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+ ANDREA FLAVIA TENORIO CARNEIRO REGISTRO DE oe | _ALEI10.267/2001 INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIARIO DO BRASIL cree antl icp Sergio Antonio Fabris Editor CADASTRO IMOBILIARIO E REGISTRO DE IMOVEIS A LEIN. 10.267/2001, DECRETO N. 4.449/2002 E Atos NORMATIVOS DO INCRA TRIB —1XS111C10 DE REGISTRO [MOBILE RIO DO BR Ast Avenida Paulista, 2073 — Horsa ! 12 andar. ¢} 1201 1202 CLP O Cerqueita Cesar So Paulo - SP. Fones, (35 11) 289-3599 ~ 289. 9.3340 Home page: sw. anb org br vail nb nb.org, br ‘Ouvidoria: ous orig ib org br Conyetho Editorial Flvino Sika Filho. Maria Helen Fioranelli, Joao Baptista Galhardo, Frederico Henrique Vi (Presidente) Leonel Gandolfo. Gilberto Valeme da Sika. Ademar is Ue Lina © Sergio Jacomino Diretor Responsavel ¢ Coordenador Editorial (desde 1996): Serio kicomino, Presidente: Sérgio Jacomino (SP) — presidemet iriborg.br: Viee-Presidente: Helvécio Duia Castello (ES); Diretor de Publicidade © Divulgagio: Fliuvilino Anaijo dos Santos (SP) Fundador: Julio de Oliveira Chagas Neto: Secretaria do IRIB) iriba inibory.br: Ouvidora Juliana Freitas Lima (ous idoria‘e inb org.br) Diretoria Executiva: Presidente: Sergio Jacomino (SP): Vice-Presidente: Helvécio Duin Castello (ES): Secretaria Geral: Joao Baptista Galhardo (SP); 1” Sccretirio: Gilms Teixeira Machado (MG): 2° Secretario 0 (ES). Tesoureiro Geral José Simao (SP). 1" Tesoureito: Vanckt Maria de Oliveira Penna Antunes da Cruz (SP), 2" Tesourcito, Manoel Carlos de Oliveira (SP), Diretor Social ¢ de Eventos: Ricardo Basto da Costa Coctho (PR). Diretor de Publicidade ¢ 10: Flawilino Araijo dos Santos (SP): Diretor de Assisténcia aos Associados: Jordan Martins (SC) € Diretor Legislative: Meirimar Barbosa Jinior (SP), Conselho Deliberative: Sergio Toledo de Albuquerque (AL): Nino Jesus Aranha Nunes (AP): Stanley Queiroz Fortes (AM; Neusa Maria Arize Passos (BA). Ana Teresa Araijo Mello Filiza (CE), Hamar Sebastido Barreto (DF). Helvécio Duia Castello (ES): Nilzon Periquito de Lim (GO): Jurandye de Castro Leite (MA); Nizete Asvolinsque (MT): Renato Cosia Alves (MS): Francisco José Rerende dos antos (MG), Cleomar Cameiro de Moura (PA). 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Dimas Souto Pedrosa (PE) © Elsino Silva Filho (SP), Suplentes do Consetho de Ktiea: [:rcilia Maria Suares (TOX: Inaly Al (MG) Mauro Souza Lima (PE). da Silva Campos Andrea Flavia Tenorio Carneiro CADASTRO IMOBILIARIO E REGISTRO DE IMOVEIS A LELN, 10.267/2001, DECRETO N. 4.449/2002 E ATOS NORMATIVOS DO INCRA INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIARIO DO BRASIL Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre / 2003 Andrea Flavia Tenorio Carneiro: IRIB - INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIARIO DO BRASIL Cole¢do IRIB em Debate: Sérgio Jacomino (Organizador) ‘e-mail, jacomino dregistral com br Titulos Publicados 1. Thesaurus Junsprudencial - Jurispradéncia do Consetho Superior da Mi Geral da Justigade Sao Paulo -ana de 1996 - Sérgio Jacomino 2 Registro de Imaveis - Estudos de Direito Registral Imobiliério - XXII Encontro de Oficiais de Registro de Iméveis do Brasil -Cuiaba. 1993 stro de Imaveis - Estudos de Direito Registral Imobiltario - fo de Imaveis do Brasil - Fortaleza, Ceara. 1996, + Registro de Imoveis - Estudos de Direito Registral Imobilidrio - XXIV Encontro de Oficiais de Registro de Iméveis do Brasil - Belo Horizonte - Minas Gerais, 1997 5 Da Ftuca Geral Btica Profissional dos Registradores. Ricardo Henry Marques Dip. 6 Alienagao Fiduciaria de Imoveisem Garantia- Lein. 9 514/97. Primeiras Linhas, Marcelo Terra, 7. Temas Registrarios. Frederico Henrique Viegas de Lima 8 Alienagao Fiductaria de Coisalmével. Ubirayt Ferreira Vaz 9. A Previdencia Social co Registro de Imoveis - Doutrinac Legislagao Vigente - Ulysses da Silva 10. Registro de Imoveis - Estudos de Direito Registral Imobilianw - Sao Paulo - XXV Encontro de Oficiais de Registro de Iméveis do Brasil - XXVI Encontro em Recife H. Direito Registral Imobilidrio - Ademar Fioranelht. 12 Registro de Imoveis -O Lado Humano- Ulysses daSilva 13. Registro de Imoveis - Estudos de Direito Registral Imobiliario - XXVII Encontro de Oficiais de Registro de Iméveis do Brasil - XVII Encontro em Vitoria- ES. 14 Registro de Imoveis - Estudos de Dircito Rezistral Imobiliario - XVIII Encontro de Oficiais de Registro de Iméveis do Brasil - XXVIII Encontro-em For do lzuacu -PR 15, Registro de Imaveis - Estudos de Direito Registral Imobilirio - XXI Fneontro de Oficiais de Registro de Iméveis do Brasil - XI Encontro.em Sao Luiz-MA 16. O Codigo Civil e Registro de Iméveis (Lei n. 10.406. de 10/01/02) - Edica0 Preliminar para Estudos loria XIII Encontro de Oficiais de Diagrams PENA - Composigdo e Arte Reservados todos os direitos de publicagao. total ou parcial. a SERGIO ANTONIO FABRIS EDITOR RuaRiachuclo, 1238 CEP90010-272 Fones: (51) 3227-5435 (G Porto Alegre-RS a T Rua Santo Amaro, 343 CEP 01315-001 Fones: (11) 3101-5383 - 3101-7039 ‘Sao Paulo - SP al) / 08000-51618, Dedico a Daniel, Felipe, Guilherme Gustavo e Diogo Preficio a Introdugao....... Capitulo 1 CADASTROS E SISTEMAS CADASTRAIS. 1.1 Conceitos iniciais 1.1.1 Parcela e z 1.1.2 Sistemas de Informagoes Territoriais — SIT (Land Information Systems — LIS) ee 1.3 Definigao de cadastro. 1.4 Cadastro Técnico . 