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PREFÁCIO À EDIÇÃO

BRASILEIRA

Com certeza, A. W. Pink (como assinava em


suas cartas e artigos) nunca imaginaria que, no final
do século 20 e ao longo do século 21, dificilmente
seria necessário explicar quem é Pink quando nos
dirigindo às pessoas que consideram a Bíblia como
Palavra de Deus e se empenham em compreendê-la,
entre outras coisas, utilizando bons livros.
Vivendo quase em completo anonimato,[1]
salvo por aqueles poucos que assinavam sua revista
publicada mensalmente, o valor de Arthur Pink foi
descoberto pelo mundo apenas após sua morte,
quando seus artigos passaram a ser reunidos e
publicados na forma de livros. Ian Murray afirma
que, mediante a ampla circulação de seus escritos
após a sua morte, ele se tornou um dos autores
evangélicos mais influentes na segunda metade do
século 20.[2] Foi D. Martyn Lloyd-Jones quem
disse: “Não desperdice o seu tempo lendo Barth e
Brunner. Você não receberá nada deles que o ajude
na pregação. Leia Pink!”.
Já Richard Belcher, um pastor que tem
escrito alguns livros sobre a vida e obra do nosso
autor, disse o seguinte:
“Nós não o idolatramos. Mas o
reconhecemos como um homem de Deus
ímpar, que pode nos ensinar por meio da
sua caneta. Ele verdadeiramente ‘nasceu
para escrever’, e todas as circunstâncias de
sua vida, mesmo as negativas que ele não
entendeu,[3] levaram-no ao cumprimento
desse propósito ordenado por Deus”.
John Thornbury, autor de vários livros,
inclusive uma excelente biografia sobre David
Brainerd,[4] disse o seguinte:
“Sua influência abrange o mundo todo e
hoje um exército poderoso de pregadores
de várias denominações está usando seus
materiais e pregando a congregações,
grandes e pequenas, as verdades que ele
extraiu da Palavra de Deus. Eu o honro por
sua coragem, discernimento, perspicuidade,
equilíbrio, e acima de tudo por seu amor
apaixonado pelo Deus trino”.
No Brasil, Arthur Pink é relativamente bem
conhecido, graças à publicação de dois dos seus
livros mais conhecidos: The Sovereignty of God[5] e
The Attributes of God.[6] Mas o legado de Pink é
bem maior que isso! Seus escritos reunidos
compõem mais de quarenta livros, merecendo
destaque especial o seu comentário sobre Hebreus
(1307 págs.)[7] e sobre o Evangelho de João (1160
págs.)[8].
Os capítulos que compreendem Os Dez
Mandamentos foram primeiramente publicados em
Studies in the Scriptures[9] – uma revista mensal
editada por Pink e devotada à exposição da Palavra.
Esses artigos apareceram nas edições de janeiro a
dezembro de 1941. Na edição de janeiro, antes de
passar à exposição propriamente dita, Pink disse o
seguinte:
“Durante os últimos dezenove anos, temos
escrito vários artigos sobre a Lei Moral;
todavia, sentimo-nos constrangidos a
devotar as primeiras páginas das edições ao
longo de 1941 (se o Senhor permitir) a uma
consideração do Decálogo Divino. Algumas
das nossas razões para fazê-lo são as
seguintes: por causa da grande importância
que o próprio Deus atribui ao mesmo;
porque estamos plenamente persuadidos
que não pode haver nenhuma esperança
com fundamento sólido quanto a um
genuíno reavivamento da piedade entre os
crentes, e da moralidade entre os
incrédulos, até que os Dez Mandamentos
ganhem novamente o seu lugar apropriado
em nossas afeições, pensamentos e vidas;
porque alguns dos nossos amigos têm
requisitado que o façamos; e porque vários
dos nossos leitores têm sido ensinados
erroneamente sobre isso – alguns por
dispensacionalistas, outros por
antinomianos”.

Em A. W. Pink, encontramos a mesma


teologia de C. H. Spurgeon,[10] a quem muito
admirava, e uma eloquência e paixão pela verdade
semelhantes ao do grande Príncipe dos Pregadores.
Falando sobre John Bunyan, autor do famoso
clássico cristão O Peregrino, Spurgeon disse que, se
o furássemos, jorraria Bíblia, e não sangue, em
razão de que Bunyan estava saturado da Bíblia. O
mesmo era verdade do próprio Spurgeon, e de Pink,
facilmente percebido nos escritos destes.[11] As
últimas palavras de Pink antes de morrer, ao lado de
sua esposa, foram: “As Escrituras explicam a si
mesmas”.[12] Que declaração final apropriada para
um homem que dedicou sua vida ao entendimento e
explicação da Palavra de Deus!
Embora não seja exaustiva, a exposição de
Pink sobre a Lei Moral de Deus é bíblica, fazendo
com que recordemos muitas vezes a explicação que
o Senhor Jesus deu sobre a mesma no seu famoso
Sermão do Monte.[13] Que este livro possa levar
muitos dos servos de Deus a encararem a sua Lei
com seriedade, honrando a Deus por meio do ensino
e cumprimento desta, que sempre foi o alvo e o
objetivo do autor. Sim, que durante a leitura você
possa exclamar, juntamente com o salmista: “Oh!
Quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo
o dia” (Sl 119.97).

