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Copyright © by Editora Mediagao 1998 Nenhums pe dtc ps pc ou pad om azo ear do Ec Coordenagio editorial: ussara Hoffmann Revisio de texto: Rosa Suzana Ferreira Mustragdo da capa: M.C. Escher (autorerrato, 1943) Capa: Bento de Abreu Editoragio: Aldo Jung a $961 A surdez : um olhar sobre as diferengas / org. de Carlos Skliar,- Porto Alegre : Mediaco, 2005, 3*ed, 192p. | Educagio especial. 2. Educagio de deficientes auditivos. 3 Surdos. 4. Deficientes audit CDU: 376.353 Catalogagao na publicagio Bibliotecéria Maria Amazflia Penna de Moraes Ferlini aca seu pedido diretamente & Av. Taquara, 386/908 B. PetrSpolis Editora ep: 90460-210 — Porto Alegre/RS caer Fone/Fax: (51) 3330-8105 Mediacao Site: wovw.editoramediacao.com.br e-mail: editora.mediacao@terra.com.br Printed in Brazil/Impresso no Brasil SUMARIO APRESENTAGAO Um olhar sobre 0 nosso olhar acerca da surdez e as diferencas Carlos Shliar 1 Os Estudos Surdos em Educagio: problematizando a normalidade Carlos Ski... 2 discurso moderno na educagio dos surdos: priticas de controle do corpo e a expressio cultural amordagada Sérgio Andres Lulkin snes 33 3 Identidades surdas Gladis T. T. Perl 4 Os discursos sobre surdez, trabalho © educagio a formacao do surdo trabalhador Madalena Klein 5 A mulher surda ¢ suas relagées de género e sexualidade Sandra Zanetti Moreira . 6 Relages de poderes no espaco multicultural da escola para surdos Maura Corcini Lopes 6 Carlos Sklar ee ee ‘outros sob um olhar paternalista, ese revelam como estratégias conservadoras para ocultar uma inten¢io de normalizacio. A diferenga, como significagio politica, é construfda histérica ¢ socialmente; é um processo e um produto de conflitos e movimentos sociais, de resisténcias as assimetrias de poder ¢ de saber, de uma outra interpretacio sobre a alteridade e sobre o significado dos outros no discurso dominante. O nosso projeto nao esté ancorado a uma teorizacio, de certo modo, ica. Sendo, ainda, exigentes com 0 objetivo de gerar uma teoria ¢ um olhar sobre a surdez, sabemos da impossibilidade de “falar” pelos ou- tros. Porém, a nossa preocupa¢io também estd sendo fundamentada na ctiagio de um tecido, de um campo, de uma rede para o planejamento de politicas educacionais para surdos. ‘As questées teéricas fundamentais do nosso grupo se cristalizam, en- tio, junto as comunidades surdas, is escolas, ¢ aos intézpreces de lingua de sinais, no processo de formagao dos professores ouvintes. Assim, nossos Projetos de pesquisa sio conduzidos para uma diversidade de focos que ainda esto em observagao: identidades surdas, ¢ desencontros dos discursos hegeménicos sobre a surdez, rup’ a educacio de surdos ¢ a educasio especial, praticas discursivas e dispositivos pedagégicos na relagao entre educagao ¢ trabalho, artes e culturas surdas, relagées entre cestudos surdos ¢ estudos de genero, 0 curriculo como territ6rio de colonizaczo dos ouvintes sobre os surdos, os novos paradigmas da escolariza¢io, 0 pro- cesso de formagio de novas comunidades surdas, etc, Os textos de A SURDEZ sio um ponto fixo numa caminhada que ainda estd em andamento. Seus capitulos podem ser pensados como frag- mentos de um pensamento em evolucao, em movimento. Por isso, nao é nossa pretensio definir melhor, ou com maior clareza, a surdez.(Queremos, Porque nisso acredicamos, deixar 0 devido espago para a ambigilidade ¢ ara as diferentes interpretacdes. Interessa-nos, sim, criticar os discursos clinicos, a medicalizaczo, a ouvintizagio na educagio dos surdos! Para isso, produzimos interfaces necessérias com outras linhas de estudo em educa, ‘a0: estudos culturais, antropologias de grupos minoritétios, estudos femi- nistas, politicas de educagio, etc. E nessas ligagbes que os autores encon- tram os seus préprios olhares que possibilitam pensar a surdez dentro de | uma perspectiva geral da educacio. Sao nessas relagbes que a surdez pode, \ gntio, ser pensada como uma diferenga. Ll Os Estudos Surdos em Educacdo: problematizando a normalidade Carlos Skliar Introdugao ao primeiro olhar. O que muda na educagao dos surdos quando se diz que alguma coisa muda? Tem-se acentuado, nas tiltimas trés décadas, um conjunto novo de dis} cursos ede priticas educacionais que, entre outras quest6es, permite desnu-) dar os efeitos devastadores do fracasso escolar massivo, produto da hegemonia | de uma ideologia clinica dominance na educacéo dos surdos. As idéias dominantes, nos ultimos cem anos, so um claro testemunho do sentido comum segundo o qual os surdos correspondem, se encaixam ¢ se adapram com naturalidade a um modelo de medicalizagio da surdez, ‘numa versio que amplifica ¢ exagera os mecanismos da pedagogia correti- ente até nossos dias. Foram igbes especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficéncia, quanto pela cultura soci- al vigente que requeria uma capacidade para controlar, scparar ¢ negar a existéncia da comunidade surda, da lingua de sinais, das identidades surdas)_ ¢ das experiéncias visuais. que determinam o-conjunto de diferengas dos ' surdos em relagao a qualquer outro grupo de sujeitos, A mudanga registrada nos iltimos anos nio é, e nem deve ser, compre- endida como uma mudanga metodolégica dentro do mesmo paradigma da excolarizacio. O que esti mudando sio.as.concepgbes sobre 0 suj do, as descrigdes em rorno da