo
cia que se descortinava na doutrina administra- causal entre ele e o Estado. O dano exige repa-
tivista (000 Mayer, Duguit), com o aparecimen- ração porque produz desequilíbrio no patrimô-
to das novas idéias sobre o dano anormal e o nio do prejudicado 12 •
risco, como fundamentações para as pretensões
ressarcitórias dos entes públicos, o que ense- Para compensar a desigualdade individual
jou como natural evolução as construções dog- sofrida pelo lesado, todos os demais compo-
máticas sobre a responsabilidade objetiva do 10 Com muita propriedade, Zanobini, ao afinnar:
Estado. "(...) la responsabilità delta Stato assume il suo pro-
Duguit fazia ver na idéia de segu~ança soci- prio carattere di istituto di diritto pubblico, bll.sll,to
al a razão para proclamar a rejeição da faute du fondamentalmente sopra principi generali comuni ad
service, defendendo um dever indenizatório ogni branca deI diritto, ma rego lato nei particolari da
total do Estado sempre que os serviços públi- proprie norme, decisivamente distinte da quelle di
diritto privato. Secondo una parte di questa piil re-
cos causem (mesmo funcionando bem) danos cente doutrina, la responsabilità dello Stato sarebllC
aos administrados. Tal segurança social traz unica e retta, in ogni caso, dai detti principi di diritto
ínsita a crença na formação de uma caixa cole- pubblíco". (1947, p. 262).
tiva, a ser usada em proveito daqueles que so- II (1987, pp_ 237-8).
frem um prejuízo. 12 "A teoria do risco administrativo faz surgir a
Via-se, assim, motivos de justiça e de eqüi- obrigação de indenizar o dano, do só ato lesivo e
dade na pretensão de ressarcimento, por serem injusto causado à vítima pela Administração (...).
sacrifkios desigualmente impostos a um ou Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de
vários cidadãos em proveito de toda a coletivi- seus agentes, bastando que a vitima demonstre o fato
dade, pouco importando o caráter Licito ou ilíci- danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do
poder público". MEIRELLES (1988, p. 548).
nentes da comunidade devem concorrer para a compativel com o preceito constitucional, teria
reparação do dano, através do erário público. O sido vetado por inconstitucionalidade. Nde fixa-
risco e a solidariedade social são, pois, as ba- se, somente, a presunção de culpa Jure et de
ses desta teoria, as quais, pela objetividade e jure das pessoas administrativas. quando o
repartição dos ônus e encargos, conduzem a dano provier de fatos ilegais de seus represen-
uma justiça distributiva, posto que a Adminis- tantes 14 •
tração age em prol do interesse público. A Constituição Federal de 1934, em seu art.
5. A responsahilidade do Estado no direi- 171, preceituava, a1émdadetiniçllodcumacul-
to constitucional brasileiro pa lato sensu para a responsabilizaçAo estatal,
O Estado brasileiro independente, consti- a responsabilidade solidária do agente público
tucionalmente organizado, não conheceu a te- com a Fazenda, devendo ambos serem deman-
oria da irresponsabilidade do Estado. É princi- dados juntos.
pio constante de todos os textos constitucio- "Os funcionários públicos sIo res-
nais brasileiros, o da responsabilidade do Esta- ponsáveis solidariamente com a Fazen-
do, com as variações ofertadas pela própria da Nacional, Estadual ou Municipal, por
evolução dantes descritas. quaisquer prejuizos decorrentes de ne-
gligência, omissão ou abuso no exerci-
A Constítuiçilo imperial de 1824, em seu 8ft cio dos seus cargos.
179, item 29, estabelecia o princípio da respon-
sabilidade subjetiva, exclusive o imperador, que § 1°. Na ação proposta contra a Fa-
era irresponsável, confonne dispunha o art. 99 zenda Pública, e fundada em lesIo prati-
da mesma: "a pessoa do Imperador é inviolável cada por funcionário, este será sempre
e sagrada: ele não está sujeito a responsabili- citado como litisconsorte.
dade alguma", numa cima reminiscência do bro. § 2°. Executada a ação contra a Fa-
cardo inglês the King can do no wrong. zenda, esta promoverá execuçlo contra
"Os empregados públicos são estri- o funcionário culpado."
tamente responsáveis pelos abusos e Com este dispositivo, não conseguiu Ocons-
omissôes praticados no exercício de suas tituinte alcançar o seu intento de beneficiar o
funções, e por não fazerem efetivamente erário público, na medida em que acobrança ao
responsáveis os seus subalternos". funcionário, pela Administração, da sua cota
Aprimeira Constituição da República (l891), dodébilo, só poderia ser realizada de acordo com
no seu art. 82, repetiu, com pequenas altera- as normas atinentes à solidariedade passiva.
ções, o preceito imperial, rnantendo-se na mes- Este dispositivo foi mantido na Carta Cons-
ma linha da culpa subjetiva do agente público. titucional outorgada em 1937, 11Oart. ISS. perma-
Segundo alguns autores, havia uma solidarie- necendo, assim, a responsabilidade solidária
dade do Estado em relação à culpa subjetiva
dos agentes, mas é uma tese pouco confiável, A grande inovação legislativa, no que con-
pois não é esta a interpretação que se infere da cerne à responsabilidade do Estado, veio no
expressão "(...) são estritamente responsáveis", bojo da ConstituiçAo Federal de 1946, que, em
empregada para os agentes públicos. seu art. 194, acolheu a teoria do risco adminis-
trativo e expurgou a figura da solidariedade.