Felipe Sabino de Araújo Neto


29 de janeiro de 2009
CONSIDERAÇÕES
INTRODUTÓRIAS

Existem duas coisas que são indispensáveis à


vida do cristão: primeira, um claro conhecimento do
dever; e segundo, uma conscienciosa prática do
dever correspondente a esse conhecimento. Como
não podemos ter uma bem firmada esperança sem
obediência, assim também não podemos ter uma
regra segura de obediência sem conhecimento.
Embora possa haver conhecimento sem prática;
todavia, não é possível a prática da vontade de Deus
sem conhecimento. Portanto, para que pudéssemos
estar informados do que devemos fazer, e o que
devemos evitar, agradou ao Soberano e Juiz de toda
a terra prescrever para nós leis para o regulamento
das nossas ações. Quando tínhamos miseravelmente
desfigurado a Lei da natureza, originalmente escrita
em nosso coração, de modo tal que muitos de seus
mandamentos não eram mais legíveis, pareceu bem
ao Senhor transcrever essa Lei nas Escrituras – e
nos Dez Mandamentos temos um sumário da
mesma.
Primeiro consideremos a sua promulgação.
A maneira na qual o Decálogo foi formalmente
entregue a Israel inspirou muito medo, mas estava
repleta de valiosas instruções para nós. Primeiro, o
povo recebeu ordens de passar dois dias se
preparando, por meio de uma purificação cerimonial
de todas as impurezas externas, antes que estivessem
aptos a permanecer na presença de Deus (Êx 19.10,
11). Isso nos ensina que uma séria preparação do
coração e da mente tem de ser feita antes que
venhamos esperar na presença de Deus as suas
ordenanças e receber uma palavra da sua boca; e
que se Israel teve de se santificar para aparecer
diante de Deus no Sinai, quanto muito mais nós
devemos nos santificar, para que possamos estar
adequados para aparecer diante de Deus no céu. Em
seguida, o monte em que Deus apareceu teve de ser
cercado, com uma estrita proibição de que ninguém
deveria se aproximar da montanha sagrada (19.12,
13). Isso nos ensina que Deus é infinitamente
superior a nós, e a maior reverência lhe é devida, e
nos mostra o quanto a sua Lei é estrita.
Em seguida, temos a descrição da
assustadora manifestação na qual Yahweh apareceu
para entregar a sua Lei (Êx 19.18, 19), que foi
planejada para afetar o povo de Israel com temor
pela sua autoridade e mostrar que, se Deus era tão
terrível para dar a sua Lei, quanto mais ele não será
quando vier nos julgar pela violação dela? Quando
Deus entregou os Dez Mandamentos, o povo foi tão
grandemente afetado que eles rogaram a Moisés que
atuasse como mediador e intérprete entre Deus e
eles (20.18, 19). Isso nos ensina que, quando a Lei é
dada diretamente por Deus, isso é (em si mesmo) a
ministração de condenação e morte, mas como foi
entregue a nós pelo Mediador, Cristo, podemos
ouvir e observá-la (veja Gl 3.19; Gl 6.2; 1Co 9.21).
Assim, Moisés subiu ao monte e recebeu a Lei,
escrita pelo próprio dedo de Deus sobre tábuas de
pedra, significando que o nosso coração é,
naturalmente, tão duro que nada, a não ser o dedo
de Deus, pode fazer qualquer impressão de sua Lei
nele. Aquelas tábuas foram quebradas por Moisés
em seu santo zelo (Êx 32.19), e Deus as escreveu
uma segunda vez (34.1). Isso quer dizer que a Lei
da natureza foi escrita em nosso coração na criação,
quebrada quando caímos em Adão, e reescrita na
regeneração (Hb 10.16).
Mas alguém pode perguntar: “Não foi a Lei
totalmente revogada pela vinda de Cristo ao mundo?
Você nos traria debaixo daquele horrível jugo de
escravidão que jamais alguém foi capaz de suportar?
O Novo Testamento não declara expressamente que
não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça;
que Cristo nasceu sob a Lei para livrar seu povo dali
em diante? Não é uma tentativa de intimidar a
consciência do homem com a autoridade do
Decálogo uma imposição legalista, totalmente em
desacordo com a liberdade cristã que o Salvador
trouxe pela sua obediência até a morte?”.
Respondemos assim: longe de a Lei ter sido abolida
pela vinda de Cristo a esse mundo, ele próprio
declarou enfaticamente: “Não cuideis que vim
destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas
cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o
céu e a terra passem, nem um jota ou um til se
omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido” (Mt
5.17, 18). É verdade, o cristão não está debaixo da
Lei como uma Aliança de Obras, nem como uma
ministração de condenação, mas ele está debaixo
dela como uma regra de vida e um meio de
santificação.
Segundo, consideremos suas
singularidades. Isso aparece primeiro no fato de
que essa revelação de Deus no Sinai – a qual deveria
servir para todas as eras vindouras como a grande
expressão de sua santidade e a soma dos deveres do
homem – foi acompanhada com tal fenômeno
atemorizador que a própria maneira da sua
publicação mostrou claramente que Deus mesmo
atribuiu ao Decálogo importância peculiar. Os Dez
Mandamentos foram pronunciados por Deus em
voz audível, com o acompanhamento amedrontador
de nuvens e trevas, trovões e raios e o som de uma
trombeta, e foram as únicas partes da Divina
Revelação assim pronunciadas – nenhum dos
preceitos cerimoniais ou civis foi assim distinto.
Aquelas Dez Palavras, e somente elas, foram
escritas pelo dedo de Deus sobre tábuas de pedra, e
somente elas foram depositadas na arca santa para
salvaguarda. Assim, na honra única conferida ao
Decálogo, podemos perceber sua grande
importância no governo divino.
Terceiro, consideremos sua fonte, que é o
amor. Pouquíssima ênfase tem sido dada ao seu
divino prefácio: “Então falou Deus todas estas
palavras, dizendo: Eu sou o SENHOR teu Deus, que te
tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. Não
obstante a grandeza assombrosa e majestade solene
que acompanharam a promulgação da Lei, ela teve
seu fundamento no amor. A Lei procedia de Deus
como uma clara expressão de seu caráter, tanto
como o gracioso Redentor como também o justo
Senhor do seu povo. A conclusão óbvia e o
princípio importantíssimo que deve ser tirado dessa
compreensão é essa: a redenção necessita de
conformidade ao caráter e à ordem de Deus
naqueles que são redimidos. Não apenas a dádiva do
Decálogo por Deus foi um ato de amor, mas o amor
foi a base sobre a qual ele foi recebido pelo seu
povo, e somente assim poderia existir uma
conformidade, e essencial similitude, entre um Deus
redentor e um povo redimido. As palavras finais do
segundo mandamento, “faço misericórdia até mil
gerações daqueles que me amam e guardam os meus
mandamentos” (ARA), deixam claro como cristal
que a única obediência que Deus aceita é a que
provém de um coração afetuoso. O Salvador
declarou que as exigências da Lei se resumiam em
amar a Deus de todo o nosso coração e ao nosso
próximo como a nós mesmos.
Quarto, consideremos sua perpetuidade.
Que o Decálogo é uma obrigação para todo homem
em cada geração sucessiva é evidente a partir de
muitas considerações. Primeiro, como a expressão
necessária e imutável da retidão de Deus, sua
autoridade sobre todos os agentes morais torna-se
inevitável: o caráter do próprio Deus deve mudar
antes que a Lei (a regra do seu governo) possa ser
revogada. Essa é a Lei que foi dada ao homem na
sua criação, da qual a sua subsequente apostasia não
pôde livrá-lo. A Lei Moral está fundamentada em
relações que subsistem onde quer que haja criaturas
dotadas de razão e vontade. Segundo, o próprio
Cristo prestou à Lei uma obediência perfeita,
deixando-nos, desse modo, um exemplo, que
devemos seguir os seus passos. Terceiro, o apóstolo
dos gentios levantou especificamente a questão:
“Anulamos, pois, a lei pela fé?”, e respondeu: “De
maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei” (Rm
3.31). Finalmente, a perpetuidade da Lei aparece no
ato de Deus escrevê-la no coração do seu povo
quando do seu novo nascimento (Jr 31.33; Ez.
36.26, 27).
Quinto, diremos uma palavra sobre o
número dos mandamentos da Lei Moral, dez sendo
indicativo de sua completude. Isso é enfatizado na
Escritura por serem expressamente designados como
“as dez palavras” (Êx 34.28, ARA), que indica que
formavam por si um todo constituído do necessário,
e não mais que o necessário, complemento de suas
partes. Foi em razão desse significado simbólico do
número que as pragas sobre o Egito foram
precisamente dez, formando como tal um círculo
completo de julgamentos divinos. E foi pela mesma
razão que as transgressões dos hebreus no deserto
foram permitidas a prosseguir até que o mesmo
número tivesse sido alcançado: quando tinham
pecado já “dez vezes” (Nm 14.21) encheram a
medida das suas iniquidades. Daí também a
consagração dos dízimos ou décima parte: toda a
produção era representada por dez, e uma parte era
separada para o Senhor, como sinal de que tudo
provinha dele e era dele.
Sexto, consideremos sua divisão. Como
Deus nunca age sem uma boa razão, podemos ter
certeza de que ele tinha algum desígnio em escrever
a Lei sobre duas tábuas. Esse desígnio é evidente na
superfície, pois a própria substância desses
preceitos, que juntos compreendem a soma da
justiça, separa-os em dois grupos distintos, o
primeiro com respeito às nossas obrigações para
com Deus, e o segundo as nossas obrigações para
com os homens; o primeiro tratando do que
pertence ao culto de Deus; o último, dos deveres de
caridade em nossas relações sociais. Extremamente
sem valor é aquela justiça que se abstém de atos de
violência contra o nosso próximo, enquanto retemos
da Majestade dos céus a glória que lhe é devida.
Igualmente vão é fingir ser adorador de Deus se nos
recusarmos àqueles deveres de amor ao nosso
próximo. A abstenção da fornicação é mais do que
neutralizada se eu, com blasfêmia, tomo o nome do
Senhor em vão, enquanto o mais formal dos cultos é
rejeitado por ele se eu roubar ou mentir.
Nem os deveres do culto divino ocupam a
primeira tábua simplesmente porque eles são, como
Calvino designa, “a cabeça da religião”; mas, como
ele corretamente acrescenta, eles são “a sua própria
alma, constituindo toda a sua vida e vigor”, pois sem
o temor a Deus, os homens não preservam nenhuma
igualdade e amor entre si mesmos. Se o princípio da
piedade estiver ausente, seja qual for a justiça,
misericórdia e temperança que os homens possam
praticar entre si, é vão aos olhos do céu; enquanto
que, se Deus ocupa o seu lugar de direito em nosso
coração e vida, venerando-o como o Árbitro do
certo e do errado, isso nos constrangerá a tratar
equitativamente o nosso próximo. Opiniões têm
variado sobre como as Dez Palavras foram
divididas, se a quinta terminava a primeira tábua ou
começava a segunda. Pessoalmente, inclinamo-nos,
decididamente, à primeira: porque os pais se situam
para nós no lugar de Deus enquanto somos jovens;
porque na Escritura os pais nunca são vistos como
“próximo” – em uma igualdade; e porque cada um
dos cinco primeiros mandamentos contém a frase “o
SENHOR teu Deus”, que não é encontrada em
qualquer dos cinco restantes.
Sétimo, consideremos sua espiritualidade.
“A Lei é espiritual” (Rm 7.14) não somente porque
procede de um Legislador espiritual, mas porque
demanda mais do que a mera obediência de conduta
externa, a saber, a obediência interna do coração na
sua maior extensão. É somente quando percebemos
que o Decálogo atinge pensamentos e desejos do
coração que descobrimos o quanto existe em nós
mesmos em direta oposição a ele. Deus requer a
verdade “no íntimo” (Sl 51.6) e proíbe o menor
desvio de santidade até nas nossas imaginações. O
fato de a Lei tomar conhecimento das nossas mais
secretas disposições e intenções, demandar a santa
regulação de nossa mente, afeições e vontade, e
exigir que toda a nossa obediência proceda do amor,
demonstra de imediato sua origem divina. Nenhuma
outra lei jamais professou governar o espírito do
homem, mas aquele que sonda o coração exige nada
menos. Essa alta espiritualidade da Lei foi
evidenciada por Cristo quando ele insistiu que um
olhar de cobiça era adultério e que a ira maligna era
uma quebra do sexto mandamento.
Oitavo, consideremos seu ofício. A primeira
utilidade da Lei Moral é revelar a única retidão que é
aceitável a Deus, e, ao mesmo tempo, revelar a nós
a nossa falta de retidão. O pecado tem cegado nosso
julgamento, nos enchido de amor próprio, e
trabalhado em nós um falso sentido de nossa própria
suficiência. Mas se nos comparamos seriamente com
as altas e santas demandas da Lei de Deus, ficamos
cientes da nossa insolência sem fundamento,
convencidos de nossa imundície e culpa, e feitos
conscientes da nossa falta de força para fazer o que
é requerido de nós. Calvino, em suas Institutas da
Religião Cristã (Livro II, Cap. 7, seção 7), diz:
“Desta sorte, a lei é como que um espelho no qual
contemplamos nossa incapacidade, então resultante
desta a iniquidade, por fim a maldição proveniente
de ambas”. Seu segundo uso é reprimir os
transgressores, os quais, ainda que não se
preocupem com a glória de Deus nem em agradá-lo,
todavia se refreiam de muitos atos externos de
pecado pelo medo de sua terrível penalidade.
Embora isso não os recomende a Deus, é um
benefício para a comunidade na qual eles vivem.
Terceiro, a Lei é a regra de vida do crente, para
dirigi-lo e mantê-lo dependente da graça divina.
Nono, consideremos suas sanções. Não
somente o Senhor nos trouxe sob infinitas
obrigações por nos haver redimido da escravidão do
pecado, não somente tem ele dado ao seu povo tal
visão e sentimento de sua majestade inspiradora de
temor, como gerado neles uma reverência por sua
soberania; mas ele foi servido de providenciar
persuasões adicionais para nós nos aquiescermos à
sua autoridade, cumprirmos alegremente sua
ordenança, e termos aversão ao que ele proíbe, por
promessas e ameaças acrescentadas, dizendo:
“Porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso,
que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a
terceira e quarta geração daqueles que me odeiam e
faço misericórdia a milhares[14] dos que me amam
e aos que guardam os meus mandamentos”. Assim,
somos informados de que aqueles que cumprem os
seus comandos não laborarão em vão, bem como os
rebeldes não escaparão impunemente.
E décimo e finalmente, consideremos sua
interpretação. “Teu mandamento”, diz o salmista, “é
amplíssimo”[15] (119.96). Tão abrangente é a Lei
Moral que sua autoridade se estende a todas as
ações morais de nossas vidas. O restante das
Escrituras é apenas um comentário sobre os Dez
Mandamentos, quer nos estimulando à obediência
por meio de argumentos, persuadindo-nos por
promessas, refreando-nos da transgressão por
ameaças, ou nos compelindo a um e refreando do
outro por exemplos registrados nas porções
históricas. Corretamente compreendidos, os
preceitos do Novo Testamento são apenas
explicações, amplificações e aplicações dos Dez
Mandamentos. Deveria ser cuidadosamente
observado que nas coisas expressamente ordenadas
ou proibidas existe sempre implicado mais do que é
formalmente declarado. Mas sejamos mais
específicos. Primeiro, em cada mandamento, o
principal dever ou pecado é tomado como
representativo de todos os pecados ou deveres
menores, e o ato público é tomado como
representativo de todas as afeições relacionadas.
Seja qual for o pecado especificamente nomeado,
todos os pecados do mesmo gênero, com todas as
suas causas e provocações, são proibidos, pois
Cristo explicou o sexto mandamento como
condenando não apenas o assassinato real, mas
também a ira precipitada no coração. Segundo,
quando algum vício é proibido, a virtude oposta é
prescrita, e quando alguma virtude é ordenada, o
vício contrário é condenado. Por exemplo, no
terceiro mandamento Deus proíbe o tomar seu nome
em vão; portanto, por consequência necessária, a
santificação do seu nome é ordenada. E como o
oitavo proíbe roubar, então ele requer o dever
oposto – ganhar o nosso sustento e pagar pelo que
recebemos (Ef 4.28).
1. O PRIMEIRO MANDAMENTO
“Então falou Deus todas estas palavras: Eu
sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do
Egito, da casa da servidão” (Êx 20.1, 2). Esse
prefácio à Lei Moral deve ser considerado como
tendo igual referência a todos os Dez Mandamentos
(e não ao primeiro apenas), contendo como ele
contém os mais pesados argumentos para reforçar a
nossa obediência a eles. Como é o costume de reis e
governadores afixar seus nomes e títulos antes dos
editos por eles emitidos, para obter maior atenção e
veneração ao que publicam, assim também o grande
Deus, o Rei dos reis, estando para proclamar uma
Lei aos seus súditos, para que pudesse afetá-los com
uma reverência mais profunda pela sua autoridade e
fazê-los temer mais transgredir aqueles estatutos que
são decretados por tão poderosa Potestade e tão
gloriosa Majestade, proclama seu augusto Nome
sobre eles.
O que exatamente acaba de ser apontado
acima foi claramente estabelecido por aquelas
palavras de Moisés para Israel, que inspiram temor:
“Para temeres este nome glorioso e terrível, o
SENHOR, teu Deus” (Dt 28.58). “Eu sou o SENHOR
teu Deus”. A palavra para “Senhor” é “Yahweh”,
que é o Supremo, Eterno e autoexistente, a força do
qual é (como foi) soletrada para nós em aquele “que
era, e que é, e que há de vir” (Ap 4.8). A palavra
para “Deus” é “Eloim”, o plural de Eloá, pois
embora ele seja um em natureza, todavia é três em
suas Pessoas. E esse Yahweh, o Supremo Objeto de
culto, é “teu Deus”, porque no passado ele foi teu
Criador, no presente é o teu Soberano, e no futuro
será teu Juiz. Além do mais, Ele é o “Deus” dos
seus eleitos por relação pactual, e, portanto, seu
Redentor. Assim, a nossa obediência à sua Lei é
reforçada por essas considerações: sua autoridade
absoluta, gerando temor em nós – ele é “o SENHOR
teu Deus”; seus benefícios e misericórdias,
produzindo amor em nós – “que te tirou da casa
(antitípica) da servidão”.
“[Tu] não terás outros deuses diante de
mim” (Êx 20.3) é o primeiro mandamento. Vamos
considerar rapidamente o seu significado. Notamos
o seu número singular: “tu” e não “vós”, dirigido a
cada pessoa separadamente, porque cada um de nós
está em questão ali. “Não terás outros deuses” tem a
força de tu não possuirás, buscarás, desejarás,
amarás ou cultuarás nenhum outro. Não terás
“outros deuses”, eles são chamados assim não
porque sejam, quer por natureza ou ofício (Sl 82.6),
mas porque o coração corrupto dos homens os
inventa e estima como tal – como em “o deus deles
é o ventre” (Fl 3.19). “Diante de mim” ou “minha
face”, a força da qual é mais bem constatada pela
sua palavra a Abraão: “Anda em minha presença e
sê perfeito” ou “correto” (Gn 17.1) – conduza-se
tendo em mente que você está sempre em minha
presença, que meus olhos estão continuamente sobre
você. Isso é muito perscrutador. Somos muito aptos
a descansar contentes se pudermos apenas aprovar-
nos a nós mesmos diante dos homens e manter uma
bela demonstração de piedade externamente; mas
Yahweh perscruta o mais íntimo do nosso ser e não
podemos esconder dele qualquer concupiscência
secreta ou ídolo escondido.
Vamos, em seguida, considerar o dever
positivo imposto por esse primeiro mandamento.
Numa breve afirmação, é isso: você escolherá,
adorará e servirá a Yahweh como teu Deus, e a ele
somente. Sendo quem é – teu Criador e Rei, a Soma
de toda a excelência, o supremo Objeto de adoração
– ele não admite rival e ninguém pode competir com
ele. Veja então a absoluta racionalidade desta
demanda e a loucura de infringi-la. Esse
mandamento requer de nós uma disposição e
conduta adequadas à relação que temos com o
Senhor como nosso Deus, que é o único objeto
adequado do nosso amor e o único capaz de
satisfazer a alma. Requer que tenhamos um amor
por ele mais forte do que todas as outras afeições,
que o tomemos como a nossa mais alta porção, que
o sirvamos e obedeçamos a ele supremamente.
Requer que todos aqueles serviços e atos de
adoração que rendemos ao verdadeiro Deus sejam
feitos com a mais alta sinceridade e devoção
(implicados no “diante de mim”), excluindo a
negligência de um lado e a hipocrisia do outro.
Ao apontar os deveres requeridos por esse
mandamento não podemos fazer melhor do que
citar o Catecismo Maior de Westminster. “Os
deveres exigidos no primeiro mandamento são – o
conhecer e reconhecer Deus como único verdadeiro
Deus e nosso Deus (1Cr 28.9; Dt 26.17, etc.), e
adorá-lo e glorificá-lo como tal (Sl 95.6, 7; Mt 4.10,
etc.); pensar (Ml 3.16) e meditar (Sl 63.6) nele,
lembrar-nos dele (Ec 12.1), altamente apreciá-lo (Sl
71.19), honrá-lo (Ml 1.6), adorá-lo (Is 45.23),
escolhê-lo (Js 24.15), amá-lo (Dt 6.5), desejá-lo (Sl
73.25) e temê-lo (Êx 14.31); crer nele, confiando (Is
26.4), esperando (Sl 103.7), deleitando-nos (Sl
37.4) e regozijando-nos nele (Sl 32.11); ter zelo por
ele (Rm 12.11); invocá-lo, dando-lhe todo louvor e
agradecimentos (Fl 4.6), prestando-lhe toda a
obediência e submissão do homem todo (Jr 7.23);
ter cuidado de o agradar em tudo (1Jo 3.22), e
tristeza quando ele é ofendido em qualquer coisa (Jr
31.18; Sl 119.136); e andar humildemente com ele
(Mq 6.8)”.
Aqueles deveres podem ser resumidos nesses
principais. Primeiro, a busca diligente e por toda a
vida de um maior conhecimento de Deus como ele é
revelado na sua Palavra e obras, porque nós não
podemos adorar um Deus desconhecido. Segundo,
o amor de Deus com todas as nossas faculdades e
forças, que consiste de uma pintura sincera dele, e
profunda alegria nele, e um santo zelo por ele.
Terceiro, o temor de Deus, que consiste no respeito
para com sua majestade, suprema reverência por sua
autoridade, e um desejo por sua glória: como o
amor de Deus é o motivo inicial da obediência,
assim o temor de Deus é o grande dissuasor da
desobediência. Quarto, a adoração de Deus de
acordo com as indicações dele, para a qual as
principais ajudas são essas: estudo e meditação da
Palavra, oração, e por em prática o que nos é
ensinado.
“Não terás outros deuses diante de mim.”
Isto é, não darás a qualquer um ou a qualquer coisa
no céu ou na terra que habite a confiança do
coração, veneração em amor, e dependência que é
devida apenas ao verdadeiro Deus; não transferirás
para outro o que pertence somente a ele. Nem
devemos tentar dividi-los entre Deus e algum outro,
porque nenhum homem pode servir a dois senhores.
Os grandes pecados proibidos por esse mandamento
são esses: primeiro, uma ignorância desejada de
Deus e de sua vontade por desprezar aqueles meios
pelos quais podemos nos relacionar com ele;
segundo, ateísmo ou negação de Deus; terceiro,
idolatria ou o estabelecimento de deuses falsos e
fictícios; quarto, desobediência e vontade própria ou
desafio aberto a Deus; e quinto, todas afeições
desordenadas e não moderadas ou o estabelecer de
nossos corações e mentes sobre outros objetos.
São idólatras e transgressores desse
mandamento os que fazem um “deus” como
imaginado pelas suas próprias mentes. Tais são os
unitarianos, que negam que existam três Pessoas na
Trindade. Assim são os católicos romanos, que
suplicam à mãe do Salvador e afirmam que o papa
tem poder para perdoar pecados. Assim são a vasta
maioria dos arminianos, que creem em uma
Divindade derrotada e desapontada. Tais são os
sensuais epicureus (Fl 3.19), porque existem ídolos
internos bem como externos. “Esses homens têm
posto seus ídolos em seus corações” (Ez 14.3). O
apóstolo Paulo fala da “cobiça que é idolatria” (Cl
3.5) e, por raciocínio imparcial, são todos os desejos
imoderados. O objeto ao qual rendemos esses
desejos e serviços que são devidos somente ao
Senhor é o nosso “Deus”, seja o que for: o ego, o
ouro, a fama, o prazer ou os amigos. O que é o
nosso Deus? A que a nossa vida é devotada?
2. O SEGUNDO MANDAMENTO