1.5 Cadastro Imobiliario -6 Cadastro Multifinalitario.. m ¢ evolugao do cadastro A origem do termo.. Primeiros registros cadastrais O antigo cadastro romano. O cadastro frances. 2 Primeiros registros cadastrais em outros paises ....... di 1.3 Uma sintese de alguns modelos cadastrais teoricos 1.3.1 Modelo de Dale. ae 1.3.2 Modelo de Me! aughlin aa 1.3.3 Modelo de Williamson 1.3.4 Analise das caracteristicas dos modelo: 1.3.5 O cadastro na Suécia.. Capitulo 2 REFORMA CADASTRAL... vosennasd 2.1 Justificativas para a implementacdo de projetos de reforma cadastral . 44 2 Tendéncias do Cadastro Imobiliario - 0 adastro 2014......46 3 Elementos influentes na implantagdo ¢ no funcionamento de projetos de reforma cadastral | Aspectos institucionais. Aspectos legais 3 Integragao entre r cadastral 2.3.4 Aspectos politicos...... 2.3.5 Lideranga e visio para a reforma 2.3.6 Dispersove incufielineia de reearsos humanos 4 Exemplos de reforma cadastral em alguns paises . 2.4.1 Reforma cadastral na Argentina . 2.4.2 A experiéncia da Malasia 2.4.3 Reforma cadastral no Vietna . tro territorial e levantamento v Capitulo 3 EVOLUC AO DA OCUPACAO E LEGISLACAO. TERRITORIAL BRASILEIRA. 3. 1 O Periodo Colonial . Cs 3.2.0 Periodo Imperial - A Lei n. 601. de 18 de setembro de V 850 oc ccccccsecsssseseserteeecceseeeseeeesonnnnnvseceneseee Perera 3.3 O Decreto n 1 318, de 30 de janeiro de 1854. re 75 3.4 O Periodo Republicano.... eneranaienonaen 7 3.5 O Estatuto da Terra. — ere 80 3.6 Tentativas de instituig: 1 do cadastro no Brasil . 82 Capitulo 4 ASPECTOS DA ESTRUTURA DO CADASTRO RURAL NO BR. sit. 85 85 4.2.0 cadastro de imoveis rurais executado pelo INCRA - 90 4.2.1 O Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR... 91 4.2.2 O Cadastro Técnico de Imoveis Rurais - CTIR = 3 4.3 A administragdo das terras ptiblicas . wens 9 4.3.1 Os bens publico: stveeeeente at acne SP 4.3.2 A administragdo das terras PUBTICAS co escescrane 101 Capitulo 5 ASPECTOS DA ESTRUTURA DO CADASTRO URBANO. NO BRASIL 5.1 O solo urbano e sua lewista 2 Os cddigos tributarios municipais Antecedentes do Cadastro Urbano no Brasil 4 O Cadastro Técnico Urbano. 5.4.1 O sistema cartogratico do ¢ dastro 5.4.2 O sistema deseritivo do cadastro, Levantamento ¢ ise de aspectos do soeletecs iinobillirie urbane de: algumas cidades brasilviras...... 5.5.1 Contetido ¢ atualizagao do cadastro.... 5.2 Coleta dos dados ¢ produto cartografico re asultante 5.3 Grau de automatizagao do cadastro 4 Recursos humanos 5.5 Caracteristicas gerais ae sistema .. 5.6 Pontos fortes ¢ fracos do sistema. 7 Analise dos resultados...... tro imobilidrio de Santo Andr técnicas relacionadas a servigos cadastrals uw we uw Capitulo 6 O REGISTRO DE IMOVEIS NO BRASIL 6.1 Origens ¢ legislagao referentes ao registro imobilidrio brasileiro . 6.2 Servigos notariais e de registro 6.3 A matricula e o registro de iméveis 6.4 O principio da especialidade do registro imobilidrio, 6.5 O Registro Torrens apitulo 7 CADASTRO IMOBILIARIO E REGISTRO DE IMOVEIS.... 147 7.1 O significado da integragao entre os sistemas resultando em possiveis sistemas de coordenagao 7.2 Por que integrar os sistemas? ... 7.3 Analisando a coordenagao entre os sistemas. . 7.4 Cadastro Imobiliario e Registro de Iméveis na América Latina... : as . 7.5 O caminho da integragao entre Cadastro Imobilidrio e Registro de Iméveis no Brasil... . 7.5.1 Cadastro ¢ Registro de Imaveis em areas rurais, 7.5.2 Cadastro e Registro de Iméveis em areas urbana 7.5.2.1 O interedmbio entre Cadastro Imobiliirio ¢ Registro de Iméveis no Municipio de Sao Paulo..... 7.5.2.2 Um estudo da possibilidade de cooperagio entre Cadastro e Registro de Iméveis em Santo André - SP..... 169 Capitulo 8 ALLEIN. 10.267/2001 E SEU REGULAMENTO, O DECRETON, 4.449/2002.. 8.1 A Lei n. 10.267/2001... . 8.2 A regulamentagdo da Lei n. | 2001 ..... 8.2.1 O subgrupo de georreferenciamento..... 8.2.2 O roteiro transitério para o intercambio de informages entre o INCRA ¢ os cartérios 2183 8.3 Principais pontos do Deereto n, 4.449/2002 ..... co LSA 8.4 Aspectos a serem tratados em atos normativos posteriores .......... 8.4.1 Imével rural 8.4.2 O contetdo do adastro Nacional de Iméveis Rui 8.4.3 Definigdo de um padrao para o intercambio de dados .. 189 8.4.4 Identificagdo dos imoveis.... 189 Capitulo 9 CONSIDERAGOES FINAIS 195 Referéneias Bibliograficas. 199 2 Bibliografia Apéndice: Lei n. 10.267/2001, de 28/08/2001... Decreto n, 4449/2002, de 30/10/2002... Resolugao n. 34/2002 do Conselho Diretor do INCRA... Resolugao n. 35/2002 do Conselho Diretor do INCRA Resolugao n. 36/2002 do Conselho Diretor do INCRA Resolugao n. 37/2002 do Conselho Diretor do INCRA.. Resolugao n. 38/2002 do Conselho Diretor do INCRA. Resolugio n. 39/2002 do Conselho Diretor do INCRA...... Portaria INCRA n, 954/2002 ... Portaria INCRA n, 955/202 Instrucdo Normativa INCRA n. 08/2002 Instrugdo Normativa INCRA n, 09/2002... Instrugdo Normativa INCRA n. 10/2002 265 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABNT ANOTER ARISP. BCI BIRD CNIR. CTIR CTM EMPLASA FIDEM FIG Associacao Brasileira de Normas Técnicas Associagao Nacional de Orgios de Terra Associacao dos Registradores Imobiliarios de Sao Paulo Boletim de Cadastro Imobiliario Banco Interamericano de Reconstrugao e Desenvolvimento Boletim de Logradouros Banco Nacional da Habitagao Cédigo Civil Constituicao Federal Convénio de Incentivo ao Aperfeigoamento Técnico-Administrativo das Municipalidades Cadastro Nacional de Iméveis Rurais Cadastro