"Os funcionários públicos são estrita- Com esta. foram inaugurados no sistema posi-
mente responsáveis pelos abusos e omis- tivo pátrio os institutos da responsabilidade
sões em que incorrerem no exercício de objetiva e a ação de regresso contra o funcio-
seus cargos, assim como pela indulgência nário que tenha agido com culpa.
ou negligência em não responsabilizarem
o. As pessoas juridicas de direito pú-
efetivamente os seus subalternos".
blico interno são civilmente responsáveis
Como se lê, o teor indica claramente um ca-
ráter subjetivista da responsabilidade, com pro- tantcs que nessa qualidade causarem danas a tercei-
pensões para a teoria da culpa, como era a prá- ros, procedendo de modo contrtrio ao direito ou fal-
tando ao dever prCllCrito por lei, salvo o direito re-
tica. Todavia, o Código Civil de 1916, no seu gTeSllivo contra os causadores do dano".
art. 15, passa a configurar a responsabilidade
civil como sendo do Estado l ) e, caso fosse in- •• Mas isso não é assim tio pacifico. "NIo é fiei!
aproximar este artigo a nenhuma das teorio.s do direi 6
13"As pessoas jurldicas de direito público são to público, que deixamOll assinaladas. mo faz a1us1o
civilmente responsáveis por atos dOll seus represen- à culpa. Nilo se inclina para a doutrina do risco intc-
sUMÁRIo
l. Introdução. l. Transformações e constatações.
3. Estrldosexislenles. 4. A flOva liderança integral. 5.
Conclusão.
I. Introdução
Liderança é um processo de persuadir ou
exemplo pelo qual um indivíduo ou grupo influ·
cnda pessoas e as conduz para concretizar ob-
jetivos, ajudados pelo líder e por seus seguido-
res. Em qualquer tipo de grupo estabelecido,
indivíduos diferentes preenchem papéis dife-
renciados, e um dos papéis é o de líder. Líderes
não podem ser pensados fora de um contexto
histórico, de sua função e do sistema em que
estão inseridos. As partes integrantes do siste-
ma contêm as forças necessárias para o traba-
lho do líder. Os ambientes onde os líderes atu-
am são infinitos, e existem diferentes tipos de
líderes e de estilos de liderança. Em alguns ca-
sos o ponto forte da liderança é a eloqüência,
em outros a capacidade de avaliar, a coragem,
entre outros. Alguns são excelentes líderes em
tennos mora is e outros levaram muitas vezes a
humanidade a terriveis situações, É necessário
não confundir liderança com status. Mesmo em
grandes corporações e agências do governo,
as posições de executivos no topo da hierar-
quia podem significar simplesmente o número
um da burocracia. Podemos, evidentemente,
encontrar líderes nestas posições. Mas é im-
portante lembrar que os chefes são obedecidos
Tânia Mara Botelho é professora e pesquisado-
ra!lO Departamento de Ciência da lnforn1llÇão e D0- e os líderes são respeitados.
cumentação da Universidade de Brasília, Doutora em É necessário, ainda, não confundir lideran·
Ciência da Infonnaç.ão pela Loughborough Universi- ça com poder. Lideres usam a energia de poder
ty e pós-doutoranda pela Syracuse University na para concretização de sua ação. Entretanto,
área de liderança. Atualmente é Vice-Diretora da Fa-
muitas pessoas que têm poder não possuem
culdade de Estudos Sociais Aplicados da UnB. Tra-
bslha na linha de pesquisa de informação e sociedade nenhuma qualidade de liderança. Seu poder
e ampliação da consciência individual e coletiva. deriva simplesmente do acúmulo de dinheiro,
ou da capacidade de infligir punição aos ou· res como agentes de mudança, um desafio para
~ros: da.capacidade de controlar uma máquina esta nova visão da realidade, que desenvolve-
mstttuclOnal ou por ter acesso rácil à imprensa. remos este artigo.
Um ditador, por exemplo, tem poder, mas não é 2. TransformaçlJes e constatações
lider. ~, finalmente. não confundir liderança com
auton~.de. Autoridade é simplesmente o po-
A transformação por que passa nossa soci-
der legl~mado. ~iderança requer muito esforço edade hoje fem levado a discussões sobre a
e energta. E mwta confusão tem sido feita entre problemática de desenvolver recursos huma-
liderança e autoridade. Liderança não é uma sim- nos. Assim é que os temas têm variado muito
ples tarefa para ser realizada. O lider desempe- em tomo da efetividade e do fazer o individuo
nha funções, entre outras, de visão de metas a produzir mais. Este progresso tem também o seu
longo prazo, afirmação de valores mais eleva- avesso. Gostariamos de estar vivendo numa
dos, motivação, gerenciamento, servir de sim- época de plena prosperidade e nos vemos mer-
bolo e exemplo, representar ideais renovar a gulhados num caos de conflitos entre nações,
soci~de. Liderança é uma conqui~, e a úni- entre raças, entre administraçao e trabalhad~
ca COlsa que verdadeiramente se conquista é a res, e até entre pessoas e dentro de nós mes-
nós mes~. De acordo com Kouzes e Posner(l), mos.
