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2 Desastre Perfeito - The Rockless - Amanda Maia
2 Desastre Perfeito - The Rockless - Amanda Maia
DESASTRE PERFEITO
SÉRIE THE RECKLESS 2
1ª Edição
P.S.: Todas as cidades e lugares citados neste livro são fictícios, criados
por mim para uso exclusivo da série!
21 DE ABRIL DE 2015
Bryan uma vez me disse que minha força está concentrada na minha
família e acho que ele tem razão.
O ferimento do meu pai não foi grave; um tiro no ombro esquerdo e
precisou operar para retirar os estilhaços da bala, mas o que estou sentindo é
como se meu mundo tivesse sofrido um terremoto.
Minhas mãos estão meio manchadas com o sangue porque segurei a
mão dele na ambulância, o sangue começou a secar, só não consegui me
mover ainda.
Por alguma razão, sabia que aquele som agudo perfurando meu tímpano
era um alerta para eu correr para o meu pai. Há meses venho dizendo que ele
precisa de proteção, que precisa de cuidado. Darnell Lynch é um dos homens
mais ricos de Humperville, sendo assim, é difícil competir com ele nos
negócios. E ao longo dos anos, em busca de credibilidade, ele fez inimigos.
Muitos deles.
Meu pai não é uma pessoa ruim, não acredito que ele tenha enriquecido
e conquistado seu espaço no seu empreendimento fazendo barganhas ilegais,
contudo, acredito que Humperville se corrompeu. O dinheiro gera ambição e
onde existe obsessão por poder, existem pessoas ruins.
Eu o vi desmaiado em uma poça de sangue, as mãos de Bryan
pressionavam a lesão para tentar parar o sangramento. Ele acabou com as
roupas imundas com o sangue do meu pai.
Willa recosta a cabeça em meu ombro, saio do transe em que estou ao
sentir sua bochecha quente e úmida de baba me usar de travesseiro. Estreito
os olhos, as pálpebras escuras de maquiagem da minha irmã estão fechadas
levemente. A inspiração encorpada me diz que caiu num sono profundo.
Cubro sua cabeça com minha mão, alisando a massa de cabelos pretos.
O ar denso cheira a água sanitária e pó látex, o típico odor de hospital.
Passei parte da noite com o celular na mão. Estou tentado a enviar uma
mensagem para ela porque, apesar do que aconteceu entre nós instantes antes
do meu mundo virar de cabeça para baixo, ela continua sendo minha melhor
amiga. Mas, no último segundo, acabo apagando a mensagem e desisto.
Preciso me concentrar e ela é uma distração.
A partir de agora, vou fazer qualquer coisa para proteger minha família.
Não vou me deixar levar.
Respiro aliviado, mas durante todo o trajeto do campus da universidade
de Humperville ao hospital, a pressão em meu peito me fez sufocar inúmeras
vezes, o ar foi roubado de mim por muitas horas até que o médico viesse nos
dizer que a cirurgia foi um sucesso. Não tem espaço na minha vida agora
para caprichos, preciso cuidar de Willa. Do meu pai e do seu negócio, que é
seu maior orgulho.
O que sinto por Mackenzie precisa esperar até que eu possa lidar com
meu coração de novo.
23 de junho de 2020, às 18h32.
Você já sentiu que fez coisas por puro ego? Orgulho? Para sentir que
existe uma coisa que só você pode ter?
É assim que tenho feito com Brooks. Quando nos conhecemos estava
claro para mim que me apaixonaria. Ele me tira o foco, a concentração e
quase sempre mudo meus planos para me encontrar com ele, mesmo
sabendo que é errado e que serei eu a pessoa a partir o seu coração de novo.
Estico o pescoço, abrindo espaço para seus lábios percorrerem a veia
saltada em êxtase. Comprimo os lábios, com seu pau investindo contra mim.
O barulho da cabeceira da cama arrebata o som da voz de Bahari do lado de
fora. Minha virilha pulsa, satisfeita e a camada fina de suor que cobre meu
corpo se une ao seu. Escuto o baque o oco do movimento, os lábios abertos
soprando ar e a respiração entrecortada. Ele geme, aumenta o ritmo, seu pau
sai e entra mais a fundo, e cravo as unhas longas na carne de suas escápulas.
Sinto muito, Brooks, por te trazer até aqui só para te machucar. Mas eu
precisava de um momento para não pensar no que vou fazer amanhã. Para
atenuar o temor em meu coração. É quase como uma faca encravada e meu
pai está a girando aos poucos, matando a mim como matou meu irmão.
Brooks cede o peso do corpo, caindo em cima de mim. Ele tem mais de
um metro e oitenta, o peso contra mim é sufocante. Fecho os olhos para
recuperar o fôlego e o afasto para que se deite ao meu lado.
Mantenho as pálpebras apertadas, obrigando-me a não olhar para ele.
Tento muito não ser uma babaca porque ele é um cara incrível, mas tenho o
dom para estragar tudo que é bom para mim, inclusive o relacionamento que
tínhamos antes de voltar a Humperville.
Tudo começou cinco anos atrás quando meu irmão gêmeo, Sebastian
Linderman, cometeu suicídio na suíte de seu quarto e toda a cidade se
comoveu. Não exatamente como ele merecia, mas como meu pai quis que
acontecesse. Ah, meu pai, o Sr. Thomas Linderman e prefeito de
Humperville, o controlador, obcecado e possessivo. Pensei que minha mãe e
eu estaríamos presas a ele pela eternidade. Felizmente ela escolheu se
divorciar assim que meu irmão foi enterrado e, na verdade, sinto que minha
história só começou quando não estava mais perto do lugar onde tudo deu
errado.
Seb deixou uma carta para mim. Uma que nunca mostrei para ninguém
e desde que a encontrei, presa em uma página de um dos livros da minha
estante, não consegui compartilhá-la. Parecia tão íntima e pessoal. Aquilo
era só meu e não queria que as pessoas tivessem acesso a ela, embora tivesse
certeza de que Mack e Effy – minhas melhores amigas – gostariam de ver
qualquer coisa que fosse minimamente relacionada a ele. Afinal,
costumávamos ser um grupo. Não éramos parecidos, tampouco tínhamos
coisas em comum. Pertencíamos a mundos diferentes.
Mackenzie tinha a vida e família perfeita. Effy sempre conseguia ser
compreensiva e perdoar. Mas Sebastian e eu tínhamos tantos problemas que,
na realidade, tinha vergonha de confiar a elas a vida lamentável que meu
irmão e eu vivíamos. O tempo passou e não necessariamente isso faria
qualquer diferença se tratando da nossa amizade.
Quando meus pais se divorciaram, minha mãe e eu nos mudamos para
Dashdown, cidade onde vivi os últimos cinco anos e conheci Brooks. Quase
que imediatamente me senti atraída por ele. Acho que os membros
avantajados de seu corpo, os bíceps definidos e o torso torneado foram as
coisas que notei em um primeiro momento. Quanto mais perto dele ficava,
mais me envolvia.
Voltei para Humperville há alguns meses para estudar, mas recebi um
recado do meu pai ontem. Ele quer me ver. Não consigo pensar em nada de
bom para que tenha me pedido para visitá-lo. Desde que os papéis do
divórcio saíram e a coisa toda se tornou oficial, não nos falamos mais. Essa
distância era segura para mim. Mas Seb me pediu para continuar de onde ele
parou, então não posso ignorar.
Faria qualquer coisa que ele me pedisse, só para ter certeza de que
ainda estou tentando cumprir as promessas que fiz a ele.
Ser feliz.
Ter uma boa vida.
Amar todos os seus defeitos e qualidades.
E o perdoar pelo seu terrível erro de tirar a própria vida.
Ninguém nunca seria capaz de compreender o que senti naquela época
e como perdê-lo foi ver o meu mundo inteiro ruir diante dos meus olhos, e
estar de mãos atadas porque não tinha por onde segurá-lo.
A respiração de Brooks suaviza e, enfim, abro os olhos. Viro a cabeça,
vendo o maxilar rijo. Tenho certeza de que ele sabe o que acontece agora.
Estamos nisso desde que voltei para Humperville. Ele vem, transamos e o
mando embora de volta.
Se ele ao menos soubesse que me sinto péssima ao mesmo tempo em
que não consigo evitar. Pode ser autodestrutivo, mas, às vezes, não consigo
segurar sozinha essa bola demolidora que são meus sentimentos e ele, de
algum jeito, consegue me amparar.
— Porra, se alguém estiver trepando na minha cama… — A voz de
Ashton retumba através das paredes. Ele soca a porta e aperto os lábios para
não rir. Cruzo os dedos na barriga e olho para o teto. Suas tentativas de girar
a maçaneta foram para o espaço.
Ashton Baker é contrabaixista e membro da banda The Reckless.
Inclusive, uma banda que, com certeza, tem um futuro brilhante pela frente e
mal posso esperar para vê-los fazendo sucesso fora dos limites dessa cidade.
— A gente devia falar para ele que estamos aqui — Brooks sussurra e
só balanço a cabeça, negando.
Ashton bate à porta mais algumas vezes e finalmente o som cessa.
— Vai ser engraçado vê-lo imaginar quem estava aqui. — Afasto os
lençóis e coloco as pernas para fora da cama.
Brooks repete meus passos e caminha pelo quarto iluminado pelo
abajur de cabeceira. Ele sai em busca de suas peças de roupa e dou uma boa
olhada em sua bunda durinha antes que a cubra com a cueca.
As pernas torneadas e o torso definido são uma atração física inegável
para mim. Nosso relacionamento durou mais de um ano e acho que não
teríamos terminado se eu não estivesse decidida a voltar para Humperville.
Teria me casado com ele porque o amava.
Mas hoje Brooks não está aqui só por minha causa. Ele acabou se
aproximando bastante de Bryan e, consequentemente, dos membros da The
Reckless. Ao menos uma vez, a cada quinze dias, ele aparece em um show
ou vem para as festas que a banda dá.
Hoje, inclusive, é um desses fins de semana que Ashton reserva sua
propriedade e monta um palco improvisado de paletes do lado de fora.
Convida tantas pessoas que poderia apostar que a universidade inteira
consegue se acomodar entre as copas das árvores e mais um pouco em sua
cabana, que não é muito grande, mas dá para as festas valerem o esforço.
Ashton mora entremeado na floresta da Street Powell. Sua propriedade
começa no alto de uma montanha íngreme e termina onde os olhos não
alcançam. Cercado por árvores e o começo do rio Dark Water, que ladeia a
cidade de Humperville. Ainda tenho muitas lembranças da minha infância
com Seb, brincando na orla da água escura e juntando as pedrinhas pretas
que se acomodam em terra firme.
Uma vez, Seb me fez um colar com uma dessas pedrinhas. Foi um
“achado”. Ele encontrou uma, em especial, que tinha o formato de um
coração. Me deu de presente no nosso aniversário de doze anos, em 18 de
fevereiro.
Brooks encontra minha camisa de gola alta e a lança em minha direção.
Pego-a no ar, antes de ser atingida no rosto.
Em seguida me levanto, em busca da minha saia jeans. Encontro-a e
começo a me vestir. O blazer está sobre a cadeira, perto da escrivaninha de
Ashton e o visto também. Ele está quase completamente vestido quando
termino de calçar minhas botas.
— Lilah. — A voz de Mackenzie chega aos meus ouvidos e ajeito o
lençol da cama antes de ir até a porta para abri-la.
Ela está em pé do outro lado, os braços cruzados e Effy ao seu lado. O
ar repreensivo quase como uma expressão duradoura.
— Que foi?
— Te procuramos em tudo quanto é canto — Effy diz em tom crítico.
Olho por cima do ombro, vendo Brooks se aproximar.
A camiseta branca colada salienta os peitorais. Ele para atrás de mim,
encostando-se ao caixilho de madeira. Dou uma espiada nos lados e não vejo
Ashton.
— Ele já foi. Vão subir no palco — Mack esclarece ao perceber o que
estou fazendo e relaxo os ombros. — Oi, Brooks.
— Oi, Mackenzie — ele pigarreia, coçando a nuca.
— Quando você chegou?
— Não faz muito tempo.
— Se Ashton descobre que estavam trepando na cama dele, você está
muito ferrada — Mack pontua, com o indicador erguido em riste para mim.
Meu rosto esquenta com o rubor e cruzo os braços para disfarçar a vergonha
se evidenciando em sinais corporais.
— Ele devia trancar a porta — Brooks entra em defensiva. — Mas você
está certa. Se fosse minha cama e o meu quarto, também ficaria puto.
— Que bom que vocês dois entenderam — Effy enfatiza, mas continuo
quieta e mordendo o lábio inferior. — Nós vamos te esperar perto do palco e
não voltem para o quarto! — ordena e se afasta, Effy me envia um sorrisinho
e sai com ela.
Saio primeiro e Brooks fecha a porta atrás de si.
Bryan começa o show da The Reckless cantando Maybe I, de Des Rocs.
— Se eu não for encontrá-las dentro de cinco minutos, provavelmente
vão me procurar de novo — explico, encostando-me à parede.
Brooks mantém a distância, mas cruza os tornozelos ao se encostar na
parede à minha frente. Coloca as mãos nos bolsos da calça jeans e balança a
cabeça, com a decepção corroendo seus olhos. Se está relacionada a mim ou
a si mesmo, não sei.
Ele sabe o tamanho do perigo que estamos correndo nos encontrando
assim, reacendendo a esperança, quebrando as regras óbvias de um pós-
término.
Terminamos há cinco meses, mas continuamos nos encontrando e
acabando na cama. Não ter chorado quando terminamos não significa que
não senti tanta dor quanto ele. Só precisava passar por cima dela porque
estar aqui agora é uma prioridade.
— Preciso de uma resposta, Delilah. Não vou mais viajar por oito horas
só para trepar com você quando tiver vontade. Se não quer ficar comigo,
então deixa meu caminho livre.
Cubro o rosto com ambas as mãos, respirando pesado.
— Desculpa, Brooks.
Ele revira os olhos, soprando o ar com impaciência. É muito difícil tirá-
lo do sério e tenho habilidade para fazer isso.
— Não quero suas desculpas. Venho até aqui porque te amo e me
importo com você. Porra, eu poderia me mudar para cá se esse for o
problema. — Ele abre os braços, esbravejando. — Mas a distância e todo o
resto é só uma desculpa que você usa para me afastar. Como faz com todas
as outras pessoas que tentaram se aproximar. Então, diz o que quer de mim
porque você me conhece bem e sabe que não tenho paciência para
joguinhos. Ou você está comigo, ou não está.
Meu coração perde o compasso e minha visão é toldada por um borrão.
Não é o tipo de conversa que quero ter com ele aqui e agora. Não estou
pronta para deixá-lo ir, mas não quero o que tínhamos antes.
São sacrifícios, Delilah. Faça-os.
— Não podemos ficar juntos — digo sem deixar que a voz trema ou
que meus olhos marejem. Adquiri uma habilidade surreal para driblar meus
sentimentos. Consigo contorná-los e disfarçá-los com a frieza. — Desculpa
te fazer vir até aqui. Não vai mais acontecer.
Brooks parece digerir o que disse aos poucos, engolindo a contragosto
minha decisão. Seus olhos castanhos saltam de um ponto para o outro e uma
de suas mãos ruma para os fios escuros de seu cabelo, entremeando os dedos
e os desalinhando mais.
Mad World é a próxima canção que a The Reckless toca e só consigo
me concentrar em meu coração sendo esmagado mais uma vez. A culpa não
é dele. É minha. Tenho habilidade para ser a rainha do desastre e ele está
certo. Estou sempre afastando as pessoas, principalmente aquelas que me
amam.
Os únicos que não consegui de fato deixar para trás foram Mack, Effy e
Bryan. Elas, porque sempre souberam amar meus defeitos com todo o
coração; e Bryan, porque seu pai se casou com a irmã da minha mãe. Então
meio que fomos colocados no caminho um do outro, mais uma vez.
Namoramos na adolescência e tudo acabou tão rápido quanto começou,
porque Seb tinha razão. Não gostava dele de verdade, só tentava suprir
minha carência com sua companhia.
É muito louco imaginar como nossas vidas estão entrelaçadas. Seja por
destino, coincidência ou porque nos colocamos nessa posição.
Nós cinco estudamos juntos em uma escola particular chamada Saint
Ville Prep. Naquela época, tinha meu irmão como base de toda a minha
existência, como se eu respirasse só por ele, então Mack e Effy chegaram,
ambas bolsistas e de um mundo completamente diferente do meu. Bryan
também, pouco tempo depois de Seb e eu termos nos tornado amigos de
Mack e Effy, nos conhecemos em uma sorveteria. Ele começou a correr com
meu irmão na educação física e eram os melhores da turma. Nos
aproximamos, mas no fundo sabia que Bryan sempre esteve apaixonado por
Mackenzie.
Anos depois nos reencontramos em Dashdown e descobrimos que
nossas famílias agora eram uma só. Ele e Mack, no entanto, estão juntos tem
mais de um mês. É bom ver que, mesmo com tantos problemas, eles
encontraram uma forma de fazer funcionar. Não desejo o que eles têm, mas
desejo poder amar alguém tanto quanto Mack ama Bryan.
Amo Brooks, mas não o suficiente para que mude meus planos por ele.
Não sei há quanto tempo estamos parados aqui, encarando um ao outro,
mas parece que, mesmo decidido a me deixar para trás, ele ainda não
consegue aceitar minha resposta. Brooks queria que eu tivesse dito para vir
para cá, que nós ficaríamos juntos. Mas a distância não é o único problema.
Não posso perder o foco do que estou procurando. Ele é uma distração.
— Você precisa encontrar seu caminho, Delilah, e parar de usar as
pessoas como se elas pudessem te salvar — ele finalmente quebra o silêncio
entre nós e se afasta, rastejando em direção à saída.
Atravessa com dificuldade a porta bloqueada por um aglomerado de
pessoas e, quando não pode mais me ver, solto um suspiro pesado. Deixo a
cabeça cair para trás e escorrego na parede até estar sentada ao chão. A
música, as pessoas e o mundo à minha volta não me trazem a segurança que
procuro.
Quero encontrar meu lugar aqui, apaixonar-me pela vida, por tudo que
vejo e toco. Mas, desde que Sebastian me deixou, cada dia que passa é uma
sobrevivência e estou cansada de só sobreviver.
GRAVITY
Paris é tudo.
MACK
Um pouco da The Reckless essa noite.
GRAVITY
Lindas. Estou costurando roupas para todas enquanto faço meu curso
com Amélie Fay.
GRAVITY
Pra você também, Delilah. Mack me passou suas medidas!
MACK
Estamos ansiosas para provar!
Mack responde a mensagem sorrindo para a tela como se Gravity
pudesse vê-la.
Bryan fala no microfone que cantará uma última música para encerrar o
show da noite. Ele está com a alça da correia do violão sobre o ombro e
dedilha as primeiras notas da música. Finn o acompanha com a guitarra e
Chase cantarola baixinho um “Ooh-ooh” enquanto Bryan não começa. Aidan
bate o bumbo à medida em que as notas se intensificam e prendo meus olhos
neles. O público acompanha a melodia da música batendo palmas estaladas
e, por fim, Bryan começa:
— I should’ve stayed at home, cause right now I see all these people
that love me, but I still feel alone. Can’t help, but check my phone.
Chase entra com o teclado e meus olhos pairam sobre os meninos,
apreciando o ritmo e como eles sintonizam com a música quando tocam
juntos.
Bryan me contou que tinha uma banda em Humperville e foi uma
surpresa, porque, quando nos conhecemos, ele tinha uma personalidade
diferente, quase como se não quisesse ser atingido pelo resto do mundo.
Vivia feliz sendo solitário. E vi alguns de seus vídeos no YouTube.
Lembro-me de ter digitado The Reckless na barra de pesquisa e visto
alguns vídeos. Muitos deles não tinham o foco que a banda merecia e o som
não estava tão bom porque havia sido gravado através do celular de alguém
da plateia. Então sugeri que eles começassem a investir em equipamentos
para filmarem alguns ensaios, coisas assim, para que mais pessoas pudessem
ter acesso a eles.
É quando percebo que a letra da música Best Friend, de Rex Orange
Country, é basicamente coisas que penso sobre mim mesma.
Eu deveria ter ficado em casa porque agora vejo todas essas pessoas
que me amam, mas ainda me sinto sozinho.
— And that’s because I wanna be your favourite boy, I wanna be the
one that makes your day, the one you think about as you lie awake, I can’t
wait to be your number one, I’ll be your biggest fan and you’ll be mine, but I
still wanna break your heart and make you cry — Bryan canta enquanto
brinca com os meninos, dançando e sacudindo a cabeça, como se houvesse
uma mensagem subliminar na música.
Meus olhos correm de um rosto para outro e recaem em Aidan, que está
balançando a cabeça de um lado para o outro, rindo e se negando a entrar na
brincadeira com eles. Por fim, os fios escuros de cabelo pendem para a sua
testa, cobrindo um de seus olhos. Mack e Effy me puxam mais adiante do
palco, para ficarmos mais próximas deles.
E é porque eu quero ser seu garoto favorito. Eu quero ser aquele que
faz o seu dia, aquele em que você pensa ao se deitar para dormir. Eu mal
posso esperar para ser seu número um. Eu serei o seu maior fã e você será a
minha, mas eu ainda quero partir seu coração e te fazer chorar.
Assim que Bryan nota que estamos à orla do palco, estende a mão para
puxar Mack e, em seguida, Ashton ergue a sua para Effy, colocando-as lá em
cima. Ambas enrubescidas de vergonha. Eles a incentivam a dançar e correr
pelo palco como loucas enquanto cantam o refrão.
— You’re still my favourite girl, you better trust me when I tell you
there ain’t no one else more beautiful. In this damn world, in this damn
world!
Você ainda é minha garota favorita, é melhor você confiar em mim
quando eu te digo que não há ninguém mais linda nesse maldito mundo,
neste maldito mundo.
— You’re gonna wanna be my best friend, baby. You’re gonna wanna
be my best friend!
Bryan e Chase repetem essa frase enquanto Mack e Effy dançam. O
público e eu seguimos a melodia da canção batendo palmas e repetindo a
coreografia que elas fazem. Movendo os ombros para a frente e para trás,
dando uma meia voltinha com o tronco e Aidan intensificando as batidas no
chimbal e prato de ataque.
Você vai querer ser minha melhor amiga, baby. Você vai querer ser
minha melhor amiga.
Noto que Aidan está olhando para mim e não consigo entender porque
hoje ele decidiu começar a reparar em mim. Os últimos meses foram
desprezo e olhares tortos. Sem contar que eu o conheci antes de todos, na
semana em que estive em Humperville para fazer minha matrícula na
faculdade. Ele apareceu no hotel onde estava hospedada e fomos
apresentados, naquele momento não senti que tivesse qualquer problema
comigo.
Eles finalizam o show e Ashton pega o microfone de Bryan para avisar
que, embora o show tenha terminado, a festa não tem hora para acabar.
Fico de braços cruzados, esperando que as meninas desçam do palco,
mas Mackenzie segue Bryan pela multidão. Ele não tira o braço de seu
quadril por nenhum segundo enquanto fala com os fãs. Finn dá um jeito de
desaparecer, sendo, como sempre, o mais complicado deles. Chase conversa
com algumas pessoas, mas são respostas sucintas. Ashton, claro, parece um
furacão enquanto guia duas garotas rumo a sua casa.
Look What You Made Me Do perfura meus tímpanos e leva os
convidados a um nível de loucura extraordinário, porque todos param para
escutar e cantar a música com Taylor Swift.
Effy também desapareceu. Busco por ela, passo os olhos à minha volta
em busca das ondas ruivas de seu cabelo.
— Merda — sussurro, virando apressada nos calcanhares.
Ficar sozinha numa festa onde não conheço ninguém e a maioria das
que conheço não se importam nem um pouco comigo. Lá vamos nós de
novo. Pego o celular no bolso da saia e entro no Kik.
DELILAH
Onde você se meteu?
EFFY
Tive que resolver uma coisa. Acho que vou pra casa de Uber depois.
DELILAH
Desculpa. Não queria te enviar uma mensagem depois da nossa conversa,
mas estou preocupada. Você vai embora hoje?
DELILAH
Se for, tome cuidado.
BROOKS
Vou ficar no Bryan hoje.
DELILAH
Ok.
DELILAH
Vai pra casa ou ficará no Bryan?
MACK
Bryan. Aconteceu alguma coisa?
DELILAH
Não. Estou indo embora, só queria ter certeza de que você tinha carona.
MACK
Já está indo? Por quê?
DELILAH
Cansada. Hahaha.
MACK
Ah... :( Te vejo amanhã então!
GRAVITY
Me mande uma foto do seu look. Quero ter certeza de que você está
usando o vestido que pedi para a Mackenzie te dar.
GRAVITY
Delilah, é bom que você saiba: eu detesto ser ignorada.
GRAVITY
Se não me responder nos próximos cinco minutos, VOU TE LIGAR ATÉ
SE CANSAR DE MIM.
GRAVITY
Talvez eu ligue para o seu pai e o mande para o inferno por ser tão
indelicado te convidando de repente, quando sua mãe nem sabe o que está
acontecendo. Não duvide da minha capacidade de persuadir a habilidade
de hacker do Ashton, posso obrigá-lo a descobrir o telefone do Thomas!
Ah, e não dou a mínima se ele é prefeito ou presidente, ele é um monte de
merda.
DELILAH
Desde quando você envia mensagens diretamente pra mim?
GRAVITY
Desde que eu decidi que posso fazer isso, se quiser. Então, onde está a sua
foto usando o lindo vestido que fiz para você antes de ir embora? :)
GRAVITY
Linda e afrontosa. Tenho certeza de que seu pai está esperando um vestido
formal. Mostre pra ele!
DELILAH
Mostrar pra ele? Hahahaha.
GRAVITY
Que as aparências enganam, afinal, ele é bonitão, mas só faz merda.
DELILAH
Entendi. Acho que vou me atrasar e ele não vai gostar nada.
GRAVITY
As coisas não precisam funcionar do jeito dele. Você não precisa da
opinião dele para nada.
Não contei para Gravity sobre o meu pai, obviamente, e não posso
culpar Mack e Effy por terem feito isso. Estão tentando me proteger e até
onde soube, das três, Gravity é a maior protetora de todas.
DELILAH
Tenho que ir.
Envio a mensagem e vou até a cama atrás de minha bolsa. Coloco o
celular lá dentro e dou uma última olhada no espelho da penteadeira. O
quarto está organizado, mas olho, mais uma vez, para ter certeza de que não
deixei nada fora do lugar.
Assim que saio, deparo-me com Mackenzie na cozinha, picando uma
cebola e os olhos vermelhos. Aperto os lábios para não começar a rir.
No último mês, quando me mudei para cá, Effy não a deixa ficar na
cozinha de jeito nenhum. Mackenzie não tem habilidade para cozinhar e
acaba deixando queimar a comida, e o apartamento fica dias cheirando a
queimado. Contudo, escuto o barulho do chuveiro e tenho certeza de que
Effy não faz ideia que Mack resolveu assumir a cozinha hoje.
— Pensei que estivesse com o Bryan — anuncio minha presença e
Mackenzie levanta os olhos úmidos em minha direção.
— Nós decidimos ficar sozinhos hoje.
— Brigaram?
Eles brigam um pouco demais, mas ainda estão se adaptando ao
relacionamento e suas diferenças.
— Não. Só quero estar aqui quando você voltar.
— Entendi. Antes das onze — lembro a ela ao pegar minhas chaves na
mesinha de centro da sala.
— Envie mensagem se precisar de alguma coisa.
— Pode deixar.
Saio para o corredor e sigo para o elevador. Soube que o prédio foi
reformado há pouco tempo e que antes ele demorava para chegar no andar
que fora chamado e mais um pouco para descer ou subir.
Na recepção encontro Chaz, o novo porteiro. Ele não deve ser muito
mais velho que eu e, se não me engano, Effy comentou ser o quarto desde
que se mudaram para o prédio.
A brisa leve da noite lambe meu rosto, jogando alguns fios de cabelo
para trás. Desço os degraus da entrada e pesco o celular da bolsa para
chamar um Uber, mas paro quando vejo Bryan do outro lado da rua. Braços
cruzados, apertados um no outro, evidenciando os bíceps sob o tecido da
camiseta. Ele e Mackenzie andam fazendo corridas matinais juntos, mas ele
tem treinado na academia também para passar o tempo enquanto as aulas na
faculdade não começam.
Olho para ele confusa, minha testa se vinca quando noto que não está
sozinho. Aidan está sentado no banco do passageiro, mexendo no celular.
Verifico a rua antes de atravessar.
— O que está fazendo aqui? Mackenzie disse que ia ficar em casa hoje.
— Vou com você ver o seu pai — conta com calma.
— Mas não vai mesmo.
— Sim, eu vou. E se você não quiser, tudo bem, mas vou ligar para a
sua mãe e contar que seu pai anda te perseguindo.
— Bryan! — repreendo-o e ignoro a presença de Aidan no carro,
embora esteja com os olhos vidrados na tela do celular, ele não presta
atenção no Instagram. Está com os ouvidos bem atentos para nos ouvir.
— Entra no carro — ordena apontando com o polegar por cima do
ombro. — Você ficou louca se achou que íamos mesmo te deixar ir sozinha
ver aquele maluco.
— Mas por que ele está aqui? — murmuro, gesticulando com a ponta
do queixo para Aidan.
O que eu disse ganha mais sentido quando ergue os olhos para mim,
provando que estava certa quando reparei que não estava prestando nem um
pouco de atenção no celular.
— Para garantir que seu pai não tente nada contra você ou ele — Aidan
responde por Bryan e não espero para ouvir mais nada.
Abro a porta e me sento no banco de trás. Bryan assume seu lugar atrás
do volante e vejo o sorrisinho satisfeito em seu rosto ao girar a chave.
— Vou transferir o dinheiro — digo a Aidan, sem olhar para ele.
Mantenho o foco na rua enquanto Bryan arranca com o carro. Ele liga o
som e Summertime Sadness ressoa através das caixas traseiras.
— Pensei que tivesse dito que não tinha o dinheiro.
— Não vou pagar pelo conserto do meu carro. Pago pelo seu —
concluo, sucinta.
— Não precisa. — Bryan levanta os olhos para mim pelo retrovisor. —
Pago por você. Dinheiro não é problema para mim.
Aidan fica tão surpreso quanto eu. Bryan tomba a cabeça para a frente,
controlando a risada ao fazer uma curva fechada e preciso me segurar no
puxador para meu corpo não ser arremessado para o outro lado.
— Tenho uma ideia melhor — Aidan diz, também me encarando pelo
retrovisor. — Você pode trabalhar no Anarchy para mim até pagar o valor do
conserto.
Bryan e ele trocam um olhar. Não consigo dizer o que significa, mas ele
está com certeza reprovando a ideia. Porém, as engrenagens do meu cérebro
começam a trabalhar, pensando no assunto. Teria que arrumar um emprego
de qualquer forma e é uma oportunidade.
— Quais as chances de eu continuar depois que terminar de pagar o
conserto do seu tão amado carro?
Aidan contorce os lábios segurando o sorriso, mas consigo notar o
cantinho da boca vibrar.
— Você quer um emprego fixo? — Bryan atravessa impedindo Aidan
de me responder.
— Uma hora ou outra teria que arranjar um.
— Mas no Anarchy?
— Você tem alguma sugestão?
Bryan fica em silêncio enquanto pensa no assunto, mas na verdade não
tem muitas vagas de emprego em Humperville. A não ser que existam
pessoas que ajeitem para você e coloquem sua mão no fogo apostando que
você será de grande importância para uma empresa, não tem muitas
possibilidades. E claro, se for tão rico quanto Darnell e meu pai suas chances
aumentam bastante.
— A gente pode tentar — Aidan enfim responde. — Mas você vai
trabalhar ao menos uns quatro meses de graça para compensar o estrago no
meu carro.
— Esse tempo todo?
— É pegar ou largar, Delilah.
Fico em silêncio quando reparo que estamos na entrada do condomínio
onde morava e é o mesmo porteiro de antes. Bryce quase cochila esperando
que algo novo aconteça.
Inclino-me entre os bancos da frente, pigarreando e chamo sua atenção.
Ele se estica pela janela pequena, me notando.
— Delilah?
— Oi, Bryce. — Sorrio para ele.
Minha bochecha direita esquenta, como se um ar quente estivesse
jorrando contra minha pele. Ignoro em um primeiro momento porque Bryce
está me encarando.
— Meu pai está me esperando.
— Estou sabendo. — Ele se estica para a parede atrás de si e pega o
controle do portão eletrônico para abri-lo. — Bem-vinda de volta!
— Obrigada.
Estou prestes a voltar para o meu lugar quando a pressão em meu rosto
aumenta, obrigando-me a virar o pescoço em direção ao fio de ar quente.
A boca de Aidan está a poucos centímetros de tocar a minha, a corrente
de ar que corre de sua boca tem cheiro de cereja e eriça os pelos dos meus
braços.
Inspiro lentamente, soprando pela boca enquanto o par de olhos azuis
cruzam os meus.
Sou jogada para trás quando Bryan acelera o carro. Pigarreio, ajeitando
a saia do vestido como se Aidan e eu não tivéssemos quase nos tocado
segundos atrás, disfarçando que fiquei afetada pela proximidade.
Viro o rosto fugindo de seu olhar escrutinador.
A força de aceleração que impulsiona o carro para a frente diminui.
Passo os olhos por aquela rua que conheço bem e me lembro das vezes em
que Seb e eu fugimos à noite para ir até o parque duas ruas adiante, só pelo
prazer de nos deitarmos na grama coberta por uma camada de orvalho da
noite e respirar um pouco de ar puro. Já naquela idade, por volta dos nossos
dez anos, nos sentíamos sufocados.
O portão de madeira é o mesmo. Os dois pilares altos ao lado, com uma
estaca de concreto apontando para o alto. Minha antiga casa paira diante dos
meus olhos, imponente e exalando tristeza mesmo agora. Não importa
quanto tempo passe sem vir aqui, toda vez que voltar, sentirei calafrios e
uma enorme vontade de fugir. Sinto que, assim que colocar meus pés no
jardim com grama baixa e sem vida, serei sugada de volta para esse passado
que tenho tentado fugir há anos.
“Você está aqui pelo Sebastian. Lembre-se disso”, minha mente me
recorda. Não sou mais aquela garota acuada que meu pai conseguia
manipular. Estou diferente e, com certeza, não estou sozinha.
Esquadrinho a expressão dura de Bryan e mudo o foco para Aidan que
encara minha antiga casa com a mesma apreensão e desprezo. Nossas
famílias, sem sombra de dúvidas, não são amigas. E se tratando de dinheiro,
tenho certeza de que seu pai gosta menos do meu quanto o filho. Não posso
culpá-lo. Nem todas as pessoas se deixam cegar pela falsa modéstia de
Thomas Linderman.
Bryan estaciona o carro poucos metros antes do portão e levo um tempo
para me recompor e sair do veículo. Os dois me esperam do lado de fora.
Suprimo o suspiro porque não quero deixá-los perceber que não estou
só com medo, estou apavorada e parece que meu cérebro entrará em curto-
circuito a qualquer instante de tantas informações que bombardeia.
— Você está bem? — Bryan estuda meu rosto, com certeza se dando
conta de que estou pálida. Aidan também olha para mim, mas finjo que não
noto.
Por alguma razão, não quero que ele descubra que estou apavorada. Me
deixaria vulnerável para julgamentos e, apesar de ter certeza de que tem seus
motivos para não gostar de mim, não vou dar esse gostinho a Aidan. Não sou
Dannya nem Gravity. Não apresento nenhuma ameaça para ele e não tem o
porquê me odiar.
— Sim — respondo a Bryan, encarando o portão.
Meu dedo flutua diante do botão do interfone, instantes antes de
cumprir seu objetivo o portão range ao se arrastar pelo trilho e estendo os
olhos sentido a câmera sobre nossas cabeças.
Estou atrasada pelo menos uns vinte minutos e meus joelhos tremem.
Fico plantada em frente ao jardim. Uma SUV preta em frente à porta da
entrada, a piscina à direita e sou incentivada por Bryan a dar o primeiro
passo adentro.
— Se você quiser ir embora, só pedir — Bryan diz em tom de alerta.
Mas é tarde demais. Assim que estamos dentro, o portão se move atrás
de mim e a nossa única saída é bloqueada por ele. Minha respiração fica
irregular quando a porta da frente se abre, revelando meu pai. Os cabelos
castanho-claros penteados para trás, assentados com gel. O terno alinhado,
como sempre, feito sob medida. Abotoaduras de prata e que brilham.
A distância de onde estamos até ele é ínfima e consigo ver um
pedacinho do lustre do hall de entrada.
Nada nessa maldita casa foi escolhido por minha mãe. Meu pai sempre
esteve no controle de tudo. E é uma merda voltar para o lugar onde você se
lembra de ter sido mais uma prisão do que um lar.
Cruzo os braços antes de voltar a andar. Preciso garantir que meu
desequilíbrio emocional neste momento não transpareça e venha à tona. Não
posso permitir que ele tenha consciência de que ainda me intimida.
— Trouxe amigos — comenta observando Aidan e Bryan atrás de mim.
— Você não se importa, não é? — ironizo, forjando um sorriso
condescendente.
— Claro que não. Seus amigos são sempre bem-vindos!
Mentiroso.
O sorriso dele é tão forçado quanto o meu.
Subo os degraus da escada e logo estou à sua frente. O perfume
masculino forte incomoda minhas narinas. Não que seja ruim, mas porque é
dele, eu detesto. Tudo que seja minimamente relacionado ao meu pai me
deixa enjoada e esse pensamento me faz entender, ao menos um pouquinho,
como Aidan se sente.
Vejamos, a família Lynch e a família Linderman se conhecem há um
bom tempo. Mas, na realidade, Aidan e eu nunca fomos apresentados.
Nossos pais, entretanto, se conhecem desde que a família de Aidan se mudou
para Humperville. Escutei várias vezes meu pai falando com uma tal de
Eline ao telefone, mas nunca me dei conta de que se tratava da mãe dele. As
coisas se encaixam à medida que volto para esse lugar e as lembranças me
englobam nessa ampola de passado e presente.
Dou uma espiada em Aidan, mas seus olhos estão em erupção para
cima do meu pai. No fundo, tenho certeza de que, apesar de seu pai já
conhecer o meu, eles de fato ainda não foram apresentados.
— Bryan McCoy. — Aponto para Bryan primeiro e, em seguida,
gesticulo para Aidan. — Aidan Lynch.
— Oh, sim. Como vai o seu pai?
— Ele está bem — Aidan responde firme.
— Vamos entrando. — Ele acena para a porta entreaberta e a mulher
uniformizada, que nos espera ali, é provavelmente uma governanta nova.
Aidan e Bryan vão na frente, meu pai, entretanto, me segura pelo pulso
e fico travada.
— Não nos vemos há cinco anos, que tal dar um abraço em seu pai? —
sussurra porque não quer que os outros escutem.
Seu toque é uma tortura e o aperto intensifica à medida que os segundos
passam. Desço os olhos para os dedos longos contornando meu pulso como
uma corda. Aperto os lábios para segurar o gemido e instalo a língua no céu
da boca, sem querer dar a ele a satisfação de ter todo o controle sobre mim
de novo. Se quer me ver sofrer terá que fazer muito mais que me agarrar
pelo pulso.
— Está machucando — o alerto. — Você não vai querer isso na mídia,
não é? — zombo, substituindo a vontade de chorar pela ameaça e o prazer de
vê-lo ceder.
Seus dedos enfim suavizam o toque e massageio a região avermelhada
quando sigo Bryan e Aidan. Se um deles tivesse visto o que acabou de
acontecer, acho que estaríamos indo embora. Mas a pior parte passou. Vê-lo
depois de tanto tempo e ainda conseguir enfrentá-lo é o maior passo que já
dei nos meus dezenove anos de vida.
Delilah tem razão. Gosto de Mackenzie, mas não é como ela pensa.
Não aconteceu porque quis, nós nos aproximamos no ano passado, quando
ela e Bryan viviam altos e baixos, e ele não se decidia se queria ou não ficar
com ela.
No instante em que coloquei meus olhos nela, senti uma coisa diferente.
Talvez fossem os olhos. Ou sua personalidade, que lembra minha mãe e me
traz conforto. Não sei o que aconteceu ao certo, mas nossa amizade cresceu.
Se intensificou. Quanto mais tempo passava com ela, menos era suficiente.
Queria beijá-la. Estar com ela. Eu a desejei fisicamente tantas vezes, que é
como se estivesse traindo Bryan e sua confiança.
Mas foi antes. Eu a amei antes de eles começarem um relacionamento e
mesmo não querendo, me ordenando a não ser arrastado para isso, me deixei
ser guiado pelos sentimentos. Assim que a merda aconteceu com meu pai e
concentrei todas as minhas energias em ajudá-lo, em fazer com que os
negócios continuassem, mesmo com algumas limitações físicas dele, me
peguei envolvido nessa espiral. Dividido entre o que sentia por Mackenzie e
toda a merda que rolava com meu pai. Não me sobrou tempo para me
recuperar da ferida aberta e me acostumei com ela, como se ela sempre
tivesse estado ali.
Aquela noite em que me declarei e nos beijamos, se tornara a pior e
melhor noite. Em seguida escutei o estrondo do disparo de uma arma e o
nosso beijo, meus sentimentos, foram colocados no fim da fila de
prioridades.
Nós nunca conseguimos falar sobre o beijo como eu gostaria. Não sou o
tipo que desiste fácil. Teria lutado por Mackenzie se meu pai não tivesse sido
baleado e eu teria conseguido conquistá-la.
A mansão Lynch tem quatro andares. No primeiro andar ficam os
quartos e três banheiros. No total, temos quinze quartos e oito banheiros na
casa. Estou escutando boatos de que Dannya está convencendo meu pai a se
mudarem daqui quando se casarem. Mas esta casa foi elaborada pela minha
mãe junto com um arquiteto e é mais que um valor sentimental para mim,
parte da minha mãe ainda vive nessa mansão e não quero abrir mão dela.
Espero poder ter dinheiro suficiente um dia para comprá-la do meu pai,
assim ele nunca poderá se desfazer dela.
Desço o primeiro lance de escadas e em instantes estou na cozinha.
Sinto o cheiro de panquecas de chocolate, ovos mexidos e bacon. Meu pai
está debruçado sobre a bancada larga, passando as páginas do jornal. Os
primeiros botões da camisa social estão abertos e o cabelo úmido arranjado
para trás.
Dannya está na frente do fogão, virando uma panqueca. Ela faz isso
todas as manhãs, supondo que vou abrir uma exceção e comer qualquer
coisa que cozinhe pensando em mim.
Pode enganar meu pai e até sua própria irmã, mas não confio nela. E
por mais que, para o meu pai, as investigações tenham terminado e o
culpado esteja pagando pelo que aconteceu com ele, não acredito no
desfecho que a polícia deu para a história.
Por esse motivo contratei Tucker e Bullock, que, por sinal, não tenho
notícias deles desde que fiz o último pagamento, uma semana atrás. Saíram
da cidade, foram para a minha cidade natal, Grev Willow, e não retornaram
mais minhas ligações. Com apenas dois pagamentos já estou com menos da
metade do dinheiro que reservei para fazer minha própria investigação, sem
que meu pai descobrisse.
Noto as documentações de Delilah Linderman na superfície. Seu
currículo e um xerox de sua identidade. Bryan os trouxe na terça-feira de
manhã. Prometi a Delilah que poderia pagar pelo estrago do carro
trabalhando para mim no Anarchy e pretendo cumprir com isso.
É quinta-feira, meu primeiro dia como chefe e inauguração do lugar.
Meu pai deve aparecer lá mais tarde, mas passará nos outros clubes. A
reforma terminou na semana passada e ele queria colocar o Anarchy para
funcionar o mais rápido possível.
— Você está pensando em contratar Delilah Linderman como hostess?
— ele pergunta sem desviar os olhos do jornal de Humperville, enquanto
beberica um gole de café.
Puxo uma banqueta para me sentar de frente para ele. Cruzo os braços
sobre a pedra de mármore, Dannya desliga o fogo e coloca as panquecas na
minha frente.
— Não estou com fome. — Empurro o prato e meu pai ergue os olhos
para mim.
Era mais fácil quando Willa estava aqui. Ela sempre come as panquecas
que recuso, portanto meu pai não enche meu saco, mas minha irmã foi para
Paris em julho e só retorna no mês que vem. Enquanto isso preciso aguentar
seus sermões e os olhares cabisbaixos da minha madrasta.
— Quer que eu cozinhe outra coisa?
— Não — respondo sem olhar para ela.
— Tem certeza, eu posso…
— Não, Dannya. Você não pode. — Meu pai desce o jornal enquanto
falo, cruzando os braços na frente do corpo e se inclina.
— Querida, pode nos deixar a sós?
Dannya assente. Deposita um beijo na nuca de meu pai e sai da
cozinha.
— Quando vai parar? — questiona, suspirando.
Meu pai é um homem paciente. Admiro sua capacidade de
compreensão e paciência para algumas coisas que minha irmã e eu fazemos.
Ele nunca gritou com a gente, nem nos castigou por nada. Não me lembro
dele ter nos batido ou coisa assim.