Técnico de Iméveis Rurais Cadastro Técnico Municipal Empresa de Planejamento da Regio Metropolitana de Sio Paulo Fundagao de Desenvolvimento Municipal Federago Internacional de C -6metras FUNCATE GPS IBRA INCRA INDA IPUF IPTU IRIB ITCF ITESP LIS LRP PMSA RMR SERFHAU SIR SIT SNCR SPU SQL Fundagao de Ciéncia, Aplicagdes ¢ Tecnologia Espaciais Global Positioning System Instituto Brasileiro de Reforma Agraria Instituto Nacional de Colonizagao e Reforma Agraria Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrario Instituto de Planejamento Urbano de Floriandpolis Imposto Predial e Territorial Urbano Instituto de Registro Imobiliario do Brasil Instituto de Terras, Cartografia e Florestas Instituto de Terras do Estado de Sio Paulo Land Information Systems Lei dos Registros Publicos Prefeitura Municipal de Santo André Regido Metropolitana do Recife Servi¢o Federal de Habitacdo e Urbanismo Sistema de Informagées Rurais Sistema de Informagoes Territoriais Sistema Nacional de Cadastro Rural Secretaria de Estado da Administragao e do PatrimGnio Setor, Quadra, Lote (identificagao cadastral) PREFACIO Em 1979, quando defendiamos a dissertagio “Um conceito de Cadastro Metropolitano” na Universidade Federal do Parana, con- cebiamos o cadastro imobilidrio composto por trés sistemas: 0 de referéncia de medigdo, 0 cartografico e o sistema descritivo. Na- quela ocasiaio, 0 conceit proposto apresentava como niicleo basi- co o gerenciamento territorial realizado a partir do cadastro imobi- lidrio ja em conexao com o registro de imoveis. Agora, nesta obra, identifica-se uma significativa contribuigao para o entendimento dos conceitos mais relevantes sobre 0 cadastro imobilidrio, no sen- tido de tornar mais eficientes as ligagées entre os sistemas cadastral e registral brasileiros. O tema também ¢ aprofundado com base em conceitos tedricos e tendéncias identificadas em projetos interna- cionais de reforma cadastral, que apontam uma aproximacio efici- ente entre os dois ultimos sistemas citados como uma das caracte- risticas desejaveis para os cadastros modernos. As possibilidades disponiveis para 0 aperfeigoamento do ca- dastro, por um lado, a partir de uma amigavel utilizagao das novas tecnologias de medigao de campo ¢ por outro, com as facilidades no tratamento de informagédes em computador, foi um dos motivos que levaram a elaborago do anteprojeto que deu origem a Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001. A desordem no gerenciamento territorial e a conscientizagao das necessidades e vantagens de se manter um sistema cadastral atualizado, inclusive em seus aspectos legais, apontavam, por sua vez, para a efetivagio de um intercam- bio de informagécs entre o cadastro e o registro de iméveis. Paralelamente aos trabalhos de claboragio do projeto que levou ao 15 lamente aos trabalhos de claboragao do projeto que levou ao texto final da Lei 10.267/2001, a autora do presente trabalho, defendia, em dezembro de 2000, a sua tese de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina, tendo como tema a aproximagao entre cadastro e registro de iméveis. Ela acompanhou, logo em seguida, a elaboragao do Decreto 4.449, de 30 de outubro de 2002, como um dos representantes do Instituto de Registro Imobilidrio do Brasil no Grupo de Trabalho constituido pelo INCRA com esta finalidade. Esta publicagao, portanto, surge num momento oportuno, onde todos os profissionais das areas de cadastro imobiliario e registro de iméveis procuram entender a complexidade das transformagées determinadas pela nova legislagio. E notavel a preocupagio da autora em transmitir as informa¢ées de forma que as mesmas sejam claras para profissionais de areas tao distintas da notarial e regis- tral, como engenheiros , arquitetos e técnicos em geral. Para entender o funcionamento do sistema cadastral brasileiro, 0 trabalho apresenta um diagnéstico do cadastro urbano ¢ rural no Brasil considerando aspectos técnicos, administrativos, legais e de recursos humanos. Em seguida, apresenta conccitos basicos de direito registral, indispensaveis para o entendimento da necessidade de aproximagao entre os sistemas registral e cadastral. Sobre a Lei 10.267/2001, o leitor encontrara um histérico da sua claboragao, e uma andlise das mudangas esperadas a partir da sua aplicagdo, so- mente efetivada com a sua regulamentagao pelo recém-publicado Decreto 4.449/2002. Longe de se tratar de um estudo detalhado de técnicas do ca- dastro imobiliario, ou de princfpios juridicos do direito registral, esta obra contribui inegavelmente como uma primeira referéncia nacional sobre o tema, e certamente sera muito util para quem se interessa pelo cadastro no Brasil. Recife, dezembro de 2002 Prof. Dr-Ing. Tarcisio Ferreira Silva 16 INTRODUCAO Sistemas cadastrais eficientes sdo considerados essenciais para © desenvolvimento de paises com diferentes niveis sociais ¢ eco- nomicos. Paises desenvolvidos tratam de aperfeigoar sistemas ca dastrais tecnicamente eficientes aproveitando as mais modernas tecnologias disponiveis, enquanto os paises que nao possuem si: temas cadastrais estruturados estudam formas alternativas de resol- ver seus problemas, adaptando os modelos existentes As caracteris ticas locais. O tema reforma cadastral tem sido amplamente discutido em reunides promovidas por organismos internacionais. Essas discus- sdes indicam que a existéncia de um sistema eficiente de gerenci: mento territorial e regularizagao fundidria consiste num fator im- portante para o desenvolvimento econémico © social. Assim, indi- cadores da eficiéncia de sistemas cadastrais foram determinados como uma ferramenta para orientar os paises que pretendam desen- volver projetos de reforma cadastral. 