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Corredor do Pânico

Acordo em um espaço escuro. Teria alguma explicação para a minha presença neste
local desconhecido? Honestamente não faço a mínima ideia. Uma névoa densa
circulava por todo aquele ambiente frio e misterioso, impedindo-me de poder avistar
qualquer pista de onde eu estaria, seja uma região da cidade onde eu moro, ou em
alguma dimensão distorcida daquela realidade que analisamos no nosso cotidiano com
tanta naturalidade que sequer pensamos em alterações que pudessem trazer tais
sentimentos do medo do desconhecido. Apenas um caminho em linha reta permite que
eu consiga prosseguir, provavelmente levaria minha alma curiosa e aflita para um
mundo de respostas para aquela solidão melancólica que me circulava infinitamente.
Sem qualquer opção já que qualquer rastro de uma trilha alternativa foram totalmente
apagados, com um receio andei em linha reta à procura de alguma coisa que pudesse
me ajudar.
Bem antes desses eventos eu vivia normalmente como qualquer cidadão, tendo como
sonhos alcançar a profissão ideal para a minha pessoa, encontrar um futuro amor e
sustentar minha família com o dinheiro arrecadado do sangue derramado para a glória
de nossos trabalhos. Porém, algo me impediu de prosseguir com esses ideais e me
trouxe para aquele caminho sem fim e escuro, cujo me levava para o desconhecido a
cada passo, que ao ser realizado emitia um ruído que ecoava aos arredores de uma
região absurdamente silenciosa. Resolvi tatear meus bolsos em busca de algum
pertence que fosse de grande auxílio para que aquela caminhada tornasse mais fácil, e
por um acaso do destino um isqueiro permanecia intacto. Memórias invadiram meu
consciente, de um indivíduo cujo não tenho tantas informações recordadas além de
descrições físicas e rasas lembranças de seu passado. Um senhor bem velho, de
aproximadamente quarenta a cinquenta anos, magro pela ausência do costume de
alimentar-se, tinha cabelos cinzentos mal tratados e um semblante vazio. Entrelaçando
sobre seus dedos, um cigarro aceso exalava grande ondas de fumaça, assim como
sobre seus lábios secos e sem rastros de vida. Olhando na direção do horizonte vazio,
o brilho do pôr do sol satisfazia sua alma carente de qualquer fonte de afeto ou
cuidado, as chamas daquela estrela radiante penetraram as camadas mais rígidas de
sua alma e mostraram-lhe a verdadeira paz. E segurando com a outra mão, exibindo
sua luz alaranjada, era o mesmo isqueiro que acabei encontrando. Um objeto de metal
prateado com uma sigla de duas letras: "MW". Poderia ser as iniciais de um nome? Ou
então de uma marca de isqueiros? Não conseguia imaginar qualquer hipótese, era
como se qualquer informação tentasse se esconder da minha mente em um poço
obscuro e sem fundo. Mas assim que vi todos esses eventos, resolvi acender a chama
forte daquela objeto.
Aquilo me garantiu uma visão relativamente superior, aproximando-se alguns
centímetros eu era capaz de enxergar uma parede de aço grossa e resistente, assim
como qualquer outra coisa tangível naquele ambiente. Decidi andar mais à frente,
porém uma insegurança aos poucos surgiu em meus olhos. Uma sensação de estar
sendo observado por alguma entidade superior causava dores em meu peito, então
comecei a girar parado em uma única região, mas nenhuma resposta veio até mim.
Andando, conseguia sentir esse desconforto nas minhas costas causando um
formigamento arrepiante, mas enquanto tentava fingir que qualquer pensamento que
invadia minha consciência fossem apenas meus instintos alertando-me de um
pressentimento incorreto meus ouvidos foram incomodados com sussurros, vozes
balbuciando frases fora de contexto lançadas ao ar que me fizeram lembrar de coisas
que nem sequer teria deduzido sobre tais acontecimentos de fato terem ocorrido.