“Não farás para ti imagem de escultura, nem


alguma semelhança do que há em cima nos céus,
nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da
terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás;
porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso,
que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a
terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. E
faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos
que guardam os meus mandamentos” (Êx 20.4-6).
Embora esse segundo mandamento esteja
intimamente relacionado ao primeiro, há, todavia,
uma clara distinção entre eles, que pode ser expressa
de várias formas. Assim como o primeiro
mandamento se refere à escolha do verdadeiro Deus
como o nosso Deus, o segundo trata da nossa
verdadeira profissão de sua adoração; assim como o
primeiro fixa o objeto, esse fixa o modo da adoração
religiosa. Como no primeiro mandamento Yahweh
havia se proclamado como sendo o verdadeiro
Deus, assim aqui ele revela a sua natureza e como
deve ser honrado.
“Não farás para ti imagem de escultura…
Não te encurvarás a elas nem as servirás.” Este
mandamento bate contra um desejo ou, deveríamos
dizer, uma doença, que está profundamente
enraizada no coração humano, a saber, trazer
alguma ajuda para o culto de Deus além daquilo que
ele indicou – ajuda material, coisas que podem ser
percebidas pelos sentidos. E não é difícil encontrar a
razão para isso: Deus é incorpóreo, invisível, e pode
ser percebido somente por um princípio espiritual;
e, visto que esse princípio está morto no homem
caído, ele naturalmente busca o que esteja de acordo
com a sua carnalidade. Mas como é diferente com
aqueles que foram vivificados pelo Espírito Santo!
Ninguém que verdadeiramente conheça a Deus
como uma realidade viva precisa de qualquer
imagem para ajudar nas suas devoções; ninguém
que goze de comunicação diária com Cristo exije
quaisquer quadros dele para ajudá-lo a orar e adorar,
pois o concebe pela fé e não por fantasia.
“Não farás para ti imagem de escultura, nem
alguma semelhança”. Condenar toda estatuária e
pinturas é um manifesto reforço desse preceito: não
é a esperteza de fazer, mas a estupidez em adorá-las
que é condenada – como está claro nas palavras
“não te encurvarás a elas”, e a partir do fato de que
o próprio Deus logo após ordenou a Israel: “Farás
também dois querubins de ouro; de ouro batido os
farás” para o propiciatório (Êx 25.18) e depois a
serpente de bronze. Visto que Deus é um ser
espiritual, invisível e onipotente, representá-lo como
sendo de uma forma material e limitada é uma
falsidade e um insulto à sua majestade. Sob essa
mais extrema corrupção de modo – culto de imagem
– todos os modos errôneos de homenagem divina
são aqui proibidos. O culto legítimo a Deus não
pode ser profanado por nenhum ritual de
superstição.
Esse segundo mandamento nada mais é que
a forma negativa de dizer: “Deus é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito
e em verdade” (Jo 4.24). Se for perguntado: quais
são os deveres aqui requeridos? A resposta é: “O
segundo mandamento exige receber, observar e
manter puros e completos todo culto religioso e
ordenanças como Deus instituiu em sua Palavra (Dt
32.46, 47; Mt 28.20; At 2.42; 1Tm 6.13, 14);
particularmente, a oração e a ação de graças em
nome de Cristo (Fp 4.6; Ef 5.20); a leitura, pregação
e escuta da Palavra (Dt 17.18, 19; At 15.21; 2Tm
4.2, etc.); a administração e recebimento dos
sacramentos (Mt 28.19; 1Co 11.21-30); o governo e
a disciplina da igreja (Mt 18.15, 17; 16.19; 1Co 5);
o ministério e manutenção disso (Ef 4.11, 12, etc.);
o jejum religioso (1Co 8.5); o jurar em nome de
Deus (Dt 6.13) e fazer promessa a ele (Is 19.21; Sl
76.11); bem como a desaprovação, detestação e
oposição a todo culto falso (At 16.16, 17, etc.); e de
acordo com o lugar de chamado da pessoa, removê-
la, e todos os monumentos de idolatria (Dt 7.5; Is
30.22)” – Confissão de Fé de Westminster. A isso
simplesmente acrescentaríamos: é requerida de nós
uma diligente preparação antes de entrarmos em
qualquer exercício santo (Ec 5.1) e uma correta
disposição mental no ato em si. Por exemplo, não
devemos ouvir ou ler a Palavra apenas para
satisfazer a curiosidade, mas para aprendermos
como melhor agradar a Deus.
Ao proibir as imagens, Deus, por paridade
de raciocínio, proíbe todos os outros modos e meios
de culto não indicados por ele. Todas as formas de
culto, mesmo ao próprio verdadeiro Deus, que
sejam contrárias ou diversas do que o Senhor
prescreveu na sua Palavra – que é chamado pelo
apóstolo de “culto de si mesmo” (Cl 2.23, ARA) –,
juntamente com toda a corrupção do verdadeiro
culto a Deus e todas as inclinações do coração na
direção de superstições no serviço de Deus são
repreendidas por esse mandamento. Nenhum
espaço, seja qual for, é aqui permitido à faculdade
inventiva do homem. Cristo condenou a lavagem
religiosa das mãos, porque era um acréscimo
humano aos regulamentos divinos. De maneira
semelhante, esse mandamento denuncia a paixão
moderna pelo ritualismo (a eliminação da
simplicidade no culto divino), como também as
virtudes mágicas atribuídas ou mesmo as influências
especiais da Santa Ceia, ainda mais o uso do
crucifixo. Então ele também condena uma
negligência do culto de Deus, o deixar sem fazer o
serviço que Deus tem ordenado.
As Escrituras estabelecem para nós limites
para o culto, aos quais não podemos adicionar nada
nem diminuir. Na aplicação desse princípio,
precisamos distinguir exatamente entre os
substanciais e os incidentais do culto. Qualquer coisa
que os homens procurem impor sobre nós como
parte do culto divino, se não for expressamente
requerido de nós nas Escrituras – tais como dobrar
os joelhos ao nome de Jesus, fazer o sinal da cruz
etc. – deve ser abominada. Mas se certas
circunstâncias e modificações do culto são
praticadas por aqueles com quem nos encontramos,
ainda que não estejam expressamente mencionadas
nas Escrituras, devemos nos submeter a elas
somente se tenderem à decência e ordem, e não
distraírem da solenidade e devoção do culto
espiritual. Essa foi uma regra sábia ensinada por
Ambrósio: “Se não for ofender nem ser ofendido,
conforme-se aos costumes legais das igrejas aonde
chegar”. É uma grave quebra desse mandamento se
negligenciamos qualquer das ordenanças do culto
que Deus indicou. Tal é também se nos engajamos
no mesmo hipocritamente, com frieza de afeição,
divagação da mente, falta de zelo santo ou com
descrença, honrando a Deus com os nossos lábios
enquanto os nossos corações estão longe dele.
Este mandamento é reforçado por três
razões. A primeira é tirada da Pessoa que pronuncia
julgamento sobre aquelas que o quebram. Ele é
descrito por seu relacionamento, “teu Deus”; pela
força de seu poder, porque a palavra hebraica para
“Deus” aqui é “o Forte”, capaz de vingar sua honra
e punir todos os insultos; e por uma similitude
tomada do estado de união matrimonial, onde a
infidelidade resulta em punição sumária – ele é um
“Deus zeloso”. É o Senhor falando da maneira que
os homens falam, intimando que não poupará
aqueles que zombam dele. “Com deuses estranhos o
provocaram a zelos; com abominações o irritaram…
A zelos me provocaram com aquilo que não é Deus”
(Dt 32.16-21ss).
Em segundo lugar, há a ameaça de um
doloroso julgamento: “que visito a iniquidade dos
pais nos filhos, até a terceira e quarta geração
daqueles que me odeiam”. “Que visito” é uma
expressão figurativa, que significa que, após um
espaço de tempo, no qual Deus parece não ter
tomado conhecimento ou se esquecido, ele então
mostra pela sua providência que ele tem observado
os maus caminhos e feitos dos homens. “Deixaria eu
de castigar por estas coisas, diz o SENHOR, ou não se
vingaria a minha alma de uma nação como esta?” (Jr
5.9, e cf. 32.18; Mt 23.34-36). Isso foi designado
para deter o homem da idolatria por um apelo a suas
afeições naturais. “A maldição do Senhor repousa
com justiça não somente sobre a pessoa de um
homem ímpio, mas também em toda a sua família”
(J. Calvino). É uma coisa terrível passar para os
filhos uma falsa concepção de Deus, seja por
preceitos ou por exemplos. A penalidade infligida
corresponde ao crime: não é apenas por que Deus
castiga o filho pelas ofensas cometidas pelos pais,
mas por que ele os coloca na mesma transgressão e
então trata com eles nesses termos, porque o
exemplo dos pais não é autorização suficiente para
que os filhos pequem.
Em terceiro lugar, há um bendito
encorajamento à obediência, na forma de uma
promessa graciosa: “E faço misericórdia a milhares
dos que me amam e aos que guardam os meus
mandamentos”. Para o mesmo efeito, ele nos
assegura: “O justo anda na sua sinceridade; bem-
aventurados serão os seus filhos depois dele” (Pv
20.7). O amor a Deus é evidenciado pela guarda dos
seus mandamentos. Os papistas afirmam que o uso
que eles fazem de imagens é com o objetivo de
promover o amor, mantendo uma imagem visível
como uma ajuda; mas Deus diz que é porque eles o
odeiam. Essa promessa de mostrar misericórdia a
milhares de descendentes daqueles que
verdadeiramente amam a Deus não expressa um
princípio universal, como é claro nos casos de
Isaque tendo um Esaú ímpio, e Davi, um Absalão.
“O Legislador nunca teve a intenção de estabelecer
nesse caso regra tão invariável, que o derrogaria de
sua própria livre escolha… Quando o Senhor exibe
um exemplo dessa bênção, ele fornece uma prova
do seu constante e perpétuo favor aos seus
adoradores” (J. Calvino). Observe que aqui, como
em outros lugares das Escrituras (p.ex.: Jd 14), Deus
fala de “milhares” (e não “milhões”, como fazem,
com frequência, os homens) daqueles que o amam e
que manifestam a genuinidade do seu amor
guardando os seus mandamentos. O seu rebanho é
“pequeno” (Lc 12.32). Que motivo para dar graças
a Deus têm aqueles que são nascidos de pais
piedosos, cujos pais não entesouraram ira para eles,
mas orações!
3. O TERCEIRO MANDAMENTO
“Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus
em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o
que tomar o seu nome em vão” (Êx 20.7). Como o
segundo mandamento diz respeito à maneira que
Deus deve ser adorado (a saber, de acordo com a
sua vontade revelada); assim, esse nos ordena a
cultuá-lo com aquela disposição de espírito que seja
compatível com a dignidade e solenidade de tal
exercício e com a majestade daquele com quem
temos a ver: isto é, com a mais alta sinceridade,
humildade e reverência. “Para temeres este nome
glorioso e temível, o SENHOR teu Deus” (Dt 28.58).
Ó, que altos pensamentos deveríamos abrigar de tal
ser! Em que santo temor devíamos nos manter
diante dele! “O fim desse preceito é que o Senhor
terá a majestade do seu nome sustentada por nós
como sendo inviolavelmente sagrada. O que quer
que pensemos e o que quer que venhamos a dizer
dele deveriam ter o gosto de sua excelência,
corresponder ao sagrado sublime do seu nome, e
tender à exaltação de sua magnificência” (J.
Calvino). Qualquer coisa pertinente a Deus deveria
ser falada com a maior sobriedade.
Esforcemo-nos, em primeiro lugar, em
apontar o escopo e a abrangência desse
mandamento. Por o nome do SENHOR nosso Deus
quer-se dizer Deus mesmo, como ele é dado a
conhecer a nós, incluindo todas as coisas por meio
das quais ele foi servido para se revelar: sua Palavra,
seus títulos, seus atributos, suas ordenanças e suas
obras. O nome de Deus representa sua própria
natureza e ser, como nos salmos 20.1 e 135.3, João
1.12 etc. Às vezes, o nome de Deus é usado sem
propor a nós uma finalidade apropriada. E existem
apenas duas finalidades que podem autorizar o
nosso uso de qualquer um dos seus nomes, títulos
ou atributos: para a sua glória e para a nossa própria
edificação e de outros. Qualquer coisa além disso é
frívolo e perverso, não fornecendo base suficiente
para fazermos menção de tão grande e santo nome,
que é cheio de glória e majestade. A menos que o
nosso discurso seja designado para o avanço da
glória divina ou a promoção do benefício daqueles a
quem falamos, não temos justificativa para ter o
nome inefável de Deus em nossos lábios. Ele se
considera altamente insultado quando mencionamos
o seu nome para propósitos vãos.
O nome de Deus é tomado em vão por nós
quando o usamos sem a devida consideração e
reverência. Sempre que fazemos menção daquele
diante de quem os serafins velam os seus rostos,
deveríamos ponderar séria e solenemente sobre sua
infinita majestade e glória, e inclinarmos os nossos
corações na mais profunda prostração diante desse
nome. Como podem aqueles que pensam e falam do
grande Deus promíscua e aleatoriamente, usar seu
nome com reverência quando todo o resto do
discurso deles é cheio de tolices e vaidade? Esse
nome não deve ser ostentado ou jogado de lá para
cá em línguas soltas. Ó, meu caro leitor, adquira o
hábito de considerar solenemente de quem é o nome
que você está para pronunciar. É o nome daquele
que está presente com você, que está ouvindo você
pronunciá-lo. Ele é zeloso por sua honra, e vingar-
se-á terrivelmente daqueles que o têm
menosprezado.
O nome de Deus é usado em vão quando é
empregado hipocritamente, quando professamos ser
o seu povo e não somos. O Israel de outrora foi
culpado desse pecado: “Ouvi isto, casa de Jacó, que
vos chamais do nome de Israel, e saístes das águas
de Judá, que jurais pelo nome do SENHOR, e fazeis
menção do Deus de Israel, mas não em verdade nem
em justiça” (Is 48.1). Eles usavam o nome de Deus,
mas não obedeciam à revelação nele contida, e
assim violavam esse terceiro mandamento (cp. Mt
7.22, 23). Quando usando o nome de Deus,
devemos fazê-lo de um modo que seja verdadeiro ao
seu significado e às suas implicações. Portanto, ele
nos diz: “E por que me chamais Senhor, Senhor, e
não fazeis o que eu digo?” (Lc 6.46). De maneira
semelhante, somos culpados desse horrível pecado
quando desempenhamos deveres sagrados frívola e
mecanicamente, não estando neles as nossas
afeições. Oração sem prática é blasfêmia, e falar
com Deus com os nossos lábios enquanto os nossos
corações estão longe dele não é outra coisa senão
zombarmos dele e aumentar a nossa condenação.
O nome de Deus é tomado em vão quando
juramos com leviandade e irreverência, usando o
nome de Deus com tão pouco respeito como
demonstraríamos pelo nome de um homem, ou
quando juramos falsamente e somos culpados de
perjúrio. Quando nos colocamos em juramento e
atestamos que é verdade aquilo que não sabemos ser
verdade, ou que sabemos ser falso, somos culpados
de um dos mais graves pecados que o homem pode
cometer, pois chamou solenemente o grande Deus
para testemunhar aquilo que o pai da mentira o
impulsionou a dizer. “E aquele que jurar na terra,
jurará pelo Deus da verdade” (Is 65.16) e, portanto,
cabe a ele considerar bem se o que ele testifica é
verdade ou não. Ah! É lamentável que os
juramentos tenham se tornado tão excessivamente
multiplicados entre nós – estando impregnados, por
assim dizer, no corpo político – e geralmente tão
desdenhado, que a enormidade dessa ofensa é
escassamente considerada. “E nenhum de vós pense
mal no seu coração contra o seu próximo, nem
ameis o juramento falso; porque todas estas são
coisas que eu odeio, diz o SENHOR” (Zc 8.17).
E o que se dirá daquela vasta multidão de
juramentos profanos que poluem a nossa linguagem
e ferem os nossos ouvidos, por uma vil mistura de
execrações e blasfêmias em sua conversação
comum! “A sua garganta é um sepulcro aberto…
peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; cuja
boca está cheia de maldição e amargura” (Rm
3.13,14). Extremamente vã é a irrefletida alegação
deles de que não pretendem fazer mal, vã suas
desculpas de que todos os companheiros fazem o
mesmo, vão o argumento que é meramente para
aliviar seus sentimentos! Que loucura é quando
homens enfurecem você, atacar Deus e provocá-lo
bem mais que outros possam provocar você! Mas
ainda que os companheiros deles não os censurem, a
polícia não os prenda, nem o magistrado os castigue,
todavia, “o SENHOR não terá por inocente o que
tomar o seu nome em vão”. “Visto que amou a
maldição, ela lhe sobrevenha… assim como se
vestiu de maldição, como sua roupa, assim ela
penetre nas suas entranhas, como água, e em seus
ossos como azeite” (Sl 109.17, 18). Deus é
terrivelmente inflamado por esse pecado, e, no
exercício comum desse crime insultante aos céus, a
nossa terra tem incorrido em culpa terrível.
Tornou-se quase impossível andar pelas ruas
ou andar em companhia misturada sem ouvir o
sagrado nome de Deus tratado com desprezo
blasfemo. As novelas de hoje, o teatro, e até o rádio
(e mais ultimamente a televisão, o cinema e a
imprensa) são terríveis ofensores, e, sem dúvida,
esse é um dos temíveis pecados contra ele, pelo qual
Deus está agora derramando seus julgamentos sobre
nós. Há muito tempo ele disse a Israel: “Porque… a
terra chora por causa da maldição; os pastos do
deserto se secam; porque a sua carreira é má, e a sua
força não é reta” (Jr 23.10). E ele ainda é o mesmo:
“o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu
nome em vão”. Severo castigo será a sua porção, se
não nessa vida, com toda a certeza na eternidade, na
vida que está por vir.
4. O Quarto Mandamento
“Lembra-te do dia do sábado (Shabbath),
[16] para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás
toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado
(Shabbath) do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma
obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o
teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o
teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas” (Êx
20.8-10). Esse mandamento denota que Deus é o
SENHOR soberano do nosso tempo, o qual deve ser
usado e aproveitado por nós exatamente como ele
aqui especificou. Deve ser notado, cuidadosamente,
que ele consiste de duas partes, que estão
interligadas. “Seis dias trabalharás” (e não ‘poderás
trabalhar’) é tão divinamente exigido de nós quanto
“lembra-te do dia do Shabbath para o santificar”. É
um preceito que requer de nós diligência para
cumprir aquela vocação e estado de vida na qual a
divina providência nos colocou, para desempenhar
seus ofícios com cuidado e consciência. A vontade
revelada de Deus é que o homem trabalhe e não
passe o seu tempo a toa; que ele trabalhe não cinco
dias na semana, mas seis.
Aquele que nunca trabalha está incapacitado
para a adoração. O trabalho serve para abrir
caminho para a adoração, assim como a adoração
nos prepara para o trabalho. O fato que qualquer
homem possa escapar à observância desta primeira
metade do mandamento é uma triste reflexão sobre
a nossa ordem social moderna, e mostra quão longe
nos distanciamos do plano e ideal divino. Quanto
mais diligentes e fiéis formos ao desempenhar os
deveres dos seis dias, mais valorizaremos o descanso
do sétimo. Assim será visto que a indicação do
Shabbath não foi qualquer restrição arbitrária sobre
a liberdade do homem, mas uma provisão
misericordiosa para o seu bem: que ele foi planejado
como um dia de alegria e não de melancolia. É a
dispensa graciosa do Criador nos livrando da nossa
vida de labuta mundana por um dia em sete,
concedendo-nos um antegozo daquela vida futura e
melhor diante da qual a presente não é mais que
uma provação, quando podemos nos voltar
inteiramente daquilo que é material para aquilo que
é espiritual e, portanto, sermos equipados para pegar
com nova consagração e renovadas energias o
trabalho dos dias seguintes.
Deveria ser assim bastante evidente que essa
lei para regulamentação do tempo do homem não
era uma lei temporária, criada para alguma
dispensação, mas é contínua e perpétua no propósito
de Deus: o Shabbath foi feito “para o homem” (Mc
2.27) e não simplesmente para o judeu; ele foi feito
para o bem do homem. O que foi mostrado acima
sobre as duas partes desse estatuto divino recebe
clara e irrefutável confirmação na razão dada para o
seu reforço: “porque em seis dias fez o SENHOR os
céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao
sétimo dia descansou” (v. 11). Observe bem o duplo
desdobramento disso: o augusto Criador dignou-se
em apresentar um exemplo diante de suas criaturas
em cada aspecto: ele trabalhou por “seis dias”, e ele
“ao sétimo dia descansou”! Dever-se-ia também ser
apontado que a indicação do trabalho para o homem
não é a consequência do pecado: antes da Queda –
Deus o colocou “no jardim do Éden para o cultivar
e o guardar” (Gn 2.15, ARA).
A permanente natureza ou perpetuidade
desse duplo mandamento é também evidenciada
pelo fato que nas razões acima mencionadas para
seu reforço nada havia que fosse particularmente
pertinente à nação de Israel; pelo contrário, fala com
voz de trombeta a toda a raça humana. Além disso,
a esse estatuto não foi dado um lugar na lei
cerimonial de Israel, que era para ser deixada
quando Cristo tivesse dado cumprimento aos seus
tipos, mas na Lei Moral, que foi escrita pelos dedos
do próprio Deus sobre tábuas de pedra, para nos dar
o significado de sua natureza permanente.
Finalmente, deve-se mostrar que os próprios termos
desse mandamento deixam inequivocadamente claro
que ele não foi designado somente para os judeus,
pois era igualmente obrigatório para qualquer gentio
que habitasse entre eles. Mesmo não estando eles
em aliança com Deus, nem debaixo da lei
cerimonial, deles era exigido que guardassem o
santo Shabbath – “não farás nenhuma obra… nem o
teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas” (v.
10)!
“O sétimo dia é o Shabbath do SENHOR teu
Deus”. Note bem que não é dito (aqui, ou em
qualquer outro lugar das Escrituras) “o sétimo dia
da semana”, mas simplesmente “o sétimo dia”, ou
seja, o dia seguinte aos seis de trabalho. Para os
judeus era o sétimo dia da semana, a saber, o
sábado, mas para nós ele é – como o “outro dia”
que Hebreus 4.8 claramente declara – o primeiro dia
da semana, porque o Shabbath não apenas
comemora a obra da criação, mas agora também
celebra a ainda maior obra da redenção. Assim, o
SENHOR dispôs as palavras nesse quarto mandamento
de modo a se ajustarem a ambas as dispensações, e
desse modo afirmar a sua perpetuidade. O Shabbath
cristão vai da meia noite de sábado à meia noite de
domingo: está claro a partir de João 20.1 que ele
começa antes do nascer do sol e, portanto, podemos
concluir que começa na meia noite de sábado;
enquanto de João 20.19 aprendemos (a partir do
fato de que ele não é ali chamado “a noite do
segundo dia”) que continua durante a noite, e que a
nossa adoração também deve continuar.
Mas embora o Shabbath cristão não comece
até a meia noite de sábado, a nossa preparação
para ele deve começar mais cedo, ou de que outra
maneira nós poderemos obedecer à sua exigência
expressa: “não farás nenhuma obra”? No Shabbath
deve haver um completo descanso durante todo o
dia, não apenas de recreações naturais e de fazer o
nosso próprio prazer (Is 58.13), mas de toda
atividade mundana. A esposa necessita de um dia de
descanso tanto quanto o marido, sim, sendo a “parte
mais fraca”, ainda mais. Coisas tais como mingau e
sopa podem ser preparadas no sábado e aquecidas
no Shabbath, de modo que possamos estar
inteiramente livres para nos deleitarmos no SENHOR e
nos entregar completamente à sua adoração e
serviço. Vejamos que não trabalhemos nem
fiquemos acordados até tarde na noite de sábado,
para não transgredirmos o dia do SENHOR ficando até
tarde na cama ou nos fazendo de sonolentos para os
santos deveres.
Esse mandamento deixa claro que Deus deve
ser adorado no lar, o que, sem dúvida, inculca a
prática do culto doméstico. Ele é dirigido mais
especificamente que qualquer dos outros nove
mandamentos aos chefes de famílias e
empregadores, porque Deus requer que eles vejam
que todos que estão sob seu encargo observem o
Shabbath. Para eles, Deus diz mais diretamente:
“lembra-te do Shabbath para o santificar”. Ele é
para ser estritamente posto de lado para a honra do
Deus três vezes santo, gasto no exercício de santa
contemplação, meditação e adoração. Porque é o dia
que ele fez (Sl 118.24), não podemos fazer nada
para desfazê-lo. Esse mandamento proíbe a omissão
de qualquer dever exigido, um desempenho
descuidado do mesmo, ou enfado neles. Quanto
mais fielmente guardarmos esse mandamento, mais
preparados estaremos para obedecer aos outros
nove.
Três classes de trabalho, e somente três,
podem se encaixar no “Shabbath Santo”. Trabalhos
de necessidade, que são aqueles que não poderiam
ter sido feitos no dia anterior e que não podem ser
relegados para o dia seguinte – tais como cuidar do
gado. Trabalhos de misericórdia, que são aqueles
que a compaixão requer que desempenhemos para
com outras criaturas – tais como ministrar aos
doentes. Trabalhos de piedade, que são o culto a
Deus em público e em privado. Precisamos vigiar e
lutar contra as primeiríssimas sugestões de Satã para
corromper os nossos corações, desviar as nossas
mentes ou nos perturbar nos deveres sagrados,
pedindo, sinceramente, em oração por ajuda para
meditar sobre a Palavra de Deus para reter o que ele
nos dá. O SENHOR faz a sagrada observância do seu
dia de bênção especial; e, contrariamente, ele visita a
profanação do Shabbath com especial maldição
(veja Ne 13.17,18), como a nossa terra culpada está
provando agora do seu amargo custo.