17 Para que se possa compreender melhor as recomendagées in- ternacionais referentes 4 reforma de sistemas cadastrais, é impor- tante esclarecer o entendimento do cortceito de cadastro em paises onde esses sistemas sao consolidados ¢ naqueles em que ainda sio insipientes. Além disso, faz-se necessario conhecer a situagio lo- cal, a fim de identificar aspectos que devem ser aperfeigoados em possiveis projetos de reforma A responsabilidade pela produgiio e administraco dos dados cadastrais em nosso pais encontra-se fragmentada entre o INCRA, em Areas rurais, e as prefeituras, em areas urbanas. A caréncia de um conhecimento mais amplo da situagdo do Cadastro Imobiliario, considerando os seus aspectos técnicos, legais, administrativos e de recursos humanos, dificulta a busca de solugées racionais para os problemas. O entendimento do sistema cadastral brasileiro, por- tanto, implica o estudo das estruturas técnica, legal ¢ administrativa dos cadastros rural e urbano. Uma das principais tendéncias identificadas na andlise dos pro- jetos de reforma cadastral desenvolvidos em outros paises é a pos- sibilidade de integragao entre os sistemas cadastrais e os registrais. Com a informatiza¢do das prefeituras e dos servi¢os registrais, abre-se um leque de novas possibilidades de intercambio de infor- magées entre as instituigdes responsaveis, viabilizando a utilizacdo do cadastro para o aperfeigoamento da garantia dos direitos de pro- priedade. A definicao de alternativas para uma reforma cadastral que ob- jetive a implantagao de um sistema de coordenagao entre Cadastro Imobiliario ¢ Registro de Iméveis tem como pré-requisito o conhe- cimento de como funciona os dois sistemas. Esse entendimento servird como subsidio a definicdo das intervencdes a serem realiza- das para que se obtenha maior eficiéncia e também para garantir que o ele atendera aos objetivos pretendidos. No caso brasileiro, portanto, torna-se necessario 0 estudo das caracteristicas do regis- tro imobiliario, além dos cadastros rural e urbano. 18 © Capitulo | deste livro apresenta os conccitos iniciais dos es- tudos cadastrais, os primciros registros cadastrais e sua influéncia sobre o desenvolvimento dos sistemas atuais. Mostra ainda uma sintese de modelos cadastrais teéricos identificados pelos princi- pais autores que se dedicam ao tema. O Capitulo 2 apresenta justificativas para a realizagdo de pro- jetos ¢ iniciativas visando a reforma de sistemas cadastrais, aponta os elementos influentes na implantagéo ¢ no funcionamento de projetos de reforma cadastral ¢ exemplifica 0 desenvolvimento des- ses projetos em alguns paises. O Capitulo 3 descreve a cvolugao da ocupagao ¢ legislagao ter- ritorial brasileira, a fim de cxplicar a atual situagdo fundiaria na- cional, baseada no latifundio. No Capitulo 4, so esclarecidas as razdes da implantagao dos modelos encontrados no Brasil. Inicialmente, ¢ apresentada a es- trutura agraria atual, seguida da administrac¢ao e do funcionamento do cadastro de iméveis rurais. O Capitulo 5 trata do Cadastro Urbano. Sao examinados os re- sultados do levantamento das caracteristicas do cadastro imobilia- rio urbano de algumas cidades brasileiras. Nao se pode estudar possibilidades de coordenagao entre ca- dastro e registro de iméveis sem um entendimento dos principios ¢ das caracteristicas basicas de funcionamento do sistema registral. Assim, o Capitulo 6 apresenta o Registro de Iméveis brasileiro, com 0 objetivo de proporcionar, principalmente aos profissionais de Cadastro Imobilidrio e areas afins, 0 conhecimento minimo in- dispensavel a identificago da necessidade e dos beneficios do in- tercambio de informagées entre esse registro com o cadastro imo- biliario. O Capitulo 7 mostra as questdes envolvidas na coordenagao entre os sistemas cadastral ¢ registral na visio de pesquisadores nacionais ¢ internacionais. Descreve ainda o intercambio, no Bra- sil, entre Cadastro Imobiliario e Registro de Iméveis em areas ur- banas e rurais. 19 © Capitulo 8 apresenta a Lei n, 10.267/2001, desde a elabora- gao do anteprojeto que the deu origem até sua regulamentagao pelo Decreto n. 4.449/2002. Discute-se os pontos abordados pela nova legislagdo © os que carecem de normatizagio posterior. O apéndice traz a Lei n. 10.267/2001, o Decreto n. 4.449/2002 e os Atos Nor- mativos subscqiientes publicados pelo INCRA. 20 CapiTULo 1 CADASTROS E SISTEMAS CADASTRAIS Este capitulo introduz conceitos basicos relativos aos estudos cadastrais. Apresenta ainda a cvolugio do cadastro através dos tempos e os cadastros pioneiros, que serviram de base para os sis- temas atuais. Sistemas cadastrais dependem de caracteristicas proprias de cada pais, no entanto algumas caracteristicas comuns tornam possi- vel a esquematizagao de modelos tedricos, identificados em publi- cagdes dos autores mais citados da area cadastral. Como esses mo- delos representam principalmente paises de lingua inglesa, ¢ im- portante exemplificar o tipo de cadastro implantado em outros pai- ses da Europa ocidental. Dessa forma, apresenta-se também o ca- dastro sueco, mais proximo dos cadastros alemao e suigo. 