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AFONSO DE SANTA CRUZ

O QUE VI POR LÁ
(Diário de Viagens)

2' edição

- 19 79 -

Edições Rosário - Caixa Postal 3175

eo.ooo CUrltiba - PR - Brasil


LUGARES - PESSOAS

Impressões de viagens apro­


fundam-se, quando o autor
passa duas vezes pelos mes­
mos lugares. Afonso de Santa
Cruz escreveu quatro diários
em duas viagens, com dois
diários de cada vez. A primei­
ra viagem fixou os lugares, a
segunda penetrou as pessoas.

Lugares:

!. O que vi por lá: Sobres­


sai neste livro a prisão do
autor pelos comwtistas na
zona russa da Alemanha
Oriental. Inesquec!vel a visita
ao cemitério das caveiras de
capuchinhos, na Piazza do
Tritone, em Roma.

2. Pisei a Terra Sagrada: A


primeira viagem do autor à
Terra Santa. As impressões
foram tão profundas, que os
aspectos geográficos e histó­
ricos tomaram a dianteira.
Impressão inesqueclvel a ins­
tabilidade polltlca de vil.rios
palses no próximo Oriente.

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Capa: Irmã Artúris

Revisão do texto: Prof. Janice Persuhn

Direitos Reservados

Edições Rosário
Caixa Postal 3175
80.000 Curitiba P
- R
Br a s i l

2• edição

-1 9 7 9 -

Com aprovação Eclesiástica .

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De Lá pró Cá ...

Embora da 1� para a 2' edição houvesse mu­


danças históricas ou geográficas em alguns capítu­
los, continuam, porém, imunes as impressões cau­
sadas.

Entrementes faleceu Alexandre Serenem, o as­


sassino de Santa Maria Goretti; mudou a situação
de Jerusalém, que agora é 100% de Israel; além
disso suprimimos um e outro capítulo, cuja falta
não afeta o conjunto das nossas impressões.

"O que vi por Lá" recebeu complementação


no livro "Onde se Respira Deus", que apresenta
outras e novas impressões vivenciadas na atmosfe­
ra do velho mundo.

O Autor

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1. O Santo em farrapos

Por que impressiona este santo em farrapos,


que jaz na sua figura marmórea, sob o altar à es­
querda, na igreja da Madonna dei Monti, em Roma?
Porque foi um mendigo!
O conceito de mendigo é ilustrado em todas as
cores e cambiantes, na Cidade Eterna. Não me
lembro de ter uma vez saído de casa, nestes dois
anos de permanência em Roma, sem ter sido ao
menos uma vez abordado por um mendigo ou men­
digas, às mais das vezes, com crianças ao colo.
Quando me foi dito, que senhoras arrecadavam
crianças de peito, para levá-las pelas ruas, pedindo
esmolas, não houve mais jeito de me comover.
Outro dia, pediu-me alguém dinheiro, para ir
de trólibus à Cinecittà, que é a cinelãndia italiana,
nos subúrbios de Roma. Um mês depois, no mes­
mo lugar, veio o mesmo indivíduo pedir esmola, pa­
ra ir de trólibus à Cinecittà. Aliás, a condução pa­
ra lá não é trólibus, mas o bonde. Quando neguei,
eis que me vomitou uma catilinária de pragas e im­
provérbios ao encalço.
Por que o mendigo de Roma é tão exigente?
Dia por dia vêm peregrinos católicos de todo o mun-

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do à Cidade Eterna, principalmente da Alemanha e
Estados Unidos, onde o nível de vida é muito su­
perior . Acresce que, em todas as viagens pela Ale­
manha, vi apenas um mendigo, sentado numa das
ruas de Munique, o qual talvez nem fosse alemão.
De sorte que um alemão ou americano logo se co­
move, vendo a insistência chorosa dum mendigo. (A
língua italiana, tida como a mais bela do mundo,
presta-se admiravelmente, para exprimir as nuan­
ces mais íntimas do afeto humano) .
Outra manhã, vi várias dezenas de peregrinos
alemães saindo da Pensão dos Padres Palotinos de
Roma, e cada qual depositava na mão do mendigo,
sentado à escada da igreja próxima, uma moeda de
50 ou 100 liras italianas. A atitude do mendigo era
como se isto fosse a coisa mais natural do mundo.
No entanto, recebeu em poucos instantes mais do
que um operário, após muitas horas de trabalho.
E quantos não fazem deste truque fácil o seu
rendoso ganha-pão e até mesmo a profissão de vi­
da! Por esta ocasião, andavam mais de trinta mil
desocupados pelas ruas de Roma, havendo uma ver­
dadeira exploração de mendicância. Famílias intei­
ras, pai, mãe, filhos e filhas menores espalhavam­
se pela cidade, principalmente às portas das igrejas,
pedindo esmolas, para de noite, reunirem-se em ca­
sa e fazerem o balanço do dia!
Nos primeiros tempos, em Roma, dando a um
mendigo, na parada do õnibus, o dinheiro suficien-

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te para o bonde, um senhor me abordou, pergun­
tando: "Você é estrangeiro?'' - "Sim, sou ! " - 11Vo­
cê é gentil demais!" - Em forma delicada, este
senhor quis dizer que eu era "ingênuo" demais.
Ouvindo agora que nas proximidades da Basí­
lica de São Pedro in Vincolis, na Via dei Serpenti,
na Igreja della Madonna dei Monti, jaz um mendigo,
morto em Roma, aos 16 de abril de 1783, um santo
em farrapos, canonizado pela própria Igreja, - é
para ficar mudo de espanto!
Primogênito, entre 15 irmãos, estudou Bento
Labre até os 16 anos para o Sacerdócio. Mas, su­
bitamente, houve uma mudança no seu talento, a
ponto de parecer mentalmente atrasado. Pediu ad­
missão entre os trapistas, cartuxos, cistercienses,
mas todos lha negaram. Deixou a sua pátria, a
França, para achar melhor sorte na Itália. Tam­
bém lá as negativas foram as mesmas. Imprevista­
mente, veiO-: lhe uma luz interna: "Já que a vida é
tão breve, por que não vou imitar a santo Aleixo,
que viveu durante 16 anos, como peregrino desco­
nhecido, debaixo da escada da própria casa pater­
nal!?" Ainda hoje se mostra, na Igreja de Santo
Aleixo, em Roma, a escada, sob a qual viveu o san­
to peregrino.
Desde aquele momento de luz, Bento Labre te­
ve uma paz imperturbável no intimo de sua alma.
Passava o dia rezando pelas igrejas, onde havia
adoração perpétua. O povo chamava-o simplesmen­
te de "o pobre da Adoração perpétua", ou então,

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"o pobre do Coliseu", porque dormia algumas horas
da noite, sob um dos arcos, onde está gravada a
Estação da Via Crucis, em que Simão de Cireneu
ajuda a Jesus a carregar a Cruz. Durante a noite,
costumava visitar as sete grandes Basílicas de Ro­
ma. Alimentava-se do3 restos de comida, que en­
contrava pelas ruas e calçadas. Quando recebia di­
nheiro, como esmola, parecia arder-lhe na mão co­
mo ferro abrasado, e passava-o Jogo adiante a ou­
tro, que julgava mais pobre ainda.
O povo comentava que "o pobre do Coliseu"
era de família nobre, e que perpetrara um crime
horrendo, e por isso vagueava pelas ruas de Roma,
rezando e fazendo penitência. O artista António
Cavallucci levou-o, um dia, consigo, para pintá-lo.
O rosto macerado, os olhos encovados e semi-cer­
rados, os cabelos negros, espessos e densos, envol­
viam-lhe a fisionomia numa doçura sobrenatural.
Embora canonizado pela própria Igreja, ainda hoje
alguns ascetas duvidam em pô-lo como modelo da
perfeição cristã, pois os seus cabelos eram um ni­
nho fervilhante de piolhos. Um Santo com pio­
lhos!? Inumano! Comparado com o santo "gentil­
homem" Francisco de Sales, o corifeu da literatura
francesa do século XVII, que dirigia as damas de
salão para a vida de união com Deus - onde fica
o nosso Bento Labre, com os seus piolhos, os seus
andrajos, o seu silêncio de mendigo profissional!?
A resposta é a frase misteriosa do Evangelho:
"O Espirito sopra onde e como quer!" Os confes-

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sores sugeriam a Bento de entrar, como Irmão lei­
go, numa Ordem Religiosa, mas o Santo não se de­
moveu. Convencera-se de que podia servir a Deus,
como pobre mendigo e perpétuo peregrino, na Ci­
dade Eterna, a exemplo de Santo Aleixo.

Estando certo dia o Santo mendigo a rezar na


Igreja de Santo Inácio, e caindo em êxtase, numa
posição inexplicável pelas leis da gravidade, um dos
turistas, que por acaso vagueava pelo célebre tem­
plo barroco dos jestútas, acudiu ao sacristão, que
estava varrendo entre os bancos: "Que tem aquele
pobre homem?" O sacristão limitou-se a responder:
"o santo está em êxtase", e continuou a varrer, com
tanta naturalidade, como se tivesse indicado a um
desconhecido o caminho a tomar.

Quando este mendigo em farrapos, certo dia


desmaiou sobre os degraus da Igreja da Madonna
dei Monti, e quando pouco depois faleceu, aos 17
de abril de 1783, na casa n9 2, à rua dei Serpenti,
ainda hoje conservada e transformada em capela,
o concurso do povo foi tão grande e impetuoso, que
foi necessária a polícia do tráfego, para garantir a
ordem e disciplina religiosa. Desde o enterro do
Apóstolo de Roma, S. Felipe Neri, jamais houve tal
afluência de povo, para ver um morto. Três me­
ses depois de sua morte, já se protocolaram 136
milagres admitidos no Processo da Canonização.
Foi canonizado solenemente, caindo a sua festa no
dia 16 de abril.

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2. Fariseus "lncônscios"

A impressão que levei naquela manhã, perdura


até o dia de hoje. Tantas outras impressões, be­
las, profundas e empolgantes, desceram aos porões
da consciência, enquanto esta se gravou na dobra
mais intima da alma.

Fomos visitar, naquela manhã, o Asilo do Bom


Pastor da cidade NN., na Alemanha. Um Bom Pas­
tor, como tantos outros da Europa e América. Mas
deu-se um pormenor, que me abriu horizontes
nunca vistos, mais empolgantes do que aquela visão
panorâmica, lá no alto do Arco do Triunfo, em Pa­
ris, para o qual convergiam retas arborizadas, fos­
forescentes e serpeantes de automóveis, doze gran­
des avenidas, com a dos Campos Elíseos, no cen­
tro, iluminada à noite, como se fosse a entrada
triunfal, a avenida-luz, conduzindo paraíso adentro.

Antes de vaguear pelos corredores e grandes


salas deste Bom Pastor, reconstruido pela base,
após a guerra, onde meninas dos treze até os trinta
anos se ocupavam em varrer, lavar roupa com ma­
qtúnário a vapor, o capelão contou-nos sumaria­
mente a história de toda a espécie de meninas, que

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tiveram a desgraça de cair nas garras dos lobos
sexuais, que sempre rondam pelas ruas e praças
noturnas das cidades.

A Superiora contou-nos também algo da histó­


ria das Irmãs do Bom Pastor.

Começamos a girar. ótima impressão. Meni­


nas, pelas escadas e corredores, inclinando a cabe­
ça levemente, com um sorriso humilde e doloroso,
passando logo adiante, como que pedindo descul­
pas, por ocuparem o caminho que estávamos pi­
sando. A Superiora ia à frente, abrindo porta por
porta e nos conduzindo pelas diversas salas e re­
partições. Máquinas de costura, mesas compridas,
montões de toalhas, lençóis, guardanapos, traves­
seiros, camisas, cuecas, lenços, etc. etc. Olhos tími­
dos e curiosos saudavam-nos, por detrás de cada
balcão ou máquina de costura. Notava-se, em cada
sala, um leve alvoroço de surpresa e estima pela
Superiora. Por sinal, que era muito estimada. Real­
mente, uma personalidade cativante. Falando das
meninas, gostava de ajuntar: "minhas filhas! "

Descemos ao andar térreo, onde funcionavam


as máquinas de lavar roupa, e onde se recebia e se
classificava a roupa suja da cidade. "É a secção
das meninas, que se reabilitaram moralmente e re­
ceberam licença da Santa Sé de emitir os votos re­
ligiosos", ajunta a Superiora. Víamos tratar-se dum
trabalho rude. "Desejam ver estas Irmãs?", per­
gunta gentil a Madre. "Sim" Uma curiosidade es-

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tranha parecia apoderar-se de cada um de nós. In­
teressante! Anteontem prostitutas, ontem regenera­
das, e hoje religiosas, com voto de pobreza, casti­
dade e obediência, verdadeiras, genuínas e exclusi­
vas esposas de Cristo, que seguem o Cordeiro, para
onde quer que for! Puras até os íntimos pensamen­
tos. Comunhão diária. Cantata pessoal com Cristo,
que vive em suas almas, que é a sua própria vida.
Contraste "paradoxal". De verdadeiros animais para
almas puras e consagradas ao Deus invisivel. E a
força? ! E a raiz sempre nova e sempre velha das an­
tigas paixões, do velho Adão, que nunca morre?

Esperamos alguns minutos, enquanto iamas


ventilando estes pensamentos contrastantes, torna­
dos realidade em pessoas vivas, que logo mais ia­
mas ver. "Estão terminando o almoço", volta a Su­
periora sorridente e satisfeita.

A porta se abre, uma dúzia delas surge radian­


tes diante de nós, felizes, leves, como que levadas
pelas asas do vento. Impressão profunda, inapa­
gável! Ai estávamos nós, sacerdotes, religiosos,
consagrados quase desde a meninice exclusivamen­
te a Deus. Elas, uma dúzia de moças, nos seus vinte
anos, envoltas no hábito religioso, não branco (co­
mo o lirio ! ) , nem preto (para indicar a separação
do mundo e a familiaridade com o pensamento da
morte ! ) , mas duma cor escura, bronzeada, dum
marram desbotado, enfim duma cor que indica pe­
nitência. Sandálias franciscanas, touca marram,

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desbotada, escorrendo sobre a cabeça. Mas que sor­
risos e que alegria! Radiantes como o sol! Tudo
espontâneo, profundo e transbordante! Pareciam
náufragos, que, na segurança do porto, lembram
com galhardia as tempestades que passaram, por­
que não há mais perigo de sossobrar. Fitavam-nos,
como se acabassem de baixar do céu, por alguns
instantes, a fim de entrevistarem seres curiosos,
que vieram do mundo.

Como num "flash" luziu-me, na mente, a per­


gunta quase incriminadora: "Já foste alguma vez
tão feliz como estas ex-prostitutas?! Pelo menos
uma vez!? Tão espontânea e sinceramente feliz!?"

Parecia reviver a parábola do Evangelho. Ai


está Cristo comentando a parábola. No templo,
bem à frente, está o fariseu, todo retesado, atiran­
do moedas tilintantes no cofre, e revirando os olhos
importantes para o céu. "ó meu Deus, como não
vos devo agradecer, por não ser como este publi­
cano, lá no fundo!?" E o publicano, lá no fundo,
na penumbra do templo, de cabeça caída, batendo
ao peito, suspira: "Pequei, Senhor, perdão!" Quem
voltou justificado? Cristo mesmo, o próprio Deus
encarnado, mostra a sua aversão pela atitude do
fariseu, e canoniza solenemente o hillnilde publi­
cano.

Foi-nos dito que uma destas religiosas, tão re­


ligiosa e tão consagrada ao divino Esposo, como a
própria santa Teresinha do Menino Jesus, era da

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Suécia. Caiu no vício, regenerou-se e achou o ca­
minho da verdadeira fé, converteu-se ao catolicis­
mo e, como tinha um coração capaz de amar muito,
entregou-o, após todas as decepções da vida, ao úni­
co Esposo de sua alma, digno de todo o seu amor.
Esta jovem Esposa de Cristo parecia desafiar a
todo o mundo, na sua alegria e felicidade que trans­
bordava dos olhos.
E tudo isto!? Como se explica?! "Senhor,
sirvo-te há tantos anos! E estas da última hora,
da undécima hora, são mais felizes do que eu!"
Uma veneração profunda surgiu na alma de to­
dos nós, um respeito, semelhante ao do próprio
Cristo, por estas almas humildes. "Quem se humi­
lha, será exaltado ! " O Mestre da vida espiritual, S.
João da Cruz, que não contemporizava com as ma­
nhas da natureza humana, escreveu nos seus "Avi­
sos e Máximas": "Todas as visões, revelações e
dons celestes não valem o menor ato de humilda­
de!" Estas Irmãs eram humildes, ao pé da letra,
e por isso felizes, e por isso inspiravam simpatia e
veneração!

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3. A boneca da Santa

Quando em Roma se encontram milhares de


relíquias - rellquias importantes, de santos anti­
gos, antiquíssimos, até mesmo do manto de S. José,
dos ossos de Maria Madalena, dos cabelos de
Nossa Senhora, relíquias dos Apóstolos, etc. etc. -
e quando se vê, que a historicidade de muitas clau­
dica seriamente, pode-se cair na tentação dum ce­
ticismo extremo.
Tivesse Lutero, no século XVI, feito logo as
necessárias distinções, e às vezes até mesmo sub­
distinções, entre tolerância e mera aprovação da
Igreja, não estaríamos agora mourejando de for­
ças unidas, rezando e sacrificando-nos pela volta
dos milhões de irmãos separados.
Em Assis, visitamos a casa onde se diz ter nas­
cido, no século XII, o pobre São Francisco. O "ci­
cerone" acudiu solícito, nos relembrou, numa ver­
borréia de superlativos, todos os pormenores do
nascimento e vida do Poverello de Assis. "Veja,
signore, aqui, neste lugar, aqui mesmo, onde está a
argola, foi amarrado o cavalo do jovem Bernardo­
ne. Aqui, justamente aqui, nasceu Francisco, aqui

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no estábulo". Sentindo algumas Liras, na palma da
mão, o "cicerone" inventou mais algumas barbari­
dades históricas, das quais o poverello de Assis tal­
vez nunca tomou conhecimento.
Todas estas recordações dissipam-se, como por
encanto, se relembro outra cena, também de relí­
quias.
Foi em Lisieux, na França. Cidade de uns
trinta mil habitantes. Clima ameno, temperado,
É a cidade de S. Teresinha do Menino Jesus, a San­
ta de Lisieux, a Santa dos nossos tempos. Além
do convento, onde ela passou os últimos anos de
sua vida, e a igreja conventual anexa, vimos a Ca­
tedral de S. Pedro, onde ainda hoje se encontra o
Confessionário, em que fez a primeira confissão.
Lá se guarda a cadeira em que sentava, para ou­
vir as pregações, nos domingos. Entrando pela
porta lateral, topamos com o aviso: "Por esta por­
ta entrava a jovem Teresa Martin, nos domingos,
para assistir à santa Missa."
Na Igreja Conventual, estão conservadas as re­
líquias do seu corpo, na urna preciosa, chamada
"urna do Brasil", por ser a nossa pátria o doador
desta urna, por ocasião da Beatificação de Santa
Teresinha. Do lado, está a sala com todas as re­
líquias da Santa: o vestidinho de noiva da primeira
comunhão, seus trabalhos manuais, as sapatilhas
brancas, o hábito de trabalho, e até o cacho abun­
dante, comprido, louro e ondulado de seus cabelos,

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de que se privou aos 15 anos, para consagrar-se ao
Esposo de sua alma, na Clausura perpétua do Car­
melo.
A casa onde ela morava, é um dos pontos mais
pitorescos e atraentes da cidade. É a vila "Buisso­
nets". Jardllls verdejantes, algumas árvores copa­
das, e no meio, distinta e bem conservada, a casa
da família. No jardim está um grupo de estátuas de
mármore: o pai, sr. Martin, no seu fraque e sapatos
luzidios, barba escovinha, inclinando-se paternal­
mente sobre a filha de seus quinze anos, que lhe
pede, com os olhos ardentes e o cacho de cabelos
escorrendo abundante sobre os ombros, a licença
de entrar no Carmelo. A mão pousando sobre os
ombros da "princesa", o pai parece dizer, num
misto de dor e fé sobrenatural, o seu generoso
'1sim".
Entrando pela casa, vêem-se ainda conservados
e intactos todos os móveis e objetos. Tem-se a im­
pressão, de que a família foi a passeio, para den­
tro de alguns dias voltar. A lareira esperando pe­
la primeira acha de lenha. A cama feita e alisada,
com os rendilhados de seda branca. O berço da
santa lembra a infância saudosa. No centro a es­
tátua, que sorriu à Teresinha, numa de suas doen­
ças.
E de repente, os turistas olham fascinados pa­
ra um ponto: sobre um dos móveis estão enfileira­
dos, em série, os brinquedos da infância. No cen-

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tro, sobressai uma grande, bela, bem vestictinha bo­
neca, com as faces rosadas, olhos azuis, boca en­
treaberta, dizendo, de braços estendidos: "Mamãe!"
Um bilhete diz apenas, com brevidade lacônica: "A
Boneca da Santa!" Mas nesta breve inscrição está
condensado um tratado inteiro, sobre o aspecto hu­
mano que devemos encontrar, na vida de todos os
santos canonizados pela Igreja.
Os santos não caíram das nuvens. Não nas­
ceram santos, mas tais se fizeram à custa dos sa­
crifícios mais heróicos. Foram homens como nós,
do mesmo barro de Adão, com as mesmas dificul­
dades, quedas, decepções, esperanças, lutas e ideais.