sua lingua, as definigbes sobre as p educacionais, a andlise das relagées de saberes e poderes entre adultos sur- dos e adultos ouvintes, etc. 8 Carlos Skliar Entre as miltiplas contribuig6es que geraram essas mudangas, impres- cindtvel assinalar que a divulgagao dos modelos denominados de educaco bilingtie e bicultural) e 0 aprofundamento teérico acerca das concepcoes antropoldgicas da surdez, se constituem como os elemen- \s. Porém, © abandono progressivo da ideologia clinica dominante € a aproximagio aos paradigmas sécio-culturais, no podem ser considerados, por si s6, como suficientes para afirmar a existéncia de um novo olhar educacional. As limitagdes na organizagao de projetos politicos, de cidadania, dos direitos lingiifsticos, ¢ as dificuldades no processo de reorganizacéo e de reconstrucdo pedagégicas, ainda sugerem a existéncia de uma problemsti- ca educacional ndo revelada totalmente. Em outras palavras, a questio nao est no quanto os projetos pedagégicos se distanciam do modelo linico, ‘mas no quanto realmente se aproximam de um olhar antropolégico e cultu- ral. (Bchares, 1993, Padden e Humphries, 1988; Skliar, Massone e Veinberg, 1995) Ainda hoje, se percebe a necessidade de uma transformacio 20 nivel das representagdes que conformam os poderes e 0s saberes clinicos ‘erapéuticos. Uma transformagao que supée uma andlise aprofundada so- bre algumas metanarrativas — constituidas como grandes “vetdades” — anco- radas na educacio dos surdos. Entre estas metanarrativas, devemos focalizar a atengio nas aparentes “novidades merodolégicas” que permanentemente cisculam na pedagogia para surdos. E possivel que estas “novidades” acertem, com lucidez, 0 diag- néstico da crise pedagégica atual, mas, geralmente, nao conseguem desli- gar-se da questio das Iinguas — lingua de sinais / lingua oral. E Sbvio que mesmo “resolvida” a questio das I{nguas como ponto de partida, nada asse- Bura que a discussio sobre uma proposta significativa de educagio para surdos chegue como uma simples e natural conseqiiéncia, O fato de que a educagio dos surdos nio se atualize em sua discussao educativa pode revelar a presenga de um sentido comum que estabelece uma cadeia de significados obrigatérios, como a seguinte: surdos — deficientes auditivos ~ outros deficientes — educasio especial ~ reeducacio — normali- 2asH0 ~ integragdo, Paralelamente a essa continuidade de significados, sur- 8¢também um conjunto de contrastes binérios, que sao tipicos deste terri- A SURDEZ: um olhar sobre as diferengas 9 ‘6rio educacional. Ito é, a pedagogia para surdos se constréi, implicita ou expliciamente, a partir das oposicées normalidade/anormalidade, satide/ patologia, ouvinte/surdo, maioria/minoria, oralidade/gestualidade, etc. Por todas estas razdes, uma nova perspectiva nao deveria contentar-se simplesmente com a dentincia do fracasso na sua raiz quani dimensio escolar, nem trabalhar somente sobre os mecanismos possiveis para remedié-lo dentro de uma mesma légica discursiva. Deveria, sim, desnudar as implicagdes mais dolorosas que esse fracasso gerou na constr 40 das identidades dos surdos, na sua cidadania, no mundo do trabalho, na linguagem, etc. Deveria, sim, duvidar dos poderes ¢ dos saberes, arraiga. dos na prética educacional, que ainda reproduzem e sustentam o fracasso, 20 consideré-lo como um mal necessério no objetivo da naturalizacio dos surdos em ouvintes. Introdugio ao segundo olhar: as representages sobre a surdez podem mudar? A temitica da surdez, na atualidade, se configura como tertitério de representag6es que no podem ser facilmente delimitadas ou distribuidas em “modelos sobre a surdez”. O mapeamento destas diferentes representa Bes requereria algo mais do que uma cronologia seqiiencial e descritiva das concepcées. Interessa-me abordar, aqui, alguns elementos epistemolégicos, ao in- vés de restringir todas as representagdes a uma oposigio, didaticamente simplificada, sobre as tradicionais perspectivas clinicas ou sécio-antropolégi- «cas da surdez, que caracterizam e governam, na atualidade, todos os discur- 80s ¢ todos os dispositivos pedagégicos. Ainda que cu jé tenha me referido, em outras oportunidades (Skliar 1997 a, b), & habitual oposicdo entre modelos clfnicos e antropol objetivo deste trabalho é diferente. Trata-se de identificar os matizes, os cexemplo, as sig Por que uma anilise deste tipo pode ser importante? Em primeiro lugar, porque, deste modo, se deixa de pensar numa pers- 10 Carlos Sidiar ee pectiva segundo a qual € possivel afirmar que existem representagées corre- tas ou incorretas sobre a surdez e, mais ainda, que elas podem ser, simples- mente, limicadas a categorias de verdade ou falsidade. Por outro lado, essas representacdes ndo estio, nem necesséria nem nacuralmente, separadas nas priticas discursivas e nos dispositivos pedagégi- cos. Ou seja, a sua separasao resulta artificial quando se trata de objetivar um determinado espaco educacional. Para exemplificar a afirmagao anterior basta reflec sobre 0 seguinte: ainda que 0 modelo clinico seja entendido como o disciplinamento do comporcamento ¢ do corpo para produzir surdds aceitéveis para a socieda- de dos ouvintes, em algumas representagées ilusori antropolégicas © discurso parecer ser, ou é, 0 mesmo. A lingua de sinais é, para ambos os

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