Adjetivos agressivos vinham em minha direção, provocações que me deixavam com
medo atacavam mais e mais o meu pensamento, impedindo-me de processar qualquer
solução adequada e andar mais rápido afim de me afastar. As memórias continuavam a
crescer loucamente. Uma criança bem nova sentindo uma pressão agoniante de ser o
centro das atenções, algo que jamais desejava para si, diferente de outros. A solidão
aos poucos tornava-se sua maior fonte de relaxamento, mas isso incomodava as
vozes, e ao invés de ficar despreocupado sobre querer ficar sozinho, uma fonte de
medo fazia aquele pobre garoto ter receio de pedir qualquer coisa, ou ao menos tentar
se afastar de seres com personalidade desprezível que afetavam sua saúde mental.
Novamente, vi em seu peito um nome borrado com sombras de seus próprios cabelos
despenteados, mas as iniciais podiam ser vistas por alguns instantes: "MW". Deduzi
que aquela figura mais velha e essa criança possivelmente fossem a mesma pessoa,
porém em linhas temporais diferentes.
Acordando, vi novamente a trilha sem fim. Decidi correr para longe daquela insanidade
que consumia lentamente parte de minha saúde mental, mas as entidades insatisfeitas
com as dores que já teriam me causado resolvem perseguir loucamente a minha alma,
sussurrando frases catastróficas, piorando cada vez que abriam suas bocas invisíveis
ao vento. Mirando a chama que me guiava adiante, aos meus arredores, uma forma
circular com uma esfera avermelhada brilhante emergia das paredes. Eram olhos,
corpos tão disformes que questiono se fossem possíveis de serem adaptados à
anatomia de organismos comuns em nosso planeta. Independente de como eram suas
aparências, aquilo me causava um desconforto ainda maior. Por mais que eu não
estivesse interessado em pensar no ponto de vista daquelas amaldiçoadas coisas, era
como se fosse um crime eu existir. Queria apenas desaparecer de vez, sem ser
lembrado por ninguém de quem fui em minha vida. Mas ainda assim eram tão
arrogantes que chegava a me dar dores de cabeça ouvindo aquelas vozes miseráveis
que eram emitidas pela escuridão. Seus olhos latejavam ao gritar pragas em minha
direção, enfraquecendo os músculos de minhas pernas a cada segundo que se
passava.
Corri e corri sem parar. Teriam se passado quantos minutos, horas, dias, ou até anos.
Era uma fuga que nunca se encerrava. Sempre ouvia aquelas vozes gritando e
gritando, algumas provocações que eu já até teria ouvido em uma época antiga, mas
que ainda me causavam um incômodo. Até que, depois de prosseguir por uma corrida
interminável, senti meus braços livres para serem extendidos aos lados, uma sala
ainda mais ampla do que aquele corredor cujo sempre me desloquei em um ponto de
início que estava perdido à milhões de quilômetros. Em minha direção, uma árvore
enorme brilhava com cinzas flutuando ao redor de seus galhos podres. Um mofo forte
se espalhava pelo tronco velho e retorcido, com olhos extensos que encaravam na
minha direção com nojo e raiva de minha pessoa. Naquele instante, minhas memórias
se abriram para minha mente à beira da insanidade, me revelando enfim a verdade que
tanto procurei. Meu nome. Nunca soube ele por anos nesse caos. Mas enfim as
possibilidades que vinham em minha mente enquanto eu corria sem parar revelaram a
única que se encaixava com meu perfil. Mark Oswald. Sempre fui um indivíduo recluso
e solitário, procurando ao máximo estar sozinho longe de qualquer interação social. Na
infância, tive que aturar crianças insuportáveis e inconsequentes que me criaram
inseguranças que nunca mais iriam desaparecer em toda a minha vida. O medo de se
revelar ao mundo. O medo de ser julgado pelos erros mais bobos possíveis. Passei
anos e anos da minha vida apavorado. Perdi empregos, sonhos, amores e colegas.
Ironicamente, morri sozinho aos sessenta e cinco anos. Fumando um último cigarro
próximo à uma varanda, meus olhos se abriram diante da cidade cinza e vazia.
Acidentalmente tropecei e caí do quarto andar, sofrendo de um dano cerebral que me
matou instantaneamente. Mas por alguma razão não parti. Minha alma foi mandada
para esse salão do pânico que me deixou insano por muito mais tempo quando eu
estava vivo. Esta era minha punção. Seja lá quem for essa entidade que se alimenta do
medo dos outros, ela não tem o mínimo de compaixão por qualquer alma existente.