Quando penso nisso, me lembro de Delilah no domingo. Saí do
apartamento de Bryan e a deixamos em casa, parecia ainda mais arrasada
com um band-aid no pescoço. Não sei qual desculpa usou para se justificar
com Mackenzie e Effy, mas Mack me enviou uma mensagem na segunda de
manhã perguntando se tinha acontecido algo porque Delilah estava com um
corte no pescoço e o pulso roxo.
Não sei como ela lidou com isso, mas, por alguma razão, não consegui
ser honesto com Mackenzie. No fim estou omitindo para fazer o que Delilah
deseja e não sei que tipo de persuasão ela tem sem fazer esforço, mas
acabamos fazendo o que ela pede. Tenho certeza de que Bryan também não
contou a verdade. Então preferi fingir que não vi a mensagem e arrumo uma
nova desculpa no sábado de manhã quando formos correr juntos.
— O quê? — Finalmente o respondo.
— Dannya e eu vamos marcar a data do casamento.
— Imaginei.
— Aidan.
— Que foi, pai?
— Quero que seja meu padrinho.
— Você está brincando comigo? — Rio em escárnio. — Nem morto
vou ser seu padrinho, pai. Sou totalmente contra esse casamento e você sabe.
Cacete, você deu o anel da minha avó para ela! — Aponto com o indicador
para a saída, tendo a certeza de que Dannya está lá. — Esse anel era uma
herança de família. Você deveria passá-lo para mim e eu daria para a minha
futura esposa.
— Você ainda terá o anel.
— Antes ou depois de ela te dar o golpe do baú?
Meu pai inspira e decide desistir da conversa ao puxar a papelada de
Delilah para mim.
— Por que você vai contratar a filha do prefeito para trabalhar no meu
clube?
— Nós concordamos que as decisões do Anarchy seriam
responsabilidade minha.
— Sim, mas não as contratações. Ainda quero ter esse controle.
— Ela bateu no meu carro no sábado. Concordei em deixá-la trabalhar
lá para me pagar. Não se preocupe, nosso dinheiro não vai para a família
Linderman.
Seus ombros relaxam.
— Não culpo a garota pelo pai que tem.
Estou pensando se conto ao meu pai que fui com Delilah e Bryan à casa
de Thomas no domingo, mas no último segundo decido que é irrelevante
essa informação para ele. Não é que meu pai não goste de Delilah, acho que
assim como recebeu todos os meus outros amigos nesta casa e ajudou
Mackenzie quando precisou, ele também é generoso e gentil com Delilah.
— Mas como foi que isso aconteceu? A batida.
Conto a ele como foi. Não a vi e não tenho certeza se Delilah viu que
estava passando com o carro no momento, mas fiquei puto com ela mesmo
assim. Nenhum de nós estava bêbado, mas aconteceu e meu carro pagou o
pato. Não que o dela estivesse melhor que o meu.
— Ela me pediu para continuar trabalhando lá depois que terminar de
pagar os gastos, se pegar o jeito.
— Ela precisa?
— Não sei. Não a conheço direito.
— Vamos pensar sobre isso. Primeiro, tenha certeza de que ela não será
um problema para os negócios, Aidan. Nós dois sabemos o tipo de pessoa
que Thomas Linderman é e não quero ele se metendo no Anarchy. Levei um
tempo para conseguir convencer Jack a vendê-lo para mim e ter o prefeito
reprovando nosso trabalho em Humperville seria um problema dos grandes.
— Não acho que Delilah e o pai se dão bem — explico, com os olhos
baixos, lembrando-me do que aconteceu no domingo.
— Então você acha que ele não nos causaria problema?
— Não acho que Delilah deixaria, mas, por garantia, vou ficar de olho
nela.
— Ótimo. — Meu pai sorri, satisfeito. — Me mantenha informado, está
bem?
Eu me levanto em direção à máquina de café e sirvo uma xícara.
— Pode deixar.
Bebo encostado ao balcão da pia, encarando a nuca do meu pai que
volta a ler o jornal. Ele não toca mais no assunto sobre Dannya e agradeço
silenciosamente por isso. Seria hipócrita de minha parte aceitar só porque é
ele quem está pedindo. Se não gosto de Dannya, não posso ser padrinho
deles.
Abro os olhos, respirando pesado. Olho para o teto, com uma recente e
familiar rachadura no gesso.
Inspiro e exalo o ar devagar, aos poucos me acostumando com a
realidade e que Sebastian não passou de um sonho outra vez. Às vezes fico
aliviada quando acordo e percebo que foi só minha mente matando a
saudade, na maior parte do tempo acho assustador e insano conversar com
ele como se ainda estivesse vivo.
Um calafrio percorre meu corpo e balanço a cabeça querendo afastar a
lembrança do sonho.
Foi um erro voltar naquela casa e falar com meu pai.
Movo os dedos até o meu pescoço, o corte causado por estilhaços de
vidro se tornando uma cicatriz quase imperceptível. Solto o ar com exaspero,
recordando-me de domingo passado quando Thomas perdeu a cabeça
comigo. O medo subiu em espirais, todo o meu corpo tremia, mas não
vacilei. Nem por um único segundo deixei que o pânico transcendesse.
Estive no controle o tempo todo e saí de lá orgulhosa por tê-lo enfrentado
sem demonstrar fraqueza.
Ao menos agora meu pai sabe que não sou nem um pouco como a
antiga Delilah. Ele, no entanto, não me surpreendeu nem um pouco, em
nenhum sentido. E não mudou nada. Ter perdido a família não causou danos
a ele ou a sua vida de merda.
Saio em busca do celular sob a mesa de cabeceira e acendo o display.
Faltam quatro minutos para as cinco e começo a escutar os barulhos na
cozinha de Mack e Effy. Ambas acordam cedo. Mack porque, aos sábados,
corre com Aidan – é uma rotina para ela, independente dele ou não – e Effy
não consegue mais pegar no sono depois que é acordada por Mack.
É sábado, então os meninos virão para tomar café. Saio da cama e dou
uma olhada no iPod de Sebastian, que está ligado à tomada desde a noite
passada, antes de sair do quarto.
Mack e Effy estão sentadas no sofá, ambas com xícaras de café
fumegante entre as mãos.
— Bom dia — Effy me cumprimenta. — Café? — Oferece estendendo
a sua para mim.
Aceito e jogo o corpo na poltrona ao lado, soltando um suspiro cansado.
Reclino a cabeça para trás, encarando o teto.
Effy volta para o seu lugar ao lado de Mackenzie e uma delas limpa a
garganta para chamar minha atenção.
— Bryan me contou o que aconteceu entre você e Brooks na quinta —
Mackenzie esclarece, olhando sobre a borda da xícara. — Você tinha alguma
intenção de contar pra gente?
— Não mesmo — respondo e espero que isso não as deixe chateadas.
Não é como se eu precisasse de conselhos. Sei o que tenho que fazer,
mas não consigo refrear meus instintos quando estamos perto um do outro. É
uma droga.
— Nisso continua a mesma. — Effy ri. — Só fala o que quer e quando
quer.
Dou de ombros.
— Só não achei que fosse importante.
— Você foi demitida por causa disso no primeiro dia. — Mack tenta
forçar uma carranca de repreensão, mas, no fundo, consigo ver o queixo
tremer de vontade de rir. — Ele é tão bom assim que você não consegue se
controlar?
— Não quer que eu te lembre de que, a cada show da The Reckless,
Effy e eu precisamos manter você e Bryan longe um do outro, não é? —
Mackenzie esconde o rosto atrás da caneca, rolando os olhos. — Imaginei.
— Controlo a risada bebericando mais um gole. Está forte, sem nenhum
açúcar. Com certeza foi Mackenzie quem fez. — Mas preciso dar um jeito
de pagar pelo conserto da BMW. — Effy franze o lábio enquanto pensa.
— Bryan não ia te arrumar o dinheiro?
— Mack, não quero pegar dinheiro emprestado com ele.
— Por que não? Vocês são tipo, família, é normal pegar emprestado.
Nate vive me pedindo dinheiro emprestado.
Nate é o irmão mais novo de Mackenzie.
— Não precisei do dinheiro do Bryan ou da família dele, não vai ser
agora que vou precisar.
— Meu Deus, quanto orgulho nesse coraçãozinho, Delilah! — Effy me
provoca com uma risada. — Por mais que admire muito isso em você, não é
um bom momento para recusar ajuda.
— É. Você pisou na bola transando com Brooks durante o expediente.
Não consigo pensar em um desastre pior do que esse.
— Eu consigo. O meu chefe ser um babaca! — grunho, lembrando-me
de como Aidan agiu.
— Certo. Aidan pode até ser babaca às vezes, porque assumiu um
negócio importante na família. Ele só não quer parecer irresponsável para o
pai.
— Mackenzie, ele usar terno e ter um cabelo bonito não o torna um
bom chefe. Aidan é ridículo. Em todos os sentidos que essa palavra pode ter,
quer dizer, ele é milionário, não poderia perdoar o lance do carro em
consideração a amizade que tenho com você e Bryan? Não. Porque ele não
se importa.
— Aidan não é assim, Delilah — ela o defende, como sempre. — Ele
tem um ótimo coração. Só que…
— O quê?
— O fato de Thomas Linderman ser seu pai, o seu passado comigo e
com Bryan — contabiliza nos dedos e minha boca cai alguns centímetros.
— Isso não é justo — Effy reflete, encarando Mackenzie. — Você
também cometeu erros e as pessoas te julgaram. Não pode fazer o mesmo
com ela.
— Tudo bem, chega. — Bato a caneca na mesa de centro. — Ok. Aidan
não gosta de mim por causa do meu pai, o que é que tem? Porque ele é um
escroto, não significa que eu também seja. Meu passado não pode ditar o
meu futuro, Mackenzie. E estamos falando dele aqui. Até quando as pessoas
vão se lembrar? Até parece que todos aqui perderam Sebastian, menos eu.
Ele era a única pessoa que conseguia me amar de verdade. E ele nem se
esforçava.
Falar de Sebastian é o ponto fraco de nós três. Percebi isso assim que
coloquei meus pés de volta em Humperville. Mackenzie, Effy, Sebastian e
eu éramos um grupo de amigos que ninguém imaginaria que fosse se unir,
mas aconteceu e nos tornamos inseparáveis. Todas nós perdemos Sebastian,
mas a meu ver, Mack faz parecer que foi mais difícil para ela do que para
mim. Eu a amo com todo meu coração, mas é injusto achar que não sofri
tanto quanto ela nos últimos anos. Ninguém sofreu mais as consequências de
viver sem Seb do que eu.
— Por que está falando dele? — Mack relaxa os ombros, colocando a
caneca ao lado da minha. — E o que aconteceu de verdade no jantar na casa
do seu pai?
— Você não acha que acreditamos na história de que você arranhou nos
arbustos quando tentou espiar dentro da casa, né?
Não. Não achei que elas tivessem acreditado. Bryan não é um bom
mentiroso. Ele arruma péssimas desculpas e ninguém acreditaria nisso.
Estou só surpresa que só tenham me confrontado agora e não naquele dia.
Talvez só quisessem me dar espaço para digerir que meu pai estivesse me
chamando para aquela casa de novo.
— Sonhei com Seb esta noite.
— Faz tempo que não sonho com ele — Effy confidencia, mordendo o
lábio inferior. — Mas todas nós sonhamos com ele, às vezes, não é? — Seus
olhos rastreiam nossos rostos. — Sebastian não faz ideia de como marcou
nossas vidas. O tempo passa, as coisas acontecem, nós amadurecemos e ele
continua sendo tão especial para nós quanto antes.
Não tinha com quem falar sobre Seb. Nem quando minha mãe se
trancava no quarto para rezar por ele e escutava seu chorinho. Era tão baixo
e quieto, como se estivesse com medo de ser ouvida.
— A última vez que sonhei com ele faz uns dois meses. Mas é, às
vezes, sonho com ele. É tão doloroso para vocês quanto para mim?
— Sim. — Sou rápida em responder. — Dói pra cacete sonhar com ele,
acordar e me deparar com essa realidade.
— O que foi que seu pai te disse, Lilah? Nós… — Mackenzie trava,
estendendo a mão para mim. — Vamos te ajudar a passar por qualquer coisa.
Sabe disso, não sabe?
Assinto, concordando com ela.
— O que aconteceu? Ele te machucou?
— Ele queria, eu acho. — Seguro a mão dela e com a outra, acaricio o
corte. — Mas meu pai se esqueceu de que sou feita de aço — ironizo
tentando dissipar a tensão que nos rodeia. — Vocês sabiam que Angeline
quer entrevistá-lo para a edição do próximo mês na revista? — Mack e Effy
se entreolham, confusas.
A Font News é uma revista local. Informativa e até um pouco
considerada fonte de fofocas, mas Humperville é o lar de uma infinidade de
políticos e pessoas influentes no ramo imobiliário ou empreendedor. E, além
disso, um território pequeno, considerado por muitos. Portanto, é claro que a
editora-chefe e proprietária da Font News soube que a filha mais nova de
Thomas Linderman está de volta à cidade.
— Depois de tudo o que aconteceu, a morte do Seb e o divórcio, as
pessoas ficaram curiosas. Soube que meu pai nunca falou abertamente do
meu irmão e, para uma cidade pequena e um político persuasivo como meu
pai, é claro que Angeline quer falar comigo.
— É sério isso?
— Uhum. Meu pai quer que eu vá a alguns eventos beneficentes, visite
alguns bairros com ele em busca de apoio e fale com a imprensa em seu
nome. Ele quer me usar outra vez para a sua campanha política e, quando
neguei fazer parte disso, bem — massageio o pescoço ferido —, ele se
irritou.
— Que filho da puta! — Mack exclama, explodindo.
— Meu pai não está acostumado a aceitar não como resposta, então
acredito que ainda não acabou. Acho que ele virá atrás de mim outra vez.
— Ele não teria coragem de te machucar — Effy conclui, mas há um
resquício de dúvida em sua voz.
— Teria me machucado se eu não tivesse desviado do copo que ele
lançou em minha direção. — Recosto ao encosto da poltrona e suspiro. —
Preciso de um emprego. Caso contrário, estou tentada a aceitar a proposta.
— Como assim?
— Ele me ofereceu dinheiro, mas… tudo que vem do meu pai tem um
preço mais alto do que realmente vale. Se aceitar fazer parte disso com ele,
talvez nunca mais consiga sair.
Mackenzie e Effy ficam em silêncio, pensativas. Conheço essas duas,
sei que estão pensando em uma solução.
O Anarchy não é o único lugar que eu poderia trabalhar, mas tenho
certeza de que Thomas não tentaria nada contra mim se estivesse em um dos
estabelecimentos de Darnell. Disse a Aidan que não tinha nenhuma segunda
intenção trabalhando para ele, mas a verdade é que meu emprego e eu
estaríamos seguros. O resto da cidade está sob o comando do meu pai.
Qualquer lanchonete ou restaurante que consiga trabalhar, ele dará um jeito
de fazer com que eu seja demitida e fique sem opções.
Preciso de Aidan, embora não goste de admitir.
— Aidan não vai te aceitar de volta. Ele é muito teimoso! — Effy bufa,
impaciente.
— Quero trabalhar para Darnell porque sei que meu pai não tentará
nada contra mim ou ele. Tenho certeza disso, na verdade.
— Acha que se conseguíssemos em outro lugar, ele compraria o dono
só para te controlar?
— Tenho certeza.
— Tive uma ideia, mas talvez você não goste. — Mackenzie respira
pesado e tira o celular do bolso. — Você e Aidan têm problemas, mas, já que
ele é sua única opção… — Ela começa a digitar na tela.
— O que está fazendo?
— Avisando que vamos correr juntos hoje. Bryan, você, ele e eu. Tente
convencê-lo a mudar de ideia.
— E como é que você sugere que eu faça isso?
— Eu odeio ter que dizer isso. — Mack sorri. — Mas Aidan realmente
tem um bom coração. Devia contar a ele o porquê você precisa trabalhar no
Anarchy, tenho certeza de que ele vai ceder na hora.
Podia contar a Mackenzie que Aidan é apaixonado por ela e pedir que
usasse isso a meu favor, porque sei que se ela interviesse, Aidan me aceitaria
de volta.
Solto uma rajada de ar. Encaro Mackenzie e Bryan a, pelo menos, dois
quilômetros de distância de onde estou. Posso não ser tão atlética como os
dois ou não estar acostumada a correr por tanto tempo sem uma pausa, mas
de nós Aidan é o pior. Ele bafora e reclama em grande parte do tempo, como
se não quisesse estar ali, mas faz um esforço extracorpóreo para continuar.
Luta insistentemente a cada dobrada de esquina e curva que fazemos só para
não admitir que não consegue acompanhar o ritmo de Mackenzie. Preciso,
mais de uma vez, controlar a risada. O que ele faz para passar um tempo
com ela é insano e, honestamente, não quero estar na pele dele quando
Bryan descobrir que seu melhor amigo anda fantasiando com a namorada.
Aidan não gostou de saber que correríamos todos juntos hoje. De modo
rotineiro, esses encontros acontecem apenas entre ele e Mackenzie, mudar
totalmente o script dessa manhã de sábado deve ter sido torturante. E estou
tentando não me divertir com o sofrimento dele. Confesso que, em partes,
fico me sentindo mal por Aidan. Deve ser uma merda gostar de alguém que
provavelmente se casará com o seu melhor amigo. Mas lembro-me de que
ele não é como minhas amigas costumam descrever.
Estou tentando encontrar uma brecha para falar com ele. Por mais que
odeie a ideia de apelar para o “coração” dele, Mackenzie pode ter razão.
Ninguém resiste a um bom drama familiar e Aidan em particular conhece a
reputação do meu pai. Sabe que ele poderia muito bem manipular o restante
da cidade só para me fazer atender às suas exigências. Só não quero dar a ele
o prazer de me ver voltando atrás, para aquela casa e para a sua vida.
Prometi que faria tudo que estivesse ao alcance para não ceder a ele nunca
mais. Pretendo cumprir essa promessa. Não por Seb ou por minha mãe, mas
por mim mesma.
Diminuo o compasso à medida que a figura exaurida de Aidan começa
a se tornar um borrão. Mack e Bryan estão tão entretidos em sua bolha,
concentrados em conversar e rir enquanto correm – não faço ideia de como
conseguem – que nem percebem que estamos ficando mais afastados a cada
segundo.
Believe, de Cher, ecoa em meus ouvidos, estou com o iPod de Sebastian
e a cada música fico mais apaixonada pela playlist que meu irmão criou no
aparelho. Uma mescla de músicas de 2015 e anos 70, 80 e 90. É uma das
poucas coisas que Mackenzie, Effy, Sebastian e eu tínhamos em comum:
música.
Quanto mais antiga, melhor.
Bato com os pés no chão enquanto espero por Aidan. Não acredito que
vou mesmo fazer isso.
Ele cessa as passadas quando nota que espero por ele, recostada ao
muro, fingindo estar tão concentrada na letra de Believe que sua presença
não me afeta.
Aidan ampara as mãos nos joelhos pendendo o tronco, controla a
respiração e sua cabeça cai entre os ombros, aspirando.
— Fiquei curiosa — digo, tirando um dos fones do ouvido e o girando
no indicador. — Você ligou pra ela?
— O quê? — Aidan gira a cabeça por alguns centímetros. Um olho
fechado e o outro semicerrado para proteger a visão dos raios solares. São
sete da manhã e o sol já machuca minha pele. — Do que você está falando?
— Eliza.
Aidan apruma a postura, coloca as mãos na lombar e estica o corpo para
trás.
— Quanto mais te conheço, menos gosto de você, Delilah.
Ele não volta a correr, apenas rasteja as pernas para continuarmos
andando.
— Ligou ou não?
— Não é da sua conta.
— Tem razão, não é da minha conta. Assim como o que eu fazia com
Brooks no banheiro também não era da sua.
— É diferente. — Ele para e quase colido com seu corpo suado. —
Você estava em horário de expediente. A casa estava cheia.
— Em minha defesa…
— Não estou a fim de discutir com você sobre isso de novo.
— Quer discutir sobre outra coisa então? — insisto e aumento as
passadas para acompanhá-lo.
Estamos contornando o parque em frente ao prédio e Aidan não parece
animado para concluir o trajeto. Avistamos Bryan e Mack fazendo o
contorno da fonte e desviando do final do circuito. Eles pretendem dar uma
nova volta, com certeza.
Aidan bufa, frustrado. Cruzo os braços no instante em que as primeiras
batidas de Obsessed invadem o fone em meu ouvido.
Entretanto, ele não responde minha pergunta, continua marchando rumo
ao prédio.
— Você precisa parar de desejar a namorada do seu melhor amigo.
Ele para, dessa vez voltando o corpo com as narinas dilatadas. Dou
passos para trás, assustada com a repentina mudança de humor.
— Que é que você quer? Por que, de repente, você fala comigo o tempo
todo?
— Acredite em mim, Aidan. Não é como se eu quisesse.
— Não. É porque você precisa. Não posso te ajudar. E você ainda me
deve o conserto da minha Diamond.
— Sua o quê?
Preciso comprimir os lábios para não rir.
— A BMW.
— Você deu um nome para o seu carro?
— Dei. Qual o problema nisso?
— É ridículo. Quem faz uma coisa assim?
— Eu faço. — Ele dá de ombros, mas consigo ver as ondulações de um
sorriso em seus lábios.
Repito seu ato de segundos atrás e jogo os ombros para cima,
demonstrando indiferença.
— O que preciso fazer para te convencer?
— Nada que você fizer vai me convencer.
Ele ri.
— Acho que tem, sim.
— Ah, como o quê? O que você tem que eu não tenho?
— Eu sei o seu segredo — murmuro, criando uma barreira em volta da
boca com as mãos. — Você é apaixonado pela Mackenzie. — Aidan
ressalta, encarando-me perplexo.
Mackenzie gostaria que eu usasse minha fraqueza como arma para
atingir Aidan. Porém, não quero a piedade dele. Vou conseguir meu emprego
de volta pelos meus próprios meios. Replay retumba em meu fone de ouvido
e sorrio ao cruzar os braços, bato os pés impacientemente no chão,
esperando uma resposta.
— Você está usando uma ameaça tão infantil assim para conseguir o
emprego?
— Hum, está funcionando?
Ele não responde.
— Vou entender seu silêncio como um sim. Então estou fazendo uma
ameaça infantil. O que você vai fazer a respeito?
— Não vou fazer nada. — Aidan encurta a distância entre nós, dando
passos largos e aprisionando meu corpo entre o seu e a fonte do parque. — É
você quem voltou para Humperville de repente, é em você que as pessoas ao
redor estão tentando confiar. É a sua palavra contra a minha. Para ser
sincero, nunca confirmei essa história. Você está dizendo o que acha. Tudo é
só uma questão de talvez.
Ele não está errado. Naquele dia, depois que voltamos da casa do meu
pai, tudo não passou de suposições. Pode ser coisa da minha cabeça,
impressão, posso estar criando essa teoria, mas nada pode explicar o modo
como ele a olha quando ninguém está prestando atenção.
Paro de ouvi-lo quando sua voz é substituída por outra, permeando em
meus tímpanos e fazendo meu coração bater num ritmo diferente.
Oi, Delilah. Aqui é o Seb.
Inspiro e olho para os lados, em busca dele.
Você deve estar se perguntando por que deixei tantas coisas para trás,
para você. À essa altura, se encontrou a carta e este iPod, então significa
que dei um fim a dor.
A voz de Seb é baixa, fina e manhosa. Pisco para atenuar as lágrimas,
que se aglomeram no canto de meus olhos. Aidan estava diante de mim,
segundos antes, mas o cenário a minha volta não passa de um borrão intenso
e que me engole segundo após outro.
Levo alguns minutos para, enfim, entender que a voz de Seb vem dos
fones de ouvido e que o que estou escutando é uma gravação de antes de ele
me deixar. As coisas que Aidan diz não fazem mais sentido para mim, na
verdade, não estou mais escutando. E minha necessidade de parecer forte
para o mundo evapora no momento em que a voz de Sebastian conforta meu
coração e traz paz à minha saudade.
Desculpa. Eu… só queria deixar algo para trás. Algo que você pudesse
se lembrar e amar. Te conheço como ninguém, meu doce, e sei que os
últimos dias, meses ou anos devem ter sido difíceis para você. Mas não se
esqueça: eu te acho forte e te admiro. A partir daqui, deixei alguns áudios
que vão te ajudar a passar por tudo. Por mim. Por nosso pai. E por todos os
problemas que possam surgir e não estarei aqui para te ajudar. Só quero te
fazer entender que você não precisa sentir a mesma dor que a minha. Não
precisa sucumbir na escuridão como eu. Você sempre foi o oposto de mim,
Delilah. Existe o bem e o mal. O céu e o inferno. A luz e a escuridão. Você
sempre foi tudo de bom que a vida poderia me dar, mas eu não era como
você. Não sou como você. Eu te amo, meu doce, minha Delilah, minha irmã
e alma gêmea. E quero cuidar de você para todo o sempre. Independente de
onde eu estiver, vou cuidar de você.
— Delilah?
Sebastian diz que sou forte, mas sempre me sinto fraca. Continuo
lutando contra tudo que diz que não posso seguir em frente. Não é o que meu
irmão iria querer. Provavelmente, muitas coisas que estão guardadas neste
iPod nunca chegariam em mim se eu não tivesse aquela casa e só por ter
encontrado mais uma parte de mim, valeu a pena confrontar o passado.
Sinto mãos suadas em meus ombros. Sou sacudida e é como se tudo
que compõe o meu corpo chacoalhasse. Meu mundo inteiro saiu de órbita e
não consigo respirar direito. Pisco. Pisco e pisco. Puxo o ar e meus pulmões
doem como se tivessem sido perfurados. Estou trêmula e mal consigo
segurar o iPod nas mãos.
Você é tão amada, Delilah. Se tivesse ideia do quanto, não se sentiria
tão insuficiente.
Aperto o aparelho contra o peito e dou passos para trás até estar sentada
à borda da fonte. Não me importo com os respingos de água caindo em meus
ombros e coluna. Não ligo para Aidan, que tenta entender o que está
acontecendo. Vejo quando ele se ajoelha diante de mim e suas mãos pousam
a cada lado de meu quadril, dando apoio para o seu corpo não cair. Ele fica
na ponta dos pés e se inclina, tudo diante dos meus olhos em câmera lenta.
Vejo tudo de fora, as lágrimas rolarem em abundância e meus ombros
sacudirem histericamente enquanto choro.
Tiro os fones de ouvido não querendo mais escutá-lo. Ele é ridículo.
Como teve coragem de dizer essas coisas quando não teve coragem de
ficar? Como Seb conseguiu deixar para trás todas as pessoas que ama? Não
consigo entender.
— Delilah? — Aidan repete e agora que não estou mais com os fones
de ouvido, consigo escutá-lo melhor.
Ele encara o fone no chão e o pega, entendendo que o que contém no
iPod me desestabilizou. Leva-o para os próprios ouvidos e escuta,
provavelmente a mesma gravação que escutei minutos atrás. Em pouco
tempo, Aidan suspira ao terminar e me encara. Esse olhar de pena. Eu odeio.
— Não me olha assim.
— Não te olhar assim?
— Você sabe. Como se eu precisasse ser consolada. Não preciso —
grunho, virando o rosto.
Aidan não diz mais nada. Levanta-se e fica sentado ao meu lado à orla
da fonte. Passamos mais de vinte minutos lá. Em um momento, ele tira o
celular do bolso do moletom com os fones de ouvido plugados e me oferece
um. Um segundo depois uma voz feminina que não conheço substitui a voz
vívida de Seb da minha mente. Olho para a tela do celular e vejo o nome da
música. É You Say, de Lillian Hepler. Encaro Aidan, mas não está olhando
para mim.
Acho que está tentando atender o meu pedido. Porém, sei que mesmo a
pessoa mais fria do mundo seria capaz de olhar para mim sem sentir pena, a
lamentável garota que torna tudo que toca um desastre.
Não devia sentir metade das coisas que sinto agora em relação a
Sebastian. Acredito que meu irmão só queria deixar as coisas mais leves
para mim e fazer com que eu me lembrasse de que, independente de
qualquer coisa, ele me amava. Porém, para mim, parece mais uma tortura e
não tem para onde eu correr. Primeiro foi a carta que encontrei no dia de seu
enterro. Depois disso pensei que não tinha mais nada que pudesse me afetar.
Aquela carta de algum modo tinha mudado tudo. Tornei-me forte,
determinada e nunca mais fugi de um problema.
O silêncio no elevador é pesado. O ar tem cheiro de grama verde e a
café, porque o vizinho do segundo andar está segurando um copo grande.
Aidan não para de me encarar, o que é irritante e desconfortável. Ele
passou os últimos trinta minutos em que estivemos sentados à beira da fonte
escutando música comigo e fiquei numa mescla de sentimentos: o primeiro
era de gratidão, afinal, não posso ser hipócrita e negar que ele ter colocado
uma música para me acalmar funcionou; e o segundo, raiva, porque está na
cara de que Aidan passa essa imagem de bonzinho, mas na verdade é um
playboyzinho mimado, assim como outros peixes grandes da cidade, e acha
que pode controlar tudo com dinheiro. Ele pode enganar Mackenzie, Effy e o
resto da banda, mas não engana a mim. Não eu que cresci vendo meu pai
usar sua posição e o dinheiro para atender todas as suas vontades egoístas.
Estou quase o mandando olhar para outro lado quando o elevador faz a
sua primeira parada e o cara do segundo andar sai, dando uma golada intensa
de seu café. A porta volta a se fechar e me remexo, com os braços cruzados,
para dizimar o desconforto que se alastra pelo meu corpo. Pelo canto do olho
posso notá-lo vislumbrar meus movimentos, há um tipo de brilho em seus
olhos, mas ainda não encontrei a palavra certa para defini-lo.
— Já te pedi para parar de me olhar desse jeito! — resmungo, enfim
virando a cabeça para flagrá-lo me encarando.
Aidan, entretanto, não parece se importar com a rispidez em meu tom
nem que o flagrei pela milésima vez nesta semana me encarando de um jeito
esquisito. Ele acredita mesmo que pode me decifrar dessa maneira?
— Fiquei curioso — ele diz, parafraseando o que disse quase uma hora
atrás no parque. Tem um quê a mais nesta fala dele, soando um pouco
distorcido do que realmente deveria ser.
— Se você quer me perguntar alguma coisa, só... — faço uma pausa,
estreitando os olhos para ele — pergunte de uma vez por todas. Detesto
pessoas que não vão direto ao ponto.
Ele está de braços cruzados, recostado na outra ponta do elevador,
distante o bastante para que os calores corporais emanando de nós não se
unam.
Afasta-se em direção ao painel do elevador onde aperta um dos botões,
travando-o no meio do percurso. Levanto meus olhos para o corpo esguio,
centímetros mais alto que eu, e, pela primeira vez, sinto sua postura
autoritária me afligindo.
Recuo os ombros para trás, deparando com a parede metálica sob minha
pele. Minha cabeça bate e sinto um arrepio na espinha, como se cubos de
gelo derretessem à medida que seu corpo cria uma ponte sobre o meu, os
braços criando uma barreira às laterais e me deixando sem escapatória. Ele
se inclina, arruinando a distância segura entre nós.
Minha sobrancelha automaticamente se arqueia ao analisar seus olhos
azuis. Nunca reparo na aparência dele, mas estar tão perto me faz estudar as
pintas marrons espalhadas na ponte do nariz e as olheiras fracas na pele sob
os olhos. Os cílios grossos, úmidos de suor e o ar quente que escapa por sua
boca entreaberta tem um cheiro almiscarado de cereja.
Seguro a respiração porque não vou deixar que ele perceba que a
proximidade repentina e seu polegar raspando de maneira inocente na lateral
do meu ombro estão afetando minha estabilidade. Fecho a boca, proibindo a
rajada de ar de sair e mantenho nosso contato visual.
— Que foi? — insisto.
— Continuo curioso.
— Mas que merda, com o que você está curioso?
— Seu irmão. Ele cometeu suicídio, certo?
— Tenho certeza de que você sabe o que aconteceu com Seb.
— Não sou muito fã de acreditar nas histórias que as pessoas me
contam. Gosto de tirar minhas próprias conclusões. De um modo geral, toda
história tem duas versões, mas só existe uma verdade. Você o encontrou
morto? Porque, pelo que escutei no seu iPod, ele não parecia querer esse
fim.
Aperto o iPod entre os dedos. A pequena instabilidade emocional que
Aidan me causou nos últimos quinze segundos dissipa e comprimo os lábios,
travando a língua no céu da boca para me impedir de xingá-lo. Como ele
ousa falar qualquer coisa de Sebastian?
— O que você quer dizer com isso? Quer tirar conclusões precipitadas
como faz com sua madrasta e sua tia postiça e dar a entender que eu
machuquei meu irmão?
Aidan não responde, o que só me deixa mais furiosa.
Empurro seu braço, o obrigando a baixá-lo.
— Não sei qual é o seu problema, Aidan. Comigo, com Dannya,
Gravity ou meu pai, mas você nunca mais insinue algo do tipo. Nunca mais
faça parecer que eu tenho alguma coisa a ver com o que aconteceu com
Sebastian. O meu irmão, diferente de você que tem um pai que te ama e uma
irmã que daria a vida por você, era tudo que me mantinha de pé. Quando eu
o perdi — aponto para o meu peito, empurrando goela abaixo o choro —,
perdi tudo. Minha estabilidade, esperança e minha força. Você não tem
direito de falar nada a respeito dele ou de mim. — Pressiono o indicador em
seu peito, afastando-o mais de mim.
Quando está longe o bastante, rumo para o painel do elevador e o
libero. Em questão de segundos estamos nos movendo para cima e, dessa
vez, trato de ficar perto da saída para disparar para fora assim que as portas
abrirem.
Estou prestes a sair quando ele murmura:
— Não estava pensando em você como culpada.
Finjo que não o escutei e marcho para a porta do apartamento. Levo
menos de dez segundos para conseguir abrir a porta – ela vive emperrando e
rangendo – e me deparo com uma bagunça atípica na sala.
Ashton, Finn e Chase estão sentados no sofá, os três pescando com a
mão fatias de bacon de um prato mediano no centro da mesinha. Finn e
Chase olham para mim, o que dá uma brecha para Ashton levar o dedo à
boca, chupá-lo e colocar o mesmo dedo no copo de Chase sem que ele
perceba. Preciso apertar os lábios para não rir. Aidan está atrás de mim,
provavelmente fazendo uma careta, que alerta Chase.
— Que foi que você fez, Ash? — inquire, começando a ficar irritado e
sei onde essa frase vai terminar.
Finn revira os olhos, como sempre, agindo como se nada que eles
façam pudesse incomodá-lo. Continua mastigando com as pernas
desleixadas esticadas sobre a mesa de centro.
Effy, Mackenzie, Bryan e Nate estão sentados à mesa.
— Onde vocês se meteram? — Bryan questiona e deixo as chaves e o
iPod no aparador atrás da porta.
— Se vocês soubessem correr em conjunto — reclamo já soltando o
cabelo do rabo de cavalo. — Precisei esperar o preguiçoso aqui. — Olho
para Aidan acima do ombro. Em um pedido silencioso embutido em meu
olhar, torço para que ele perceba e não conte nada sobre o episódio na fonte.
— Aidan corre há quanto tempo? — Ajo como se a conversa no elevador
não tivesse existido e não estivesse chateada com sua insinuação. Porém,
não adiantou nada eu ter falado para ele parar de me olhar dessa maneira.
Aidan Lynch continua me encarando de um jeito muito estranho e não
estou só desconfortável, estou me sentindo exposta, como se realmente fosse
capaz de me ler.
Estico-me entre Mack e Bryan para pegar um donuts de chocolate, e o
entrego para Aidan.
— Ele já corre há meses, não sei como ainda não consegue
acompanhar.
Ele está ocupado demais olhando para você, Mack.
Escondo o sorriso quando Aidan pega o donuts e o coloca na boca. Seu
olhar também é uma proposta: ele não conta nada e eu também não.
— Passei muito tempo tendo uma vida sedentária — explica, o que faz
os meninos sentados no sofá gargalharem.
— Ah, pelo amor de Deus, Aidan! — Nate resmunga com a boca cheia.
— Já vai fazer um ano. Até vovô Jasper correria mais rápido que você —
provoca.
— Ele tem razão — provoco também. Ele faz uma careta e rio.
Junto-me aos meninos na sala, sentando-me ao carpete. Aidan acaba me
seguindo também. Estou com uma caneca de café grande entre as mãos.
Esses caras estão tentando me aceitar como parte da família deles,
como se definem. Sou uma intrusa ainda, portanto os assuntos sempre
morrem quando estou por perto. Tento mudar isso, Bryan, Mack e Effy se
esforçam para que eles me aceitem, mas sempre fracassamos. E desde que
me mudei para este apartamento, continuo dando tudo de mim para me
aceitarem. Porém, não é uma prioridade; e se no fim nada mudar, por mim
tudo bem.
— O que rolou com seu pescoço? — Ashton pergunta, gesticulando o
queixo triangular para o machucado quase cicatrizado.
Levo rapidamente a mão para o pescoço, tapando o ferimento.
— O pai dela — Aidan conta e ele está sentado de frente para mim,
quase estico as pernas para chutá-lo. — Se quer fazer parte desse grupo —
com o indicador, Aidan mostra os meninos, Mack, Effy, Bryan e Nate à
mesa —, você precisa começar a contar a verdade.
— Seu pai te bateu? — Chase parece chocado.
— Não, mas teria feito se tivesse tido chance.
— Se tivesse acontecido, eu estaria preso nesse momento — Bryan
comenta, com o braço dobrado sobre o encosto da cadeira, o corpo se
inclinando para a frente. Mack tem um olhar felino, que me assusta, para ele.
Não é uma reprovação para a intenção de me proteger, tenho certeza, afinal,
ela o incentivou a ir comigo por esse motivo, é mais pelo fato de ele dizer
que estaria preso.
— Obrigada, mas não quero ninguém sendo preso por minha causa. —
Rio, erguendo a mão que não segura a caneca. — Não foi nada — concluo
para tranquilizá-los.
— Como seu pai é? — Finn pergunta e um silêncio repentino toma
conta do lugar.
Acontece toda vez que ele fala. Por não ser do tipo que se intromete nos
assuntos e prefere estar neutro em tudo, Finn chama a atenção quando quer
saber de algo. Ele ri, olhando para todos a sua volta.
— Meu pai é… — Coço a testa encarando os meninos, que esperam por
uma resposta. Aidan parece satisfeito porque plantou a sementinha da
curiosidade e agora estou sendo obrigada a falar sobre algo que não quero,
mas ele tem razão. Não estou fazendo o bastante para ser aceita e mesmo
que não seja uma prioridade, seria legal poder ser inserida nas conversas ao
menos uma vez. Solto um longo suspiro antes de continuar: — Não sei como
definir meu pai, porque honestamente ele é o tipo de homem que pode
surpreender você. Ele não é previsível e muitas coisas aconteciam ao mesmo
tempo quando meus pais ainda eram casados. Nunca sabia com qual humor
o encontraria quando chegasse em casa depois das aulas ou se isso seria um
problema para mim e Seb. Às vezes, inventava desculpas para ir à casa de
Mackenzie depois da aula só para não ter que chegar em casa e me deparar
com um homem diferente do que vi de manhã. Em outras, desejei ser surda e
cega porque ouvia e via coisas que não podia e acabava sendo punida por
isso, mesmo que nunca fosse a minha intenção. Ele é impaciente,
controlador e muito determinado.
Tenho lembranças do meu pai que gostaria de apagar; mas tenho outras,
de quando ainda éramos crianças, entre quatro e seis anos, que quase não
existem mais em minha memória. São lapsos e a minha criança interior
amava o meu pai. Acho que antes de ser consumido pela raiva e a
necessidade de poder, ele era uma boa pessoa.
— Não conheci meu pai, nem sei quem ele é, portanto fiquei curioso —
Finn explica. — Não queria te chatear — acrescenta, um pouco preocupado.
Então percebo que estou chorando. E não é algo que senti. Não tem
mágoa ou angústia no meu peito. Dou-me conta de que meu pai não causa
mais tanto desconforto emocional, mas meu corpo se acostumou a chorar
quando se lembra dele ou pensa em todas as coisas ruins que já fez.
— Não estou chateada. — Limpo o rosto com o dorso da mão. —
Preciso de um banho.
Levanto-me e deixo a caneca na pia. Sinto os olhares na sala sobre
minhas costas e, assim que cruzo a porta do antigo quarto de Gravity, tranco-
a atrás de mim.
DELILAH
Já que você me encara o tempo todo, pensei que poderia pagar na mesma
moeda.
AIDAN
Não te encaro.
DELILAH
Certo. Você finge que me engana e eu finjo que acredito, playboy. ;)
AIDAN
Como conseguiu meu Kik?
DELILAH
Mack.
DELILAH
Para de se torturar.
AIDAN
Não preciso dos seus conselhos, sabichona.
DELILAH
Precisa sim. Se Bryan descobrir, você está ferrado e a amizade de vocês já
era.
AIDAN
Você continua achando que tem alguma coisa rolando?
DELILAH
E não tem?
AIDAN
Não.
DELILAH
Já te disseram como você não consegue fazer o que diz?
AIDAN
Não é da sua conta. Cuida dos seus problemas, você tem demais.
Bloqueio a tela, irritado. Meu celular vibra mais uma vez, mas ignoro.
Apoio os braços na mesa e meus olhos buscam por Delilah. Ela está séria,
irritada por eu estar ignorando suas mensagens.
Alguns minutos passam e estamos falando sobre o show de hoje no
Anarchy. Falei para Delilah mais cedo, quando chegamos à casa de Ashton,
que ela poderia retornar ao trabalho hoje.
Estamos discutindo sobre o repertório. Adicionamos novas músicas
como Sweet Dreams e Nature, de The Beamish Brothers. Reparo que Delilah
voltou para o celular, mas não estou recebendo nenhuma mensagem, então
pego o celular e vejo a última que me enviou.
DELILAH
Você tem razão.
DELILAH
Ainda estou esperando pra conhecer o cara gentil que Effy e Mackenzie
insistem que você é.
DELILAH
Quando ele resolver aparecer, você me avisa. Enquanto isso, você terá a
versão de mim que merece.
AIDAN
Você está tendo a versão de mim que merece.
AIDAN
Se você se atrasar, será demitida de novo.
DELILAH
Estarei lá na hora.
We Will Rock You é uma música de dois minutos e cinco segundos.
Escrita pelo guitarrista Brian May e Freddie Mercury, lançada em 1977, três
semanas antes do lançamento do álbum News Of The World, de Queen.
Nessa época, a música dance dominava as paradas musicais, Brian e Freddie
nem se surpreenderam com o sucesso estrondoso da música por uma razão:
elas tinham sentido quando o público cantava com eles.
A batida inebriante não só contagia quem a canta, ela traz uma
perspectiva condizente para as pessoas que estão na plateia. Existe um
significado maior que os olhos podem alcançar para We Will Rock You, por
exemplo, se você está em um show, independente do seu gosto musical, se a
música tocar você será rapidamente envolvido pela canção. A própria letra
diz: “nós vamos, nós vamos sacudir você”.
A música foi criada, escrita com o intuito de mexer com qualquer
pessoa com o mínimo de gosto por música. Seja rock ou não.
De um modo geral, a instrumentalização da música é simples: os pés, as
mãos, o bumbo e um solo de guitarra no final. Inserimos We Will Rock You
no repertório porque pedi a Bryan e aos caras que a colocassem. Toda
música tem um significado diferente dependendo de quem a ouve, mas eu
sabia que, para a The Reckless, ela traria a mesma sensação.
O chão treme sob meus pés, uma ameaça barulhenta de que o palco irá
se partir ao meio. Posso sentir as paredes à minha volta balançarem e a voz
de Bryan trazendo nosso público para cantar com a gente.
A vibração é inerente em meu peito toda vez que tocamos We Will Rock
You. Sei que os outros sentem o mesmo que eu. O sorriso no rosto de Finnick
ao fazer o solo no final da música não me deixa mentir.
Bryan canta as estrofes, nós respondemos no refrão e o público faz o
bom trabalho de nos acompanhar, batendo as mãos no alto e pisoteando o
chão com força.
We Will Rock You pode ser considerado até um grito de guerra para
algumas pessoas. Ela motiva, inspira, traz ressignificado se precisa lutar por
algo. Nesse momento, a The Reckless e a plateia estão envolvidos em um
looping de afinidade. Estou rindo para algumas garotas que estão à frente e
Ashton aproveita que não está tocando para conversar com outras, do seu
lado do palco.
— Anarchy, quero vocês sacudindo as paredes! — Bryan grita no
microfone, apontando-o para a frente.
— We will, we will rock you! Sign it! We will, we will rock you!
Eu quase sinto que as paredes estão prestes a desmoronar com a
quantidade de pessoas espalhadas pelo subsolo, direcionando suas vozes e
energia a nós.
— Everybody! We will, we will rock you! We will, we will rock you!
Finnick entra com o solo da guitarra, Bryan abre espaço para que ele
assuma seu lugar na frente do palco. Aproveita o momento para apanhar
uma garrafa d’água, oferecida por Mack do canto do palco. Ele pisca para
ela, em forma de agradecimento e afasto os olhos para outra direção. Ash,
entretanto, percebe que eu estava olhando para ela e não desgruda a atenção
de mim até que Finn termine de solar a música.