Relíquia interessante e significativa: "A Bo­


neca duma Santa!"

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4. O melhor Professor

Recordando todos os professores, no decurso


de mais de vinte anos de estudos - desde os ban­
cos da escola paroquial até os bancos (tão bancos
como os de qualquer outra escola! ) duma Pontifí­
cia Universidade, na própria Cidade Eterna -, há
uma porção deles, que deixaram profunda impres­
são e verdadeiros rastos, neste longo roteiro das
conquistas intelectuais.

Com o volver dos anos, o aluno avança no es­


pírito de critica e censura. Não gosta de engolir
todos os medicamentos, indistintamente, sem antes
olhar bem o rótulo. Não que desconfie encontrar
veneno, mas a dosificação talvez não esteja adap­
tada à sua digestão intelectual. Quase diria que o
aluno não se contenta mais com palavras, mas pre­
fere a segunda metade do adágio: "Palavras mo­
vem, exemplos arrastam! "

Foi o que me sucedeu de setembro de 1957 até


julho de 1958. É o ano chamado Terceira Prova­
ção, ou "Schola Affectus", ou até Segundo No­
viciado, que segue após todos os estudos de for-

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mação jesuítica, para acalentar novamente a alma,
com o sabor das coisas celestiais e eternas.
O Instrutor ou Diretor deste Curso de Sacer­
dotes Formados - éramos 28 pessoas, provindas de
10 nacionalidades diferentes - foi o P. Otto Pies,
S. J.. Este cargo exige grande experiência e pro­
funda formação espiritual, a par dum ascendente
pessoal muíto elevado.
Quando soube que o Padre Pies esteve quatro
anos e meio detido no Campo de Concentração em
Dachau, nas proximidades de Munique, vítima dos
nazistas, todas as suas palavras revestiram-se de
grande autoridade. O Retiro Espiritual de trinta
dias seguidos, que nos deu, pareciam apenas oito
dias, tão profundos e substanciais que eram. Neste
mês de profundo recolhimento fez duas alusões à
sua prisão dos quatro anos e meio.
Na primeira alusão, referiu-se ao grande Após­
tolo São Paulo, que foi posto em algemas e leva­
do a Roma, para ser processado. O Padre Otto Pies
foi um dia surpreso, em sua residência, perto de
Munique, por dois oficiais nazistas, que o algema­
ram e levaram preso, sem ulterior explicação, ao
Campo de Concentração em Dachau. A princípio o
sacerdote sofreu, como é fácil de explicar, um cho­
que nervoso, mas logo uma alegria interna, indi­
zível, o invadiu, a ponto de sentir um orgulho san­
to, por tornar-se, de alguma forma, semelhante ao
divino Sofredor Jesus. "Foi uma das alegrias mais

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puras que senti em toda a vida", rematou o sacer­
dote.
Na outra alusão falou sobre o desânimo, que
pode invadir até os sacerdotes mais santos, quando
não vêem os êxitos imediatos de seus trabalhos e
suores. É o célebre "ponto morto", que de vez em
quando o carro de nossa vida deve passar, para fa­
zer as diversas mudanças, na sua marcha ascensio­
nal a Deus. Começou a ler, numa folha amarelecida
pelo tempo. Foi a mesma instrução, que fizera a
seus companheiros de prisão, em Dachau, para rea­
nimá-los na confiança inabalável em Deus. Cerca de
700 sacerdotes de várias nacionalidades e até um
bispo francês foram jogados num barracão, e for­
çados ao trabalho duro.
Cada manhã saíam eles, de macacão enumera­
do, como criminosos, para voltar de noite, com os
membros doridos e o corpo alquebrado pelos maus
tratos dos fiscalizadores. A custo o sacerdote con­
seguia reler estas folhas amarelecidas, que estavam
prenhes de sofrimentos e confiança em Deus. Ti­
nha que escrevinhar de noite, após o trabalho for­
çado, à luz duma vela de cebo, com a folha de pa­
pel estirada sobre a táboa, que lhes servia de cama.
Parecia o Paulo de ants.mho, que escrevia, com as
mãos acorrentadas, as palavras de animação aos
cristãos de Corinto, Galácia, ll:feso, Tessalõnica, etc.
Foi impressionante aquela conferência! Acre­
ditei sinceramente nas palavras aí escritas. Esta

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meditação não foi escrita ao bafejo da calefação ou
à luz fosforescente do quarto, mas sobre uma tá­
bua tosca, num macacão de criminoso, e no meio
de gemidos e sofrimentos morais e físicos.
Quando, no fim do grande retiro de trinta dias,
fui a seu quarto com um colega, para agradecer­
lhe a dedicação, surpreendemo-lo de pé, rezando
diante de um quadro e de uma vela acesa. Neste
quadro havia dezasseis rostos sorridentes e juve­
nis. Jovens estudantes jestútas! O padre estava co­
movido. Estes dezasseis rapazes fizeram, com ele,
pelo ano de 1951, uma peregrinação ao Santuário
de Santa Hedwiges em Andechs, e na volta, por
um trágico descuido, um trem rapidíssimo colheu
em cheio o caminhão, sobre os trilhos. Entre os
pouquíssimos sobreviventes, gravemente feridos,
estava o Padre Pies. Dias depois, dezasseis esqui­
fes, com as jovens vidas colhidas em flor, enfilei­
raram-se, lado a lado, para descerem ao último
descanso. Choque tremendo, do qual o sacerdote
nunca se refez completamente! Estas jovens vidas
teriam talvez feito o seu Retiro Grande.

Ao termos agradecido, o padre mostrou a sua


grande satisfação, dizendo: "Faz um bem ao supe­
rior ver a gratidão, pois ele também é irmão em
Cristo, e tem direito à compreensão e caridade!"
Raras vezes tinha pensado que os superiores eram
também irmãos em Cristo. Sempre os colocara lá
em cima, na estratosfera!

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Mas a lição mais flagrante, que este mestre da
vida espiritual e apreciado escritor ascético nos
deu, foi bem no inicio do nosso Curso. Escreveu
ele, aliás, uma bela biografia sobre um rapaz cha­
mado Karl Leisner, que interrompera os estudos
ao sacerdócio, por ser encarcerado no Campo de
Concentração de Dachau. Estando às portas da
morte, o bispo, um dos concentrados, ordenou-o
secretamente sacerdote, com os recursos rudimen­
tares de que dispunham!
Bem no início do nosso Curso, surpreendeu­
nos a notícia de que o Instrutor devia submeter-se
à operação de um olho, pois não via desimpedida­
mente, como se um objeto opaco lhe interceptasse
a vista. O médico disse-lhe, com certa timidez: "Re­
verendo, se não extrairmos o olho, estará em peri­
go de morte todo o organismo ! " Sem refletir um
momento, o sacerdote rematou, com a caracteris­
tica da lógica inaciana: "Então, que se tire!" Sur­
preso por esta resposta, o médico, nem ele mesmo,
estava ainda preparado para a próxima ação, su­
geriu-lhe que refletisse por um ou dois dias. O sa­
cerdote retruca: "Não há que refletir. O fato é
este!" Não se duvidou mais. A operação se fez. A
tarde do dia seguinte, veio um aviso na tabela: "O
Padre Instrutor espera a visita da orientação men­
sal!" Lá fomos um por um, numa hora mais pro­
pícia, para apresentar-nos ao Diretor.
Quando entrei no seu quarto, lá estava ele, sen­
tado, com o vazio do olho esquerdo encoberto com

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enormes esparadrapos e gazes brancas, enquanto o
olho direito sorria todo aberto e paternal a meu
encontro. Lá pensávamos consolar alguém, e nós
é que saíamos consolidados e confirmados. A con­
versa corria tão simples e profunda, como se ele
estivesse no seu quarto em casa, dando como sem­
pre as suas diretivas.
Ao despedir-me, disse ele, com a felicidade
dum pai, que pôde fazer algo por seus filhos: "Ofe­
reci a operação e os sofrimentos por meus tercei­
ranistas! Rezo todo o dia por eles!"
Foi uma lição profunda, inesquecível. Um mes­
tre, que ensinou verdades com a palavra e o exem­
plo. Que aluno não se sujeita a um tal professor,
que prova com o exemplo o que ensina pelas pa­
lavras!

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5. A morte de Pio XII
Quando cheguei a Milão, última etapa antes de
chegar definitivamente a Roma, topei num dos jor­
nais com este título enorme: "Pio XII moribun­
do!" Notícia alarmante. Cheguei a Roma e o es­
tado de Pio XII sempre em grave situação.
Subitamente, aparece nos jornais matutinos de
Roma: "Pio XII morto!" E . . não era verdade.
.

Mataram o Papa "jornalisticamente", quinze horas


antes da própria morte! E não faltaram pormeno­
res interessantes do falecimento.
Foi um fracasso, único no gênero. Como acon­
teceu isto!? Uma das explicações a "boca chiusa"
foi esta: "No seu afã, quase "imoral", os jornalis­
tas e repórteres, que não podiam aproximar-se do
leito do Pontífice moribundo, queriam conseguir a
colaboração de uma pessoa, que trabalha junto ao
Papa. A combinação teria sido esta: Se o Papa es­
tiver morto, o indivíduo virá abrir a janela. Assim,
lá debaixo, entre a multidão ansiosa, os repórteres
poderiam captar a notícia do falecimento, sem que
ela passasse antes pelas portas normais de Castel
Gandolfo!"

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Mas aconteceu, que a certa altura, um dos sa­
cerdotes, percebendo o ar abafado do recinto, foi
por conta própria abrir a janela, para arejar o am­
biente. Foi o que bastou. Pio XII morrera . . .
Desta maneira, Pio XII foi "assassinado" jor­
nalisticamente. Era só ver o esforço gigantesco, de
como se recolhiam um por um os jornais ainda à
venda, nos diferentes pontos, para evitar uma des­
moralização pública dos jornais de Roma. E os
que já foram despachados de trem, avião, para o
estrangeiro? E os avulsos já comprados, em Ro­
ma, ficam para provar que o jornalista tem res­
ponsabilidades mais graves, do que ele mesmo
suspeita, enquanto a pena foge pelo papel afora . . .
Mas no dia seguinte, os sinos de Roma bada­
laram tristes, pausados: Pio XII realmente morre­
ra! Um pesar de profunda nostalgia cobriu a Ci­
dade Eterna, entristecendo o coração de todos os
romanos.
Espetáculo impressionante foi o cortejo fúne­
bre, que transportou o corpo do Papa defunto de
Castel Gandolfo à Basílica Vaticana: o percurso de
longos quilômetros foi literalmente ocupado pelo
povo, que queria ver passar o Papa morto. Espon­
taneamente veio-me à memória a frase: "Era de
fato a alma do Povo de Roma!"
Quem se lembra, de que Pio XII salvou a Ci­
dade Eterna do bombardeio alemão, na última
Guerra, não deixa de reverenciar a Placa Comemo-

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rativa, na Via della Conciliazione, que o chama de
"SALVATOR URBIS" (Salvador da Cidade) .
N a outra manhã começou a grande afluência
de povo, para ver os restos mortais de Pio XII, na
Basílica de São Pedro. A organização é perfeita,
como sempre nas Cerimõnias do Vaticano. Guar­
das palatinas, suiças, pontifícias, sempre gentis,
pacientes, repetindo o seu cantínuo, abafado, mas
decidido "avante", para que as filas intermináveis
continuassem girando, sem congestionarem diante
do catafalco.
Consegui, por detrás do cercado, um posto fi­
xo, donde pudesse ver à vontade o grande Pio XII,
estirada livremente sobre o alto catafalco, nos seus
paramentos pontifícios, as sapatilhas brancas, as
mãos postas em prece sobre o peito e o rosário en­
volvido entre os dedos. Via-se que consumiu todas
as forças físicas pelo bem da cristandade. Ema­
grecido e alquebrado pelos anos, mas o nariz aqui­
lino, fortemente arqueado, salientava-se ainda
mais, por falta dos óculos, e lhe dava um ar de
serenidade, mas também de retidão, ainda que
morto e imóvel, ele, que era tão ágil nos gestos,
quando era levado na sede gestatória pela Basílica
Vaticana, durante as grandes festividades e audi­
éncias públicas, saudando a todos os turistas e pe­
regrinos, que o ovacionavam freneticamente.
Não havia realmente nenhum problema de si­
lêncio, na imensa Basílica, onde todos convergiam

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como para um ímã, ao encontro daquele morto,
que jazia silencioso, mas cheio de majestade, no
alto catafalco: todos sabiam que estavam desfilan­
do diante dos restos mortais daquele, que haveria
de entrar decididamente, como grande figura, na
História Universal.
Uma senhora, do lado, espontaneamente me
ofereceu o seu pequeno binóculo. Consigo enqua­
drar toda a figura, no foco, mas em especial o ros­
to, aproximando-o de mim, a poucos passos: sere­
no, intelectual, m�s morto. Não estende mais os
braços, com seus gestos vivos e abertos, sorrindo
para todos os visitantes, que o vinham ovacionar
em massas, na Basílica de São Pedro.
Estranho! Aquela cor esverdeada, dum verde
escuro, brilhante, que lhe cobre as faces, não é nor­
mal. Logo sussurra-se do lado, que a embalsama­
ção era dum tipo novo, e era a primeira experiên­
cia. Focalizando melhor, percebi que o verde em
algumas partes apresentava fissuras, como dum
mosaico não bem ajustado. Os jornais encarrega­
ram-se de ventilar este problema: eis o segundo
fracasso e falta de tato com o Papa defunto.
Domingo. Véspera dos solenes funerais. Estou
por acaso na Rádio Vaticana. Um telefonema pede
que se instalem alto-falantes na Praça de São Pe­
dro, para acalmar o povo, que se impacienta e sal­
ta os cercados, tornando impotentes os centenares
de polícias e guardas. Aquelas moles imensas com-

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primiam-se, numa avalanche pesada e compacta,
por cima dos portais de bronze, e se arrepiaram
de súbito, quando um sussurro de suspeita passou
pela Praça, afirmando que, era a última ocasião de
ver o Papa defunto, pois na manhã seguinte não
haveria maicl possibilidade. Foi a faísca do incên­
dio. Ninguém queria perder esta última ocasião, e
quantos não vieram de longe, de outros países da
Europa, da América, do Extremo Oriente, para pre­
senciarem este momento profundo e histórico!
Volto à Praça de São Pedro. As massas en­
lram e saem, girando numa roda viva, num elo
único e cerrado. Um sacerdote, que já vive anos
cm Roma, pára no alto da escadaria e estende os
olhos por sobre a Praça, regorgitando de gente, e
suspira: "Tanta gente . . . nem mesmo no Ano San­
to!"
Esta exclamação dá uma idéia de quanto uma
pessoa pode atrair os corações humanos, e quando
se trata do Papa, o próprio Cristo na Terra, a jus­
tificação está no seu lugar.
Passando algumas semanas depois, nas vizi­
nhanças do Vaticano, ouvia em cada quinze minu­
tos o badalar do relógio da torre, no seu tom cho­
roso, lento, melancólico e inconsolável. Parecia
lembrar, em cada quarto de hora, o Papa morto.
Parecia ter saudade daquela figura branca, que mo­
rava lá em cima, no lado oposto, na segunda janela,
o a quem avisava fielmente os quinze minutos de

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cada hora do dia. Agora, não sabe mais para quem
bater, mas continua badalando fielmente . . . e ca­
da vez que bate, no seu tom triste, melancólico e
choroso, uma saudade envolve a atmosfera, que se
espalha por toda a Cidade Eterna . . . pois morreu
Pio XII, o grande Papa, Pio Magno!

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6. A eleição de João XXIII
Quando o Cardeal Canali apareceu, na sacada
da Basílica de São Pedro, anunciando pelos altofa­
lantes por sobre as multidões ansiosas a grande no-
tícia: "Magnum gaudium nuntio vobis . . . Habemus
Papam . . . Angelum Josephum Roncam . . . Johan-
nem XXIII!", e quando, meia hora depois, o novo
Papa aparecia no balcão da Basílica, lançando a
sua primeira bênção "Urbi et Orbi", - mesmo en­
tão a saudade e nostalgia por Pio XII pareciam im­
pregnar a atmosfera.
Embora milhares de lenços brancos flutuas­
sem ao encontro do novo Papa, na penumbra da
noite, com o marulhar crescente de "Viva il Pa­
pa", misturado com o chiar dos imensos chafari·
zes, junto ao alto Obelisco, no centro da Praça de
São Pedro, - mesmo então Pio XII não morrera
de todo no pensamento dos fiéis.

Uma série interminável de peregrinos e devo­


tos baixavam, dia por dia, às grutas vaticanas, para
ajoelhar-se sobre o pavimento, diante da tumba,
dum mármore branco e desataviado, do Papa mor-

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to, onde se lia a simples e lacónica inscrição: "PIUS
PP. XII".
Mas João XXIII é o novo Papa, eleito no Con­
clave e ratificado pela vontade do Chefe invisível
da Igreja, Cristo. Não é o nobre patrício romano,
mas o filho dum camponês bergamasco. Foi isto,
que brotou espontaneamente, na sua primeira men­
sagem radiofónica, a todo o Orbe Católico: a gra­
tidão por seus pais, abnegados trabalhadores do
campo. A sua primeira mensagem foi uma decla­
ração de fraternidade para com os pobres, sempre
caros a seu coração simples e paternal.
A imprensa, que até no Conclave quis anteci­
par o Espírito Santo, fazendo míl e uma conjetu­
ras sobre o novo Vigário de Cristo, falou da pos­
sibilidade dum Papa de Transição. Sendo eleito o
Cardeal Roncam, que contava 78 anos de idade,
acharam ter feito uma profecia "jornalística".
Mas a pronta atividade do novo Papa forçou
o jornalismo a um estado continuo de alerta. Nin­
guém sabia o que podia acontecer no dia seguinte.
Parecia uma força jovem, inexaurível. João XXIII
quebrou o complexo histórico da "prisão voluntá­
ria do Papa no Vaticano", iniciado, há cem anos,
por Pio IX. Saía com freqüência, para visitar as
Igrejas, no tempo da Quaresma, e tomar parte na
procissão da penitência, junto com o povo. Visi­
tava os encarcerados e doentes. Foi ao convento
dos camaldulenses de Frascati, sem avisar a nin-

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guém. E os jornalistas já não davam conta do re­
cado: o Papa os vencia e os ocupava continuamen­
te. O romano, que não esquece o humor, nem mes­
mo em coisas santas e religiosas, aventou o adá­
gio, de que o novo Papa já não era o Papa "dei
passaggio" (de passagem, transição) , mas "dei pas­
seggio" (de passeio) .

Como pastor de almas, no pleno sentido da


palavra, pôs-se logo a pensar na reforma da dio­
cese de Roma, por meio dum Sínodo. (0 último
Sínodo de Roma foi há 500 anos ! ) Com a procla­
mação do próximo Concílio, já não se pode falar
em Papa de Transição, pois é um acontecimento
que chegou a polarizar os próprios irmãos separa­
dos do Oriente e Ocidente.

Caracteristico de João XXIII é de jogar os


maiores pensamentos e de enfrentar os maiores
problemas, com a simplicidade de quem confia ple­
namente na graça de estado e na Providência Divi·
na. Esta disposição profunda, vivencial, de sobre­
naturalidade, dá-lhe um ar de aproximação com os
fiéis, e todo o seu agir e falar é tão familiar, que
já nas primeiras palavras consegue envolver os co­
rações numa confiança mútua.