“Um Shabbath bem gasto traz uma semana contente


E fortalece para os labores do amanhã; Mas um
Shabbath profanado, o que quer que possa ser
ganho É um certo precursor de desgraça”.
5. O QUINTO MANDAMENTO

Esse mandamento para honrar o pai e a mãe


é muito mais abrangente em seu escopo do que
parece à primeira vista. Ele não deve ser restrito ao
nosso pai e mãe literal, mas deve ser aplicado aos
nossos superiores. “O fim do preceito é que, uma
vez que o Senhor Deus deseja a preservação da
ordem que ele indicou, os graus de proeminência
estabelecidos por ele deveriam ser inviolavelmente
preservados. A soma disso, portanto, será que
deveríamos reverenciar aqueles a quem Deus
exaltou com qualquer autoridade acima de nós, e
deveríamos a eles render honra, obediência e
gratidão… Mas, como esse preceito é
excessivamente repugnante à depravação da
natureza humana, cujo desejo ardente de exaltação
dificilmente admitirá submissão, ele foi, portanto,
proposto como um exemplo daquele tipo de
superioridade que é naturalmente mais amigável e
menos odioso, porque isso poderia mais facilmente
abrandar e inclinar as nossas mentes para o hábito
da submissão” (J. Calvino).
Para que nenhum dos nossos leitores – nessa
era socialista e comunista, quando a insubordinação
e a ilegalidade é o mau espírito dos nossos dias – se
oponha a essa interpretação abrangente do
mandamento, vamos ponderar as seguintes
considerações. Primeiro, “honra” pertence primária
e principalmente a Deus. Secundariamente, e por
derivação, pertence também àqueles a quem ele
dignificou e fez nobres em seu reino, levantando-os
sobre os outros, concedendo-lhes títulos e domínio
sobre os demais. Deveríamos reverenciar a esses
tanto quanto reverenciamos nossos pais e mães. Nas
Escrituras, a palavra “honra” tem uma aplicação
extensa, como se pode ver em 1 Timóteo 5.17; 1
Pedro 2.17 etc. Em segundo lugar, observe que o
título “pai” é dado a reis (1Sm 24.11; Is 49.23),
mestres (2Rs 5.13), e ministros do evangelho (2Rs
2.12; Gl 4.19).
“Portanto não se deve duvidar que Deus
deixou aqui uma regra universal para a nossa
conduta, a saber, que a cada um a quem sabemos ter
sido colocado em autoridade acima de nós por sua
indicação, devemos render reverência, obediência,
gratidão e todos os outros serviços em nosso poder.
Nem faz qualquer diferença se eles são merecedores
dessa honra ou não. Porque qualquer que seja o
caráter deles, ainda não é sem a indicação da
providência divina que eles alcançaram aquela
posição por conta de o Supremo Legislador ter
ordenado que fossem honrados. Ele ordena
particularmente reverência aos nossos pais, que nos
trouxeram à essa vida” (J. Calvino). Dificilmente é
necessário ser dito que o dever reforçado aqui é de
natureza recíproca – aquele de inferiores implicando
uma obrigação correspondente sobre os superiores
–; mas o espaço limitado nos obriga a considerar
aqui somente os deveres daqueles que estão sujeitos
aos seus superiores.
Primeiro, consideremos os deveres dos filhos
em relação aos seus pais. Eles devem amá-los e
reverenciá-los, sendo temerosos de ofendê-los
devido ao respeito que têm por eles. Uma veneração
filial genuína deve atuar nos filhos, de modo que se
abstenham de qualquer coisa que possa entristecer
ou ofender os seus pais. Os filhos devem ser
submissos a eles: veja o bendito exemplo que Cristo
deixou (Lc 2.51). “Vós, filhos, obedecei em tudo a
vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor” (Cl
3.20). Após Davi ser ungido para o trono, ele ainda
cumpriu as ordens de seu pai cuidando do rebanho
(1Sm 16.19). Eles devem dar ouvidos às instruções
deles e imitar-lhes as práticas piedosas (Pv 6.20).
Sua linguagem deve ser sempre respeitosa e seus
gestos demonstrarem submissão. Embora José fosse
altamente exaltado no Egito, ele “inclinou-se à terra
diante” de seu pai (Gn 48.12). E note como o rei
Salomão honrou sua mãe (1Rs 2.19). E tanto
quanto sejam capazes e seus pais tenham
necessidade, eles devem sustentá-los na velhice
(1Tm 5.16).
Em segundo lugar, observemos nossos
deveres para com governadores e magistrados, a
quem Deus estabeleceu acima de nós. Esses são
representantes e vice-regentes de Deus, sendo
investidos de autoridade vinda dele: “por mim
reinam os reis” (Pv 8.15). Deus ordenou a
autoridade civil para o bem geral da humanidade,
pois se não fosse por isso, os homens seriam bestas
selvagens saqueando-se uns aos outros. Se o temor
dos magistrados não restringisse aqueles que
lançaram fora o temor de Deus, se eles não
estivessem amedrontados dos castigos temporais,
estaríamos tão salvos entre leões e tigres como
estaríamos entre os homens. Os governantes devem
ser honrados em nossos pensamentos, tendo deles
uma ideia de representantes oficiais de Deus sobre a
terra (Ec 10.20; Rm 13.1 e At 23.5); eles devem ser
honrados em nossos discursos, apoiando seu ofício e
autoridade, porque do perverso está escrito: “não
receiam blasfemar das autoridades” (2Pe 2.10,
ARC). Devemos obedecer a eles: “Sujeitai-vos a
toda instituição humana por causa do Senhor, quer
seja ao rei, como soberano, quer às autoridades,
como enviadas por ele, tanto para castigo dos
malfeitores como para louvor dos que praticam o
bem” (1Pe 2.13, 14, ARA). Nós devemos render “a
quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a
quem temor, temor; a quem honra, honra” (Rm
13.7). E devemos orar por eles (1Tm 2.1, 2).
Em terceiro lugar, consideremos os deveres
dos servos para com seus senhores. Eles devem
obedecer a eles. “Vós, servos, obedecei em tudo a
vossos senhores segundo a carne, não servindo só na
aparência, como para agradar aos homens, mas em
simplicidade de coração, temendo a Deus” (Cl
3.22). Eles devem ser diligentes no dever, buscando
promover o interesse dos seus senhores, “mostrando
toda a boa lealdade” (Tt 2.10; Ef 6.5-7). Eles devem
sofrer pacientemente suas repreensões e correções,
“não sendo respondões” (Tt 2.9, ARA). Tão
estritamente Deus impõe sobre os servos uma
submissão quieta aos seus senhores que, mesmo
quando um servo não deu motivo para uma
repreensão, ainda assim deveria sofrer
silenciosamente a infundada ira do seu senhor. “Vós,
servos, sujeitai-vos com todo o temor aos seus
senhores, não somente aos bons e humanos, mas
também aos maus. Porque é coisa agradável, que
alguém, por causa da consciência para com Deus,
sofra agravos, padecendo injustamente. Porque, que
glória será essa, se, pecando, sois esbofeteados e
sofreis? Mas se, fazendo o bem, sois afligidos e o
sofreis, isso é agradável a Deus” (1Pe 2.18-20). Ó, a
que distância temos nos desviado dos padrões
divinos!
Finalmente, devemos mencionar os pastores
e seus rebanhos, ministros e o seu povo, porque
entre eles também existe tal relação de superiores e
inferiores, ficando sob a direção desse quinto
mandamento. “Obedecei a vossos pastores, e
sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas,
como aqueles que hão de dar conta delas; para que
o façam com alegria e não gemendo, porque isso
não vos seria útil” (Hb 13.17). Cristo revestiu seus
servos de tanta autoridade que ele declara: “Quem
vos ouve a vós, a mim me ouve; e quem vos rejeita
a vós, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita,
rejeita aquele que me enviou” (Lc 10.16). Portanto,
novamente: “Os presbíteros que governam bem
sejam estimados por dignos de duplicada honra,
principalmente os que trabalham na palavra e na
doutrina” (1Tm 5.17). Essa “duplicada honra” é
aquela de respeito e sustento. “E o que é instruído
na palavra reparta de todos os seus bens com aquele
que o instrui” (Gl 6.6; 1Co 9.11). Como é solene
essa advertência: “Eles, porém, zombaram dos
mensageiros de Deus, e desprezaram as suas
palavras, e mofaram dos seus profetas; até que o
furor do SENHOR tanto subiu contra o seu povo, que
mais nenhum remédio houve” (2Cr 36.16).
A esse preceito é acrescentada essa promessa
como um motivo e encorajamento à obediência:
“Para que se prolonguem os teus dias na terra que o
SENHOR teu Deus te dá”. Primeiro, como uma
promessa do Antigo Testamento, essa deve ser
considerada como tipificando a vida eterna
prometida pelo evangelho, visto que Canaã era uma
figura do céu. E, em segundo lugar, ela é repetida no
Novo Testamento (Ef 6.2, 3 e 1Pe 3.10), visto que,
frequentemente, o modo de Deus é prolongar uma
vida obediente e santa. E, em terceiro lugar, todas as
promessas de bênçãos terrestres, contudo, implicam
necessariamente essa condição: elas serão
literalmente cumpridas em nós se for para promover
a nossa eterna felicidade – de outro modo, seriam
ameaças e não promessas. Em sua misericórdia,
Deus, com frequência, abrevia essa promessa e
chama os seus amados ao lar, para estar consigo.
6. O SEXTO MANDAMENTO
“Não matarás” (Êx 20.13). Nos primeiros
cinco mandamentos, temos visto como Deus
salvaguarda a sua glória; nos cinco seguintes,
contemplaremos como ele providencia a segurança e
o bem-estar dos homens: (1) para a proteção da
pessoa do homem; (2) para santidade e o bem de
sua família (“não adulterarás”); (3) para a segurança
de sua propriedade e riquezas (“não furtarás”); (4)
para a sua reputação ou bom nome (“não dirás falso
testemunho contra o teu próximo”). Finalmente,
como uma cerca forte envolvendo toda a Lei, Deus
não apenas proíbe crimes externados, mas impulsos
íntimos maléficos em nossos pensamentos e
sentimentos (“não cobiçarás”). É a primeira dessas
regulamentações que se relaciona especialmente com
o nosso próximo que vamos agora considerar: “não
matarás”.
Esse sexto mandamento proíbe o bárbaro e
desumano pecado do assassinato, que é o
primogênito do Diabo, que foi “homicida desde o
princípio” (Jo 8.44). É o primeiro crime sobre o
qual lemos após a queda de Adão e Eva, por meio
do qual a corrupção transmitida aos seus
descendentes foi pavorosamente demonstrada por
Caim. Seu rancor e inimizade incitaram-lhe para
matar Abel, porque “as suas obras eram más e as de
seu irmão, justas” (1Jo 3.12). Mas esse
mandamento não é restrito à proibição do crime real
de assassinato. Ele proíbe também todos os graus e
causas de assassinato, tais como ira e ódio irracional,
difamação e vingança, e qualquer outra coisa que
possa prejudicar a segurança do nosso próximo ou
nos tentar para que o vejamos perecer quando
estiver em nosso poder ajudá-lo e socorrê-lo.
Comecemos apontando que nem toda morte
de um homem é assassinato. Não é assim na
execução da justiça, quando o magistrado sentencia
o assassino, porque ele está revestido de autoridade
legal para condenar criminosos à pena de morte, e,
se falhar em fazer isso, Deus o acusará de pecado.
“Quem derramar o sangue do homem, pelo homem
o seu sangue será derramado” (Gn 9.6). Essas
palavras declaram o princípio geral e imutável. “O
teu olho não perdoará; vida por vida, olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Dt
19.21). Essa é a ordem de Deus ao magistrado.
Tampouco é o derramamento de sangue numa
guerra justa passível de acusação de assassinato. É
legal pegar em armas contra um invasor ou para
recuperar o que foi injustamente levado. Dessa
forma, Davi perseguiu os amalequitas que tinham
levado as suas esposas cativas. É legal também punir
alguma grande injúria ou erro. Davi fez guerra
contra os amonitas por terem ultrajado os seus
embaixadores (2Sm 10).
Como existem alguns que condenam essa
afirmativa e denunciam toda guerra como ilegal
nessa dispensação cristã, nós salientemos que,
quando os soldados vieram ao predecessor de Cristo
atrás de instrução dizendo “que faremos?” (Lc
3.14), ele não disse “não lutem mais, abandonem as
suas vocações”, mas lhes deu direções sobre como
deveriam se conduzir. Quando o centurião veio ao
Salvador e extraiu argumentos da sua profissão de
militar, nosso Senhor não condenou a sua profissão,
nem o reprovou por ocupar tal cargo. Pelo contrário,
ele elogiou muito a sua fé (Lc 7.8, 9). Quando
interrogado por Pilatos, Cristo declarou: “O meu
reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste
mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não
fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino
não é daqui” (Jo 18.36). Essas palavras implicam
claramente que, embora os meios carnais fossem
impróprios para o avanço do reino espiritual de
Cristo, todavia, seu estado de humilhação não o
havia impedido de assumir o cetro real, e seus
seguidores poderiam legalmente ter lutado para
defender o seu título.
Existe uma outra exceção, a saber, a morte
acidental, à qual não cabe acusação de assassinato,
isto é, quando a vida é tirada sem qualquer intenção
de fazê-lo. Nós encontramos tal caso mencionado
nas Escrituras, como quando cortando madeira o
machado escorregasse e, não intencionalmente,
matasse alguém que estivesse perto (Dt 19.5). Para
esses matadores inocentes, o Senhor indicou cidades
de refúgio, onde poderiam encontrar asilo seguro do
vingador de sangue. Mas é bom chamar a atenção
para o fato de que devemos estar empenhados em
coisas legais. De outro modo, se estamos
empenhados em coisas ilegais, e isso levar à morte
de alguém, não poderemos deixar de levar a culpa
de assassinato (cf. Êx 21.22-24).
Consideremos em seguida os casos de
assassinato. Suicídio é autoassassinato, e é um dos
crimes mais desesperados que podem ser cometidos.
Porquanto esse crime impede o arrependimento da
parte de quem o perpetra, ele está além do perdão.
Tais criaturas são tão abandonadas por Deus que
não podem se preocupar com a sua salvação eterna,
visto que passam para a presença imediata do seu
Juiz com suas mãos cheias do seu próprio sangue.
Assim são os suicidas, porque eles destroem não
apenas o seu corpo, mas as suas almas também. O
assassinato de outra pessoa é o crime mais
hediondo. Ele atormenta a consciência do seu
perpetrador com remorsos horríveis, de modo que
ele próprio frequentemente se entrega à justiça.
Aqueles que são assessores são também culpados
de assassinato, tal como os mandantes (2Sm 11.15;
12.9), ou que consentem nisso (como Pilatos), ou
ocultam (cf. Dt 21.6, 7, por clara implicação).
Esse mandamento não apenas proíbe a
perpetração de assassinato; mas, do mesmo modo,
todas as causas e ocasiões que levem a ele. As
principais delas são a inveja e a ira. A inveja já foi
bem descrita como “a ferrugem de uma alma
cancerosa, o vício nojento que transforma a
felicidade alheia em miséria nossa”. Caim primeiro
invejosamente se lamentou do sucesso do sacrifício
do seu irmão, e isso rapidamente o induziu a matar.
Assim, também, a ira injustificada e desordenada, se
for abrigada no coração, se transformará no veneno
de um ódio implacável. Uma ira como essa não é
somente a causa, mas é verdadeiramente um tipo de
assassinato, como é claro a partir do ensinamento de
Cristo em Mateus 5.21, 22.
Deveria ser salientado que a ira não é, como
a inveja, simplesmente, e em si mesma, ilegal. Existe
uma ira virtuosa que, longe de ser pecado, é uma
graça nobre e digna de louvor (cf. Mc 3.5). Ser
movido com indignação pela causa de Deus quando
sua glória é degradada, seu nome desonrado, seu
santuário poluído e seu povo caluniado, é uma ira
santa. Existe também uma ira inocente e permitida
quando somos injustamente provocados por ofensas
contra nós, mas aqui temos que estar muito em
guarda para “não pecar” (Ef 4.26). Uma ira viciosa
e pecaminosa, que escurece o entendimento e faz
alguém agir como em frenesi, é uma que não tem
causa e nem limites. Jonas 4.1 dá uma ilustração de
uma ira infundada. A ira é imoderada quando é
violenta e excessiva ou quando continua a ferver.
“Não se ponha o sol sobre a vossa ira” (Ef 4.26); se
isso acontecer, a escória da malícia estará no seu
coração na manhã seguinte!
Para encerrar, vamos dar algumas regras
para restringir e reprimir a ira. (1) Trabalhe e ore
por um espírito manso e humilde. Pense com
humidade sobre você mesmo e você não ficará irado
se outros o menosprezarem. Toda contenda procede
do orgulho (Pv 3.10). Quanto menos orgulho você
tiver, mais fácil será suportar o desprezo dos outros.
(2) Pense sempre na infinita paciência e indulgência
de Deus. Quantas afrontas ele leva de nós. Quão
seguidamente damos a ele ocasião de estar irado
conosco; todavia, ele “não nos trata segundo os
nossos pecados”. Que esse grande exemplo seja
nosso. (3) Cuidado com o preconceito contra
alguém, pois isso, certamente, fará que você
interprete incorretamente as suas ações. Lute contra
os primeiros despontar da inveja e da ira; quando
insultado, debite à ignorância ou à não
intencionalidade. (4) Afaste-se das pessoas cheias de
ira (Pv 22.24, 25); o fogo se espalha rapidamente.
7. O SÉTIMO MANDAMENTO