o desenvolvimento da liderança é em última aná- Os aspectos de eficiência de uma organiza-
lise, o8utodesenvoJvimenw e, fi~lmente, a 1ide- ção são importantes. porém a solução de nos-
rança tem como maior desafio o desafio pessoal. sos problemas decisivos ruJo está no mundo
Bennis(2) diz que no final, tomar-se um líder é das coisas e sim no mundo das pessoas. Inte-
sinônimo de tomar-se você mesmo. ressamo-nos por buscar uma filosofia que per-
mita uma abordagem teórica, a partir da qual
São dois elementos essenciais para a lide- possamos realmente entender a unidade da açAo
rança: consciência e verdade. Consciência é e ~ um conjunto de individuos para conse-
entendido como a capacidade de discernir den- gutr-se cooperação e a compreendo inter-rela-
tro de determinado contexto e visão de realida- cional.
de. E verdade é entendido como uma função do
nivel de consciência. Na transiçãoem que vivemos com um com-
plexo projeto de mudança, lidamos com passa-
. C do e futuro, ao mesmo tempo. E, mexendo nas
A SSlm, v = f(c)onde - = consciência raizes destas estruturas, há muito risco envol-
V
vido e o perigo de se jogar fora aspectos que
Estes elementos essenciais quando usam a ener· são n~ssá.rios. Enxugar a máquina governa-
gia de poder necessitam de um ingrediente fun- mental Slgnifica. também, construir um organis-
damental que é o Amor. mo saudável. Com adequada intuição e meio-
OONSCIÊNOA ~1idade, alcança-se novo discernimento geren-
M cial(3). A ~rdade é q~ não existe um pais sOO-
O desenvolVIdo, mas sim subgerenciado e sem
VERDADE lideranças. A administração pública brasileira
necessita de um programa inovador de desen~
Nestes termos, a liderança que estamos fa- volvimento do seu potencial humano, especiaI~
lan~o é ~ nova abordagem que chamamos mente em nivel gerencial e de lideranças, de onde
de liderança íntegral eque define liderança como emanam as decisões que influenciam e trans-
uma função necessária nas relações societais formam as relações societais.
de fo~ a facilitar oprocesso de alavancage~
da SOCIedade para um novo sistema de inteli- Estamos cada vez mais vivenciando uma
gência social. Assim, liderança pode ser vista forma acelerada de mudança que exige de nós
uma postura também nova. A administração
V = f(c)n participativa pode ser um instrumento de quali-
como L A onde L = liderança, V = dade nesta mudança. Necessitamos de uma
verdade e A =amor. mudança mais global que inclua todos OS as-
A liderança nada significa se não existem pectos sem reduzir o ser humano em nenhum
valores e os únicos valores com os quais é pos- momento. A mudança atinge também os siste-
sfvel contar são aqueles de que se tem profun- JI!3S sociais co~o um processo global de apren-
da consciência e que foram absorvidos através dizagem da soetedade. No Brasil, vivenciamos
da experiência. É dentro deste contexto de 1íde~ ainda um processo de "sindrome de servidão"
e de "sucata do conheçimento", onde a criação do muito usada e pouco praticada. A enormida-
e a qualidade de ousar ficam prejudicadas, pois de dos desafios de nossos tempos e a veloci-
as pessoas são desconsideradas no processo dade de mudanças pareçem não estar acompa-
de criar novos rumos. Como então transformar nhadas por grandes idéias e pessoas capazes
o inconsciente coletivo das organizações para de implementá-las. Estamos num momento da
que possamos ter este novo despertar, não "de história em que se faz necessário uma visão mais
um mago", mas de um gigante adormecido? O consciente e global por parte de grande núme-
melhor é corneçartl!OS pela criatividade que pro- ro de líderes. do campo e da fábrica, ao escritó-
picia a qualidade. E necessário criar uma nova rio de um presidente.
renascença humana, onde as relações sociais, O folclore e a observação reflexiva têm cria-
empresariais de trabalho e interpessoaJ sejam do conceitos e preconceitos sobre lideres, for-
baseadas em qualidade. Assim, desaparecem, mando idéias, mesmo caricaturas, sobre lide-
ou pelo menos, atenuam-se, as relações organi- rança. Décadas de análise e estudos acadêmi-
zacionais sadomasoquistas que prejudicam a cos sobre liderança (5,6,7 e 8) deram~nos defini-
todos nós. ções. Houve época em que se pensou que as
A conquista deste novo estado de coisas é habilidades de liderança fossem uma questão
um desafio de lideranças. Um desafio que en- de nascença e esta poderia ser chamada a "teo·
gendra a qualidade, alavancando um novo sis- ria do grande homem". Quando esta aborda-
tema de inteligência social. O sistema de inteli- gem não era mais válida, vcio a idéia do" gran-
gência social é aqui entendido como "a capaci- de estouro", em que a situação e os seguidores
dade organizacional instalada no país, as agên- se combinaram para fazer um líder. Como tam-
cias públicas e privadas de financiamento, de bém a teoria do grande homem foi outra abor-
pesquisa e indústrias" (4). A inteligência social dagem inadequada. Nos dias atuais, temos nova
aproveita esta capacidade instalada no sentido oportunidade de avaliar nossos líderes e pon-
de novas inter-relações e de uso de sistemas derar sobre a força e a arte do líder, assim como
estratégicos de informação: sistemas inteligen- sobre a essência do poder e a base sobre a qual
tes, sistemas de apoio à decisão, sistemas exe- está fundamentalmente ligada a liderança. En~
cutivos e para o planejamento. Neste sentido tretanto, a essência do poder como energia bá-
devem ser usados os métodos de inteligência com sica para o exercício da liderança tem sido ne-
os de sistemas de recuperação de informação. gligenciada nas formulações dos tempos mo-