Devido a seu humor simples e realista, saiu


numa de suas biografias um apêndice de anedotas,
ntribuídas à sua Santidade. Várias são de sua vida
Rncerdotal, outras dos tempos diplomáticos, como
visitador, Delegado e Núncio Apostólico, na Bul-

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gária, Turquia, Grécia e França, e não as menos in­
teressantes, como Patriarca de Veneza e agora
como Sumo Pontífice.
Como pastor experimentado de almas, Sua
Santidade fala todo à vontade e com unção, quan­
do vê diante de si o auditório tipo "paroquial",
principalmente quando visita as igrejas de Roma,
onde os fiéis sempre o procuram, com grande aflu­
ência. Falando, então, "ex abundantia cordis", po­
de-se ouvir de vez em quando o seu sonoro "ecco",
que lhe serve de início para nova idéia, ou para o
calor da peroração. Este "ecco" contém um mundo
de vida, sentimentos de íntimo contacto com o in­
terlocutor, e pode-se intercalar, em qualquer parte,
para sustentar o fio da comunicação.
Como cada Papa tem a sua idéia mãe, ou a sua
preocupação íntima, embora não descure nenhum
problema importante da Igreja, João XXIII dá a
entender de que o sonho de seu pontificado é de
lançar a pedra fundamental para a união entre as
igrejas separadas.
Seu interesse é geral. Reuniu, por exemplo,
todos os seminaristas de Roma, na igreja de Santo
Inácio, após o Sínodo Romano, para lhes garantir
de que lhe são caros ao coração, e que várias vezes
ao dia eleva preces especiais ao céu pelos semina­
ristas vindos a Roma, a fim de que, voltando a
suas pátrias, sejam o fermento na salvação das
almas.

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Mas a União na grande Fanúlia de Deus, sobre
a terra, é o seu grande Ideal!

Já no começo do seu Pontificado elimmou, na


liturgia do Sábado Santo, a expressão dura "pér­
fidos judeus". Também mudou a terminologia de
dissidentes, protestantes, ortodoxos, anglicanos,
etc., para "irmãos separados". São nossos irmãos,
da mesma família, porque procuram o mesmo Cris­
to; mas são separados, porque não reconhecem o
Chefe visível de Cristo na Terra, o Papa.

Milhares, para não dizer milhões de irmãos se­


parados, nada mais estão fazendo, do que seguir
os passos dados deliberadamente por seus anta­
nhos, em séculos idos, sobre os quais repousa a
maior responsabilidade. Mesmo destes longínquos
iniciadores, sabe lá Deus, até onde vai a responsa­
bilidade. Quanta falta de caridade não houve talvez,
naqueles tempos, por parte daqueles, que eram en­
carregados de entrar em negociações pacíficas, com
os reformadores e desviados!

Como escritor e professor de História Ecle­


siástica, o novo Papa terá estudado anos a fio este
problema doloroso e humilhante para �oda a gran­
de Família de Deus, sobre a terra. Quem sabe, tal­
vez, não merecemos a volta de nossos irmãos se­
parados, por causa de nossa mediocridade e egoís­
mo religioso. Talvez desconfiem da sinceridade de
nosso amor!

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No dia, em que o cristianismo for, imbuido do
esp!rito genuíno de Jesus, necessariamente todos
terão que agrupar-se sob a mesma bandeira, o es­
tandarte da compreensão mútua e da caridade!
Porque a caridade, como diz São Paulo, não é di­
vidida. Se não tivermos a verdadeira caridade, Deus
não pode estar no meio de nós, com a sua bênção;
pois onde está a caridade e o amor, diz a festa de
Pentecostes, aí está Deus. Ubi Caritas et Amor,
ibi Deus est!

João XXIII é o Papa da caridade!

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7. Corpos incorruptos

Será que há santos realmente incorruptos?


Até onde vai este conceito "incorrupto"?

Na cripta da Igreja de Santa Maria Nuova,


junto ao Foro Romano, jaz Santa Francisca Roma­
na (t1440 ), estando o seu esqueleto envolto num
vestido branco, e havendo um lírio entre os dedos
descarnados.

Visitando o corpo de Santa Clara, em Assis,


que viveu no século XII, e vendo as feições resse­
quidas e escuras, que ainda dão uma idéia, de co­
mo ela foi, podemos chamá-la relativamente incor­
rupta. A Irmã de clausura estrita que, de repente
surgiu à minha frente, por detrás da grade, com
os olhos vendados por um pano preto, perguntou­
me donde eu era. Ouvindo que eu era do Brasil,
quis mostrar a sua gentileza lingüística e saiu a
falar num "espanhol" bastante desembaraçado. Ex­
plicou-me a religiosa, de que o corpo de Santa Cla­
ra se mumificou, com o tempo, por ter estado sem­
pre em contacto com o ar. Dei-lhe algumas Liras
italianas, que prontamente foram aceitas, com um
ugrazie tante".

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Corpo realmente conservado, intacto, com a.
frescura de vida no rosto, e isto depois de anos e
anos, será que existe? Afirma-se que Pio X, ex­
posto na Basílica de São Pedro, em Roma, está in­
corrupto, no pleno sentido da palavra. Diz-se, que
quando o exumaram pela última vez, o seu corpo
era ainda flexível, e os médicos entusiasmados e
simultaneamente preocupados, pela frescura ainda
existente, queriam colaborar, embalsamando-o no­
vamente. Mas, então, o rosto escureceu! Por isso,
agora, o rosto de Pio X está envolto, numa. más­
cara doirada, e �s mãos apenas pelas luvas bran­
cas.

De alguns santos encontram-se máscaras de


cera, tão perfeitas, que parecem estarem dormindo.

Chegando a. Roma, encontrei na Igreja de!


Gesil, o corpo de São José Pignatelli, S. J., tão na­
tural, que a primeira impressão era de ver um san­
to realmente incorrupto. As veias cruzando-se azu­
ladas no dorso da mão, o nariz típico, afilado, as
pálpebras levemente roxas, os lábios rosados, etc.
etc.: tudo indicava um santo incorrupto! Mas, al­
gum tempo depois, desapareceu o corpo "aparen­
te" e voltou a urna retangular, contendo os ossos
de Pignatelli. A explicação que me deram, foi de
que aquela máscara não correspondia com o estilo
artístico da Igreja do Gesil, que é um monumento
nacional, e que por isso foi retirada pela comissão
protetora da Arte.

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O Santo Irmão, Porteiro dos Capuchinhos, -
em Altõtting, no sul da Alemanha, onde está o gran­
de Santuário da Virgem, o popular "Bruder Kon­
rad von Parzheim" - falecido em 1894, com 86
anos de idade, está deitado, sob o altar da Igreja,
no seu burel rnarron bastante novo, o cordão bran­
co, a barba abundante e ruiva escorrendo sobre o
peito, mas tudo é apenas cera, que envolve as relí­
quias e ossos do humilde e simpático Porteiro que
durante 41 anos a fio, acudia a cada toque de si·
neta, para atender os peregrinos do Santuário.

Impressionou-me, profundamente, o mausoléu


de Napoleão, que se levantou dentro da grande Ca­
tedral dos Inválidos, em Paris. Um monumento à
parte! O gigantesco sarcófago, dum pórfiro encar­
nado escuro, reluzente, sob a imensa abóbada da
cúpula, parece mesmo falar duma divindade aí en­
clausurada. Napoleão está incorrupto? As cinzas
que falem! Um "cicerone" leva, cada quinze minu­
tos, novos turnos de turistas ao redor do impres­
sionante sarcófago e vai detalhadamente explican­
cto as gloriosas façanhas de Napoleão, coroando-o,
arrojadamente, com o título de "Protetor da Igre­
ja!"

Pouco mais além, ainda em Paris, à Rue du


Bac, 140, entrei na Capela Milagrosa, onde a jovem
Irmã, Catarina Labouré recebeu das mãos de Nossa
Senhora aquela medalha, que tantas bênçãos ha­
veria de difundir por todo o mundo. Quando aos

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6 de agosto de 1959, às 5,30 da manhã, celebrei a
santa missa, no altar, onde jaz esta jovem Irmã de
Caridade, envolta no seu hábito azulado de vicen­
tina, com o enorme chapelão branco engomado,
corno asa aberta de borboleta, não me contive em
observar de perto este rosto, ainda cheio de vida,
e tão formoso, como se fosse vivo. Fui Jogo per­
guntar à Irmã, que distribtúa a medalha milagro­
sa: "O corpo de Catarina Labouré está, de fato, in­
corrupto, ou é só aparência?" A resposta veio pron­
ta: "Incorrupto!" Fiquei pasmo. Esta jovem, com
o rosto ainda cheio de frescura, e numa serenida­
de confiante em Deus, parece dormir, num sono
imperturbável, naquele altar lateral, onde uma es­
tátua da Virgem indica, que foi lá que recebeu a
Medalha Milagrosa. (Ao lado está uma cadeira mtú­
to velha e tosca, com o simples bilhete: "Aqui sen­
tou-se a Virgem, quando apareceu à Catarina La­
bouré!")

Foi este o corpo realmente incorrupto que en­


contrei nas minhas viagens pela Europa: uma jo­
vem Irmã de Caridade, que consagrou o seu cora­
ção puro unicamente ao Esposo de sua alma, Cris­
to, e as forças do seu corpo inteiramente às neces­
sidades do próximo, como ainda hoje fazem deze­
nas de milhares de Irmãs Vicentinas, que podem
orgulhar-se de posstúr uma santa tão privilegiada
em suas fileiras.

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8. O relógio da Morte

As novas Enciclopédias dedicam um capitulo


especial à palavra "relógio", no sentido histórico.
Já os antigos monges tinham o seu relógio,
para indicar as diversas horas do Ofício divino. Pe­
los séculos XIV e XV surgiram os relógios astro­
nómicos, dos quais vimos um exemplar na Cate­
dral de Münster, diante do qual pousam continua­
mente turistas, às doze horas em ponto, para ve­
rem o Anjo do Senhor tocado e encenado vivamen­
te, além dos movimentos cíclicos de estrelas, cons­
telações e processos solares.
A "hora" é uma coisa sagrada. Na Alemanha,
todos os relógios das Estações ferroviárias são
controlados e acertados pelo sistema central do
Hamburgo. E se a chegada do trem está marcada
para às 16,48 horas então o trem que espere à certa
distância (caso vier antecipado!), pelo sinal de per­
missão, para girar estação adentro.
Em Roma, ao meio dia em ponto, sobe uma
lingueta de fumaça branca por sobre o observató­
rio do Colégio Romano, perto da Igreja de Santo
Inácio, e simultaneamente a sereia apita prolonga­
damente, e já nas alturas do Janículo estrondeia

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um tiro de canhão: são doze horas! As Igrejas em
Roma começam a tocar, em coro uníssono, o Ange­
lus. E todos os romanos dão uma espiadinha ao
relógio, para acertar a hora. A hora do meio dia
em Roma não passa despercebida a ninguém: é
também a hora do intenso tráfego, pelas ruas es­
treitas da velha cidade. Unindo o assobio estriden­
te e prolongado da sereia ao ronco monstruoso do
canhão, e ambos ao bimbalhar das centenas de
Igrejas em Roma, e tudo isto com o impaciente e
eterno buzinar de automóveis, que querem avan­
çar, por haver um enforcamento do tráfego, chega­
se à conclusão infalível: são de fato doze horas em
Roma!
Aliás, em Roma, é também célebre a hora exa­
ta da meia-noite no fim do ano, o assim chamado
"Capo d'anno." Na iminência do novo ano, os ro­
manos querem de fato começar uma vida nova, e
isto à meia-noite em ponto, e de tal maneira, que o
cristão mais cansado e mais profundamente ador­
mecido, não deixa de se acordar; toca meia-noite,
e ai de quem anda lá embaixo, pelas ruas, porque
das janelas de todos os andares voam garrafas, va­
sos de porcelana, copos, panelas velhas, trapos, ca­
cos de vidro, sapatos velhos, enfim tudo o que é
fadado a perecer com o ano velho! Uma orques­
tra de vidros tilintantes sobre o asfalto da rua!
Na outra manhã, voltam, como sempre e com
a mesma calma e o mesmo ritmo, os varredores de
rua, ajuntando, varrendo, amontoando e cantando,

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e logo mais encostam os carros da Limpeza Públi­
ca, para levarem as coisas do velho ano. No bairro
popular do Transtévere, deve ter havido, pelas ruas,
uma camada de meio metro de altura, e os carros
da limpeza roncaram toda a manhã, para desimpe­
direm o tráfego!
Tréveris, a cidade bisavó da Alemanha, a se­
r,unda Roma de Constantino, possui também a sua
hora sagrada. Cada noite, às dez horas em ponto,
o sino da Igreja de São Gangolfo rompe festivo pe­
los ares. Indagando pela causa, foi-me dito que era
uma tradição secular e sagrada. Em tempos idos,
costumava o sino de São Gangolfo anunciar, às dez
horas da noite, o fechamento dos portões da ci­
dade. Ainda hoje impressionam os restos destes
muros paquidermes, que cintavam as cidades euro­
péias, para defesa contra os assaltos noturnos. Não
há mais portões a ferrolhar, mas o sino continua
ununciando, às dez horas em ponto, a hora do re­
colhimento, e o povo se deleita e sente a necessi­
dade deste aviso, e mentalmente cada qual, princi­
palmente os mais antigos, vão se recolhendo a suas
casas, e atrás deles fecham-se pesadamente os por­
tões da cidade. Todos podem dormir tranqüilos:
" cidade está protegida, os inimigos não podem pe­
netrar! Além disso o vigia da torre de São Gangol­
fo continua, na mente dos cidadãos, com sua lan­
lerna na mão, olhando de olho aceso para dentro
"" negra noite, e sacrificando o sono pela paz e
trnnqüilidade do povo.

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Talvez o relógio mais "turístico" da Alemanha
é o da Prefeitura, em Munique, em cuja torre está
instalada, há vários séculos, uma cena pitoresca,
que se desenrola, cada manhã às onze horas em
ponto. Todo o Largo da Prefeitura ferve de turis­
tas de todas as cores do mundo, para presenciar
esta cena, no alto da torre. O relógio bate onze
horas e um jogo de sinos toca a Ave Maria, idilica­
mente. A seguir abrem-se os portais e a cena avan­
ça. Uma princesa, juntamente com o esposo, assiste
do balcão à batalha dos soldados, montados em gi­
netes. Um por um vão caindo os soldados, até se
enfrentarem os dois rivais restantes, num duelo
mortal. Finalmente um deles baqueia sobre o seu
cavalo, com o corpo atravessado pela lança do
adversário. O herói faz uma vênia em honra da
princesa, e os personagens giram para dentro da
torre, fechando-se os portais, para novamente se
abrirem, no dia seguinte, ao toque pontual das onze
horas.

Um fato histórico, porém, mais triste e pensa­


tivo, relembra o relógio da Morte, no interior da
igreja de São Pedro, em Alttitting. Sobre a ma­
quinária do relógio, surge, numa redoma de vidro,
o esqueleto da morte, com a enorme foice na mão,
que vai pendulando, no tique taque rítmico do re­
lógio, ceifando, em cada segundo, mortes invisíveis.
A Guerra dos Trinta Anos, finda em 1648, ceifara
numerosas vidas, na Alemanha. Seguiu-se depois
uma grande peste, que avassalou toda a região, a

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ponto de surgirem cemitérios espec1a1s. Foi a
"negra morte", que passou pela Alemanha, ceifan·
do, no tique taque rítmico do relógio, inúmeras
vidas.

Olhando atentamente esta figura esquelética e


negra, sorrindo descarnada e mordaz, e ceifando
ao pendular rítmico do relógio, vidas e mais vidas,
devemos concluir; que é o retrato vivo da realidade.
Em cada segundo, morrem três pessoas no mundo.
E virá aquele segundo, em que um dos tique taque
desta foice negra da morte terá valido para mim . . .

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9. O jardim florido de Roma

Dizem que há três coisas em Roma: Turistas,


policias e padres! Para quem viveu dois anos em
Roma, esta observação aparece justificada. Roma
é a cidade do turismo, em todos os cambiantes da
palavra. É a cidade dos policias, no sentido mais
variado, e a cidade dos sacerdotes, de todas as cores
e línguas.
Em Roma, há turistas desde os saiotes pito­
rescos dos escoceses, até as longas togas das in­
dianas, que vão até os tornozelos. Muitos turistas
aproximam-se de Roma, nos confortáveis aviões a
jato, que pousam arquejantes no aeroporto do
Ciampino; outros chiam velozes, em trens rápidos,
para dentro da imponente Estação Termini, mais
outros balouçam, nos poderosos transatlânticos,
para ancorarem nos portos de Gênova e Nápoles, e
não poucos rodam em automóveis e pullmans, pelos
alpes abaixo, e um e outro vem, palmilhando os dis­
tantes quilómetros, a Roma, a pé, numa marcha de
penitência e amor, para receber como única recom­
pensa a bênção do Pai comum da Cristandade.
Há turistas de todas as categorias e credos,
desde os representantes de povos católicos até os

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mandatários das igrejas separadas e os principes de
povos pagãos.
Em Roma há tun ímã, que faz confundirem-se
todos os homens e raças e credos: é o "mistério
da unidade", em que não há judeu, nem grego, mas
todos são filhos do mesmo Deus. Até tun grupo de
russos pousou, um dia, defronte a montunental
Basilica de São Pedro.
Em todas as estações e dias do ano, há turis­
tas em Roma, desde o Ano Bom até a noite de São
Silvestre. Mas nas grandes festas litúrgicas, há ver­
dadeiras avalanches.
E os polícias de Roma? Gente boa e simpática!
Não parecem policia, mas antes tun adorno e en­
feite de Roma. Há os policias de tráfego, de pé, no
meio dos cruzamentos, sobre um caixote, com o
capacete preto, as luvas brancas escorrendo até o
cotovelo, e o fardamento azul. . . dirigentes natos
de tuna grande orquestra! Um gesto ondulado para
a frente, convidando nova resma de carros para o
ataque; um ligeiro movimento de fugida, por detrás
das costas, permitindo ao Fiat 600 de seguir à es­
querda; tun rápido crescendo da direita, que ace­
lera aquele fílobus e as três camionetas; a mão
suspende-se para o alto, como fazendo parede, e
aquela fila estaca; e já a outra mão dá o compasso
de entrada para o novo setor da orquestra automo­
bilística; de repente tun apito estrila, mais outro e
mais outro: aquele carro, lá no outro lado, avan­
çou contra mão. Um olhar sério. Mas o carro é es-

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trangeiro, alemão. Um sorriso do polícia, e um sua­
ve gesto de perdão, para continuar. E a orquestra
continua a tocar e roncar.
E tudo vai bem. Quando chega a festa do Pa­
pai Noel, os romanos depositam aos pés dos guar­
das de tráfego inúmeros pacotes e presentes, para
mostrar a simpatia e pedir simpatia até o seguinte
Natal.
Quando há as grandes paradas e recepções de
Chefes de Estado, o cortejo policial estende-se por
vários quilómetros, havendo, em cada dez metros.
uma farda rija, imóvel, fazendo alas ao ilustre vi­
sitante.
Caminhando pela rua, dobrando a esquina, pas­
sando diante do cinema, entrando no parque, sain­
do do museu, atravessando a praça, parando ante
o monumento, viajando de trem, observando as fre­
qüentes greves de bancários, ferroviários, estudan·
tes, etc., ou quando há novenas e tríduos numa igre­
ja. . . sempre vejo os polícias de Roma, um, dois on
três. Para vigiar?! Talvez sim, mas é antes o apos­
tolado de sua presença! O policial romano não é
nocivo, (excetuando um ou outro caso, explorado
pelos jornais, por exemplo, de um vigia, que entrou
em conivência com um grupo de exploradores
sexuais ) , mas, em geral, é simpático, gentil, pacien­
te e muito serviçal!
E os padres?! Incontáveis, numa incontável va­
riedade. O Guia Turístico de Roma aconselha aos
visitantes uma chegada à Universidade Gregoriana,

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para observar a saída dos alunos, no fim das aulas.
Esta Universidade, fundada por Santo Inácio em
1555, e ampliada sob os auspícios de Gregório XIII
(por isso chamada Gregoriana!), é talvez a obra
mais representativa da ordem dos jesuítas. Santos,
Papas, ( entre os quais Pio XII), Cardeais, bispos,
fundadores de Ordens e Congregações Religiosas
buscaram ai a sua ciência e formação espiritual.
Dois mil e oitocentos sacerdotes e seminaris­
tas de oitenta nacionalidades diferentes sentam-se,
lado a lado, nos bancos desta Universidade, estu­
dando a fé revelada por Cristo, e concretizando a
universalidade da Igreja.
Há religiosos das mais diversas modalidades e
hábitos: aí está um trapista e um cisterciense, que
unem o branco e preto no seu hábito; logo mais
surge um Padre Branco, vestido de branco desde
o colarinho até as meias; o mercedário traz um
manto preto sobre o hábito branco, aparecendo-lhe
sobre o peito a cruz azul-encarnada; ai desce a es­
cada um camiliano, no seu hábito preto, e a cruz
vermelha traçada sobre o peito, que indica a doa­
ção total à cura dos doentes; e ai vem sorrindo a
barba simpática do capuchinho, com seu burel mar­
ron escuro; o sacramentino distingue-se, pelo cibó-·
rio branco aplicado sobre a batina; e tantos outros
religiosos, como sejam: salvatorianos, palotinos, je­
suítas, barnabitas, os do Verbo Divino, etc., não se
distinguem exteriormente por hábitos especiais.
E já começa a torre de babel das línguas, pelos

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amplos corredores: inglês, espanhol, francês, por­
tuguês, alemão, italiano, holandês, flamengo, etc.