Bryan volta, o rosto pingando água que jogou no cabelo. A camiseta
branca manchada de suor e um colar prata pendendo do pescoço. Inclina-se,
agradecendo, e a banda cessa. O silêncio é preenchido por uma sequência de
assobios. As luzes se apagam e uma aclamação em forma de salva de palmas
se inicia. Mas não é a música final. A próxima música foi uma sugestão de
Bryan e tem um significado especial para ele e Mackenzie. Então nós
acatamos a opção de finalizar os shows da The Reckless com ela.
Faço a contagem com as baquetas e Bryan entra no refrão de Bad Liar,
causando comoção no público. Ele pula no palco, se inclina para cantar mais
perto dos rostos das pessoas à frente e ilustra cada palavra da música
tocando o próprio, ora ou outra, apontando para o teto. Segura o microfone
no alto, com o indicador para cima e a cabeça jogada para trás.
— But I’m bad liar, bad liar, now you know, now you know. You’re free
to go!
As pessoas respondem, cantarolam o refrão, como se já tivessem estado
em milhares de shows da The Reckless. Sinto o suor escorrer por meus
braços, meus cabelos, com a frente comprida, colando à testa. Balanço a
cabeça, tentando silenciar os pensamentos e a lembrança; a forma como
Bryan e Mackenzie olham um para o outro me incomoda pra cacete e estou
me sentindo cada vez pior por ainda nutrir esses sentimentos por Mackenzie
em segredo perfeito, como se os dois não me afetassem em nada.
Bryan encerra o show cantando uma última vez o refrão. Aos poucos,
diminuo a cadência na bateria e, por fim, as luzes piscam até o ambiente se
tornar uma massa escura.
Pisco os olhos me acostumando a escuridão, apenas escutando a
movimentação na atmosfera ao meu redor. Os caras rindo, juntando os
instrumentos e, instantes depois, as luzes se acendem. Um DJ está de
prontidão para dar continuidade na noite. Não faço ideia de que horas são,
mas a The Reckless está acostumada a se apresentar por duas horas, no
máximo. Se minhas contas estiverem certas, é mais de uma da manhã.
Assim que saímos do palco, o DJ entra com seu equipamento, tendo
ajuda da equipe disposta pelo Anarchy. Para iniciar seu show e as dançarinas
entrarem, coloca um remix da música Deep End.
Desço os curtos degraus do lado e sinto uma mão tocar meu antebraço,
chamando minha atenção por completo. Mack está sorrindo para mim, os
olhos redondos apertados pela contração dos músculos do rosto.
— Oi — cumprimenta e faço uma mensura com a cabeça, devolvo o
sorriso e aceito a garrafa d’água que me oferece. — Seu pai quer falar com
você e me pediu para te avisar que estará te esperando no escritório.
— Não deve ser boa coisa, né? — pergunto a ela, mesmo sabendo que
Mack não tem a resposta.
— Acho que ele descobriu que você chamou Delilah de volta. —
Sacode os ombros, demonstrando desinteresse, como se a opinião do meu
pai não contasse.
Na verdade, ele ficou aliviado quando contei que tinha demitido Delilah
na quinta-feira. Meu pai não é do tipo que demonstra apreensão, costuma
enfrentar as adversidades e Thomas nunca pareceu ser um problema para ele
nos negócios. Pelo menos não até agora. É por isso que preciso ter uma
resposta de Tucker e Bullock o mais rápido possível. Entendo o que ele quis
dizer, sobre não querer mais problemas com Thomas, afinal eles não tiveram
um começo amigável quando meu pai veio para Humperville, mas não
parece desculpa para mim.
— Mesmo quando acho que ele confia em mim para cuidar dos
negócios, ele me prova que estou errado de novo.
Mack cruza os braços enquanto me escuta, depositando o peso do corpo
na perna direita.
Os cabelos ondulados e medianos cobrem seus ombros nus. Está
usando um vestido branco de alças finas, o tecido de algodão fino
acompanha seu corpo perfeitamente, como uma segunda pele. Tento não
olhar muito e, para evitar um desastre no meu coração, concentro-me em
esvaziar a garrafa d’água em um único gole. Ela observa a tudo calada, uma
nuvem de preocupação cobre seu rosto quando percebe que estou
desconfortável.
— Você tomou a decisão certa, Aidan. — Ela estica a mão e toca meu
braço de novo. Aquele raio que desperta meus ombros me corrói por dentro
e, a cada vez que faz isso, me sinto pior.
Limpo a garganta, afastando o braço de seu toque para jogar a garrafa
vazia no lixo. O camarim fica nos fundos desse ambiente e os caras da The
Reckless estão esperando por nós alguns metros dali.
Gesticulo para Mack, chamando-a para nos reunirmos com eles, sem
responder ao que disse sobre ter tomado a decisão certa. Afinal, só o tempo
poderá dizer se a minha decisão foi boa ou não. Tudo depende de Delilah e,
no fundo, estou torcendo para que ela esteja certa e sua amiga não estrague
tudo de novo. Principalmente a confiança que meu pai está tentando
estabelecer em mim para cuidar do Anarchy.
Estou preocupado com ele. Tenho estado preocupado há quase um ano.
Eu sei que alguma coisa dentro de mim mudou naquele dia e, até hoje, estou
tentando me reconectar com meu verdadeiro eu.
— Meu pai está procurando por mim — digo a eles, passando os braços
com suor nos ombros de Ashton e Finn. — Vejo vocês no camarim depois,
pode ser?
Ashton se afasta, resmungando porque estou sujo.
— Caralho, Aidan, você está todo lambuzado de suor. Não fica
encostando em mim. — Ele puxa a bainha da camiseta e a tira. — E nem
ousem reclamar de verem meu tanquinho exposto. É bom para a minha
reputação — garante, arqueando a sobrancelha quando Finn está com os
lábios entreabertos, pronto para discutir. — Preciso de um banho! —
resmunga mais. — Vou indo na frente para entrar no chuveiro!
A ideia de adicionar algumas duchas no camarim foi justamente de
Ashton. Quando meu pai iniciou o projeto de reforma, perguntei a eles o que
achavam que poderíamos colocar no camarim e a primeira coisa que Ash
disse foi algumas duchas para que os integrantes das bandas pudessem tomar
banho para curtirem o resto da noite sem resquício de suor. Fiz a sugestão
para o meu pai e ele concordou.
— Boa sorte com seu pai. Ele não parece feliz. — Bryan aperta os
lábios, controlando a necessidade de rir. — Uma garota está estragando seus
planos com seu pai.
— Uma garota? A sua prima postiça quem está estragando tudo. Para
variar — emendo, irritado, e o sorriso de Bryan morre. — Falo com vocês
depois — despeço-me e mergulho no mar de pessoas.
Há mesas no fundo para aqueles que preferem assistir aos shows
sentados e o clube está lotado hoje. Quando chego perto da porta, dou uma
última olhada no lugar. Algumas garotas já estão no palco dançando e
chamando atenção. Um sorriso vitorioso escapa de meus lábios e sigo meu
caminho em direção ao escritório.
Não bato na porta para entrar. Deparo-me com meu pai reclinado em
minha cadeira, as pernas em cima da mesa e os olhos fechados, respirando
devagar. Deve ter pegado no sono.
Arrasto-me até o sofá de três lugares no canto e, sobre um aparador,
algumas bebidas alcoólicas. Sirvo dois copos com gelo e derrubo o líquido
ambarino de uma garrafa de conhaque. Pego um dos copos e vou até a mesa,
batendo com o fundo dele para acordá-lo. Ele sobressalta, os olhos
assustados me fitam. Seu primeiro instinto é pegar uma caneta do porta-lápis
e lançá-la em mim, que rebate em meu peito e cai aos meus pés.
Gargalho e a pego, colocando na mesa.
— Moleque — murmura, esfregando o rosto com as mãos. Ele anda
exausto, não dá para negar.
Bebo um gole do conhaque, fazendo uma careta.
— Você odeia esse tipo de bebida — observa com um sorriso
ondulando a curva de seu lábio. — Por que bebe?
— Porque não tem mais nada para beber.
— Absurdo. Você trabalha no Anarchy, tem um bar e milhares de
opções.
— Tá, tudo bem, você tem razão. O que você quer falar comigo? —
Beberico mais um gole. Ele pega o seu copo e bebe antes de me responder.
— Contratou a filha do Thomas de volta? Não disse que ela tinha
causado problemas no primeiro dia?
— Fiquei com pena.
— Pena? — Ele deixa a bebida de lado para cruzar os braços e me
encara. — Aidan, nos negócios você precisa ser um pouco mais calculista.
Ainda não consigo esquecer os olhos vazios de Delilah, como
lacrimejaram enquanto falava do pai e de toda merda que estava tentando
fugir. Não sou de todo mal, afinal. Talvez meu pai seja mais frio e insensível
se tratando de trabalho, mas ele também não é uma pessoa ruim.
— Pai — Puxo a cadeira e me sento diante dele —, não vou tentar
mantê-la aqui se quiser que a mande embora, mas só a contratei de volta
porque achei que merecia uma segunda chance. As pessoas merecem, certo?
Sempre ouvi mamãe falando como cometemos erros e não temos a
oportunidade de provar que aprendemos com eles porque as pessoas acham
que temos que acertar toda vez. — Sua mandíbula endurece e retesando o
corpo, joga-o para trás até estar recostado.
— Falar sobre a sua mãe é jogo sujo, Aidan. — Ele coça a sobrancelha
arqueada.
Não é como se ele falasse sobre minha mãe comigo ou Willa. Ainda
tenho um bloqueio mental a respeito dela e não consigo me lembrar de todas
as coisas que estão relacionadas à minha mãe.
É como se grande parte das lembranças com ela tivesse se apagado e o
entorpecimento causou um estado de pavor tão intenso, que não consigo me
conectar com minha mãe. Tenho lembranças, sim, boas, mas parecem
distantes demais e não que ela esteve por aqui, andando nesta cidade e
naquela mansão. Foi tudo tão rápido e repentino, acho que compreender não
foi uma das coisas que soube fazer.
— Você sabe que não me lembro direito das coisas que são relacionadas
a ela — grunho, deixando o copo sob o tampo de revestimento da mesa. —
É por isso que estava fazendo terapia, lembra?
Ele solta um suspiro cansado, prestes a ceder.
— Se ela causar problemas…
— Não vai. Eu vou ficar de olho e garantir. Prometo.
— Pensei que não gostasse dela. — Ele está tentando não rir.
— Ah, pai, não gosto. Mas ela me deve.
— Ao menos nisso, nós dois concordamos que as pessoas precisam
pagar aquilo que devem. — Pega seu copo, desta vez, o esvaziando. —
Podemos falar de novo sobre ser meu padrinho de casamento?
— Não. Fora de questão. — Levanto-me entornando o copo e o
deixando no aparador de bebidas. — Não conte comigo para ser padrinho,
testemunha, seja lá o que for. Sou totalmente contra esse casamento.
— Aidan, sou eu quem vou me casar, não você.
— Sorte a minha, então.
Rumo para a porta, não estou mais a fim de falar sobre isso.
— Vamos nos casar na segunda semana de setembro. Pense a respeito
disso primeiro — insiste e dou uma olhada por cima do ombro, flagrando-o
com um olhar suplicante.
— Na segunda semana de setembro, a resposta continuará sendo não.
Envolvo a maçaneta e abro a porta. Ele diz mais alguma coisa, mas não
quero mais ouvir.
Toda vez que nos aprofundamos no assunto casamento e Dannya
acabamos brigando e já está difícil pra cacete lidar com isso com Willa
longe.
DELILAH
Tive que ir embora. Sinto muito. Sinto muito mesmo. Posso recompensar,
eu juro.
Minhas narinas dilatam, com raiva. Essa garota só pode estar brincando
comigo.
Desisto de enviar uma mensagem e ligo para ela.
— Onde você está? — inquiro em uma sentença assim que ela atende.
— Indo para casa.
— Com Brooks?
Ela fica em silêncio por dois segundos ou mais, não conto. Só tomo a
bebida que Kaylee preparou para mim.
— É. Desculpa. Aconteceu uma coisa e eu…
— Está demitida — digo, objetivo.
— Ei, espera aí! — exclama, mas não deixo que termine e encerro a
chamada.
Delilah liga de volta.
Uma. Duas. Três. Quatro. Na quinta vez, ela desiste pouco antes de eu
recusar a ligação de novo. Aproveito a brecha para pedir uma cerveja para
Kaylee.
DELILAH
BABACA!
DELILAH
Aconteceu alguma coisa no prédio. O proprietário do apartamento ligou,
mas Mackenzie não atendeu. Então, Effy me chamou e estamos indo para
lá. Effy, Brooks e eu.
DELILAH
Caso não tenha ficado claro: VOCÊ É UM IDIOTA!
AIDAN
Agora?
TUCKER
Agora.
Aidan
São três da manhã!
TUCKER
Você não está dormindo, está?
AIDAN
Obviamente que não.
TUCKER
Então não tem problema.
A. A. F.
No final da noite, Thomas ainda está sob o domínio de uma das mesas
do Anarchy. Ajo como se sua presença não me afetasse e minhas pernas não
tivessem se transformado em duas gelatinas molengas. O âmago de minha
energia está voltado para o trabalho e o uso como válvula de escape. Ainda
assim, ele está aqui e não pode significar boa coisa. Não consigo reparar as
nuances em sua personalidade. Ele pode ter vindo só beber um drinque atrás
do outro e observar as pessoas em potencial que votariam nele na próxima
eleição, mas pode existir um lapso em suas motivações e estar aqui para me
pressionar.
Estou pronta para dizer não, mas Dannya tem razão. Ninguém estará
por perto o tempo todo para me proteger.
Dannya me pediu para cobrir Kaylee no bar em seu intervalo. Como
Aidan ainda não voltou de Handson Wood, ela e Effy ficam responsáveis por
receber os clientes que continuam chegando.
Fico responsável pelos drinques enquanto Terence serve uísque,
conhaque e cerveja. Ele precisa ir até a mesa do prefeito a cada dez minutos,
o que deixa seu trabalho ainda mais arrastado. Segundo ele, Darnell está
ciente de que precisa contratar novos funcionários com urgência para o
clube, mas não é uma prioridade, quando ele terá que investir tempo em
treinar os novos colaboradores. Está adiando o máximo que pode essas
novas contratações e transferindo alguns funcionários dos outros
estabelecimentos – já que nem todos abrem todos os dias como o Anarchy –
para cá.
Não está sendo muito eficaz, entretanto. Estamos atolados com pedidos
e uma aglomeração se formou ao redor do bar. O penteado que Effy levou
uma hora para fazer se desmanchou e desisti de assentar os fios novamente:
retirei o elástico, uni os fios de cabelos sujos com suor e fiz um coque bem
alto.
— Seu pai é um merda, como esse cara conseguiu se tornar prefeito? —
Terence reclama pela quarta vez esta noite, olhando enviesado para a mesa a
poucos metros ao lado do bar.
Ele nem deixou que os dois seguranças se sentassem na mesa com ele.
Estão de pé, um de cada lado. Embora não transpareça nas expressões
faciais, tenho certeza de que estão exaustos. Tem mais de duas horas que
meu pai chegou ao Anarchy e a cada dez ou quinze minutos, chama Terence
para uma nova dose de uísque. Seria mais fácil pedir uma garrafa, mas se
recusa, o que só demonstra uma personalidade terrível de exigência, que é
fazer o coitado do barman sair de seu posto para servi-lo.
Dannya não autorizou minha saída do bar. Ela enfatizou um punhado de
vezes que eu não deveria sair detrás do balcão para atender a mesa de
Thomas, mas estou começando a ficar com pena do pobre Terence e concluo
que meu pai tem o feito andar para lá e para cá de propósito, só para me
fazer substituí-lo. E embora pareça que eu não me importe, me importo e
estou farta de vê-lo tratar meu colega assim.
Não contei a Terence que Thomas é meu pai, mas é mais do que óbvio
pelo sobrenome e pelo modo como tem olhado para cá desde que assumi o
bar no lugar de Kaylee.
— Na próxima, eu vou — digo a Terence para tranquilizá-lo.
Dá para notar no rosto dele que está exausto e que poderia estar
atendendo facilmente os outros clientes irritados com mais rapidez se meu
pai não o obrigasse a parar tanto.
— Tem certeza? — Ele parece um pouco surpreso e para com a bandeja
de alumínio sob o braço. — Porque Dannya disse que…
— Sei o que ela disse, mas acredite em mim, ele não vai parar até que
eu o sirva pelo menos uma vez. Está tudo bem.
— Se eu for demitido…
— Não vai. Vou assumir a responsabilidade. — Estendo a mão para ele,
chamando-o com os dedos para que me entregue a bandeja.
Relutante, Terence a coloca em minhas mãos. Sobre o balcão já deixo
pronto uma dose de uísque no copo e sigo fazendo os drinques até que o vejo
erguer a mão e me chamar.
Uma rajada de ar foge por meus lábios e sigo para a mesa com a
bandeja sobre a mão. O sorriso vitorioso escancarado em seu rosto confirma
minha desconfiança de que estava fazendo Terence vir até aqui repetidas
vezes de propósito.
Apanho o copo vazio da mesa e coloco o cheio no lugar. Com um
movimento lânguido, fecha os dedos ao redor do copo e o leva à boca,
apesar disso seus olhos permanecem sobre mim.
— Algo mais? — indago evasiva.
— Sente-se.
— Estou no meio do meu turno, Thomas.
— Delilah, mandei sentar.
— Não.
Ele exala o ar com impaciência, os lábios se comprimem para controlar
a raiva que despejará em mim em forma de palavras. Dizer não, não é uma
opção.
— Você anda testando a paciência do seu velho pai. — Encaro os dois
seguranças, eles nem piscam. — Sente-se. Agora. — Bate o fundo do copo
no tampo da mesa, fazendo-me sobressaltar.
Nego com a cabeça.
— Se não vai pedir mais nada, vou voltar ao trabalho.
Ele tira a carteira do bolso interno do paletó e coloca algumas notas na
mesa. Não consigo ver quanto tem ali, mas não é pouco.
— É por dinheiro que você está trabalhando aqui, não é?
Pressiono os lábios para conter a resposta na ponta da língua.
— Senta essa bunda aqui agora mesmo, Delilah.
Meus olhos começam a lacrimejar. Meu pai sempre me venceu pela
pressão e estou quase obedecendo.
— Se me der licença…
Começo a sair do lugar, escuto quando a cadeira é arrastada para trás e
o som ecoando do encosto ao bater no chão. A pressão entorno do meu pulso
é forte e incisiva, sinto a região da pele queimar e um acúmulo de lágrimas
tolda minha visão.
Thomas me puxa, sem se importar de estarmos em público; ao que
parece, até a escolha da mesa fora de forma estratégica. É escuro e ninguém
poderia nos notar. Com um único movimento, ele me coloca sentada na
cadeira diante dele. Empurra meus ombros para baixo e sinto dor na região,
fico acomodada à cadeira, encolhida como um animal acuado. Meus dedos
se envolvem à borda da bandeja e estou com tanta raiva que poderia acertá-
la nele.
— Não é tão difícil, né? — diz quando um de seus seguranças levanta
sua cadeira e volta a se sentar. Coloco a bandeja na mesa para massagear o
pulso. Sob a ponta dos dedos, sinto o vergão se formar. — O que você quer
beber?
— Nada — respondo.
— Você é uma Linderman. Não trabalha em uma espelunca como essa.
— Sou uma Linderman e também sou uma Price — revido. — E eu
trabalho em um lugar como esse, você gostando disso ou não.
— Os jornais começaram a especular por que minha filha está de volta
a cidade e ainda não foi vista com o pai. E por que, de repente, você está
morando na mansão Lynch.
— Como é que você…
— Você é Delilah Linderman. Querendo você ou não, as notícias
correm.
Dou um jeito de empurrar o choro goela abaixo.
— A resposta continua sendo não.
— Você e Aidan estão namorando?
Eu o encaro boquiaberta, mas não preciso responder essa pergunta.
— Saiba que isso está totalmente fora de questão. Você e aquele
moleque.
— Thomas, você nunca participou da minha vida, não é agora que vou
deixar me dizer com quem eu devo ou não sair.
— Pai — ele diz e não consigo entender. — Você deve me chamar de
pai — replica com ênfase, os lábios ficam brancos com a força com que os
pressiona.
— O significado de pai vai muito além de uma palavra, Thomas. Você
nunca foi um pai para mim.
— Se você e Aidan estiverem juntos, Delilah, nós teremos um grande
problema.
Minha vontade de confrontá-lo é enorme. Poder dizer que sim só pelo
prazer de fazer o oposto do que ele deseja. Meu inconsciente tem uma
necessidade premeditada de fazer tudo aquilo que ele dita que é errado ou
que não posso fazer.
— Por quê? Qual o problema entre você e Aidan?
— Nossas famílias nunca se deram bem e não é agora que vou deixar
minha única filha bancar a Julieta. — Ele bebe um gole do drinque e por
dentro estou despedaçada, porque ele sequer considera que Sebastian
também fez parte de nossas vidas. Sou sua única filha viva. — Sem chance,
está entendendo? Se eu souber que está acontecendo alguma coisa entre
vocês…
— Se tiver alguma coisa acontecendo entre nós? — Escuto a voz
arrastada por cima da música Feelings, de Lauv.
Apoio o braço sobre o encosto e me viro. Pela primeira vez desde que
nós nos conhecemos, eu me sinto feliz em vê-lo.
Aidan está com os cabelos molhados, a camisa de mangas compridas
dobradas até os cotovelos, calça social e sapatos. Uma mancha de água no
meio de seu peitoral pode ser umidade do banho ou suor.
Ele sorri para mim, como se as desconfianças do meu pai fossem além.
Por um lado, adoro ver esse sorriso presunçoso de Thomas desaparecer por
ser confrontado à altura; por outro, detesto, porque significa que ele viu algo
que Aidan e eu não vimos.
— Baby, pode vir até aqui? — Aidan me chama e uma de minhas
sobrancelhas se arqueia. — Por favor? — emenda.
Que merda ele está fazendo?
— É bom você não se mover, Delilah. — Meu pai usa seu tom
ameaçador para me travar.
— Ou o quê? — Aidan o desafia e já consigo prever o desastre no fim
dessa discussão.
Apoio as mãos na mesa para ganhar impulso, a mão áspera de Thomas
agarra meu punho com firmeza, impedindo-me de sair do lugar. O peito de
Aidan subindo e descendo, a respiração irregular e os olhos pegando fogo
denunciam uma ira atípica crescendo dentro dele. A passos lentos e precisos,
se aproxima. Com uma mão, contorna o pulso do meu pai e com um único
movimento abrupto, o afasta de mim. Aidan segura minha mão e me puxa
para ficar ao seu lado, mais precisamente, se colocando entre mim e
Thomas.
— Pensei que tivesse sido claro aquele dia quando disse para não tocar
nela. — O tom ríspido que assume a voz de Aidan me assusta e elevo o
rosto, tentando identificar o dia a qual ele se refere.
— Então vocês estão juntos? — meu pai indaga, resquícios da
insatisfação soam em sua voz.
— Não que seja da sua conta, mas sim.
Aperto seu braço, tentando chamar a atenção de Aidan. Ele devolve o
aperto em minha mão.
— E se te vir aqui de novo ou colocando um dedo nela, as coisas vão
ficar feias para você. Juro por tudo que é mais sagrado, Thomas. Fica longe
dela.
Aidan não espera meu pai me responder, coloca o braço por cima dos
meus ombros e me guia para longe. Estou no automático porque ainda não
digeri os últimos minutos dessa conversa e não sei para qual caminho essa
mentira vai seguir agora. Aidan e eu juntos? Onde essa ideia poderia ser boa
para nós?
— Para onde estamos indo? — Analiso seu rosto quando ele continua
me conduzindo, mas, desta vez, para a saída dos fundos.
— Pra casa.
— Por quê? Não vamos fechar ainda.
— Você não fez nenhuma pausa, né?
Balanço a cabeça, em negativa.
— Seu expediente está encerrado por hoje.
Saímos pelos fundos, onde o Cadillac preto de Darnell está
estacionado. Ele retira as chaves do bolso e abre as portas. Nós entramos e
durante o trajeto, um silêncio corrosivo é nossa melhor companhia. Não faço
esforço para falar com Aidan nem ele comigo. Nós dois, eu acho, estamos
constrangidos demais com o que acabou de acontecer. Nem por um segundo
me sinto animada a tocar no assunto.
Porém, quando ele estaciona o carro na garagem da mansão Lynch e
nossos olhares se topam quando saímos do carro, sei que precisamos
conversar.
— Por que você fez aquilo? — inquiro quando atravessamos a porta
imponente da entrada da mansão. Ele começa a desabotoar os primeiros
botões da camisa sem me responder e se arrasta pela sala de jantar até a
cozinha em silêncio. — Aidan! — chamo-o enquanto o observo procurar
alguma coisa nos armários.
Ele encontra uma garrafa de tequila fechada, pega dois copos de shot e
os coloca sobre a ilha. Despeja uma dose para cada e pega o celular no
bolso.
Aidan passa longos minutos passeando com os polegares na tela até que
finalmente escuto Yellow Hearts, de Ant Saunders, saindo de caixas de som
disfarçadas pela cozinha. Deixa o celular de lado e vira o shot. A careta em
seguida mostra que ele não está nem um pouco acostumado a beber assim.
Aperto os lábios para não rir.
Puxo um banco alto para me sentar e Aidan desliza um shot para mim
enquanto se serve com outra dose.
— Vai devagar com a tequila — alerto-o, bebendo minha dose.
— Você tem razão.
— O que eu tenho razão?
— Preciso parar de gostar dela.
— Estamos falando de Mackenzie? — Deslizo com o shot para que me
sirva outra dose.
Pensei que sua atitude de antes fora para me proteger e a bebida para
engolir o nó na garganta que meu pai consegue causar em todo mundo, mas
não é por esse motivo que estamos aqui.
— Bryan quer pedi-la em casamento. Ele conversou comigo, pediu
minha opinião de como e quando fazer isso.
— O quê? Mas ele…
— Depois que terminarem a faculdade, antes que a banda… você sabe,
alavanque, ele quer se casar. — Aidan enfia os dedos nos cabelos e os
bagunça, se inclinando por cima da ilha. — Puta que pariu! — Ele chuta a
ilha em uma sequência dolorosa de vezes. Esfrega o rosto e suspira, cansado.
— Eu estou tão, mas tão puto!
— Você sabia que os dois ficariam juntos. Sempre soube.
— Não estou puto com eles. Estou puto comigo! Onde eu estava com a
cabeça de me deixar levar? Ele é meu melhor amigo. Ela é a minha melhor
amiga. — Aidan serve mais uma dose e a bebe.
— Quando eu ficava puta, sabe o que eu fazia?
— O quê? — pergunta, ansioso para encontrar um escape para a sua
raiva.
— Eu dançava.
— Eu não danço.
Dou de ombros e me inclino para pegar seu celular. Estendo para que
Aidan desbloqueie a tela de seu iPhone. Assim que ele coloca seu polegar e
a tela é liberada, entro no Spotify e procuro por Replay, de Zendaya.
— Essa música é antiga. — Ele bebe mais um shot e, pelo seu tom
mole, posso dizer que Aidan já está sendo influenciado pela bebida.
— E são as melhores, não acha?
Eu me levanto e estendo a mão para ele. Aidan estuda a palma virada
para cima, indeciso.
— Você me ajudou hoje, me deixa retribuir o favor.
Ele cede e segura minha mão. Coloco minha palma contra a sua, os
braços estendidos e vou os descendo e quebrando junto às batidas. Deslizo a
perna para o lado e Aidan faz o mesmo, como um espelho. Nossas mãos
unidas acompanham o movimento e, em seguida, fazemos com a outra perna
e mão.
Quando me levanto, levo minha mão direita para o seu ombro e com a
esquerda, o guio para colocar a sua em minha cintura. Ele engole em seco,
como se me tocar fosse um problema. Ignoro a pontada de insatisfação que
sinto quando seu rosto se contorce em reprovação. Só estou querendo ajudá-
lo, merda.
Andamos para o lado direito, nossos olhos colados e sustentando um ao
outro. Depois voltamos para o esquerdo e desço com a mão de Aidan
amparando o peso de meu corpo na cintura. Ele se inclina sobre mim,
acompanhando o ritmo e cada batida intensa de Replay. Subo devagar, com
seu peito quase colado ao meu.
Afundo as unhas em seus ombros, a ponta de meu nariz toca seu queixo
e com um movimento preciso, rodopio no meio da cozinha sendo estimulada
por Aidan. Paro a distância e ficamos ofegando. Ele parece mais calmo, por
isso sorrio e volto para me sentar. Sirvo para mim mais uma dose e bebo,
sentindo o líquido descer e rasgar minha garganta.
Aidan também volta para o seu lugar, o cabelo desalinhado pela
frustração que impôs nos fios. Ele pega o celular e volta para a música
Yellow Hearts, que tocava antes de Replay. Isso me lembrou uma coisa que
fazia quando era mais jovem e sorrio sozinha.
— Estou vivendo uma desgraça e você ri?
— Não estou rindo de você, playboy. Me lembrei de uma coisa.
— Sou todo ouvidos. — Ele puxa um banco e ainda respiramos com
dificuldade. Cruzo os braços na ilha, meio inclinada.
— Escrevia o nome de Sebastian dentro de corações amarelos porque
era sua cor favorita e os entregava para ele. Fazia quando ele ficava chateado
comigo. Não importava o motivo, o coração amarelo sempre mudava tudo.
Ele ria para mim e me chamava de mimada, então fazíamos as pazes.
Não sei por que estou contando isso a Aidan. Nós nem gostamos um do
outro. Culpo a tequila. A bebida nos obriga a fazer coisas das quais vamos
nos arrepender.
Ergo o rosto para olhá-lo e Aidan está pensativo, quase como se sua
consciência tivesse abandonado seu corpo. Ele parece terrivelmente
chateado ainda. Embora tivéssemos dançado e o distraído, o problema
continua o permeando. Suprimo um suspiro de derrota porque sou um
fracasso em ajudar outra pessoa com seus problemas.
— Por que você me trouxe pra casa?
— Não sei. Queria conversar com alguém, eu acho.
— Por que eu?
Aidan desvia os olhos do copo para mim.
— Porque você é a única que sabe como me sinto a respeito dela.
— Não quero que você pense que eu entendo como você se sente,
porque não entendo. Pra mim é simples. Se você gosta de alguém que está
com outra pessoa, o mais inteligente é se afastar.
— É por isso que eu menti pra ela. Por isso fiz com que acreditasse que
a superei, porque queria o oposto. Queria ficar mais perto.
— E você abriu mais espaço em seu coração para amá-la.
— Não precisa jogar na minha cara que eu fiz uma cagada.
— Não é por isso que estou aqui? Para jogar a verdade na sua cara?
— Não, não é por isso.
— Por que então? Não vou te confortar, se é o que está esperando que
eu faça.
— Eu só… — Ele para, contornando a beirada da pedra de mármore da
ilha com os dedos. — Sei lá, queria uma distração.
— Se quer uma distração, liga pra Eliza.
— Qual é o seu problema com a Eliza?
— Nenhum. — Dou de ombros. — Ela é uma opção melhor do que eu.
— Não sou como o Ashton. Não transo com qualquer pessoa que use
saia.
— E você me trouxe para cá por que queria transar comigo e eu não sou
qualquer uma? Uau! — assobio, chocada. — Você não para de me
surpreender — enfatizo e não disfarço minha chateação.
— Não. Não tem nada a ver com isso! — ele se apressa em dizer, em
seguida, está entornando a garrafa de tequila para servir outra dose. —
Esquece. Foi um erro falar com você sobre essa merda.
Respiro fundo. Ele está lamentável. Não consigo ignorar uma coisa
assim. Ele me salvou das garras do meu pai e dançar com Aidan não o fez
esquecer o que sente por Mackenzie e provavelmente dormir com Eliza não
terá um efeito diferente porque, como ele mesmo disse, não é como Ashton.
Se ele estiver sendo sincero comigo como parece, nada é como um caso de
uma noite para Aidan.
— Por que você me ajudou hoje?
— Se eu sou babaca, você reclama. Se eu sou legal, você está
insatisfeita. Me diz, Delilah, o que você está esperando de mim?
— Nada. Eu que estou confusa. Foi você quem me arrastou pra cá e
começou a despejar seus problemas amorosos em cima de mim. Além do
mais, foi você quem disse para o meu pai que estamos namorando. Você me
chamou de baby. — Acho que, quando falo em voz alta, consigo entender o
tipo de resultado que Aidan está procurando. — Meu. Deus. Você me trouxe
aqui achando, realmente, que rolaria alguma coisa entre a gente? — Começo
a me levantar, chocada.
— Não, Delilah. Não fiz nada disso. — Ele bagunça outra vez os
cabelos, apreensivo. Está mentindo. — Merda. Me desculpa. Tá. Talvez eu
tenha pensado por um minuto…
Eu ergo a mão para que ele pare de falar.
A mesma música que tocou no carro ontem quando chegamos, repete
agora na playlist – I See Red – e estou pressionando os lábios com raiva,
num misto de pena por ele. Aidan é realmente inacreditável.
Contorno a ilha para ficar diante dele. Aidan acompanha apreensivo
meus movimentos, a apreensão esculpe e retesa a musculatura de seu rosto.
Ele é uns quinze centímetros mais alto do que eu. Preencho meu copo de
shot vazio com mais uma dose e a engulo com pressa, ardendo por dentro
como se fosse um vulcão.
— Não diga nada — digo com as mãos amparadas em seus ombros. —
Não quero me arrepender.
Então fico na ponta dos pés até que meus lábios colem aos seus. O
primeiro contato com a boca de um cara, depois de um tempo em um
relacionamento sério com Brooks é estranho. Aidan tem lábios frígidos, um
desinteresse que fere qualquer garota que esteja disposta a beijá-lo só para
ajudar a esquecer outra. Porque é o que estou fazendo. Dando uma mãozinha
para Aidan parar de pensar em Mackenzie e em seu repentino futuro noivado
com Bryan.
Ele respira contra minha pele, quase como se fosse impossível
continuar. Minhas mãos envolvem seu pescoço e com a ajuda de Aidan,
consigo ficar mais confortável para alcançá-lo.
Suas mãos passeiam por minha cintura, estudando o território,
perseguindo as curvas sinuosas e rígidas de meu quadril. Com um
movimento cauteloso, porém preciso, Aidan me ergue e me põe sentada à
ilha. Entreabre minhas pernas para encaixar seu quadril. Por um segundo me
esqueço de que ainda estou usando o vestido do Anarchy, mas ignoro,
porque definitivamente não vamos transar. Se essa é a intenção dele, pode
esquecer.
Aidan se aproxima mais, pondo fim a ínfima distância que ainda existe
entre nossos corpos. Sua língua determinada passeia pelo contorno de meus
lábios e, no instante seguinte a música Kiss Me, de Ed Sheeran, retumba pelo
ambiente. Ele pressiona os braços ao redor de minha cintura como se não
quisesse me deixar fugir.
Um gemido baixo escapa de sua boca entreaberta quando minha língua
colide com a sua. O começo do beijo me deixou chateada porque, apesar de
saber que só estou tentando aliviar a tensão, toda e qualquer mulher quer ser
beijada com sinceridade. Não importa que seja apenas algo para uma noite
ou que você não vá vê-lo nunca mais.
Mas agora Aidan me abraça como se pretendesse me proteger a partir
desta noite e gosto da sensação. Eu afundo os dedos em seu pescoço,
aprofundando o beijo. A respiração lenta e o calor que nos engloba durante
este momento é aconchegante.
Ele desce as mãos, acariciando a extensão de meu quadril, lombar e
muda a atenção para as minhas coxas, porém não ultrapassa nenhum limite.
É a primeira vez que sou beijada com tanto carinho e atenção. Até mesmo
meu primeiro beijo com Brooks foi… rápido, uma questão de urgência.
Aidan me beija como a própria música que toca nesse momento: como
se eu quisesse ser amada.
O aperto em volta do meu tronco suaviza e Aidan se afasta à medida
que seus pulmões exigem ar. Se ele tivesse descido um pouco mais as mãos
e me tocado, teria desistido de resistir. Mas descubro algo sobre ele: Aidan
não atravessa limites, a não ser que o outro lado dê o primeiro passo e em
nenhum momento abri brechas para que me tocasse sob a saia do vestido.
Ele é respeitoso, o que é uma novidade para mim.
Não estamos mais nos beijando e sua boca continua pairando sobre a
minha. O ar quente que escapa de suas narinas expandidas toca meus lábios,
provavelmente avermelhados. Minhas mãos estão agarradas aos seus ombros
e cada uma das suas de um lado do meu quadril. Não tem nenhum peso e, se
não estivesse olhando para elas, nem notaria que ele ainda está me tocando.
Os olhos azuis de Aidan são uma incógnita. Não consigo captar nada
deles. Pode ser que ele esteja confuso porque foi surpreendido quando o
beijei ou que de um jeito muito estranho, esteja me agradecendo por ter
refreado sua raiva. Não sei, mas começo a me sentir desconfortável com a
maneira com que ele me encara.
Limpo a garganta e desvio o rosto para outra direção; no instante
seguinte, espalmo seu peitoral para afastá-lo.
Desço da ilha, puxando a saia do vestido para baixo o máximo que o
tecido permite. Já tem um tempo que não me sinto constrangida depois de
beijar um cara. Na verdade, acho que nunca aconteceu. Beijar alguém
sempre foi muito fácil para mim. E com certeza, as pancadas dentro do meu
peito são raras. Já senti, sim. Com Brooks, mas isso foi há tanto tempo que
não consigo me lembrar direito da sensação.
Estômago embrulhado, talvez uma consequência rápida por ter bebido
tantos shots de tequila de uma só vez ou pelo simples fato de as batidas do
meu coração estarem chegando ao topo de minha têmpora. Meus olhos caem
para os botões perolados e abertos de sua camisa. Consigo ver um fiozinho
de pele suada pela fenda e minha garganta se fecha.
Aidan dá passos curtos para trás, enfiando os dedos nos fios de cabelo
despenteados e os colocando para trás. Ele só para quando sua lombar bate a
pia e finalmente seus olhos estão de volta a mim.
Cruzo os braços, reprimindo os calafrios – e, na verdade, a noite está
quente demais para ser Humperville. Nenhum de nós sabe o que dizer.
É estranho. A gente se odiava dias atrás e acabei o beijando. É claro que
só estava tentando distraí-lo e, em contrapartida, me distrair também. A
aparição do meu pai no Anarchy hoje me desestabilizou emocionalmente.
Porém, não dá para negar: ele me fez sentir segura. E isso com certeza
enfraquece qualquer barreira criada em volta de mim. Não quero ser iludida
por uma falsa sensação de proteção que Aidan conseguiu transmitir nos
minutos em que passei cercada por seus braços.
— Tudo bem? — Aidan se inclina um pouco, escrutinando minha
postura defensiva e o rosto distorcido.
Eu me viro para pegar a garrafa de tequila e me servir outra vez.
— Tudo. — Bebo. — E você?
— Também.
— Acho que vou… — Giro nos calcanhares, pronta para ficar de frente
para ele outra vez e sou surpreendida por seu corpo ereto atrás de mim.
Meus braços se encolhem quando toco o seu peitoral. Aidan leva sua
mão aberta em direção a minha bochecha, mergulhando os dedos longos
entre meus fios de cabelo e a palma virada na maçã do meu rosto. Minha
reação é rápida; os ombros enrijecem com o toque quente e cada músculo do
meu corpo retesa quando seu tronco se dobra em cima de mim e ele me beija
outra vez.
E merda. Eu retribuo.
Ele não envolve meu quadril e não me aconchego em seus braços como
antes. Aidan está usando os dedos de modo exploratório, a cada milímetro de
pele que ele roça me sinto inflamar de dentro para fora. Sua mão desce do
meu rosto para o pescoço e ali seu indicador e polegar brincam com a carne
do meu lóbulo. Em seguida, Aidan perpassa o indicador aberto na alça do
vestido; preso entre o tecido e pele, escorregando em atrito como uma
provocação inocente.
Sua língua massageia meu lábio inferior e penetra minha boca outra
vez. Um avanço repentino do seu corpo me faz titubear. Um passo mais
longo, meu tronco esbarra na ilha e fico indecisa entre onde deixar as mãos.
Ele percebe, pois abaixa mais um pouco as mãos até que toquem as minhas,
que agarram os arredores da pedra de mármore. Entrelaça seus dedos nela e
as orienta à sua nuca.
Aidan volta a tecer o caminho com suas mãos por meu quadril e à
lateral das coxas, onde os dedos hábeis se movem, puxando a fina camada de
tecido do vestido preto para cima.
Interrompo o beijo para encará-lo. Meus olhos erguem em direção aos
seus. Pisco duas vezes para alinhar a visão. Por causa da quantidade de
tequila que ingeri com ele, estou com a mente nublada.
— É melhor a gente parar por aqui — aviso, afastando suas mãos.
Ele pisca, deslocando o corpo para trás a passos trôpegos. Recosta-se
outra vez à beirada da pia e fixa os olhos azulados em meu rosto corado. Não
consigo interpretar se as narinas expandidas é remorso ou se Aidan está com
raiva por tê-lo parado.
— Desculpa — pede, mexendo nos fios de cabelo de novo.
Aidan faz isso quando fica nervoso, percebo. Bagunça o cabelo e muda
a direção de seus olhos quando não quer focar no problema, que, neste caso,
sou eu parada bem aqui. Menos de quarenta e oito horas que estamos
morando juntos e já estou o beijando como se ele não tivesse sido um babaca
no começo, me demitido duas vezes e ignorado todas as minhas explicações.
Preciso admitir, esse homem parado diante de mim é um perigo emocional
para qualquer pessoa. Não sei como Mackenzie não amoleceu por nenhum
segundo na presença dele.
Ele é um poço de gentileza, percebo agora, depois de ter suas mãos me
acariciando.
Às vezes, para garotas agitadas como eu e que estão acostumadas a
homens como Brooks na cama, só precisamos de uma dose alternativa de
homens como Aidan. Você pode se surpreender. Existem dias em que ele é
uma incógnita; e em outros, quando os lábios dele te tocarem, você terá
decifrado quase todo o mistério.
Estou preocupada que, depois do que aconteceu, Aidan e eu voltemos a
nos “desgostar” – já que ele insiste que não me odeia e é só uma questão de
falta de afinidade. Ele não está falando nada, mas sinto que seus pés batendo
contra o chão e o corpo pendendo para trás são sinais de que Aidan está
esperando que eu diga alguma coisa.
— Precisamos conversar sobre o que acabou de acontecer? — arrisco,
mordiscando o lábio inferior. — Não é que eu não queira. — Não o deixo
nem responder. — Eu poderia dormir com você hoje.
Quando digo isso reconquisto sua atenção. Seus olhos já estão vidrados
em mim com um desconforto evidente crescendo entre as sobrancelhas.
— Mas…
— Mas? — devolve, arqueando uma sobrancelha.
— Você quer uma distração, certo? Eu sou complicada. É melhor você
ligar pra Eliza.
— Essa não era a minha intenção.
— Então você está me dizendo que a última hora em que passamos
conversando e nos beijando não tinha nada a ver com Mackenzie?
A música Heather, de Conan Gray, toca no celular de Aidan. É a
canção da playlist e, se não fosse pela muralha e o silêncio que cresce entre
nós após mencionar Mack, não teria reparado na letra. Espremo os lábios
para controlar uma risada porque é óbvio que essa música é um alerta do
universo para me dizer que Mackenzie é Mackenzie e eu sou eu. E minha
melhor amiga está prestes a se tornar noiva do meu primo postiço, que
também é meu ex-namorado de adolescência.
É irônico como essas linhas estiveram ligadas durante toda a minha
vida e nunca me dei conta de que nossas histórias começaram na Saint Ville
Prep, como em um desses seriados em que um grande acontecimento une
adolescentes e aí, a partir daquele momento, a vida de todos os envolvidos
simplesmente se transforma em um drama familiar inacabável; a cada final
de episódio, uma revelação bombástica que muda o rumo outra vez.
Começo a rir, simplesmente. E Aidan não entende. A carranca em sua
feição, contorce o nariz em uma ruga forçada. Os lábios franzidos para a
direita, repudia minha risada no meio de um momento como esse. Cubro a
boca para me controlar e, em seguida, dou as costas para ele. Meus olhos
estão ardendo porque acabo de perceber que o “grande acontecimento que
une adolescentes” foi a morte de Sebastian e eu fui completamente anulada
desse script, porque fui egoísta demais ao ir embora.
Seguro a garrafa de tequila e sirvo duas doses. Empurro o nó da
garganta, virando-me para a frente com os shots na mão. Estendo um para
Aidan que aceita. Estico o copo para brindarmos e viro o líquido goela
abaixo, sentindo-o queimar.
— Desculpa, não tinha a intenção de te usar para esquecer a merda que
aconteceu hoje.
— Você não me usou. Eu que te usei.
Estou mordendo a boca do copo de shot, sem olhar diretamente para
Aidan.
— Você?
— Você não achou a aparição do meu pai traumática hoje?
— Com tudo que você me contou, Delilah, nós estávamos esperando
que ele fosse aparecer uma hora ou outra. Sei que você pensa que
trabalhando para o meu pai está segura, mas não importa onde você esteja,
ele dará um jeito de te encontrar.