1.1 Conceitos iniciais Embora 0 entendimento e 0 desenvolvimento de cadastros te- nham evoluido ao longo do tempo, o cadastro resulta, em cada pais, do seu desenvolvimento histdrico, de suas leis ¢ de seus costumes. 21 Assim, torna-se dificil estabelecer uma defini¢ao que englobe todas as diferengas encontradas na anilise dos sistemas cadastrais. Antes de apresentar uma defini¢do de cadastro, é importante entender alguns elementos aos quais ele se refere. 1.1.1 Parcela E a unidade territorial do cadastro. A FIG — Federagao Inter- nacional de Geémetras em sua declarago sobre 0 cadastro, afirma que as parcelas so unidades definidas por limites formais ou in- formais que delimitam a extensdo de terras para uso exclusivo de individuos ou grupos especificos de individuos (como, por exem- plo, familias, sociedades, grupos comunitarios)'. Um cadastro, para ser completo, deve conter informagées refe- rentes a todas as parcelas territoriais, publicas ¢ privadas, urbanas ¢ turais. 1.1.2 Sistemas de Informagées Territoriais - SIT (Land Information Systems - LIS) Um sistema de informagées é definido por Mclaughlin (1997) como uma combinagao de recursos técnicos e humanos com um conjunto de procedimentos organizacionais, produzindo informa- gdes de apoio a exigéncias de gerenciamento. Um Sistema de Informagées Territoriais - SIT -, na literatura internacional, Land Information System, - LIS apéia o gerencia- mento territorial fornecendo informagoes sobre a terra, seus recur- SOS € 0 Seu USO. A operacao de um SIT inclui a aquisigao e a reunido de dados, seu processamento, seu armazenamento ¢ sua manutengio, além da recuperagao, andlise ¢ publicidade das informagées resultantes. A utilidade de tal sistema depende de sua atualizagao, precisio, com- pletitude e acessibilidade. 1 - Statement on the Cadastre (FIG, 1995). 22 Segundo Dale ¢ Mclaughlin (1990), diferentes tipos de siste- mas de informagio podem ser estabelecidos, de acordo com a fina- lidade a que se propdem, ¢ podem ser planejados para fornecer: (a) informagdes ambientais: cujo principal objetivo é delimitar zonas ambientais, associadas a um nico fenémeno fisico, quimico ou bistic (b) informagoes de infra-estrutura: focaliza principalmente es- truturas de engenharia ¢ utilidades (redes de agua, energia, comunicagées); (c) informagées cadastrais: diz respeito a informagées referen- tes 4 realidade fisica das parcelas territoriais; (d) informagées socioecondémicas: dados estatisticos © censita- rios, por exemplo. 1.1.3 Definigdo de cadastro Durante as duas ultimas décadas, percebe-se uma concordan- cia com respeito 4 definigdo do termo cadastro. Diversos autores (Williamson, 1983; Dale & McLaughlin, 1990; Mclaughlin & Ni- chols, 1997) concordam com a seguinte definigao: Cadastro é um inventario publico de dados metodicamente or- ganizados concernentes a parcelas territoriais, dentro de um certo pais ou distrito, baseado no levantamento dos seus limi- tes. sa é também a definicdo recomendada pela FIG em sua De- claragdo sobre o Cadastro (FIG, 1995). O cadastro pode ser visto ainda como um SIT, cuja unidade territorial é a parcela. 23 1.1.4 Cadastro Técnico Estas so as definicdes apresentadas pelo dicionario da Enci- clopédia Britanica do Brasil: “Cadastro é 0 registro ptblico do va- lor, extensfo, natureza e confrontagdes dos bens de raiz de certa regio”. E ainda: “série de operagdes para o estabelecimento deste registro”. Elas concordam perfeitamente com aquela internacionalmente reconhecida que foi apresentada. No entanto, essas definigdes sao as menos conhccidas no Brasil, onde entende-se geralmente por cadastro: “registro que bancos ou outros estabelecimentos mantém de seus clientes ¢ provaveis clientes da praga onde operam, com todos os dados ¢ esclarecimentos sobre seus haveres ¢ quantias”... A denominagao Cadastro Técnico, utilizada no Brasil, por- tanto, é utilizada com o objetivo de diferenciar 0 cadastro com 0 significado de registro piblico de bens de raiz daquele registro de clientes. O termo é utilizado também para designar os cadastros das redes de infra-estruturas de concessionarias de servi¢os, como 4- gua, luz, telefone etc... 1.1.5 Cadastro Imobiliario Cadastro Imobilidrio é aquele que tem por unidade 0 imével Neste livro, 0 termo sera utilizado com o sentido internacional de Cadastro, definido no item 1.1.1. 1.6 Cadastro Multifinalitario O Cadastro Multifinalitario é definido por Dale & McLaughlin (1990) como um sistema de informacées territoriais projetado para servir tanto a organizagdes publicas como privadas, além de servir aos cidadaos. Difere dos demais sistemas de informagées territo- riais por ser baseado em parcelas. Serve de base para os demais tipos de cadastro (legal, fiscal etc...). 24 As caracteristicas principais do cadastro multifinalitario so (a) a utilizagao da parcela cadastral como unidade fundamental da organizagio espacial; (b) a relagdo de uma séric de registros territoriais (tais como direitos, valor ¢ uso do solo) a essa parcela; (c) o fato de ser 0 mais completo possivel como cobertura es- pacial; (d) 0 fornecimento de um meio eficiente de acesso aos dados. Os principais componentes de um cadastro multifinalitario sfo: uma rede de referéncia espacial, um sistema de mapeamento basico c um conjunto de arquivos relacionando varios tipos de in- formagao a cada parcela. 