Os seminaristas de cada nação possuem o seu


colégio, na Cidade Eterna, e usam o seu sinal dis­
tintivo. Se alguém aparece com a batina cor de
uva, podemos deduzir que vem do Colégio Inglês,
mas se o tal usa barba abundante e oriental, então
é do Colégio Grego. A faixa azul-escura indica o
Colégio Espanhol, e o azul mais claro mostra o
Colégio Latino-americano, onde estudam os semi­
naristas de toda a América Latina, desde o México
até a Argentina, excetuado o Brasil que possui o
seu Colégio próprio, desde 1935, na Via Aurélia,
com uma centena ou mais de alunos, provindos de
todas as dioceses do Brasil, e que usam, como dis­
tintivo, a faixa verde-amarela, símbolo das cores
pátrias. Se alguém usa a faixa totalmente verde,
sem a estrias amarelas, então já passou para o
Colégio Polonês.
As nuances mínimas confundem-se, às vezes,
com as cores mais berrantes. Exemplo típico é o
vermelho carregado dos alemães, que usam esta
cor, no seu hábito, desde os tempos de Santo Iná­
cio, a saber, há quatro séculos. Teve Santo Inácio
a idéia original de fundar um Colégio em Roma,
para aí se formarem solidamente moços esperan­
çosos, provindos de todo o mundo, em especial da
Alemanha, onde a fé estava periclitando, devido à
heresia de Lutero, a fim de voltarem às suas terras,
com a formação genuína da Igreja. O hábito ver-

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melho dos alemães é tão popular em Roma, que até
o Prefeito da Cidade se interpôs ao Papa, pedindo
não se eliminasse esta cor tão tradicional entre os
seminaristas e o povo romano: pois haviam pensa­
do os jovens alemães em abandonarem esta cor,
principalmente após a última guerra mundial, para
não "irritarem" os desafetos. A vontade do povo
romano venceu, e os pequenos, alemãezinhos ver­
melhos, ainda hoje continuam seduzindo a todos os
turistas, expostos nas vitrines como objetos de re­
cordação. O jardim florido de Roma não podia dis­
pensar nenhuma cor!

Conforme as estatísticas, havia pelo ano de


1960, em Roma, cerca de 178 Ordens e Congrega­
ções Religiosas Masculinas, com mais de 650 Casas.
Igualmente, havia 372 Ordens e Congregações Reli­
giosas Femininas, com mais de 770 Casas. Além
disso, mais de 45 Seminários, Convictos e Colégios
Eclesiásticos.

Roma é, de fato, um jardim florido!

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10. O jovem Davi de
Miguelângelo

Há monumentos e estátuas pelas cidades eu­


ropéias, que nos Guias Turísticos são impressos em
destaque e postos como objeto de visita obrigatória.
O interesse é maior quando à estátua ou ao
monumento está ligado um fato histórico. Assim,
na Praça dei Campi di Fiori, em Roma, onde há
cada quarta-feira uma das grandes feiras movimen·
tadas, está a estátua pensativa do padre dominica­
no Giordano Bruno, o precursor de Spinoza e o filó­
sofo do panteísmo moderno, que foi aí, como tan­
tos outros, queimado vivo, aos 17 de fevereiro de
1600, após a condenação pelo Santo Ofício e a In­
quisição.
Inúmeras são as Placas Comemorativas, afixa­
das pelas ruas da Roma Antiga: ou recordam al­
gum rei, príncipe, cardeal, Papa, poeta, literato, fi·
lósofo, nacional ou estrangeiro, que alguma vez por
ai passou, ainda que seja só para almoçar. Dei-me
o trabalho de procurar a Placa, à Rua degli Orsini,
onde se indica o lugar do nascimento de Eugênio
Pacelli, o grande Pio XII.

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Quanto às estátuas, sobressaem, pela arte, os
dois rivais, Bemmi e Miguelângelo. Bernini, irre­
quieto, realista. Miguelângelo, calmo, clássico. Co­
movente é a Pietà de Migue!a.ngelo, na Basílica de
São Pedro, que sustenta sobre os joelhos o corpo
exangüe do Senhor Morto.
O monumental Moisés, na Basílica de São Pe­
dro in Vincolis, que chispa raivento seus olhos de
fogo, e sacode irritado a sua barba interminável, na
sua marmórea indignação, parece menos uma está­
tua fria, do que o próprio Moisés vivo, libertado
pelo artista da bruta matéria. O ligeiro talho, que
ainda hoje se vê sobre o joelho desnudo, é atribtúdo
a um leve golpe de Miguelãngelo, que, num arroubo
de entusiasmo, caiu na tentação de interpelar o gi­
gante, gritando-lhe: "Fala, Moisés! "
N a Piazza d e São Bernardo, n o cruzamento de
quatro artérias, onde se encontram construídas três
igrejas sistematicamente, podemos encontrar um
outro Moisés gigantesco, sentado sobre a grande
Fontana deli' Acqua Feiice, que jorra borbulhante as
águas provenientes e canalizadas desde os montes
Albanos. Mas este Moisés é "monstruoso", e dizem
que o escultor Próspero de Bréscia, querendo com­
petir com o Moisés de Miguelãngelo, morrera dE'
desgosto ou se suicidara, por causa das críticas pi­
cantes de que era alvo, quanto a este colosso dis­
forme.
Miguelãngelo é também autor do Cristo formo­
�o. que está de pé, junto ao altar-mor, na igreja

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dos dominicanos de Santa Maria sopra Minerva, em
Roma, (sob este altar, conserva-se o corpo de San­
ta Catarina de Sena ) : é um Cristo jovem, viril, so­
berano, e seu pé, constantemente beijado pelo povo,
foi revestido duma folha de bronze. Igualmente fo­
ram cingidos os seus rins, pois a estátua era antes
completamente nua, para não chocar os fiéis, ainda
mais dentro dum templo santo.
O competidor de Miguelângelo e seu verdadeiro
rival foi Bernini, de quem há uma estátua de Davi,
na Galeria Borghese, em Roma. Este jovem Davi
verga-se para frente, como para dar um impulso
certeiro à sua funda mortal, e um dos pés, que
avança, sustenta todo o peso irrequieto do corpo,
enquanto o outro está por suspender-se, com a bar­
riga da perna retesada, e seus lábios prensados num
frêmito de indignação faiscam os olhos concentra­
dos no invisível Golias. O turista aproxima-se com
respeito deste jovem eletrizado, que parece arque­
jar de indignação. É o célebre Davi de Bernini!
Algum tempo mais tarde, pude ver o Davi de
Miguelângelo no Museu da Academia, em Florença.
Se Florença é a cidade da arte, deve orgulhar-se
por possuir entre seus monumentos a estátua de
Davi de Miguelângelo. Florença, às margens do rio
Arno, rivaliza na arte, com Roma, banhada pelo rio
Tibre!
Embora me tenha impressionado a grande Pra­
ça, onde foi queimado vivo o dominicano Savona­
rola a quem se procura reabilitar aos poucos, a

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ponto de passar das trevas da ignomínia para as lu­
zes duma possível canonização; embora a Anunziata
de Fra Angélico e todo o convento, cujas celas ele
revestiu com os afrescos realmente "angélicos", me
tenham inspirado um sentimento de candura e de­
voção; embora a casa de Dante, numa das ruas de
Florença, e a sua tumba monumental, na Igreja de
S. Cruz de Jerusalém, onde aliás jazem tantas ou­
tras personalidades célebres, como por exemplo, o
próprio Miguelângelo, me tenham relembrado a cé­
lebre exclamação da "Divina Comédia", que o divi­
no autor coloca no frontispício do Inferno: "Las­
ciate ogní speranza, voi chi intrate! " (Deixai toda a
esperança, vós que entrais! ) ; embora a lousa mar­
mórea de Giovanni Papini, que fui procurar, lá no
alto do Piazzale de Miguelângelo, me tenha incuti­
do um sólido respeito por sua pena enérgica e al­
gum tanto rude; - mesmo então o jovem Davi de
Miguelângelo, calmo, sereno, cheio de vida e saúd&
ficou predominando na retina de minha memória.
Já o lugar em que foi colocado este moço, cheio
de linhas harmónicas, aperfeiçoa a impressão artis­
tica!
É uma enorme cúpula, no fundo do corredor
do Museu da Academia, que isola a estátua do jo­
vem, posta sobre um alto pedestal, como num tem­
plo, para a qual convergem todas as linhas da
perspectiva.
O rosto altivo e sereno, os olhos puros e diáfa­
nos perscrutando distâncias infinitas, um dos pés

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levemente avançado, a mão direita de caminho para
erguer-se ao alto, o corpo todo, esbelto, proporcio·
na!, robusto e cativante, dão ensejo de convidar este
jovem atleta a descer e a caminhar entre os seres
vivos, para ser ovacionado por eles. Que contraste,
embora artístico, entre o jovem Davl apaixonado de
Bemini e este Davi calmo e robusto de Miguel­
ângelo!

Ambas obras primas da arte, mas cada qual no


seu modo próprio de expressão. Ambas realizam a
definição de arte e causam o prazer estético.

O Davi de Berninl, na Galeria Borghese em Ro­


ma, realiza a definição de arte, se aceitarmos a de­
finição do Belo, como esplendor da verdade, "splen­
dor veritatis" (Platão) .

O Davi de Miguelângelo, no Museu da Acade­


mia, em Florença, realiza a definição de arte, se
aceitarmos a definição do prazer estético, como
"serena contemplação do Belo".

Ambos os Davi causam prazer estético: o Davi


de Bernini "excita" e revoluciona; o Davi de Miguel
ângelo "tranqi.üliza" e eleva!

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11. A Cripta das 4.000 caveiras

Um escritor da Suécia deixou as suas impres­


sões sobre Roma, num livro inteiro, e se convenceu
de que é impossível exaurir todas as impressões
pessoais sobre a Cidade Eterna, em apenas duzen­
tas páginas.

Somente escrever sobre os chafarizes artístícos,


que esguicham por todas as Praças e Pátios Inter­
nos exigíria um grande volume. Seria atrevimento
querer, numa pincelada rápida, falar exaustivamen­
te sobre as igrejas romanas, que visitei em dois
anos. De cada Igreja encontramos um tratado in­
teiro, com a sua hístória e origens, ligadas a aconte­
cimentos e pessoas ilustres, desde as grande linha­
gens papais até os santos mais recentes e modernos.

E quantas igrejas não há em Roma! ? O prín­


cipe herdeiro do Japão, quando de sua visita a Ro­
ma, (foi hóspede pessoal de Pio XII no Vaticano! ) ,
estranhou religíosamente escandalizado o número
excessivo de igrejas, que se lhe defrontavam pelas
ruas e esquinas.

Em Roma há 190 paróquias, mas as igrejas são


acima de mil. E o interessante é, que estas mil igre-

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jas estão quase todas concentradas no centro antigo
de Roma, e a maioria são monumentos históricos, e
por isso intangíveis.
Nestes dois anos, procurei dedicar, sistematica·
mente, algumas horas de cada semana, à visita das
igrejas, com as explicações detalhadas à mão.
Há um grupo de igrejas que levam o nome de
diversas nações, como, por exemplo, a Igreja de
Santo Antônio dos Portugueses, onde ecoou, em
tempos idos, a voz eloqüente de Vieira. Este templo
é um mimo da decoração barroca! Quando voltei à
rua, naquela manhã, topei com uma torre do lado,
que o meu Guia Turístico apelou simplesmente de
"torre della scimmia" (torre do macaco ) . Há sécu­
los, conforme a história, um macaco travesso leva­
ra, furtivamente, uma criança até o topo desta
torre. A família fez uma promessa à Virgem para
salvar o ente querido. Por isso, ainda hoje se vê,
no alto da torre, como voto à Virgem, uma lampa­
rina a arder perenemente!
Outra igreja nacional é a de São Tiago dos Es­
panhóis, que se orgulha em guardar, em suas pare­
des estreitas, os dois Papas da fanúlia Borgia, Ca­
lixto III e Alexandre VI.
Numa das ruas movimentadas, perto do Palácio
do Senado, está a Igreja de S. Luigi dei Francesi,
cuja pedra fundamental foi lançada pelo então fu­
turo Papa Clemente VII, e cuja construção foi em
grande parte custeada pela Rainha da França, Ca­
tarina de Mediei.

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A única Igreja latino-americana, em Roma, é a
recentíssima de Nossa Senhora de Guadalupe, dos
mexicanos, na periferia da cidade, cuja construção
moderna foi muito aplaudida pela diocese de Roma,
onde justamente nos bairros há o contraste violen­
to da escassez de templos sagrados, e é esta uma
das preocupações angustiantes do Vicariato roma­
no.
Mas a Igreja de São Joaquim, constnúda em
homenagem ao jubileu sacerdotal de Leão XIII,
possui para cada nação católica um altar especial.
Além das igrejas "nacionais", há também em
Roma algumas igrejas das diversas regiões da Itá­
lia, que foram levantadas nos séculos passados
pelos diversos reinos e principados da Península
italiana. Aí está a Igreja de S. Giovanni dei Fioren·
tini, que o Papa Leão X construiu para os seus com­
patrícios florentinos, chamando em concurso os
técnicos mais renomados de então, caindo finalmen­
te a escolha sobre Sangallo, com a preterição de
Miguelângelo e do próprio Rafael.
Há uma plêiade de igrejas, em Roma, que for·
mam a célula mãe das diversas Ordens e Congrega­
ções Religiosas.
A muito visitada Igreja do Gesu, cujas missas
vespertinas são de grande afluência popular, por
causa de seu tom litúrgico, conserva, num de seus
altares, o corpo de Santo Inácio de Loyola, o funda­
dor da companhia de Jesus, e no outro, o braço de
São Francisco Xavier, o Apóstolo das índias. En-

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tre as igrejas de Roma, é esta a do Gesu urna das
mais faustosas pela grandiosidade das decorações e
riquezas de mármores, pinturas, bronzes e doura­
mentos: Imponente é o altar magrúfico, onde jaz
o ex-oficial de Pamplona, Inácio de Loyola, com as
quatro colunas cobertas de lápis-azul e de bronze
dourado. A colossal estátua de Inácio, que origina­
riamente era de prata pura, foi fundida pelo Papa
Pio VI, para que pudesse pagar a severa indenização
de guerra, imposta pelo vencedor Napoleão, no
Tratado Tolentino. Por cima do santo, dois anjos
marmóreos, em pleno vôo, sustentam o maior globo
maciço de lápis-azul, que se conhece no mundo.
Outra igreja popularíssima é a Chiesa Nuova,
dos oratorianos, onde jaz o seu fundador Felipe Ne­
ry, chamado oficialmente o "Santo de Roma', em­
bora fosse natural de Florença. ( Nessa igreja, o
então menino Eugênio Pacelli e futuro Pio XII
costumava ajudar a santa missa, pois morava em
suas vizinhanças! )
Uma das várias igrejas de adoração perpétua,
em Roma, é a dos Padres Sacramentinos, onde se
guarda piedosamente o coração do fundador, o
Beato Julião Eymard, o apóstolo da Eucaristia. A
Igreja da Madalena, a cuidado dos Padre Camilia­
nos, conserva o corpo do fundador São Camilo de
Lellis, juntamente com o célebre crucifixo, que lhe
deve ter falado. (Além deste crucifixo, ao qual se
atribuem vozes humanas, vi em Assis o rude cru­
cifixo, que falou, conforme a pia crença ao vene-

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rando Pai Francisco, e em Siena, talnbém na Itália,
mostra-se ainda hoje o crucifixo, que orientou, em
altas vozes, a conselheira dos Papas, Santa Catarina
de Sena). (Na Igreja de São Lourenço ln Dâmaso,
quer a tradição ver o crucifixo, que falara a Santa
Brígida ) .
Sem negar o valor histórico e artístico à s Igre­
jas, confiadas aos franciscanos, dominicanos, sale­
sianos, carmelitas, passionistas, etc., sobressaem
por sua importância universal, as sete grandes Ba­
sílicas de Roma, que sugerem assunto inesgotável e
possuem títulos inalienáveis .
É a Basílica de São Pedro, com a glória de Ber­
nini, ou com a Pietà de Miguelângelo, ou com as
proporções enormes, que à primeira vista não im­
pressionam, mas que justamente por causa de seu
equilibrio impõem um fascínio crescente. É a Basí­
lica de Santa Maria Maior, visível de todos os qua­
drantes da cidade, por estar na elevação de uma
das sete colinas romanas. Pormenor interessante é
que todo o ouro puríssimo, que reveste o seu inter­
no, proveio das então ainda colónias latino-ameri­
canas. É a Basílica de Santa Cruz de Jerusalém,
com as preciosas relíquias da Cruz e dos instrumen­
tos da Paixão. É a Basílica de São João do Latrão,
a igreja do bispo de Roma, intimamente ligada com
a história do grande Imperador Constantino. É São
Paulo, fora dos muros, é São Lourenço, etc. etc.
Há urna série de igrejas importantes e antigas,
em que se praticam as cerimónias das estações

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quaresmais. O Papa João XXIII reavivou a secular
tradição de o próprio bispo de Roma tomar parte
nestas procissões de penitência. Algumas destas
igrejas são, por exemplo, a de São Xisto, dos Qua­
tro Santos Coroados, de São Clemente, de Santa
Anastácia, a basílica de São Cosme e Damião, etc.
etc.
Outra enumeração de igrejas consiste nos títu­
los cardinalícios que levam. Os nossos cardeais bra­
sileiros possuem como igreja titular, a de S. Boni­
fácio e Aleixo (D. Jaime de Barros Câmara) , São
Pancrácio (D. Çarlos Vasconcelos Motta), S. An­
gelo in Pescheria Paneperna(D. Augusto Álvaro da
Silva).
Há igrejas com o mesmo nome, mas com di­
versas alusões, como, por exemplo, as de São Lou­
renço: S. Lourenço fora dos muros, S. Lourenço in
Dâmaso, S. Lourenço in Lucina, S. Lourenço in Pa­
neperna.
Dezenas e mais dezenas das igrejas levam o
título consagrado a Nossa Senhora.
Várias igrejas possuem o brilho da antigüida­
de, como as de Santa Praxedes e Pudenciana, que
serviram nos primeiros tempos do cristianismo
para alojamento do apóstolo São Pedro. Vários pa­
lácios de damas ricas deram origem a igrejas ve­
neráveis, como a de Santa Cecília e Santa Sabina,
etc.
Outros preferem apreciar as igrejas, conforme
os estilos diferentes, barroco, renascentista, ronn-

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no, gótico, etc. Aliás, a única igreja medieval, de
estilo gótico, é a de Santa Maria sopra Minerva.
Muitos turistas selecionam as igrejas, confor­
me as atrações artísticas, como a de Santa Maria
della Vittoria, onde está a célebre obra de Bernini,
que é a Santa Tereza de Avila. Esta grande mística
foi apanhada pelo gênio criador, justamente no seu
arroubo estático, em que um anjo sorridente lhe
atravessa o coração abrasado com uma flecha de
fogo. A Igreja de Santo André do Quirinal, (junto
ao palácio do Presidente da Itália), a pequena igre­
ja, que conserva o corpo do jesuíta polonês, jovem
de dezoito anos, Santo Estanislau Kostka, é a obra
predileta de Bernini, e chamada por ele mesmo de
"menina dos olhos''. O artista comprazia-se em de­
morar-se nela para rezar e elevar o seu espírito.
A Igreja de Santo Agostinho possui, além do corpo
de Santa Mônica (a mãe do gênio de Hipona), a
atração artística do célebre afresco de Isaías, que
Rafael executou, sob a encomenda dum rico pa­
trício. Quando este senhor achou exorbitante a exi­
gência de Rafael, acudiu a Miguelângelo, para con­
seguir por meio dele alguma indulgência, pois jul­
gava o afresco inferior ao preço estipulado. Com
sua visão arquitetónica, Miguelângelo limitou-se a
responder: "Só o joelho de Isaías vale mais do que
todo o pagamento exigido!"
Não poucas igrejas recordam templos pagãos,
da antiga Roma, como o Panteon, que hoje leva
simultaneamente o nome de Igreja de Santa Maria

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de todos os Mártires. Com o título desta Igreja do
Panteon começou a festa de Todos os Santos, na
Igreja Universal. A sala circular das termas do
Imperador Diocleciano é a atual Igreja arredon­
dada de São Bernardo al!e Terme. O tepidário das
mesmas termas deste Imperador foi adaptado, por
Miguelângelo, para a atual Igreja de Santa Maria
dos Anjos, junto à grande Estação Central Ter­
míni.
Outro método de localizar uma série de igre­
jas, é conforme as célebres catacumbas anexas,
como sejam as de Santa Inês, Santa Prisca, S. Ne­
reu e Aquileu, São Sebastião, etc.
Sinais característicos pertencem, por exemplo,
à igreja de Santo André del!a Val!e, que possui, de­
pois da Basílica de São Pedro, a maior cúpula em
Roma, ou à Igreja de São Carlos, alcunhada "Car­
linho", por ser pitoresca e elegante, cujas dimen­
sões são exatall"..ente as mesmas, até na forma, de
um dos pilares da cúpula, na Basílica de São Pe­
dro. No topo da escadaria de cento e vinte e qua­
tro degraus, está a Igreja Ara Caeli, onde se reú­
nem as autoridades civis de Roma, e diz a tradi­
ção, que neste lugar Sibila indicou ao Imperador
Augusto a iminente vinda dum deus à terra. A exis­
tência desta vetusta igreja recua, conforme alguns,
até o ano de 574 d. C.
Caiu-me em vista, que não poucas igrejas, tan­
to antigas, como recentes, são célebres, justamente
por causa de suas criptas. As escavações debaixo

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da Igreja de São Pedro, que o próprio Pio XII
ucompanhava pessoalmente (quantas vezes não
desceu ele, de noite, à luz duma lâmpada elétrica,
e de 1nacacão, para observar o andamento das es­
cavações, que procediam com escrupulosidades
milimétricas) , estas perfurações mostram a parte
antiga da Basílica Constantina.