Ouço atentamente, assimilando suas palavras. Quero concordar com
Aidan, mas não posso. Tenho que me agarrar a qualquer esperança. Não dá
para confiar na justiça morando em Humperville. Mesmo que estivesse com
uma ordem de restrição em mãos agora, morar nesta cidade, ter um papel do
juiz em mãos não me deixaria mais ou menos segura.
— Você o ameaçou?
Aidan parece mais confuso, franzindo o cenho e entortando o pescoço
para o lado.
O caminho angulado entre seu ombro e pescoço chamam minha
atenção, umedeço os lábios porque, instintivamente, estou imaginando como
teria sido tê-lo chupado bem ali. Ele teria gostado e gemido?
Ele não responde minha pergunta, atravessa a distância e se encosta ao
meu lado. Servindo mais uma dose de tequila para nós. Tenho quase certeza
de que esta noite um de nós não vai grudar os olhos porque estaremos
ocupados demais abraçados à privada.
— Mais ou menos. Só porque temos nossos problemas, não significa
que quero que você se machuque. — Aidan joga a cabeça para trás,
facilitando acesso do líquido à sua garganta. Ele nem faz mais caretas ao
beber.
Fico um pouco feliz com sua confissão e sorrio para que ele saiba.
— Não me olha desse jeito, nem sorri pra mim. Estou bêbado, posso
querer te beijar de novo e acho que concordamos que é melhor a gente parar.
Ele tem razão.
— O que significa?
— Que eu quero te beijar de novo?
Nego balançando a cabeça.
— Só porque temos nossos problemas, não significa que quero que se
machuque.
— Ah, isso.
— É. Você não pode falar uma coisa dessas para uma garota e esperar
que ela não fique curiosa, quer dizer, essa foi a coisa mais fofa que você me
disse desde que nos conhecemos.
— Delilah.
— Hum?
— Não diga bobagens. — Ele ri e olha para a frente, cruzando os
braços na altura do peito. Um tempo se passa antes que ele prossiga: —
Significa que vou te proteger, pelo menos enquanto você estiver aqui.
— Eu não vou embora, Aidan — murmuro em um tom zombeteiro.
— Não dá para saber. — Dá de ombros com indiferença. — Você é uma
alma solitária, não dá pra dizer se você vai ficar ou ir embora.
— Alma solitária? — Minha voz sai em um sopro.
— Sim. — Ele se afasta de novo, mas desta vez com a garrafa de
tequila em uma das mãos e o shot em outra.
Meus olhos o seguem enquanto o vejo sair pela sala de visitas, em
direção ao hall de entrada. Ele cantarola a música que está tocando no
momento: Bad Liar. Qualquer um que seja próximo o bastante de Bryan e
Mack sabe que essa música é deles porque Bryan a cantou para ela.
Escuto muito que Aidan é uma pessoa transparente, emotiva, gentil e
respeitosa, e agora acredito em algumas dessas características que minhas
amigas atribuíram a ele, mas nem todas. Aidan não é transparente, na
verdade, o estou achando um jogo de xadrez, cercado de peões. Só não
consegui descobrir qual das peças é ele.
— Você não vem? Vamos ver um filme. Você escolhe — garante,
erguendo a garrafa para me chamar.
— Estou com fome.
— Temos nachos — avisa antes de começar a subir as escadas.
Quando ele não está mais na minha visão de alcance, desligo a música.
Parece que Aidan não está levando a sério esse lance de esquecer
Mackenzie, mesmo que tenha dito isso claramente. Dou um suspiro.
Esquecer é fácil para mim. Sempre deixei as coisas para trás, sendo difícil ou
não; se precisava dar um ponto final em algo, eu fazia.
Talvez eu possa ajudá-lo e retribuir um pouco o que fez por mim hoje.
É sua.
Vamos esquecer o que aconteceu na noite passada, beleza?
Se quiser conversar mais tarde, só me dizer.
Aidan.
Não entendi o que ele quis dizer. Vamos esquecer o que aconteceu na
noite passada? Significa que não vamos tocar no assunto ou não é para que
eu toque no assunto com Mackenzie? Algo me diz que a segunda opção é a
mais correta. A letra da música Heather, de repente, me volta à cabeça como
um flashback vazio. Seguro o bilhete entre os dedos e o esmago na palma da
mão como um inseto. Não estou chateada, só um pouco espantada.
O bloco de post-it que Aidan usou para me escrever o bilhete ainda está
sobre sua mesa de estudos. Um notebook está ali, a caneta preta utilizada ao
lado. O cheiro de seu perfume ainda permeia no quarto. Pego o bloco e a
caneta, escrevo uma resposta e deixo o bilhete preso no travesseiro onde
estava deitada.
Calço os sapatos que estava usando na noite passada e pego minhas
novas pantufas.
— Oi, mãe. — Atendo a ligação descendo as escadas em direção à
cozinha.
Escutei a voz de Dannya no andar de cima pouco antes de descer.
Estava preocupada que me encontrar com ela fosse um problema depois de
ter saído do trabalho sem me justificar. Então decidi cortar o mal pela raiz e
acabar com a ansiedade de uma vez por todas. Se ela tiver que me dar uma
bronca por ter deixado meu posto, que seja agora. Mas mamãe me ligou
assim que comecei a minha caminhada da vergonha.
— Você desapareceu por dias, Delilah. Eu fiquei preocupada!
— Não me chama assim. Parece que está brava — provoco-a com um
sorriso.
— É porque estou brava. Muito brava!
— Desculpa, estive ocupada. Arrumei um emprego!
— Delilah!
— Que foi?
— Nós combinamos que você iria para Humperville para estudar. Não
se matar de trabalhar como fazia aqui em Dashdown. Precisa se concentrar
na faculdade!
— Mãe, está tudo bem, o trabalho é bom e paga bem. — Decido que
vou esconder a parte onde os primeiros quatro meses serão para pagar o
estrago na querida Diamond de Aidan. — Como você está? Estou com
saudades.
— O que faço com você? Não quero que fique obcecada por trabalho,
preocupada com o dinheiro. Eu sempre dou um jeito.
— Pois é. Você sempre dá um jeito. Deixa que, dessa vez, eu dou meu
jeito.
— Você é melhor do que eu posso merecer — diz afetada, com um tom
manhoso ecoando através da linha. — Seu pai… — Ela faz uma pausa e,
conhecendo minha mãe como conheço, deve estar mordendo o lábio inferior
tentando se decidir se é uma boa ideia mencionar meu pai. Ela nunca sabe se
pode ou não falar dele comigo.
A verdade é que no começo não reagi tão bem a separação. Levei um
tempo para entender que minha mãe estava com medo e, a princípio, a culpei
por não tê-lo deixado antes. Acho que ela começou a se culpar também, ela
tinha a mim, mas não tinha mais a Sebastian. E nós dois somos um pacote
completo. Para minha mãe não podia existir Delilah sem Sebastian e, para
ser sincera, eu também acreditava nisso.
— Ele não me procurou — minto porque não quero deixá-la mais
preocupada.
Escuto um suspiro de alívio através da linha. Saber que ela está mais
aliviada, também me tranquiliza. Portanto, não me sinto culpada por mentir.
— Graças a Deus! — Deixa escapar e a imagino limpando resquício de
suor da testa. — Se ele te procurar, você promete que me conta, Lilah? Por
favor.
— Mãe, tudo bem, ele não vai vir atrás de mim. — Paro de descer as
escadas quando percebo que estou quase no fim e não quero que Dannya me
escute. Sento-me em um dos degraus.
— Prometa.
— Mãe.
— Se ele não te procurou, por que está tão relutante em me prometer?
Droga! Ela me conhece tão bem.
— Está bem, está bem, eu prometo — murmuro, olhando para o lado e
consigo escutar a voz de Dannya. Acho que está no Skype com Gravity. —
Prometo. Satisfeita?
— Certo. Obrigada. Preciso ajudar sua tia hoje com um caso, me ligue
mais tarde. Quero saber mais sobre seu novo trabalho.
— Eu ligo. Tchau!
Nos despedimos e desligo.
Minha mãe se formou em Direito como tia Daily, mas nunca chegou a
exercer a profissão. Meu pai assumiu a carreira política e ela passou a
dedicar sua vida à família. Nunca soube muito do passado deles, mas sei que
meus pais se conheceram na faculdade e se formaram com pouco tempo de
diferença um do outro.
Levanto-me e continuo meu percurso até à cozinha. Dannya está
fechando a tampa do notebook e debruçando sobre a ilha. Um suspiro
cansado escapa de seus lábios e pigarreio para anunciar minha presença. Ela
olha para mim, mas não antes de deter o olhar em minhas novas pantufas do
Chewbacca. Ignoro seu olhar curioso e me aproximo. É quase a hora do
almoço, Rowan, a governanta da casa, está instruindo as duas cozinheiras na
preparação da comida.
A família Lynch segue um cardápio e uma rotina de limpeza muito
acirrada. Rowan é responsável por manter as tarefas da mansão em dia. De
onde estou, consigo ver um jardineiro aparando os arbustos na lateral da casa
e o cuidador da piscina fazendo a limpeza semanal.
— Bom dia. — Dannya se inclina um pouco para a frente, apoiando os
braços dobrados sobre o mármore da ilha. — Dormiu bem? — Com um
movimento sutil do queixo, aponta a lixeira com a garrafa de tequila vazia.
Eu coro e me aproximo, puxando um banco para me sentar ao seu lado.
Noto algumas revistas de Paris com modelos de vestido de noiva.
— Dormi. Como uma pedra.
— Imagino. — Ela ri. — Não vou te culpar, eles são mesmo
irresistíveis.
— O quê? — Levanto a cabeça, não entendendo a quem ela está se
referindo.
— Os Lynch. — Dannya apoia a cabeça na mão, tombando-a para o
lado enquanto me estuda.
O rosto angulado e queixo fino, pele bronzeada e um olhar intenso
opaco que parece examinar minha alma. Dannya balança a cabeça enquanto
ri, como se só de me olhar pudesse tirar conclusões e ler meus pensamentos.
Remexo-me no banco, desconfortável.
— Quando Darnell me convidou para vir até aqui pela primeira vez, eu
estava de pé bem ali. — Aponta para o mesmo lugar onde estava na noite
passada, a poucos passos de distância de Aidan. — Ele se inclinou na minha
direção e me beijou. Fiquei muito, muito assustada.
Só que fui eu quem beijou Aidan, não ao contrário.
— Mas eu gostei. Depois daquele dia, nós não éramos mais só amigos.
Mesmo assim, insistimos que deveria ficar assim, afinal, não fazia nem um
ano que Eline tinha falecido e eu também estava me adaptando à nova
cidade. Só que... — Ela faz uma pausa, estica o braço por cima do mármore
e pega uma revista. Começa a folheá-la, mas continua: — Eu me senti à
vontade. Darnell é tão carinhoso e determinado. Está sempre se esforçando
para me fazer feliz. Passei grande parte da minha vida me dedicando à minha
família e fazendo de tudo para que eles fossem felizes, que acabei me
esquecendo de que precisava me fazer feliz também. Me mudei para
Humperville por causa de Gravity, até minhas escolhas mais difíceis foi
pensando nas pessoas que eu amo. Para variar um pouquinho, e espero que
esse não seja um comentário egoísta, gosto de ter alguém fazendo de tudo
para me ver feliz.
Não entendo por que, de repente, Dannya está me contando isso. Não
somos próximas e não conversamos nem metade das vezes que ela e
Mackenzie conversaram. Nossa interação, até agora, foi ínfima.
— O que você acha?
Ela coloca a revista aberta sobre a ilha, apontando para um vestido em
formato sereia, que contorna os seios protuberantes da modelo na foto. Uma
quantidade excessiva de lantejoulas brancas faz o corpete inteiro do vestido
brilhar e a saia de tule é fofa.
— Eu gostei. — E gostei de verdade. Dannya sorri para mim em
resposta. — Por que me contou tudo isso? — sussurro, tentando não ser
ouvida por Rowan e as duas cozinheiras logo atrás de nós.
— Eu vi vocês ontem. Ele se inclinou e te beijou bem ali. — Indica
onde eu estava e enrubesço, envergonhada. — Sei que desde o começo vocês
não se deram bem e fiquei preocupada que pudesse afetá-lo no trabalho.
Darnell está apostando em Aidan para assumir o Anarchy. Ele respeita a
decisão do filho de ter uma banda e tentar a sorte, mas o sucesso na indústria
da música é um jogo que nós não sabemos jogar. Então meu querido noivo
me pediu para ficar de olho em você. Sabe, caso houvesse algum problema.
E ele foi muito firme quando disse: “se ela se aproximar demais, a demita”.
Eu reteso. Minha coluna se endireita imediatamente.
— Não se preocupe, não vou te demitir.
— Não vai?
— Te demitir por que você e Aidan estão próximos? — Quero dizer a
Dannya que ela entendeu errado e que de jeito nenhum Aidan e eu estamos
próximos, mas minha língua gruda no céu da boca e não consigo dizer nada.
— Se fosse o caso, talvez Darnell devesse ter me demitido quando comecei a
trabalhar no Purple Ride.
— Você trabalhou lá?
— Claro. Pouco antes de me envolver com ele.
Gravity nunca mencionou que a irmã tinha trabalhado no Purple Ride e
fico me perguntando se tem algo a mais que devemos saber.
— Gravity nunca contou.
— Isso porque trabalhei no Tour Heaven. Nesse setor, mesmo depois de
sermos demitidas, é proibido tocar no assunto. Você sabe. Políticos,
empresários, pessoas importantes frequentam essa parte do clube. É um
assunto delicado. Darnell poderia ficar chateado comigo se soubesse que
estou te contando isso agora.
— Então é melhor não contar — digo, muito convicta de que não estou
curiosa para fazê-la quebrar uma promessa.
Já fiz isso com Bryan e aprendi minha lição. Não quero arrumar
problemas entre ela e Darnell.
— O que aconteceu entre mim e Aidan ontem é complicado. —
Também não posso contar a ela sobre os sentimentos de Aidan por
Mackenzie. — Estava chateada porque meu pai me pressionou, e bebemos.
— Olho para a garrafa na lata de lixo. — Calor do momento.
— Sinceramente não me importo com o tipo de relacionamento que
vocês dois estão tendo. — Dannya eleva os ombros e os desce outra vez, o
movimento é lânguido e o sorriso não sai de seu rosto. — Só quis ser sincera
e dizer a que par está a sua situação no Anarchy, caso estivesse se
perguntando se ter saído ontem antes do expediente terminar poderia
prejudicar seu trabalho.
Pensei nisso, mas não durou nem cinco minutos, porque estava com
Aidan e o pouco tempo em que passamos juntos foi suficiente para que eu
ignorasse as consequências. Isso é um péssimo sinal.
— A propósito, adorei as pantufas — completa.
— Obrigada.
— Então, o que você acha desses outros modelos? Honestamente estou
muito, muito feliz de ter outra garota na casa. Rowan não gosta de conversar
enquanto trabalha! — rosna alto propositalmente para que Rowan a escute e
emenda: — Gravity está em Paris e focada no curso, não gosto de ficar
incomodando-a com as coisas do casamento, mesmo assim ela me mandou
essas revistas.
Descubro que Dannya gosta de falar bastante. É quase como ligá-la a
uma tomada com 220v e deixá-la lá. Presto atenção em tudo que me fala.
Está animada com o casamento e tento encontrar qualquer coisa nela que
faça valer as desconfianças de Aidan, mas Dannya não parece ser uma
pessoa ruim. Ela escolheu grande parte da decoração, quer uma mescla de
rosas brancas e rosa claro com ramos verdes. Vão fazer o casamento no hotel
La Connie Err, um dos mais chiques de Humperville.
Soube que o salão de festas dele é todo estruturado com peças de
bronze e antiguidade. Escuto atentamente cada detalhe que Dannya confia a
mim, mas me distraio quando recebo uma mensagem de Brooks.
BROOKS
Posso te ver? Seu carro ficou pronto.
DELILAH
Já?
BROOKS
Não quero te deixar andando a pé. ;)
DELILAH
Obrigada, Brooks! Me passa o endereço.
Explico a Dannya que tenho que sair e que voltamos a falar sobre o
casamento mais tarde. Ela me faz prometer que a ajudarei a escolher o sabor
do bolo – apesar de Darnell estar empolgado com tudo, ele não se importa
com esses detalhes – e garanto a ela que usarei meus dias de folga do
Anarchy para ajudá-la com esses detalhes.
AIDAN
Onde você tá?
AIDAN
Preciso de você no Anarchy.
DELILAH
É minha folga.
Lembro a ele.
Segundos depois de minha mensagem ser entregue, meu celular toca
mostrando o nome de Aidan no display.
— Qual o problema? — pergunto de uma vez.
— Kaylee ficou doente. Não pôde vir. Precisamos contabilizar o
estoque de bebidas.
— Terence não pode te ajudar? É a minha folga, Aidan.
Ele faz silêncio e fecho os olhos, quase me arrependendo.
— Não. Ele não pode vir. Onde você está?
— Vim buscar o carro.
— Então você está com Brooks?
— Não estou com Brooks. — Não gosto do modo como o nome de
Brooks soa na boca de Aidan, acaba me deixando irritada. — Estávamos
saindo para almoçar. — Decido que não tem por que não contar a verdade,
afinal, ele disse: “vamos esquecer o que aconteceu”.
— Atrapalhei seu encontro?
— Não é um encontro. Íamos só… — Paro de falar, mordendo o lábio
inferior.
Foi só a droga de um beijo na noite passada. Por que estou tentando me
justificar e por que ele está fazendo tantas perguntas de repente?
— Esquece. Chego em cinco minutos.
— Preciso que você trabalhe hoje à noite também e cubra Kaylee.
Melhor desmarcar tudo que tinha planejado com Brooks.
— Talvez eu transfira o meu encontro para o Anarchy.
— Se quiser ser demitida de novo, você pode tentar.
— Tenho uma hora de intervalo, Aidan.
Ele desliga o celular. Comprimo os lábios para não rir.
Nessa discussão, eu venci.
Aidan me envia uma mensagem em seguida:
AIDAN
O que diabos é Heather?
AIDAN
Ok.
Dannya vai direto para o Purple Ride. Ela tem uma reunião agendada
com os funcionários, às dezoito horas, então volto para casa sozinha. Estou
quase no quarto quando noto algo diferente na porta. Outro post-it vermelho.
A intenção não é sorrir, mas os músculos contraem por vontade própria e os
lábios se erguem em reconhecimento da letra perfeitinha de Aidan Lynch.
3:00AM.
Aidan.
Ele poderia ter me enviado uma mensagem e explicado melhor o que
significa 3:00AM. É claro que é um horário, mas não dá para decifrar nada
com isso. Entro no quarto. Ele também está diferente. Uma sacola com uma
coroa desenhada na frente e tem outro post-it vermelho colado um pouco
acima do brasão.
Deixo a bolsa no gancho atrás da porta e a fecho em seguida. Agarro o
papel meio amassado e leio:
Use isto. E depois não diga que “não sou legal” com você.
Vou trabalhar até as três da manhã. Te encontro na piscina.
Aidan.
Espero que você saiba o que está fazendo. Eu disse que não sei nadar; e se
eu morrer afogada por sua causa, mato você.
Delilah.
Dia um, Delilah. Você sabe como sou metódico e, às vezes, consigo ser
mais organizado. Então este é o primeiro dia que vou te aconselhar pelos
próximos… bom, não sei, talvez trinta dias ou mais? Quero estar o mais
perto que conseguir, mesmo não estando aí de verdade. Vamos lá. Espero
que tenha encontrado isso a tempo, mas quero que hoje você escolha sua
roupa preferida. Você ama saias, é sua marca registrada. Acho que não
conseguiria te imaginar, em qualquer momento da sua vida, em que não
esteja usando uma minissaia. Seja feliz e admire seu belo corpo. Não é a
saia que te valoriza, é você quem deixa a peça de roupa mais atraente. Amo
você.
Péssimo momento. Péssima escolha.
Pauso o áudio no iPod, amaldiçoando-me por ter decidido voltar a
escutar as mensagens que Seb deixou para mim hoje. Agora.
Meu coração bate tão forte e o sinto apertado no peito, como se o
espaço reservado para ele tivesse reduzido nos últimos cinco minutos em
que passei ouvindo essa mensagem. Estava esperando para sair e me
encontrar com Mack e Effy na casa de seu pai, mas meu ânimo para sair
findou à medida em que a voz de Sebastian se infiltrou em minha mente e
coração.
Não é nem um pouco justo que eu só tenha encontrado esse iPod anos
depois de tudo que passei sozinha. Não é saudável que eu tenha que ficar
voltando para esse passado a cada vez que me deparo com algo que foi dele.
Sebastian não foi inteligente. Achou que estaria me ajudando, mas, na
verdade, só está abrindo uma ferida que forcei a cicatrizar.
Tiro os fones do ouvido e envolvo o iPod com o fio. Abro a gaveta da
mesa de cabeceira e o coloco lá dentro, debaixo da caixinha onde estou
guardando os post-its que tenho trocado com Aidan e me proíbo de procurá-
lo de novo. Não quero mais ouvi-lo. Ele me fere. Me sufoca. Fico instável e
perdida. A saudade vara meu corpo, me faz sangrar.
Pisco para afastar as lágrimas e passo as mãos abertas no rosto para
enxugá-lo.
Ainda assim, sigo o conselho de Sebastian. Qual foi a última vez que
coloquei minha roupa favorita para mim? Quando foi que me arrumei sem
pensar em impressionar os outros? Não me lembro.
Abro o closet, ele está mais organizado e tenho uma visão melhor das
roupas.
Pego a saia preta com pregas leves e meio rodada, minha blusa de tricô
de mangas compridas. Seu tom é uma mescla de bege com alaranjado, o que
a aproxima de uma tonalidade salmão. Escolho um cinto de fivela marrom
fino e botas pretas de cano baixo e couro sintético.
No fundo do closet me lembro de um casaco em que o comprimento é
pouco acima dos joelhos; ele é xadrez e de botões grandes. Coloco um
relógio com bracelete marrom – como o cinto – e o prendo no pulso.
Já vestida, vou para a frente do espelho da penteadeira e começo a
minha maquiagem. As bochechas esfumadas com um contorno marrom
clarinho e rímel intenso para abrir meu olhar. Gloss incolor e prendo os
cabelos em um coque alto. Meia hora depois, estou pronta e com quinze
minutos de antecedência.
Combinei de me encontrar com Mack e Effy, às oito. Pesco as chaves
do carro na cama, a bolsa na cadeira da escrivaninha e borrifo uma
quantidade generosa de perfume Dior no pescoço. Agora sim, pronta.
Giro a maçaneta e puxo a porta simultaneamente com Aidan, que está
prestes a colar um post-it. Espremo os lábios, engulindo a risada travada na
garganta e uno as mãos na frente do corpo, esperando que termine o
trabalho. Ele me encara, as maçãs do rosto em um tom leve de vermelho e
abaixo a cabeça para esconder o sorriso.
Rá, pego no flagra!
Ele termina de colar o papel e o pego, mas não leio o que está escrito.
Estudo sua postura pétrea, a roupa social do trabalho que estou acostumada a
ver e a fragrância masculina exalando dele.
— Está de saída? — pergunta, limpando a garganta, evidenciando o
desconforto.
— Sim.
Aidan pressiona o lábio um no outro e sei que está tentando se controlar
para não dar uma de intrometido outra vez.
— Vou jantar com Mack na casa do Nick — conto. Mesmo que admire
seu esforço, não tenho nenhum problema em dizer a ele.
— Ah, sim. Mande um oi.
— Tudo bem. — Saio e ele dá um passo para o lado, abrindo espaço. —
Te vejo às três? — pergunto ao começar a me afastar.
— Às três.
— Ok. Até mais tarde então.
Aceno por cima do ombro, sem olhar para trás. Porém, sei que Aidan
continuou me encarando. Há uma teoria de que os olhos de alguém sobre
você é algo difícil de não notar, mesmo que não esteja tentando flagrar
alguém, é sensitivo.
Não dá para negar. Aidan e eu estamos começando a ter algum tipo de
conexão. Talvez tenha começado duas semanas atrás, quando bati em seu
carro ou no dia em que ele me demitiu pela primeira vez. Foi quando me
amparou ao ouvir a voz de Sebastian? Ou foi no dia em que ele me protegeu
do meu pai e depois nos beijamos?
Foram tantos momentos que tivemos e não me dei conta de que, a cada
um deles, dávamos um passo na direção um do outro. Quanto mais eu
tentava afastá-lo e ele a mim, mais próximos ficávamos.
AIDAN
Eu acho que mereço um voto de confiança. Tenho sido bonzinho. Hahaha.
DELILAH
Achei seu bilhete fofo. E tem razão, você tem sido tãoooo bonzinho.
AIDAN
Hahaha.
AIDAN
Não se acostuma não. Só fiquei comovido com sua história de: “não
aprendi a nadar nem andar de bicicleta. Meu pai não tinha tempo”.
DELILAH
Não é engraçado.
Aidan demora para responder minha última mensagem. Tento não ficar
ansiosa esperando por uma resposta. Não devia tê-la enviado. Sei lá, ele
deve estar pensando que fiquei chateada, o que não é verdade. Realmente
não fiquei, afinal o que contei para Aidan na piscina aquele dia não foi
nenhuma mentira. Thomas estava sempre ocupado com sua carreira, que não
se importava se Seb e eu estávamos fazendo coisas normais de criança; e
minha mãe, bem, se esforçando para ser a esposa do meu pai.
Envolvo os dedos em torno do celular, aperto com força o aparelho e
forço um sorriso para Sophia. Fiquei aérea por um minuto enquanto lia a
mensagem de Aidan no post-it. Quis logo responder e não dava para esperar
chegar em casa.
Noto que Effy perscruta minha mão – onde mantenho o bilhete
vermelho bem apertado junto à tela do celular – e ergue os olhos para o meu
rosto. Conheço essa sutil maneira de me analisar. É um pouco
desconfortável, mas Effy me lê como se eu fosse um outdoor e nem se
preocupa se vou me importar ou não. De qualquer forma, sei que faz isso
porque não quer acordar no dia seguinte e descobrir que fui embora outra
vez.
Essa estranha sensação no fundo do meu estômago está começando a
me incomodar. É só o Aidan.
Então meu celular vibra – precisei tirar o som porque não queria
incomodar ninguém – e rapidamente estou encarando a tela, comprimindo os
lábios para não rir.
AIDAN
Tem razão, não foi legal. Desculpa.
DELILAH
Tá desculpado.
— Com quem você tanto fala? — Effy inquire. Seu tom soa
repreensivo, o que significa que, se eu mentir, ela vai saber.
— Aidan.
— Aidan? — Sobressalta, alternando o olhar entre mim, Mack, Nick e
Sophia.
Os três estão sentados no sofá do outro lado do loft. Effy e eu ficamos
no de dois lugares.
Sobre a mesa de centro há alguns petiscos e uma garrafa de vinho pela
metade. Não estou a fim de beber, então recusei uma taça. Sophia, Nick e
Mackenzie por outro lado, estiverem bebendo na última hora. Effy e eu
somos como duas intrusas nesse jantar, embora o objetivo aqui fosse
especular Sophia e suas futuras intenções na cidade, dá para perceber que
Mack e ela se dão bem.
— Ei, estou falando com você!
— Desculpa. Desculpa. — Viro o tronco e fico de frente para ela. Não
estou nem um pouco a fim de contar o que rolou comigo e Aidan nos
últimos dias. Principalmente a respeito do beijo e que eu gostei mais que
deveria. — Nada. É só assunto do trabalho.
— Fala para ele te deixar em paz.
— Já falei. — Devolvo o celular para a bolsa, junto ao post-it e tomo
cuidado para que Effy não perceba.
— Ele ficou assim depois que o pai dele levou um tiro no ano passado.
É irritante, às vezes, sério. Ninguém tem culpa do que aconteceu…
Esse assunto é uma repetição. Ela e Mack falam disso o tempo todo.
Como Aidan mudou, como está diferente, como ele perdeu a própria
essência pelo atentado contra o pai. Mas, para mim, não existe o Aidan de
antes e depois. Para mim só existe um Aidan: mandão, que me aborrece,
procura motivos para pegar no meu pé e tem o beijo mais doce que já provei.
É um fato.
Let’s Fall In Love For The Night toca baixinho, um sussurro abaixo das
vozes melodiosas dos outros à minha volta. Sinto o celular vibrar novamente
sob meus braços apoiados na bolsa.
Effy parou de falar sobre Aidan, o que é um alívio porque significa que
não preciso mentir ou omitir nada. Ignoro a mensagem até que ele vibra de
novo e estou mordendo o lábio inferior para erradicar a ansiedade em minhas
mãos para pegar o telefone. Não gosto disso. Não gosto nem um pouco de
estar com vontade de ler suas mensagens e respondê-las.
— E o seu pai, Delilah? — Sophia leva a boca larga da taça até os
lábios, dá para perceber que está tomando goles moderados e, de repente,
não estão mais falando sobre livros, filmes e séries. — Ele deve estar
animado para o próximo mês.
— Eu não diria isso. — Inclino o corpo e pego meu copo com água
para beber. Minha garganta fica seca de pensar em falar nele ou em política.
É um assunto que desprezo desde quando tinha oito anos e fui obrigada a
aprender o quanto a aparência, na política, era importante. Foi naquele
momento que coisas como: aprender a andar de bicicleta ou ter minha
primeira aula de natação seriam irrelevantes para meu pai. — Ele está mais
preocupado em manter as aparências — digo com descaso.
Sophia empertiga a postura, demonstrando interesse.
Nick está acariciando o braço nu da namorada sem se dar conta desse
toque. É um pouco estranho vê-lo ao lado de uma mulher que não seja
Maisie. Lembro-me de como eram apaixonados e sentia inveja do modo
como Nicholas era com sua esposa e seus filhos.
— Estive pensando em deixar a empresa nas mãos de pessoas mais
qualificadas e, quem sabe, me candidatar. Estou me mudando oficialmente
para Humperville e nunca estive tão apaixonada por uma cidade. — Sophia
aperta o joelho de Nick.
Não duvido que essa mulher de cabelos escuros medianos e olhos
opacos possa cuidar da cidade com mais apreço que meu pai. Sophia
Hernandez não tem ambição cintilando o olhar ou intenções promíscuas
como Thomas. É visível em muitos aspectos que ela é mais qualificada que
meu pai, mas não acredito que ela conseguiria vencê-lo justamente quando
as figuras mais influentes da cidade estão apoiando meu pai.
— Você devia tentar. — Sacudo os ombros com indiferença.
— Nunca estive envolvida com política diretamente, mas vim de uma
família de diplomatas e administradores que criaram seus impérios do nada.
E meu celular vibra outra vez. Aidan está ficando impaciente e me
deixando mais ansiosa.
— Acho que você tem grandes chances aqui. — Mack a encoraja. —
Thomas será a capa da Font News no mês que vem. Effy e eu estivemos
pensando se você não toparia nos dar uma exclusiva para o nosso site. — Ela
não estava tão empolgada com a ideia na semana passada como Effy, mas
seu ponto de vista parece ter mudado e Mack está disposta a fazer de Sophia
seu destaque na página do site da revista no mês que vem.
Até agora parece justo. Meu pai tem seus meios de aparecer e Sophia
tem outros. Espero que seu estímulo para ganhar seja mais nobre que o de
Thomas.
— O que você acha, Delilah? — Mack me pergunta.
— Que Sophia devia topar. — Forço um sorriso, acenando
positivamente para elas. — Sinto muito, não sou fã de política ou esses
assuntos. — Sou honesta, se Sophia espera que eu lhe conte o que aprendi
com meu pai para estar mais próxima da vitória, ela está perdendo seu
tempo.
A única coisa que eu precisava fazer era ser a filha ideal; sorrir para a
câmera, dizer como ele era bom e gentil em casa. Seguir o script e tudo
sairia como o planejado.
— Eu que devia me desculpar. Deve ter sido complicado para você
crescer nesse universo egoísta! — ela brada, um olhar pacífico e que
transmite confiança é lançado em minha direção.
— Você não tem ideia do quanto — concordo com ela e tio Nick está
pressionando os lábios, controlando-se para não intervir e nos obrigar a
mudar de assunto.
Ele sabe o quanto detesto falar sobre isso. Minhas amigas também
devem saber, mas… tudo em nome do jornalismo e tento não atrapalhar seus
planos em afrontar meu pai. Só não quero estar envolvida nisso.
Meu celular vibra outra vez e o uso como escape para fugir do assunto.
— Meu celular não para de tocar — murmuro com um tom falso de
desprezo. — Tenho que atender.
— Fala para o Aidan parar de nos atrapalhar! — Effy resmunga.
— É o Aidan? O que ele quer? — Mack pergunta, curiosa.
— Não sei. Vou dar uma olhada e já volto.
Levanto-me com a bolsa contra o peito.
O loft de Nicholas não é muito grande, então não tem para onde ir
senão seu quarto. Um puxadinho de madeira com pouca iluminação. Subo a
escada com pressa, pulando a cada dois degraus para ser mais ágil.
A cama organizada de tio Nick é uma improvisação com paletes
envernizados e um colchão de mola grosso. Abro a bolsa e me sento, espio
as últimas mensagens que recebi. Fico um pouco decepcionada ao perceber
que as mensagens que recebi, na verdade, são de Brooks.
BROOKS
Você deve estar naquele jantar com suas amigas.
Foi a última que ele enviou.
BROOKS
Pensou no que conversamos na segunda?
BROOKS
Quero te ver.
BROOKS
Preciso te ver.
BROOKS
Me liga quando estiver indo embora?
DELILAH
Desculpa, Brooks. Não posso fazer isso.
Vou para a minha conversa com Aidan. Ele não me mandou nada
depois da última mensagem. Estou um pouco decepcionada e não quero
estar.
Expiro em frustração. Preciso sair daqui. Se voltar para a sala, pode ser
que seja encurralada no assunto Thomas Linderman e política.
— Ei, aconteceu alguma coisa? — Mackenzie está no topo da escada,
apoiando-se no corrimão me encarando com dúvida.
— Não dá para voltar lá pra baixo e continuar falando sobre o meu pai.
Desculpa, mas não dá.
— Eu percebi. Sinto muito.
— Acho que vou pra casa.
— Gravity me daria um soco se estivesse aqui, sou uma péssima amiga.
— Você não é uma péssima amiga. — Ofereço um sorriso amigável e
Mack entende como um sinal verde para se aproximar. — Mas esse é o seu
trabalho. Não foi por isso que você e Effy vieram aqui hoje?
— Só não esperava que Sophia fosse começar a falar do seu pai. — Ela
se senta ao meu lado, esticando as pernas para a frente. Estudo seus coturnos
pretos, meio surrados nas pontas e a meia-calça arrastão sob uma saia de
couro. — Você e Aidan estão conseguindo se entender?
— Ele não é tão ruim.
— Vocês só precisam se conhecer melhor. Ele é um cara incrível.
E completamente apaixonado por você.
— Continuo achando que ele é um babaca em alguns momentos, mas
não é tão ruim como imaginei.
Mack solta uma risada baixa.
— Só não se apaixone por ele.
Os músculos da minha bochecha endurecem.
— Aidan está vivendo um momento complicado e não quero que você
se machuque. Ou que ele faça alguma burrada, porque está sendo movido
por sentimentos intensos agora. O que aconteceu com o pai dele ano passado
foi a gota d’água. Fazia pouco mais de um ano que perdeu a mãe e ele fez
coisas estranhas tentando manter o pai seguro. Gravity sofreu parte das
consequências. Ele a expulsou da mansão e a demitiu do Purple Ride.
— Isso é sério?
Tento ignorar a pontada inusitada de desgosto quando ela diz que não
quer que eu me machuque, porque não consigo ver nada que Aidan pudesse
fazer para me magoar.
— Sim. Até eu acabei sendo afetada pela instabilidade emocional dele.
Aidan se tornou mesmo um babaca quando ficou no lugar do pai no Purple
Ride. As coisas meio que fugiram do controle.
Suspiro e me levanto.
— Você se importa se eu for embora agora?
— Está chateada? — Mack me acompanha com os olhos.
Ajeito o casaco xadrez no corpo, distorcendo meu desconforto.
— Não. Você sabe que não me chateio fácil. Só não quero mais ficar.
— Se quiser, nós podemos ir com você! — Ela se levanta,
sobressaltada.
— É a sua noite com seu pai, Mack. Aproveita. Vou ficar bem —
prometo a ela, indo em direção à escada. Mas antes eu paro. Agarro o
corrimão e a olho por cima do ombro. — Você acha que o que Aidan sentia
por você acabou?
— É claro. Se não tivesse acabado, não poderíamos ser amigos. Por
quê? Ele disse alguma coisa? — ela soa preocupada.
— Não. Só estive pensando como Bryan se sentiria se o melhor amigo
dele ainda gostasse de você.
— Se Aidan ainda sentisse algo por mim, Bryan enxergaria isso como
traição, mesmo que nada tenha acontecido. É melhor que ele nem pense
nisso. Afetaria a The Reckless.
— Você tem razão. Te vejo amanhã?
— Estamos combinando um encontro com as outras meninas. Te envio
uma mensagem com o endereço.
— Ok.
Sorrio e aceno para Mackenzie. Despeço-me de Nick e Sophia, preciso
arrumar uma desculpa para estar saindo antes do jantar. Effy não me
questiona, deve ter notado como fiquei desconfortável e acho que está
aliviada por eu não ter me desestabilizado.
No carro, sei que não quero ir para casa e estou com o celular nas mãos,
prestes a enviar uma mensagem para Brooks.
Ter ficado conectada com Brooks emocionalmente por mais de um ano
deve ter me transformado numa dependente.
Fico irritada comigo mesma. Jogo o celular de volta na bolsa e ligo o
carro. Poderia ligar para Bryan e convidá-lo para bebermos alguma coisa,
mas Brooks e ele provavelmente estão juntos. Se ligar para Aidan, ficará
estranho porque ainda estamos em fase de adaptação e não quero forçar uma
aproximação.
Volto a pegar o celular na bolsa e deslizo pela lista de contatos.
Paro em um nome da lista. Ele vai brigar comigo se eu ligar? Dane-se!
De todos, ele é o único que não vai desligar na minha cara porque estará
curioso demais para isso. Então arrisco a ligação com a chance de um por
cento de a resposta ser positiva.
— Por favor, não desliga antes de eu falar.
— Que é que você quer?
— Você está livre?
— Tipo, agora?
— É, tipo agora.
— Não estou, foi mal.
— Ashton.
— Nada de Ashton. Não vou com a sua cara.
— Você estará livre nos próximos dez minutos?
— Não vou estar livre pra você nunca.
— Ok. Entendi. Você não gosta de mim. Nenhum de vocês gosta. Mas é
urgente!
— Não dá, vou desligar.
— Se você me deixar na mão, vou ter que ligar pra Gravity.
A linha do outro lado fica muda.
— Garota, você joga sujo.
— Desculpa, mas estou em uma cidade onde a maioria das pessoas que
conheço me odeiam ou estão extremamente ocupadas. E preciso de
companhia pra beber.
— Quanto drama! — Ele faz uma pausa. — Tá, mas você paga.
— Obrigada.
— E você não pode reclamar se eu desaparecer com uma gostosa. São
meus termos.
— Aceito.
— Beleza. E você vem me buscar, minha moto está no mecânico.
Controlo a vontade de bufar. Ashton está tornando nossa interação um
pouco mais difícil do que imaginei.
— Chego aí dentro de vinte minutos.
— Nossa, você dirige como uma tartaruga.
— Ashton você mora literalmente saindo da cidade!
— Tá.
— Mais algum termo?
— Só mais uma coisa. Vou fazer papel de ficante pra você fazer ciúmes
no Brooks?
— Eca. Não!
— Menos mal.
— Até daqui a pouco.
Desligo o celular antes que ele tenha novas exigências e já estou tentada
a desistir.
Ashton é minha última opção, mas não vou para casa antes das três da
manhã.
Cool, de Dua Lipa, está tocando no som do carro. Ashton poderia
esticar sua mão e me estrangular aqui mesmo. Mas acho que ele prefere
entender o porquê de estarmos aqui antes de me julgar. Embora as narinas
expandidas, os braços cruzados e a respiração densa sejam um presságio; ele
vai me matar. Sinto isso a cada expiração.
— Faz vinte e cinco minutos — ele observa, o comentário soa
egocêntrico e impaciente como previ. Espera mais um pouco e acrescenta:
— Vinte e seis minutos…
— Tá, já entendi. — Tiro a chave da ignição, minha mão se agarra a
porta, mas não estou fazendo nenhum esforço para sair. — É melhor irmos
embora.
— Porra, de jeito nenhum! A gente vai entrar, goste você disso ou não.
Detesto esse mimimi — Ashton sai do carro murmurando a última frase, o
som alto da porta batendo atrás dele me desperta, desligo o som e saio. — É
só a droga do Anarchy, qual é o problema nisso?
Cravo os olhos no prédio recém-reformado, as luzes amarelas ao seu
redor deixando-o bem iluminado. A estrutura de tijolos expostos e tingidos
de preto exalando prepotência.
Suprimo o suspiro, seguro o ar e me aproximo de Ashton até estar ao
seu lado. Recosto-me ao capô do carro, ele toma a chave da minha mão e a
guarda no bolso, acho que para que eu não tenha nenhuma oportunidade de
dar para trás e fugir. Olho feio para ele, mas desisto de brigar.
— Tive uma noite péssima.
Não sei por que estou desabafando com Ashton. Ele é… o Ashton. Não
há nada com que se importe além de sexo e bebida. Porém, aqui estou eu,
com a vontade de me expor.
— Brigou com o Brooks ou coisa assim?
— Não. Estava em um jantar com Mack e o pai dela, e a Effy e… —
Pressiono os lábios.
Ashton não é do tipo “bom conselheiro”, esse é o papel que Aidan faz
muito bem, até onde sei.
Eu o chamei porque queria uma companhia para beber ou sei lá,
simplesmente não ter que ficar sozinha.
— E?
— Sophia.
— A madrasta da Mack?
— Uhum... — Faço um aceno enrijecido com a cabeça, mas acho que
ele consegue entender.
— O que rolou?
— Odeio quando me perguntam sobre o meu pai.
— Certo, senhora dramática. Escuta só. — Ele se vira para a frente e dá
um passo adiante para o prédio. — Não sou bom em dar conselhos e,
acredite em mim, quando dou, é uma merda. Se eu te disser pra fazer algo,
provavelmente você tem que fazer o oposto do que estou dizendo, caso
contrário o que já está ruim, vai ficar pior.
Controlo a vontade de rir. Ele está falando sério, não é uma brincadeira
ou está sendo sarcástico para me animar. Ashton me diz honestamente que
não é um bom conselheiro e que eu não deveria esperar isso dele.
— Mas — levanta o indicador da mão direita, o que chama minha
atenção — vou te dizer que deve entrar nesse clube, beber à vontade e torcer
para que amanhã você não acorde com uma dor de cabeça filha da puta. Não
pensar no problema me ajuda a não me chatear com ele, quer dizer, quanto
mais evito complicações, mais feliz e satisfeito eu me sinto.
Uma sobrancelha se arqueia, um pouco chocada que Ashton é do tipo
que foge dos problemas.
— Eu disse. — Ergue as mãos na altura dos ombros, as palmas viradas
para a frente em visível forma de rendição. — Péssimo conselheiro.
— Péssimo mesmo. Credo, quem manda o outro fugir do problema e
não enfrentá-lo? — Ajeito a bolsa rente ao corpo e começo a caminhar em
direção à entrada do Anarchy, ao menos um dos conselhos de Ashton presta:
“entrar nesse clube, beber à vontade e torcer para que amanhã você não
acorde com uma dor de cabeça filha da puta”.
— Eu. Tem funcionado pra mim.
— Seu problema é uma garota de um metro e sessenta e cinco, cabelos
curtos escuros e um piercing no septo?
Ashton me olha torto.
— Rá-rá, muito engraçadinha. Se continuar fazendo piadas, não terá
companhia esta noite.
BROOKS
Sou paciente. Você sabe.
Convidei Ashton para sair comigo hoje porque pensei que estaria em
boa companhia. Entramos no clube há quarenta minutos e ainda não
conseguimos nos sentar – não que não tivesse o chamado milhares de vezes
durante o trajeto –, mas estou surpresa ao descobrir que Ashton é popular em
Humperville. Acho que não se trata da aparência ou da quantidade de
garotas que provavelmente transou; ele é parado a cada dois passos que
damos e com bom humor, cumprimenta cada homem ou mulher que o
chama. É o tipo de amigo “prestativo” que, honestamente, não esperava que
fosse.
A mensagem de Brooks no meu celular soa como um alerta para mim.
Sou paciente. Você sabe. E durante o seu processo de paciência, Brooks é
irredutível. Nossa conversa de semanas atrás não passou de fachada. Ele não
superou nosso término e nunca encarou nossos encontros como casuais. Teci
uma corda em volta de mim e acho que estou presa a ele; sua motivação
deve ter sido regada nas inúmeras vezes em que cedi a carência, peguei o
telefone e liguei para ele.
Eu o fiz acreditar que ainda o amava. Até um tempo atrás, podia pensar
que sim, mas estou confusa. E, enquanto estiver dessa maneira, não posso
mais ceder.
Então tomo minha decisão e bloqueio o número de Brooks. É pelo bem
de nós dois, estou convencida.