Quando abri meus olhos, aquela árvore vinda do submundo mais profundo
desapareceu, e estava sentado no chão em uma sala apertada, sem qualquer espaço
para eu me deslocar de onde surgi. Aos poucos saindo das sombras mais profundas,
olhos encaravam a mim, julgando tudo o que já fiz. Seja ações boas ou pecados
graves, a sensação de medo era a mesma. Estarei sendo observado por minha
ansiedade até o fim da eternidade. Terá de ser assim minha punição. Uma tortura para
alguém que sempre desejou viver na solidão, é colocá-lo justamente nessa posição.

Anthony Edwards Martin

Em 1889, as ruas eram bem mais escuras do que atualmente. Uma época macabra e
cruel assombra a história de Londres desde então, com aquela criminalidade oculta da
sociedade britânica, dificilmente alguma atitude seria tomada. Talvez apenas uma
varredura com foices e rifles aos ares, disparando seus projéteis de puro fogo na
direção dos impuros que realizaram tantas atrocidades naqueles becos abandonados.
Como se o governo tivesse a preocupação de abrir seus ouvidos à reclamações
enquanto dólares e mais dólares enchiam seus bolsos fanáticos pela luxúria de ter
pertences brilhantes, moldados pelas gemas mais raras estabelecendo um valor
atribuído por eles mesmos, uma falsa ilusão de ganância que criam para ter razão de
existir. Bem, eram estas as circunstâncias dadas para os habitantes de Londres e
praticamente todo o país, e comigo não foi diferente, afinal não estamos em um conto
de obras fantasiosas com grande sorte dada à estes personagens para que possam
viver em solene paz com dinheiro para lhe satisfazer ou sonhos para serem cumpridos
e preencher o vazio de suas vidas. Esse é o mundo de verdade, uma realidade tão fria
e melancólica onde quem tiver mais apoio vence. Ninguém que é lançado na traças
pode se virar tão facilmente e sair em extrema prosperidade. Seguindo todas essas
regras eu caminhava em uma estrada da Portobello Road, ao contrário do período de
manhã, enquanto o manto da noite caía sobre aquele lugar era extremamente vazio e
obscuro, nenhuma alma viva podia ser presenciada com facilidade, afinal ninguém teria
a proeza de sair daquela região com vida ou dinheiro em sua carteira. No meu caso,
naquele dia eu estava trabalhando em uma loja de penhores diariamente, sempre
saindo do estabelecimento depois de administrar as vendas por aproximadamente 12
horas, isso enquanto eu tinha de chegar lá às 09:00. Porém, naquele dia não havia
nada em meus planos nos fins de semana, e como era uma sexta-feira, pensei que não
teria qualquer problema em pedir uma hora extra para que eu tivesse o mérito de
receber um salário maior e então poder viver bem com algumas moedas a mais em
meu bolso. Dessa forma, acabei me retirando dali às 23:00.