dernos. O poder é uma das forças mais conhe-
Diante das constatações mencionadas sur- cidas do universo e existe em toda interação
gem apreensões maiores, que são: a insensibili- humana. Poder é a "energia básica para iniciar e
dade institucional, a falta de discernimento para sustentar a ação do líder, traduzindo a intenção
implementar as soluções necessárias, verdadei- para a realidade, a qualidade sem a qual os líde-
ra comunicação para evitar conflitos e sistemas res não podem lidar"(7). O uso desta energia
de inteligência voltados para o social. Um ser social tem sido inclusive desvirtuado ao longo
humano numa organização não se dissocia do da história. Entretanto, preci.samos alltend.er a
que ele é, porém os métodos existentes de tra- perceber esta energia de poder e usá-la como
balho e de relações societais são extremamente realmente é, transformando sua expressão em
fragmentários, tomando as pessoas também algo construtivo. A verdadeira liderança sabe
fragmentadas. usar este poder para transformar. Desse modo,
O uso de sistemas de inteligência nas orga- a liderança efetiva o movimento das células or-
nizações e na sociedade ajudam na mudança ganizacionais de um estado caótico presente
estrutural da sociedade e na mudança de uma para um estado saudável futuro, criando visões
economia industrial para uma economia pós- de oportunidade potenciais para as organiza-
industrial, intensiva em conhecimento. E o fun- ções, instalando comprometimento nos empre-
damental para esta economia pós-industrial, gados e na sociedade. A mudança pode, nesse
intensiva em conhecimento, são a criatividade sentido, renovar cultura e estratégia que mobi-
e a qualidade. Como então desenvolver na so- lizem e enfoquem energia e recursos(8).
ciedade o eIxo da criatividade que envolve filO- Uma análise de muitos autores revela que a
damentaJmente a sensibilidade? maioria escreve sobre administração, admitin-
3. Estudos existentes do lideranças como "um processo de exercer
Liderança é uma palavra que está hoje sen- influência sobre indivíduos ou grupo, nos es-
forços para a realização de um objetivo em de-
8r-.l',. •. 32 n. 12f1"J]un. 1985 251
terminada situação"(5). Os interesses sobre li- primeiro lugar, por incentivos econômicos. Já O
deranças nos parecem refletir as escolas de pen- homem auto-realizador procura sentido e reali-
samento na teoria das organizações - a admi- zação em seu trabalho, pois várias outras ne-
nistração científica e a escola das relações hu- cessidades estão relativamente bem satisfeitas;
manas. Também foram concentrados esforços fundamentalmente automotivado, é capaz de ser
em estudar liderança como qualidades potenci- maduro em seu trabalho. Na realidade o homem
ais, tendo um papel de causação histórica. é mais complexo do que o racional-econômico
Motivos, valores, propósitos criam num ambi- o social e o auto-realizador(lO). Na verdade, ~
ente o processo de mobilização de pessoas, homem é um ser viável, capaz de aprender no-
dentro de um contexto de liderança transado- vos motivos, está motivado a partir de muitos
nal. Entretanto, líderes podem refonnar, reno- diferentes tipos de necessidades, e pode res-
var, alterar, motivar motivos, valores epropósi- ponder a numerosos e diferentes tipos e estilos
tos de outras pessoas seguidoras ou não, atra- de liderança.
vés do ensino do papel de liderança, dentro do O que faz a liderança ecomo ela ocorre numa
contexto de liderança transformacional. democracia? Liderança é o que realmente faz o
Estamos agora propondo uma nova visão mundo girar. A liderança é capaz de inspirar e
da liderança, uma visão mais global e expandi- mobilizar massas de pessoas - é uma transação
da que se desenvolve face às necessidades da pública com a história. Aforça e o poder de um
nova era universal que estamos atravessando. Iider representam agrande alavanca que impul-
As visões sociais são importantes em vários siona centenas de milhares de pessoas a segui-
aspectos; diferem em concepções básicas da rem um caminho, a sentir nas palavras do Iider
natureza da pessoa humana. As habilidades e seu pensamento traduzido. São os lideres res-
as limitações das pessoas são vistas em termos ponsáveis pelos crimes mais horriveis e as lou-
radicalmente diferentes por aqueles cujas teori- curas mais extravagantes que desgraçaram a
as filosóficas, política ou sociais estão conti- humanidade. Mas a eles também é creditada a
das em visões diferentes. As visões repousam condução da humanidade para a liberdade indi-
fundamentalmente em algum senso da natureza vidual, justiça social e tolerância. A humanida-
humana, embora a maturidade seja a possibili- de tem feito muito através de seus inventores e
dade constitutiva de todo ser humano fisiolo- gênios, líderes em sua idéias que criam fatores
gicamente normal. Esta nova visão de que fala- únicos de progresso humano. A linguagem dos
mos baseia-se na consciência do estado de re- líderes determina o tom da politica. Entretanto,
alidade de inter-relação na consciência de to- à maneira de Prometeu no Olimpo, os lideres
dos os fenômenos fisicos, sociais e culturais. provam a realidade da escolha continuando a
Transcende as atuais fronteiras disciplinares e lutar contra os deuses. Eles justificam o seu
conceituais existentes. Entretanto, a formula- papel, à medida em que buscam e bõertam e dão
ção das linhas mestras de tal estrutura já está poderes aos seus liderados. O grande lider anu-
sendo formulada por muitos indivíduos, comu- la-se a si mesmo, como dizia Thomas Jefferson.