— Com quem está falando? — Um sorriso brinca no rosto de Ashton
quando ele se vira de volta para mim, flagrando o momento em que bloqueio
a tela do celular.
— Só uma mensagem do Brooks.
— Hum... vai por mim, recaídas assim geram um problema quase
impossível de resolver.
— Você por acaso tem uma ex-namorada? Você está falando sobre esse
assunto como se fosse fácil. — Devolvo o aparelho para a bolsa, mas não
voltamos a andar.
Estou tentada a permanecer no meio do clube porque, se Ashton for
parado outra vez por sua popularidade cansativa, vou acabar desistindo de
beber alguma coisa e ir para casa antes do previsto.
— Digamos que sim, tenho uma ex-namorada e sim, já caí nessa
armadilha de repeteco — ele grunhe, o som oco é gutural e arranha sua
garganta. Ashton passa ao meu lado, abrindo caminho rumo a uma mesa, no
canto. — Acredite em mim, é uma merda. Você só acha que continua
apaixonado pela pessoa e, na verdade, só está aproveitando do sentimento
seguro que o outro transmite, nada além disso — diz, impondo força na voz
para sobressair à música. — Você se acostuma com as manias, a rotina, os
lugares e aí, de repente, você tem que reaprender a viver sozinho de novo. É
um pé no saco. É por isso que fujo de relacionamentos. Eles são o núcleo do
problema. Sem relacionamento, sem problema. — Acomoda-se em uma das
cadeiras e faço o mesmo. — Legalmente você não pode beber nada que
tenha álcool, então vou quebrar o seu galho e te pagar uma cerveja.
— Ok. — Rio, apoiando os cotovelos no revestimento da mesa. — Mas
só para você saber: meu relacionamento com Brooks acabou. Acabou de
verdade dessa vez.
— Antes era só uma brincadeirinha? — zomba, articulando as
sobrancelhas para me provocar.
— Você entendeu o que eu quis dizer, Ashton. O meu erro foi ter feito
Brooks acreditar que havia esperança para nós quando eu não estou mais a
fim.
— Entendi. Cerveja então? — Ele já está se levantando, pondo fim a
nossa conversa sobre Brooks e relacionamentos. Deve ter notado que não
estou tão a fim de falar no assunto, quer dizer, se Ashton quiser continuar
falando da ex-namorada seria bom para alimentar meu ego, assim não seria a
única com uma lista de desastres.
— Pode ser. — Com desdém, balanço os ombros.
Ashton some pela multidão em seguida. Fico estudando os jovens no
centro da pista de dança, movendo os corpos ao som de Breaking Me. A
expressão deturpada nos rostos pelas luzes estroboscópicas de rosa e azul,
alternando entre si e mesclando a cada batida intensa da música.
Amparo o rosto em uma das mãos, continuo vagando com os olhos,
assimilando rostos à conhecidos, afinal trabalho aqui e já vi muitas dessas
pessoas em outras noites.
Blake, a muralha que divide o primeiro do segundo piso, parado em
frente à porta de vidro de correr. Braços cruzados, postura autoritária e uma
carranca incontornável borrando o rosto. Ele me pega o encarando, com um
movimento retraído acena para mim. Devolvo com a mesma sutileza e dirijo
meu olhar para o bar, Terence e Kaylee estão às pressas atendendo os
fregueses; Kaylee lida com os coquetéis enquanto Tere serve doses de uísque
e abre long necks de cerveja.
Uma terceira figura surge com a bandeja sob o braço direito, ajeitando
as madeixas longas e cacheadas. Parte do cabelo preso para trás, a franja
perfeitamente enrolada cobre parte do olho direito e a pele brilha sob uma
quantidade de purpurina prateada no topo das maçãs da bochecha. É uma
novata, com certeza.
Ashton posiciona a cerveja na minha frente, desvio a atenção para ele
que arrasta o banco para se ajeitar. Tomo um gole curto e devagar – confesso
que bebida alcoólica num modo geral não é meu forte –, nunca gostei de
beber. A primeira vez que ingeri álcool imediatamente soube que só faria
aquilo novamente em ocasiões esporádicas. Foi em uma festa, no meu
segundo ano do ensino médio. Uma novata em Dashdown tentando se
adaptar a uma nova vida. Pensei que se eu bebesse junto aos outros poderia
me sentir mais à vontade, parte do grupo. De fato, me tornei parte do grupo,
mas não estava sendo honesta comigo.
— Qual é a sua? Por que me trouxe aqui? — inquire, com o gargalo da
garrafa apoiado no lábio inferior.
— Era você ou Brooks.
— Você tem o Bryan. Ele quase perdeu a namorada por sua causa. —
Enfim engole a cerveja, o pomo de adão se evidencia quando o líquido
percorre a garganta.
— Brooks está morando com Bryan. Consequentemente, se ligasse para
o Bryan, Brooks estaria aqui. Mack e Effy estão ocupadas. E Aidan…
Minha língua fica presa no céu da boca, obstruindo as palavras. Há
alguns dias, nós praticamente nos odiávamos, mas depois daquele beijo e de
todos os bilhetes e mensagens que trocamos, as coisas estão ficando
diferentes. Não sei como lidar com alguém a quem estava acostumada a
repudiar. E também não sei como Aidan reagiria se eu enviasse uma
mensagem pedindo para que me fizesse companhia durante seu turno de
trabalho.
— Aidan nem gosta de você — Ashton é direto e sucinto, o que me traz
de volta à realidade em tempo recorde.
— Tem razão. Mas ele gosta de alguém que gosta de mim. Acho que é
por isso que concordou em me deixar morar na mansão. — Viro a garrafa
porque acabei de ultrapassar um limite claro entre Aidan, seu segredo e eu.
Porém, Ash não contesta nem me repreende, fico aliviada, se esse cara não
tem nada a dizer significa que ele sabe mais do que eu penso que sabe.
— É melhor você não dizer isso na frente do Bryan — ele decreta. —
Se ele souber, a The Reckless já era.
— Eu sei das consequências.
— Então você sabe?
— Sei. Não falei nada para Bryan ou Mackenzie. — Eximo a vontade
de acrescentar que quase fiz isso hoje mais cedo, cedendo ao estranho
sentimento corroendo minha garganta e fazendo meu estômago bagunçar. O
rumo que as coisas estão tomando com Aidan me deixa preocupada, mas, ao
mesmo tempo, não quero ter que ser tão cautelosa. Às vezes é cansativo ficar
com a guarda levantada o tempo todo, com medo de que, na primeira
oportunidade, serei magoada. — Mas acho que Aidan pode superar esse
sentimento, se ele quiser.
— Está vendo aquela garota ali? — Ashton se vira, apontando para a
mulher que está servindo as mesas no meu lugar hoje. A novata. — Trycia
Fitzgerald. Ano passado estava apaixonada por Aidan e, por um tempo, ele
saiu com ela. Acho que na tentativa de esquecer Mackenzie ou sei lá que
merda passou na cabeça daquele zé ruela, mas os dois saíram por uns dois
meses depois do atentado contra o pai dele. E aí ele deu um pé na bunda
dela.
— Ela é linda — murmuro, sem ter certeza de que Ashton irá me
escutar.
Estou novamente olhando para a garota atrás do balcão. Ela tem um
piercing de pedrinha no nariz e, quando sorri, o rosto se ilumina. A
tonalidade do batom, um vinho escuro e cintilante, contrasta com a pele
negra.
— Pois é. Enfim, os dois saíram por um tempo, ele terminou com ela e
a Try desapareceu de Humperville. Tipo, foi como fumaça. A gente nunca
mais sequer ouviu falar dela. Soube que ela manteve o caso dos dois debaixo
dos panos por um tempo, porque, no fundo, ela tem um bom coração e não
queria estragar o relacionamento do Bryan e da Mack por uma bobagem.
— Mas para onde ela foi?
Ashton dá de ombros, relaxando a coluna no encosto.
— Ela passou quase um ano apaixonada no cara, daí quando ele
finalmente dá uma chance para os dois, Aidan pisa na bola. Mas conheço o
Aidan, ele não ia simplesmente ficar quieto na dele sabendo que a menina
tinha desaparecido do mapa. Então ele descobriu que a mãe dela estava
doente uma semana depois de os dois terem terminado. O pai dela trabalha
em uma rede de construtoras, então pediu transferência para outra cidade, ela
e a família se mudaram. Estava falando com ela agora há pouco, voltou tem
pouco mais de uma semana. Aidan ofereceu um lugar para ela trabalhar.
Parece que Try vai voltar a estudar na universidade de Humperville.
— As meninas não tinham contato com ela?
— Tinham. O ano passado foi uma loucura para a metade do grupo.
Acho que as únicas que sabiam de verdade o que estava rolando com ela
eram Willa, Aidan e Faith. Mack estava vivendo um drama com Bryan,
Gravity com a família Lynch e Effy acompanhando o mar revolto das duas.
— Será que ele se sente culpado? Por isso ofereceu emprego pra ela?
— questiono, com a curiosidade faiscando dentro de mim.
Não sou curiosa, de jeito nenhum, mas tudo que envolve Aidan parece
que, de repente, é mais atrativo.
— Conheço Aidan como ninguém. Por fora, ele anda agindo como um
durão egoísta e filho da puta, mas na real? No fundo, no fundo, ele é uma
orquídea. Sensível demais. Precisa de um cuidado diferenciado. E o que
aconteceu entre ele e Trycia, com certeza o deixou baqueado. Por mais que
ele não gostasse dela, não tinha a intenção de machucar a garota.
— Ninguém tem a intenção depois que acontece — cuspo a resposta e o
tom ácido em minha voz mostra o quanto eu desaprovo esse tipo de atitude
de Aidan. — Por que está me contando tudo isso?
— Porque eu acho que Aidan teve a oportunidade de superar
Mackenzie com Trycia. Ela é uma garota foda pra cacete, incrível,
inteligente e linda. Mesmo assim, ele dispensou isso. Na minha opinião, ele
não quer esquecê-la. Está viciado no sentimento que tem pela Mack. É uma
droga, vai prejudicar a banda, tenho certeza. — Ash se cala em seguida, por
dois ou três segundos que parecem eternos.
Encaro Trycia. Tem suor escorrendo pela lateral da têmpora, o sorriso é
bobo e despojado, por fora não parece ter uma lasca por ter sido enganada
por Aidan – ele admitindo isso ou não, a enganou e foi irresponsável. A meu
ver, ele parece não enxergar a responsabilidade de estar com os sentimentos
de outras pessoas na mão. Aidan sabia que Trycia gostava dele e não foi
transparente.
Somos parecidas. Nossas vidas foram difíceis e estou a ponto de me
envolver com um cara que não mede as consequências quando se trata de
proteger os próprios sentimentos. A promessa de Aidan, de que me
protegeria, acaba perdendo um pouco a força no meu coração. Aquela
revelação, aquela frase e aquele momento abriram portas para nós. Deixei
que se aproximasse, mas não serei sua nova Trycia.
— Você é bem linguarudo — provoco Ashton, engolindo o resto da
cerveja. — E fofoqueiro.
— Ei, você está me ofendendo?
— Não. Só apontando os fatos dessa conversa.
— Você me perguntou, maluca.
— Não precisava entrar em detalhes. Agora estou pensando que Aidan
é um cretino — brinco, porque, na verdade, estou feliz que Ashton tenha
sido honesto.
— Duvido. Você queria saber porque está indo pelo mesmo caminho.
— O quê?
— Você ficou com ele, não ficou? — Ele esconde a risada atrás da
garrafa, enquanto toma outro gole e me encolho. — Eu sabia. A gente foge
para onde nos sentimos seguros. Você estava chateada e, de repente, parou
em frente ao Anarchy, onde Aidan está.
E não o vi ainda. Para ser sincera esperava vê-lo assim que entrasse,
mas não o vi e já estou aqui há quase duas horas.
— Você fala demais. Não podemos ser amigos — concluo, empurrando
a garrafa para Ashton como se pedisse por mais uma.
— O combinado era você pagar pelas bebidas. — Arqueia uma
sobrancelha, mas não é uma reprovação. — Tá. Vou concordar porque dá pra
ver que você ficou decepcionada com ele, mas se quer um conselho…
— Você é péssimo com conselhos, lembra?
— Vou falar mesmo assim. — Agarra as laterais da mesa e se inclina.
— O risco vale a pena. Ele é um cara legal.
Empurro Ashton para que ele se afaste. Gargalhando, cambaleia em
direção ao bar e debruça sobre o balcão para conversar com Terence, depois
fala com Trycia, e ele permanece lá até que Blake se afasta da porta, abrindo
passagem para Aidan.
Merda. Estou me amaldiçoando. Ele é lindo. A camisa branca com os
primeiros botões perolados abertos, as mangas dobradas até os cotovelos e o
cabelo num tom de loiro escuro, ainda com alguns resquícios da
descoloração do passado.
Segundos atrás estava com raiva dele por ser tão irresponsável e agora
estou ansiosa para que descubra que estou aqui. Blake sussurra algo em seu
ouvido, a princípio, acho que conta a ele que estou no clube, mas Aidan
marcha em direção ao bar e, com o indicador, chama Trycia para perto.
Meu estômago afunda, a saliva forma uma bola no alto da garganta e o
coração dispara. Ela se curva para que ele cochiche em seu ouvido, Aidan
diz algo e meneia a cabeça, concordando com ela.
Dobro um braço sobre o outro na mesa, pendendo a coluna para a
frente. Umedeço os lábios e observo enquanto pega o celular no bolso da
calça. Os dedos hábeis se movem em sincronia, digitando provavelmente
uma mensagem. O calafrio se espalhando por meu corpo e a compressão no
peito é um prelúdio. Torço para que meu celular não vibre na bolsa, mas
acontece. É tão forte e repentino que meus ombros perdem a força.
Com relutância, pego o celular na bolsa. O nome dele está vivo,
cintilando na tela. Controlo a vontade de mandar um vá à merda para ele.
AIDAN
Desculpa, vou me atrasar. Problemas no trabalho. A gente remarca?
DELILAH
Ok.
É tudo que respondo. Ele sorri para Trycia e segue pelo mesmo
caminho de onde veio. Acho que vai descer para o subsolo, mas se vira
quando Ashton toca seu ombro para cumprimentá-lo. Os dois conversam,
por fim Ash aponta com a cerveja em sua mão para onde estou sentada.
Deve ser constrangedor ser pego na mentira. Está claro que o problema
que ele tem que resolver envolve Trycia.
Levanto a mão para cumprimentá-lo. A mandíbula de Aidan contrai em
desgosto, mas não dou a mínima. Forço meus lábios a se moverem e um
sorriso desponta, mas não me preocupo em ser solícita. Agora que sabe que
estou aqui e que percebi que não existe nenhum problema a ser resolvido,
não tem por que sustentar uma falsa modéstia.
Viro o rosto e contorço até que minha expressão se torne uma carranca.
Ashton caminha em minha direção com Aidan o seguindo.
ASHTON
Porra, eu te disse para me deixar em paz se eu sumisse com uma gostosa.
DELILAH
Você está com a droga da minha chave, babaca!
ASHTON
Pega uma carona com o Aidan. Te devolvo o carro amanhã, beleza?
DELILAH
Se eu encontrar qualquer vestígio de que você usou meu carro de motel…
ASHTON
Lavo pra você, gata.
DELILAH
Aff. Boa noite.
Ele não responde mais. Envio uma mensagem para Aidan:
DELILAH
Preciso de uma carona. Ashton sumiu com a ruiva e meu carro.
AIDAN
Por que diabo ele está com a chave do seu carro?
DELILAH
Esquece. Chamo um Uber.
AIDAN
Me dá dez minutos.
GRAVITY
Ele já me contou. Está rolando o quê entre você e o meu sobrinho babaca?
MACK
E aí, topa comer alguma coisa? Você não respondeu minha última
mensagem.
AIDAN
Estava em reunião. Já te falo.
Já escutei muito que se você acha que a vida está ruim, é melhor não
dizer em voz alta, porque ela pode vir a piorar só para você aprender a não
reclamar do copo meio cheio.
A dor de cabeça lancinante pulsando nas minhas têmporas é um mau
agouro. Pisco para me habituar a luz escapando por uma fissura. O sol arde e
queima o alto das minhas maçãs. Quando finalmente consigo abrir os olhos,
me dou conta de que nem cheguei em casa e, no fundo da minha mente,
começo a pescar por lembranças da noite passada. É um flash atrás do outro.
Uma noite regada a bebedeira e pelo perfume de lavanda impregnado
na minha camisa, devo ter ficado com alguém. Ainda estou usando a
bermuda, além dos botões terem sido tirados do brim, minhas peças de roupa
continuam onde deveriam estar. Sinal de que, o que quer que tenha
começado, não chegou ao fim. Estava bêbado demais para me lembrar de
coisas importantes como a camisinha. E o lapso a seguir me derrota.
Tentei beijá-la. Ela me dispensou – óbvio – e dediquei metade do resto
da noite ligando para ela. Que idiotice, a persistência não muda dois fatos:
traí o meu melhor amigo e meu número foi para a lista de pessoas que
Mackenzie não quer falar por um bom tempo ou, quem sabe, nunca mais.
Terei sorte se conseguir convencê-la a conversar comigo pessoalmente.
Meu pescoço reclama de dor quando tento corrigir a postura. Dormir no
carro é uma das coisas que eu prometi nunca fazer, não importa quão na
sarjeta eu esteja. Minhas pernas não ficam confortáveis porque tenho um
metro e oitenta, os joelhos sempre acabam sofrendo as consequências.
Encontro meu celular caído no assoalho do banco do passageiro. Com
dificuldade, consigo agarrá-lo.
Nenhuma das minhas trinta e duas mensagens para Mackenzie foram
lidas, quer dizer, isso se elas tivessem chegado até ela. Tem dez ligações da
minha madrasta e uma da minha irmã. Com certeza, a pedido de Dannya.
Meu pai também telefonou por volta das sete da manhã. Sobressalto-me ao
perceber que já passa das dez.
Ajeito-me atrás do volante e fecho a camisa com o último botão que
sobrou. Minha aparência, noto através do retrovisor, é lamentável. Os fios de
cabelo escuro, com alguns filetes da tintura que costumava usar um tempo
atrás, estão com a parte de trás espetados para cima e a frente endurecida
pelo suor.
Faço o caminho mais longo para casa. Ganho tempo para pensar e
decidir o que fazer. Está claro que, a partir de agora, não posso mais ignorar
e esconder. Mesmo que Mackenzie não conte nada para Bryan, ele não é
burro, vai reparar que estamos estranhos um com o outro. Tenho medo das
perguntas que pode fazer, mas tenho ainda mais medo das respostas que terei
que dar a ele. Mais uma tonelada de mentiras e desculpas incoerentes porque
qualquer pessoa sabe que Mackenzie e eu nunca tivemos uma briga. Nunca
deixamos de falar um com o outro.
Quando termino o trajeto até a mansão e deixo o carro parado na frente,
sei o que tenho que fazer. Admitir o erro e fazer diferente. Ela não vai ficar
comigo. Posso sentar e esperar pela eternidade, só existe uma pessoa para
Mackenzie nesse mundo e essa pessoa não sou eu.
Na noite passada, o álcool e minha necessidade de ter esperança me
fizeram pensar que não, que talvez houvesse uma chance, por menor que
fosse, porém, se estivesse sóbrio como agora, teria me dado conta de que
ninguém pode substituir Bryan no coração dela.
Entro em casa sem fazer barulho. Quero subir para o quarto sem ser
notado, mas, assim que a porta bate atrás de mim, Dannya grita da sala de
visitas. O único botão da camisa que sobreviveu à noitada é o do meio, está
preso por uma linha irresistente. A chave do carro está em uma mão, o
celular na outra.
Cruzo o caixilho que separa o hall da sala de visitas e paro atrás do sofá
de três lugares. Delilah está sentada ao lado de Dannya, uma porção de
revistas espalhadas sobre o tampo da mesa de vidro. A tampa do seu
notebook erguida ressoa uma voz feminina animada, mas nenhuma das duas
presta atenção em quem quer que esteja do outro lado da tela.
— Gravity, te ligo de volta em cinco minutos, tá?
— Ei! — grita um minuto antes de sua irmã bater a tela do computador.
Até para Dannya, nesse momento, sinto-me envergonhado.
— Deus do céu, que foi que houve? — Não sei exatamente para onde
seus olhos estão mirando. Sobe para o meu cabelo e contorce a boca numa
careta de reprovação, posteriormente, desce para o estrago em minha camisa.
Dannya tem um olhar de dar pena, mas Delilah… a princípio não sei
dizer o que significa. Ele é estoico, contudo, à medida que me concentro nela
para ter resposta, uma centelha de desapontamento escurece o aspecto sereno
de seu rosto. Ah, merda, merda, merda! Eu dei o cano nela. Prometi que
estaria em casa a tempo de aproveitarmos a piscina, a ensinaria a nadar.
Torço para que ela perceba meu semblante abatido e compreenda.
— Nós te ligamos. Várias vezes — ela diz nós, mas não sei se está se
referindo a Delilah também. Acho que não. Não tinha nenhuma ligação
perdida dela ou mensagem. — Onde você se meteu? Teve uma briga horrível
no Anarchy ontem, tivemos que chamar a polícia. Descobrimos que alguns
dos universitários tentavam vender ecstasy no clube. Além disso, Kaylee se
sentiu mal outra vez e Delilah teve que cobri-la na folga.
— Você pode tirar dois dias essa semana — informo a ela.
— Só quero o dinheiro. — Delilah fecha a revista que está em sua mão
e a coloca de volta à mesa. Reclina o tronco até a coluna se apoiar no
encosto do sofá.
Não vou discutir com ela; se é o que quer, por mim tudo bem.
— Preciso de um banho. Aconteceu mais alguma coisa?
— Seu pai disse que estará de volta no fim de semana.
— Que ótimo. — Não consigo demonstrar tanta empolgação como
deveria, mas sim, sinto falta dele. — O que mais?
— Seu pai quer que você arranje um bom terno.
— Tenho vários no armário! — brado da escada.
— Você ainda não disse por onde andou a noite toda! Parece que voltou
da guerra! Ao menos ligue para o seu pai, ele está preocupado! — Dannya
ruge e me agarro ao corrimão da escada, empurrando as palavras grosseiras
goela abaixo.
Ultimamente ela tem arranjado coragem para bater de frente comigo.
Um tempo atrás, fazia de tudo para me agradar. Se calava para evitar
confrontos e deixava que eu fizesse o que desse na telha – mesmo que sua
autoridade sobre mim seja tão válida quanto a de uma porta – mas ela tem se
tornado mais a esposa do meu pai a cada dia, como se só por se casar com
ele, fará com que floresça em mim qualquer respeito por ela. Vai sonhando.
Para a minha surpresa, assim que entro no quarto, tem um post-it colado
na porta do meu closet.
Kaylee faltou ao trabalho outra vez, o que significa que tive que
assumir seu lugar no bar. Trycia atua como anfitriã da noite, encaminhando
as pessoas para as mesas – aquelas que pedem por uma – e dou meu melhor
com Terence atrás do balcão como barwoman. Estou me divertindo bastante
enquanto trabalho. Uma turma de futebol da universidade se reuniu porque
as férias de verão estão nos últimos minutos do tempo e na próxima semana
as aulas começam.
Eles brincam e fazem piadas em torno do balcão do bar. Escuto cada
uma delas e dou risada com eles. Sozinhos, me admitiram como a atendente
deles da noite. A parte legal é que nenhum faltou com respeito comigo ou
tentaram flertar só porque estou sendo receptiva. Um ponto positivo para o
time masculino, afinal.
Pingo suor e corro de um lado para o outro, mas tenho tempo entre um
cliente e outro para ir até a mesa de Gravity, Mackenzie, Effy e Willa. Elas
apareceram hoje porque Willa insistiu que queria ver como ficava o bar no
movimento e se recusou a vir sozinha. Tenho certeza de que a amizade dela
e Gravity ficou mais intensa durante essa viagem. Convivendo diariamente
com a pessoa, é inevitável uma proximidade.
— Você deve estar exausta. — Mackenzie me entrega um lenço de
papel e agradeço por poder enxugar a testa. — Está muito quente aqui
dentro, né? — murmura para as outras.
— O ar-condicionado está ligado? — Willa me pergunta, meneio a
cabeça fazendo que sim para ela. — É muita gente. É assim toda noite?
— A maioria das noites, sim.
— Tá bombando. Não me lembro de ter visto o Anarchy tão cheio na
administração do Jack. — Effy arqueia a sobrancelha ruiva, passando os
olhos para as pessoas ao redor.
Confiro meu relógio e tenho uma pausa de uma hora agora.
— Preciso comer alguma coisa e descansar. Vejo vocês no final do meu
expediente?
— Você não pode ficar aqui com a gente?
— Desculpa, Mack. Não. — E, dessa vez, você não pode gentilmente
pedir para o Aidan facilitar para mim porque ele não dá a mínima. — Falo
com vocês depois.
Caminho para Blake – a muralha humana –, sorrio para cumprimentá-lo
e, antes que cruze a porta para descer para a sala de descanso dos
funcionários, ele se inclina para murmurar no meu ouvido:
— O chefe quer te ver.
— Eu?
Ele anui, concordando.
Não sei o que Aidan poderia querer comigo. Ele tem me ignorado pela
última semana o tempo todo. Não respondeu nenhum dos post-its que deixei.
Pedi para vê-lo na piscina quase todos os dias e estive lá na hora marcada,
mesmo desconfiada que ele não apareceria. A única pessoa que consegue
conversar com ele constantemente é o pai.
Estou quase chegando na porta do escritório quando vejo Trycia saindo
de lá.
— Cuidado, alerta de péssimo humor!
Rimos em coro.
— Acho que já me acostumei.
— Eu também. Consegui trocar minha folga. — Ela aponta por cima do
ombro para a porta. — Vamos nos encontrar no Purple Ride na quinta. Você
vem?
— Sim! — digo, animada.
— Que bom. A gente se vê depois então.
Trycia sobe as escadas. Já que Aidan está de mau humor, me resta bater
antes de entrar. Ele não responde, então repito as batidas. Autoriza minha
entrada e sinto um cheiro estranho no escritório. Um misto de álcool e…
maconha?
Encaro a nuvem escura de fumaça fugindo pela janela. Aidan fita a tela
do notebook ao mesmo tempo em que bebe a bicadas uma dose generosa de
conhaque. Nossa! Fumando um baseado. Bebendo no trabalho. O que perder
uma mulher faz com um cara.
— Queria me ver?
Ele enfim ergue os olhos do computador e me esquadrinha dos pés à
cabeça.
— Sim.
Torço para que não seja uma demissão.
Mas ele se levanta, contorna a mesa e escora o traseiro na lateral.
Apesar de os olhos estarem manchados de vermelho, não consigo perceber
nenhum indício de que esteja bêbado. Mas com certeza está envenenado de
maconha.
— Quero que você pare de deixar post-its na minha porta. Tinha graça
no começo, mas não acho mais interessante.
O que foi que Gravity disse sobre homens como Aidan? Te sugam e
depois jogam a carcaça fora? É, algo parecido com o que ele está fazendo
agora, eu acho. Sorte a minha que escrever para ele ou não, não faz
diferença.
— Se é o que você quer, claro, não vou mais escrever bilhetes pra você.
— E pare de me chamar para ir à piscina.
— Anotado. Mais alguma coisa? Tô no meio da minha pausa e
morrendo de fome.
Ele aperta a boca. Hum, quer me pedir para ficar, mas não sabe como?
Deve ter sido solitário a última semana. Aidan está acostumado a ter
companhia, da banda, dos funcionários, de Mackenzie e os dias que
passaram foram atípicos para ele. Talvez tenha me chamado aqui só para ter
com quem conversar.
— É uma hipótese — me aproximo dele, sabendo que está chapado, a
resposta pode ser falsa —, mas você me chamou aqui para se sentir menos
sozinho ou estou maluca? — Seus ombros amolecem, por mais que ele
negue a partir de agora, sei que é verdade. — Quer mesmo que eu pare de te
enviar os bilhetes ou são eles que tem te motivado a sair do quarto? —
continuo, cada passo que dou em sua direção, é uma guinada diferente para
continuar falando. Ele não me detém nem me manda calar a boca, então
persisto: — Você — arranho a garganta e não acredito no que vou falar em
seguida, mas estive em momentos de entorpecimento como esse e sei o
quanto a demonstração de afeto pode suavizar a dor de ser deixado para trás
— quer sair e comer comigo?
— Se não for um problema para você, eu quero. — Sua voz é gutural,
um sussurro de contentamento.
Sorrio para ele.
— Vou só pegar minha bolsa.
Aidan parece mais abatido olhando-o de perto. Para ser mais correta,
sentado na minha frente e tomando bem devagar uma cerveja – na verdade,
cada golada que dá vem acompanhada de uma careta de dor. Não o conheço
há tanto tempo, mas não me lembro de já tê-lo visto tão derrotado como
nesse momento.
Confesso que estava esperando por uma luta verbal lá no seu escritório,
que fosse se fazer de difícil e tornar o convite que fiz um arrependimento,
mas Aidan passou todo o percurso até aquele food truck de croissants –
mesmo que ele não tivesse vindo, eu comeria aqui, porque gostei da última
vez – calado. Se transformou numa verdadeira rocha: dura, sem emoção,
sem graça, sem nada. Também não estou tentando puxar assunto, sendo
honesta. Criei certo receio. Falar a coisa errada pode incitar um problema
maior ainda e não é o que quero.
Contudo, trouxe-o aqui por um motivo e pretendo fazê-lo conversar
comigo. Apesar de seu pai ter sido o único que ele não excluiu por completo
da sua rotina, duvido que tenham conversado sobre Bryan ou Mackenzie ou,
pelo menos, como Aidan está se sentindo a respeito de tudo. Pelo que
presenciei, essa poça de lama onde está estacado, começa a sugá-lo. É difícil
para mim cruzar os braços e deixá-lo para morrer na própria merda. Não sou
uma pessoa ruim, afinal de contas.
— Há quanto tempo você está fumando? — Tiro uma lasca da massa
folhada do meu croissant – dessa vez meu pedido foi mais “normal” e o
sabor é queijo e presunto.
— Nos últimos seis dias? Acho que fumei nos quatro.
— É um estado de alerta, você sabe, né?
— Não estou viciado, se é o que você está sugerindo.
— Então é melhor você parar. Se Darnell souber que você anda
fumando durante o seu turno, ele vai te tirar de lá.
— Não me importo.
— Vai ser assim? Por causa desse problema, vai simplesmente dizer
foda-se pra tudo que você gosta?
Eu me lembro quando Bryan foi morar com a gente em Dashdown, o
estado depreciativo que ele chegou é inesquecível. Está tão fresco na minha
memória que consigo reviver aquelas cenas como se tivesse acontecido na
semana passada. Bryan estava vivendo uma fase de tristeza tão intensa que
ele acordava à noite com náuseas e do corredor nós o escutávamos vomitar o
jantar. Ele relutou bastante no começo. Não queria companhia –
principalmente a minha –, mas, aos poucos, consegui transmitir confiança e
ele se abriu para mim. Talvez Aidan consiga fazer o mesmo.
Pela maneira como Aidan vem lidando com a sua dor e o
arrependimento, é só uma questão de tempo até o mesmo acontecer com ele.
Isso se a maconha não se tornar um vício antes. A inércia que ela causa nas
emoções mais difíceis é temporária. O estado de letargia volta como um
lembrete de que as piores coisas precisam ser enfrentadas e não camufladas.
— Você devia falar com o Bryan — persisto na conversa. Ele me envia
um olhar sombrio, mas é claro que ignoro. — Nos primeiros dias eu te
aconselharia a dar um tempo, mas vocês já se acalmaram.
— Você viu como ele me tratou? Como agiu? E com razão!
— Pelo menos, você sabe que ele tinha razão.
— Você me trouxe aqui só para me julgar?
Aidan paira o gargalo da garrafa de cerveja na frente da sua boca, mas
não ingere a bebida.
Não. Não foi para isso que o convidei, mas estar o apoiando não
significa que concordo com as escolhas que fez.
Beijar Mackenzie? Que tipo de burrice foi essa?
Mesmo que esse seja meu primeiro pensamento, empurro um gole de
suco de laranja goela abaixo para não verbalizar.
— De qualquer forma, não foi por esse motivo que aceitei vir. Eu te
devo desculpas. — Ele devolve a garrafa para o apoio de copo na mesa que o
senhor do food truck montou para nós – descobri que seu nome é Monroe – e
inspira fundo.
— Me deve desculpas?
— Agi feito um babaca com você. Depois te deixei confusa, dizendo
que tinha alguma coisa rolando entre a gente. Em seguida fiz a maior cagada
da minha vida. Então a primeira pessoa a quem devo desculpas é você. —
Faz uma pausa, pensativo. Leva mais um minuto até que acrescente: — Me
desculpa. E vou parar de pegar o dinheiro do conserto da Diamond, só o mês
passado foi suficiente. Nem devia ter te cobrado, para começo de conversa.
Só estava com raiva. Por causa da Mackenzie, é óbvio. Descontei em você e
foi idiotice.
O aperto em meu coração suaviza. Na minha frente estou tendo o
vislumbre perfeito da pessoa que Mackenzie e Effy me venderam a
princípio. Aidan destila honestidade e exibe vulnerabilidade, tinha sentido
um pouco dela quando me beijou, como foi respeitoso e com apenas um
toque, capaz de aquecer todo o meu corpo com o seu carinho. Esse é o tipo
de cara por quem estou interessada.
Não que Brooks não fosse carinhoso. Ele me amava, quem ama tem
uma necessidade inerente de cuidado e proteção, mas havia urgência quando
me tocava. Não saboreava o momento, não curtia. Era sempre vertiginoso
como um leão faminto. Gosto da maneira com Aidan lidou com o nosso
primeiro contato.
O calor que emana de seus olhos nesse momento me traz a lembrança
viva do nosso beijo. Sinto-me aconchegada, à vontade. Minhas bochechas
queimam em alerta. Estou ficando corada e ele nem está me olhando como
se quisesse repetir a dose. É só um cara gentil reconhecendo seus erros, se
desculpando por eles e tentando se redimir.
— Quase ter levado uma surra de Bryan meio que me fez acordar para a
vida. — Sufoca a risada, engolindo a bebida. — E ter ficado sozinho
também. — A mesa emite um som quando a base da garrafa entra em
contato com o tampo. — Por que você está corando? — Dessa vez perde o
controle e ri.
Não é aquele sorriso alargado que estou acostumada a ver, mas é
melhor que a carranca que testemunhei mais cedo.
— É o calor, eu acho. — Afofo as bochechas com as mãos e Aidan
sacode a cabeça, esticando mais os lábios num sorriso aberto.
— Monroe — ele chama o senhor, com o indicador para cima. — Traz
mais um copo de suco, por favor.
— Aceito suas desculpas — digo depressa para que o assunto não seja
minhas bochechas vermelhas. — O que você está pensando em fazer? Vai
desistir da The Reckless?
— Eles me deixaram escolha? O único que responde minhas
mensagens, às vezes, é o Chase.
— Mackenzie?
Ele enrijece. Acabo de desmanchar o único sorriso que ele deu em dias
ao mencionar o nome dela. Posso ver seu coração estilhaçado através do
brilho em seus olhos; é uma mágoa permanente. Aidan é o tipo de cara que
sorri por inteiro. Seu corpo reage, a boca, os olhos, tudo funciona em
sincronia. E são coisas que só consigo identificar agora que o presenciei num
conflito interno.
— O que tem?
— Tentou falar com ela?
— Várias vezes. Ela me bloqueou. Parou de me seguir no Instagram.
Apagou as nossas fotos. Ela me odeia.
— Mackenzie não consegue odiar ninguém.
— No meu caso, é diferente.
— No seu caso — reforço —, não é diferente. Ela não te odeia. Mas,
honestamente, Aidan, se você não pretende se esforçar para esquecê-la, é
bom que saiba: é melhor desistir de todo o resto, Bryan e a The Reckless.
Infelizmente você não pode ter tudo.
Ele não responde e o silêncio ocupa o seu lugar. Termino meu croissant
e ele sua cerveja. Nós pagamos a conta e saímos.
Andamos ainda em silêncio para o carro. À nossa volta, o vento uiva.
Sob a tenda protetora do trailer de Monroe, não notei a queda da temperatura
conforme a madrugada engolia a noite. Destravo as portas do carro. Aidan
não entra. Fico parada ao lado da porta do motorista, esperando. Ele encara a
rua vazia, o céu escuro sob sua cabeça e, enfim, me volta sua atenção.
— Pode voltar para o Anarchy. Vou pra casa, pode deixar que pego um
Uber.
— O expediente ainda não acabou. — Tento não soar repreensiva, mas
Aidan suaviza a tensão sorrindo.
— Acabou pra mim. Mandei uma mensagem para o meu pai. Ele vai
assumir o resto do expediente hoje.
— Você… — Abro a porta, meio sem jeito de deixá-lo para trás. — Vai
ficar bem? — Termino a pergunta com um suspiro.
— Não estou acostumado a ficar sozinho desse jeito — confessa,
estocando as mãos nos bolsos do jeans – reparei que ele tem usado mais
jeans no trabalho, o que é bom. — A The Reckless era a única coisa que eu
não estava disposto a abrir mão por causa de uma garota. — As pessoas que
formam a The Reckless são o que ele não estava disposto a abrir mão. —
Acho que me enganei.
Ele não vai tentar recuperar a The Reckless. Vai realmente desistir por
causa dela. Estou com raiva, porque é ridículo. Quero brigar com ele e fazê-
lo mudar de ideia, mesmo que leve a noite toda para convencê-lo quão idiota
essa decisão soa em voz alta. Mas olhando para o relógio no painel do carro,
minhas chances de conseguir fazer isso em menos de dois minutos – que é o
tempo livre que me resta – é mínima.
Entro no carro e coloco Aidan por último na minha ordem de
prioridades. Se ele quer continuar desse jeito, não posso fazer nada. Pelo
menos, eu tentei.
Nos últimos dois dias tentei escrever bilhetes para Aidan, mas minha
raiva não passou. Não quero ser a pessoa que diz que vai ficar ao lado dele e
na primeira decisão errada do cara, desiste. Mas nossa conversa de segunda-
feira continua me assombrando. Ocupei minha terça e quarta-feira com
trabalho, li os capítulos atrasados da minha leitura atual – todos os livros do
Júlio Verne estão na minha lista de leitura para os próximos três meses, no
mínimo – e fui adicionada num grupo só de garotas do Kik ontem à noite,
durante o meu turno no Anarchy. Graças a isso, pude dar algumas risadas de
Faith e Bailey. As duas são irmãs e brigam literalmente o tempo todo.
Percebi que gostam de fazer isso até mesmo na internet.
Mackenzie e Effy me contaram que Bailey é a ex-namorada de Willa.
Por mais que ambas interajam nesse grupo, as duas ali apenas coexistem.
Não respondem as mensagens uma da outra nem quando é uma pergunta
geral, como, por exemplo, a mensagem que Faith deixou no grupo há dez
minutos, sobre nosso encontro de hoje no Purple Ride.
FAITH
Nosso encontro hoje promete!
Tenha um bom-dia!
Lilah.
Escrevo sobre o papel vermelho. Minha letra não segue uma linha reta
nem é redondinha e caprichada como a de Aidan, mas é legível. É a
mensagem mais simplória sem ser hostil que consigo escrever, porque as
outras consistiam em ofensas como: “você é um idiota”, “acorda pra vida”,
“ela não te quer”. E já faz dois dias que não escrevo nada – minhas
tentativas falharam, pois é –, imagino que esteja sentindo falta. A mensagem
que encaro é simples, porém significativa. Estou com raiva dele, mas ainda
quero que tenha um dia legal.
Enfim, não dá para compreender as coisas que Aidan me faz sentir. Se
não estivesse certa de que ele irá partir o meu coração, teria concordado em
tentar alguma coisa com ele semanas atrás. Teria dito que tenho vontade de
conhecê-lo melhor e descobrir que maravilhas aquela boca macia pode fazer
no meu corpo. Queria poder ter sido sincera, mas depois de tudo que
aconteceu, estou feliz por ter respondido o que respondi, por ter me coibido
de despejar nele como me deixa ansiosa só por saber que está no seu
escritório do Anarchy ou como fico com o estômago embrulhado de
imaginar que seu coração não está disponível.
Não é físico como foi com Brooks no começo. Já é diferente com Aidan
desde agora. O que me apavora um pouco, não estou pronta para esse tipo de
relacionamento de novo. Minha mente e coração precisam de espaço para
digerir outros problemas, como, por exemplo, as mensagens gravadas por
Sebastian no iPod ou a sua carta misteriosa e incompleta. Ao mesmo tempo
em que sei o que preciso fazer, também estou com medo.
Meu pai não é homem de dar avisos. Se ele sentir que você é uma
ameaça, ele te tira do caminho.
Arranco a folha do post-it. Decido não usar as pantufas de Aidan mais,
foi um presente muito fofo e inusitado, mas se estou tentando não me
comover com suas ações e me deixar levar pelo que estou sentindo, tenho
que começar por aí. As substituo por uma sandália rosê com um laço no
peito do pé. São quase oito e meia da manhã e já escuto os murmurinhos no
andar debaixo.
Gravity realmente não quis vir para a mansão, mas com Willa de volta,
me sinto mais à vontade por ter uma garota com mais ou menos minha idade
perambulando por aí. Meu quarto é entre o dela e de Aidan, e mais de uma
vez topei com ela quando ia descendo para o café. Hoje não é diferente,
assim que fecho a porta, Willa fecha a sua e rimos uma para a outra.
— Bom dia — cumprimenta.
Gosto de como é estilosa e está sempre maquiada, o que realça o tom de
azul de seus olhos. O delineado é rente à raiz dos cílios e acompanha a linha
de suas pálpebras, nos cílios inferiores, fez um esfumado preto nem um
pouco sutil. Fico parada estudando suas roupas: está usando um vestidinho
preto de alcinha e uma jaqueta jeans por cima. O adorno em seu pescoço é
uma gargantilha com o pingente de uma gota pendendo no centro da
garganta.
— Vai descer? — pergunta, me esperando perto da escada.
— Ainda não. Pode ir na frente.
— Tá bom, te vejo lá embaixo.
Willa acena, mas notei que ela encarou o papel vermelho na minha
mão. Ignoro esse detalhe e sigo para a porta de Aidan. Ela não está
completamente fechada. Nas outras vezes que preguei o post-it, ela estava
inacessível como o próprio Aidan.
Decido não bater e seguir com o plano inicial, mas dessa vez não vou
conseguir colá-lo se não segurar a maçaneta. Então é o que faço para mantê-
la imóvel enquanto prego o bilhete na altura da minha testa.
No entanto a porta é forçada para trás e, por um instante, penso que é o
vento e a puxo de volta, competindo minha força. No minuto seguinte me
dou conta de que Aidan está tentando sair e, na verdade, estou dificultando
sua passagem.
Solto a maçaneta e levo o bilhete para as costas, escondendo-o do seu
alcance de visão.
— Bom dia! — O tom inquisitório que assume me deixa
desconfortável. Jesus Cristo, estou morrendo de vergonha!
— Bom dia — devolvo o cumprimento no mesmo tom antipático.
— Algum problema?
— Não. Eu só…
— Pode me entregar. — Aidan estende a mão, a palma virada para cima
e os dedos gesticulando me chamando para entregar o post-it. Enrubesço
ainda mais e desconfio que ele saiba como fico corada e aproveita de cada
situação.
Endireitando a postura, deposito o bilhete na mão dele. Seus olhos
passam de um canto a outro enquanto lê o que está escrito e sorri.
— Bom dia pra você também.
— Obrigada. — Assentindo, saio de mansinho dando passos curtos e
imperceptíveis para longe dele.
— Você sumiu nos últimos dias.
— Você está sumido tem mais de uma semana.
— É, você está certa — reflete por um minuto, a cabeça pende para o
lado, recostando-a na porta. — É sua folga, né?
— É sim.
— Tem planos?
— Combinei de sair com as meninas hoje.
O sorriso dele enfraquece um pouco. Ignoro também, porque é para o
meu próprio bem que preciso ser imparcial quando se trata de Aidan Lynch.
— Divirta-se, então.
— Obrigada. A gente se vê!
Dessa vez saio sem olhar para trás. Fugir não é um caminho que sigo.
Não mais, pelo menos. Porém, aqui estou eu fugindo dos meus próprios
sentimentos com medo das consequências.
Ah, Delilah, até parece que você não sabe que é impossível gostar de
alguém sem ter medo de se arrepender.
Aidan saiu minutos depois que abrimos o Anarchy. Confesso que fiquei
curiosa para saber aonde ele foi. Não é comum que saia no meio do
expediente. Geralmente, ele sai do escritório por volta das dez, passeia pela
clientela da noite e tenta identificar os rostos. Na maioria das vezes são
alunos da Humperville University: jovens, sedentos e com os hormônios
enlouquecidos.
Mino a suor. Os cabelos estão presos, mas alguns fios se soltaram e se
agarram à minha pele. Não tenho tempo para ir ao banheiro colocá-los de
volta no lugar e o fato de ser segunda-feira não diminui nem um pouco a
animação em bebidas dos fregueses hoje. Mal tenho tempo para respirar.
Animo-me quando vejo Mackenzie e Gravity assumirem uma mesa.