“Não adulterarás” (Êx 20.14). As virtudes da


pureza são as bases das relações domésticas. Como
a família é o fundamento da sociedade humana, a
classe de deveres aqui envolvidos é secundária
somente àquela que preserva a existência do
homem. Sendo assim, imediatamente seguindo o
mandamento que declara a sacralidade da vida
humana, há esse preceito que é uma cerca em volta
do mais alto relacionamento entre as criaturas,
salvaguardando assim a santa função da procriação
da vida. Nada é mais essencial para a ordem social
que o relacionamento sobre o qual todos os outros
estão subsequentemente baseados, seja zelosamente
protegido contra todas as formas de ataque. O
mandamento é uma simples, não qualificada e
irrevogável, negativa: “Não cometerás” (ARA).
Nenhum argumento é usado, nenhuma razão é dada,
porque nenhum é requerido. Esse pecado é tão
destrutivo e danoso que a mera menção do seu
nome é em si causa suficiente para essa dura
proibição.
Esse mandamento notifica claramente que
Deus exige o corpo tanto quanto a alma para o seu
serviço. “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de
Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional” (Rm 12.1). “Não reine, portanto, o pecado
em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em
suas concupiscências… se pelo Espírito
mortificardes as obras do corpo, vivereis” (Rm 6.12;
8.13). “Mas o corpo não é para a prostituição, senão
para o Senhor, e o Senhor para o corpo… Não
sabeis vós que os vossos corpos são membros de
Cristo? Tomarei, pois, os membros de Cristo, e fá-
los-ei membros de uma meretriz? Não, por certo…
glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso
espírito” (1Co 6.13, 15, 20). Para um cristão, esse
pecado infame é um sacrilégio. “Ou não sabeis que
o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que
habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois
de vós mesmos?” (1Co 6.19). Se Cristo ficou
indignado quando viu a casa de seu Pai
transformada em covil de ladrões, quão mais
abominável aos seus olhos deve ser aquela
perversidade que deprecia o templo do Espírito
Santo numa pocilga imunda!
“Não adulterarás”. Essa proibição foi
preparada para guardar a santidade do lar; pois,
estritamente falando, “adultério” é um crime que
somente uma pessoa casada pode cometer –
“fornicação” é o nome quando praticada por alguém
solteiro. Como aquele com quem temos a ver é
inefavelmente puro e santo, portanto ele requer que
nos apartemos de toda a impureza. Esse
mandamento diz respeito mais especialmente ao
governo das afeições e paixões, a guarda das nossas
mentes e corpos numa disposição tão casta que nada
impuro ou indecente possa nos contaminar. Isso
requer a disciplina apropriada daquelas inclinações
que Deus implantou para o progresso da espécie
humana. Portanto, devemos evitar tudo que possa
ser ocasião para esse pecado, usando todos os meios
e métodos próprios para prevenir todas as tentações
a ele.
O modo como Deus considera o pecado da
impureza já ficou claro mediante muitas passagens
da sua Palavra. Esse pecado, mesmo da parte de um
homem solteiro, é chamado de grande maldade
contra Deus (Gn 39.9). Então, quanto mais
inescusável e intolerável é ele por parte de uma
pessoa casada! A punição temporal atribuída a ele
debaixo da lei civil de Israel era não menos que a
morte, a mesma que era atribuída ao assassinato. Jó
o chama de “uma infâmia… fogo que consome até à
perdição” (31.11, 12). Muito dessa perversidade é
praticada em segredo; mas, embora os seus
perpetradores possam escapar ao julgamento dos
homens, eles não escaparão ao julgamento dos céus,
porque está escrito: “aos que se dão à prostituição, e
aos adúlteros, Deus os julgará” (Hb 13.4). “Não
erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os
adúlteros… herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9,
10).
“O pecado do adultério dificilmente não é
tão enorme quanto o de assassinato. O último
destrói a existência temporal do homem, e o
primeiro destrói tudo que faz a existência ser um
benefício. Se todos adotassem a licenciosidade dos
adúlteros, os homens em pouco tempo seriam
reduzidos à degradação das bestas selvagens” (R. L.
Dabney). Para prevenir esse pecado, Deus instituiu a
ordenança do casamento. “Mas, por causa da
prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e
cada uma tenha o seu próprio marido” (1Co 7.2).
[17] O pecado do adultério é, portanto, a violação
da aliança e voto do casamento, e assim acrescenta
perjúrio à infidelidade. A imoralidade é um pecado
contra o corpo (1Co 6.18). O desprazer de Deus
contra esse pecado é visto no fato que ele ordenou
as coisas de modo que a própria natureza visita o
mesmo com pesadas penalidades em todas as partes
do complexo ser do homem. “Não erreis: Deus não
se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem
semear, isso também ceifará. Porque o que semeia
na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o
que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida
eterna” (Gl 6.7, 8).
Embora o casamento seja um remédio
divinamente indicado para a impureza sexual, isso
não concede ao homem a licença para fazer de si
mesmo uma besta. “Que as pessoas casadas não
venham a supor que todas as coisas são legalmente
permitidas a elas. Cada homem deveria observar a
sobriedade para com a sua esposa, e cada esposa,
reciprocamente, para com o seu marido; ambos
conduzindo-se de modo a nada fazer que fique
impróprio ao decoro e à temperança do casamento.
Porque assim deveria o casamento contraído no
Senhor ser regulado pela moderação e modéstia, e
não partir para a lascívia mais vil. Tal sensualidade
tem sido estigmatizada por Ambrósio com uma
severa – porém, não desmerecida – censura, quando
ele chama aqueles que em suas relações conjugais
não têm contemplação com a modéstia de os
adúlteros de suas próprias esposas” (J. Calvino).
Que nenhum homem se gabe com a ideia de
que não pode ser acusado de falta de castidade, pois
tem se abstido do ato propriamente dito, enquanto o
seu coração é uma cloaca de imaginações e desejos
aviltantes. Porque a Lei de Deus é “espiritual” (Rm
7.14), ela não somente proíbe os grosseiros atos
externos de depravação, mas também proíbe e
condena a falta de castidade do coração – todas as
imaginações e pensamentos ilegais. Como existe o
assassinato de coração, assim também existe o
adultério de coração, e aqueles que cometem
impureza especulativa e prostituem seus
pensamentos e imaginações à impura aceitação da
cobiça são culpados de transgredir este
mandamento: “Qualquer que atentar numa mulher
para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério
com ela” (Mt 5.28). Portanto, descobrimos que o
apóstolo não se contentou em dizer que é melhor
para o homem casar-se do que se contaminar com
uma prostituta, mas “é melhor casar do que abrasar-
se” (1Co 7.9) – abrigar paixão consumidora.
Ainda que o pecado de adultério seja
mencionado sozinho nesse preceito, as regras pelas
quais esses mandamentos devem ser interpretados
(cf. capítulos anteriores) nos obrigam a entender que
todas as outras espécies de impurezas são proibidas
sob essa desse grande pecado. Qualquer coisa que
contamine o corpo é proibida aqui; o adultério é
expressamente mencionado porque todas as outras
contaminações morais se encaminham para ele. Pela
maldade daquilo que todos os homens sabem ser
errado, somos exortados a abominar qualquer
paixão ilegal. Como todas as maneiras de castidade
em nossos pensamentos, discursos e ações são
ordenados pela perfeita regra de Deus, assim
qualquer coisa que seja no mínimo contrária e
prejudicial a uma castidade e modéstia sem mancha
é proibida aqui. Qualquer outra união sexual, a não
ser aquela do casamento, é maldita aos olhos de
Deus.
Esse mandamento proíbe todos os graus ou
aproximações ao pecado que proíbe, como olhar
para cobiçar. Sua força é: “Tu de modo algum
injuriará a castidade do seu próximo ou o tentarás à
impureza”. Isso requer que nos abstenhamos de
vestimenta sem modéstia, palavreado indelicado,
intemperança na comida e na bebida que excitam as
paixões, e tudo que tenha qualquer tendência a
induzir contra a castidade em nós mesmos ou nos
outros. Que os jovens especialmente fixem em suas
mentes que toda a conduta impura antes do
casamento da parte do homem ou da mulher é um
erro cometido contra o casamento futuro. Mesmo
que esse mandamento seja expresso na forma de
uma proibição negativa, ele ainda impõe
positivamente todos os deveres opostos, tais como a
pureza do corpo, o preenchimento da mente com
assuntos sagrados, a colocação de nossas afeições
nas coisas do alto e o uso do nosso tempo em
ocupações proveitosas.
Apresento algumas regras e sugestões para
se evitar esse pecado: (1) Cultivar um senso habitual
da presença divina, percebendo que “os olhos do
SENHOR estão em todo lugar, contemplando os maus
e os bons” (Pv 15.3). (2) Manter uma estrita
vigilância sobre os sentidos; pois, com muita
frequência, esses são as avenidas que ao invés de
permitir a entrada de correntes agradáveis para
refrescar, em geral deixam entrar barro e lama para
poluir a alma. Faça um pacto com os seus olhos (Jó
31.1). Feche os seus ouvidos contra qualquer
conversa obscena. Não leia nada que contamine.
Vigie os seus pensamentos, e trabalhe prontamente
para expelir os que forem perversos. (3) Pratique a
sobriedade e a temperança (1Co 9.27). Aqueles que
indulgem em glutonaria e bebedice geralmente
descobrem que seus excessos levam à cobiça. (4)
Exercite-se numa ocupação honesta e legal; está
provado que a ociosidade é tão fatal a muitos como
a intemperança a outros. Evite a companhia do
perverso. (5) Dedique-se muito à oração fervorosa,
implorando a Deus que limpe o seu coração (Sl
119.37)
“Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a
amizade do mundo é inimizade contra Deus?” (Tg
4.4). Isso se refere ao pecado do adultério
espiritual: é o amor ao mundo fazendo o coração
estranho a Deus, as cobiças carnais atraindo a alma
e levando-a para longe dele. Há mais do que
suficiente no próprio Deus para satisfazer, mas ainda
existe aquilo no crente que deseja encontrar sua
felicidade na criatura. Existem graus desse pecado,
como é natural. Como pode haver adultério físico
em pensamento e desejo que não termina em ato
consumado, assim o cristão pode secretamente
ansiar pelo mundo ainda que não se torne um
completo mundano. Devemos conferir essas
inclinações quando os nossos corações são
excessivamente arrastados na direção de confortos e
satisfações materiais. Deus é um Deus ciumento, e
nada o provoca mais que preferirmos coisas básicas
antes que a ele próprio, ou dar a outros aquela
afeição ou estima que pertence a ele somente. Não
abandone o seu “primeiro amor” (Ap 2.4), não
esqueça aquele com quem você está desposado
(2Co 11.2).
8. O OITAVO MANDAMENTO
“Não furtarás” (Êx 20.15). A raiz da qual o
roubo procede é o descontentamento com a porção
com que Deus tem concedido, e disto uma cobiça
do que ele vem retendo de nós e concedido a outros.
Com sua usual acuidade, Calvino acertou em cheio
quando escreveu: “Essa lei é ordenada para os
nossos corações tanto quanto para as nossas mãos,
de modo que o homem possa estudar tanto para
proteger a propriedade como promover o interesse
de outros”. Como o anterior, esse preceito também
diz respeito ao governo das nossas afeições, ao
colocar limites devidos aos nossos desejos pelas
coisas mundanas, para que não possam exceder o
que a boa providência de Deus determinou para nós.
Por conseguinte, a conformidade daquela oração:
“Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não
me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me
do pão da minha porção de costume; para que,
porventura, estando farto não te negue, e venha a
dizer: Quem é o SENHOR? Ou que, empobrecendo,
não venha a furtar, e tome o nome de Deus em vão”
(Pv 30.8, 9).
“Não furtarás”. O dever positivo aqui nos
impõe isso: tu preservarás por todos os meios
apropriados, e até além, tanto os seus bens como os
do seu próximo. Esse mandamento requer diligência
e esforço apropriados para assegurar uma
competência em nós mesmos e nas nossas famílias,
para que possamos não expor por meio das nossas
faltas nós mesmos e eles àqueles apuros que são a
consequência da preguiça e da negligência. Dessa
forma, devemos procurar “as coisas honestas,
perante todos os homens” (Rm 12.17). Mas, ainda
mais, esse mandamento é a lei do amor com respeito
aos bens do nosso próximo. Ele requer honestidade
e retidão nos nossos negócios com os outros,
estando fundamentado sobre aquele primeiro
princípio prático de toda a conduta humana:
“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens
vos façam, fazei-lho também vós” (Mt 7.12). Assim,
esse mandamento coloca um sagrado cerco ao redor
da propriedade, na qual ninguém pode adentrar
legalmente sem o consentimento do proprietário.
O fato solene e impressionante que merece
ser apontado é que o primeiro pecado cometido pela
espécie humana envolveu furto: Eva tomou (furtou)
do fruto proibido. Assim, também, o primeiro
pecado registrado contra Israel depois que eles
entraram na terra de Canaã foi o de furto: Acã
roubou de entre o espólio (Js 7.21). Da mesma
maneira, o primeiro pecado que contaminou a igreja
cristã primitiva foi o roubo: Ananias, com Safira,
sua mulher, “reteve parte do preço” (At 5.2). Como
é frequente ser esse o primeiro pecado cometido
externamente por crianças! E, portanto, esse divino
preceito deveria ser ensinado a elas desde a mais
tenra infância. Há alguns anos, visitamos uma
família, e nossa anfitriã nos relatou como ela havia
naquele dia secretamente observado sua filha (com
aproximadamente quatro anos de idade) entrar num
quarto onde estava um grande cacho de uvas. A
criancinha olhou para elas cheia de vontade, subiu
na mesa e, então, disse: “Fora daqui, Satã. Está
escrito: ‘Não furtarás’”, e correu para fora do
aposento.
“Não furtarás”. A mais alta forma desse
pecado é quando ele é cometido contra Deus, o que
é sacrilégio. Na antiguidade, ele acusou Israel desse
crime: “Roubará o homem a Deus? Todavia vós me
roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos
e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados,
porque a mim me roubais, sim, toda esta nação” (Ml
3.8, 9). Mas existem outras maneiras pelas quais
essa transgressão pode ser cometida além da recusa
em sustentar financeiramente a causa de Deus sobre
a terra. Deus é roubado quando retemos a glória que
a ele é devida, e somos ladrões espirituais quando
arrogamos para nós mesmos a honra e o louvor que
só a ele pertencem. Os arminianos são grandes
transgressores aqui, atribuindo ao livre-arbítrio o que
é produzido pela livre graça. “Não me escolhestes