1.2 Origem e evolugao do cadastro As origens do termo cadastro ¢ os primeiros cadastros imple- mentados sao assuntos tratados neste item. Destacam-se as caracte- risticas do Cadastro Napoleénico, pela sua importéncia na con- cep¢do dos cadastros atuais. 1.2.1 A origem do termo O cadastro, como toda atividade humana, é conseqiiéncia de um passado histérico. Compreendendo-se 0 passado da atividade cadastral pode-se compreender o presente. A analise do presente, por sua vez, proporciona subsidios para o planejamento do futuro. Existem algumas opinides divergentes quanto a origem do termo cadastro. O vocabulo citado mais freqiientemente como sen- do a origem do termo é capistratum, do latim medieval, uma fusdo das palavras capitum e registrum. Alguns autores sustentam que 0 termo original é capitationis registrum, que & 0 nome que recebia 0 25 registro dos iméveis tributaveis. Esse termo aparece pela primeira vez no Cédice Teodosiano de Godofredos, por volta do ano de 1640. Eber! (1982), entretanto, apresenta estudo do pesquisador Blondheim que cita um documento veneziano datado de 1185, as- sim como outras referéncias nas quais aparece a palavra de origem bizantina, denominada catastijon, em grego katastikhon, que signi- fica registro, lista. As evidéncias apontadas pela documenta¢io indicam, assim, que a palavra cadastro provém da palavra bizantina catastijén, que se converte em catasto na Italia e finalmente em Catastro (espanhol), Kataster (alemao), Cadastre (francés/inglés) ou Cadaster (inglés). 1.2.2 Primeiros registros cadastrais A partir do momento em que o homem comegou a cultivar a terra e a depender de porgées da sua superficie para garantir a pré- pria sobrevivéncia, surgiu uma nova relagdo entre homem e terra, na qual destacava-se 0 direito de sua utilizago para fins especifi- cos. Esses direitos e privilégios cram também acompanhados por certas obrigagées, incluindo o pagamento de impostos baseados na propriedade e no seu uso. Com o crescimento da populagio e a limitagao das terras férteis disponiveis, surgiam pressGes relativas aos limites de propriedades. Eberl (1982) afirma que no deserto da Arabia foi encontrada uma tdbua de barro procedente da Caldéia datada de cerca de 4000 a.C. representando a cidade de Dungui. Tal documento mostra as parcelas (retangulos, trapézios e triangulos) com as medidas dos lados e das superficies expressas em escrita cuneiforme. A tabua traz inscritos os nomes dos supervisores dos levantamentos. Em outras tabuas do ano de 3758 a.C. foram encontradas representa- goes de casas, parcelas ¢ canais de irrigagao. Os primeiros assentamentos agricolas nos vales dos rios Nilo, Tigre e Eufrates, de cerca de 3000 a.C., sao apontados por alguns 26 autores como sendo os primeiros exemplos de registros piblicos oficiais de direitos e privilégios, bem como de obrigagées ¢ respon- sabilidades relacionadas 4 terra. A agrimensura cgipcia nasccu com a sua agricultura. Como a rca agricultavel do rio Nilo era inundada anualmente, fazia-se necessario executar todos os anos a relocagdo dos limites das pro- priedades. Registros de levantamentos com os nomes dos proprieta- rios ¢ as descricécs das propricdades, como dimensdes ¢ arca, eram gravados nas paredes das tumbas dos grandes proprietarios. Eber! (1982) afirma que, segundo Herédoto, a primeira grande regularizagao do imposto sobre a propriedade apoiada em levanta- mentos ¢ na redistribuigdo da terra ocorreu no Egito, no ano de 1700 a.C. Nessa regularizagao, a taxa do imposto ¢ fixada em 20% da renda da propriedade. Desse modo 0 cadastro egipcio, que sur- giu com fins juridicos de garantia da propriedade, tornou-se um cadastro fiscal. Para Bullock (1983), embora oferecesse alguma prote¢do para os usuarios da terra, a principal fun¢ao do cadastro egipcio era fornecer uma base satisfatoria de informagdes visando a taxagio, tendo sido instituido, assim, principalmente para 0 benefi- cio do Estado. 1.2.3 O antigo cadastro romano A necessidade da existéncia de registros territoriais bem do- cumentados foi percebida por gregos e romanos. Levantamentos foram realizados com o objetivo de obter informagées relativas a direitos sobre a terra e 4 extensio desses direitos. Além disso, le- vantamentos fiscais serviam de base para um sistema de taxacdo uniforme. Os romanos desenvolveram o conceito do capistratum, um re- gistro das unidades de taxagao territorial. No século VI a.C., Sérvio Tulio estabeleceu o primeiro cadastro romano, chamado tabulaes censuales. 27 Os registros cadastrais dos romanos baseavam-se na manifes- tagao dos proprictarios. Quando o fiscal duvidava de uma declara- Go, enviava um agrimensor para verificar a veracidade dos dados declarados. As fraudes ao fisco eram castigadas com a expropria- gdo e até com pena de morte. Conforme a jurisprudéncia romana, a terra de um pais conquistado passava a ser propricdade do povo romano, ¢ a fiscalizagdo do territério era feita mediante um censo que era a base do direito fiscal. Figura 1 - Mapa encontrado no norte da Italia, datado de cerca de 1600-140 a.C. Fonte: Larsson (1996, p. 21). O mapa representado na Figura | foi encontrado no norte da Italia, gravado na superficie de uma rocha plana com instrumentos de bronze. Estima-se que seja de cerca de 1600 a 1400 a.C. Nessa representagao, estradas e canais de irrigagdo so apresentadas como 28 linhas. Um circulo com um ponto central corresponde a um pogo, € porgdes retangulares de terreno cultivados sao representados por retangulos contendo pontos regulares 1.2.4 O cadastro francés