Nas proximidades do Foro Romano, podemos


descer à cripta da Igreja de São Pedro in Mamer­
tino, e ver a prisão subterrânea de São Pedro. Mos­
tra-se ainda a fonte que brotou, quando Pedro ia
batizar um guarda, e a coluna em que foi acorren­
tado.

Mas a cripta que mais discussões causou, e


que ultimamente foi surpressa no programa turís­
tico da CIT (Companhia Italiana de Turismo) , em
Roma, é a cripta da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, dita dos Capuchinhos.

Esta igreja foi construída em 1624, pelo Car­


deal capuchinho Antônio Barberini, irmão do Pa­
pa Urbano VIII. Acha-se localizada junto à Piazza
Barberini, que é célebre por seu chafariz do Tri­
tão de Bemini. A linhagem dos Barberini, rivais
de outras famílias históricas, como por exemplo
a dos Colonna, foi rudemente atacada pelo seguin­
te dito, que passou para a história de Roma: "O
que os Bárbaros deixaram, os Barberini levaram!"

Mas o modesto Cardeal capuchinho Antônio


Barberini, jaz sepultado, nesta igreja de N. Senha-

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ra da Conceição, sob uma humilde !age, que traz
o pensamento realista da morte: "Hic iacet pulvis,
cinis et nlhil!" (Aqui jaz pó, cinza, e nada ! " ) . No
frontispício do templo está gravada a senha da fa­
mília Barberini, que são "duas pequenas abelhas".

Descendo à cripta, onde cada c:lia desde a ma­


nhã até a noite curiosos e devotos se aglomeram,
encontramos quatro capelas subterrâneas, maca­
bramente decoradas com esqueletos e ossos de
quatro mil religiosos capuchinhos. Sobre o pavi­
mento de uma delas foi espalhada terra dos Luga­
res Santos da Palestina. Ao Angelus da noite, no
dia dos finados, aos 2 de novembro, todo o recinto
é profusamente iluminado, causando impressão
imorredoura.

A impressão é diversa, conforme o visitante


que aí entra. Para uns é uma profanação, quando
vêem dezenas de capuchínhos, com o seu burel,
mais ou menos carcomido, e os cordões aos peda­
ços, uns derreados, outros encolhidos, este deitado
de comprido, aquele com a caveira caída sobre o
peito, mais outro sorrindo esqueleticamente, e não
poucos com a pele e carne ressequidas.

Naquela tarde, veio atrás de mim um par de


namorados, que foi desfilando altivo por entre es­
tas inúmeras caveiras, como se as suas carnes vi­
çosas algum dia não houvessem de apodrecer da
mesll"..a maneira, como a destes inocentes capuchi­
nhos.

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Outros olhavam impassíveis para este cenário
Létrico. Muitos viam nisto uma atração a mais, nes­
ta Roma prenhe de novidades e antigüidades con­
trastantes.

Mais impressionante se torna o ambiente,


quando se descobre atrás desta coordenação ma­
cabra a mão de um artista finório. As paredes re­
vestidas por camadas maciças de caveiras, o teto
ornamento com ossos de todos os tamanhos, o
fio de luz perdendo-se por entre ossinhos circula­
res, o refletor da lâmpada bordado de ossos e den­
tes, enfim um palácio de ossos! Ninguém perma­
nece indiferente: ou surge um choque de aversão,
ou recolhe-se a alma num profundo recolhimento.

Se tudo isto é falta de respeito aos mortos, não


o sei. Talvez quem taxe isto de falta de respeito
aos mortos, ainda não chegou a respeitar os pró­
prios vivos.

Os que descem, com certo realismo e otimismo


cristão, para esta cripta dos capuchinhos, percebe­
rão a caducidade de nossa vida, e voltarão à luz
fosforescente das ruas e ao fervilhar estrepitoso
dos autos e avenidas, com esta convicção, de que a
vida não dá, quanto parece prometer . . .

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12. Os lírios de Roma e Nettuno

Em Roma, na Piazza Navona, está urna das


mais grandiosas criações de Berrlln.i , a Fontana dei
Fiumi. No centro do estádio de Domiciano, cujas
formas e dimensões foram respeitadas até o dia de
hoje, surge o monumental chafariz ( "fontana") dos
quatro rios do mundo, que estão personificados
por quatro gigantes, que sustentam o pesado obe­
lisco de dezesseis metros de altura.

A igreja, de Santa Agnese in Agone, junto a


esta praça, indica o lugar, onde foi degolada a jo­
vem patrícia romana Inês, nos seus juvenis doze
anos. Alusões de rivalidade foram levantadas en­
tre Borromini, o arquiteto desta igreja, e Bernini,
o construtor da Fontana dei quatro Fiumi. Dizem
que o gigante do Rio da Prata levanta temeroso a
mão ao encontro da igreja, prevendo o seu desa­
bamento. Outros dizem que o gigante do Rio Nilo
antepõe a mão diante dos olhos, para não ver as
falhas artísticas da fachada.

Os defensores de Borromini afirmam que a es­


tátua de Santa Inês, lá no alto do campanário, co­
loca a mão sobre o peito, dando a palavra de honra

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de que a igreja jamais desabará. Asseguram tam­
bém os borrominianos de que o obelisco de Berni­
ni já caíra uma vez, e que por isso colocaram os
quatro gigantes para servir-lhe de espeque.
Entretanto, porém, na igreja, cujo interno é
em forma de cruz grega, e descendo à cripta, vi­
mos que este porão imenso e escuro era o pros­
tíbulo do imperador Domiciano. Neste subterrâ­
neo, está uma estátua interessante de Inês, feita
por Alexandre Algardi, que não rivaliza nem com
os chafarizes de Bemini, nem com as fachadas de
Borromini, mas esta Inês de mármore alude ao
fato histórico aí sucedido.
Despida e exposta aos olhos lascivos do pú­
blico romano, os cabelos da jovem mártir cresce­
ram miraculosamente até os pés, cobrindo-lhe o
corpo todo. Com os olhos puros dirigidos para o
infinito, na sua pureza virginal, e os cabelos mar··
móreos entrançados até os pés, a jovem santa en­
volve o ambiente escuro e úmido do porão, num
mistério de sobrenaturalidade e força divina. No
meio deste recinto, em cujas paredes ainda estão
debuxados alguns traços lascivos de pinturas an­
tiqilissimas, parecem ecoar as gargalhadas impu­
dicas dos soldados romanos, daqueles tempos san­
guinárias. Naquela vez, a virgem pura e indefesa
confiava no braço forte Daquele, que é ciumento
pela honra daqueles, que se lhe consagraram.
Em Roma há várias igrejas, dedicadas a lírios
puros, como Cecília, Anastásia Constança, etc., que

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souberam tingir de sangue a sua integridade virgi­
nal! E a pequena Inês é um lírio de frescura imar­
cescível, que desde os primeiros séculos até os dias
de hoje não murchou, e em cada ano, no dia 21 de
janeiro, atrai centenas e mais centenas de almas
jovens, que lhe vem oscular os pés da estátua de
mármore e pedir a força de conservarem intacta a
pureza de seus corações!
Um lírio mais recente, de igual frescura imar­
cescível, atingido também de sangue, aos doze anos,
é a pequena Maria Goretti.
Seguindo sessenta kms., para o sul de Roma,
topamos com a cidade turística de Anzio, célebre
por sua antigüidade. Dizem que lá se refugiou Co­
riolano, em 490 a. c., e Anzio é tida como a pátria
dos Imperadores Calígula e Nero. Este último le­
vantou grandes construções por cima do Mar Me­
diterrâneo, ainda hoje apreciadas. O eloqüente Cí­
cero teve lá uma de suas chácaras.
Seguindo mais três kms., ao longo do mar, en­
contramos a cidade de Nettuno, onde se acha o
Santuário de Maria Goretti, construído pelos Pa­
dres Passionistas, que assistiram à morte desta he­
roína privilegiada. Os muros maciços deste templo
parecem avançar mar adentro, sustendo a fúria das
ondas. Enquanto celebrava a santa missa sobre o
corpo virgíneo desta santa, que jazia no seu vestido
branco e cabelos louros, na redoma de vidro, por
debaixo do altar, num silêncio cheio de generosi­
dade e pureza, o meu recolhimento era às vezes in-

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terrompido pelo rugir soturno e explosivo dos va­
galhões, contra a muralha do paredão. A volubili­
dade traiçoeira das ondas não conseguem pertur­
bar o descanso sereno desta heroína, que por nada
deste mundo sacrüicou a integridade de seu corpo
ao pecado da impureza.

Olhando, após a missa, mais de perto a grande


redoma de vidro, dentro da qual está estendida a
menina, vendo as centenas de moedas italianas
(Lira) e não poucas fotografias, que jovens e crian­
ças atiravam para dentro, dei-me conta de que a
atração serena e profunda, que exerce o exemplo
desta jovem, continua ainda hoje sendo estímulo
para uns e aviso para outros. Na sacristia observa­
mos as demais reliquias, peças íntimas, objetos e
fotografias da Santa.

No Hospital Divina Providência, no centro da


cidade, foi-nos mostrado o quarto, agora transfor­
mado em capela, onde na presença dos médicos e
enfermeiras a pequena mártir perdoou ao jovem
Alexandre Serenem, que lhe cravara as catorze fa­
cadas no débil corpo, por não lhe ter cedido às se­
duções lascivas ao pecado.

Este recinto silencioso guardou até hoje o eco


daquela palavra, que é tão difícil aflorar, com sin­
ceridade, aos nossos lábios: "Eu te perdôo! "

Esvaíndo·se e m sangue, e sabendo estar para


sempre cortado o tenro fio de sua vida, esta jovem
heroína de doze anos não se amesquinhou em pro-

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nunciar o generoso "perdôo-te", que pelo tempo fu­
turo há de impressionar as novas gerações.

Continuando a viagem por mais doze krns.,


chegamos à localidade onde se deu o drama de
Goretti. A velha casa das duas fanúlias Goretti e
Serenem ainda hoje está ai no meio do descampa­
do, a uns cincoenta metros dum córrego, que pa­
rece guardar no seu murmúrio silencioso e solitá­
rio o eco lancinante dos gritos da pequena vitima.
Do lado, construíram as Irmãs Passionistas um or­
fanato, sob a proteção do Lírio de Corinaldo.

Subimos pela escada externa da velha casa, e


vimos no piso superior os diversos quartos. Se­
guem, na ordem, o quarto de dormir dos irrnãozi­
nhos Goretti, o quarto dos pais Goretti, e no meio
da longa casa, corno linha divisória, a grande co­
zinha comum, e depois os quartos da família Sere­
nelli. O fogão, encostado à parede, ainda hoje nos
fala do ambiente familiar em que se deu o drama.
Porto da porta, que dá para o pátio, e que agora
sempre está fechada, vimos uma placa sobre o
assoalho, rodeada por urna grade, com a inscrição :
"Aquí . . . "É o lugar do heroísmo e da covardia!

Alexandre Serenelli, que ainda hoje vive, com


mais de 70 anos de idade, é jardineiro do convento
capuchinho em Accioli. Deixou ele um autógrafo,
em que pede perdão à humanidade, e a sua letra
trêrnula previne e avisa a todos os jovens para não
se envenenarem com revistas imorais, que lbe ino-

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cularam na alma a sensualidade e aquele ato vil e
desumano. Alexandre experimentou o quanto a fan­
tasia pode inflamar-se perdidamente ao contacto de
imaginações indignas, a ponto de cometer uma
ação, que não se pode explicar a não ser por um
ato de loucura!

No meio da solidão desta casa velha, havia


ainda um bafejo de heroísmo, que parecia provir
do ano de 1902. Certamente a pequena hero!na não
suspeitou que seu gesto haveria de repercutir pe­
los tempos afora.

Na mesma hora, em que Pio XII canonizava a


pequena Goretti, na presença da própria mãe da
santa e de alguns irmãos, reuniram-se, nesta casa
velha junto à gradezinha, que indica o lugar do
martírio, um grupo de rapazes e meninas, que pro­
meteram imitar este heroísmo na pureza!

Vendo a imoralidade do após guerra grassando


pelo velho e novo mundo, surge a duvidosa pergun­
ta: "Será que há uma juventude a la Goretti por
este mundo?!"

Quando visitei, no ano seguinte, a Casa do


"Mundo Melhor'', em Rocca di Papa, surpreendeu­
me um pormenor muito sugestivo. Passamos pelas
salas de audição, entramos na cepala central, no
seu estilo de Cenáculo, vimos os longos corredores
com os inumeráveis quartos, e por fim chamou-nos
a atenção o lacónico letreiro sobre uma porta:
"OASIS". Entramos. Era uma capelinha, onde tudo

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era branco como a cor dos lírios. O tabernáculo
estava envolto por uma cortina de seda branca, o
altar juntamente com os degraus eram de mármore
branco, as paredes pareciam imaculadas com o re­
vestimento de veludo branco, e lá na frente, sobre
o altar, sorria, branca e ilibada, uma bela imagem
da Virgem, e pouco abaixo brancos cordeiros abe­
beravam-se na fonte inesgotável, que jorrava da
hóstia branca na Eucaristia. Jovens de ambos os
sexos reurúam-se, no silêncio desta branca capeli­
nha, para prometerem ao Cordeiro Imaculado,
Cristo, virgindade perfeita até a hora solene do ca­
samento. Quantas destas meninas não realizam o
heroísmo de Goretti, caminhando puras por entre
as seduções das cidades!

O lírio da Piazza Navona e o lírio de Nettuno


não são dois casos isolados. Sempre houve lírios
na Igreja, que nunca murcharam. Há os lírios ver­
melhos, que tingiram o ideal da pureza com o san­
gue do martírio, há os lírios verdes, que após mur­
charem ao redor das paixões rejuvenescem com o
alimento robusto da penitência, e há estes lírios
brancos, que salvam dia por dia a brancura de suas
vestes batismais, ainda que seja necessária banhá­
las com sangue, como o fizeram estes dois lírios
vicejantes e imaculados: Inês e Maria Goretti!

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13. Um mês sob o bafo
da morte

Aquele mês de hospital jamais se apagará de


minha memória. Mas antes passei alguns dias na
Exposição Mundial de Bruxelas.
Tudo monumental naquele certame de nações.
Cada país aí representado mostrava o que de me­
lhor tinha. Ainda vejo o redondo pavilhão ameri­
cano, como gigantesca redoma de vidro, com o
enorme lago artificial à sua frente, e a banda mili­
tar tocando, a cada passo, marchas repinicantes,
para atrair o recorde dos turistas curiosos.
Numa concorrência teimosa, pertinaz e siste­
mática de oposição, surge azneaçador, no outro la­
do, procedido por imensa escadaria, o bloco da
União Soviética. ·Dentro deste monstro de pedra,
onde tudo é enorme, está no meio do vasto salão
a gigantesca estátua de bronze de Stalin, e, por
fora do pavilhão, caminhões, tratores, máquinas
agrícolas, transpirando gelidamente força, poder,
ameaças e auto-suficiência.
Pelo imenso parque, salpicado de bosques, voe­
jam, às dezenas, outros pavilhões, pequenos, mé-

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dias e alguns com vontade louca de serem grandes,
mas todos como estrelinhas mmúsculas em con­
fronto do gigantesco russo e americano, que luzem
como sóis, nesta sinfonia de amostras e exposições.

O pavilhão francês teve uma só preocupação:


ser diferente de todos os demais. O pavilhão do
Canadá transudava arte moderna. O pitoresco pa­
vilhão da Tchecoslováquia recebeu o primeiro prê­
mio na Exposição. O pavilhão literário da Alema­
nha, e o pavilhão das batatas e vacas holandesas,
juntamente com . os seus vagalhões artificiais do
mar, não me impediram de apreciar mais ainda o
nosso pavilhão verde-amarelo, do mate-café, em
cujo topo a enorme bola de futebol lembrava a re­
cente vitória no Campeonato Mundial de Futebol
na Suécia.

Todas estas recordações, embora inesquecí­


veis, passaram para o segundo plano da memória.

Mas aquele mês no hospital deixou rastos pro­


fundos. Um pavilhão de vidas, que haveria de co­
nhecer até os intimas refolhas e até os últimos
transes. Vidas suspensas entre a vida e a morte.
Dia e noite, com o telefone ameaçando, ou sobre a
mesa, ou à cabeceira da cama. Dois dias seguidos,
nenhuma novidade. Numa tarde, em questão de
três horas, decidem-se quatro vidas a encetar a
longa viagem para o Além. Homens, desde os de­
zoito até os oitenta anos. Doenças, desde a aliena­
ção mental e o cancro roedor de vários anos, até

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os recém-desastrados na balbúrdia estonteante das
ruas .

Presenciar vinte e sete Il"..Ortes, num mês! Uma


diferente da outra, mas todas mortes!

Tilinta o telefone às dez horas da noite. Um


homem de seus cincoenta anos está se esvaindo,
com a espuma borboteando pela boca. A mulher
saíra há pouco, para voltar no outro dia, pois o
marido estava indo bem. Mal chegou ela a casa, já
o telefonema da morte a esperava. Difícil empresa
consolar uma esposa, nestas circunstâncias. No5
desvarios da dor, não quis acreditar que estivesse
morto. Foi conduzida ao necrotério, para se con­
vencer de que não reagia mais a seus gritos lanci­
nantes de dor e saudade.

Passa, de noite, um homem alto, gordo, pelo


corredor. Saúda-me amistosamente. "Um dia" sus­
surra-me o Irmão enfermeiro. Realmente, às mes­
mas horas do dia seguinte, seu corpo rolava no
carrinho para o necrotério.

Toca o fane. Duas horas da madrugada. Um


aviso lacônico fere-me os ouvidos: "O n9 48, 29
piso, está morrendo! " Salto da cama, como um
bombeiro, para quem cada segundo é uma eterni­
dade. o n9 48 está à minha frente, nos estertores
da agonia. Câncer no pulmão. O corpo revolve-se
desesperadamente para captar as últimas colhera­
das de ar. A vida se evola, num fio tênue. E o
corpo queda-se imóvel.

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Unção dos enfermos para um canceroso do fí­
gado. Sofre muito. Um calor ardente se evapora do
corpo já carcomido. A cor dum amarelo cadavé­
rico espalha-se pelo rosto. A jovem esposa manda
suspender a unção dos enfermos. O filho de doze
anos deve comparecer, para ter um exemplo, no
pai, que morre. A mãe lhe diz: "Reza, meu filho!
Olha para o pai, e vê como ele morre conforma­
do!" Embora chorando, esta mãe era o tipo da mãe
macabéia!

Um gravemente acidentado é introduzido an­


tes da meia-noite. Unção de enfermos abreviada. O
coração parou. O Irmão enfermeiro faz o impossi­
vel, movimentando os braços ritmicamente. Insen­
sivelmente volta a respiração. Uma semana depois,
o moço convalescera e radiante não me deixa em
paz, até que tome um copo de vinho à sua saúde. A
jovem alma não conseguira desvencilhar-se do cor­
po robusto!

Um velho de oitenta e um anos está em es­


tado de coma. Tudo pronto. O corpo está imóvel.
Mas o coração continua a bater forte, inconcusso.
Parece que este é o único órgão do corpo, que se
atrasou; os outros já estão mortos.