A viagem foi silenciosa e vazia. Não queria gastar nenhum centavo com qualquer tipo
de carona que havia pela região e por isso decidi andar por todo o trajeto. Seguindo as
exigências do cavalherismo, que sem ofender a geração atual mas naquela época era
mais presente entre os rapazes, cumprimentava qualquer cidadão que se deslocava de
um ponto à outro caso nos encontrássemos na mesma rua por algum acaso. Alguns
rostos até me eram familiares já que os saudava quase todos os dias, fazendo até
parte do meu cotidiano tal tarefa. Liam, um repórter profissional que parecia sempre
ocupado, era um indivíduo pálido e velho com uma idade acima dos 60 anos, mas um
senhor simpático com qualquer pessoa que aparecesse em sua direção. Sebastian, o
perito criminal mais experiente de toda a região e conhecido por ter uma idade até que
jovem para um homem profissional nessa área. Seus 27 anos não o impediam de
intimidar qualquer vândalo que estivesse determinado a realizar uma tentativa de
persuasão ao rapaz, sua face morta e séria era capaz de assustar até mesmo cem
homens juntos em combate. Duas faces que me lembro com uma nostalgia satisfatória
mas consequentemente melancólica e reflexiva. Enfim, após saudar as figuras
prossegui com meu objetivo de retornar ao meu lar confortável e solitário, era o que
mais desejava naquele momento devido à exaustão de caminhar sem parar com o
brilho pálido da Lua caindo em meu rosto e abraçando meu peito com seu toque frio e
arrepiante. Passava por postes de metal enferrujado com sua forma reta encurvada
devido ao estado deplorável e desequilibrado, podia ver até enxames de insetos
ambiciosos em consumir parte da luz interior nas chamas alaranjadas, ou talvez roubar
todo o seu brilho para serem reconhecidos como algo positivo de acordo com o ponto
de vista da sociedade, como vagalumes minúsculos que chamam mais a atenção do
que mariposas asquerosas e nojentas. Talvez, ao invés deles quererem ser associados
à algo ruim apenas por conta de sua existência, os insetos tinham como sonho
poderem ser comparados aos belos e reluzentes vagalumes, que são tão idolatrados
pelos outros seres como arcanjos em miniaturas, para enfim terem esse traço de
aberração apagado de suas vidas curtas e insignificantes para qualquer outro
organismo. Imagino que existam mariposas e vagalumes na nossa sociedade seguindo
essa mesma forma de raciocínio, sempre idolatram algo considerando de forma
positiva para que isso se encaixe completamente na nossa sociedade, e qualquer um
que tiver diferenças, seja por discordar de afirmações ou por ser incapaz de realizar
algo, é julgado e condenado até que se converta ao que a maioria deseja.
De qualquer forma, após alcançar metade do trajeto avistei uma figura misteriosa que
emergia das sombras congelantes de Londres. Incluído nas suas vestes um sobretudo
cinzento e empoeirado, acompanhado do suéter de lã mais escuro possível, até mais
preto que as próprias escuridões que postavam-se ao seu redor, uma calça bege e
larga para alguém de sua estatura mediana, sapatos de couro reluzentes e com um
cheiro doce de produto novo, planejado por um sapateiro esforçado e dedicado que
provavelmente merecia mais reconhecimento que seu próprio produto. E na cabeça
uma boina que escondia parte dos cabelos castanhos, mostrava-se à qualquer um com
um sorriso grande que poderia emitir tanto uma presença de segurança como de
desconforto devido à sua extensão sobrenatural. Levantou sua mão fina e pálida na
minha direção e acenou gentilmente, e sem perceber retribuí a saudação como se
tivesse sido hipnotizado por seu carisma que exalava aos arredores, principalmente em
seus olhos amarelados que mais pareciam dois sóis embutidos em um ser humano que
queimavam qualquer um com seu olhar intimidador. Conversamos mais um pouco
parados naquela rua de pedra e descobri que seu nome era Anthony Edwards Martin,
tinha 32 anos e vagava pela região após trabalhar a tarde inteira junto de horas extras,
o que podia se atribuir à minha pessoa, uma história que tínhamos em comum e que
gerou um diálogo extenso mas interessante. Caminhamos na mesma direção,
descobrindo de pouco a pouco seus ideais e vínculos, adquiri informações rasas sobre
aquele indivíduo mas que manipularam minha consciência fazendo que tivesse um
conflito comigo mesmo por querer obter mais conhecimento sobre sua vida, mesmo
que eu tivesse acabado de conhecer ele. Anthony trabalhava como atendente de bar
todos os dias incluindo finais de semana, segundo o mesmo o período era das 07:15
até às 21:30. Optou por hora extra, e sendo assim saiu no mesmo horário que minha
pessoa: 23:00. Aparentemente no seu tempo livre prefere ler, naquele momento não
pude ter noção sobre quais temas eram de seu agrado, mas pelo menos revelou que
degustava do sabor do vinho tinto nas horas mais vagas, geralmente para celebrar
algum evento que o afetasse positivamente. Porém, antes que pudéssemos prosseguir
com os assuntos, chegamos à um ponto onde nossos trajetos teriam de se separar, na
Tavistock Road, após andar por uma linha reta por longos minutos que pareceram anos
de pura satisfação, combinamos de realizar essa atividade mais vezes, dessa vez
havendo um motivo para trabalhar horas a mais, e nesse caso era ter uma longa
conversa sobre a vida.