nidades e organizações que estão desenvolven- No atual contexto, nllo se trata de adaptar o
do novas formas de pensamento e que se esta- conteúdo às comunidades e nações, mas de
belecem de acordo com novos princípios(9). explorar a necessidade de integraçao do meio
Isso significará a formulação gradual de uma ambiente com as necessidades pessoais. Atra-
rede de conceitos e modelos interligados e, ao vés de um engajamento lúcido e consciente, a
mesmo tempo, o desenvolvimento de organiza- melhoria da qualidade de vida pode ser busca-
ções sociais e lideranças correspondentes. Ne- da como um processo de recriação educacional
nhuma teoria ou modelo será mais fundamental do pessoal integral(8).
do que o outro, e todos eles terão que ser com- 4. A nova liderança integral
pativeis. Sempre que se faia em iniciar um ciclo Os lideres, como agentes de mudança, 510
de mudança, a primeira tarefa é verificar o nivel essenciais para a mudança societal, estenden-
de conscientização das pessoas daquela socie- do seus valores em metas mais amplas a um
dade ou grupo. Com o homem social estão su- número de pessoas e organizações. Constata-
posições de que o homem é basicamente moti- mos que é necessário uma abordagem mais glo-
vado por necessidades sociais. Ao homem ra- bal e integral para atender as demandas sociais.
cional-econômico são colocadas as suposições Na liderança integral objetivamos uma série de
de que o homem é visto como motivado, em questionamentos que são justamente para se
chegar à efetividade e unidade da açlo poHtica
252
R."'.'. d. 'n''''....'." 1 ••'.''''''.
coletiva. No plano existencial, a unidade da ação positivas se exercida com a energia de poder na
política propagada a nível de organização liga- consciência e verdade do amor universal, e
se ao conceito de entropia. A entropia deseja- mudanças negativas, se a energia de poder é
da é a negativa, isto é, aquela que permite que a exercida para si mesmo, em proveito pessoal.
organização esteja em estado de ordem e equi- Os principais aspectos da abordagem teóri-
líbrio, que é facilitada quando o líder está inte- ca por nós utilizada são: I) o de se considerar o
grado, provocando a ordem e integração nas indivíduo na sua totalidade de ser pessoal, re-
moléculas e células organizacionais. Se o líder lacional e societal; 2) o conceito de ressonân-
não está integrado, a liderança organizacional cia; 3) a integração entre lógica da razão e lógi-
gerada é de entropia positiva, criando o caos e ca da intuição, como a capacidade de pensar
a desordem na organização. em nível de razão e de intuição, nos níveis lógi-
No plano funcional, devemos responder a cose simbólicopes&>al relacionale metal. (4,8).
perguntas que dizem respeito à unidade con- Daí, inferimos que algumas das qualidades
ceituai da pessoa humana no saber como, quan- da liderança são: a unidade do ser com o querer
do e onde. Temos aqui o mundo objetivo da e o saber; a integridade do conhecimento com a
ação social, onde o do lider atua e, o mundo sensibilidade; a transmissão de conteúdos com
intersubjetivo, como atua. São dois hemisféri- significado; a verdadeira simplicidade.
os de atuação, o da razão e o da intuição. Neste Neste modelo por nós desenvolvido, visa-
modelo, inspirado no Estudo das Lógicas, de mos ainda os processos físicos do indivíduo
Sampaio( 11), entram ainda os aspectos da inte- integrado a nível de seus hemisférios cerebrais.
gridade entre o nível funcional e o nível exis- Os processos relacionais e societais em resso-
tencial. A capacidade de integridade organiza- nância da informação conceitual são implemen-
cionalleva ao aspecto de desenvolvimento, fa- tados através da criatividade e da qualidade da
cilitando a adaptação e a segurança da organi- ação.
zação àquela realidade dada~ àquele contexto As habilidades a serem desenvolvidas na
que está sendo vivenciado. E necessàrio, ain- organização, dentro deste modelo: senso de
da, considerannos dois eixos, o da qualidade determinação -ligado à capacidade de lucidez
das relações humanas e o da efetividade. O eixo e discernir conscientemente; senso de criativi-
das relações humanas tem funcionado com pro- dade - ligado à capacidade de autoconhecimen·
porcionalidade inversa, em oposição, e que to; senso de oportunidade -ligado à capacida-
queremos que funcione mais hannoniosamen- de de oportuniZ3f o diálogo e de comunicar con-
te. À medida que aumentamos a qualidade de teúdos com significado; senso de organização
vida no trabalho podemos transfonnar a curva - ligado à capacidade de estruturar conteúdos
tradicional, de inversa proporcionalidade, em metodicamente.
uma curva de evolução crescente, em que se A capacidade de utilizar recursos estratégi-
consideram os dois planos: o funcional e o exis- cos é vista como recursos que existem à díspo-
tencial. À medida em que o próprio indivíduo siçãodo Iider, embora haja um trabalho pessoal
na organização inicia um processo de auto-in- a ser feito antes de conseguir implementar seus
tegração, como célula organizacional, este pro- próprios recursos.
cesso começa a criar o que chamamos de resso-
nância social. A ressonância social origina-se No desenvolvimento relacional, o líder de-
do tenno ressonância conceitual, por nós de- senvolve a capacidade dialética, de transfor-
mação e cooperação nos diversos níveis, pes-
senvolvido como a capacidade de propagação
soal, relacional e societal (figura 1).