Surge um homem de quarenta e sete anos.


Caso complicado. Mais de vinte anos afastado da
Igreja. Não admite a presença do sacerdote. A pre­
visão da morte oscila entre quarenta e oito horas.
Os médicos dissuadem entrar, temendo reação

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desagradável. O filho de vinte anos pede-me trans­
mitir ao pai moribundo o seu perdão: anos e anos
não falava mais com ele. A amante visita-o, des­
norteada. A verdadeira esposa surge também, ofe­
recendo o seu perdão, para facilitar-lhe uma boa
morte. Finalmente recebo autorização para entrar.
Apresento-me como jovem sacerdote do Além-mar.
Ofereço meu auxilio. Digo-lhe que seria uma ale­
gria para mim, poder ajudá-lo e garantir-lhe a eter­
nidade feliz. A situação é grave, imutável. A morte
já estendeu as asas sobre o seu corpo. O moribun­
do aperta-me a mão quente e abrazada. Lágrimas
escorrem-lhe pelo rosto afogueado. Pelo sacramen­
to da confissão liberto-o de todos os pecados. Um
"obrigado" rouquenho e comovente sobe ciciante
a meus ouvidos. A sua morte foi invejável: enfren­
tou a eternidade, com a consciência tranqüila.

Encontro um velho de oitenta e quatro anos,


sentado ao sol. "Como vai, vovô?! " O ancião sorri:
" . . . esperando a morte! " "Quantos anos tem?" -
"Oitenta e quatro". - "E tão bem disposto?" -
O velho levanta os olhos para o céu azulado, e dá o
seu comentário científico: "Acho que a atmosfera
foi estragada pelos ensaios atômicos no mundo ! "
Dei, em parte, razão ao velho, mas lembrei-lhe que
seus ossos também contribuíam com a sua parte.

Numa das noites, como sempre, passei pelos


quartos dos mais gravemente atacados. Um deles
estava na câmara de oxigênio, com o coração le-

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sado. Na despedida, apertou-me a mão com tal
veemência, como se estivesse em perigo iminente.
Tomou duma moeda de cinco marcos: "Reze ama­
nhã a missa em minha intenção! " As quatro e meia
da manhã fui chamado. O homem falecera, na
maior paz, sem o genro, que o guardava, dar-se
conta do sucedido. Celebrei a missa, que o próprio
defunto para si encomendara.

Passado o mês, neste pavilhão de vidas e mor­


tes, fiz o meu balanço espiritual. Andei, dia por
dia, de braços dados com a morte. Nunca me pas­
sou pela mente imaginar a morte como caveira,
que voeja funereamente pelos sombrios corredores
dum hospital, vibrando macabramente a foice invi­
sivel. A morte é muito mais simples. É deixar de
respirar. Ficar quieto, imóvel.

Meu respeito aos médicos: bem no fim de cada


vida, o máximo que podem fazer, é encostar o ins­
trumento ao peito e dizer "morto". Ou então, apa­
nhar cientificamente as últimas respirações e dizer
"vai definhando sensivelmente!" Mesmo assim me­
recem apreço, por não declararem tréguas à morte.

Estes mortos, que se imobilizavam à minha


frente, provaram que a morte não vem de fora,
como um mensageiro. Não é um sopro pestilencial.
A morte é o coração que pára. É a respiração que
estaca. A morte é este homem, que alça a cabeça
sofregamente, para captar o ar, que lhe foge. A
morte somos nós mesmos, que não conseguimos

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mais movimentar esta máquina de carne e ossos e
nervos. Levamos a condenação à morte, dentro de
nós, não como um decreto assinado por Deus, mas
a condenação é todo germe da doença, que se ma·
nifesta no organismo. Para voltar à expressão mais
antiga e a mais acertada, somos "mortais".

Passei este mês sob o bafo da morte. Vi aquele


último suspiro, tão diversa, custosa e angustiosa­
mente realizado, em quase três dezenas de mortes,
e este último suspiro tornar-se-á, com certeza, ina­
diável realidade para mim, para você, que me está
lendo. Um destes tipos de última respiração será
a nossa: uma profunda alegria invadiu-se a alma,
por ter entregue a vida ao serviço de Deus!

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14. O Segredo das montanhas

Caiu-me em vista, nestas viagens pelo velho


mundo, de que nas montanhas se forjaram os acon­
tecimentos que abalaram o mundo.
Deus mesmo encantou-se com o fascínio das
montanhas. Entre relâmpagos e trovões, gravou
com letras de fogo os Dez Mandamentos, no monte
Sinai.
Os Profetas desciam do retiro das montanhas,
com o vulto iluminado, os olhos faiscantes e a boca
lançando palavras de conversão e penitência, com
a penetração de uma espada de dois gumes. Os
Salmos, inspirados pelo próprio Deus, deliciam-se
na imagem imponente das montanhas, para falar
das grandezas do Altíssimo.
Para unir-se a Deus, é preciso deixar a bana­
lidade das planícies e alcandorar-se, como as
águias, ao cume das montanhas, onde o ar é puro
e diáfano, e onde as nuvens impregnam a atmosfe­
ra duma frescura virginal.
Na Terra Santa podemos encontrar quatro
montanhas, onde Jesus procurou quatro tipos de
recolhimento, que são retratados nas quatro sema-

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nas dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Na
montanha do deserto, onde Jesus foi tentado pelo
demônio, após o seu jejum de quarenta dias, en­
contramos o recolhimento da penitência. No mon­
te das Bem-aventuranças, junto ao Mar de Genesa­
ré, onde Jesus deu a sua plataforma espiritual, en­
contramos a solidão do ensinamento. No monte
das Oliveiras, onde Cristo suou sangue, na previsão
tétrica da morte, achamos o recolhimento da comr
paixão. E no monte Tabor, na Galiléia, onde Cris­
to se transfigurou perante os três apóstolos, ou no
monte da Ascensão, encontramos o recolhimento
da glória.
Em duas horas de ônibus, para o sul de Roma,
chegamos ao famoso Monte Subiaco, onde está a
caverna abaulada de São Bento, o Fundador da Or­
dem beneditina, que lá viveu por três anos, numa
solidão completa. O imponente claustro, levantado
perpendicularmente sobre o abismo, e encrostado
na reentrância da montanha rochosa, aparece de
longe pairando sobre o imenso vale, em cujos fun­
dos borbulha um riacho irrequieto. Descendo por
escadas internas, circulares, úmidas e escuras, to­
pamos com a caverna, onde Bento, de pés descal­
ços, envolto no seu burel de eremita, sentado sobre
a rocha nua, está saboreando, na sua fisionomia de
mármore branco, as comunicações que lhe pro­
vêem do alto em funil, por cuja claridade alguns
amigos vinham, de vez em quando, passar-lhe, sus­
pensa numa corda, a cesta de pão e água. Do lado

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de fora da caverna, ainda hoje cresce um espinhei­
ro silvestre, que lembra o fato de Bento ter-se arro­
jado nu e despido para dentro dos espinhos agudos,
a fim de purificar os seus pensamentos, numa das
grandes tentações contra a pureza. Decisões pro­
fundas foram tomadas nesta caverna tão silencio­
sa do Monte Subiaco. Os turistas olham com res­
peito para estes paredões imensos, para esta ca­
verna semi-escura e o rosal silvestre. As monta­
nhas austeras e pedregosas dos Apeninos, que vol­
teiam ao redor, foram testemunhas de como o en­
tão, jovem patrício romano Bento, tomou a deci­
são de voltar-se integralmente para o Eterno!
Quem souber o que representa a Ordem Benediti­
na na Civilização Européia e nas grandes façanhas
da Igreja, deve ver, nesta montanha rija dos Ape­
ninos, o dedo de Deus: aqui está o berço espiritual
de uma grande família, que desafia os séculos.
Bento abandonou a sua caverna de Subiaco,
porque muitos o procuravam. Achou um monte
mais inacessível. E assim podemos visitar hoje a
sua tumba, no célebre Monte Cassino, aquela aba­
dia milenar, tão tristemente bombardeada na últi­
ma guerra mundial. Estiveram os alemães aloja­
dos nesta vetusta abadia, como numa fortaleza
inexpugnável. Os aviões americanos despejaram as
suas bombas, arrasando até o chão esta relíquia
histórica! Ironia da guerra: nenhum soldado ale­
mão foi com isso atingido! Abandonaram o seu
castelo provisório, antes da invasão.

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O colosso da montanha, em forma de cone,
mostra em seu topo a nova construção, reluzente
e amarela, com o mesmo formato, o mesmo ta­
manho e a mesma estrutura da antiga abadia.
Quando aí passamos, em dezembro de 1959, os ar­
tistas revestiam ainda as paredes, teto e colunas da
Igreja, com os broquéis de ouro reluzente. Um ar
de riqueza sobrenatural resplandescia neste ouro
abundante da Igreja. Sob o altar repousam os res­
tos mortais de Bento: embora o templo fosse arra­
sado, as bombas respeitaram os ossos do grande
herói.

Levantando os olhos, do pé da montanha até o


seu cume, a distância parece ser apenas de algu­
mas centenas de metros. Mas quando o ônibus co­
meça a roncar concentrado e voluntarioso, zigue­
zagueando nas curvas sobrepostas, pelo flanco da
montanha, até chegar ao planalto do imenso cone
truncado, vimos que são necessários vinte e cinco
minutos de marcha acelerada.

De Monte Cassino partiram os primeiros mon­


ges beneditinos a todos os rincões da Europa, civi­
lizando os povos bárbaros e transmitindo à histó­
ria futura todo o patrimõnio artístico, literário, e
religioso dos tempos antigos.

Aquela montanha parece respirar milhares de


vidas beneditinas, que se imbuíram do espírito de
trabalho e oração. Encontramos ainda alguns res�
tos das fortificações alemãs bombardeadas e des-

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troçadas: mas o Monte Cassino voltou a ser habita­
do pelos monges beneditinos, que prosseguem a
salmodiar, nestas alturas quase inacessíveis, os hi­
nos ao Eterno, que se compraz em habitar junto
às almas recolhidas, longe do bulício do mundo.

Outra montanha a lembrar um berço histórico,


que abalou o mundo, é o Montmartre de Paris. O
Metrõ pára no seio da montanha, e o elevador cos­
pe os passageiros para a luz do dia. Sigo mais al­
guns passos e toco a campainha, à rue Antoinette,
9, onde uma religiosa me abre a porta, com reve ·
rência. Desço à cripta, onde se desenrolou, aos 15
de agosto de 1534, o nascimento da Ordem dos Je­
suítas. Naquela manhã, Santo Inácio de Loyola, e
mais seis companheiros, consagraram-se definitiva­
mente ao serviço de Deus. A capelinha semi-escura,
circular, ecoa ao minimo sussurro que o sacerdote
balbucia ao celebrar a santa missa. Um ar de poder
silencioso paira neste recinto histórico. O mesmo
eco de hoje presenciou, em tempos idos, a palavra
decidida destes fundadores, que sempre tiveram
imitadores, tornando-se a Ordem dos Jesuítas a
mais numerosa do sexo masculino, na Igreja. No
topo desta montanha, que hoje é um arrabalde den­
samente habitado, entramos na Basílica, dum már­
more branco, do Sagrado Coração de Jesus, onde
almas nobres prestam diariamente reparação às
ofensas, que não longe daí se cometem publicamen­
te contra Deus. É a Basílica da Reparação, construí­
da com o óbulo de todo o mundo. Do alto da esca-

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daria vê-se toda a Paris, deitada a nossos pés.
Lembrei-me de Moisés, que andou em contacto ínti­
mo com o Deus dos mandamentos, no topo do Sinai.
No cume desta montanha, está exposto dia e noite
o Santíssimo Sacramento. Na encosta desta mesma
montanha campeia o vicio da luxúria, onde os ho­
mens dançam ao redor do deus da carne, ao passo
que no tempo de Moisés dançavam ao redor dum
bezerro ·de ouro.
Naquele domingo de manhã, do dia 5 de agosto
de 1959, a Basílica da Reparação estava repleta, e
a síneta tocava à Consagração da santa Missa. Um
respeito profundo de adoração envolvia esta mole
piedosa de peregrinos. Uma satisfação cristã inva­
diu-me a alma: "Onde abunda o pecado, superabun­
da a oração e a fé em Deus!" As montanhas forçam
para o céu, para as alturas puras e diáfanas do
Alto. As montanhas são reservadas para Deus.
Possuem o seu segredo!
Outra montanha, embora em ascensão leve e
constante, é Assis, o berço da ordem franciscana.
Olhando lá de cima, pela janela do quarto, é agra­
dável ver a amena e extensa planície da úmbria,
que vai longe até topar nos Apeninos distantes.
Nesta suave montanha, Deus fez-se ouvir no bafejo
quente da natureza. O Poverello de Assis foi o seu
trovador jovial, cantando hinos de júbilo ao irmão
sol, e de modo especial à maninha água, tão pura,
cristalina e imaculada! Na cripta da Basílica, jaz
em sua tumba semi-escura o heróico Francisco de
Assis!

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As montanhas da Suíça possuem também o seu
segredo. Tomei o trem na cidade dos lagos, Lucer­
na, e subi às alturas rígidas de Einsiedeln, onde
está o santuário nacional de Nossa Senhora. Na
volta, parei numa localidade despretenciosa, a fim
de escalar a montanha, onde o Pai da Pátria suíça,
São Nicolau de Flue, passou os últimos anos de sua
vida, na solidão erenútica. Nos Alpes suíços, eter­
namente cobertos de branca neve, onde as monta­
nhas roçam as nuvens do céu, o homem sente-se
pequeno, e o coração é invadido por um ar ríspido
e glacial. Nicolau de Flue não foi sacerdote, nem
religioso, deixou esposa e filhos para retirar-se no
aconchego da montanha, a uma choça, ainda hoje
conservada. Uma pedra servia-lhe de travesseiro
Um banco tosco era-lhe o leito. Pelas frestas asso­
biava o vento glacial do inverno. Nesta montanha
de neve, um homem levou o seu heroísmo até as
últimas conseqüências. Certa vez um incêndio rom·
peu na baixada, pelo século XIV. Eis que lá nas
alturas aparece, consumido pelos jejuns e vigílias,
o eremita, de mãos levantadas ao céu, como outro
Moisés, e a sua prece apaga miraculosamente o
incêndio. A estátua de banze, austera e ascética,
indica o lugar onde seus pés pousaram.

Lançando um último olhar para os cumes relu­


zentes de neve eterna, observando as rochas alcan·
tiladas transudando umidade e filetes de água, e
baixando destas alturas o olhar para a mesquinhez
das planícies, via-me rodeado de montanhas, que se

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sobrepunham wnas as outras, e o sol que iluminava
tudo com o calor ameno de seus raios, enquanto a
atmosfera continuava rígida e glacial, incutia-me
wn sacro respeito para com o silêncio da natureza!

Há segredos que só se entendem nas alturas


diáfanas, longe das planícies corriqueiras da vida.
É o segredo das montanhas!
15. Minha prisao na Cortina
de Ferro

As duas lebres:

23 de dezembro de 1957. Dia inesquecível no


meu diário espiritual, em toda a permanência no
mundo velho. Naquele dia, fui, pela primeira vez
na vida, prisioneiro! Espocou um tiro de alarme,
ouviu-se um atordoante "halt", e lá estava eu de
mãos ao alto!
Foi às dez e meia da manhã, num dia de sol
benfazejo, que brilhava brincalhão sobre o gelo, que
rachava sob os nossos pés. Lá ia eu com o pároco
a respirar a atmosfera limpa e arejada dos arredo­
res. No dia anterior, estava eu sentado, da manhã
à noite, no confessionário, preparando a população
para o santo Natal.
"Vamos ao monte" falou-me o vigário Harald,
que já sabia de minha curiosidade. Chegados à al­
tura, vislumbramos por cima do vale, em cujo seio
serpeava um corregozinho, outro monte, mais alto.
Perto de mim, uma tabuleta anunciava despreten­
ciosa, numa caligrafia desleixada: "1 .500 ms., Zona
Russa".

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N O cume ao monte oposto aescoori uma arma­
ção de madeira. O vigário limitou-se a responder
sumariamente à minha curiosidade: "Torre de ca­
çadores de lebres! " Duas figuras deslizavam para
a direita, na crista do monte. A minha segunda per­
gunta, veio outra resposta sumária: "Caçadores dê
lebres! "
Descemos a encosta. Paramos n a planície. Bati
o pé nos tocos de cimento armado. Veio-me o im­
pulso de mais uma pergunta. Em respeito às cãs do
venerando sacerdote, retive a curiosidade. Dei outro
pontapé num destes tocos maciços, e fui seguindo
o pároco. Mal passamos o córrego, estrondeou um
tiro, que antes parecia de canhão, do que de sim­
ples fuzil. O primeiro impulso era pensar sumaria­
mente nos "caçadores de lebres", mas o vigário
suspirou, como que sentado na cadeira elétrica:
"Estamos na zona russa, presos, fim para nós, im­
possível voltar, perdidos! "
Os dois "caçadores d e lebres" vinham de fuzil
em riste, ao nosso encontro. E lá estava eu, ban­
cando a "lebre brasileira" em terras germânicas, de
mãos ao alto, suspenso entre o céu e a terra, longe
da pátria distante!

A viagem das 2 lebres:

Caminhamos 15 minutos diante dos fuzis en­


gatilhados. A casa do pároco estava ainda a um
quilômetro de distância. Mas voltar, impossível:

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atravessamos a fronteira, a terra de ninguém, aque­
la faixa misteriosa, que rasga a Alemanha pelo
meio, de norte a sul, tão fofinha, pois é duas vezes
ao dia revolvida pelo arado, a fim de registrar me­
lindrosamente qualquer pisada, ainda que seja dum
passarinho trêfego, a fim de se verificar, se é de
um pesinho ocidental ou oriental!
Suprimindo, até com certa violência, tantas re­
cordações, que remoinham impacientes na memó­
ria, para se desafogarem no papel e mostrarem o
que contém esta palavrinha tão lacônica "cortina de
ferro", limito-me a salientar esta impressão, que
ficou gravada na mente desde o primeiro até o úl­
timo instante nesta zona oriental da Alemanha:
"não havia responsabilidade sobre o que se afirma­
va por parte daquelas autoridades, que se reveza­
vam numa ascensão crescente!"
Interrogatórios prolongados sucediam-se. Fo­
mos espoliados de todos os objetos. Também o meu
rosário foi perscrutado anatomicamente. Um moço
de dezoito anos, que se dizia católico, perguntou­
me curiosamente: "Que é isso?" Respondi-lhe: "E
o rosário!" E no entanto dizia-se de profissão
católica.
Ao cair da tarde, entre flocos de neve, que
polvilhavam a atmosfera, fomos levados, num ca­
minhão, até a cidade de Halberstadt, aonde chega­
mos noite entrada. Outros interrogatórios, outras
promessas, outras evasivas, prorrogações, dificul­
dades, muitas boas vontades, muitas complicações

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alheias à própria vontade, muitas desconfianças en­
volvidas em gentilezas aparentes, e, finalmente, ou­
tra arrancada de automóvel, está claro, com o fuzil
sempre engatilhado acompanhando. Chegamos à
fronteira, mas agora na parte norte, em Marien­
born, na distância de trezentos kms. Seríamos de­
volvidos gentilmente à zona ocidental. Foi pelas
nove horas da noite, quando chegou o momento de
transpor aquele abismo temido por milhões de ale­
mães, e que no entanto é apenas uma faixazinha de
terra, tão inocente como qualquer outra, tão fértil
e tão igual, como todas as demais da Alemanha.

O abismo invisível:

Os amigos da zona russa devolveram-nos tudo,


até o último Pfennig. Convidaram-nos gentilmente
a reabastecer-nos no restaurante, antes de voltar­
mos à zona ocidental. O estômago estava realmente
contraído de fome, pois estava em jejum desde as
sete e meia da manhã, sem comer, sem beber,
transportados num caminhão, por cuja tolda de lo­
na esburacada assobíava o vento gélido do inverno.
Naquela regíão montanhosa do Harz, onde se de­
senrolou a tragí-comédia, houve nos dias anteriores
um frio de vinte e três graus abaixo de zero.
Iníciamos a travessia do abismo imaginário,
seguidos por um policial da zona russa. Chegados
ao meio, estacamos, esperando pelo avanço da parte
oposta. Esta larga faixa de ninguém está submersa

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na escuridão da noite. Vislumbramos no outro lado
as luzes do ocidente. Quis continuar a marcha, ao
encontro da liberdade luminosa, quando um "halt"
mais ameno, do que o da manhã, me retém. Es­
tranho a atitude do guarda. "Podemos ir até a me­
tade da faixa, e nenhum passo mais! " sorri-me o
moço enleado. "Sai tiroteio?" pergunto. "Sai" é a
resposta. Esperamos. No outro lado, começam a
locomover-se duas sombras. Defrontando-se conos­
co, estes dois indivíduos, fardados a rigor, batem
os tacos numa continência metálica. Os tacos orien­
tais também estalam germanicamente. O lado
oriental e o ocidental estendem a mão, um silêncio
de mudez sepulcral. "Devolvidos" diz sumariamente
a voz do oriente. Nisto faisca o seu foco, dentro das
trevas, iluminando um bilhete, que indica a minha
autenticidade.
Por desgraça ou felicidade, não tivera nenhum
documento comigo, pois a intenção, naquela famo­
sa manhã, era de dar um passeio de apenas meia
hora. Assim fabricaram este documento, na base
das respostas, que ia dando nos extensos interro­
gatórios, da manhã até a noite. Com que ardor não
repetia eu, a cada passo, o nome de minha terrinha
natal: Santa Cruz do Sul. Agora, diz este bilhete
"russo" com toda a segurança histórica, de que eu
era cidadão da Alemanha e não do Brasil. Trago
este bilhete comigo, a fim de ser comprovante da
"meticulosidade" interrogatória, com que se proce­
de na zona russa.