Sendo assim, começamos a incluir isso na nossa rotina. Na próxima vez que vi Anthony
Edwards ele parecia o de sempre fisicamente, e então revelou-me informações que
estavam ocultas. Dessa vez parecia querer andar mais rápido, tanto que a conversa
durou pouco tempo já que o rapaz desviava rapidamente de assunto pois tentava
manter o ritmo de sua respiração arfada. Nesse dia, contou-me que geralmente bebe
café com alguns toques de açúcar de manhã, segundo o mesmo auxilia para acordar
bem cedo. Também me contou que faz esse hábito enquanto foca parte de sua mente
na leitura. Ouve Mozart sendo esse a maior parte de seu gosto musical, baseado em
orquestras com um tom divino e perfeito, de fato um réquiem para o seu tédio que
morria grande parte do tempo. Olhava para os lados repetidas vezes, em momentos
em que nem teríamos caminhado três passos à frente, mas sua precaução insana
parecia abalar algo dentro de seu consciente. Guardava suas mãos brancas dentro de
seus bolsos, quando questionei tal ato evitou responder no mesmo instante, seja lá
qual for a razão. Novamente alcançando a Tavistock, nos separamos. No dia seguinte,
nos encontramos novamente, e percebi uma coincidência interessante de que sempre
que nos víamos Anthony surgia das sombras mais negras e tenebrosas que se
ocultavam por becos e nunca teria qualquer indivíduo próximo para relatar tal aparição.
O sorriso enorme e destacável do rapaz exibia algumas brechas e deformidades
comparados com a primeira vez que vi aquele semblante, as bordas de seu rosto eram
cada vez mais expostas, pude até analisar uma silhueta dos ossos do crânio e parte da
clavícula com vácuos enormes entre a pele. Teria emagrecido bastante de um dia para
o outro, quando perguntei sobre a razão respondeu-me que estava evitando comer pois
tinha poucos suprimentos para poder satisfazer sua fome, então nem toquei tanto no
assunto. Os olhos amarelos ainda brilhavam intensamente comparados ao resto do
corpo, suas vestes de cores mortas chamavam pouca atenção, mas pareciam bem
surradas comparadas ao dia anterior. Conversando mais sobre seus gostos e
atividades, revelou-me que lia Edgar Allan Poe, sendo O Corvo uma de suas obras
favoritas. Assim, pude deduzir que ele tinha um gosto por terror e suspense, leituras
que permitiam uma imersão de medo do desconhecido que poderiam afetar a mente de
qualquer um que tivesse a coragem de embarcar sua consciência nessas invenções
insanas. Seus olhos até queimavam com uma emoção de vida ao falar sobre sua
opinião de acordo com os seus gostos literários, o que também indica que falar desse
tópico é um dos seus maiores passatempos. Olhava para os lados sem parar mais uma
vez, porém nunca questionei o comportamento por mais que ele fosse extremamente
suspeito. Tais atos de puro medo não tinham qualquer justificativa mas geravam um
terror inexplicável como se aquela figura temesse algo que estivesse presente, mesmo
que não visível aos nossos olhos. Uma insegurança cercava nós dois enquanto isso
ocorria. Porém em uma rápida decisão improvisada, convidou-me para visitar sua casa
no dia seguinte para nos conhecermos melhor. Aceitei, notando que aos domingos não
tinha nenhuma tarefa, além de que o período de trabalho era menor.
Naquele dia me vesti de maneira formal e chique, utilizando das vestes constituídas
dos tecidos mais caros e das loções de odor mais agradável possível. Andei até a
localização indicada, na Lancaster Road, avistei uma mansão com um terreno
equivalente à um quarteirão de extensão, com uma névoa densa que abrigava a
moradia, era construído a partir de madeiras que apodreciam a cada segundo que se
fitava elas e com janelas empoeiradas que sequer era possível ver qualquer resíduo de
vida por ali. Como um homem tão vaidoso como Anthony morava em uma residência
daquelas? Ignorei essas dúvidas e bati na porta, passando por uma estrada de pisos
de tijolos e um jardim com gramado escuro que crescia por todo o local. Segundos
depois como se aguardasse tal som ser emitido pela região ela se abriu com um
movimento brusco vindo do lado interior, e lá estava Anthony. Seus cabelos
aumentaram alguns centímetros, e pude notar que grande parte dos fios tinham tons
platinados, algo misterioso de se ver para um rapaz de pouca idade, emagreceu mais
ainda, até me impressionei que isso foi possível de se acontecer, mas mesmo assim
seus olhos chamativos ainda tinham aquele tom de superioridade que me
surpreendiam. Permitindo minha entrada, vi um grande salão com mais portas que
conduziam à dezenas de outras salas. As paredes eram avermelhadas com
candelabros nos tetos que exalavam chamas que se assustavam vibrando suas ondas
de calor loucamente de acordo com a ventania que circulava por ali, causando calafrios
em todo o corpo apenas de se imaginar aquela frieza que exalava por toda a região.