de ondas quânticas de pensamento dentro da
5. Conclusão
organização. *
As mudanças que hoje atravessamos reque-
As duas principais hipóteses de trabalho rem uma nova lógica e uma nova visão que pres-
na liderança integral são: a liderança move a supõem lideranças capazes de implementar o
organização de um estado de intenção para um processo de mudança, dentro de uma perspec-
estado de realidade; a liderança traz mudanças tiva de inteligência social. A primeira visão é
que esperamos que o processo díalético nas
• O conceito de ressonância é emprestado da organizações, que teve curto-circuito, comece
teoria dos campos morfogenélicos de Rupert Shel·
brake no qual é comprovada uma ressonância de for· agora a conectar-se com a realidade imanente,
mas conceituais e habilidades que se propagam numa apontando para a liberdade do ser. A segunda
mesma espécie (12). visão é o argumento da hegemonia, segundo o
JARBAS MARANHÃO
267
Da Jurisprudência como ciência
compreensiva
A dialética do compreender mediante o interpretar
sUMÁRIo
270
Tudo o que foi dito leva-nos a entender que. esfera que POS5<1 ser considerada problemática
com crescente comple:xidnde do mnndo contem- em sua compreens.io do sentido e da ordem do
ponineo e o e:xçepcional desenvolvimento ci- discurso. Isto se dá dessa forma, justamente
entífico. o problema por excelência do direito e pela própria nature7.a desse processo: irreflexi-
da filosofia do direito tomou-se metodológico va. Essa apreensão refere-se ao nível mais sim-
(como agi r" como interpretar? como comprecn- ples das relações. ou seja, aquela se dá através
der?) e das decisõcs metodológicas. de hábito e do condicionamento. Inserem-se
Este tmbalho pretende. justamente. discor- nessa esfera as COnVeT&1ções de uso comum
rer sobre p:1rte desse problema. do dia-a-dia e as comunicações mais simples.
Nessa órbit.1 da comunicação. os chamados "ru-
Os primeiros tratadistas. no início da Idade ídos" só se dão em casos excepcionais e que
Média.já discutiam amplamente sobre a natu- não valídmiam uma regra geral.
reza da jurispnJdência~. A discussão dava-se Na apreens.io imediata de sentido. não se
em tomo d:1s ind,1gaçõcs se jurispmdência se- coloca a possibilidade de interpretações dife-
ria ciência ou arte. Era ela considcrnda como renciadas do conteúdo. Ela se dá quase que
ciência por seu aspecto teórico e. como arte. exclusivamente através da percepção sensori-
por sua função prUlica. Algo bastante seme- al. por isso é irrctlexiva.
lhante à discuss.1:o moderna sobre sc se deve Quando. ao contrário, a situação de comu-
distinguir uma ciência do direito de uma técnica nicação em foco é passível de apreensões dife-
jurídica. Para os jlIsnaturalistas. a partir do sé- renciadas e heterogêneas. toma-se necessário
culo XV1I1. tratava-se de fimdnr uma jurispru- um processo reflexivo sobre o conteúdo do dis-
dência que tivesse fundamento científico, ou curso e a interpretação de seu sentido. Nem
melhor. que se adequasse o método à concep- sempre é somente a complexidade maior do tex-
ção racionalista do saber que o cartcsianismo to ou <1.1 comunicação que dirige a situação para
difundia. a instauração de um processo interpretativo.
No século em curso. inicia-se uma grande Alguns complicadores, como a inadequação da
discuss.1:o metodológica de duas grandes es- fala ao objeto, o uso da simbologia imprópria e
colas jurídicas: a normativista. que encontrou a imprecisão de termos. dentre outros. podem
sua expressão maiore mais coerente na doutri- ser mais perniciosos para a comunicação do que
na de Kelsen. e a sociológica. que encontrou sua complexi<1.1dc de conteúdo.
seuexpocnte na corrente realista americana. Para Larcnz, "interpretar é uma ath·idade de
Mais contemporancamente. entram no de- mediação pela qual o intérprete compreende o
bate os seguidores da filosofia da linguagem e sentido de um texto que se lhe apresenta como
da análise do discurso. dando à discussão no- problemático"'. Como entender mais precisa-
vos mmos e outras direções. Isto porque, ten- mente essa definiç<'10?
do em vist:1 o fato de que :1 jurisprudência trata Qt.mndo o autor se refere a urna "atividade
do sentido normativo a que :1S expressões lin- de mediação". podemos entender essa afirma A
güísticas correspondem. n:1d:1 mais lógico do ção sob a ótica de orientações diferenciadas.
que conceder novo status metodológico aos pro- Na tradição kantiana. por exemplo. o ato de sa-
cessos an:1lít icos e interpretativos da linguagem. 6 ber ou as condições de experiência em relação
Considerando o ato de compreender. segun- ao seu objeto deveriam ser idênticas ou indis-
do Larenz. as expressões li ngüísticas podem ser cerníveis. Isto significando que não haveria
entendidas através de um processo de apreen- mediação ou transposição entre uma coisa e
são imediata do sentido (modo irretlexivo) ou outra. visto que condições de experiências e
mediante um processo sistemático de interpre- objeto de experiência são sempre idênticos.
tação (modo reflexivo). Desnecessário dizer que Muraris mlltandis, o ato de saber ou de conhe-
no processo de apreensão imediata inexiste uma cer não se faria através da interpretação, se con-
siderada esta como uma atividade de mediaçãos.