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A mão oriental e ocidental estendem-se nova­
mente, nas trevas da noite, num silêncio de sepul­
cro; tacos orientais e ocidentais, mas todos alemães,
ecoam num ritmo impecável, e começamos a atra­
vessar o resto do abismo, que nada mais é do que
um pedaço da fabl:a de cimento armado, que liga
Berlim diretamente a Hanover: foi esta a primeira
estrada federal constnúda e inaugurada por Hitler,
que é tão larga a ponto de na última guerra mun­
dial os aviões decolarem e aterrissarem comoda­
mente em sua pista.

O mistério:

Recepção efusiva, na parte ocidental, como se


fossemos velhos amigos e parentes, que voltam de
longa viagem pela Austrália, Japão e Cochinchinn.
Faltam 90 kms. até a nossa definitiva volta. Já foi
estudado o problema. Falta só saber, quem terá a
honra de levar as "duas lebres" ao lar. Finalmente,
após três horas de espera, encosta um carro Voks­
wagen, que zune sobre a lisura do gelo até estacar
em Wiedelah, às 2,30 da madrugada. As Irmãs do
Hospital, onde me alojara, serviram-me pronta­
mente um café fumegante: um sentimento de liber­
dade evolava do seu aroma, lembrando com exube­
rância a pátria distante, onde vicejam os cafezais
perenes e intermináveis.

Quando às 6,30 celebrava no altar a santa mis­


sa, parecia um anjo recém-descido do céu, tal a

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surpresa e emoção dos doentes, que durante o dia
todo rezavam por minha volta. Foi um recorde
nunca visto. Pois os que passavam, por descuido,
à zona russa, eram devolvidos geralmente, somente
após semanas de interrogatórios, e não raras vezes
com alguma cicatriz na nuca ou no peito, como um
dos velhos do hospital me mostrou, com as lágri­
mas nos olhos.
No jornal de Goslar saiu um artigo com este
título significativo: "Um Prato de Sopa". Alude ao
seguinte fato: Durante o primeiro interrogatório,
logo após a nossa prisão, alguns oficiais conversa­
vam comigo, perguntando coisas sobre o Brasil. No
meio da conversa um deles se afastou e voltou,
acompanhado do seu superior. Ambos me convidam
para almoçar. Neguei decididamente, porque o meu
confrade alemão foi excluído, embora tenha duas
vezes externado o seu desejo de almoçar. Quando
disse, que haveria de escrever todos os fatos para
os jornais do Brasil, um deles logo chispou: "Sobre
que vai escrever?" Respondi laconicamente: "So­
bre tudo! " Foi o que bastou. Toda a encenação
envolveu-se em tom amistoso. Embora persistisse
em não aceitar comida, ficaram um tanto enleados.
Em consciência não pude aceitar, já que ao pároco
foi negado o almoço.
Foi isto que o articulista aproveitou no seu
"Prato de Sopa", dizendo que os orientais tratavam
a um indivíduo do outro continente com maior gen­
tileza do que ao próprio irmão, separado apenas

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pela distância de wn quilómetro. "E este sacerdote
de além-mar, rematou o articulista, mostrou maior
coleguismo, do que os próprios vizinhos e irmãos
do mesmo sangue!"

Os verdadeiros abismos:

Grande verdade está contida neste artigo. Há


pessoas que fisicamente convivem, mas interna­
mente há grandes clistãncias. É o que talvez acon­
tece com a maioria de nós. Estamos pendurados,
no mesmo ónibus, superlotado de gente, jogados
para lá e para cá, talvez wn confundido no outro.
fisicamente, e moralmente, que distâncias: moral­
mente, está meu vizinho tão longe de mim, como
se estivesse no Pólo Norte.
Se, porém, possuo o esp!rito genuíno da cari­
dade cristã, que abraça a todos, na mesma vitali­
dade da graça, que vê a todos como filhos adotivos
do mesmo Pai, então pode alguém de fato estar no
Pólo Norte, neste instante, mas espiritualmente es­
tamos unidos, porque ambos partilhamos da mes­
ma vida divina, compartilhamos as mesmas espe­
ranças, as mesmas intenções, os mesmos sacrifícios
e alimentamo-nos do mesmo Pão da Eucaristia, sen­
do Cristo o ponto de reunião de todos os corações.
Esta Cortina de Ferro, que rasga a Alemanha
de lado a lado, é apenas wn símbolo de tantas ou­
tras cortinas de ferro, que se entrepõem entre mui­
tas almas, tanto do Oriente como do Ocidente.

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Naquele dia memorável, em que vi tanta rea­
lidade negativa e tanta mentira e covardia moral,
encontrei também corações nobres, dos quais até
hoje guardo simpática recordação.

Já os soldados menineiros de dezoito anos, que


nos prenderam, via-se claramente, que o "halt" de­
les era apenas um eco, uma voz que aprenderam '1
gritar, mas que não passou a ser vivencial em suas
almas jovens. O medo dum ser invisível e amea­
çador constrangia-os de cima. "Se agora os solta­
mos, disse um deles angustiado e em tom choroso,
estaremos perdidos, porque o rasto dos sapatos
deixado aí na terra fofa, deve ser justificado por
nós, custe o que custar! "

O oficial católico, que nos acompanhou até Hal­


berstadt, mandou parar, a certa hora, a viatura, e
nos comprou bolachas e biscoitos. Disse-me o mes­
mo rapaz, que a sua senhora ficou muito alarmada,
quando ouviu da prisão de dois sacerdotes católi­
cos, sendo um deles brasileiro. Aceitando um ci­
garro de mim, da Fábrica Sinimbu de Santa Cruz
do Sul, apeou novamente, para comprar-me um ci­
garro da zona russa. Ao despedir-me deste moço,
já não me lembrava de estar, realmente, na Cortina
de Ferro.

E o mistério?! Parece impossível que haja um


homem, integralmente de má vontade, neste mun­
do. No entanto, o mistério do "mal" pesa sobre
todos nós, como herança original.

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16. As homenagens a uma
Senhora

Em Ayn-Karin, ao sul de Jerusalém, encontra­


mos o lugar, onde se deu o célebre encontro entre
a Virgem Maria e a santa prima Isabel. Este belo
santuário, na encosta da montanha, vê espraiado a
seus pés tun vale extenso, que na outra extremidade
sobe para outra montanha.
"BEM-AVENTURADA chamar-me-ão todos os
povos. . . ", foi a sua exultação profética, pelos sé­
culos afora!
Numa inspiração sobrenatural, com o divino
Infante já palpitando sob o seio materno, a Virgem
viu, ntuna visão profética, todos os povos futuros,
de todos os tempos, que a haveriam de homena­
gear, como a Mãe de Deus, a Mãe do belo Amor.
Para quem viaja com olhos marianas, oferece­
se a cada passo tun louvor à Virgem Santíssima!
Cada louvor com outro matiz, com novo brilho!
Em Roma há centenas de igrejas, em que a
Madonna possui o seu altar privilegiado. Na Igreja
de Santo Agostinho, onde está enterrada a heróica
mãe Santa Mônica, encontramos a Bela Virgem,
sentada no seu trono doirado, com o divino Infan-

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te ao colo. De olhos abertos, cheios de doçura e
amor, a Virgem olha para as mães romanas, que
dia por dia se ajoelham a seus pés, pedindo um
parto abençoado. Todas as futuras mães de Roma
sabem, que é lá que podem encontrar uma bênção
especial para a sua grande missão!
Ainda em Roma, a suntuosa Igreja do Gesu,
perto da monumental Piazza Venezia, inclui uma
capelinha lateral, semi-escura, onde de manhã até
a noite, devotos fiéis se ajoelham, rezando o rosá­
rio. É a Madonna della Strada, cuja devoção remon­
ta aos tempos de Santo Inácio, que no século XVI
incutiu no povo romano esta devoção à Virgem da
Estrada. A pequena imagem a óleo, é tida como
milagrosa, e não deixa partir desconsolado a quem
se prostrar a seus pés.
Na veneranda Basílica de Santa Maria Maior,
o povo romano cerca com entusiasmo a miraculosa
imagem de Nossa Senhora Salvação do Povo Ro­
mano, à qual o Papa Pio XII veio agradecer, com
imensa mole de fiéis, a salvação contra o bombar­
deio ameaçado pelos soldados nazistas, na última
Guerra Mundial.
Nas montanhas da Stúça, eternamente borde­
jadas de neve, encontramos o Santuário de Nossa
Senhora de Einsiedeln. A imponente Basílica esten­
de seus dois braços de colunatas, num amor uni­
versal, a exemplo da colunata de Bernini, na Piazza
de São Pedro, em Roma. Os filhos de São Bento
atendem, da manhã até a noite, os numerosos pe-

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regrinos, que afluem de todas as partes do mundo,
cumprindo promessas e procurando a paz da alma,
no Sacramento da Penitência. O rosto bronzeado
da estatueta, recamado de ouro e sedas, indica aos
peregrinos a riqueza de amor de seu coração ma­
ternal.

Lourdes, no sul da França, tornou-se o exem­


plo clássico de santuário mariano, no mundo. En­
carapitada, no cocuruto dos Pirineus, a cidadezinha
limpa e com ares aristocráticos está num reboliço
continuo. São poucos os turistas católicos, que,
chegados ao velho mundo, não incluem no seu ro­
teiro a visita à Virgem do Rosário, na gruta de
Massabielle. O riacho borbulhante, que hoje corre
mais civilizado e revestido de amuradas de cimento,
ao longo da Gruta enegrecida pelo flamejar de ve­
las irrequietas, dá um belo acompanhamento musi­
cal aos cantos e orações, que fluem continuamente
de milhares de peregrinos marianos. Tive a impres­
são que talvez em nenhum santuário do mundo
haja tanto movimento de velas a serem queimadas
diante da Virgem do Rosário, como nesta rocha
sombria. Os voluntários da Virgem ocupam-se em
levar os doentes ao banho da fonte, e muitos deles
voltam radiantes, embora continuem com as pernas
entrevadas e os olhos cegos, pois receberam o mila­
gre espiritual de suportar as dores desta vida, com
fé cristã e na esperança da ressurreição eterna. Pois
a finalidade de nossa existência, nesta terra, é pre­
pararmo-nos para o céu, e nada mais e nada menos.

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Sentir, vivencialmente, esta verdade fundamental,
é uma grande graça, talvez um milagre!
Em Fátima, de Portugal, encontramos a região
do sossego e recolhimento. As montanhas silen­
ciosas, ao derredor, com os primitivos moinhos de
vento, em seu topo, esperando algumas baforadas
para se moverem, envolvem estas paragens duma
atmosfera de paz e tranqüilidade. É o santuário
da oração, onde os mascates são proibidos de im­
pingir, aos turistas incautos, objetos religiosos, com
preços exorbitantes. As lojas ficam lá fora, na pe­
riferia, antes de se entrar no terreno reservado ao
Santuário. A cada passo, uma placa despretenciosa
avisa cristãmente: "O lugar, que pisas, é santo!
Reza! " Lúcia, a única das três pastorinhas, que
ainda vive, continua a rezar o seu rosário, atrás
das grades do Carmelo, em Coimbra. A sua alegria
consiste em saber, que milhares de peregrinos acor­
rem ao pé da azinheira, para rezar, enquanto ela
fica no esquecimento. Passarinhos portugueses,
trêfegos, saltitam por entre a ramagem da azinhei­
ra, e o turista mais atento descobre escondido lá
dentro um pequeno sino, que de vez em quando
anuncia a hora da Ave Maria . . .
Viajando de Nápoles em direção do Monte Ve­
súvio, encontramos a seus pés o suntuoso santuário
de Nossa Senhora de Pompéia. A cidade morta,
que é Pompéia, mostra-nos ainda hoje toda a sua
carcassa. Naquela vez, o vulcão cuspiu uma imun­
dície sobre a cidade, a ponto de ficar soterrada e

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asfixiada sob as cinzas. No museu vimos aquele
fac-simile do cão, que se estorcia nos paroxismos
da dor. Aquela senhora deitada de bruços indica
também a angústia por que deve passar um ser,
quando morre asfixiado. Libertada das cinzas, com
meticulosidade cientifica, a cidade ainda hoje mos­
tra as suas ruas, os seus quarteirões, teatros, pala­
cetes, chafarizes, foruns e lupanares.
Entrando na Basílica do Rosário de Pompéia,
notamos um fervilhar devoto do povo cristão. Re­
vestido de ouro brilhante, o seu interno indica mui­
ta riqueza. O Vesúvio apagou-se, enterrando a ca­
beça entre as nuvens, enquanto o Santuário maria­
no de Pompéia, aí do lado, continua a acender os
corações no fogo do verdadeiro amor.
Viajando sobre o dorso ondulado do pai Reno,
que já presenciou os combates dos antigos roma­
nos, e foi diversas vezes tingido pelo sangue de
guerras e revoluções, nos séculos passados, topa­
mos, às suas margens, com o famoso Santuário
mariano de Bornhofen. Falanges diárias compri­
mem-se pelas portas deste velho templo da Virgem.
De automóvel, ônibus, trem, a pé, ou de vapores
todo engalanados achegam-se os peregrinos deste
santuário. No meio dos vinhedos, nas encostas, e
entre os vetustos castelos, nos cumes, aparece estP
santuário da Virgem, como a pérola do Reno. Os
rios de graças, que jorram desta minúscula estatue­
ta da Virgem, são muito mais fecundas do que as
águas deste rio multis-secular.

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Na Vestfália, da Alemanha, nas proximidades
da cidade de Münster, surge o santuário da penitên­
cia de Telgte. É Nossa Senhora das Dores, todos
os dias assediada por devotos peregrinos, que a pro­
curam consolar. Um dos consoladores fiéis foi o
célebre Cardeal de Münster, Klemens von Galen,
alcunhado pelo povo de Leão de Münster, por ter
sido um inimigo declarado e corajoso do Nazismo
de Hitler. Esta cidade, corajosamente católica,
orientada por este bispo intrépido, guarda até hoje
a honra de Hitler jamais ter entrado em suas por­
tas, por temer um estrondoso fracasso político. A
localidade de Telgte imprimiu nos seus arredores
um espírito tão genuino de penitência, que esta re­
gião nórdica da Alemanha é conhecida como um
baluarte do catolicismo, e é de lá que sempre par­
tiam e partem generosos grupos de missionários
para todas as partes do mundo.
Kevelaer é talvez o Santuário mariano mais
movimentado da Alemanha, atraindo inúmeros pe­
regrinos da Holanda, por estar junto às suas fron­
teiras. A imagem pequena e desbotada da grandeza
de uns dez centímetros é um imã de forças incal­
culáveis. Do seu lado ergueu-se uma grande Casa
de Retiros, onde sacerdotes e leigos se reabastecem
de forças espirituais, alargando os seus horizontes
da vida, eternidade adentro.
No sul da Alemanha, na Baviera, visitamos o
simpático Santuário mariano de Alti:itting. Como
sempre, também aqui a imagem da Virgem é mi-

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núscula e despretenciosa. O grande asceta do Car­
melo, São José da Cruz tem razão, quando afirma
que Deus escolhe justamente os instrumentos mais
obscuros, para conquistar as almas. Não são as
estátuas mais belas, coloridas e bem formadas, que
mais graças alcançam, mas é a fé mais pura e o
amor mais sincero à Virgem, que as merece. Os
ex-votos desta capelinha circular, no meio da Praça,
em Altõtting, são dum número extraordinário, a
ponto de revestirem todas as paredes internas. Ao
longo destas paredes, encontra-se um ex-voto, que
é talvez o mais querido da Virgem.

É o coração do Marechal João Cerclas de Tilly,


vencedor em trinta e seis batalhas. Este valoroso
soldado pediu a graça de ser enterrado, após a mor­
te, dentro do santuário de sua Bem Amada, já que
doara o ouro necessário, para bordar a coroa da
celeste Rainha e pagara o quinhão suficiente, para
ser celebrada perenemente todos os dias uma san­
ta missa, nesta capela, em honra da Virgem. Seu
corpo lutador jaz, agora, na cripta da igreja vizinha
de São Pedro, e pela redoma de vidro vêem-se os
trajes carcomidos, salientando-se a ossatura do seu
esqueleto. Mas o seu coração indomável foi encer­
rado num estojo de prata e colocado junto à Virgem
miraculosa, a quem tanto amara. Os desejos do
grande soldado de Maria realizaram-se.

Foi um soldado digno, defendeu a pátria na


ponta da espada. Numa das grandes assembléias,

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já no declinar da vida, este garboso militar excla­
mou num desafio santo: "Nunca me embebedei,
nunca fui Imoral e nunca perdi uma batalha! "

Tais corações figuram como ex-votos d1gnos


num Santuário da Virgem.

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17. O berço dos Heróis

Embarcando em Madrid, da Espanha, chega-se


depois de duas a três horas a um imenso chapadão
de mais de mil metros de altura, e logo mais o
trem estaca na Estação de feitio moderno: é Avila,
cidade natal de Santa Teresa de Jesus. O clima alta­
neiro e austero reflete-se na pujança tenaz do cará·
ter de Teresa, a Grande. A muralha maciça, enorme,
inexpugnável, que ainda hoje circunda a cidade ve·
lha, corno nos tempos de Santa Teresa, é urna das
peças mais íntegras, que a Idade Média trouxe até
os nossos dias.

O convento da Anunciação, com a clausura es­


trita, onde Teresa viveu, e que fica na baixada fora
da muralha da cidade, jaz num silêncio de medi­
tação profunda. A tradição mostra a cela em que
ela recebeu a visão do inferno, ao se entreter levia­
namente, nos primeiros tempos de religiosa, em
conversas fúteis com pessoas mundanas. Os traves­
sões enegrecidos, o assoalho irregular e retumbante
recordam tempos idos.

Foi-me sugerido por urna zeladora leiga de pe­


dir, para a celebração da santa missa, o cálice usa-

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do pelo próprio São João da Cruz, confessor e dire­
tor espiritual da Santa nústica. Arrisquei o pedido,
por entre a roda, e uma voz quase celeste anuiu,
quando soube que eu era do Brasil.