Sentando-me em uma das poltronas de couro presentes, ignorei a grande quantidade
de poeira presente nos móveis enquanto ouvia Anthony. Este me trouxe uma taça e a
preencheu com um líquido que se assemelhava à vinho tinto, sabia que tinha esse
gosto pois mencionou sobre isso antes. Fazendo o mesmo com outra taça que havia
em mãos, degustou um gole daquela bebida tentadora e começou a discursar sobre
um contexto que eu mal tinha conhecimento, mas senti um medo ao ouvir aquela voz
estridente e raivosa:
"Diga-me, Howard. O que acha da morte? Desconhecida, talvez. Apavorante, talvez.
Um evento que te cause calafrios ou dúvidas. São respostas prováveis de serem ditas
por sua pessoa, e posso afirmar tal por te conhecer o bastante. Mas eu te digo, rapaz.
A morte não significa uma mísera mudança na vida das pessoas, até mesmo de quem
for morrer. Pensar na tristeza que vai lhe causar é apenas questões inúteis e sem
resposta, nunc haverá uma solução para suas mentes tolas compreenderem que não
há qualquer justificativa para ter medo disso. Até mesmo deuses são capazes de
morrer, sabia? E sei disso muito bem. Por mim, a principal causa da morte é a própria
humanidade. Tendo isso em mente fui capaz de desvendar as maiores atrocidades que
uma mente pode descobrir. Repudie a si mesmo para não repudiar aos outros, Howard.
Ou então faça o contrário caso queira estabelecer um estado de paz na sua mente
conturbada. Estão me perseguindo diariamente por não ter ideais tão semelhantes,
mas adivinha? Penso nessas ideologias sobre a morte tem centenas de anos.
Adquirindo uma forte resistência contra a partida do mundo exterior, assim permitirei
que outros vejam a verdadeira passagem da outra vida. Milhões de corpos já tiveram
sangue derramado sobre minhas mãos, Howard, e nem serão os últimos. Através da
morte poderá alcançar à uma fase de paz interior transcendente ao nível de afastar
qualquer insegurança que lhe deixe aflito. Colocar em palavras a doce felicidade que
isso vai trazer na sua existência seria impossível. Estou pisando nessas terras
amaldiçoadas apenas para permitir que mais pessoas possam admirar a beleza da
morte, que possam entender os segredos que escondem dos seres humanos, que
nunca de fato foi um evento ruim nas nossas vidas. Por favor, permita-me assassiná-lo,
e então verá o quão admirável é esse momento..."
E nesse estado onde balbuciava mais frases sem sentido, peguei minhas coisas e
tentei me retirar o mais rápido possível, mas fui impedido pela mão magra e pálida de
Anthony que agarrou-me pelo pescoço e jogou meu corpo contra a parede, criando
rachaduras por razão do impacto, era até assustador como aquele indivíduo portava
uma força sobrenatural com membros que pareciam ser tão frágeis. Vi ele retirar de
dentro de suas vestes escuras uma lâmina prateada que reluzia contra as chamas dos
dourados candelabros, uma adaga afiada o bastante para fatiar a carne de meu corpo
sem exigir tanto esforços. Pulando na minha direção, Anthony tentou me esfaquear e
acertou o golpe na minha perna direita, o que fez gerar uma imensa poça de sangue de
acordo com os segundos junto de meu rastro tentando escapar de suas garras
maléficas. Pude ver marcas nos seus punhos, os mesmos que tanto escondia.