vós a mim”, disse Cristo, “mas eu vos escolhi a vós”
(Jo 15.16) “Nisto está o amor, não em que nós
tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou
a nós” (1Jo 4.10).
Outra maneira pela qual roubamos a Deus é
por um desempenho infiel da nossa mordomia. O
que Deus confiou a nós pode ser tão ultrajado por
nosso mau gerenciamento, como se estivéssemos
interferindo nos negócios de alguém ou saqueando
os bens do nosso vizinho. Esse mandamento requer
de nós que administremos as nossas propriedades do
mundo, sejam elas grandes ou pequenas, com
diligência suficiente para provermos para nós e
aqueles que dependem de nós. A preguiça é uma
espécie de roubo. Ela faz o papel do zangão e leva o
resto da colmeia a nos sustentar. Assim,
prodigalidade é também uma forma de roubo, visto
que a extravagância e o esbanjamento são
desperdícios dos recursos que Deus nos deu quando
se vive desordenadamente. Aquele que permanece
num emprego secular que exige dele trabalhar no
Dia do Senhor está roubando de Deus o tempo que
deveria ser devotado à sua adoração. Antes de
continuar, deve ser apontado que aquele que entra
no ministério do evangelho sem ser chamado por
Deus, pretendendo obter uma vida fácil e
confortável, é um “ladrão e salteador” (Jo 10.1).
“Não furtarás”. Propaganda enganosa é uma
brecha nesse mandamento. Comerciantes são
culpados quando adulteram ou apresentam mal as
suas mercadorias, e também quando
deliberadamente enganam os seus fregueses no peso
ou no troco. Exploração é outra forma de roubo. O
apóstolo Paulo admoesta: “Ninguém oprima ou
engane a seu irmão em negócio algum” (1Ts 4.6).
Contrair dívidas para sustentar luxúria e vaidade é
roubo, como também o é não conseguir pagar as
dívidas decorrentes da compra do essencial. Um
homem que transfere uma propriedade para a sua
esposa exatamente antes de ir à falência é ladrão aos
olhos de Deus, e assim também o é qualquer falido
que, mais tarde, prospere financeiramente e, então,
não pague seus credores integralmente. São ladrões
o homem ou a mulher que empresta e não devolve.
Esse mandamento é quebrado pelos inquilinos que
negligentemente estragam a propriedade e móveis do
locador. Sonegação no pagamento de impostos é
outra forma de roubo; Cristo nos deixou um
exemplo melhor (Mt 17.24). Aposta é ainda outra
forma de roubo, pois por ela os homens obtêm
dinheiro pelo qual não realizaram nenhum trabalho
honesto.
Esse velho adágio é verdadeiro: “O que quer
que venha das costas do Diabo vai para a barriga do
Diabo”. Certo é que Deus manda uma maldição
sobre o que é obtido pela força ou fraude: é posto
num saco furado e pela Providência logo
desaparece. Deus, pelo seu justo julgamento,
geralmente transforma um pecado no castigador de
outro e o que é obtido pelo roubo é perdido pela
intemperança e uma vida abreviada. Por isso está
escrito: “As rapinas dos ímpios os destruirão,
porquanto se recusam a fazer justiça” (Pv 21.7); e
novamente: “Como a perdiz, que choca ovos que
não pôs, assim é aquele que ajunta riquezas, mas
não retamente; no meio de seus dias as deixará, e no
seu fim será um insensato” (Jr 17.11). Muitas vezes,
Deus levanta aqueles que lidam com eles, da mesma
forma que eles lidaram com os outros. O temível
crescimento desse crime na sociedade moderna é
devido à falha em impor a punição adequada. Se o
leitor está consciente de ter defraudado alguém no
passado, não é suficiente confessar esse pecado a
Deus. No mínimo, uma restituição dobrada deve ser
feita (Lc 19.8 e 2Sm 12.6) – se o lesado estiver
morto, então aos seus descendentes; se ele não tiver
descendentes, então a alguma instituição de caridade
pública.
Aqui estão umas poucas sugestões de ajuda
para evitar os pecados proibidos e para o
desempenho daqueles deveres inculcados por esse
oitavo mandamento. (1) Engaje-se num trabalho
honesto ou, se é uma pessoa de recursos, em alguma
vocação honrosa, buscando promover o bem
público. As pessoas que nada fazem são tentadas a
causar dano. (2) Lute contra o espírito do egoísmo
procurando o bem-estar dos outros. (3) Combata a
luxúria e a cobiça dando liberalmente aos que estão
em necessidade. (4) Se o seu Salvador foi
crucificado entre dois ladrões para que o dom da
salvação pudesse ser seu, não traga nenhuma
reprovação sobre o nome dele por algum ato de
desonestidade. (5) Cultive a graça do
contentamento. Para isto, considere frequentemente
a vaidade de todas as coisas temporais, pratique a
submissão à divina providência, medite muito sobre
as promessas divinas (tais como Hb 13.5, 6), seja
moderado em todas as coisas, coloque as suas
afeições nas coisas do alto, e lembre-se diariamente
da sorte terrena de Cristo.
9. O NONO MANDAMENTO

“Não dirás falso testemunho contra o teu


próximo” (Êx 20.16). Tome essas palavras
simplesmente em seu valor nominal e elas proibirão
apenas o horrível crime de perjúrio ou o dar falso
testemunho num tribunal. Mas o que é verdade
quanto aos mandamentos anteriores, também o é
aqui: muito mais está implícito e inculcado do que
aquilo especificamente afirmado. Como temos tão
frequentemente afirmado, cada um dos Dez
Mandamentos enuncia um princípio geral, e não
apenas são proibidos todos os outros pecados que
estejam ligados ao nomeado e proibido, juntamente
com todas as causas e tendências a isso, mas a
virtude oposta é definitivamente requerida, com tudo
que a alimenta e promove. Assim, em seu
significado mais abrangente, esse nono mandamento
repreende qualquer palavra nossa que possa ferir a
reputação do nosso próximo, seja ela pronunciada
em público ou em privado. Isso dificilmente
precisaria de qualquer argumentação, pois se
restringirmos esse mandamento a seus termos
literais, ele não teria nenhuma influência sobre
ninguém, salvo aquela pequena minoria que é
chamada a dar testemunho numa corte de justiça.
Em sua aplicação mais abrangente, esse
mandamento tem a ver com o controle do nosso
falar, que é uma das faculdades distintivas e
enobrecedoras que Deus concedeu ao homem. As
Escrituras nos dizem que “a morte e a vida estão no
poder da língua” (Pv 18.21), que “a língua benigna
é árvore de vida” (Pv 15.4), e que uma
descontrolada é “um mal que não se pode refrear;
está cheia de peçonha mortal” (Tg 3.8). Que as
nossas palavras não são para serem pronunciadas de
maneira leviana ou impensada fica claro por aquela
inefável e solene afirmação de nosso Senhor: “Mas
eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os
homens disserem hão de dar conta no dia do juízo.
Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas
palavras serás condenado” (Mt 12.36, 37). Ó,
quanto precisamos de oração! “Põe, ó SENHOR, uma
guarda à minha boca; guarda a porta dos meus
lábios” (Sl 141.3). Os deveres referentes às nossas
línguas podem ser resumidos em duas palavras:
nosso falar deve ser sempre verdadeiro e expresso
em amor (Ef 4.15). Dessa forma, como o oitavo
mandamento providencia a segurança da
propriedade do nosso próximo; assim, o nono é
designado para preservar seu bom nome pelo nosso
falar a verdade sobre ele em amor.
Negativamente, esse nono mandamento
proíbe todo pronunciamento falso e injurioso quanto
ao nosso próximo; positivamente, ele inculca a
conservação da verdade. “O fim desse preceito é
que, porque Deus, que é a própria a Verdade, execra
uma mentira, deveríamos preservar a verdade sem o
mínimo engano” (J. Calvino). Veracidade é a estrita
observância da verdade em todas as nossas
comunicações. A importância e a necessidade disso
aparecem a partir do fato de que quase tudo que a
humanidade sabe é derivado das comunicações. O
valor daquelas declarações que aceitamos dos outros
depende inteiramente da sua veracidade e exatidão.
Se elas forem falsas, são sem valor, enganosas e
maléficas. Veracidade não é apenas uma virtude,
mas é também a raiz de todas as outras virtudes e o
fundamento de todo caráter reto. Nas Escrituras,
portanto, “verdade” é sempre sinônimo de “retidão”.
O homem piedoso é aquele que “fala a verdade no
seu coração” (Sl 15.2). O homem que “pratica a
verdade” (Jo 3.21) cumpriu o seu dever. É pela
verdade que o Espírito Santo santifica a alma (Jo
17.17).
A forma positiva desse nono mandamento é
encontrada nessas palavras: “Falai a verdade cada
um com o seu próximo” (Zc 8.16). Assim, o
primeiro pecado proibido é o da mentira. Ora, uma
mentira propriamente dita consiste de três elementos
ou ingredientes: falar o que não é verdade;
deliberadamente fazê-lo; e fazê-lo com uma
intenção de enganar. Nem toda falsidade é uma
mentira; podemos estar mal informados ou
enganados, e sinceramente pensar que estamos
afirmando fatos e, consequentemente, não temos
nenhuma intenção de enganar aos outros. Por outro
lado, nós podemos narrar o que é verdade, e ainda
mentir ao fazê-lo, como nos seguintes exemplos:
poderíamos relatar o que é verdade, e, todavia, crer
ser uma mentira, proferindo tal coisa com o intuito
de enganar; ou poderíamos mencionar as palavras
figuradas de outra pessoa, e fingir que ela quis dizer
literalmente, como foi o caso com aqueles que
deram falso testemunho contra Cristo (Mt 20.60). A
pior forma de mentira (entre os homens) é quando,
maliciosamente, nós inventamos uma falsidade com
o propósito de prejudicar a reputação do nosso
próximo, que é o que está mais especialmente em
vista nos termos do nono mandamento.
Quão vil e abominável esse pecado se torna
visível a partir das seguintes considerações. É um
pecado que faz uma pessoa mais parecida com o
Diabo. O Diabo é espírito e, portanto, pecados
grosseiramente carnais não correspondem à sua
natureza. Seus pecados são mais refinados e
intelectuais, tais como orgulho, malícia, engano e
falsidade. Ele “é mentiroso, e pai da mentira” (Jo
8.44), e quanto mais malícia entra na composição de
qualquer mentira, mais proximamente alguém se
assemelha a ele. Tal pecado é, portanto, o mais
contrário à natureza e caráter de Deus, porque ele é
o “SENHOR Deus da verdade” (Sl 31.5), e por isso
somos informados de que “os lábios mentirosos são
abomináveis ao SENHOR” (Pv 12.22). Como Satanás
é um mentiroso e o pai da mentira, e como Deus é o
SENHOR Deus da verdade, assim seus filhos se
assemelham a ele nisso: “eles são meu povo, filhos
que não mentirão” (Is 63.8). Deus tem ameaçado o
mais atemorizante castigo sobre “todos os
mentirosos, a sua parte será no lago que arde com
fogo e enxofre” (Ap 21.8).
Ah! A que alturas terríveis esse pecado tem
subido. Ele tem se tornado tão comum que poucos
têm qualquer consciência sobre isso, a ponto de
termos de lamentar que “a verdade anda tropeçando
pelas ruas” (Is 59.14). Primeiro, a verdade se
apartou dos púlpitos. Todo um século se passou
desde que a mentira da evolução cativou o mundo
científico e foi abraçada por milhares de pregadores
não regenerados – uma mentira que golpeia os
próprios alicerces da verdade, pois repudia a queda
do homem, e põe de lado tanto a sua necessidade de
redenção como de regeneração. Pela mesma
extensão de tempo o assim chamado “alto
criticismo” de neologistas alemães tem sido
espalhado através dos países de fala inglesa por
milhares de ministros ímpios, que querem ser
olhados como homens de intelectualidade superior.
Uma vez que a verdade se separou dos púlpitos, não
demorou muito para que ela desaparecesse das casas
legislativas e dos centros comerciais, até que agora
vivemos num mundo onde a confiança entre as
nações não existe, e onde a palavra dos nossos
companheiros não é mais para ser confiada.
Quão profundamente importante é, então,
que um sagrado respeito pela verdade fosse
constantemente enfatizado entre os jovens, e que
eles fossem ensinados que a mentira é a entrada para
todos os vícios e corrupção. Igualmente importante é
que aqueles que são encarregados dos jovens,
particularmente seus pais, deveriam firmar diante
dos pequenos o exemplo pessoal do que eles
ensinam, e não neutralizar o mesmo fazendo
promessas a eles que deixam de cumprir ou
proferindo ameaças que nunca levarão a efeito. Por
sabedoria e prudência, cada um de nós deveria ser
muito lento em fazer uma promessa incondicional;
mas, uma vez feita, deve ser mantida a qualquer
custo, a menos que mantê-la nos leve a pecar contra
Deus. A proibição de dar falso testemunho contra
meu próximo igualmente me proíbe de dar falso
testemunho sobre mim mesmo, o que é feito quando
faço pose de mais santo do que sou, ou quando
pretendo ser mais humilde, ou mais qualquer outra
coisa que não seja realmente o caso.
Resta para nós afirmar que podemos violar
esse nono mandamento até quando falamos a
verdade, se a falamos de maneira desnecessária e
por motivos não apropriados. “Nós ferimos o caráter
do nosso próximo quando contamos suas faltas
verdadeiras, quando não há nenhuma necessidade
de divulgá-las, quando as relatamos àqueles que não
têm nenhum direito de sabê-las, e quando a
contamos não para promover qualquer benefício
final, mas para fazê-lo perder a sua estima na
sociedade… Mais ainda, transgredimos esse preceito
até quando não falamos, ao manter a nossa paz
quando algo injurioso é dito sobre alguém e damos
tacitamente o nosso consentimento, ocultando o que
sabemos ser o contrário” (John Dick). Bajular uma
pessoa é outra forma de violar esse preceito.
Cumprimentar outra pessoa meramente pelo ato de
agradá-la ou gratificar a sua vaidade é perjurar sua
alma e colocar em perigo a sua segurança. Assim,
também, dar um falso testemunho de caráter ou
recomendar um amigo a outro, quando sabemos que
ele não merece esse testemunho, é dar “falso
testemunho”.
As seguintes orientações, por meio da graça
de Deus, podem ser úteis para preservar alguém
desses pecados comuns. (1) Não seja influenciado
por espírito partidário a difamar outras pessoas. O
espírito de sectarismo cria preconceito, e o
preconceito nos tira a vontade de receber e
reconhecer o que é bom naqueles que andam
conosco, e nos deixa prontos para acreditar no pior
sobre eles. Quão frequentemente os escritores são
culpados aqui. A intolerância denominacional tem
sido a causa de muitos homens interpretarem
erroneamente alguém que difere deles e imputar a
este erros que ele não sustenta. (2) Não se ocupar
dos negócios alheios; cuide dos seus próprios
negócios e deixe o dos outros para que Deus tome
conta. (3) Reflita mais sobre sua própria
pecaminosidade e fraqueza. Em vez de estar tão
pronto a ver o cisco no olho do seu irmão, leve em
conta a trave que está no seu. (4) Evite a companhia
de contadores de casos e tagarelas; fofocas ociosas
são injuriosas para a alma. (5) Se outros o caluniam,
certifique-se de ter uma consciência vazia de ofensa
para com Deus e os homens, e, então, você não
importará o que os outros pensem ou digam sobre
você.
10. O DÉCIMO MANDAMENTO