Apesar de muitos paises curopeus terem desenvolvido cadas- tros no final do s¢culo XVIII ¢ no inicio do século XIX, 0 cadastro francés é reconhecido como o precursor dos cadastros modernos Todos os cadastros desse periodo tinham objetivos fiscais. Williamson (1983) cita a alegacdo de Hessen, que considera que a razdo para 0 estabelecimento de cadastros fiscais deveu-se aos principios econdmicos do movimento fisiocrata, que conside- rava a terra como sendo a base de todas as riquezas. Assim, os fun- dos para a manutengdo da sociedade deveriam ser obtidos pela ta- xagdo da terra, argumento este que era valido no periodo pré-in- dustrializagao. Segundo Bullock (1983, p.6), as reformas ocorridas em con- seqiiéncia da Revolugdo Francesa, com a aboligao das instituigdes feudais, criaram a necessidade urgente de desenvolvimento de um sistema de informagées para a cobranga de impostos, baseado num conhecimento mais preciso ¢ detalhado das parcelas individuais e dos seus proprietarios. Em 1793 ¢ 1794, a Assembléia Constituinte da Revolugao Francesa decreta a organizagio do Cadastro Geral da Nagao ¢ a avaliagao de todos os bens de raiz. Em 23 de novembro de 1798, € publicada uma lei que regulamenta 0 imposto predial Em 1801, 0 entao primciro consul Napoledo estabeleceu uma comissao para estudar a distribuigao eqiiitativa do imposto predial Em 1807, foi publicada a lei intitulada Instrugdes Relativas ao Ca- dastro, contendo as bases para a execugio dele. Em 1807, foi cria- da uma comissio para desenvolver um projeto de levantamento sistematico, classificagio e avaliagio de mais de 100 milhdes de 29 parcelas. O projeto foi aprovado, iniciado em 1808 e concluido em 1850. Em 1811, publica-se um compéndio, 0 Recueil Méthodique des Lois, Décrets, Regléments, Instructions et Décisions sur le Ca- dastre de France, com todas as leis, decretos, regulamentos e ins- trugdes relativos a cadastro. Bullock (1983, p.6) sumariza as principais etapas da compila- gio do cadastro francés, apresentadas por Dowson & Sheppard em 1956: 30 (a) estabelecimento de uma rede local de triangula¢gao; (b) elaboragao da lista de proprictarios, com respectiva taxa de imposto ¢ delineagao das parcelas; (c) definigao da parcela como uma porgio da superficie da ter- ra dividida por qualquer limite fisico, sujeita ao mesmo uso e encargos e possuida pela mesma pessoa; (d) os proprietarios foram notificados e encarregados da reali- zacao do levantamento de suas propriedades; (ec) numeragao das parcelas de forma tnica sobre planos com- pilados nas escalas de 1:1.250 a 1:2.500. Também foram com- pilados mapas indices nas escalas de 1:5.000 a 1:10.000; (f) calculo das areas das parcelas; (g) compilagao de um indice das parcelas mostrando os nomes ¢ enderecos dos proprietarios, as parcelas que cada um possui, a natureza do cultivo e outros detalhes, como constru¢des; (h) publicagao dos resultados dos levantamentos. As reclama- cées foram investigadas e as corregées efetuadas, quando ne- cessarias; (i) cada parcela foi, entio, classificada de acordo com o seu uso, 0 prego avaliado e¢ a taxa de imposto calculada indivi- dualmente; (j) compilagao de um indice de proprietarios por ordem alfa- bética; (k) inicialmente, os indices das parcelas ¢ dos proprietarios cram atualizados anualmente com base em listas fornecidas pe- lo Registro de Iméveis. Segundo Williamson (1983, p.6), uma das contribuigdes mais importantes do cadastro francés foi o reconhecimento da importan- cia de mapas em grande escala e de um levantamento cadastral sistematico para o estabelecimento de um cadastro moderno. Ape- sar de esse cadastro ter sido estabelecido com fins fiscais, Napo- ledo entendia que o trabalho de levantamento poderia ser utilizado para outras finalidades, até como garantia de propriedade. Naquela ocasido, mesmo tendo sido reconhecidos os beneficios de um ca- dastro multifinalitario, que atenderia a exigéncias fiscais e legais. nao se compreendeu que, de maneira geral, cadastros multifinalita rios requerem levantamentos mais precisos do que os necessarios para um cadastro fiscal. 1.2.5 Primeiros registros cadastrais em outros paises Um dos mais antigos registros territoriais foi compilado na In- glaterra — 0 Domesday Book — estabelecido em 1066, ordenado por William, O Conquistador. Os registros cobriam toda a Inglaterra ¢ apresentavam os nomes dos proprietarios, as areas, as posses, os usos da terra (araveis, prados, pastos ¢ florestas), 0 mimero de in- quilinos ¢ a quantidade e o tipo de criagdo. Esses registros, no en- tanto, no eram apoiados em mapas ¢ nunca foram revisados nem atualizados (Larsson, 1996, p.41). Em parte por causa da dominagdo da Franga na Europa, 0 ca- dastro francés tornou-se modelo para sistemas semelhantes. Du- rante o século XIX, a maioria dos paises da Europa continental estabeleceu sistemas cadastrais sistematicos, embora com grande variedade em qualidade e abrangéncia. O mundo anglo-saxdo, no entanto, nio desenvolveu o modelo francés. 