Significavam que ele participara de um conflito dias antes, o que justifica aquele
comportamento estranho de olhar repetidas vezes por todos os lados e esconder suas
mãos. Ele realmente era um assassino insano. Sua faca penetrou mais uma vez em
meu corpo atravessando minha mão esquerda e rasgando parte dos meus dedos,
dilacerando completamente aquele membro. Com sua risada demoníaca, terminou o
serviço e o amputou com cortes lentos e dolorosos. Tentando parar o sangramento,
chutei seu corpo para trás, derrubando a poltrona onde estive sentado, agora
completamente ensanguentada, e corri para a saída. Tentando abrir a porta, foi uma
tentativa fracassada, aparentemente Anthony a trancou no mesmo instante em que
abriguei por ali. Avistei escadas para um segundo andar, e por isso corri, derramando o
líquido vermelho por toda a região. A entidade me seguia com a faca em mãos,
batendo sua lâmina e perfurando as paredes criando grandes crateras enquanto me
provocava com insultos. Vi algumas molduras fixadas ao redor, normalmente iria julgar
de que fossem de ancestrais de Anthony, mas após ouvir seu discurso de ódio deduzi
que fosse ele mesmo de muitos anos atrás. Peguei a moldura, e então tive uma visão
certa da corrente que segurava aquele imenso candelabro. Antes que eu tentasse fazer
algo, o homem avançou em minha direção e perfurou meu peito com sua grande adaga
atravessando completamente meu corpo fazendo eu sentir uma sensação dolorosa e
interminável. Em um último movimento, lancei a moldura na parede, e por sorte aquele
corrente enferrujada e velha se partiu, derrubando aquele molde dourado com chamas
ao redor no salão e o incendiando em questão de segundos.
Os pisos e as paredes eram consumidos em questão de segundos. Rindo com um tom
de desprezo, Anthony retirou a sua arma do meu peito criando um chafariz de sangue
onde permanecia a ferida e então atacou novamente na costela. Desesperado, chutei
seu corpo que foi lançado atrás e foi consumido em grandes chamas. Pude ouvir sua
risada diabólica ecoando por toda a residência, ameaças e maldições implantadas
sobre a minha pessoa que durariam anos e anos em minha vida e então um silêncio de
sua alma. Saindo do local, encontrei várias autoridades na entrada após avistarem o
tornado de fogo que rodeava a mansão, então contei sobre o ocorrido. Anthony
Edwards Martin era um assassino em série que matava brutalmente suas vítimas nos
períodos da noite, perto das ruas de Tavistock e Portobello. Os corpos eram deixados
exatamente onde foram mortos, e o assassino sempre fugia naquele instante para
evitar descobertas de seus rastros, o que explica como sempre me encontrava
enquanto caminhávamos. Em relação à sua possível longevidade sobrenatural, isso
não foi aprovado pelos policiais, consideraram apenas uma "ideologia" dada pelo
Anthony, e que ele tinha grandes problemas de insanidade na sua vida. Até hoje,
acordo com os ferimentos causados por aquele monstro. Pergunto-me se ele dizia a
verdade. A morte é realmente a etapa certa para os seres humanos? Questões que
nunca serão respondidas. E além dessas dúvidas, sou assombrado por Anthony, algo
que durará até os fins de minha vida.

Porta para o Inferno

Minhas escolhas foram penalizadas com o preço da punição. O destino que me


aguarda não soa satisfatório, mas quais escolhas tenho? Muitos tomaram por esse
rumo, e o que ocorreu depois é um mistério. E claro, vou contar o que me ocorreu.
Consiste em uma porta. Uma simples porta de madeira. Ela fica no fim do mundo.
Seguindo em frente de uma rua sem saída, andando e andando ao redor de uma
estrada deserta, no fim ela está ali, esperando ser aberta. Não há nada ao redor,
apenas uma placa de madeira grande com uma maçaneta de caveira prateada. Uma
grande escuridão fica atrás de meu corpo, parece querer me dominar e me julgar por
toda a eternidade, preso à um tormento de dor e sofrimento. Passos de outros
andarilhos me levaram até aqui. Sendo assim, parei de frente para a porta. A porta que
leva você para um local longe de tudo e todos. E é apenas isso que eu queria fazer.