Estão rindo entre si e conversando com entusiasmo. Dei uma espiada no
grupo das meninas antes de começar meu turno, vi que estavam planejando
se encontrar. Effy disse que não poderia porque estava terminando um artigo
para a faculdade – as aulas mal começaram e já estão tentando sufocar as
alunas de jornalismo – palavras dela.
Mackenzie finalmente se decidiu e vai mesmo morar com Bryan. Não
me surpreendo com eles. São intensos e esse relacionamento merece uma
estabilidade. Imagino que Bryan não tenha sido sincero nem consigo mesmo,
mas Aidan ter a beijado deve tê-lo deixado inseguro, afinal.
Aquela garota sentada bem ali é o mundo para ele e perdê-la significa
que não teria mais um lugar para chamar de seu.
Por isso eu compreendo tudo que Bryan está sentindo em relação a
Aidan, mas acho que não tem noção em como Mackenzie também é louca
por ele; se soubesse, não se sentiria tão ameaçado.
Caminho até a mesa delas, mas me detenho quando vejo Brooks e
Bryan se aproximarem da mesa. Era para ser a noite das garotas, tenho
certeza de que li algo assim na conversa delas. Não é para eu estar me
sentindo tão vulnerável perto de Brooks, mas a verdade é que bloqueá-lo e
depois desbloqueá-lo fez com que tudo ficasse pior.
Primeiro, porque não tinha a intenção de magoá-lo; e segundo, porque
fui hipócrita no nosso término. Disse a ele que não queria distrações e acabei
me envolvendo com o maior desastre de Humperville, que, claro, também é
a minha maior distração.
Volto a andar. Tenho que enfrentá-lo. Hoje ou depois, então melhor que
seja de uma vez. Sempre dói menos quando você puxa o esparadrapo no
impulso. Não dá tempo de sentir a dor, quando viu, já foi.
— Oi. — Sorrio para eles.
In Your Eyes está tão alta que não consigo ouvir a resposta deles, mas
estão sorrindo, então entendo que estão felizes em me ver. Brooks faz uma
análise minuciosa do meu vestido justo, que se apega às minhas curvas.
Sento-me em uma cadeira vaga entre Gravity e Mack.
— Esse vestido valoriza suas curvas — Gravity comenta, piscando para
mim. — Fiz uns esboços com suas medidas; se puder, quero que vá até meu
quarto no hotel essa semana para provar algumas peças.
— Não se preocupa, não importa se ela gosta de você ou não, ela vai te
usar como manequim. Uma merda! — Bryan diz, rindo. — Mackenzie
serviu de cobaia durante muito tempo.
— Sirvo — ela o corrige, revirando os olhos. — Tô muito feliz que
Lilah tope posar pra Gravity. É muito cansativo que Effy e eu tenhamos que
fazer isso sozinhas.
— Posar?
— Já estou preparando meu trabalho de conclusão de curso — explica
ela, animada. — É claro que estou falando da graduação, ainda pretendo
fazer pós-graduação e me especializar nos traços. Gosto de moda chique, ou
seja, quero vestir pessoas de Hollywood e coisas assim. — Demonstra
empolgação a cada frase que sai de sua boca. Fico animada por ela. — O que
Mack quis dizer é que montei um Instagram, fechado, claro, onde estou
soltando as fotos dos meus trabalhos. Ela, Effy e Willa têm servido muito
bem como modelos, mas preciso expandir meus horizontes. Isso significa
que preciso de você — finaliza com um sorriso suplicante.
— Tá — digo, rindo. — Tudo bem, posso ajudar, eu acho.
— Claro que pode. E vai — sentencia, mas sei que Gravity e eu não
temos intimidade para intimarmos uma a outra – mesmo assim, ela se acha
no direito de fazer.
— Já pensou em desenhar modelos masculinos? — Brooks pergunta,
curioso.
— Não é a minha praia. Gosto de usar meus desenhos para valorizar o
corpo das mulheres e deixá-las ainda mais lindas do que são. Você, Brooks,
não ficaria mais bonito nem se Deus te desenhasse de novo — Gravity
brinca e Brooks faz uma careta, entrando na brincadeira também. — Mas,
falando sério, moda masculina não é muito meu forte. Sei que vou precisar
me dedicar a isso na pós-graduação, mas prefiro deixar para me preocupar
no momento certo. Então, você está livre quando?
— Hum... na quinta-feira, eu… — Tenho folga, mas combinei de tomar
uma cerveja com Ashton em sua casa. Mordo as laterais da bochecha porque
não quero aborrecê-la.
— Você vai sair com o Ashton — Bryan termina e espero que meu
olhar diga a ele tudo que estou pensando. Que bocudo! — Que foi? Ashton
disse que vocês combinaram de ver um filme e beber na casa dele.
— É só…
— Não precisa me explicar nada. — Gravity não parece abalada. —
Que tal na sexta?
— Você está saindo com Aidan e Ashton? — Brooks pergunta em tom
sombrio.
— Na sexta à tarde não tenho aula. Parece ótimo — aceito e ignoro
Brooks. — Ashton e eu somos só amigos — explico a ela e espero que seja
suficiente.
— Onde Ashton coloca o pinto dele nunca foi da minha conta —
enfatiza, o sinal é claro e não estou autorizada a conversar com ela sobre
Ashton.
Engulo o nó da garganta e faço uma nota mental de que preciso
conversar com Ashton sobre ela. Alguma coisa muito estranha rolou com
esses dois em Paris. No geral, não gosto de me meter nesses assuntos, mas
criei uma afeição por Ash e não dá mais para ignorar a tensão entre os dois.
Verifico o horário e estou bem perto da minha pausa na noite.
Anoto o que cada um quer beber e volto para o bar. Preparo o drinque
de Mackenzie – vodca e xarope Monin – e abro as três cervejas para Gravity,
Bryan e Brooks. Retorno à mesa com as bebidas e sirvo a eles.
Estou com saudades de sair com as meninas.
Atendo mais algumas mesas e guio outras pessoas para o subsolo.
Aidan não retornou porque não o vi entrar.
Faço minha pausa obrigatória e decido tomar um ar do lado de fora. Lá
dentro está a todo vapor e torço para que Kaylee e Terence não se
sobrecarreguem na minha ausência.
Compro um cachorro-quente de um food truck do outro lado da rua.
Estou usando a jaqueta de couro de Aidan porque não trouxe nenhuma peça
para me proteger do frio da madrugada e a temperatura continua a cair,
graças à tempestade da tarde.
Como sentada no meio-fio, a poucos metros depois da porta dos fundos
do Anarchy, em uma viela entre os fundos do clube e um beco escuro.
Respiro o ar fresco e me delicio com o sabor da mostarda se alastrando por
minha boca. Solto um gemido de prazer.
— Faz tempo que não comemos juntos.
Essa voz não é estranha. Elevo os olhos e vejo Brooks caminhando em
minha direção. Ele também tem um cachorro-quente na mão e mastiga
devagar. Estuda-me dos pés à cabeça e, enfim, se senta ao meu lado. Sua
presença não é desconfortável, estou fugindo dele há muito tempo e tenho
que parar com isso.
— Essa jaqueta não combina com você.
Encaro as mangas que estão bem largas e compridas. Fico minúscula
dentro dela, considerando que Aidan tem mais de um e oitenta e sou pouca
coisa mais alta que Vity.
— Ela tem um cheiro bom — digo, sem nenhum remorso. E não é
mentira. O perfume viril de Aidan é forte e, honestamente, a ideia de senti-lo
a noite toda me agrada.
— Você costumava dizer a mesma coisa quando vestia os meus
moletons.
Ok. Essa conversa acaba de ficar mais complicada.
— Sinto muito, Brooks. Você merecia muito mais do que eu te dei.
— Me bloquear foi muito cruel, sabia?
— Sim. Só não queria ceder toda vez porque eu nunca tive a intenção
de voltar com você — conto e, mesmo sob a penumbra, consigo ver a
tristeza no rosto de Brooks. Meu coração retrai. Gosto dele, não como ele
quer e me sinto idiota por não querer machucá-lo e estar fazendo isso.
— Você sabe como prefiro que as coisas sejam feitas cara a cara, não é?
Não queria ter respostas por telefone.
— Eu sei. Desculpa.
— Você não tem que se desculpar — Brooks coloca na boca o último
pedaço de cachorro-quente. — Cachorro-quente é muito bom mesmo, hm.
— Verdade. — Rio e também termino de engolir. — Então, tudo bem
entre nós?
— Sem problemas, Lilah. E sinto muito ter espionado seu celular, foi
muito babaca da minha parte.
Dou de ombros.
— Eu te perdoo.
— Se precisar de alguma coisa, sabe onde me encontrar.
— Na verdade, não sei seu novo endereço.
— Te envio por mensagem — ele diz. — Espero que Aidan valorize a
mulher incrível que você é. — Brooks se levanta e estende a mão para me
ajudar. Eu aceito. — Lamento ter te pressionado com o Ashton também,
acho que ainda sinto ciúmes de você.
— Ashton é só um amigo. — Cruzo os braços e caminhamos de volta
para o Anarchy devagar. — Ele é tipo… você e Bryan. Nos aproximamos
bastante e eu gosto mesmo dele.
— Ainda com dificuldade para dizer eu te amo? — lança, sorrindo, e é
um sorriso de compreensão.
— Você me conhece bem.
Brooks acolhe as mãos dentro dos bolsos do jeans.
— Você é o tipo de garota peculiar demais para que a gente consiga
esquecer com facilidade, mas vou superar.
— Brooks, você é do tipo forte e determinado. Se quiser de verdade,
você vai esquecer.
— Parece um daqueles clichês onde a pessoa que partiu seu coração
tenta remendá-lo.
Meus ombros retesam. Não é um comentário para me atingir, sei disso,
mesmo assim me sinto incomodada.
Decido ignorar seu comentário para sustentar esse clima amistoso entre
nós.
— Como foi seu primeiro dia de aula? — muda de assunto e
internamente estou pulando de felicidade.
— Os professores são legais. Gosto de literatura clássica e estou
animada para intensificar nas próximas aulas. Soube também que posso
participar de um clube de leitura de lá. Quero fazer isso o quanto antes —
conto a ele muito empolgada.
Como estou entrosada demais na conversa, não percebo uma parte da
calçada em alto-relevo. Tropeço e Brooks agarra meu antebraço impedindo
minha queda. Damos risada porque sempre fui distraída quando o assunto
são livros. Eu me apaixonei por eles a cada ano dos últimos cinco que fiquei
em Dashdown e, quanto mais leio, mais me envolvo.
A risada de Brooks cessa e a minha também, eu o encaro, mas ele não
está olhando para mim. Sua mandíbula enrijece e, devagar, afasta as mãos de
mim. Acompanho a direção que seus olhos estão vidrados.
Aidan está parado na entrada do Anarchy e os músculos tensos do rosto
mostram que ele não gosta nem um pouco que eu esteja com Brooks. Ele
pode não dizer em voz alta, mas já deu para perceber que, quando o assunto
é meu ex-namorado, Aidan não sabe lidar com sua luta interna. Antes
mesmo da nossa atração se concretizar, sabia que se incomodava com
Brooks. Só não me importei muito porque não tinha relevância.
— A impressão que eu tenho é de que ele está me socando na mente
dele — Brooks cochicha e preciso pressionar os lábios para não rir, porém
meu queixo treme e sei que Aidan percebe também.
Ele não está entrando, então entendo isso como um sinal de que vai me
esperar. Continuo andando, Brooks no encalço e mostra a pulseira para o
segurança, para que seja liberada sua entrada. Aidan o segue para dentro
com o olhar e a boca do meu estômago fica extremamente gelada.
Aidan segura minha mão. É inesperado e entrelaça nossos dedos. Olho
para baixo, os nós firmes, enredados um no outro. E, de súbito, me puxa para
dentro do clube. O barulho da música alta atinge a parte sensível dos meus
ouvidos. I Want To, de Rosenfeld, retumba forte, atinge meu coração, que
bate imperioso. Deixo-o me guiar escada abaixo, Blake não faz nenhum
bloqueio ao vê-lo se aproximar.
Acho que, além de Blake, nenhum funcionário nos viu de mãos dadas.
Dou graças a Deus por isso, odiaria os comentários de Terence e Kaylee se
descobrissem.
Estamos no corredor do subsolo, escuro, úmido e a música não diminui
o volume só porque estamos mais longe do primeiro piso.
Ele abre a porta do escritório e a fecha assim que entramos. Entretanto,
não solta minha mão e estou me segurando para não rir. Vê-lo com ciúmes é
um tesão. Estou quase o provocando, só para o meu próprio prazer.
Hum... talvez deva fazer isso.
Vê-lo queimar de dentro para fora com o ciúme o açoitando.
— Qual o problema? — Pisco, inocente. Olho para as nossas mãos
atadas num nó e ele não dá nenhum indício de que irá me soltar.
— Qual o problema? — repete, arqueando as sobrancelhas.
Meu Deus, vou explodir a qualquer momento! Preciso que ele me beije
ou que faça qualquer coisa possessiva só para me saciar. Ou posso começar a
rir, só que isso iria ferir seu ego inabalável.
— É. Não estou te entendendo. — Olho de novo para as nossas mãos
emaranhadas e não há nenhum sinal de que irá me soltar. Mordo o lábio
inferior para reprimir o sorriso.
— Seja específica. O que é que você não está entendendo?
— Essa sua reação. Todo estranho. — Mordisco o canto da boca,
maliciosa. Ele percebe, porque seus olhos recaem nela.
Rá. Fraco.
— Você estava com seu ex! — rebate, ofendido. — O ex que, por
acaso, você transou no banheiro do Anarchy não tem muito tempo. — Aidan
já está com o orgulho ferido e fazer uma provocação só vai incitá-lo mais. A
ideia é tentadora e me agrada muito. — Ainda não sabe qual é o problema?
— Pra ser sincera, não sei, não.
Ele aperta os lábios. Oh, não vai admitir. É uma pena.
— Brooks e eu somos amigos. — Isso o deixa perplexo, o queixo treme
e os lábios ficam firmes como concreto.
— Não me provoca, Delilah.
— E bons amigos saem. Nós dois, por exemplo, estamos saindo, né?
— Para de falar — grunhe, irritado.
— Mas se quer saber — fico na ponta dos pés, beijo seu pescoço e sigo
com a língua sobre a veia saltada. Sugo o lóbulo de sua orelha e sussurro:
—, você me excita quando fica com ciúmes.
Com a mão, que não está presa por seus dedos, acaricio a protuberância
dentro de sua calça e o aperto. Aidan arfa em cima da pele do meu rosto e
flagro o instante em que os incisivos cravam a carne do seu lábio inferior.
Sorrio, satisfeita por provocá-lo. Preciso me afastar, caso contrário vou ceder
muito fácil. E é divertido vê-lo com tanto tesão e não poder extravasar.
— Não é ciúmes — defende-se.
— Ah, então você não vai se importar se eu voltar lá pra cima e passar
os últimos cinco minutos do meu intervalo com ele?
Que crueldade, Delilah!
Rio por dentro.
— Não se atreva!
Puxa minha mão para trás, levando meu corpo para mais perto dele. Sua
boca pressiona a minha e a língua esfomeada explora meu interior. Seu gosto
de cereja é forte e delicioso. Chupo sua língua com ardor. Ele geme e o som
rouco é música para os meus ouvidos.
— Tenho que voltar lá pra cima — sopro, finalizando o beijo com uma
sequência de selinhos.
Murmura um resmungo e não suaviza o aperto de sua mão na minha.
— Quero rotular.
— Rotular?
— É.
— O quê? Nosso relacionamento?
— Cedo demais?
— Não. Só pensei que você não quisesse definir nada.
— Só quero ser exclusivo pra você, Delilah.
Ah, Aidan. Você é.
— Não é um namoro — ele continua. — Mas quero ter certeza de que
serei o único na sua cama quando a noite terminar. Pode ser?
— Está com medo de que eu saia daqui com Brooks? — Dessa vez, rio.
Aidan não gosta e franze a testa para mim.
— É uma possibilidade? — objeta.
— Seria. — Aidan fica tenso só com a possível chance de acontecer. Já
o provoquei o suficiente por uma noite e estou satisfeita com o resultado.
Pode não dizer, mas Aidan gosta de mim. Talvez mais do que ele imagina.
— Só que estou disposta a tornar nosso lance exclusivo — prometo a ele,
finalmente sua mão dá indícios de que o aperto ficará mais suave. — Mas
quero que você me dê uma chance de estar no seu coração e não só na sua
cama.
— Está disposta a tentar?
— Se você estiver, sim. Não posso entrar nessa se não tiver certeza de
que você também quer. Convenhamos, se só uma das partes se esforçar,
nunca vai dar certo. Vou lutar por você, mas precisa ter certeza de que quer
lutar por mim. Não há espaço no meu coração para talvez, se lembra?
— Só estou seguindo a onda. Quero ver onde isso vai dar — justifica e
não tenho certeza de que é suficiente. Se ele quer rotular, não pode ser só eu
a pessoa a me esforçar. — Vou lutar por você, Delilah.
Essa resposta é melhor.
Eu me afasto para a porta porque preciso ajudar Terence e Kaylee com
os clientes, mas Aidan continua se agarrando à minha mão.
Rio.
— Prometo que vou lutar pra te deixar entrar no meu coração.
Travo e o encaro.
Assinto, concordando com ele. Sua resposta é perfeita.
— Você é meu desastre perfeito, Aidan.
Ele enfim me solta, com um sorriso satisfeito crescendo de ponta a
ponta em seu rosto.
Estou sorrindo feito uma idiota enquanto volto para o primeiro piso. O
som não parece tão alto agora ou é o meu coração que está batendo mais
grave e forte que a música? Não sei, mas estou pressionando o lado
esquerdo do peito com veemência porque estou convencida de que ele pulará
para fora.
AIDAN
O que está fazendo?
DELILAH
Uma aula de ciência, mas tenho literatura à tarde. Já falou com Math?
AIDAN
Ainda não. Ele é um cara ocupado. E a secretária, Sarah, não para de me
encarar. Acha que ela pode estar interessada?
DELILAH
Tem uma chance dela estar interessada. Tá usando aqueles anéis cafonas?
Não tinha usado nenhum anel nos dedos desde que Delilah me conhece,
mas hoje de manhã acordei com vontade de colocá-los. Ela olhou bem para
mim e os anéis e disse: “ridículos, com certeza”. Ri do seu comentário
porque sei que só estava me provocando e não desisti da ideia. No polegar,
indicador e médio da mão direita tenho um anel em cada dedo. Não tem
nada de especial neles, mas são de prata e no do polegar, especificamente, o
desenho de um diamante vazado.
AIDAN
Claro que tô.
DELILAH
Hum... Ela deve gostar de caras que usam anéis.
AIDAN
Você acha?
AIDAN
Tive a confirmação. Ela está flertando.
DELILAH
Não fica olhando pra ela daquele jeito. Fico com ciúme.
DELILAH
Você tem essa cara de quem não sabe chegar nas mulheres, mas é um
safado.
Uma risada rouca vibra em meu peito, o que chama a atenção de Sarah
e rapidamente os olhos de raposa da garota se estreitam em minha direção.
AIDAN
Só olho “daquele jeito” pra você.
DELILAH
Hummm...
AIDAN
A propósito, estudar mais o terreno antes de investir não significa que não
saiba chegar numa mulher.
DELILAH
Tô pensando em você de maneiras nada respeitosas agora. Vou focar na
aula!
DELILAH
Para de me distrair!
AIDAN
Vamos sair às 18h. Ok?
DELILAH
Tão cedo. Pra onde vamos?
AIDAN
É uma surpresa.
DELILAH
Detesto surpresas.
AIDAN
Confia em mim.
AIDAN
Tô indo pra casa. Vamos comer juntos antes do trabalho?
DELILAH
Terminando um assunto com a Vity. Te encontro em casa.
AIDAN
Beleza, até daqui a pouco.
AIDAN
Ok.
Peço folga e evito Aidan durante todo o sábado. Vou para a festa de
Bryan e Mackenzie, mesmo que não esteja com ânimo para beber e curtir
música. Como imaginei, o apartamento de Bryan está acomodando pessoas
do lado de fora.
O corredor estreito tem um apinhado de jogadores de basquete da
faculdade – soube que Bryan está tentando fazer parte do time – e mais umas
garotas de irmandade. Não consigo me imaginar sendo inserida nesse mundo
universitário; fazendo parte de fraternidades e irmandades, indo a festas de
atletas e populares.
Minha orientadora de curso, Jewel Hastings, tem alinhado meus
objetivos com meus dons e me inscrevi para a matéria de escrita criativa.
Então estou concentrada em descobrir se gosto de escrever tanto quanto
gosto de ler.
Estou usando um casaco preto comprido, botas marrons, calça de couro
e uma bata cinza. Ajusto a alça da bolsa no ombro, sorrio para um jogador
do outro lado do corredor, que não para de me encarar e entro.
A sorte é que Bryan é um inquilino prestigiado. A herança que recebeu
de Vivian o deixou com uma boa imagem na cidade de Humperville, que
gosta de pessoas que tenham dinheiro para investir. Além disso, é um prédio
novo e não tem muitos moradores ainda.
Faith, Bailey, Trycia e Willa estão reunidas na sala, em uma rodinha
com uma conversa bem animada. Aproximo-me delas e noto Nate sentado
sob o carpete com Maeve entre suas pernas. Ele está usando um boné para
trás e moletom, Maeve um vestidinho branco de corte reto e uma jaqueta de
couro adornada com pins.
Até onde sei, os dois não reataram o relacionamento. Minha atenção
paira sobre eles por dez segundos, então meu consciente me alerta de que
não é da minha conta.
— Oi — cumprimento um pouco mais alto para sobressair Can’t Wait
To Be Dead, de Finneas. — Cadê a Mackenzie? Gravity? — Trycia abre um
vão entre ela e Bailey para eu me sentar com elas. Coloco a bolsa no colo e
me acomodo.
— Mackenzie e Gravity estão em algum lugar do apartamento pegando
bebidas — Faith me informa com um sorriso maculado de batom vermelho.
O vestido preto e justo deixa as pernas torneadas de Faith expostas. — Você
não tinha que trabalhar?
— Aidan deve estar puto — Willa observa, encarando a mim e Trycia.
— Vocês duas num único dia? E a The Reckless ainda não vai tocar. Acho
melhor eu aparecer por lá e dar uma força para ele. — A morena se levanta,
ajeitando a saia xadrez. Noto que o olhar de Bailey acompanha os
movimentos da mão de Willa ao massagear a cintura.
Coloco a culpa de lado. Não vou aparecer lá hoje.
— A gente marca outro encontro — Willa diz antes de sair.
Ela tromba com Effy na saída e, segundos depois, a ruiva se junta a nós
no sofá.
— O que rolou? — Effy indaga, alinhando a alça fina do vestido
florido.
Está chovendo lá fora e a temperatura despencando, mas aqui dentro
está bem quente. E a meia-calça preta deve a estar protegendo das rajadas de
ar frio.
— Willa está puta que Delilah e eu pedimos folga hoje. — Trycia joga
os ombros para cima com desdém ao explicar. — Pensando bem, foi
mancada mesmo a nossa.
— Não deve estar sendo fácil pra ele testemunhar a explosão da The
Reckless no YouTube e não fazer parte de nada disso — Maeve comenta,
brincando com a calça jeans de Nate.
Quando foi que eles reataram?
— A culpa é toda dele — Nate intervém. — Ele traiu a confiança dos
meninos.
Mesmo com raiva de Aidan, continuo querendo defendê-lo.
— Você é um pirralho mesmo — Bailey diz, revirando os olhos. Apoia
o cotovelo no braço do sofá. — O cara está literalmente na merda. Ele ter
beijado a sua irmã não quer dizer que ele mereça ser punido desse jeito.
— Cheguei, galera! — Ergo os olhos para a porta e vejo Ashton
cumprimentando uma quantidade absurda de pessoas. Esse cara é tão
popular que chega a ser irritante. — Oi, e aí! — Uma garota vem até ele para
beijá-lo no rosto, mas Ash vira e os lábios dela acabam acertando o canto de
sua boca.
Balanço a cabeça, controlando a risada. Ao se afastar, Ashton pisca
para ela como se dissesse: “a gente se vê mais tarde”. Provavelmente na
cama dele.
— E aí. — Ele acena para nós na sala. — Minha melhor amiga no
mundo inteiro. — Aponta com o indicador para mim e rio. — Achei que
você não viria!
— Mudei de ideia.
— Imaginei que mudaria.
É, contei para Ashton da minha briga com Aidan. Não sei o porquê,
mas tenho vontade de desabafar com ele sobre tudo.
— Fez muito bem em vir. — Pisca para mim e, segundos depois, é
consumido pela multidão.
— É irritante como ele é popular! — Faith esbraveja.
— Irritante? É impossível sair com ele — digo me lembrando da
primeira vez que fomos ao Anarchy. — Ele parou a cada três segundos pra
cumprimentar alguém. — Faço gestos de exaspero com a mão enquanto
conto e todos estão rindo sobre a música Be Your Love.
— Eu deveria dormir com ele — ela emenda, rindo. — Mas sei que
Gravity já esteve na mesma cama que Ashton, então…
— Então não vai rolar. — Olho para cima e vejo Chase. O atrasado,
sempre. — Oi. — Ele acena para nós. — Vocês viram a Gravity?
— A vi no corredor conversando com Reed Foster — Effy revela,
encarando as unhas pintadas de lilás – sua cor favorita.
— E aí, qual o assunto? — Ashton aparece com duas cervejas e estica
uma para mim.
— Se bem que a Delilah já ocupou o cargo — Nate zomba e sei que
está se referindo a mim e Ashton.
— Que cargo? — Ashton se inclina e se acomoda no chão, ao lado da
poltrona onde Faith está sentada.
— De terminar na sua cama todo dia — Nate ri em resposta.
Ashton e eu trocamos uma olhadela.
— Olha o respeito, moleque! — Ashton revida. Estou acostumada às
suspeitas, afinal meu melhor amigo no mundo inteiro é famoso por ser
mulherengo. — Acha que não sei ser amigo de uma garota sem querer
dormir com ela?
— Acho — Bailey responde, com um sorriso provocativo. — Exceto
por mim, claro, que não ficaria com você nem a pau.
— Mas isso porque você não gosta de pau — meu amigo se defende e
bebe um gole de cerveja.
— Só sei que meu melhor amigo deveria ser Ashton porque Gravity e
Mackenzie saíram para buscar cerveja há um tempão e não voltaram. Ashton
chegou não faz nem dez minutos e já serviu a Delilah — Faith reclama e
pega impulso com as mãos para se levantar da poltrona. — Aposto como
Mackenzie se engalfinhou com Bryan no quarto. Esses dois estão presos um
ao outro com supercola!
Sai reclamando e nós damos risada.
Cinco minutos depois, entretanto, Bryan aparece com Brooks.
— Rá-rá, Faith estava errada — Maeve brinca encarando os dois
parados como dois postes e, por fim, se sentam no nosso meio.
— Pensei que não viria — Bryan diz para mim.
— É, mas decidi vir.
— Que bom!
Effy está extremamente calada. Quero puxá-la de canto e perguntar se
aconteceu alguma coisa. O fato de Finn ainda não ter aparecido deve
significar alguma coisa.
Sou respondida em seguida, quando Finn atravessa a porta da frente
com a mão na cintura de uma mulher; batom vinho e olhar furtivo. Ela joga
o cabelo escuro para o lado com sensualidade e a cada passo que dá em
nossa direção, percebo que qualquer pessoa ficaria amedrontada na presença
dela. You Broke Me First é a música perfeita para a entrada triunfal deles.
Encaro Effy e posso jurar que tem uma camada cristalina cobrindo os
dois olhos.
Respiro fundo e peço para Trycia trocar de lugar comigo. Fico ao lado
de Effy e seguro sua mão no instante em que a distância entre Finn e nós é
inexistente agora.
— E aí. — Ashton acena para eles e ri. Alguma coisa me diz que ele
conhece a garota.
— Oi. — Ela levanta a mão direita e acena para nós. Está usando um
cropped de cetim preto e botões, com amarrações nos ombros e uma saia
longa preta de cintura alta.
— Pessoal, essa é a Brianna. Brianna, o pessoal — Finn apresenta e nós
respondemos, exceto Effy.
— É um prazer finalmente conhecer vocês! — Brianna sorri amigável.
— Podem me chamar de Bree.
— Espera um segundo — Nate pede e estuda Brianna com apreensão.
— Te conheço de algum lugar.
— Brianna é modelo — Finn pigarreia e coça a nuca. — É por isso que
quase nunca nos encontramos.
Observo os dedos entrelaçados deles e suspiro. Effy está com os olhos
presos nos dois.
— Ela já posou pra marcas famosas. — Escuto a voz abatida de Effy ao
meu lado. Meu Deus, ela deve estar sangrando por dentro!
— Pra joalheria do meu pai — Ashton confessa. — Junto com a minha
ex-namorada.
— Nicola é uma profissional incrível, aliás. — Brianna fala, mesmo
que ninguém esteja realmente interessado na ex-namorada de Ashton.
— Atualmente estou criando minha própria linha de batons Cobain —
Bree revela, não parece estar sendo esnobe ou coisa assim, parece uma
pessoa inofensiva, mas a angústia retorce o rosto de Effy a cada segundo e
não estou aguentando presenciar essa cena.
— Cobain é seu sobrenome? — Maeve escrutina.
— É sim. — Bree sorri.
— Puxa! Quantos anos você tem?
— Vinte e um. — Brianna joga o cabelo para o lado.
— Nossa! — Faith retorna com cervejas em uma bandeja e assobia para
a novata. — Vinte e um. Modelo famosa. Criando a própria linha de batons.
Garota, você é tudo que meus pais queriam que eu fosse. — O tom de Faith
é de deboche.
— Vocês estão, tipo, namorando? — Bailey tem a coragem que
ninguém teve de perguntar.
Meu olhar vai para Finn, o de Ashton e Bryan para Effy e todo o resto
espera a resposta.
Os dois se encaram. Estão decidindo se vão revelar ou simplesmente
esperar as coisas rolarem naturalmente.
Finn respira fundo e posso jurar que ele olha para Effy segundos antes
de responder:
— Podemos dizer que sim.
Ah, merda!
Effy se levanta e não é nem discreta para dizer que precisa de um
minuto. Afasta-se e passa entre os dois. Espero um segundo, talvez Finn vá
atrás dela, mas ele não move um centímetro do corpo ou dá indícios de que
vai fazer alguma coisa.
Babaca.
Babaca.
BABACA!
Vou atrás dela e não sou a única. Ashton e Bryan me seguem. Uma
porta se fecha no corredor. É do banheiro e, antes que Effy tenha a chance de
trancá-la, eu a empurro e entro, sendo seguida pelos outros dois. Ashton nos
fecha no banheiro e Bryan se encosta na madeira, passando o trinco.
Effy soluça.
O choro é alto e ecoa.
Fecho os olhos e respiro fundo.
Será que posso dizer que entendo como ela se sente?
— Sinto muito, Effylin — Ashton a provoca com o apelido. — Effy
mais linda fica Effylin.
— Ela é tão… — Effy joga a cabeça para trás, recuperando o fôlego. —
Perfeita. Não posso nem chamá-la de feia.
— Ninguém é perfeito, Effylin — murmuro o apelido que Ashton
acabou de dar a ela e me ajoelho na sua frente, ajustando uma madeixa atrás
de sua orelha. — Temos defeitos.
— É, mas eu sou… eu.
— Não faz isso com você. — Seguro seu rosto com ambas as mãos. —
Você não é assim.
— Eu sou exatamente assim, Delilah. Insegura. Comigo, com meu
corpo, com tudo!
Pressiono os lábios.
— Quero tanto socá-lo agora. — Acaricio a bochecha de Effy e limpo
suas lágrimas. — Por favor, me deixa arrancar o pau dele fora.
Effy finalmente ri.
— Você é perfeita, Effy — Bryan diz, encarando-a com seriedade. —
Não vou deixar que pense menos que isso sobre si mesma.
— Nenhum de nós vai — Ashton garante.
Duas batidas na porta chamam nossa atenção. Effy ergue o rosto corado
e a maquiagem borrada em direção ao som e rapidamente arranca uma
quantidade generosa de papel higiênico para limpar o rosto. Bryan se afasta
e abre uma fresta para espiar lá fora.
— Não é uma boa hora, cara — ele diz para quem quer que seja. Escuto
um burburinho lá e reprimo a vontade de enxotar Finn para longe de Effy. —
Ele quer falar com você.
Mas Effy assente.
— É sério isso? Você vai mesmo falar com ele?
— Preciso falar com ele, Delilah. Não dá pra ignorar o problema pra
sempre.
— É, mas dá pra dar um gelo por um tempo — Ashton sugere.
— Ele não te merece! — vocifero, levantando-me e ajeitando a postura.
Bryan abre a porta e um Finn com expressão neutra entra no meu
campo de visão. Ele olha para Effy, encolhida na tampa do vaso e, em
seguida, para nós. Não precisa dizer nada para que saibamos que o que ele
quer é ficar sozinho com ela.
— Cadê a sua namorada? — Effy soa sarcástica.
— Você não é criança. Não aja como se fosse! — Finn rebate.
— Você… — começo, mas Effy se levanta me impedindo.
— Vocês podem ir agora. Obrigada — ela diz, empinando o queixo.
Nós concordamos com ela, embora não esteja nem um pouco feliz com
a ideia de deixá-la sozinha com ele. Lanço um olhar mordaz para Finn, como
um aviso. Se Effy sair desse banheiro aos prantos depois de conversarem, eu
pessoalmente vou acabar com ele.
Saímos para o corredor. Encosto-me na parede em frente à porta do
banheiro e um segundo depois, Finn a bate na minha cara. Contorço os
lábios numa careta e cruzo os braços porque não tenho pretensão nenhuma
de não estar aqui quando minha amiga sair.
— Esses dois... — Ashton sacode a cabeça e se acomoda ao meu lado.
Os braços cruzados salientam os bíceps e Bryan o acompanha. — Que você
acha que andou rolando entre eles?
— Quer um palpite? — Bryan sopra. — Effy apoiou Finn nas últimas
semanas porque as coisas estavam ruins em casa. Ele fraquejou e dormiu
com ela. Agora Brianna veio para finalmente conhecê-lo e está dispensando
Effy porque ama Brianna e quer ficar com ela.
— Ele é ridículo! — Minha voz sai recheada de rancor. — No lugar da
Effy acabaria com ele.
Ashton ri.
— Não entendi — digo a ele.
— O quê?
— Essa risadinha presunçosa.
— É que…
— É melhor nem terminar. Já entendi.
— Entendeu o quê? — Bryan interfere a discussão, confuso.
— Nada! — Ashton e eu respondemos em uníssono.
— Não sei se gosto da amizade de vocês dois. Parece um complô. —
Bryan se afasta da parede para ficar de frente para nós. — Que houve? —
questiona-me, curioso.
— Você seria incapaz de ser imparcial no meu problema.
— Tem a ver com Aidan? — dispara, com os lábios se apertando numa
linha tênue.
— Sim.
— E por que eu não seria imparcial?
— Você o baniu da banda por um problema que era só de vocês. Agora
ele está sozinho, sofrendo e não pode fazer parte do crescimento da banda
porque você — afundo o indicador no peito de Bryan — não soube separar
as coisas.
— Se ele está tão arrependido, por que não me procurou?
— Ah, cara, não! — Ashton ri. — A última vez, você deixou ele com
hematomas!
— Ele mereceu. Vocês dois sabem disso.
— Ok. Ele mereceu, mas a banda é tudo que ele tem. Quando você teve
que se afastar, doeu, não foi? — Bryan pressiona os lábios com raiva. —
Não foi? — repito.
— Foi.
— Agora imagine como ele está se sentindo. Ninguém mais fala com
ele.
— Se a gente correr conseguimos tocar no Anarchy — Ashton sugere
com um sorriso torto. — E essa merda acaba.
— Você disse que concordava em tirá-lo da banda! — Bryan acusa
Ashton.
— Eu estava com raiva e puta merda, cara, você sabe como fico
movido por ela. Mas você sabe. Todo mundo sabe que a banda não é a
mesma sem o Aidan.
— Nosso vídeo no YouTube tem mais de oitocentos mil acessos! — ele
brada. — E não estamos com o Aidan nele!
— Não interessa, Bryan. A conexão. A sintonia. Ela só existe com
Aidan Lynch. — Nós nos viramos em direção ao início do corredor onde
Chase está com as mãos enterradas nos bolsos da calça preta jeans. — Não
estou com vocês desde o começo. A história por trás da The Reckless é o que
as pessoas querem ouvir.
— Se ele voltar, eu estou fora. — Bryan aponta para o próprio peito,
ressentido. Escuto um suspiro e vem de Ashton.
— Você está sendo escroto pra caralho agora! — Ashton o censura. —
A banda é acima do que você acha certo. Todos nós estávamos com raiva,
ressentidos, nos sentimos traídos como você, mas… nós também sentimos
falta dele. Como Chase disse, da nossa conexão. Os ensaios estão sem graça.
A The Reckless precisa do Aidan, assim como o Aidan precisa de nós e essa
decisão não cabe a você tomar!
— Não vou ficar se ele voltar!
— Para de agir como uma criança, porra!
— Chega! — Um grito alto e ensurdecedor ressoa por todo o corredor
amplo.
Sigo a voz e vejo Finn parado com a porta do banheiro aberta. Effy está
do lado dele. Não está chorando, é um bom sinal.
— Se Aidan fica ou sai é uma decisão que precisa ser tomada em
grupo. Mas todos nós concordamos que ele pisou na bola.
— E é por isso que ele precisa pagar pelo resto da vida? — refuto e
aproveito que é Finn quem está discutindo porque posso despejar toda minha
raiva nele. — Você é tão conveniente.
Finn arqueia uma sobrancelha loira para mim.
— Se aproveita da minha amiga quando te convém. Você expulsa seu
melhor amigo da banda, como se não cometesse erros. Vocês são todos
hipócritas e estou cansada disso. — Ergo as mãos para cima e suspiro. —
Estou de saco cheio dessa cidade de merda!
Começo a dar passos decisivos para longe do grupo, que se uniu no
meio do corredor. Sou impedida pelo toque do celular de Bryan.
— É o meu pai. — Viro nos calcanhares e seguro a respiração.
Casey não liga sempre. É esporádico e só quando é urgente.
Volto para junto deles.
— Alô?
Vincos se formam na testa de Bryan à medida que Casey fala.
— É grave?
Estou quase arrancando o celular das mãos de Bryan quando ele solta a
pergunta.
— Tá. Nós… — Ele faz uma pausa. — Certo. Uhum... Entendi. —
Mais um minuto de silêncio da parte de Bryan. — Ok. Vou falar com ela.
Sim, nós vamos sair agora mesmo. Tá. Tá bom, pai, entendi.
Quando ele finalmente desliga, o corredor está em completo silêncio e
estamos olhando para Bryan esperando por respostas.
— Que merda, Bryan, desembucha, o que aconteceu?
— É a Aurora. Está no hospital. — Ele olha para o celular na mão,
cabisbaixo.
Conheço esse olhar preocupado. Bryan está se questionando por que
com a nossa família. Por que as coisas continuam dando errado, como se
houvesse uma explicação lógica para as coisas que acontecem na vida.
As batidas do meu coração ganham uma guinada estarrecedora, o
sangue em minhas veias parece correr com mais urgência e sinto a pulsação
alta na minha têmpora.
— Temos que ir. Agora.
Ele guarda o celular no bolso sem nos dar mais nenhuma explicação.
Então o sigo.
Dirijo por oito horas sem parar e consigo chegar a Dashdown às duas
da tarde, no domingo. Delilah me enviou uma mensagem ontem à noite,
pouco antes de pegar a estrada com Bryan e Mackenzie. Contudo, não disse
a ela que viria. Na verdade, meus planos estavam bem distantes disso aqui.
Estou com a BMW parada bem mais à frente da casa onde a família de
Bryan e Delilah vivem juntas atualmente e, apesar de toda a comoção que a
família causou, recebi uma mensagem horas atrás de Delilah dizendo que já
estavam em casa.
Acontece que Aurora teve uma febre alta na quinta e ficou internada,
mas Casey não quis ligar antes para não atrapalhar a rotina de ninguém.
Eu não pretendia vir, de verdade, estava ocupado tentando responder
todas as perguntas que Delilah cuspiu em mim na sexta à noite. E, quando
percebi, estava colocando algumas roupas dentro de uma mochila e entrando
na Diamond às seis da manhã. Oito horas depois, aqui estou.
Mas por quê?
Por que cruzei o estado só para vir até aqui?
Por que parece ridículo que eu tenha feito isso quando ela disse,
claramente, que precisava de espaço?
Quer dizer, ela não disse, mas Delilah não fala comigo direito há dois
dias, presumi que quisesse, sei lá, pensar mais a respeito.
Sei que Mackenzie está aqui.
Sei que Bryan está aqui.
E sei que Delilah está aqui.
Mas por que eu estou aqui?
Estou relutante. Não quero sair do carro e cruzar a rua. Não quero ser
visto ou notado. Estou com vergonha ou só não quero admitir que vim até
Dashdown por que queria vê-la? Porque precisava vê-la.
Um suspiro longo me escapa. Tento sufocá-lo, mas outro vem em
seguida e me sinto idiota por não ter traçado um plano. E se ela não me
quiser aqui? Porra, que merda!
Soco o volante e estou tentado a fazer o contorno e voltar para
Humperville. Se me quisesse aqui, ela teria pedido para vir, certo? Não
posso aparecer sem ser convidado, muito menos sem ter uma explicação. Ela
já tinha me dito que Aurora estava bem, que a família estava em casa e todos
bem, não tem nenhuma razão no mínimo plausível para eu aparecer do nada.
Mas e se ela estiver chateada?
Quer saber, foda-se!
Já estou aqui mesmo.
Fico pronto para sair, mas desisto. Volto a cair no encosto e cubro os
olhos com o antebraço direito. Expiro o ar com rigidez e, um segundo
depois, meu celular vibra no painel do carro. Estico-me para alcançá-lo e
desbloqueio a tela.
DELILAH
Oi.
AIDAN
Ei.
DELILAH
O que está fazendo?
AIDAN
Nada. Você?
DELILAH
Entediada.
AIDAN
Nada pra se divertir?
DELILAH
Não. Você não está aqui.
AIDAN
Olha pela janela.
AIDAN
Posso ir, se quiser.
DELILAH
É sério? Você dirigiria por oito horas? Hahaha.
AIDAN
Ou pegaria um trem, que a viagem diminuiria para quatro!
É eu poderia ter vindo de trem, mas dirigir me deu tempo para pensar.
DELILAH
Não vou nem discutir, não quero me empolgar com a ideia e ficar
frustrada. A gente se fala mais tarde?
DELILAH
Boa sorte no show hoje!
AIDAN
Valeu!
DELILAH
Você estava gostoso na jaqueta de couro e aprendi a gostar dos seus anéis.
;)
AIDAN
Hahaha.
AIDAN
Você já gostava deles, linda, só não sabia. ;)
DELILAH
Tá. Não vou admitir, preciso me fazer de difícil, você sabe como é.
Orfanato de Humperville
Desde 1955.
AIDAN
Estou no Lost Paradise dando uma força pra Willa. Tudo bem?
É a pergunta que Aidan mais tem feito para mim: se estou bem, como
estou me sentindo, se quero conversar. Não falamos mais sobre o assunto,
embora ele tenha tentado entrar nele no sábado à noite quando nos
encontramos depois de ter passado mais de duas horas no palco do Purple
Ride.
Não estou pronta para fazer perguntas e confesso que tenho medo de
ouvir as respostas. Por que diabos Aidan anda investigando o meu pai?
Receio que o que vem a seguir é desgastante e não vou ficar feliz em saber,
então estou adiando o momento em que precisaremos mesmo ter essa
conversa esclarecedora. Por enquanto me dedico ao trabalho e aos estudos,
agora que ouvi todo o iPod de Sebastian e não encontrei nada que possa me
ajudar a entender o que diabos aconteceu dias antes dele morrer, decido que
preciso falar diretamente com meu pai.
Opto por não responder a mensagem de Aidan. Estou fugindo para o
banheiro durante o meu expediente muitas vezes só para trocar algumas
mensagens com ele e hoje, em especial, Darnell está aqui no Anarchy.
Concordo com todos que dizem que Darnell é um excelente chefe. Ele é
amigável, carismático e os funcionários adoram estar na presença dele, mas
estar saindo com Aidan traz uma inesperada sensação de que busco pela
aprovação de Darnell e, quanto mais tento impressioná-lo, menos sucesso
tenho. Ele lança olhares enviesados quando estou sendo a boa anfitriã e
guiando os clientes para o subsolo, arranjando boas mesas no primeiro piso e
esboçando sorrisos fraudulentos para agir como se Aidan não tivesse
colocado um peso nas minhas costas ao contar de Jasper.
Volto para o balcão onde Trycia, Terence e Kaylee estão atendendo
clientes, preparando drinques para que eu possa levar às mesas quando
termino de recepcionar todo mundo. Noto que Darnell está a poucos metros
de mim, escorado na parede sólida ao lado de Blake. Eles conversam e não
me deixo ser intimidada quando seu olhar cruza o meu, faço um aceno
criterioso com a cabeça para cumprimentá-lo e sigo o trabalho.