“Não cobiçarás a casa do teu próximo, não


cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu
servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu
jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êx
20.17). O que está proibido aqui é a concupiscência
ou um desejo ilegal pelo que é de outro homem. Em
nossa exposição dos mandamentos anteriores, temos
apontado que, embora seus verdadeiros termos
estejam confinados à proibição de atos exteriores,
todavia, o escopo de cada um engloba e alcança a
condenação de tudo o que tenha qualquer tendência
ou chance de levar ao crime manifesto. Neste
preceito final do Decálogo, encontramos clara
confirmação do mesmo, porque nele Deus
expressamente impõe uma lei sobre os nossos
espíritos, proibindo-nos de cobiçar tudo quanto ele
tenha nos proibido de perpetrar. A melhor maneira
de evitar que os homens cometam o pecado em ação
é evitar que o desejem no coração. Dessa forma,
embora a autoridade de cada um dos nove primeiros
mandamentos alcance a mente e os intentos mais
secretos da alma, todavia o SENHOR achou
apropriado afirmar clara e literalmente isso no
décimo, onde ele, especificamente, repreende os
primeiros impulsos de nossos corações em direção a
qualquer objeto que ele tenha cercado, e, portanto, é
o vínculo que fortalece o todo.
A concupiscência vil consiste daqueles
pecados secretos e internos que estão diante do
consentimento da vontade e que são as sementes de
todo o mal. A concupiscência ou cobiça é o
primogênito da depravação interna, as primeiras
manifestações e expressões da nossa natureza
corrompida. Ela é uma violenta propensão e
inclinação para o que é mal, para aquilo que é
contrário à santa vontade e mandamento de Deus. A
alma do homem é uma criatura vigorosa e operativa,
sempre externando atividades típicas de sua
natureza. Antes da Queda, a alma do homem era
atraída a Deus como seu supremo objeto e fim de
toda sua ação; mas, quando o homem apostatou e se
virou de Deus como seu único bem ou porção
satisfatória, sua alma se tornou enamorada da
criatura. Dessa forma, a alma do homem caído,
estando destituída da graça divina e da vida
espiritual, deseja objetos pecaminosos desprezando a
Deus, e desordenadamente cobiça coisas que em si
mesmas são inofensivas, mas se tornam más porque
ele nem as recebe como provenientes de Deus, nem
as usa para a sua glória. Concupiscência, então, é
aquela disposição irregular da alma que aqui é
denominada de “cobiça”.
O puritano Ezekiel Hopkins (a quem
estamos em débito pela maior parte desse capítulo,
bem como por muitos pontos úteis nos precedentes)
tem apontado que existem quatro graus dessa
pecaminosa concupiscência ou cobiça. Existe a
primeira imagem ou sombra de um pensamento
mau, o embrião imperfeito de um pecado antes que
ele tome forma em nós ou tenha qualquer
característica ou traço. Isso é ao que a Escritura se
refere como “toda a imaginação dos pensamentos”
do coração humano. Tais imaginações são
expressamente declaradas como sendo “más” (Gn
6.5). Tais são as primeiras manifestações da nossa
natureza corrupta em direção àqueles pecados que
agradam as nossas inclinações sensuais. Elas devem
ser firmemente vigiadas, odiadas e resistidas. Elas
devem ser pisoteadas como as faíscas de um fogo
perigoso, porque tão logo comecem a se agitar
dentro de nós, poluem as nossas almas. Assim como
o hálito sobre o espelho o embaça, deixando ali um
ofuscamento, assim o primeiríssimo respirar de um
mau desejo ou pensamento dentro do peito de
alguém corrompe a alma.
Um degrau seguinte dessa concupiscência é
alcançado quando esses maus impulsos da nossa
natureza corrompida são acolhidos na mente com
algum grau de complacência. Quando um objeto
pecaminoso se apresenta diante de um coração
carnal, há uma resposta interna que afeta esse
coração com deleite e gera uma simpatia entre ele e
o objeto. Como num caso de simpatia natural, um
homem frequentemente se agrada de um objeto
antes que saiba a razão, o porquê se agrada; assim,
também, numa situação de simpatia ou resposta
pecaminosa, o coração é ligado ao objeto antes que
tenha tempo de considerar o que há nesse objeto
que tanto o mova e afete. À primeira vista de uma
pessoa, nós, muitas vezes, achamos que estamos
mais atraídos por ela do que por uma multidão de
outras, ainda que todos possam ser igualmente
desconhecidos por nós. Dessa forma, o
primeiríssimo vislumbre de um pensamento
pecaminoso em nossas mentes revela que existe algo
em nós que gera uma consideração pelo mesmo,
antes que tenhamos tempo para examinar o porquê é
assim. Essa segunda forma ou grau de
concupiscência é mais difícil de lançar fora que a
anterior.
Se tais impulsos do mal são acolhidos por
nós, um consentimento e uma aprovação do pecado
seguem no julgamento prático da pessoa, o qual,
sendo cegado e carregado pela força de afeições
corruptas e carnais, recomenda o pecado à
faculdade executiva. O entendimento é o
examinador de cada ação deliberada, de modo que
nada passa para a ação que não tenha primeiro sido
julgado ali. A grande questão ponderada é se essa ou
aquela ação é para ser feita, e todas as faculdades da
alma esperam qual será a sentença definitiva aqui
pronunciada e, dessa forma, realizada.
Normalmente, duas testemunhas aparecem e apelam
para o entendimento ou julgamento sobre o pecado:
a Lei de Deus e o vice-gerente de Deus, a
consciência. A Lei condena e a consciência cita a lei.
Mas, então, as afeições se intrometem e subornam o
juiz com promessas de prazer ou lucro, por esses
meios corrompendo o julgamento para dar seu voto
e consentir no pecado. Observe como tudo isso
recebe ilustração no diálogo entre Eva e a serpente,
antes que ela partilhasse do fruto proibido.
Quando qualquer impulso pecaminoso tem
assim assegurado uma concessão do julgamento, ele
se transforma num decreto para a vontade. O
entendimento tendo-o aprovado, a vontade deve
agora decidir executá-lo; e, então, o pecado está
completamente formado no interior e nada falta, a
não ser a oportunidade para dá-lo a luz em ação
aberta. “Mas cada um é tentado, quando atraído e
engodado pela sua própria concupiscência. Depois,
havendo a concupiscência concebido, dá à luz o
pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a
morte” (Tg 1.14, 15). Assim, temos tentado
demonstrar o que a concupiscência ou a cobiça são,
e os diversos graus dela: o primeiro borbulhar dos
pensamentos pecaminosos em nossos corações;
nossos primeiros deleites nos mesmos (e não amar
esses primogênitos das nossas próprias almas é
completamente contra a natureza corrompida); o
assentimento e a permissão do nosso julgamento; e a
decisão da nossa vontade. Cada um desses está
expressamente proibido pelo décimo mandamento.
E se o pecado for mais adiante, ele excede os limites
desse mandamento e cai na proibição de algum dos
anteriores, que proíbe mais especificamente os atos
externos do pecado.
Esse preceito final, então, declara seu solene
protesto contra o pecado na vida íntima. Nisto
podemos contemplar e adorar o ilimitado domínio
ou soberania do grande Deus. Ele proclama seus
direitos sobre a esfera oculta dos desejos. Sua
autoridade alcança a alma e a consciência e lança
uma obrigação sobre os nossos pensamentos e
imaginação, que nenhuma lei humana pode fazer.
Seria vão para os homens impor estatutos sobre
aquilo de que eles não podem tomar conhecimento,
e, portanto, nossos desejos e cobiças estão livres das
censuras deles, exceto quando descobrem por si só
pelos atos externos. Mas, embora escapem à
percepção e mandamento dos homens, não
escaparão, todavia, ao escrutínio e sentença de
Deus, pois ele não vê como os homens veem nem
julga como os homens julgam. Os segredos de todos
os corações estão abertos e nus diante dos seus
olhos; nem o mínimo alento de um desejo pode
agitar em nossas almas que não seja mais
distintamente visível para ele do que o brilho do sol
ao meio-dia o é para nós.
A Lei de Deus, como o seu conhecimento,
alcança o mais secreto recesso da sua alma,
perscruta cada canto do seu coração, julga aquelas
cobiças que nenhum olho humano pode espiar, e se
elas são abrigadas e aprovadas, condenam o homem
como transgressor e merecedor da morte eterna, não
importa quão agradável a sua conduta externa possa
ser. Então, quão vão é para nós nos contentarmos
com uma conformidade externa à Lei de Deus!
Como deveríamos trabalhar para aprovar os nossos
corações em sinceridade e pureza diante de Deus;
de outro modo, não somos mais que fariseus
hipócritas, que lavam apenas o exterior do copo,
enquanto dentro continuamos cheios de desejos
impuros. Quantos existem que supõem que a Lei de
Deus alcança apenas o homem externo e que,
mesmo abrigando e acariciando desejos perversos e
propósitos malignos em seus corações, contanto que
esses desejos não se deixem ver em crimes externos,
não serão acusados por eles. Mas o Dia do Juízo
mostrará que a verdade é muito diferente. Quão
poucos são os que refletem sobre os pecados do
coração! Quão poucos oram “Expurga-me tu dos
que me são ocultos”! Não vos enganeis, Deus não se
deixa escarnecer, e ele não pode ser ludibriado por
demonstrações externas.
Veja aqui a sabedoria de Deus em colocar
esse mandamento no encerramento do Decálogo,
pois ele é uma cerca e guarda para todo o resto. É a
partir das contaminações internas da alma que todos
os nossos pecados visíveis em palavras e atos têm a
sua ascensão. Toda a quebra do dia de descanso
procede do desassossego que é nascido do desejo
pecaminoso. “Porque do coração procedem os maus
pensamentos, mortes, adultérios” etc. (Mt 15.19).
Observe bem que Cristo coloca “maus
pensamentos” na frente, como o líder desse
regimento vil! “Não cobiçarás”. Não porás o seu
coração sobre, nem terás a menor ânsia por aquilo
que pertence a outro. Alguém em objeção poderá
dizer: “É impossível prevenir o desejo por aquilo
que admiramos”. É bem verdade; entretanto, nesse
fato é revelada a condição caída do homem e a
perversidade desesperada de seu coração. Que tal
desejo é pecaminoso e danoso é descoberto
somente à luz desse mandamento. Aquele que
honestamente encara esse preceito final do Decálogo
deve ser convencido de sua pecaminosidade e
levado a reconhecer a sua desesperança, ou a
perdição será o destino final. Deus nos deu sua
Santa Lei para que possamos ver o absoluto
desespero do nosso caso, se formos entregues a nós
mesmos. Isso ele fez para nos levar até Cristo e à
magnitude de sua graça para com os pecadores
arrependidos. E é no seu amado Filho, que
obedeceu perfeitamente a Lei, que o Pai se agrada!
APÊNDICE: UMA PALAVRA AOS
PAIS
Uma das mais infelizes e trágicas
características de nossa civilização é a excessiva
desobediência aos pais por parte dos filhos, quando
menores, e a falta de reverência e respeito, quando
grandes. Infelizmente, isto se evidencia de muitas
maneiras, inclusive em famílias cristãs. Em nossas
abundantes viagens nestes últimos trinta anos, fomos
recebidos em muitos lares. A piedade e a beleza de
alguns deles ainda permanecem em nossos corações
como agradáveis e singelas recordações. Outros
lares, porém, nos transmitiram as mais dolorosas
impressões. Os filhos obstinados ou mimados não
apenas trazem para si mesmos infelicidade perpétua,
mas também causam desconforto para todos que se
relacionam com eles e prenunciam coisas ruins para
os dias vindouros.
Na maioria dos casos, os filhos são menos
culpados do que seus pais. A falta de honra aos pais,
onde quer que a achemos, deve-se, em grande
medida, ao fato de os pais se afastarem do padrão
das Escrituras. Atualmente, o pai imagina que
cumpre suas obrigações ao fornecer alimento e
vestuário para os filhos e, ocasionalmente, ao agir
como um tipo de policial de moralidade. Com muita
frequência, a mãe se contenta em desempenhar a
função de uma criada doméstica, tornando-se
escrava dos filhos, realizando várias tarefas que estes
poderiam fazer, para deixá-los livres em atividades
frívolas, em vez de treiná-los a serem pessoas úteis.
A consequência tem sido que o lar, o qual deveria
ser – por causa de sua ordem, santidade e amor –
uma miniatura do céu, degenerou-se em “um ponto
de parada para o dia e um estacionamento para a
noite”, conforme alguém sucintamente afirmou.
Antes de esboçarmos os deveres dos pais em
relação aos filhos, devemos ressaltar que eles não
podem disciplinar adequadamente seus filhos, a
menos que primeiramente tenham aprendido a
governar a si mesmos. Como podem eles esperar
que a obstinação de suas crianças seja dominada e as
manifestações de ira controladas, se eles mesmos
dão livre curso a seus próprios sentimentos. O
caráter dos pais é amplamente reproduzido em seus
descendentes. “E Adão viveu cento e trinta anos, e
gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua
imagem” (Gn 5.3). Os pais devem eles mesmos
viver em submissão a Deus, se desejam obediência
da parte de seus filhos. Este princípio é enfatizado
muitas e muitas vezes nas Escrituras. “Tu, pois, que
ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo?” (Rm
2.21). A respeito do pastor ou presbítero da igreja
está escrito que ele tem de ser alguém “que governe
bem a sua própria casa, tendo seus filhos em
sujeição, com toda a modéstia (Porque, se alguém
não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado
da igreja de Deus?)” (1Tm 3.5). E, se um homem
ou uma mulher não sabem como dominar seu
próprio espírito (Pv 25.28), como poderão cuidar de
seus filhos?
Deus confiou aos pais um solene e valoroso
privilégio. Não exageramos ao afirmar que em suas
mãos estão depositadas a esperança e a bênção ou a
maldição e a ruína da próxima geração. Suas
famílias são os berçários da igreja e do Estado, e, de
acordo com o que agora cultivam, tais serão os
frutos que colherão posteriormente. Eles deveriam
cumprir seu privilégio com bastante diligência e
oração. Com certeza, Deus lhes pedirá contas
referentes à maneira de criarem seus filhos, que a ele
pertencem, sendo-lhes confiados para receberem
cuidado e preservação. A tarefa que Deus confiou
aos pais não é fácil, em especial nestes dias
excessivamente maus. Entretanto, poderão obter a
graça de Deus, se a buscarem com sinceridade e
confiança. As Escrituras nos fornecem as regras
pelas quais devemos viver, as promessas das quais
temos de nos apropriar e, precisamos acrescentar, as
terríveis advertências, para que não realizemos essa
tarefa de maneira leviana.