31 Eberl (1982) apresenta exemplos de inicio de atividades ca- dastrais em diversos paises: (a) Alemanha:1801, Baviera. : 1803, Canton de Vaud. ia: 1812, baseado num primeiro levantamento reali- zado em 1730; (d) Iugoslavia: 1818, nas provincias de Eslovénia, istria e Dalmacia, que pertenciam ao império austro-hungaro; (e) Austria: 1829, Viena; (f) Canada: 1854, Quebec; (g) Italia: 1886; (h) Paquistao: 1887, na provincia de Punjab; (i) México: 1896, no Distrito Federal; (j) Sudao: 1902; (k) Tailandia: 1903; (1) Filipinas: 1909, municipio de Pilar, provincia de Bataan; (m) Madagascar: 1940; (n) Washington D.C.: 1964, inicio de um banco de dados imo- bilidrios. A Alemanha foi o primeiro pais a introduzir o registro imobi- lidrio baseado em levantamentos cadastrais, em 1801, no Estado da Baviera. O levantamento do pais inteiro foi concluido em 1900. Outros paises seguiram a mesma diregao, atualizando as espe- cificagdes dos seus levantamentos cadastrais para atender as exi- géncias do registro imobiliério. Alguns exemplos: Austria, em 1900; Suica em 1912; Dinamarca, em 1926; Suécia, em 1932; No- ruega em 1935; ¢ Iugoslavia, em 1930. 32 1.3 Uma sintese de alguns modelos cadastrais teéricos Pode-se identificar, em publicagdes que tratam de cadastros, modelos tedricos que tentam esquematizar alguns sistemas existen- tes. Nenhum desses modelos, no entanto, pode ser aplicado sem consideraveis modificagées em outros paises, em virtude dos fato- res sociais, econdmicos ¢ histéricos ja mencionados. O conheci- mento desses modelos permite, entretanto, o entendimento da fun- ¢40 dos principais elementos do sistema ¢ a interconexao entre estes. Jeyanandan & Williamson (1990) apresentam um sumirio dos principais modelos tedricos cadastrais. Servem como base para a elaboracao desses modelos os elementos essenciais de um cadastro, processos relevantes, relacdes entre as partes componentes ¢ 0 am- biente no qual estes funcionam. 1.3.1 Modelo de Dale Nesse modelo, que sistematiza o cadastro inglés, os componen- tes centrais sdo os levantamentos (métodos, especificagao, demar- cago) e as descrigdes dos limites. A parcela legal ¢ reconhecida como a unidade territorial do cadastro. Dale & McLaughlin (1990, p.5) esclarecem 0 conceito de ca- dastro no contexto do ambiente imediato — terra, lei € pessoas, € seus interlacionamentos, O levantamento cadastral é visto como fundamental para a percepgao tedrica do cadastro. A Figura 2 apresenta, de forma esquemitica, o funcionamento do modelo cadastral de Dale. E importante observar que 0 mapa cadastral é externo ao sistema de levantamento cadastral, sendo a descrigdo dos limites 0 mecanismo de ligagao responsavel pelos produtos gerados pelo sistema. Isso significa que essa descrigéo pode ser utilizada tanto para a produgdo de mapas cadastrais como para o registro de titulos, e até para alimentar subsistemas de avali- acdo e taxagao ou planejamento e desenvolvimento. Outro aspecto a ser observado é a igualdade de importancia dos elementos de saida: mapeamento cadastral, registro de titulos, registro de limites, avaliagao e taxacao e planejamento e desenvol- vimento Figura 2 — Modelo de Dale governo empresas, __| fatores fatores legais | fatores eco- fatores instituigdes | geograficos ndmicos € externos educacionais_| e sociais politicos v adjudicagao demarcagio componentes especificacdes dos levantamentos centrais, métodos de levantamentos descrigao dos limites elementos | mapas, registro de [registro de Javaliagioe | planejamento de Saida cadastrais | titulos limites taxagdo € desenvolvi- mento Tatores de |elemehtos | legiblagao do | dispulas de valores da | controle do retroali- dos mapas | registro terri- | terras terra planejamento mentagdo torial Fonte: Adaptada de Jeyanandan e Williamson (1990). Uma caracteristica tinica desse modelo inglés ¢ a organizagao do sistema de levantamento cadastral ¢ os métodos de levantamen- to utilizados na definigao de limites para fins de registro. A pratica do registro de titulos na Inglaterra ¢ controlada pelo Her Majesty’s 34 Land Registry ~ HMLR (Registro de Terras de Vossa Majestade). 0 HMLR depende da agéncia de mapeamento topogrifico nacional (0 Ordnance Survey) para os mapas cujo imével é identificado com finalidade de registro; ¢ para levantamentos em que a identidade da parcela é incerta. A existéncia de uma série de mapas topograficos uniforme, precisa, continuamente revisada e em escala grande (1:1.250 em areas urbanas), que representam claramente os limites fisicos de todas as parcelas (cercas, muros), possibilita a definigdo dos limites por sua evidéncia fisica. Esse modelo é importante principalmente pela sua influéncia sobre os modelos desenvolvidos nas colénias inglesas. 1.3.2 Modelo de McLaughlin De acordo com Jeyanandan & Williamson (1990), o modelo de McLaughlin corresponde ao contexto norte-americano de cadastro multifinalitario. O modelo de McLaughlin representa, segundo Williamson (1983, p.12), uma situagao tedrica ¢ ideal, somente possivel naque- les paises com uma reforma que partisse dos clementos basicos do sistema. Uma sintese do modelo de McLaughlin esta esquematizada na Figura 3. Observa-se que os principais subsistemas, componentes basicos do cadastro multifinalitario, sao o mapa cadastral (compos- to pelo mapa base mais overlay cadastral contendo informagdes sobre a parcela), os registros fiscais e de titulos, os registros admi- nistrativos ¢ os registros de recursos naturais. Essa visdo de cadas- tro contempla, assim, com igual énfase, registros fiscais ¢ legais, registros administrativos, registros de recursos naturais ¢ outros registros relativos 4 parccla. Esse conceito contraria a visdo euro- péia do cadastro, cuja principal fungao é a garantia da propriedade, obtida mediante dados legais contidos no cadastro. 35

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