Sirvo mais mesas que consigo contar e minha cabeça está prestes a
entrar em parafuso se não fizer minha pausa obrigatória nos próximos dez
minutos.
Deixo a bandeja de alumínio e encaro o relógio de parede em cima da
última prateleira de uísque. Puxo o ar rarefeito para os pulmões, inalando o
misto fétido de suor e álcool. Dou graças a Deus de cigarro ser proibido aqui
dentro, caso contrário, estaria sufocando.
— Vou fazer a minha pausa — aviso a Trycia.
— Pode ir, tudo sob controle por aqui. — Ela me envia uma piscadela
cúmplice e rodeio o balcão em direção à porta logo atrás.
Gosto de como os sentimentos de Trycia por Aidan não interferiram no
nosso relacionamento em nenhum âmbito. Gravity e Effy me disseram que,
quando Mackenzie voltou para Humperville e se aproximaram, Trycia de
cara repudiou a presença de Mack em todos os encontros. Esse foi um
problema que nós não tivemos. Talvez por ela ter tido a chance com ele e
não terem dado certo, isso pode ter suavizado o choque dele estar com outra
pessoa.
Desço as escadas e finalmente posso sentir o ar gélido do ar-
condicionado invadindo minhas narinas. Adoro esse choque térmico, para
ser honesta. Apesar de ter certeza de que não vou gostar nem um pouco de
sair mais tarde e ser recebida por uma chuva incessante.
Desde setembro, Humperville é agraciada com garoas e
esporadicamente tempestades torrenciais. O clima aqui é bem ambíguo.
Jogo-me no sofá de descanso junto com o celular, ligo para Aidan e, no
segundo toque, ele atende.
— Oi, linda.
Não controlo o sorriso.
— Oi. Desculpa não ter respondido a última mensagem, estamos
lotados hoje.
— Relaxa. Lotado aqui também. Senti sua falta, ficou enfurnada o dia
todo no quarto.
— Hum... pois é. Acho que não estou no clima ainda — respondo
cabisbaixa, brincando com um fiapo do meu vestido.
— Quer conversar?
Mordo o lábio inferior, reflexiva. Em um momento ou outro terei que
falar com ele.
— Você deve ter perguntas — Aidan acrescenta e ele tem toda razão.
— Estive pensando que talvez você pudesse falar com Jasper.
— Falar com Jasper? — O nó na garganta enforca minha risada. — Por
que eu faria isso?
— Sei lá, pra tentar entender o maluco do seu pai, talvez. É só uma
sugestão, você não precisa, se não quiser.
— Acho que não quero, quer dizer, por que procuraria alguém que sabe
da minha existência há dezenove anos e não falou comigo nem uma vez?
Nem mesmo quando Seb morreu ou ao menos para dizer: “oi, sei que seu
pai é maluco; se precisar, pode contar comigo!”. Ele não quer saber de mim.
Aidan fica em silêncio e os segundos acabam se tornando mais
extensos, o que perpetua sua mudez. Dou um inspiro prolongado e tiro o
celular do ouvido para conferir o display, ter certeza de que a ligação não
caiu.
— Você tem razão — enfim responde, com a voz consternada. Engulo a
inquietação porque não quero entender que Aidan está chateado porque eu
escolhi não procurar o meu avô. — Péssima ideia, foi mal. Te vejo em casa?
— Você não precisava ter me contado, mas me contou. Obrigada,
Aidan.
Mais silêncio e estou começando a achar seu emudecimento um pé no
saco.
— Aidan?
— Hum?
— Tem mais alguma coisa sobre isso que você não me contou?
— Não. Nada — dessa vez ele é conciso. — Tem uma coisa que quero
te perguntar.
— Que foi? — Ajeito a postura no sofá, ficando ereta.
— Você acha que precisamos de um relacionamento?
— Como assim precisamos de um relacionamento? — Dessa vez, não
engarrafo a risada, deixo-a fluir para fora de mim. — Não entendi sua
pergunta, você precisa ser mais específico.
— Você quer um relacionamento?
— Não sei, você quer?
— Tenho medo de te dizer e você odiar a resposta.
— Somos sinceros um com o outro. Sempre fomos, Aidan. Você pode
me dizer a verdade. — Dou de ombros, como se não tivesse importância e
ele pudesse ver. Mas tenho sorte de estarmos no telefone, minha expressão
pode ter me denunciado. — Fiquei com você mesmo sabendo que ainda
gostava de outra. Sei bem os riscos que estava correndo quando começamos
a dormir juntos.
— E de riscos você quer dizer…
— Eu me apaixonar por você e não ser correspondida. — Torço o
tecido da saia do vestido e solto um sorriso nasalado.
— Você naturalmente é uma pessoa apaixonante. — Ele ri afetado. —
Nos falamos depois. Willa está feito uma maluca atrás de mim.
Quero gritar com ele e dizer que não pode começar uma conversa desse
jeito e não colocar um ponto final no assunto, mas Aidan não iria querer
terminá-la ao telefone. O conheço o suficiente para saber que quer fazer isso
quando estivermos cara a cara.
— A gente se fala quando chegar em casa, então.
— Ok. Te vejo mais tarde.
— Tchau.
Encerro a ligação e meu coração parece um tambor no peito. Frenético,
inquieto, como se fosse rasgar minha garganta e saltar para fora do seu
lugarzinho aconchegante. Esse é o efeito que Aidan causa em mim e puta
merda… Puta merda. O pavor obstrui minha passagem de ar. Puta merda!
Eu me apaixonei por ele.
Saio do sofá e começo a andar pelo ambiente. Tenho a impressão de
que as paredes estão se fechando a minha volta, expurgando todo o ar. Tento
controlar o bombardeio de pensamentos sombreando minha racionalidade.
Preciso ficar calma e entender o que diabos está acontecendo dentro de mim.
São muitas descobertas em poucos dias.
— Delilah? — Ergo os olhos, sobressaltada em direção a voz.
Darnell Lynch está terrivelmente demonstrando superioridade com as
mãos imersas nos bolsos fundos de sua calça social. Contudo, tem um olhar
atribulado injetado em minha direção, vasculhando o que poderia ter me
desestabilizado tanto assim. Paro diante dele, cruzo as mãos na frente do
corpo e aprumo a postura. Seus olhos continuam o trabalho árduo de estudar
meu comportamento agitado de segundos atrás.
— Oi. — As laterais da minha boca desenham um sorriso. Está na cara
de que é forçado. — Não te vi chegando.
— Percebi. Aconteceu alguma coisa?
— Não. Tudo ótimo. — Continuo sorrindo, como se fosse o bastante
para dissipar a tensão muscular do meu corpo. Para distrair as mãos
alvoroçadas, levo-as até um fio de cabelo que se desprendeu do coque e
refaço o penteado, ignorando por completo a presença do meu chefe aqui. —
Em que posso te ajudar? — Cruzo o espaço vazio até os armários e abro o
que tem meu nome.
— Na verdade quero te entregar isso. — Olho por cima do ombro e o
convite dourado do evento do meu pai está erguido em minha direção. —
Tentei falar com Aidan, mas acho que ainda está chateado por eu ter saído da
mansão e não quis me ver ainda.
Não sabia que Aidan continuava relutante em relação ao pai. Pensei que
depois de ter decidido vender a mansão e construir seu próprio investimento
tivesse superado essa decisão difícil.
— Nas próximas semanas saberemos o resultado das eleições e seu pai
deve vencer — diz, com uma aceitação pesarosa que me deixa revoltada.
Sophia Hernandez tem tudo para ganhar e ser a nova prefeita de
Humperville. — Ele vai querer te ver nesse evento comemorativo, Delilah.
Mesmo contrariada, pego o convite. Não tem o meu nome, mas tem a
data de vinte e oito de novembro, às nove da noite, estampada no papel
laminado.
— Obrigada, vou pensar no assunto. — Bato com o papel na palma da
mão e depois o guardo na bolsa dentro do armário.
— Aidan está bem?
— Ele está ótimo.
— O relacionamento de vocês?
Fecho a porta metálica do armário com mais força que o necessário.
— Estamos bem também.
Embora nós nunca tenhamos confirmado nada para Darnell ou Dannya,
tenho certeza de que o tempo que temos passado juntos é o bastante para
sanar dúvidas.
— Math me disse que ele quer vender a mansão. É um ótimo primeiro
passo, Aidan está agarrado às lembranças de Eline naquela casa.
Parece uma perfeita brecha para perguntar a Darnell sobre Eline e tudo
que Aidan se recusa a me contar, mas prefiro que Aidan me conte quando
estiver pronto para se abrir comigo.
— Sim, acho que Aidan pode superar melhor se não estiver mais
morando lá.
Estou dando respostas sucintas e tentando ser simpática, mas mal posso
esperar para dizer que minha pausa no expediente acabou. Fico
decepcionada ao olhar no celular e descobrir que ainda tenho trinta minutos.
— Bom, não quero mais tomar seu tempo. Vim aqui para te entregar
isso e dizer que, se estiver tudo bem para você, Kirby gostaria de uma
dançarina hoje.
— Hoje? Tipo na próxima apresentação? — Minha sobrancelha se
arqueia, surpresa.
Desde a reunião que Aidan e Dannya ministraram, não ficou totalmente
decidido que ficaria no lugar de Eliza. Nunca voltamos a tratar do assunto.
Confesso que fico animada com a ideia de voltar a dançar. Sempre
gostei, mas estar a poucos minutos de poder finalmente subir num palco e
me apresentar é excitante. Embora não saiba nenhuma dança, já assisti a
algumas apresentações aqui no Anarchy e posso dizer que consigo
acompanhar se me esforçar.
— Sim, algum problema? Conversei com Kirby e disse a ela que você
não sabe as coreografias, então ela mudou o posicionamento das dançarinas
e você ficará atrás hoje.
— Claro, eu, hum, vou para lá agora mesmo.
— Sabe, Eline gostava de dançar — comenta e meu sorriso sincero
desmancha. — Ela gostava muito de dançar. Dannya me contou que Aidan
relutou quando a ideia foi colocada na mesa em uma das reuniões, talvez
seja porque a dança lembre Eline, não sei.
Ou ele é ciumento.
Mas contenho o pensamento e não verbalizo nada.
— Se me der licença, senhor, preciso me encontrar com Kirby e como é
a primeira vez que a vejo…
— Claro.
Darnell se afasta, abre espaço para mim e sigo em direção às escadas.
Eu me pergunto se todos os meus encontros com ele serão dessa
maneira, se não conseguirei ficar à vontade com o pai de Aidan. Ele exala
hostilidade, embora esteja camuflado com seu carisma. Posso sentir que
Darnell está sempre pesaroso comigo.
No final do meu dia com aulas intensas, ainda estou pensando no que
Mack e Effy disseram sobre ir ao evento do meu pai. Elas querem uma
matéria que desestabilize a postura diplomática do meu pai e eu quero
respostas. Gravity também tem razão, posso assustar Jasper e não é o que eu
quero.
Um dilúvio cai do lado de fora. Aidan terminou as disciplinas mais
cedo e foi embora antes, mas Bryan está sentado sobre o corrimão de
cimento da área externa do prédio de administração. Estou saindo de lá
também com um guarda-chuva que caberia mais duas pessoas se necessário,
para me proteger da chuva. Ele está encarando a água caindo impiedosa e
um semblante cabisbaixo ornando seu rosto.
— O que está fazendo? — solto, deixando-o sobressaltado de susto.
Dou risada.
— Cacete, você me assustou, Lilah!
— Foi mal. Cadê o seu carro?
— Mackenzie. Quando saiu estava chovendo, me pediu emprestado
para ir ao estágio, agora estou pensando se atravesso o campus e chego
encharcado em casa ou se peço um Uber e espero mais um tempo antes de ir.
— Que nada, te dou uma carona.
— Tem certeza?
— Está falando sério? Claro que tenho certeza. Vamos. — Faço um
gesto com a cabeça o chamando para entrar debaixo do guarda-chuva. Ele
aceita sem fazer mais questionamentos.
Enquanto fazemos o caminho pela trilha de cimento que corta o
gramado do campus, percebo que Bryan e eu não conversamos muito desde
a nossa viagem a Dashdown para visitar Aurora. Desde que voltamos a nos
falar, meses atrás, não ficamos muito tempo sem conversar e, agora que as
garotas sabem do meu segredo, é quase como se eu precisasse me abrir com
ele também. Tenho medo de que não seja o momento certo e ele acabe
ficando com raiva de mim, já que confiou tanto para me confidenciar sobre
seu relacionamento com Mackenzie.
Tem tantas coisas acontecendo agora que não sei qual problema preciso
resolver primeiro.
Aidan não sabe se quer ter um relacionamento sério comigo.
Jasper é meu avô.
Meu pai é mais complicado do que eu pensava.
E ainda não recuperei meu colar. A única coisa que realmente vale a
pena guardar de Sebastian.
— Você e Aidan estão indo bem? — Começo com essa pergunta,
diminuindo o gelo entre nós.
— Pensei que vocês contassem esse tipo de coisa um para o outro.
— Contamos, mas quero saber de você.
Bryan sacode os braços, como sempre faz quando quer se abster dos
detalhes.
— Nossa confiança foi quebrada, não consigo me aproximar como
antes, mas estou me esforçando.
— Pelo menos, você decidiu que seria melhor assim, não é?
— A banda decidiu e você estava lá, se lembra? Já faz um mês, porra
— ele murmura a última frase, coçando a nuca como se não acreditasse. —
Mackenzie e eu estamos morando juntos há um mês.
— Por que o susto? — Rio do espanto escancarado em seu rosto, como
se sempre estivesse ali.
— Quero me casar com ela. — Reviro os olhos porque esse assunto é
muito cansativo. Se ele começar a se declarar de novo, acho que sou capaz
de vomitar na calçada antes de chegar ao carro. — É sério.
— Ela vai te dizer não. E se você tivesse me perguntando antes de falar
com Aidan, eu teria te dito a mesma coisa.
— Por que ela diria não?
— Porque, apesar da história de vocês ter começado muitos anos atrás,
só estão namorando sério há três meses.
— Não estou dizendo que quero me casar com ela no mês que vem,
mas estou ansioso para colocar um anel naquele dedo.
— Você sempre é ansioso pra fazer alguma coisa por ela. — Dou
palmadas em seu ombro em forma de camaradagem, Bryan sorri, mas não
tenho certeza se está sendo honesto ou apenas condescendente. — Escuta,
não é que ela não queira se casar com você, mas talvez pedi-la em
casamento agora pode ser que a assuste, entende? Conheço vocês há muitos
anos e sei o quanto os dois são intensos. Só vai mais devagar, tá? —
Vasculho a bolsa atrás das chaves do carro assim que avisto meu Volvo no
estacionamento do campus.
— Math está em contato com um cara que talvez… você sabe, engate a
The Reckless de vez. Se acontecer mesmo — ele está coçando a nuca
desconfortavelmente de novo, o que significa que Bryan não está feliz com
isso — pode ser que eu passe de seis a oito meses sem vê-la. E você, sem ver
o Aidan.
Minha garganta fecha.
— Se acontecer, tanto eu quanto Mackenzie ficaremos felizes por
vocês. Nós estamos preparadas para isso, Bryan. Do minuto em que vocês
começaram a namorar até agora, ela sabe que as chances da The Reckless
estourar só aumentam, então não se preocupa, Mack não vai te dar um pé na
bunda e você não devia querer pedi-la em casamento só pra ter certeza disso.
Casada, noiva ou namorando, se ela decidir que não quer mais você, ela
simplesmente vai terminar.
— Ai, essa doeu! — Ele ri. — Mas não é por esse motivo. É porque eu
a amo e quero que saiba que, independente de onde eu estiver, meu coração
sempre estará com ela.
— Tudo bem, então vá em frente! — Destravo as portas com o controle
e Bryan se senta no banco do passageiro. Faço o contorno para assumir o
volante. Fecho o guarda-chuva e o guardo no assoalho do banco de trás. —
Não vou tentar te convencer a não fazer isso, você já se decidiu. — No fim,
estou rindo dessa conversa. — Aliás, espero que dê certo com esse cara.
— Espero também. Você e Aidan?
Perpasso o cinto de segurança e ligo o carro.
— Aidan e eu estamos seguindo a onda — repito o que ele me disse
uma vez, rindo sem muito ânimo. — Não sei para onde essa onda vai nos
levar, mas estou indo de acordo com o que ele acha certo.
— Acho que Aidan não quer um relacionamento, mas não tem nada a
ver com você.
— Sério? Tem a ver com o quê então?
— Ele ainda gosta da Mackenzie.
Meu sorriso evapora. Flui tão rápido de mim quanto ele veio. Espio
Bryan por cima do meu ombro, ele não está feliz com essa constatação,
muito menos confortável com a ideia e ele acaba de estragar totalmente o
resto do meu dia.
— E tudo bem por você? — indago em tom especulatório.
— É óbvio que não, mas o que é que eu posso fazer?
— Ele te disse isso?
— Não, Delilah, mas é o que eu acho.
— Talvez você só esteja pensando dessa maneira porque ainda não
recuperou a confiança nele.
— Pode ser e também não me sinto confortável falando nisso com
você, mas preciso saber, como se sente?
O ar denso dentro do carro são meus sentimentos exalando pelos poros.
Posso sentir a pulsação frenética e inquieta do meu coração, toda a queda
dramática da saliva percorrendo a minha garganta e se apertando nela como
se eu precisasse gritar como me sinto. É tudo tão intenso e claro para mim
agora, que quero que seja o mesmo com Aidan. Admitir que estou
apaixonada por ele não faz com que ele esteja por mim e não vou arriscar
dizer nada até que ele diga.
— Meio boba.
— Você não acha que ele ainda goste da minha namorada, né? Tem fé
demais naquele cara.
— Eu não acho que ele goste dela, não porque tenho fé nele e sim
porque acredito em nós dois.
— Você é boa demais pra qualquer um, sabia disso?
Espreito os olhos para o meu relógio de pulso. São quase seis da tarde e
não sei quando Aidan colou essa mensagem em um post-it na minha porta; o
que sei, é que ele não faz ideia que pedi demissão ontem. Para que ele
pudesse voltar a trabalhar no Anarchy e recuperasse aquela felicidade
irrestrita que sentia por fazer parte de algo que é importante para seu pai.
Entretanto, se não faz tanto tempo que esse pedaço de papel está ali, pode
significar que Aidan já saiba que estou desempregada.
Tiro o post-it da porta, soprando o ar pelos lábios entrecerrados. Muita
coisa aconteceu, sinceramente queria tomar um banho e não ter que lidar
com mais nada hoje.
Willa está trabalhando ativamente no Lost Paradise, que funciona
quase como o Anarchy. Porém, é mais parecido com um bar do que um
clube. Ela deve ter ido direto da faculdade e imagino que essa nova rotina
não anda sendo fácil. Aidan imaginava que os negócios e a faculdade fossem
seu futuro, a The Reckless entre eles, mas apenas a ideia já o preparava para
a exaustão. Willa, por outro lado, pensou que só precisaria se preocupar com
sua carreira de modelo.
Até Darnell se casar e passar toda a responsabilidade de cuidar da casa
para os filhos que, pela vida inteira, receberam cuidados de outras pessoas.
Aidan deve estar me esperando para conversar e aproveitou a oportunidade
pela irmã não estar em casa.
Volto a suspirar.
Entro para o quarto com os ombros caídos e uma dor lancinante na
região da cervical, decorrência de tudo que precisei lidar com as meninas e
me explicar.
A tensão vai se evidenciando à medida que começo a me livrar das
roupas; as botas de cano alto – porque estava preparada para ser pega pela
chuva na volta – a calça legging preta, a camisa azul-marinho de botões e a
parka preta. Tudo cai ao redor dos meus tornozelos como grilhões e só
consigo cruzar o quarto com muita força de vontade.
Demoro no banho, já devo estar atrasada e apesar de, repito, não querer
ter essa conversa com Aidan hoje, não posso deixá-lo esperando. Então dez
minutos de banho, cabelo úmido e as bochechas ruborizadas pelo vapor
quente do chuveiro, sinto que posso lidar com mais essa conversa.
Coloco um short jeans escuro, um cropped preto e meu famoso body de
tule por baixo. Penteio os cabelos e retiro o excesso de água deles com a
toalha. Só os penteio para trás e noto como tem crescido nos últimos meses.
A maquiagem é simples e leve, mas o batom é chamativo; um tom de
vermelho vivo e nas entrelinhas da cor marcante, uma provocação
disfarçada.
Verifico o relógio do meu celular, mas não é nenhuma surpresa que
esteja atrasada dez minutos do que ele pediu.
Estou descendo as escadas e os saltos baixos do meu sapato ecoam pela
mansão. Silenciosa como nunca havia estado antes e escura, sem nenhum
indício de que Aidan realmente esteja me esperando no cômodo ao lado do
hall, mas mantenho a constância dos passos e a curiosidade afiada em meus
olhos.
Quando enfim chego ao hall noto a fagulha da sala das visitas. É o
cômodo entre o hall e a cozinha, mas tem uma janela imperiosa que nos dá
visibilidade para a piscina monstruosa dos Lynch. Confesso que ficarei com
saudades desse lugar. Não ficaria aqui para sempre, mesmo que Aidan não
fosse vender, estaria me mudando para o apartamento com as meninas
depois do Halloween.
Encaro a iluminação fraca. Chuto que talvez sejam velas e o cheiro de
carne assada é um convite para o meu estômago se manifestar. Ele ronca
alto, reivindicando comida. Coloco primeiro a cabeça por entre o caixilho
extenso, Aidan está sentado no sofá branco, no centro da sala, a mesa
recheada com uma carne com molho, torradas e um creme amarelado.
A garrafa de vinho ao lado de toda a comida já foi aberta e parte do
líquido ingerido. Encaro a lareira acesa. É comum que, no Natal, minha mãe
e avó insistam até que o Sr. McCoy acenda-a em sua casa. No último Natal
foi extremamente divertido porque penduramos os sapatinhos do Papai Noel
nela e cada um de nós colocou um presente nelas. Presenteamos quem
queríamos e demonstramos todo nosso carinho e dedicação a essas pessoas.
Aidan não está completamente deitado, mas a postura do seu corpo está
entre sentado e deitado, os dedos envolvem a haste de uma taça de vinho e
os olhos azuis vibram em direção ao fogo. Eu pigarreio, chamando sua
atenção, no ato em que nossos olhos se cruzam, já sei que seu pai telefonou.
— Eu ia te contar — começo, sem nenhuma cerimônia, não me sento
ao seu lado nem no chão – coberto por um tapete peludo e caríssimo,
aparentemente –, endireito a estatura e aprumo os ombros. — O seu pai,
ele…
— Tudo bem, Delilah. — Enfim olha para mim e vejo uma comoção
diferente da que imaginei. Aidan com certeza não está chateado comigo,
muito menos querendo explicações. — Não te convidei porque queria que
você me explicasse. Meu pai me contou tudo. — Bebe um gole ínfimo de
vinho, a bebida deixa uma marca arroxeada em seu lábio superior. — Só
fiquei pensando em como ele pôde ser tão… — Inspira e vira mais um
pouco do vinho como se quisesse engolir o xingamento. — Eu disse não.
Então você pode ter seu emprego de volta, se quiser.
— Você fez o quê?
— Não vou voltar a trabalhar no Anarchy. Estou de saco cheio de viver
à sombra do meu pai, cansado de me esforçar pra cacete naquela merda e ele
não enxergar meu potencial. Quero tentar algo novo.
Por um segundo me lembro do que Bryan me disse sobre um possível
empresário para a banda e estou completamente de acordo com tudo. A ideia
de ver a The Reckless fazendo o sucesso que merecem me deixa feliz e
orgulhosa, porque finalmente serão reconhecidos por tanto talento, mas, ao
mesmo tempo, é como se Aidan e eu estivéssemos perto do fim. E eu não
quero.
Estou apaixonada por ele e estou esperando que Aidan sinta o mesmo
de volta. Disse para Bryan que estava preparada, caso acontecesse, mas
agora, diante da minha maior fraqueza afetiva, não tenho tanta certeza.
— Conversei com ele e meu pai disse que você pode voltar, se quiser
— acrescenta, analisando cuidadosamente o modo como meus músculos se
contraem a essa ideia.
Preciso do emprego. Preciso de dinheiro, mas até que ponto? À essa
altura, todo mundo sabe que pedi demissão por causa de Aidan. Não quero
ser alvo de fofocas e muito menos parecer que sou privilegiada por estar
transando com o filho do dono. As circunstâncias mudaram e, por mais que
adore trabalhar no Anarchy, preciso mudar a direção das coisas.
No começo pareceu inteligente trabalhar em um lugar onde meu pai não
pudesse manipular tudo para favorecer a si próprio, mas me deparei com um
cara – Darnell – que faz o mesmo. Se está ao seu alcance, ele vai mover
alguns pauzinhos para que as coisas fluam à sua maneira. E, pela primeira
vez, não me sinto chateada por não ter um emprego.
Posso encontrar outro lugar e talvez trabalhe com algo que realmente
ame.
— Não quero — informo a ele e Aidan tem uma mistura de alívio e
confusão. — Trabalhei lá por meses, acho que quero tentar uma coisa
diferente agora.
Estou me preparando para me sentar no chão, em frente a ele, mas
Aidan me impede ao se inclinar para me segurar pelo cotovelo. Num
segundo estou sendo aconchegada por seus braços, em cima do seu colo. Ele
coloca a taça cuidadosamente na mesa de centro e me abraça, aconchega o
rosto na curva espessa entre meu ombro e pescoço, aspirando o bálsamo do
meu perfume adocicado.
Ele acaricia um pouco acima do meu quadril, a curva rígida do meu
tronco sob o tecido de tule do body. Não vejo seus olhos, mas há uma
hostilidade no ar, entre nós dois, como se os últimos três dias tivessem
criado uma fissura no nosso relacionamento.
Houve momentos entre mim e Aidan, que pensei que nada pudesse
abalar o que estamos construindo; mas há outros, como esse, que me
pergunto quão frágil nós somos por termos começado a sair por motivos
diferentes.
Gostava dele e Aidan só queria esquecer Mackenzie. Aceitei essa
situação por um longo tempo, na esperança de que, de alguma maneira, eu
fosse o suficiente, mas minha paciência tem um limite raso. Não dá mais
para continuar se Aidan não a tiver superado, não depois de todo esse tempo.
Acho que ele sente o mesmo, porque posso sentir os músculos tensos,
embora esteja me acariciando.
— Falei com Bryan hoje — sussurro, escorando minha bochecha em
sua testa.
Aidan aperta os braços ao meu redor.
— Hum?
— Ele acha que você ainda gosta dela.
Ele finalmente levanta a cabeça.
Os cílios longos e cheios de Aidan piscam em sonolência, mas
mencionar Mackenzie parece despertá-lo. Está claro que meu olhar é
inquisitivo e que preciso de uma resposta honesta. Faz mais de um mês,
porra. Alguma coisa tem que ter mudado.
— É mesmo? — Faço um movimento contido com a cabeça, assentindo
em positivo para ele. — E o que você acha? — O sopro quente que escapa
pela abertura escassa entre os lábios aquece a ponta do meu nariz. O hálito
de cereja, tão provocativo, me faz remexer. Sinto a semiereção sob o meu
corpo, mas não faço nenhum comentário sobre. — Bom, vamos lá, eu só me
importo com o que você pensa sobre isso. Me diz o que acha, para eu poder
desconstruir qualquer coisa errada que esteja passando pela sua cabeça. —
Usa a mão direita para afastar com delicadeza uma mecha úmida que orna
meu rosto.
— Você nunca se abre para mim — Suas pálpebras se abaixam como
dois faróis. A boca entreaberta de Aidan enrijece ao se fechar num risco. —
Não sei sobre sua mãe ou… — É a minha vez de pressionar a boca, sumindo
com os lábios ao transformá-los em uma linha de tensão. — Por que você
está investigando meu pai? Aidan, você não quer criar intimidade comigo e
eu sinto que fico no meio disso… — Os braços de Aidan em volta da minha
cintura suavizam e não sinto mais o carinho da ponta dos seus dedos
raspando minha pele. Sua expressão é um enigma, o fulgor em seus olhos
parece uma decepção exposta. — Não acho que ainda goste dela, mas
também não acho que você quer se envolver emocionalmente comigo. Você
só está comigo porque…
— Gosto de trepar?
Endureço sob suas palavras.
Não ia dizer assim, na lata, porque acho que Aidan e eu estamos tirando
proveito da experiência um do outro. Nós dois gostamos de dormir juntos.
Nós dois estamos sugando isso até a última gota sem prever as
consequências.
— E eu fui a única que conseguiu fazer você se sentir bem fazendo só
isso.
Vejo como sua mandíbula está dura e o maxilar se move endurecido
com minhas palavras. Ele mastiga a carne da bochecha, sem saber o que
dizer. Talvez esteja engolindo as respostas porque podem me machucar.
— O que você quer de mim? — murmura, com os olhos firmes fitando
os meus. Estão frios e cabisbaixos, meu corpo se contrai. — Fui até você e
disse como me sentia, você se lembra? Em Dashdown? — Aceno que sim.
— Você precisa de uma confirmação todo dia? Precisa que eu diga que te…
— Ele se refreia, levando os dedos entreabertos para os fios de cabelo. —
Nós conversamos por telefone ontem, perguntei se nós precisávamos de um
relacionamento.
— É, e você disse que eu odiaria a sua resposta.
— Não sei o que eu quero — confessa, fugindo com os olhos para o
outro lado.
— Era essa sua resposta? E essa é a sua maneira de desconstruir o que
quer que eu esteja pensando?
Entretanto, Aidan não responde. Sua mão está longe de mim e, apesar
de manter os braços em cima dos seus ombros, não sei onde essa conversa
vai chegar e não quero estar em cima dele quando terminarmos essa noite
brigados. Eu me levanto, caminho para longe dele, fico parada atrás da mesa
de centro, impondo ela como uma barreira entre nós. Aidan reveza o olhar
entre mim e a mesa, e não freia o ímpeto ao se levantar.
— Estou tentando ser sincero com você!
— E eu estou te dizendo que não é suficiente. O que merda significa
não sei o que eu quero? Aidan, nós estamos transando tem mais de um mês e
se formos contar todas as provocações antes disso acontecer… — Paro,
mordendo o lábio inferior, porque quando escuto isso em voz alta nossa
discussão parece patética.
Sou patética e estou me tornando vulnerável por causa dele.
Recomponho a postura porque não sou assim e não vou me desestabilizar
por um cara. Mesmo que esse seja Aidan, uma das melhores pessoas que
conheci. O que eu quero, na verdade, é saber se ele sente o mesmo por mim.
Não gosto de jogos ou de estender coisas que podem ser facilmente
resolvidas, e isso é o tipo que pode se resolver com uma única resposta.
— Acho que estou apaixonada por você.
Eu o encaro, olhando diretamente para os seus olhos e toda a reação que
seu corpo pode ter depois disso, mas Aidan parece ter sido sugado por
minhas palavras e se entorpecido com o choque delas. Nenhuma reação
imediata além dos punhos cerrados ao lado do corpo e a respiração ficando
cada segundo mais densa. Tudo que ele precisa é dizer como se sente e por
que, de repente, viemos parar nessa bifurcação. Antes, ser só sexo não era
problema, mas agora é. E um dos grandes.
Estamos em um impasse e essa constatação ganha sentido quando
Aidan fica de costas para mim e eleva as mãos para o rosto, esfregando-o
com força, até deixá-lo vermelho com o atrito. Os dedos sobem rumo ao
cabelo e os puxa devagar, aspirando e expirando o ar como se fosse
insuficiente.
— Nós precisamos… dar um tempo nisso até que você saiba o que
quer. Já levamos isso adiante por tempo demais e eu disse que seria honesta
com você quando estivesse pronto pra me ouvir, está na cara que você não
está pronto, Aidan.
Começo a me afastar, contorno a mesa e me direciono para as escadas.
— Delilah, espera.
Paro entre a moldura da porta, a voz de Aidan ecoa por toda a sala de
visitas. Viro nos calcanhares para encará-lo. O movimento é lento, o que dá
tempo a ele para se aproximar.
— Você… — Ele estreita os olhos, parado a uma distância de trinta
centímetros. — Eu me apaixonei por Mackenzie antes. — Dá de ombros,
enfiando as mãos longas dentro dos bolsos do jeans, meu coração comprime
ao escutá-lo dizer isso mais uma vez. — Mas o que estou sentindo por você
é diferente — Ele franze o cenho, me encarando. — Quero uma chance para
entender.
Meus ombros caem em rendição.
— Nós estávamos bem antes de você descobrir sobre Jasper e Bryan
dizer merda. A gente não pode se abalar por esses acontecimentos externos.
— Ele arrisca me tocar e eu deixo. Suas mãos começam subindo pelo meu
pulso em direção aos ombros e o toque carinhoso de Aidan é um ponto fraco
e tanto. Ele sempre me toca dessa maneira, como se eu fosse tão… valiosa
no seu mundo. — Eu não quero que você se abale ou sinta que o que
estamos fazendo não é importante pra mim, porque, cacete, é tão importante.
— Um brilho distinto passa pelos olhos de Aidan, tento entender o que é.
Um acúmulo de lágrimas, talvez? — Você é importante pra caralho, Delilah.
É importante para mim e ouvir você dizer que quer um tempo… Merda,
acaba comigo, você não tem ideia de como! Então sim, talvez eu também
esteja apaixonado por você.
Você nunca, em hipótese alguma, deve dizer a alguém que está
apaixonado por ela se não for verdade. Muito menos se está dizendo isso de
maneira desesperada, impensada e incerta. Uma parte sua pode gritar e
implorar para que você não faça isso, mas, por alguma razão, não consegue
controlar esses impulsos. E quando a frase sai da minha boca, não tenho
mais certeza se aquilo é real ou não.
Todos os dias, tento refrear meus sentimentos e fazê-la parar de escavar
meu coração porque não vai encontrar nada de bom ali. Eu sou uma farsa,
um problema revestido de uma carinha bonita. Um desastre que vai puxá-la
para mais fundo disso, transformar todos os seus sonhos e ambições em
trevas. Não, não é uma dramaturgia. É a realidade. Crua, dura e exposta.
Cada palavra sai da minha boca em forma de esperança, estou tentando
sobreviver ao inferno, agarrando-me a pessoas como Delilah, que são pura
energia positiva. Amor. Afeto. Estou sendo egoísta, maquiavélico e um
tremendo de um babaca.
Quero voltar atrás assim que digo a ela que estou apaixonado porque,
porra, quais as chances de ser verdade? Mas, embora não esteja feliz com o
resultado dessa conversa, mil e uma coisas se passaram na minha mente no
segundo em que ela disse que precisava de um tempo. E 99,9% de todas
elas, eram argumentos para fazê-la mudar de ideia.
Eu não quero que Delilah termine comigo.
Nem estamos juntos.
E mesmo assim, não quero que acabe o que mal começamos.
É uma constatação óbvia demais para a minha reação. Até um tolo
abobalhado saberia perceber que minha reação foi uma resposta desesperada
para mantê-la por perto porque, como disse, estou sendo egoísta. Porque,
porra, eu não faço a menor ideia de como me sinto e quanto mais tento
entender, menos entendo. Minha cabeça e coração não querem trabalhar
juntos, manter a sintonia e a pressão para ter respostas só aumenta. A cada
ensaio da The Reckless e o questionamento dos caras fico mais confuso e
perdido.
Antes achava que todo relacionamento precisava ter uma identificação,
quase como se fosse obrigatório que os sentimentos estivessem expostos
para todos conhecerem, agora só queria poder estar com Delilah sem ter que
me decidir como me sinto realmente.
Quero passar tanto tempo com ela e fazer coisas que a deixe feliz,
então é óbvio que estou sentindo alguma coisa, mas por que não fico
empolgado com a ideia de ter um relacionamento mesmo quando me
enlouquece pensar em outro homem a tocando? Por que estou relutando
constantemente em admitir?
— Você está mentindo — Delilah responde, minutos depois, seus olhos
azuis sobem e descem pelo meu corpo, como se reconhecesse minha mentira
através do modo como reajo com os músculos.
— Quê? — solto, surpreso com a resposta dela e o medo me sufoca. Se
ela disser que não quer mais ficar comigo, não sei o que vou fazer.
— Você está hesitando, Aidan. — Seu olhar colérico escapa por uma
brecha entre as pestanas. — Hesitando pra cacete e eu não acredito que está
mentindo pra mim! Quer saber… Vá se foder!
Ela se vira, marchando em direção a escada e não penso duas vezes em
correr atrás dela. Se essa discussão estivesse acontecendo por outros
motivos, talvez me afastaria e a deixaria ir. É bom termos um tempo no meio
de uma conversa difícil para respirar e colocar os nervos no lugar, mas não
quero que Delilah tenha tempo para pensar e descobrir que sou um fodido
completo, que não entende os próprios sentimentos.
— Delilah, espera, eu só… Não sei como me sinto. — Subo os degraus
da escada, dois degraus por vez, tentando alcançá-la, que fica mais rápida
quando está tentando fugir. — Caralho, será que podemos parar de correr e
conversar? — Olho para cima, para a quantidade exuberante de degraus que
ainda temos que subir e para baixo, cuja queda daqui seria drástica. —
Delilah! — esbravejo alto e em bom som, o que a faz parar.
As narinas dela estão infladas em ódio puro. Quando foi que essa noite
se tornou uma briga? Só queria comer e beber com ela. Ficar na sua
companhia. Fodê-la e deixá-la me foder até perder o ar.
— Gosto de você. Gosto de ficar com você e gosto de te ver feliz.
Penso em coisas que poderiam te satisfazer, em como eu poderia mudar tudo
pra você. — Estou resfolegando como se o ar tivesse esgotado na nossa
atmosfera. — Às vezes, quero te proteger, cuidar de você, e arquiteto planos
para que esteja segura, que se sinta amada. Você é tão… perfeita. —
Semicerro os olhos em sua direção, sendo honesto. — E tenho medo que
você descubra que não sou metade do homem que você acha que sou.
— Como assim? Tem alguma coisa que você precisa me contar que
descobriu sobre o meu pai? — Ela volta mais interessada, agarrando-se ao
corrimão da escada para não ceder com minhas próximas palavras.
— Podemos sair dessa escada, pelo amor de Deus! — Encaro a altura e
como estamos petrificados no meio dela. Meu estômago congela. Porém,
Delilah finca os pés onde está em uma clara relutância. — Certo, está bem.
Mas eu não descobri mais nada. — Limpo a testa suada usando as costas da
mão. — Só que… essa escada…
— Que é que tem ela?
Pressiono os lábios. Não quero falar sobre isso.
— Não vou sair daqui até que você diga alguma coisa que faça sentido
porque até agora, pelo menos, você só conseguiu me deixar mais confusa!
Delilah tem razão. Como ela pode confiar em um cara que não
consegue definir os próprios sentimentos e que tem medo de se abrir? Não
dá para confiar em alguém como eu e não dá, de jeito nenhum, para entender
como me sinto se não encarar para dentro de mim com vontade.
Minhas pernas estão doloridas, por isso eu me curvo para me sentar. As
mãos caem entre as pernas entreabertas. Sopro o ar denso e espero que
Delilah se sente ao meu lado. Maldito Bryan que enfiou merda na cabeça
dela, semeando a ideia de que poderia haver qualquer chance de eu ainda
gostar da namorada dele. Estou tentando me reerguer desse sentimento
fracassado e nem por um minuto colocaria em jogo o que tenho com Delilah
por causa de Mackenzie. Já perdi muito por ela e levei tempo para recuperar,
não vou sacrificar mais nada por Mackenzie, pode apostar.
— Minha mãe morreu aqui — confidencio, mas minha voz sai tão
baixa e controlada que talvez Delilah não tenha escutado direito, mas escuto
o estrondo do seu corpo colidindo com o degrau acima de mim. Olho por
cima do ombro e a vejo, encarando-me boquiaberta. — Nessas escadas.
Cheguei em casa um dia, depois de um fim de semana em Grev Willow.
Apostei todo o dinheiro que tinha, fumei maconha e me aventurei com
River, meu amigo da época do colégio. Foi insano tudo que vivemos.
Cheguei em casa por volta das nove da manhã, meus pais estavam
discutindo pra cacete e… não sei o que aconteceu. Eu não me lembro de
verdade — conto a ela com honestidade. — Minha mãe estava tão alterada,
fora de si, ela partiu pra cima do meu pai e ele tentou controlá-la. — Os
olhos de Delilah vão se arregalando conforme a informação vai chegando ao
seu cérebro e assimilando tudo. — Ele não a empurrou, se é o que você está
pensando. — Enxugo o nariz e me forço a travar o soluço na garganta, mas
não posso impedir as lágrimas. Estão bem aqui, a postos. — Ela caiu
sozinha. Estava na metade da escada quando a vi rolando, rolando e… o som
dos seus ossos se partindo a cada degrau. — Mordo o lábio inferior, o vazio
e a impotência tomam conta de mim. — Até que vi seu corpo no final da
escada, cercado por um mar de sangue. Eu entrei em parafuso, literalmente,
e não me lembro de nada que aconteceu depois. Como ela foi socorrida ou
quem chamou pelos médicos. As lembranças se embaralham num mar
incoerente, não sei o que é real e o que vi em pesadelo. Essa foi a história,
que, junto com o Dr. Skinner, consegui desvendar. Mas não conseguimos a
confirmação do que é real e não é. Meu cérebro criou um bloqueio, uma
maneira de me proteger da dor.
— Aidan, eu sinto tanto — Delilah murmura e posso ouvir, por cima da
sua voz manhosa, que está sendo sincera. Há lágrimas se agrupando nos
cílios dela e, quando pisca, escorrem. — Meu Deus. O seu pai, ele te contou
o que aconteceu depois?
— Ele disse que ligou para a emergência. Não tocou nela porque achou
que poderia piorar a situação. Eles chegaram rápido, mas ela não resistiu a
queda. — Respiro fundo, enxugando as lágrimas. — Eu falo pra todo mundo
que não sei por que meu pai não me contou o motivo do caixão fechado,
mas, na verdade, sinto vergonha por ter me esquecido e só ter conseguido
lembrar por uma sessão de hipnose. É mais fácil se esconder por trás da
tragédia do que lidar com ela.
— Você contou pra mais alguém?
— Além do meu psicólogo, você.
— Por quê?
— Porque, porra, Delilah, não sei. Tudo precisa de um motivo? Só
quero ficar com você. Eu te contei isso para te convencer de que, não
importa se estou apaixonado ou se é só a sua companhia, você é importante
pra mim de um jeito que nenhuma garota foi e eu espero que seja suficiente
até eu entender o que sinto! — Um fluxo de ar escapa por meus lábios.
Delilah se levanta, desce um degrau e se senta ao meu lado.
— Por que você está investigando o meu pai?
Eu jurei que a deixaria fora disso, mas essa é uma pergunta normal e
estou esperando por ela desde que contei que Jasper é seu avô.
— A. A. F. — digo, pausadamente, as palavras que saem da minha boca
causam amargor na minha língua.
Delilah tem muito o que pensar sobre Jasper, Sebastian e estar
desempregada. Não quero encher sua cabeça com uma nova revelação.
Duvido que saiba quem é Fuller, mas, mesmo assim, acrescentar mais isso a
sua lista de descobertas da semana não vai ser bom para ela. Decido que, em
outro momento, posso dizer quem é A. A. F..
— Você perguntou sobre isso pra mim.
— Sim. E para você entender, minha intenção nunca foi investigar seu
pai. Comecei querendo descobrir se Jev Adams realmente atirou no meu pai
ano passado ou se ele foi coagido para admitir a culpa. — Delilah escuta
com atenção, interessada no assunto. Uma ruga intensa se forma em sua
testa, os vincos expõem suas dúvidas. — Então, os investigadores
descobriram que tanto o meu pai quanto o seu estão em contato com esse
cara. Eu questionei meu pai, mas ele mentiu para mim e depois descubro que
abriu o Lost Paradise em parceria com ele.
— Nunca fui interessada nos assuntos do meu pai. Queria poder te
ajudar, Aidan, mas realmente não sei como.
Não preciso que ela me ajude porque eles já descobriram quem é esse
cara. Descartei completamente a possibilidade de Thomas Linderman estar
envolvido no atentado contra meu pai, mas estou certo de que o pai de Jev
tem mais influência nessa história do que o próprio prefeito corrupto. Por
mais que nada tenha se provado a respeito disso, comprar a polícia e tudo
que gera poder na cidade é uma maneira de tornar todas as possibilidades
dos papéis inverterem, significa que Sophia não tem a menor chance de
ganhar.
— Tudo bem — digo a ela, um minuto depois. — Não quero você
envolvida nessa merda, de qualquer forma.
— Mas… você pode contar comigo, se precisar.
— Sei que posso. — Abraço seu pescoço e a trago para perto, deixo um
beijo quente na lateral de sua cabeça, sobre a têmpora saltada. O cheiro bom
do seu cabelo invade minhas narinas.
Independente de como me sinta em relação a Delilah, ela tem controle
absoluto sobre minhas ações. Eu me esforço tanto por ela, para deixá-la feliz
tanto quanto é possível. São sentimentos, coisas com que me deparo, que me
assustam dessa maneira.
Compreender a seriedade do que sinto me faz temer um relacionamento
com Delilah.
— Estamos bem? — pergunto, encarando os lábios vermelhos por cima
da luz fraca que vem da sala de visitas.