Instrua seu Filho


Queremos mencionar aqui quatro dos
principais deveres confiados aos pais. Primeiro,
instruir seus filhos. “E estas palavras, que hoje te
ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus
filhos e delas falarás assentado em tua casa, e
andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-
te” (Dt 6.6, 7). Este dever é sobremodo importante
para ser transferido aos outros. Deus exige dos pais,
e não dos professores da Escola Dominical, a
responsabilidade de educarem seus filhos.
Tampouco essa tarefa deve ser realizada de maneira
esporádica ou ocasional, mas precisa receber
constante atenção. O glorioso caráter de Deus, as
exigências de sua Lei, a excessiva malignidade do
homem, o maravilhoso dom de seu Filho e a terrível
condenação que será a recompensa de todos aqueles
que o desprezam e rejeitam – estas coisas precisam
ser apresentadas constantemente aos filhos. “Eles
são pequenos demais para entendê-las” é o
argumento de Satanás, visando impedir os pais de
cumprirem seu dever.
“E vós, pais, não provoqueis à ira a vossos
filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do
Senhor” (Ef 6.4). Temos de observar que os “pais”
são especificamente mencionados neste versículo,
por duas razões: eles são os chefes das famílias e o
governo desta lhes foi confiado; os pais são
inclinados a transferir sua responsabilidade às mães.
Essa instrução deve ser ministrada por meio da
leitura da Bíblia e da explicação aos filhos das coisas
adequadas à sua idade. Isto deveria ser
acompanhado do ensino de um catecismo. Um
constante falar aos mais novos não se mostra tão
eficiente quanto à diversificação com perguntas e
respostas. Se nossos filhos sabem que serão
questionados após ou durante a leitura bíblica,
ouvirão mais atentamente: fazer perguntas os ensina
a pensarem por si mesmos. Este método também
leva a memória a reter mais o ensinamento, pois o
responder perguntas definidas fixa ideias específicas
em nossas mentes. Observe quantas vezes Jesus fez
perguntas aos seus discípulos.

Seja um bom exemplo


Segundo, boas instruções precisam ser
acompanhadas de bons exemplos. O ensino
proveniente apenas dos lábios provavelmente será
ineficaz. Os filhos são espertíssimos para detectar
inconsistências e rejeitar a hipocrisia. Neste aspecto,
os pais precisam humilhar-se diante de Deus,
buscando todos os dias a graça que
desesperadamente necessitam e somente ele pode
dar. Que cuidado eles precisam ter, para que, diante
de suas crianças, não digam e façam coisas que
tendem a corromper suas mentes ou produzam más
consequências, se elas as imitarem! Os pais
necessitam estar constantemente alertas contra
aquilo que pode torná-los desprezíveis aos olhos
daqueles que deveriam respeitá-los e honrá-los. Não
apenas devem instruir seus filhos no caminho da
santidade, mas eles mesmos devem andar neste
caminho, mostrando por sua prática e conduta quão
agradável e proveitoso é ser orientado pela lei de
Deus.
No lar de pessoas crentes, o supremo alvo
deve ser a piedade familiar – honrar a Deus em
todas as ocasiões, e as outras coisas, subordinadas a
este alvo. Quanto à vida familiar, nem o esposo nem
a esposa deve transferir para o outro toda a
responsabilidade pelo aspecto espiritual da vida da
família. A mãe, com certeza, tem a incumbência de
suplementar os esforços do pai, pois os filhos
desfrutam mais de sua companhia. Se existe a
tendência de os pais serem muito rígidos e severos,
as mães são propensas a serem muito brandas e
clementes; portanto, têm de vigiar mais contra
qualquer coisa que enfraquecerá a autoridade do pai.
Quando este proibir alguma coisa, ela não deve
consenti-la às crianças. É admirável observar que a
exortação dada em Efésios 6.4 é precedida por
“enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18); enquanto a
exortação correspondente em Colossenses 3.21 é
precedida por “a palavra de Cristo habite em vós
abundantemente” (v. 16), demonstrando que os pais
não podem cumprir seus deveres, a menos que
estejam cheios do Espírito Santo e da Palavra de
Deus.

Discipline seu filho


Terceiro, a instrução e o exemplo precisam
ser reforçados mediante a correção e a disciplina.
Antes de tudo, isto implica o exercício de autoridade
– a correta aplicação da lei divina. A respeito de
Abraão, o pai dos fiéis, Deus afirmou: “Porque eu o
tenho conhecido, e sei que ele há de ordenar a seus
filhos e à sua casa depois dele, para que guardem o
caminho do SENHOR, para agir com justiça e juízo;
para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que
acerca dele tem falado” (Gn 18.19). Pais crentes,
meditem estas palavras com cuidado. Abraão fez
mais do que simplesmente dar conselhos: ele
ensinou com vigor a Lei de Deus e ordenou sua
casa. As regras com que ele administrou seu lar
tinham o objetivo de seus filhos guardarem “o
caminho do SENHOR” – aquilo que era correto aos
olhos de Deus. Este dever foi cumprido pelo
patriarca, a fim de que a bênção de Deus estivesse
sobre sua família. Nenhuma família pode crescer
adequadamente sem leis familiares, que incluem
recompensas e castigos. Isto é especialmente
importante na primeira infância, quando ainda o
caráter moral não está formado e as crianças não
apreciam ou entendem seus motivos morais.
As regras devem ser simples, claras, lógicas e
flexíveis, tais como os Dez Mandamentos – poucas,
mas relevantes regras morais, em vez de centenas de
restrições insignificantes. Uma das maneiras de
provocarmos desnecessariamente nossos filhos à ira
é atrapalhá-los com muitas restrições insignificantes
e regras detalhadas e arbitrárias, procedentes de pais
perfeccionistas. É de vital importância para o bom
futuro dos filhos que estes sejam trazidos em
submissão desde cedo. Uma criança malcriada
representa um adulto ímpio – nossas prisões estão
superlotadas com pessoas que tiveram a liberdade de
seguir seus próprios caminhos durante sua infância.
A mais leve ofensa de uma criança quebrando as
regras do lar não deve ficar sem a devida correção;
pois, se ela achar clemência ao transgredir uma
regra, esperará a mesma clemência em relação a
outras ofensas, e sua desobediência se tornará mais
frequente, até que os pais não tenham mais controle,
exceto por meio do exercício de força brutal.
O ensino das Escrituras é claro quanto a este
assunto. “A estultícia está ligada ao coração da
criança, mas a vara da correção a afugentará dela”
(Pv 22.15; cf. 23.13, 14). Por isso, Deus afirmou:
“O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o
que o ama, desde cedo o castiga” (Pv 13.24). E,
ainda: “Castiga o teu filho enquanto há esperança,
mas não deixes que o teu ânimo se exalte até o
matar” (Pv 19.18). Não permita que uma afeição
insensata o impeça de cumprir seu dever. Com
certeza, Deus ama seus filhos com um sentimento
paternal mais profundo do que você ama seus filhos,
mas ele nos diz: “Eu repreendo e castigo a todos
quantos amo” (Ap 3.19; cf. Hb 12.6). “A vara e a
repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a
si mesma, envergonha a sua mãe” (Pv 29.15). A
severidade tem de ser utilizada nos primeiros anos
de uma criança, antes que a idade e a obstinação
endureçam-na contra o temor e a pungência da
correção. Poupe a vara e você arruinará seu filho;
não a utilize e terá de sofrer as consequências.
É quase desnecessário salientar que as
Escrituras citadas anteriormente não têm o propósito
de incutir-nos a ideia de que nosso lar deve ser
caracterizado por um reino de terror. Os filhos
podem ser governados e disciplinados de tal
maneira, que não percam o respeito e as afeições
por seus pais. Estejamos atentos para não
estragarmos seus temperamentos, por fazermos
exigências ilógicas, e provocá-los à ira, por castigá-
los expressando nossa própria ira. O pai tem de
punir um filho desobediente não porque ficou bravo,
mas porque é correto fazer isso – Deus o exige, bem
como a rebeldia de seu filho. Nunca faça uma
ameaça, se não tenciona cumpri-la. Lembre que
estar bem informado é bom para seu filho, mas ser
bem controlado é ainda melhor.
Esteja atento às inconscientes influências que
cercam seu filho. Estude meios para tornar seu lar
atraente, não pela utilização de recursos carnais e
mundanos, mas por servir-se de ideais nobres, por
incutir-lhes um espírito de altruísmo e desenvolver
uma comunhão agradável e feliz. Não permita que
seus filhos se associem a más companhias. Verifique
cautelosamente as revistas e livros que entram em
seu lar; observe os amigos que ocasionalmente seus
filhos convidam para vir ao lar e as amizades que
eles estabelecem. Antes mesmo de o reconhecerem,
muitos pais permitem seus filhos relacionarem-se
com pessoas que arruínam a autoridade paternal,
transtornam seus ideais e semeiam frivolidade e
pecado.

Ore por seus filhos


Quarto, o último e mais importante dever, no
que se refere ao bem-estar físico e espiritual de seus
filhos, é a intensa súplica a Deus em favor deles.
Sem isto, todos os outros deveres são ineficazes. Os
meios são inúteis, exceto quando o Senhor os
abençoa. O trono da graça tem de ser
fervorosamente buscado, para que sejam coroados
de sucesso os nossos esforços em educar os filhos
para a glória de Deus. É verdade que precisa haver
uma humilde submissão à soberana vontade de
Deus, um prostrar-se ante a verdade da eleição. Por
outro lado, o privilégio da fé consiste em apropriar-
se das promessas divinas e em recordar que a
ardente e eficaz oração de um justo produz muitos
resultados. A Bíblia nos diz que o piedoso Jó
chamava a seus filhos “e os santificava, e se
levantava de madrugada, e oferecia holocaustos
segundo o número de todos eles” (Jó 1.5). Uma
atmosfera de oração deve permear o lar e ser
respirada por todos os que dele compartilham.
SOBRE O AUTOR
Arthur Walkington Pink (1886-1952)
nasceu na Grã-Bretanha e imigrou para os Estados
Unidos a fim de estudar no Instituto Bíblico Moody,
o qual deixou após dois meses, devido à teologia
antibíblica ensinada ali. Pastoreou igrejas no
Colorado, na Califórnia, no Kentucky e na Carolina
do Sul, antes de se tornar um professor itinerante da
Bíblia em 1919. Ele retornou à sua terra natal em
1934, estabelecendo residência na Ilha de Lewis, na
Escócia, em 1940, permanecendo lá até sua morte.
Muitas das suas obras apareceram originalmente
como artigos em Studies in Scriptures, uma revista
mensal que lidava somente com a exposição bíblica.
Pink era quase desconhecido e certamente
não apreciado em seus dias. O estudo independente
da Bíblia o convenceu que muito do evangelismo
moderno era defeituoso. Quando os livros puritanos
e reformados eram em geral menosprezados pela
igreja como um todo, ele proclamou aquelas
mesmas e antigas verdades com zelo incansável. O
declínio espiritual progressivo de sua própria nação
(Grã-Bretanha) era para ele uma consequência
inevitável do predomínio de um “evangelho” que
não podia nem ferir (com a convicção do pecado)
nem curar (por meio da regeneração).
Familiar com todo o escopo da revelação,
Pink raramente se desviou dos grandes temas das
Escrituras: graça, justificação e santificação. Nossa
geração tem para com ele um grande débito pela
duradoura luz que irradiou, pela graça de Deus,
sobre a verdade da Bíblia Sagrada.

[1]
Ian Murray relata que, além de sua esposa, apenas sete pessoas
apareceram em seu enterro. Veja The Life of Arthur W. Pink, de Ian
H. Murray, publicado pela Banner of Truth.
[2] No prefácio à edição ampliada do seu livro The Life of Arthur
W. Pink.
[3] Belcher refere-se, entre outras coisas, à rejeição que a sua
pregação teve na maioria das igrejas, embora Pink soubesse que
estava sendo fiel à Palavra de Deus. Vide Born to Write: a
Biography, de Richard Belcher, publicado pela Richbarry Press.
[4] David Brainerd, Pioneer Missionary to the American Indians,
publicado pela Evangelical Press. David Brainerd foi genro do
famoso teólogo puritano Jonathan Edwards (1703-1758). A Editora
Fiel publicou A Vida de David Brainerd, um volume que consiste
do seu diário, com comentários de Jonathan Edwards.
[5] Publicado pela Editora Fiel sob o título “Deus é Soberano”.
Com certeza, um dos melhores livros já escritos sobre o assunto.
[6] Publicado pela Editora PES com o título “Os Atributos de
Deus”.
[7] An Exposition of Hebrews, Arthur W. Pink, Baker Books.
[8] Exposition of the Gospel of John, Arthur W. Pink, Zondervan
Publishing Company.
[9] Essa revista foi publicada mensalmente, sem interrupção, de
1922 a 1953. Após sua morte, sua esposa Vera supervisionou a
publicação das Studies restantes, com base nos textos deixados por
Pink, até a sua última edição em 1953. Cada edição da Studies
incluía normalmente seis a oito artigos; cada artigo abordava um
assunto diferente ou livro da Escritura, que corriam como uma
série ao longo das edições. Conseguir manter a publicação dessa
revista mensal, escrevendo sozinho profundas exposições bíblicas,
ao longo de toda a sua vida, é um testemunho da graça divina. A
Providência que fechou os púlpitos para esse grande pregador é a
mesma que preparou o cenário para o surgimento desse grande
escritor.
[10] Spurgeon, juntamente com John Owen e João Calvino, são
alguns dos escritores que Pink mais cita ao longo dos seus livros.
[11] É interessante como, frequentemente, vemos que muitos
argumentos de Pink não passam de um arranjo lógico de vários
versículos e ensinamentos bíblicos, demonstrando como ele
manejava bem a palavra da verdade (2Tm 2.15).
[12] The Life of Arthur W. Pink, Ian H. Murray, pág. 275.
[13] Mostrando assim que o “eu, porém, vos digo” (Mt 5.22, 28,
32, 34, 39, 44) não é uma anulação dos Dez Mandamentos, mas a
interpretação apropriada e sempre tencionada por Deus, desde o
princípio.
[14]
“até mil gerações”, na ARA [N. do T.].
[15] “é ilimitado”, na ARA [N. do R.].
[16]
Shabbath (hebraico) significa “descanso do labor”. Essa é a
palavra que é traduzida como sábado no Antigo Testamento, nas
nossas versões da Bíblia em português (p.ex.: Êx 16.23, 25, 26, 29;
Êx 20.8, 10, 11; Êx 31.14-16, etc.). A versão do autor (KJV) traz o
original Shabbath em vez de Saturday (sábado em inglês),
evitando assim possíveis confusões por parte do leitor [N. do T.].

[17]
“Para evitar a fornicação”, na King James Version, versão
utilizada pelo autor [N. do T.].
Table of Contents
1. O Primeiro Mandamento
2. O Segundo Mandamento
3. O Terceiro Mandamento
4. O Quarto Mandamento
5. O Quinto Mandamento
6. O Sexto Mandamento
7. O Sétimo Mandamento
8. O Oitavo Mandamento
9. O Nono Mandamento
10. O Décimo Mandamento

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