Conta a história de Ávila, que certa vez, quan·


do todos os homens foram combater longe da cida­
de, os inimigos assaltaram imprevistamente a mu­
ralha. As mulheres uniram-se e do alto da mura­
lha travaram o histórico embate, afugentando os
assaltantes. Este espírito guerrilheiro das mulheres
de Ávila transpirou nesta heroína da Igreja. O clima
altaneiro e rígido, a altitude de 1 .200 metros, a vi·
são ampla do imenso chapadão, a inexpugnabilidade
da vetusta muralha são provas de como os santos
são filhos do seu ambiente, e neste caso, a grande
mística do século XVI, a Reformadora do Carmelo.
Embarcando ao norte da Espanha, em San Se­
bastián, chega o trem depois de algumas horas ao
vetusto castelo de Loyola. Atualmente as alas dum
colégio jesuíta cercam-no, para poupar-lhe as intem­
péries. Em tempos idos, este gigante estava isolado
no meio das montanhas ondulantes e semi-descal·
vadas, imprimindo a toda a região um ar de soleni­
dade austera, e ao mesmo tempo um espírito sobe­
rano de poder. Observando atentamente todo o con­
junto das montanhas em derredor, e a extensão do
vale, juntamente com a firmeza do castelo, nota-se
uma mescla harmoniosa de vários contrastes: sim­
plicidade e firmeza, alturas e planícies. Tudo isto
refletiu-se harmonicamente no oficial Iiügo de

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Loyola, caído com a perna estraçalhada, num dos
ataques franceses ao forte de Pamplona. Inácio de
Loyola, fundador da ordem dos jesuítas, é um filho
genuíno da terra basca: seriedade e destemor mes­
clam-se com a solenidade e reverência. É o santo
do amor reverencial para com Deus! Amar a Deus,
com respeito! O amor indica aproximação, e o res­
peito guarda a devida distância. É o santo da terra
basca, onde as regiões reúnem o contraste do aus­
tero e do atraente!
Deixando o centro moderno de Lisboa, e subin­
do a parte antiga na direção do Castelo de São Jor­
ge, encontramos o berço de Santo Antõnio, a gló­
ria dos portugueses. Na cripta da igreja, a tradi­
ção guarda o recanto, em que este jovial filho de
São Francisco veio ao mundo. Santo Antõnio de
Pádua (porque morreu em Pádua, na Itália) , ou
Santo Antõnio de Lisboa (porque nasceu na capi­
tal de Portugal ) , é um santo atraentemente jovial,
caridoso, integralmente franciscano. Lisboa, verda­
deira cidade-sorriso, a capital do jardim plantado 1!
beira-mar, a cidade que se debruça amorosa sobre
o vasto Rio Tejo, é um mimo da natureza. Ao turis­
ta de hoje ela deixa para sempre uma agradável re­
cordação, com o leve desejo de vê-la e revê-la mais
vezes. Um quê de leveza e simpatia jovial paira so­
bre esta cidade, abraçada pelo beijo úmido do Te­
jo, e refrescada pelos ventos do Atlântico: aqui nas·
ceu o simpático Santo Antõnio!
Certa manhã, pus-me em demanda de outro lu-

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gar, onde também nasceu um herói da Igreja. Atra­
vessei o Reno, às margens milenárias de Coblença,
onde o rio Mosela se une às suas águas. Escalei,
por duas horas, a pé, a montanha oposta, até che­
gar ao lugarejo chamado Weitersburgo. Seguindo
as vielas tortuosas, topei com uma casa, tosca e an­
tiga, cuja ossatura de tijolo foi vítima das intem­
péries do tempo. "Aquí nasceu Pedro Friedhofen,
Fundador da Congregação dos Irmãos da Miseri­
córdia de Nossa Senhora Auxiliadora!" Interessou­
me a história deste herói. É um fundador de ordem
religiosa bem diferente dos demais. A sua Congre­
gação dedica.se aos hospitais e doentes, e já se es­
palhou por todo o mundo, inclusive pelo Brasil:
Maringá (Paraná) e Porto Alegre. Weitersburgo
ainda hoje é uma aldeia despretenciosa da Alema­
nha, retraída do buliço turístico e industrial das
grandes veias comerciais da Renânia.

Pedro Friedhofen não nega o berço, em que


nasceu. Seu pai foi limpa-chaminé. Ficou órfão aos
nove anos. Aos doze anos, lutou, com o suor do
rosto, pela própria existência. Tornou-se limpa-cha·
miné profissional. Subia os telhados das casas, ras­
pando a fuligem das chaminés e recebendo, como
paga, alguns trocados de dinheiro. A profissão de
limpa-chaminé era sombria, como a de engraxate
de hoje. Trabalha-se muito, recebe-se pouco.

No entanto, este pobre e obscuro operário fWl­


dou uma Congregação que se dedica aos doentes,

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desamparados e até mesmo loucos. É o herói da
caridade, da caridade escondida, tão escondida, co­
mo foi escondida a sua profissão, e como foi escon­
dida a aldeia, nas proximidades do Reno, onde nas­
ceu . . .

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18. A Cidade que é uma "flor"

Ir à Terra Santa. Sonho que se tomou reali­


dade. Primeira etapa: Roma a Beirut, capital do
Líbano. Segunda etapa: Beirut a Damasco, capital
da Síria, a pérola do deserto. Terceira etapa: Da­
masco a Jerusalém. última etapa: Israel.
Uma excursão de quinze dias, bordando o Me­
diterrâneo, varando regiões semi-desérticas, subin­
do e descendo montanhas e vales, vendo as mes­
mas paragens, que Jesus viu, visitando os mesmos
lugares, em que Jesus nasceu, viveu e morreu, en­
contrando cristãos gregos, latinos, muçulmanos, ju­
deus e ateus.
Impressionante foi a visão do imenso Herman,
cujo dorso de neves eternas escorre por quase trin­
ta quilômetros, pela zona do Líbano e Antilíbano.
Verdejante o maciço galileu, ao norte. Semi-ar­
borizado o maciço samaritano, onde topamos com
imensos trigais. Quase desértico o maciço judeu ao
sul, onde se aninha a cidade de Jerusalém.
Inesquecível o Mar Morto, onde ninguém se
afunda, por causa da extraordinária densidade sa­
lífera. Poético o rio Jordão, onde a tradição colo-

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ca o lugar do batismo de Jesus. Bordado de verde·
jantes árvores, escorre ele numa brisa refrigerante.
Belém! A gruta do nascimento, na cripta da
Basílica da Natividade, enche a alma do cristão de
imensa tristeza. Os anjos do Natal não cantam mais
o "Glória a Deus nas alturas e paz aos homens
de boa vontade". Um soldado muçulmano é guarda
de honra junto à estrela do nascimento, para evitar
intrigas entre os próprios cristãos. Todos querem
possuir, com exclusividade, este lugar tão sacro, e
é justamente aqui que mais devia brilhar o amor
entre irmãos.
A Basílica do Santo Sepulcro, que inclui o lu­
gar do Calvário, passou, no correr da história, a
mãos alheias. Para abrir cada vez o portal da en­
trada, os católicos devem pagar imposto às autori­
dades árabes.
Monte das Oliveiras: impressionante a Hora
Santa. Cristãos de todos os países e de todas as lín­
guas. Todos vieram, catolicamente, consolar o Mes­
tre, no mesmo lugar, em que suou sangue. A pedra
esbranquiçada brota da terra, diante do altar, den­
tro da Basílica das Nações, num silêncio de dor e
tristeza.
Via Sacra única no gênero: os diferentes gru­
pos de peregrinos iam carregando a sua cruz de ma­
deira, a exemplo de Cristo, e seguindo o mesmo
trajeto, que ele seguiu. Muçulmanos, puxando pelo
cabresto burricos, carregados de bugigangas, cor­
tavam displicentemente a procisão dos peregrinos.

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Ao longo das estreitas vielas aglomeravam-se os
curiosos de todos os feitos. Queriam ver como os
cristãos do Ocidente homenageavam o seu "crucifi­
cado".
Jerusalém, dividida em duas partes. O setor
antigo pertence à Jordânia, e a parte nova, moder­
russima cabe a Israel. Há uma só passagem entre
estes dois países hostilizados, no centro da Jerusa­
lém: é a Porta de Mandelbaum. A terra de nin­
guém, que separa estas duas partes, jaz num aban·
dono de terreno baldio. Anos atrás um turista do
Nebrasca (USA) entrou nesta faixa de ninguém, pa­
ra apanhar uma flor, e caiu morto por uma bala.
De ambos os lados há uma cortina de "balas".
O Monte Sion, lugar estratégico, passou a per­
tencer a Israel, desde o armistício de 1948. Lá se
venera o túmulo de Davi, o Cenáculo, o lugar do
Pentecostes e da Dormição da Virgem. A torre da
igreja da Dormição está crivada de balas inimigas,
por se achar no ponto fronteiriço, e dentro do seu
campanário movimentam-se cabeças de soldados
hebreus, com os fuzis engatilhados.
Israel é impressionante. Um povo que trabalha
e realiza milagres. Transformaram os desertos em
paragens verdejantes de fecundos laranjais. Quem
não conhece na Europa as célebrees laranjas de Te!
Aviv, a capital comercial de Israel?!
O Monte Tabor, isolado no meio da planície
ondulante do Esdrelon, é o rei da zona, e arranca
de todo o turista, que lhe sobe as curvas sobrepos-

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tas, a exclamação de Pedro: "Como é bom estar
aqui!''
Naim: uma aldeia de poucas casas, mas toda
a criançada veio ao nosso encontro, sorrindo esfar­
rapados e pedindo encarecidamente "Bakschisch"'
(esmola) .
Subimos o maciço galileu, e o ar tornava-se
leve, diáfano e refrescante. Subitamente vimos a
nossos pés uma cidadezinha escorrendo pelo vale e
subindo na outra encosta, num emaranhado de ca­
sas sobrepostas. "Nazaré", exclamou o Padre North,
S. J., Diretor experimentado da excursão.
Um sentimento de emoção invadiu-me a alma.
Sempre quis ver esta cidade da Virgem. É o ponto
da terra, onde se desenrolou o fato mais importan­
te da história humana. Naquela gruta, Já na encos­
ta, morava uma donzela pura, casta e linda. Certo
dia, um mensageiro celeste entrou-lhe pela porta;
inclinando-se em profunda reverência: "AVE, cheia
de graça . . . "
A notícia mais alviçare!ra, que jamais ecoou
sobre o nosso planeta, foi ouvida aí: Deus viria à
terra, tornando-se homem . . .
Deus, o eterno Deus, que lançou num simples
ato de vontade, os astros pelo espaço, escolheu a
sua Mãe, nesta gruta esconsa e humilde. Nesta gru­
ta, abraçaram-se o céu e a terra. Aí achou o seu
ponto de contacto, a enorme ponte, que foi lançada
entre o céu e a terra. Esta ponte é Cristo, verda-

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deiro Deus e verdadeiro Homem. Verdadeiro Ho­
mem, para tomar sobre si a nossa culpa. Verda­
deiro Deus, para dar um valor infinito à sua Satis­
fação.
Aí pulsou o coração da Virgem mais bela e
pura, que jamais houve na terra. O próprio Deus,
ciumento como é, enamorou-se dela e a escolheu
exclusivamente, para a sua MAE!
Nazaré é chamada, etimologicamente, de "pé­
rola" ou "flor". Ela é a "flor" da Galiléia, mas a
"flor" de Nazaré é "MARIA", que nos trouxe o Sal­
vador do Mundo.

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19. Matéria - Espírito

Quando pisei, pela primeira vez, o Forum Ro­


manum, um respeito de veneração histórica correu
pela espinha dorsal. Entre colunas esparsas dr
mármore, descobri o balcão, donde discursava o
eloqüente Cícero. Séculos e mais séculos foram
abeberar-se na retórica de Cícero. Aqui está o lu­
gar, onde ecoou a sua voz, onde sua toga era agi­
tada com gestos hipnotizantes. Nada vejo . . . algu­
mas pedras justapostas, aqui e acolá algum bloco
de mármore a esmo, algumas colunas decepadas . . .
nada mais. Tudo matéria! Onde está o hálito vivo
da retórica ciceroniana?! Onde posso apalpá-la, po;
entre o aglomerado destes restos históricos?

Aqui César caiu sob o punhal de Bruto! - re­


lembra outra placa de mármore frio, no FORUM
'ROMANUM. Aqui o seu corpo foi queimado, sob
o choro lancinante de milhares de romanos. Fato
histórico, sim. Que vejo? Esta placa, e o calçamen­
to disforme daqueles tempos longínquos, e nada
mais. Onde está a bravura arquejante de César,
o seu influxo eletrizante, que arrastava todo um
povo?!

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Em Lisboa avança por cima das ondas do Tejo
uma proa gigantesca, encimada pelo her6ico Dom
Infante Henrique, o Navegador, e seus desbravado­
res. Aqui . . . ele entrou na galera, para conquistar
e descobrir novos mundos. Onde é este aqui? Ci­
mento, ondas e o barranco do rio, nada mais. Onde
está o espírito empreendedor do Infante?!

O Partenon de Atenas, uma das peças mais im­


pressionantes da arte humana, deixa pasmos os vi­
sitantes. Pedras estão aí justapostas, mas onde está
o espírito ateniense de então! ?
Quando vou a o encalço dos santos, também só
encontro alguns resquicios de matéria.
No museu da igreja de Santo Inácio, em Roma,
encontra-se um grande chapéu de feltro. Podia per­
tencer a um gaúcho do século passado. Podia igual­
mente ter coberto a cabeça dum assassino. Maté­
ria, que em si não diz nada. Mas o bilhete lacó­
nico diz: "Chapéu do missionário Beato António
Baldinucci!" Era o grande missionário da Itália, no
século XVII. Certa vez, pregava ele em praça pú­
blica, ao ar livre. "Quereis ver, quantas almas vão
caindo cada dia ao inferno? !", perguntou ele abrup­
tamente aos ouvintes. "Olhai para esta árvore!"
Num instante, uma chuva de folhas foi atapetando
o chão, ficando apenas o tronco despido da árvore.
O chapéu de Baldinucci está aí . . . mudo, ainda bor-
dado com uma crosta de suor . . . mas o incansável
espírito de Baldinucci, onde está!?

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Nas proximidades de Nettuno, entrei na casa
dos Goretti, e vi o pequeno cercado, no centro da
sala onde se lê: "Aqui Maria Goretti foi assassinada
pelo impuro Alexandre Serenelli!" Que vejo!? O ve­
lho assoalho atijolado, todo gasto . . . mas de Go­
retti nada! Não consigo apalpar o heroísmo desta
menina, por entre a matéria, que piso!
Em Azpeitia, na Espanha, dois quilômetros dis­
tante do castelo de Loyola, descubro a custo, na
penumbra da Igreja paroquial, um velho batistério
de pedra. Este batistérío, ainda hoje, recebe as
águas, que escorrem sobre cabecinhas inocentes.
Certa vez, a cabecinha de Ifiigo de Loyola foi esten­
dida sobre este batistério. Procuro o espírito do gi­
gante Inácio, por entre a escura concavidade do
batistério, mas nada vejo, nada encontro. Matéria
bruta e nada mais!
Na Terra Santa, vejo o Lago de Genesaré. Aqui
Jesus produziu a pesca milagrosa. Às suas margens,
preparou um belo guisado aos apóstolos. Com a voz
cheia de solenidade disse, um dia, às ondas enca­
peladas: "Acalmai-vos!" Meus olhos estendem-se
gananciosos por sobre a imensa superfície das
águas . . . onde está Jesus? Onde está aquela força,
que um dia se fez sentir sobre esta mole imensa e
volúvel das águas?! Matéria! Espírito
O heroísmo, a santidade, a graça santificante,
não se apalpa, vive-se!
Vejo várias filas de automóveis, diante do si­
nal fechado, numa das ruas mais movimentadas de

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Munique, na Alemanha. Em cada acelerador estão
dois olhos acesos, esperando o sinal verde. Ho­
mens visíveis: matéria! Dentro de cada qual há
um mundo de espiritualidade. Aquele da direita,
todo bem trajado, cabelos luzidios de glostora, está
em pecado mortal. Ninguém o vê. Seu vizinho,
igualmente trajado a rigor, está em graça santifi­
cante. Ninguém o vê. Ambos matéria. Mas um
deles, em cada qui!ômetro que avança, atrai o ódio
de Deus sobre si. O outro, em cada pulsação do
seu coração, é objeto do amor de Deus, porque pos­
sui em si a mesma vida divina, que flui do seio da
Santíssima Trindade, por meio do divino Filho, à
terra, e agora é canalizada pelo sacramento do ba­
tismo (ou renovada pelo Sacramento da Penitên­
cia) a cada cristão. Se ele quiser conservar, todos
os dias, esta vida divina borbulhando dentro de si,
deverá sobrepor-se a todas as escaramuças e tenta­
ções, que o hão de surpreender. Deverá ser um he­
rói do espírito, até no íntimo dos pensamentos, que
ninguém vê!
É este o novo reino, que Cristo trouxe à terra.
O Reino Espiritual! "O meu reino não é deste mun­
do" "O Reino de Deus está dentro de vós!"
O Reino dos músculos e das bombas atômicas
perecerá: porque é matéria. O reino da carne apo­
drecerá: porque é matéria!
O Reino do Espírito é que vivifica tudo, confor­
me a expressão vivencial de São Paulo. Vivifica tudo
o que tocar.

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Esta lição ensinaram-me todos os museus, to­
das as recordações históricas, e todas as relíquias
dos santos e heróis . . .

Matéria . . . Espírito! . . .
INDICE

1. O Santo em farrapos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2. Fariseus "incônscios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
3. A boneca da santa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
4. O melhor professor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
5. A morte de Pio XII . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
6. A eleição de João XXIII . . . . . . . . . . . . . . 33
7. Corpos incorruptos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
8. O relógio da morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
9. O jardim florido de Roma . . . . . . . . . . . . 48
10. O jovem Davi de Miguelângelo . . . . . . . . . 54
11. A cripta das 4.000 caveiras . . . . . . . . . . . . 59
12. O lírio de Roma e Nettuno . . . . . . . . . . . . 70
13. Um mês sob o bafo da morte . . . . . . . . . . 77
14. O segredo das montanhas . . . . . . . . . . . . 84
15. Minha prisão na cortina de ferro . . . ... 92
16. As homenagens a uma Senhora . . . . . . . 101
17. O berço dos heróis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
18. Cidade que é uma "flor" . ...... . ...... 114
19. Matéria - espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 19

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rns R A s Do A u T o.R

1. BIOGRAFIAS

1. A Guerrilheira de Deus 31' ed.


-

2. Missionário de Sangue - 21' ed.


3. O Presidente Assassinado 2' ed.
-

4. O Escândalo dos Kostkas 51' ed.


-

5. O Porteiro de Montesión 51' ed.


-

6. O Limpa-Chaminé do Reno -31' ed.


7. A Dama dos Olhos Fascinantes - 2' ed.
8. Despistou mil Secretas 81' ed.
-

9. As duas Paixões do Oficial 2' ed.


-

10. A inexplicável Merloni .


11. A outra Madalena 21' ed.
-

12. O Pecado de ser Bela 31' ed.


-

13. A Carmelita abençoada 21' ed.


-

14. A Garota do Vale.


15. O Companheiro 21' ed.
-

16. o Eco de uma Frase 21' ed.


-

17. A Teresinha brasileira.


18. Paixão de um Padre.
19. Sem Máscara.
20. O Mártir do Inferno Verde.
21. o Avesso duma Vida.
22. Os Santos Duvidaram 21' ed.
-

23. Quando a Semente morre 3' ed.


-

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24. Irmá Hevocata.
25. A Dama dos Três Corações - 2' ed.
26. O Gigante do Oriente.

2. DIARIOS

27. Pisei a Terra Sagrada -2' ed.


28. O que vi por lá - 21' ed.
29. Onde se respira Deus.

3. COLEÇÃO: "VIDA INTERIOR"

30. - 1) O Aspecto Humano dos Santos - 2' ed.


31. - 2) A Fome do Eterno - 2' ed.
32. - 3) Atire a primeira Pedra.
33. - 4) O Pincel do Amor.
34. - 5) Através da Neblina.
35. - 6) O Diálogo e o Mar.
36. - 7) A Aventura do Destino.
37. - 8) As mil e uma Cortinas.
38. - 9) O Sangue da Paz.
39. - 10) O Fascínio por Cristo.
40. - 11) O Diário da Morte.
41. - 12) Você é J.C. - 2' ed.
42. - 13) O Trajeto da Anúzade - 2' ed.
43. - 14) Alguém está do meu Lado.
44. - 15) O maior Momento da Vida - 2• ed.
45. - 16) O Sacerdote Jesus - 2' ed.
46. - 17) Amizades do Além.
4 7. - 18) O Rosário com Maria.

127

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4. COLEÇÃO: "RETIRO"

48. - 1 ) Encontrei-me com Ele - 2� ed.


49. - 2) O Fascínio das Alturas.
50. - 3) O Aconchego da Vida.

5. TRADUÇÕES

I. - Der Begleiter - tradução alemã - Suíssa -


de "0 Companheiro".

II. - La Dama de los Tres Corazones - tradução


espanhola - Argentina - de "A Dama dos
Três Corações''.
outras traduções em preparo.

Pedidos: Edições Rosário


Caixa Postal, 3.1 '1'5
80.000 Curitiba-PR
Brasi1

128
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Pessoas:

3. Onde se Respira Deus:


Na segunde. viagem pela Eu­
ropa, o autor descobre e.e
pessoas. Se na primeira via­
gem a cidade de Aseis, na
Itália, lmpreeelonou, então
nesta viagem o herói de Assis,
Francisco, deixou lmpreeeão
mais profunda. Na primeira
viagem, Maria Gorettl !aecl­
nou com o seu heroismo de
mártir; nesta segunda, emo­
cionou com o seu gesto de
perdão ao aeeasslno.

4. Encontrei-me com Ele:


Os lugares pisados por Jesuo
falaram, nesta segunda via­
gem do autor, com multa elo­
qUêncla. O Lago de Oenesará
ainda 41 de Jesus, que deaco­
nhece limitação de tempo e
espaço. O Calvário ainda hoje
tem sentido, em dependência
da pessoa cllvine. de Jesus .

Peclldos: Ecllções Rosário


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80.000 Curltlba-PR

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