5 BRIMO. Albert. /,es grnnds COllrnnts de la Se considerarmos, ao contrário, o ato de
pllilosophie d!l droit el de I 'bato Paris: Ed. A Pedone, saber na concepção formulada por Nietzsche,
1978. BOnBlO. Norberto. Teoria del/a sdenza glll- teremos que entre o conhecimento e o mundo a
ridica. Torino: G. Giappichclli Editore, 1950.
6 Ver: LARENZ. Karl. Aletodorogia da Ciênda
7 LARENZ, Karl. Op. cil.. pp. 239-40.
do Direito. Lisboa: Fundayão Calollste Gulbenkian, BKANT. Emanuel. Crítica da razão prátim. São
1983. Paulo: Brasil. Editora SA. 2.' ed.. s.d.
. ,. .111••• 32 n. 126I1br./Jun. 1995 271
conhecer há tanta diferença qnanto entre o co- forços do espirito cientifico, uma razão à
nhccimentoe a natureza humana. Ter.-se·ia, por· imagem do mundo, a atividade espiritual
tanto, "uma natureza humana, um mundo (ou da ciência moderna dedica-se a construir
objeto do saber), e algo entre os dois que se um mundo à imagem da razão"'O,
chama conhecimento. não havendo entre eles Ora. estli claro que as afirmações de Bache-
nenhuma afinidade, semelhança ou mesmo elos lard confirmam a assertiva de Larenz, ou seja,
de naturc7.a"9. Assim. a ativid.1de de conhecer de que a atividade de observação cientifica, e a
não estaria inscrita na natureza humana e nem própria ciência. fundamenta-se na problemati-
seria idêntica a ela. podendo. assim, ser consi- zação do objeto de estudo. O simples não exis-
derada como uma mediação, ou seja. uma "vio- te na atividade de conhecimento cientifico; exis-
laç.'1o" (termo usado por Nietzsche) da essên- te o "simplificado" e o "reduzido", Não existem
cia do objeto. Entende-se. portanto. que nesse fenômenos ou naturezas simples, nem idéias
sentido último de "violação", a atividade de in- simples, pois, ao final em suas essências, são
terpretar deveria rcali7.ar um "desmaranhar" sempre conjuntos de relações ou unidades de
completo do fenômeno em conhecimento. um sistema complexo de pensamentos e experi-
Para o próprio Larenz. em que consistiria ências.
essa atividade de mediação? Tentemos enten- No campo da jurisprudência, a problemati-
der sua expl icação dentro de seqüências su- zação é possível, justamente porque os textos
cessivas: jurídicos são redigidos em linguagem corrente
ou, então, numa linguagem especializada que
.", O intérprete toma--sc consciente de que
há diferentes significados do termo ou do texto
apresentam razoável margem de variabilidade
em questão; de significação. Hart se refere a isto como "tex-
tura aberta" do direito. O que se dá no momen-
2". tendo em vista o significado "correto", to final da seqüência de mediação (a opção do
interroga-se sobre o conte:\.10 te:\.1ua1 e sobre o intérprete) é uma tomada de consciência sobre
seu próprio conhecimento do objeto do texto; estruturas d.1 comunicação em linguagem cor-
3", examina a situllção que deu origem ao rente e urna indicaçao crítica que deverá produ-
tC:\.10: zir o correto e a inteligibilidade. Isto se dá atra-
vés da indicação da ruptura do sentido ou da
4", opta por uma entre muitas possíveis in· reconstituição da unidade perdida.
terpretaçõcs com b.1se em considerações devi-
damente fundamentadas, \bltando à definição de "interpretação" dada
por Larcnz, falta-lhe, talvez, algo que se refira à
Como se vê, dá·se um processo de proble- experiência anterior do intérprete com o texto,
mati7.ação do texto. O autor, em vista dessa pro- ou com a linguagem especial do texto, Poís, re-
blemati7.ação. atribui à jurisprudência o status petindo Gadarner, compreender o sentido de um
de ciência, Seria esta afirmação verdadeira? Ve- texto RIo é uma tarefa simplcs e direta, toma-se
jamos o que diz Bachelard sobre ciência e 0b- necessária a instauração de "um processo de
servação científica: tradução e fusão de horizontes, urna incorpora-
"A observação científica é sempre ção do estranho no que é próprio" 11.
uma observação polêmica: ela confirma Considerando o que até aqui se disse, em
ou infirma uma tese anterior. um esque- princípio todos os textos jurídicos são suscep.-
ma prévio, um plano de observação; ela tíveis de interpretação e não os chamamos
mostra, demonstrando: ela hierarquiza as "obscuros" ou "pouco claros", As sentenças
aparências; ela transcende o imediato: ela judiciais, da mesma forma, também carecem de
reconstrói o real após ter reconstruído interpretação, não só as leis e contratos, Aju-
seus esquemas (.. ,) A ciência suscita um risprudência, nesse sentido, não pode ser vista
mundo, não mais por um impulso mági- como mera repetição ou reprodução de deci-
co, imanente à realidade. mas antes por sões. Justamente por ser uma atividade cienÚfi-
um impulso racional. irn.:1nente ao espíri- ca e de se inserir no campo das ciências criti-
to. Após tcr formado, nos primeiros es-
, NlETZSCHE, F. Gaia Ciência. Apud FOU· 'OBACHELARD, Gaston. O"ovo espírito cien-
CAULT. Michel. A W'rdode e as fomuu jurídicas, tífico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968 (grifo
Cadernos da PUC/RJ, Série Letras e Artes. Rio de do autor).