Desaparecer desse mundo, apagar qualquer rastro de minha pessoa.
Quando parei de frente com a porta, senti uma brisa sobre meu rosto, um sinal de que
ali era o lugar que tanto procurei. Sendo assim, apertei minha mão sobre a maçaneta e
abri a porta. Ouvi um rangido desgraçado, como se centenas de almas gritassem no
meu ouvido desejando a liberdade da vida e a glória da morte, algo que não era como
punição, mas benção para tais vozes. Em frente, estava outra visão diferente daquele
deserto. Escuridão. Um caminho em linha reta. Mas o que estava no final era
impossível de saber. Eu teria de entrar para saber. Dei um passo a frente e vaguei por
aquele caminho secreto.
Meus passos ecoavam ao redor do espaço negro, e antes que eu pudesse fazer algo, a
porta fechou me prendendo em uma cela onde qualquer noção era inexistente. Andava
em frente esperando que alguma coisa acontecesse, porém nada me veio. Continuei e
continuei. Até que repentinamente, sem qualquer previsão e pista, fui transportado para
uma espécie de sala com estantes cheias de coisas. Encontrei nelas objetos que tinha
adquirido na infância, fotos com lembranças que tinha me esquecido, momentos da
vida importantes, bons e trágicos, senti uma série de sentimentos, felicidade,
melancolia, raiva, frustração, eram tão repentinos que travaram minha mente. As
paredes eram brancas, tão neutras que faziam me sentir diante de um julgamento, sem
qualquer exceção dos meus atos, algo que iria decidir a fase de minha alma para um
novo plano.
Logo em frente havia outra porta de madeira. Após ver toda a minha vida de anos e
anos em meros minutos, prossegui e abri a porta que escondia mais e mais segredos.
Quando vi, estava em um novo ambiente. Outro corredor, porém mais caótico e insano.
As paredes eram avermelhadas com tato gorduroso, escorria um líquido transparente
delas enquanto parecia pulsar em batidas. O chão parecia um bolo de carne gigante
bizarro, tive de andar rápido pois os meus pés afundavam naquilo. Vozes ecoavam na
minha cabeça, soando frases desconfortáveis de atos cruéis e nojentos, algo de
comportamento tão podre e miserável que não poderia imaginar que um ser humano já
teria feito tais barbaridades. Outras vezes gemiam de dor me julgando, amaldiçoando
minha pessoa com muitos nomes diferentes e desejavam milhares de desastres na
minha vida, diferentes tipos de mortes, uma mais trágica que a outra, e quando notei,
olhos embutidos em todo o local fitavam minha face, eram dezenas espalhados por
todos os cantos. Antes que eu soubesse o que iria acontecer, corri sem parar até a
saída, que era mais uma porta, porém carnuda e rosada.
E então, no último local, havia um espaço branco infinito. Um brilho emitia um horizonte
vazio e morto, sem qualquer rastros de seres vivos ao redor, e assim pude sentir uma
presença superior me observando. Uma pressão esmagadora caiu em meus ombros,
quase me derrubando em desespero, e então senti uma dor inexplicável, meus
pulmões queimavam e minha garganta estava tão seca que perdi a capacidade de fala.
As digitais de meus dedos foram desintegradas, deixando apenas uma pele limpa sem
qualquer rastro, o brilho ofuscante atordoou meus olhos, e quando notei, estava cego.
Junto disso, um ruído torturante foi emitido, algo tão alto que nem imagino como um
simples humano que nem eu teve o dom para conseguir ouvir, era algo além da nossa
capacidade, somente com algo além da realidade intervindo para acontecer. Escutei o
maldito som por minutos, até que meus ouvidos estouraram de agonia, deixando-me
surdo. Perdi a capacidade de fala, audição, visão, tato e paladar. Me tornei um homem
inútil sem chances de continuar vivendo. Fiquei anos e anos parado, provavelmente
naquele mesmo local ou não, enquanto uma chuva de pensamentos invadia minha
cabeça. Decisões erradas que tomei desnecessariamente. Pecados tolos que cometi
durante minha fase jovem. Eu tinha sido um humano terrível, e por isso paguei pelos
meus crimes.

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