Janeiro: Pontificia Univer.lidade CatólicalDivisão de 11 GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método.
Edições, 1979. p. 13. (Xerox. s.n.r.).
272
caso a jurisprudência se dedica. nesse campo. a Há que se ressaltar. contudo. que essa es-
ordenar as decisões e inseri-Ias em novas co- trutura ci rcular da compreensão não é, pura e
nexõcs jurídicas de sentido. si mplcsmente. um retomo ao ponto de partida,
As circunstâncias hermeneuticamente rele- um reinício circular (volta ao entendimento das
vantes são assim definidas. na opinião de La- palavras. termos ou signos em si). mas a abor-
renz. conforme o objetivo da interpretação que dagem do texto em novo estádio de compreen-
se reali7.a. Pode-se ter em vista. por exemplo. a sào. Ou melhor. um processo de olhar para fren-
opinião do autor. ou do comunicador. Nesse te e para trás. de "circular ao redor". até que a
caso. interessará o "motivo" da declaração. a suposição inicial. ou que surge durante o pro-
"situação em que se encontrava o comunica- cesso de intepretação. se converta em certeza.
dor (ou locutor. ou autor). os seus modos" ha- Nesse sentido. Larcnz demonstra que o pro-
bituais de expressão. etc. Pede-se. por outro cesso de compreender tem seu curso não ape-
lado. ter em vista a própria coisa e~1>Osta (texto, nas em uma direção linear, como uma cadeia
lei. conceito. etc.) c. daí. a sistemática de com- lógica de conclusões com sentidos diretos,
precns:lo será outra e terá outros interesses. Engish. citado por Larenz. refere-se a um "ir e
Qunndo se disse que os textos jurídicos são vir de perspectiva", inclusive na aplicação da
sempre susceptíveis de interpretação. não há norma a uma determinada situação fática.
nisso nenhum sentido depreciativo da lingua- Algumas situações podem ser tomadas
gemjuridica. de sua dare7~1 ou propriedade, Ao como regulares. No início do processo de com-
contrário. O processo de interpretação é um preender dá-se. infal ivelmente. o que se chama
processo. seqüencialmente. uma intensificação de "conjectura de sentido". por vezes ainda
do poder crítico e de reorganização conceitual vaga. Entende-se por esse termo aquele está-
de uma linguagem ou do substrato cientifico e dio da compreensão em que o intérprete se mune
filosófico dessa linguagem. de uma si mplcs insighrs. Ela decorre de um lon-
I. A compreensão e a "pré-compreensão" go processo de aprendizagem conjecturaI do
Conforme Betti. a interpretação de um texto intérprete. ou de con hccimento ou experiências
trata da "totalidade do discurso no seu valor adquiridas ao longo de sua formação: uma rela·
semântico"12. ou seja. refere-se não só ao senti· ção direta com juízos ainda imprecisos ou su-
do de cada uma das palavras. mas. inclusive. à posições ainda incompletas.
seqüência de palavras e frases que expressam Gademer. em seu livro férdade e Método.
um contínuo de idéias. Dá-se. pois. o que se refere-se a essa "pré-eompreensão", como um
pode identificar como um "círculo hermenêuti- "pré-juízo", Não no sentido popular de dano
co". isto é. o significado das palavras só pode ou de falso juízo. mas de juízos antecedentes,
ser inferido da conexão de sent ido do te~10. Este. que dizem respeito à relação do próprio intér-
por sua vez. forma seu sentido. em última ins- prete com o mundo que se assemelha ao fato e
tância. do signific:ldo d:ls palavras que o for- com a experiência correlata anterior, Isto signi-
mam ou da combinação de pnlavras. fechando- fica quc o texto só "fala" àquele intérprete que
se. assim. o "círculo", P:lr:l se atribuir si gni fica- já compreende tão amplamente a sua lingua-
doé necessário. primeiro. que sccompreendam gem e a coisa de que ele fala. de modo que lhe
as partes (entes. signos ou sujeitos) engendra- seja franqueado o acesso à compreensão da·
dos na linguagem: segundo. é preciso agrupar quilo que o texto di?: nllma primeira fase atra-
e distinguir os usos ocasionais e errátivos: em vés da "pré-eompreensão" ou do "pré-juízo".
tereeiro plano. necessita-se identificar ns situa- Para esse pensador da hermenêutica e da filo-
ções significativas e simbólicas em geral. Che- sofia da linguagem. a ligação entre o texto e o
gando-se. assim. seqüencialmente e sistemntica- intérprete se faz através da linguagem. dos sig.
mente. ao significado da totalidade do discurso. 1J nos. c de uma cadeia de tradição em que ambos
se inserem.
12 BETTl. Emílio. Teoria gt'l1erale delfa illter- "Cadeia de tradição" em um processo juris-
pretazione..!fplld.1 ARENZ. K.. op. cit.. r 242 (nota prudencial é aquela em que as normas vigentes
51). e as formas reconhecidas do pensamento jurí-
n Ver sobre o assunto: OGDEN. C. K.~ RI- dico decorrem do trabalho precedente de mui-
CHARDS. J A. EI sif!!lifimdo deI significado. una tas gemçõcs de juristas. Como se vê. tudo deve
inl'e,~/igacion acerca de la inflllencia deI lengllaje
sohre el pensamieniO y de la ciencia simhólica Aue-
c
ser examinado dentro de uma seqüência histó-
nos Aires: Fd. Paidos. 1954. rica sistematicamente tmbalhada e dentro de uma