— Estamos. Vou respeitar seu tempo e espaço, mas preciso que entenda
que eu também não posso viver esperando que você corresponda aos meus
sentimentos. Uma hora ou outra, você precisa ter uma resposta.
— Eu entendo. — Faço que sim com a cabeça, concordando com ela.
Um minuto de silêncio percorre nossa bolha e espaço. Estou com
Delilah protegida sob meu braço, seu cheiro me invadindo e estimulando
meu instinto lascivo. Depois de toda essa discussão sobre sentimentos e a
confusão explícita na minha mente e coração, queria me afundar nela por
completo. Só senti-la vibrando debaixo do meu corpo enquanto goza.
Gemendo e implorando por mais. O pensamento em si já é excitante, mas tê-
la provado várias vezes torna vivo demais na minha cabeça para ignorar.
Nós acabamos de discutir e não quero ser invasivo, só quero que saiba
que posso ser um babaca por não conseguir definir meus sentimentos, mas
ela é importante a ponto de levá-la nos lugares dessa mansão que significam
muito para mim.
— Quero te mostrar um lugar.
Não espero a resposta. Entrelaço nossos dedos, guio-a escada abaixo
em direção ao vestíbulo estreito entre a escada e a sala de visitas. Delilah já
atravessou esse corredor outras vezes, não faz ideia de onde estamos indo
quando passamos na frente do antigo escritório do meu pai e ignoro sua
pergunta.
De dentro do meu bolso, retiro uma chave que anda junto com o
chaveiro da Diamond. A porta de carvalho, lustrada com verniz, se abre
assim que giro a chave na maçaneta.
Os olhos de Delilah crescem sobre o cenário à nossa frente.
Um tapete antigo, com mosaicos ininteligíveis no tecido vermelho
cobre todo chão amadeirado da biblioteca Lynch. Ela é tão grande e
prepotente que qualquer pessoa apaixonada por livros, como Delilah, se
perderia nela por horas.
Ao lado esquerdo, as prateleiras começam e se acumulam até o fundo
do cômodo escuro.
Saio em busca do interruptor e, rapidamente, os livros se iluminam com
a luz amarela do ambiente. Minha mãe escolheu a decoração pessoalmente
de cada canto dessa mansão, todo o resto tem uma ambientação moderna
chique, mas a biblioteca, em particular, tem um ar rústico que nos lembra
filmes de época.
Delilah vislumbra com adoração e toca as lombadas dos livros como se
não fosse possível existir um lugar assim em Humperville.
Apesar da tragédia ter acontecido nesta casa, ainda existem lugares aqui
no qual sou emocionalmente ligado. A biblioteca, por exemplo, é um deles.
Que pessoa em sã consciência abriria mão de um lugar tão delicado e
especial como esse? Eu relutei até o último minuto e não queria vender a
mansão por toda carga emocional que carrega.
A escada acoplada às estantes que se estendem até o teto alto é como
uma torre a ser escalada. Delilah se apoia nela para conseguir enxergar os
nomes nas lombadas, a cada espreitar de olhos dela sinto sua curiosidade
mais afiada.
— Por que você nunca me trouxe aqui? Esse lugar é incrível! — Ela
desce e caminha para o lado direito, onde um piano de cauda está
estrategicamente posicionado entre duas estantes. — Sua mãe tocava? —
Abre o tampo onde ficam as teclas e desliza os dedos por cima delas como
se fossem familiares.
— Não. — Rio, me aproximando dela. — Mas eu tocava um pouco.
Não sou bom nisso, larguei as aulas quando comecei a tocar bateria e me
apaixonei pelo som.
Minha mãe me trazia aqui sempre que estava em casa e tinha que tocar
para ela suas músicas clássicas favoritas – ao menos as que eu sabia – e,
confesso, não gostava tanto. Essa é uma das vagas lembranças que tenho.
— Sério? Você consegue tocar alguma coisa pra mim? — O sorriso de
Delilah desarma qualquer desculpa que eu tenha para não fazer nada do tipo.
Não quero errar uma nota na sua frente, estou sempre preocupado em
demonstrar minhas fraquezas para ela, porque, como disse, ela é especial.
— Consigo — pigarreio, aproximando-me do meu velho amigo de
cauda.
Eu me sento no banco e estalo os dedos. Não quero tocar uma música
antiga ou clássica, porque Delilah não reconheceria. E, apesar de conseguir
cantar um pouco, não sou um cara virtuoso com o mesmo dom de Bryan.
Tem que ser uma música que eu goste e não me sinta travado para me
expressar.
Conheço a música perfeita.
— Conhece Wherever you are?
— Kodaline?
— Sim.
— Claro! — exclama, sorrindo.
Tenho a confirmação. Ajeito-me na frente do piano, os dedos flutuam
por cima. Pego o celular do bolso e procuro pela partitura da música,
posiciono o aparelho em cima do atril, na altura dos meus olhos e posiciono
o corpo confortavelmente para alcançar os pedais.
Deposito os dedos retorcidos sobre as teclas e as notas começam a fluir,
meus olhos acompanham as notas musicais prontas na partitura em meu
celular e desvio por um segundo quando Delilah se inclina por cima da
tampa do bastidor.
Os dedos cruzados, brincam nervosamente um com o outro.
— You say you love me, you say you care, and when you’re with me, my
future’s there — cantarolo, sobre o som doce da melodia do piano. Minha
voz não é tão boa, é baixa e falta ar quando canto, mas Delilah não se
importa, seus olhos em cima de mim são com admiração.
Você diz que me ama, você diz que se importa, e quando você está
comigo, meu futuro está aí.
— We get carried away in emotion, we get lost in each other’s eyes and
we forget what we regret as we cast our fears aside. — Saio em busca dos
seus olhos, brilhando sob a luz amarelada da biblioteca e o som da minha
voz se funde a melodia suave evocando através do cordal do piano.
Nos deixamos levar pela emoção, nos perdemos nos olhos um do outro,
e esquecemos do que lamentamos ao deixarmos nossos medos de lado.
Delilah abre o sorriso mais sincero e amável que já recebi, o néctar que
escorre dela por meio de sua gentileza, me faz entender o meu medo. Ela é
imaculada de coração. Carrega dentro de si a grandeza de uma alma serena.
Tenho medo de como as coisas vão funcionar se nós dois aceitarmos essa
colisão de mundos. Como será quando ela conhecer a podridão por trás
dessa casca? Ela vai me deixar e eu não vou resistir.
— When the world’s getting hard, I will go to wherever you are.
Running blind in the dark, I will go to wherever you are. Wherever you are, I
swear I’ll be, wherever you are, I swear I’ll be. — Essa parte da música é
quase um sussurro, que empurro garganta afora, de olhos fechados, sinto
cada palavra penetrar meu coração com convicção.
Quando o mundo estiver ficando difícil, eu irei para onde você estiver,
correndo às cegas no escuro. Eu irei para onde você estiver, onde você
estiver, eu juro que vou estar, onde você estiver, eu juro que vou estar.
— Forget the violence, forget the world. I see you smile and I’m lost for
words — canto sem desviar dela, não posso me apaixonar por Delilah, mas,
talvez, meu coração já esteja a seu alcance e eu não posso mais regressar.
Esqueça a violência, esqueça o mundo. Eu vejo você sorrir e estou
perdido em palavras.
Não termino de cantar, a música morre nesse momento como se
estivesse interligada a mim.
Essa música, entretanto, fora lançada meses atrás onde eu nem
imaginava que estaria aqui, diante dela, usando-a para me expor como não
consigo quando estamos sozinhos.
Delilah me encara com um sorriso, não há decepção por eu não ter
terminado de cantar ou pela música incitar que estou tão perdido nessa
profusão de sentimentos quanto antes.
Ela se inclina mais, sem dizer nenhuma palavra e sua boca na minha é a
explosão necessária para me tirar do trâmite entre não a decepcionar e
decidir de uma vez por todas como me sinto.
O estalo de nossas línguas duelando e a pressão de seus lábios contra os
meus me tiram da melancolia agonizante. Sentimentos são complicados,
profundos, e não estou pronto para lidar com nenhum deles.
Termos discutido sobre isso, não faz de Delilah incompreensiva. Agora
que sabe que minha hesitação não tem nada a ver com outra mulher, está
tranquila e operante, sem deturpar sua determinação em me ter. Gosto
quando ela assume o controle e seu querer é uma exposição. Adoro como
Delilah me provoca, com a língua ou em palavras, ela é uma chama em
ascensão e não gostar de fogo não me impede de prová-la.
Seguro-a pela cintura e a trago para perto. Preciso me levantar, no
entanto. O banco comprido e largo do piano me impede de tocá-la como
merece.
Seu body fino e o cropped abrigando seus mamilos intumescidos me
fazem perder a linha de raciocínio. Saber o que vou encontrar por baixo de
todas essas roupas só aumenta a ansiedade de tirar peça por peça.
Inconscientemente estou pedindo perdão para a minha mãe por querer fazer
sexo com Delilah aqui, no seu lugar favorito da casa, mas, ao mesmo tempo,
quero batizar cada canto desse lugar.
Tiro a jaqueta jeans, sem descolar nossas bocas. Delilah me ajuda,
enfiando as mãos impacientes por debaixo do brim pesado. Ela cai no chão
como um peso morto, ao redor dos nossos pés e, em seguida, estou com os
dedos estremecidos de prazer brigando com o botão de seu short jeans, louco
para arrancá-lo dela. A necessidade bate à porta e sinto vontade de rasgá-lo
por ser um empecilho entre nossos corpos.
Delilah percebe a minha dificuldade, ri contra mim e leva os dedos
hábeis para o botão de seu jeans. Ela tem mais paciência para desabotoar do
que teve para arrancar minha jaqueta. Em uma fração de segundo, está
seminua diante de mim. A boceta lisa e sedosa à mostra me convida para
beijá-la.
Eu a agarro por trás das coxas, levando as mãos pretensiosas no vão
entre as pernas. Um movimento impetuoso e a coloco sentada na tampa das
cordas. Seus joelhos estão separados, seu líquido lubrificante está
umedecendo o tecido rendado da calcinha. Deslizo a língua esfomeada por
cima, a aspereza da renda machuca a cobertura aveludada, mas não me
importo porque Delilah entremeia os dedos nos meus fios de cabelo,
projetando a coluna para a frente, em um pedido silencioso para fodê-la.
Porém, não atendo a ele tão rapidamente. Desabotoo o body, agarro a
lateral de sua calcinha e a puxo. O som que evoca de seus lábios é excitante
demais e rapidamente estou com a língua dentro dela, saciando seu desejo e
o meu de tocá-la.
A rouquidão do seu gemido me encoraja, sugo com avidez seu ponto
inchado, fazendo meu pau dentro das calças se agitar com rebeldia. Chupo e
lambo o líquido doce escorrendo pela fenda de sua boceta, saboreando com
um ganir de prazer.
— Porra, Aidan, me fode!
Não obedeço, entretanto, enfio um dedo nela para provocá-la mais um
pouco. O vai e vem frenético a faz choramingar e tremer sob meu dedo
estocado nela.
Estou tão duro, pronto para entrar nela e decido que já chega de
provocações. Delilah grunhe em repreensão quando tiro o dedo e o levo à
boca para lamber, ela se apoia nos cotovelos para me observar e suaviza a
raiva ao me flagrar abrindo a braguilha da calça e rasgar a embalagem
laminada da camisinha que deixei dentro do bolso, coloco-a e me inclino.
Passo os braços em volta de seu quadril e a trago para a beirada. O
solavanco a faz zunir. Eu a beijo, compartilhando o sabor de sua boceta
doce. Pego meu pau e o posiciono em sua entrada, está tão molhada que
facilita demais a penetração, embora os lábios do seu sexo se fechem em
volta de mim, tornando mais delicioso ainda estar dentro dela. Suspiro de
prazer ao ser abrigado num lugar quente e úmido.
Tiro seu body, em busca de seu mamilo empinado, apertando-o por
cima do cropped. Invisto contra ela em um movimento ágil e rijo, sentindo o
ponto sensível dentro dela, que a faz revirar os olhos e soluçar de prazer.
Repito com cadência e fervor, sinto o sangue em volta do meu pau
entrar em combustão simultaneamente às carícias que faço no bico do seu
seio. Delilah tomba a cabeça para trás, resistindo a gozar, mas quero que ela
faça exatamente isso.
Com força, levanto o cropped e sem parar as investidas nela, coloco um
mamilo inchado na boca. Sugando, lambendo e gemendo contra sua pele
polida.
— Ai, meu Deus, isso — ela murmura, a voz entrecortada porque está
mordendo o lábio inferior. — Bem assim, aí!
Sua cabeça volta a cair para trás quando mordisco o bico do seu peito e
com mais duas estocadas, sinto o néctar quente de sua vagina escorrendo por
cima de mim. Contudo, não paro, vou mais fundo e mais forte, e, com um
grunhido rouco, também gozo.
Desmonto em cima dela, encurvado, e Delilah com as pernas para fora
do piano, buscando o ar. Saio de dentro dela, tiro a camisinha e, como
sempre, a guardo na embalagem rasgada.
Eu a ajudo a descer do piano e vestir suas roupas. Suas bochechas estão
vermelhas e sua testa suada, mas tem um sorriso de satisfação ornando o
rosto. Amo essa expressão satisfeita, porque amo satisfazê-la. Amo como
nossa conexão cresce e se expande. Não só no sexo, mas na vida pessoal
também. Ter contado a ela sobre a minha mãe prova que não estou evitando
intimidade, pelo contrário, estou me esforçando para fazer com que Delilah
seja a única na minha vida que conhece todas as minhas fraquezas.
Estou lutando por ela como disse que faria.
Delilah mal terminou de abotoar o short quando estou amparando a
mão sob seu queixo e erguendo seu rosto para beijá-la. Tem paixão,
sentimento, necessidade e verdade no modo como eu a abraço enquanto nos
beijamos. Tem fidelidade, a promessa de que estou fazendo de tudo para que
seja a única em meu coração. É tudo silencioso, sem nenhuma palavra me
escapando, mas como todas as vezes em que Delilah me leu nas entrelinhas,
ela consegue fazer isso agora.
Ainda estou abraçado a ela, vestindo só minha cueca quando nos
encaramos por alguns segundos.
— Esqueci de te contar. — Ela envolve minha cintura com seus braços,
a cabeça cai para trás para conseguir me olhar melhor. — Mack, Gravity e
Effy descobriram sobre a carta de Sebastian. Elas me deram alguns
conselhos e, não sei, talvez eu deva ir naquele evento idiota do meu pai.
Preciso ouvir essa história da boca dele. Entender os motivos que o levaram
a mentir para nós. E prefiro fazer isso num lugar público, onde ele não pode
me ameaçar.
— Parece que você já se decidiu. — Deposito um beijo na ponta do seu
nariz e ela ri.
Céus, eu amo o som da sua risada!
— Sim. Falar com Jasper não vai fazer com que eu deixe essa história
no passado. É o ponto final de que preciso para seguir em frente.
— Posso ir com você, se quiser. Se não me engano, você pode levar um
acompanhante.
— Você faria isso por mim?
— Faria, Delilah.
— Acho que não estou pronta para ficar com meu pai sozinha ainda.
Ele não me transmite confiança e tenho medo do resultado dessa conversa se
não tiver alguém em quem confie lá. — Deixo um beijo em sua testa assim
que ela termina.
— Estarei lá do seu lado, prometo.
— Obrigada, Aidan.
— Por nada, linda.
Delilah e eu somos obrigados a nos separar quando a voz familiar do
meu pai grita no corredor.
Encaro a porta fechada da biblioteca com apreensão, minha garota
termina de se vestir enquanto coloco minha calça jeans e fecho o zíper no
momento em que o senhor Darnell Lynch atravessa a porta, a escancarando.
Seus olhos pulam de mim, vestindo a jaqueta jeans e pegando a embalagem
da camisinha do chão, para Delilah, que está calçando o sapato que saiu dos
seus pés quando a coloquei deitada no piano.
— O que foi? Como você entrou aqui? — Entrecerro os olhos para ele.
— Essa casa já foi minha, é claro que a minha digital está na porta.
— Eu pedi para trocarem!
— É, claro, mas o dinheiro que você usou para isso era meu. Vamos
conversar. Agora.
Ele está furioso com alguma coisa. O olhar invasivo que ejeta para
Delilah me faz entrar na defensiva e crio uma barreira com meu corpo entre
os dois. Ele não a atacaria, meu pai não é esse tipo de pessoa, mesmo assim
sinto que poderia descontar nela a raiva que está sentindo de mim nesse
momento, em forma de palavras.
— Aidan, agora, porra! — grita, o que faz Delilah pular atrás de mim e
se agarrar à manga da minha jaqueta.
— Fica aqui — digo a ela, calmamente e o sigo para fora.
Ele caminha para a sala de visitas e espio por cima dos ombros para ter
certeza de que Delilah não está me seguindo. Fico aliviado ao perceber que
fez o que pedi e permaneceu nas paredes protetoras da ira de Darnell na
biblioteca.
Meu pai é um bom homem, não duvido de sua integridade, mas anda
mentindo demais para mim sobre os negócios e desviando sua raiva para
pessoas inocentes, como Delilah.
Ele não tinha o direito de obrigá-la a se demitir.
— Você anda investigando Thomas Linderman? — Ele solta antes
mesmo de estarmos por completo na sala. A lareira acesa e trepidando
ilumina seu rosto carrancudo.
— Porra, Aidan! — Ele marcha da direita para a esquerda e da esquerda
para a direita, meus olhos acompanham cada passo que meu pai dá. — Eu te
disse pra esquecer essa história, para não se envolver e, merda, o prefeito?
Sério? A porra do prefeito? — Minhas íris estaladas em sua direção passam
imperceptíveis por ele. Nunca ouvi meu pai dizer tantas palavras em uma
frequência tão grande, muito menos repetidas vezes numa única frase. — O
que você estava pensando, hein? Se tornar o herói da história? Me responde,
caralho! — grita, e sou obrigado a fechar os olhos.
Não estou nem um pouco a fim de me explicar para ele. Todas as vezes
que precisei de respostas, meu pai não as entregou para mim. Talvez eu não
estivesse envolvido nisso até o pescoço se Darnell conseguisse ser, pelo
menos, um pouco sincero com a própria família, mas, aparentemente, Willa
e eu nunca fomos uma prioridade para ele e nos deixar participar da sua vida
é um problema.
Começo a juntar a carne intocada na mesa e as duas taças de vinho –
uma suja e outra intacta –, ignorando a fúria do meu pai da mesma maneira
em que ele tem ignorado todas as minhas preocupações.
Tudo que fiz foi em prol de protegê-lo, porque o amo e não quero
perdê-lo por uma idiotice. Nunca entendi por que meu pai age dessa maneira
quando se trata do prefeito, que Thomas não nos queria aqui quando nos
mudamos para Humperville é um fato, mas tornar isso um assunto
indiscutível, é suspeito.
— Garoto, estou falando com você.
Sua repreensão me acompanha até a cozinha. Os passos pesados de
ogro também. Não suavizo, entretanto. Meu rosto permanece intacto a suas
perguntas e a linha dura da minha boca não oscila, ameaçando lhe dar uma
resposta.
— Então vai ser assim? Vai agir como se não soubesse de nada?
Guardo as sobras na geladeira pacientemente, quase como se esse
simples ato precisasse de todo o cuidado que estou tomando. Volto para a
sala de visitas, ele me seguindo, e apago o fogo da lareira.
Acendo as luzes e me sento no sofá de quatro lugares de frente para ele.
Meu pai se mantém anestesiado diante de mim. As narinas dilatadas pela
impaciência, por me abster de conversar com ele.
Estico as pernas. As pontas dos meus pés quase tocam a base de
madeira da mesinha. Ele enfim para de me encarar inquisitivo e ameaçador,
começa a olhar para mim com as pestanas baixas e a expressão cautelosa.
Ele sabe que, enquanto estiver gritando e perdendo o controle, vou continuar
estoico, como se suas provocações não pudessem me penetrar. Darnell
entende isso, porque, apesar da minha rebeldia no passado, ter perdido
minha mãe me ensinou a valiosa lição de parecer inabalável, mesmo que por
dentro tudo esteja desmoronando.
Resignado, segue para o sofá de dois lugares ao lado, os ombros caídos.
Ajeita o paletó e, como se não conseguisse mais respirar sob o aperto da
gravata, começa afrouxando o cordão em volta do pescoço e dois botões da
camisa desprendem.
— Quer uma bebida? — É mais uma sugestão do que uma pergunta.
Seus olhos claros, soando inquisitivos, acompanham o movimento de
sua cabeça. Ele faz que sim e rapidamente estou de pé, indo para a cozinha
para preparar duas doses de uísque.
Quando volto, já tirou os sapatos encerados e abandonou o paletó. Aos
poucos, sua armadura está caindo por terra. Prefiro falar com meu pai
quando não está agindo como um empresário lunático. Gosto de olhar para
ele e ver o meu pai, e não Darnell Lynch, o cara que criou um império ao
longo dos anos.
Entrego a bebida para ele e retomo meu lugar no outro sofá. Inclino-me,
os cotovelos se amparam em cima das coxas e bebo um gole da bebida. Ela
queima minha garganta assim como o olhar furtivo do meu pai queima a
extensão das minhas bochechas.
— Não estava investigando Thomas Linderman, isso aconteceu depois
de ter descoberto que você e ele mantém contato com a mesma pessoa —
declaro sem ânimo e nós dois, simultaneamente, estamos virando uma dose
generosa de uísque goela abaixo. — Fuller Adams.
O brilho afetuoso comum em seus olhos evapora. Escoa com uma
facilidade surpreendente ao ouvir o nome de Fuller. Bingo. Ficaram repletos
de nebulosidade. Viramos outro gole e sinto o aperto na língua, em
consequência a quantidade exacerbada de álcool se apossando das minhas
papilas.
— A princípio, não sabia quem era A. A. F. e me pareceu uma
instituição de caridade. É comum que pessoas como vocês queiram parecer
caridosas para a mídia, mas o interessante foi que, quando te perguntei, você
disse que não conhecia esse cara.
— Porque não conheço. Nem sabia que Fuller estava registrado como
A. A. F. em suas ligações. O que eu poderia fazer, Aidan? Pedir um relatório
para o cara quando me ofereceu um bom dinheiro para abrirmos um negócio
juntos?
— Considerando que o filho dele fodeu seu ombro um ano atrás, sim,
poderia começar por aí! Que tal se questionando por que o filho da mãe foi
expulso da administração de um grande hospital? Porque, pai, meus
investigadores descobriram que ele faz uma lavagem de dinheiro pesada. E,
considerando que tanto você quanto Thomas estão em contato com ele
constantemente, o que você pode esperar que eu pense?
— Acredito no potencial de administração de Fuller.
— Acredita no potencial de um estranho, mas não no próprio filho. —
Meus dedos se apertam entorno do copo. Preciso de todo autocontrole para
não parti-lo com os próprios dedos. — Irônico.
— Não é irônico, Aidan. Fuller trabalhou durante anos com a
administração de hospitais e grandes empresas. Você é só uma… criança
ainda!
— Criança? Então por que caralho você decidiu que minha irmã e eu
devíamos ficar aqui, longe de você e da sua nova família? Por que fez da
mansão nossa prisão? — Ele aperta os lábios, engarrafando o desgosto na
traqueia. — Somos adultos pra isso, mas não para lidar com seus negócios.
Entendo. Quer saber o que eu acho de verdade? Você está tão envolvido
nessa merda quanto Thomas e Fuller, e que o tiro ano passado, foi só uma
briga entre ricaços tentando provar quem é mais forte, mais poderoso. E eu
mal posso esperar para dar o fora dessa cidade de merda! — cuspo cada
palavra com sinceridade.
Bryan conversou com a banda sobre um cara, um possível empresário
para a The Reckless e Math está averiguando tudo para garantir que nós não
entremos em uma furada. Todos nós estamos esperançosos e otimistas. O tal
do Jared McAvoy é um cara com um excelente currículo, outras bandas já
trabalharam com ele.
— Você não sabe do que está falando. Tudo que faço é pra proteger
você e sua irmã, tornar vocês duas pessoas melhores do que sua mãe e eu
somos — diz, comprimindo os lábios em desgosto.
— Você nunca me disse por que estavam brigando naquele dia. Me
contou muitas coisas sobre o que aconteceu no topo daquela escada, mas
nunca me disse por que vocês estavam discutindo. — Minha sobrancelha
direita se arqueia para ele.
— Nós brigávamos o tempo todo. Eu não me lembro o motivo, você
não se lembra que sua mãe e eu não éramos mais um casal feliz porque
estava ocupado demais gastando meu dinheiro com lutas clandestinas em
Grev Willow. Então, Aidan, sinto muito se é complicado para mim confiar
que você pode dar conta do recado agora.
— Sempre tive a visão de que você era um pai perfeito, uma imagem a
ser seguida, alguém a quem eu devia admirar, mas tem se provado um
babaca egoísta e controlador, o que me faz pensar que você não é melhor do
que o cara atrás das grades pelo tiro que não te matou. — Eu me levanto,
segurando a frase final na garganta que pode destruir o meu pai. — Às
vezes, eu queria que você não tivesse sobrevivido àquilo.
A sinceridade em minha voz é a ruína para Darnell. Seu corpo, olhar e
mente estão em autodestruição depois do que digo. Ele me encara, como se
estivesse me esperando retirar a frase dolorosa, que não perfurou só o peito
dele, mas o meu também.
Meu pai já foi o meu herói, mas existe uma muralha entre nós. Ela se
ergueu em algum ponto da nossa história de pai e filho, não sei exatamente o
momento em que aconteceu, mas separou nossos caminhos.
Entendo isso agora.
Estou ferido por dentro. Ele nunca me bateu, mas a cada vez que
duvidava da minha capacidade como seu herdeiro, tirava uma parte de mim
e não repunha com palavras de aconchego ou sabedoria. Nunca senti que ele
estava tentando me ensinar alguma coisa, só me punia. Me destruía como
quem não tivesse nada por baixo de toda a carcaça de pele e osso. Ele me
machucou de tantas formas diferentes ao me demitir, ao demitir Delilah, ao
tentar fazê-la se afastar de mim, que só penso que a única possibilidade de
superar isso é machucá-lo de volta.
— Quero que você pare de investigar Thomas. Na minha frente, você
vai ligar para os detetives que contratou e mandar que parem agora mesmo.
— Não precisa ser uma ordem. Tenho medo do que posso descobrir a
seu respeito.
Pego o meu celular e envio uma mensagem para Bullock e Tucker. Já
estava considerando isso há um tempo. Desde que descobri sobre Jasper e
como aquilo afetou a Delilah e ficamos afastados por dois dias. Não porque
ela se sentia machucada por mim com a informação que lhe dei, mas toda
essa merda é uma parede invisível crescendo entre nós dois, nos separando.
E não quero que nossos caminhos encontrem uma encruzilhada por causa
das nossas famílias.
Ergo o celular e mostro o que digitei para os detetives. Os olhos
cautelosos de meu pai alternam entre uma frase e outra, no instante em que
recebo uma resposta deles. É um OK simples, condescendente, porque já
naquele dia tinha dado indícios de que não estava mais em busca de
respostas.
Meu pai aceita essa condição. Ele quer trabalhar com Fuller e não se
importa que Jev tenha tentado matá-lo e minha convicção de que, nisso tudo,
fui o único imbecil a acreditar na inocência dele.
— Satisfeito? — Trago o celular de volta e o guardo no bolso. Meu pai
assente e se levanta, pegando o paletó e calçando os sapatos. — Ótimo,
agora você pode ir. — Gesticulo para a saída. Dá para ver que ele está
hesitando, mas permaneço como uma estrutura sólida sem mudar de ideia.
— Diz pra Willa que ligo amanhã. — Faço que sim com a cabeça e ele
se arrasta em direção ao hall.
A porta bate e desmorono no sofá. Toda a postura compenetrada, a
consciência límpida e o autocontrole são um disfarce.
O som da porta batendo é um eco, lembrando-me de que, se estávamos
distantes antes, agora estamos inalcançáveis.
A pele nua de Delilah está revestida por uma camada fina de suor, a
respiração áspera inflando as narinas. Estendo os lábios no alto de seu
ombro, deposito um beijo casto na pele úmida e mudo o rumo para o lóbulo
de sua orelha. Eu o mordisco, que a faz produzir um ronronar afetuoso.
Preciso resistir à tentação, acabamos de fazer amor e eu queria muito uma
segunda rodada, mas estamos na cama há horas e temos pouco tempo antes
de a mansão ficar lotada.
Meu braço esquerdo envolve seu quadril carinhosamente, o que a faz
rolar para alcançar minha boca. O beijo intenso, recheado de segundas
intenções, me faz arfar e preciso de uma força extracorpórea para lutar
contra os encantos dela e sua tremenda habilidade de me fazer perder a linha.
Pequenas explosões estão acontecendo no peito, meu coração se
expande a cada vez que estamos juntos e, apesar de tão grande, não parece
ser suficiente para tudo que estou sentindo por essa mulher.
Eu poderia ficar o dia todo na cama com ela, aninhá-la sob os meus
braços e simplesmente curtir sua presença. Não falamos nada há uns dez
minutos, em algum momento do nosso relacionamento, o silêncio deixou de
ser um constrangimento pesado e passou para familiar. É quando você não
precisa de monólogos ou frases prontas, a presença da pessoa é suficiente. É
assim que me sinto com Delilah, estar com ela basta para mim.
— Eu devia estar me arrumando — diz, mas não noto nenhum indício
de que seu corpo está se preparando para sair da cama. Ergo a cabeça para
olhar seu rosto corado sob a luz baixa do abajur.
— Devia, mas você não quer.
— Não. — Ela se mexe, sua bunda durinha e empinada tocando meu
membro. O contato, pele com pele, é muito arriscado. — Mas a gente devia
vestir alguma coisa ou…
— Ou nós vamos começar tudo de novo — Sua risada preenche meu
quarto e penetra meu coração.
— Nem terminamos de empacotar suas coisas. — Delilah estuda o
quarto bagunçado com pilhas de roupas para doação e outras que preciso
ajeitar numa mala.
— Ainda temos alguns dias antes da mudança, vai dar tempo.
— Minhas coisas estão prontas!
— Você já arrumou tudo?
— Que eu me lembre bem, quando vim morar aqui, trouxe uma mala,
nada mais. — Ri, usando a ponta do indicador para fazer ilustrações
indecifráveis no meu braço. — Aidan?
— Hum? — Fecho os olhos, aconchegando meu nariz em sua nuca.
— Estou com medo de falar com meu pai.
— Ele não vai te machucar. Nada vai te machucar naquele lugar, eu
prometo. Vou ficar com você o tempo todo, baby.
— Tenho um pressentimento ruim desse evento. É como se eu não
devesse ir.
— A escolha é sua. Se quer tirar essa história a limpo, falar com Jasper
ou seu pai é o melhor caminho.
— Não quero assustar um senhor de idade, é cruel aparecer lá de
repente. E o que eu diria? Oi, sou a sua neta renegada. Além do mais, meu
pai não deve falar com ele há tempos, porque, durante os quatorze anos que
vivemos juntos, nunca vi Thomas mencionar o nome dele.
— É estranho mesmo que seu pai tenha um pai e nunca tenha falado
nada sobre isso. Você já tentou perguntar pra sua mãe?
— Já, quer dizer, eu não disse que descobrimos sobre Jasper, mas
perguntei sobre meus avós paternos e minha mãe disse que nunca os
conheceu porque Thomas não sabia dos pais, e que foi criado por uma tia ou
coisa assim, que não se viam desde a faculdade.
— Ele mentiu.
— É, nós sabemos disso, mas minha mãe não.
— Já que estamos falando do seu pai... — Ajeito a postura, subo os
quadris e me encosto à cabeceira. Trago-a para perto, cobrindo seus ombros
com meus braços. O lençol que tampa seus mamilos escorrega centímetros
abaixo e o bico do seio duro salta. Dou uma espiada como qualquer
namorado atraído pela namorada faria. Delilah sorri, nem um pouco tímida,
e fisga meus lábios. Outra vez, preciso me afastar para me concentrar. —
Sinto muito.
O pedido de desculpas gera em Delilah suspeita, suprimo um suspiro
para continuar:
— Você se lembra do nosso primeiro encontro? — Ela acena, fazendo
que sim. — E eu disse que provavelmente Sebastian não sabia nenhum
segredo do seu pai? Acho que ter descoberto sobre Jasper muda tudo. Então,
sinto muito por ter julgado seu irmão. Eu sei que você ficou chateada e…
você sabe — sacudo os ombros —, eu entendo, quer dizer, se alguém
contasse alguma coisa sobre minha mãe que não batesse com a
personalidade doce dela, também ficaria magoado.
— Acho que nem tudo sobre Sebastian estava errado. Eu terminei de
escutar todos os áudios do iPod. — Arregalo os olhos, surpreso. Pensei que
ela tinha deixado isso para trás. — E não tinha nada lá que pudesse me
ajudar. Só um monte de mensagens que ele pensou que eu precisaria ouvir,
porque, como sempre, Seb não tinha fé em mim. Nunca fui forte o bastante
ou emocionalmente estável o suficiente para lidar com os problemas.
Sebastian me colocou como a pessoa que sempre precisa de orientação se
quiser conquistar qualquer coisinha na vida. Eu amei o Bryan, não foi a
minha carência que disse isso, foi o meu coração. Doeu quando tive que
deixá-lo. Doeu quando machuquei minhas melhores amigas. Eles nunca
foram um bote salva-vidas para mim, eu os amava de verdade e entendo isso
agora.
— De qualquer forma, Sebastian estava certo sobre o segredo do seu
pai. Ele tem um.
— É banal — responde depressa e uma sobrancelha minha se arqueia.
— É ridículo. Por que meu pai bateria nele por uma coisa tão estúpida?
Significa que, quando eu confrontá-lo no evento, vou levar uma bofetada?
Não sei, Aidan. Alguma coisa nessa história não fecha. — Delilah passa o
braço por cima da minha barriga, aconchega a cabeça embaixo do meu
queixo e sua observação faz com que as engrenagens do meu cérebro
trabalhem. — Já me decidi que não quero descobrir, se for sobre Jasper ou
não, prefiro não saber. Se essa descoberta destruiu meu irmão, ela também
vai me destruir.
— Então você não vai mesmo no evento do seu pai?
— Ah, pensando bem, eu vou. Quero que Thomas Linderman veja
como eu estou feliz e não preciso dele.
Encaro a entrada da casa onde colaram uma faixa que imita o convite
que Willa espalhou pela faculdade na última semana: larga e comprida, o
fundo com a foto de uma abóbora imitando uma cabeça com silhueta
aterrorizante. Nas vértices da tela, o desenho de teias de aranha. A escrita
nela diz: The Reckloween, beijos ou travessuras?
Sacudo a cabeça para ela, minha clara reprovação ao slogan de Ashton.
The Reckloween foi o nome que a The Reckless escolheu para a festa de
Halloween de hoje. Eu não achei que precisasse, mas “lendas” querem ser
lembradas em todos os detalhes de tudo que fizerem.
A mansão Lynch quase vazia virou cenário de terror, literalmente. Tem
sangue falso nas paredes brancas e o corrimão das escadas com adornos de
esqueletos. As luzes baixas, intercaladas entre um azul gelo e roxo escuro
transformaram o ambiente em fantasmagórico e a cada intervalo de dez
minutos, piscam incessantemente.
Preciso admitir que os meninos sabem dar uma festa de Halloween e até
mesmo eu, que nunca saí para pedir doces no meu condomínio, estou
animada para ver tudo que prepararam.
Como a ideia principal partiu de Ashton e Willa, eles ficaram
responsáveis por toda a decoração e as brincadeiras. Se não fosse a música
alta – uma playlist feita especialmente para a noite de hoje –, acho que seria
capaz de ouvir o eco das pessoas conversando pela falta de móvel na
mansão.
100 Bad Days irrompe através das paredes da mansão, elas se
espremem à minha volta com a quantidade de pessoas espalhadas pelo
primeiro piso, fazendo-me duvidar do espaço descomunal que a casa dos
Lynch tem. A esfera do ambiente me lembra os horários de almoço no
refeitório da universidade ou o auditório lotado quando a The Reckless vai se
apresentar.
Caminho para a sala de visitas. A última mensagem que recebi no
grupo das garotas dizia que nos encontraríamos ali. E, assim que cruzo a
porta, vejo-as sentadas nos sofás recém-decorados que os meninos
encontraram numa feira de usados dois dias atrás: com tinta branca,
desenharam teias de aranha por toda a superfície preta do estofado de
courino.
Dou uma boa olhada na obra de arte e, pelos traços precisos, posso
imaginar que Gravity ficou responsável por transformar esses sofás em
decoração de festa de Halloween.
— Oi — cumprimento com um aceno, com a voz alta por cima da
música.
Perdi-me de Aidan assim que descemos. Ele saiu para se encontrar com
o restante dos membros da banda e eu fui dar uma olhada na decoração antes
que os universitários bêbados destruam todo o trabalho.
— Oi, e aí — Faith me responde, o queixo acentuado se move devagar
e a curva dos lábios com batom preto ondula num sorriso.
Dou uma boa olhada nas fantasias e acho que de todas, fui a menos
criativa. Sinto-me minúscula no meu uniforme de líder de torcida; a boa e
velha saia de pregas, as pontas curvadas tingidas de amarelo e o restante do
tecido de preto. Meu top de alça grossa preto, com o nome de Humperville
estampado no mesmo amarelado da saia, em cima dos seios.
Faith está usando uma maquiagem delineada, em tons escuros de preto,
a gargantilha pressiona a garganta e o vestido curto, a cintura e seios
salientados pelo corpete. Se não fosse pelo chapéu pontudo de bruxa, não
saberia decifrar sua fantasia. As unhas longas e pontiagudas das mãos
afofam o assento vago do sofá ao seu lado.
Arrasto-me até lá e, assim que me sento, Trycia estica um copo de
plástico vermelho. Meus olhos rapidamente se esgueiram para examinar o
conteúdo.
A fantasia de Trycia é diferente de todas que já vi; as mãos estão
enluvadas por um tecido coberto de lantejoulas roxas.
O top e a calça colada seguem a mesma tonalidade; quando as luzes
refletem nas peças delicadas de sua fantasia, ela cintila.
Trycia se parece com uma cantora pop. Os cabelos soltos, cacheados e
volumosos, usa brincos de argola e batom roxo.
— É só vodca — diz, mas a risada abafa o final da frase. Só entendo
porque me inclino para conseguir escutá-la. — Soube que são seus últimos
dias morando na mansão Lynch, então vamos beber para nos despedir.
Trycia braceja o copo na frente do meu rosto, chamando minha atenção.
Enfim, eu o pego, mas não bebo. Deixo o líquido gracejar de um lado para o
outro, mas não ingiro nada. Estou tentando me encaixar nesse grupo, fazer
parte de algum lugar, me familiarizar com pessoas que não sejam Effy ou
Mackenzie. Já percebi que Gravity e eu temos pensamentos diferentes, não
sei a história dela e juro que tentei me adaptar ao seu jeito, mas não consigo,
então depois da nossa última discussão parei de tentar. Mas aqui, agora, só
peguei o copo que Trycia me ofereceu tentando me moldar ao grupo.
As risadas fáceis, a conversa da qual nunca estou por dentro dos
assuntos. Tudo me faz sentir deslocada e antissocial.
— E aí, gente! O que vocês estão achando? — Ashton debruça pelo
encosto do sofá, usando os braços cruzados como apoio para a sua estrutura
corpulenta. — O que achou, melhor amiga do mundo? — ele me provoca,
cutucando minha bochecha com o indicador.
— Achei amador! — respondo, espantando a mão dele com um tapa.
Ashton contorce os lábios numa característica expressão de
descontentamento. Minha barriga dói em seguida, quando começo a
gargalhar. Acabo contagiando o resto do grupo. Faith ao meu lado está se
debatendo e não entendo onde o que eu disse se tornara uma piada.
— Ashton, você saiu de um dos filmes da Disney? — ela comenta ao
meu lado e sou forçada a criar distância entre mim e Ashton para dar uma
olhada nele.
Todo o seu corpo, do quadril aos ombros largos, como se a extensão de
Ashton tivesse se tornado a tela de pintura de um artista. O Bambi foi
desenhado em cima do osso direito do seu quadril, em cada peito, um
pássaro azul que lembra muito as aves dos filmes da Disney, como Cinderela
e Branca de Neve. Debaixo do braço direito, seguindo a dimensão de sua
coluna, um laço fora esculpido perfeitamente. De novo, os traços são
precisos, assertivos demais, só um verdadeiro artista poderia fazer algo tão
característico. E nós só conhecemos uma pessoa tão talentosa dessa maneira.
— Que foi? — Ashton rebate meu olhar de censura.
— Nada. Estou só olhando como a pessoa que fez todos esses desenhos
é talentosa — enfatizo, cruzo os braços e estico uma sobrancelha.
— Real. Ela é.
Sacudo a cabeça como uma ameaça. Seu pomo de adão se move. Posso
garantir que tem suor escorrendo pelos seus poros.
— Gravity? — arrisco um palpite e uma ruptura de vinco se forma
entre as sobrancelhas arqueadas dele.
— Nicola — devolve, satisfeito.
— Você é um canalha de mão cheia!
— Só estou curtindo.
— Você curte demais, cara — Faith interrompe, rindo. — Melhor
guardar esse pau dentro da calça ou logo, logo, teremos um mini Ashton
correndo por aí te chamando de papai.
— Vira essa boca pra lá, Faith. Eu me cuido, tá legal? E as garotas com
quem durmo também.
— Até porque você sempre pergunta antes de transar com elas, né? —
Effy do outro lado da sala zomba.
O resto de nós explode em gargalhadas, mas Ashton, ao que parece, não
está gostando muito das provocações. Os lábios franzidos em uma careta de
desgosto e os músculos do rosto enrijecem.
— Relaxa, estamos só brincando. — Bailey suaviza a atenção.
— Então, o que isso significa?
Aponto para cada um dos desenhos aleatórios pelo corpo esculpido
dele. Continuo meu escrutínio, passando os olhos por cima de dois dados no
ombro direito. Mais alguns desenhos se estendem pelos dois traços;
intercalados entre beija-flores, pássaros, borboletas e flores. Na parte
superior do ombro direito, uma rosa vermelha preenche cada centímetro de
pele lisa. Noto uma no pescoço também, mas está sendo encoberto por uma
tira preta.
— Sei lá. — Ele dá de ombros, infeliz. — Ela só quis pintar algumas
coisas em mim e eu deixei, mas os dados — indica, usando o dedo — dizem
que eu vou me dar bem hoje mais tarde.
— Você é mesmo inacreditável — o murmúrio vem de trás dele.
A massa corpórea de Ashton enrijece como concreto. Percebo como os
músculos dos braços apoiados no encosto ganham força devido a tensão,
acentuando-se a cada segundo sob a camada de pele. Gradativamente Ashton
se vira, rumo a voz rouca e sensual de Gravity.
— Mas gostei dos desenhos — diz, passando por ele.
Gravity é uma garota de presença forte. Independente de onde ela está,
sempre será notada. Sua beleza natural e personalidade peculiar evidenciam
sua existência, embora ela tente passar despercebida em várias ocasiões, é
impossível não notá-la.
Gravity Monaghan é esse tipo de mulher. Entretanto, usando o vestido
de couro vermelho justo coberto por uma película fina de verniz, que eleva
drasticamente o poder de suas curvas, posso dizer que ignorá-la, como
Ashton tem feito desde Paris, vai ser muito mais que difícil. Será impossível.
Seus cabelos pretos estão presos em um rabo de cavalo, os fios que
cedem atrás de sua cabeça levemente ondulados. Batom vermelho, olhos
maquiados com sombra preta e delineador salientando o olhar furtivo natural
de Gravity. E os “chifres” de diabo piscam em uma tiara angulosa no topo de
sua cabeça.
— Bom te ver, Gravity — responde e estapeia o sofá como se quisesse
anunciar sua saída de cena. — Vou me encontrar com os caras, a The
Reckless deve entrar no palco em uma hora.
Ele se afasta. Gravity não desvia os olhos da direção que Ashton toma
até que tenha desaparecido entre todas as pessoas aglomerando a passagem
da cozinha para o externo da casa.
A The Reckless sobe ao palco e o chão sob meus pés treme. Olho para
os lados, o público enlouquecido, transtornado. As músicas que eles tocam
ainda não são autorais, e mesmo assim, é como se fizesse parte deles. Tento
ficar mais próxima do palco que consigo, mas é impossível competir com a
necessidade das admiradoras dos meninos de estar por perto e, em menos de
trinta minutos de show, sou arrastada para o fundo.
A música que estão tocando agora é The Fear, de The Score. Não
estava lá para ver, mas soube que Born For This viralizou no YouTube com
milhares de acessos, assim como Glory Days, de The Empire Future.
O pesar no meu estômago é o sucesso da The Reckless proclamando o
fim do meu relacionamento com Aidan. Começamos isso, eu sabia que iria
acabar em algum momento, mas adiei até o último segundo me preparar para
ele.
O som alto da música, a batida do bumbo e a felicidade estampada no
rosto de Aidan – coberto por uma maquiagem de palhaço e ainda não
acredito que ele se fantasiou mesmo de It: A Coisa – efervesce meu coração,
estimula meus sentidos e simplesmente não quero voltar a ver a dor brilhar
em seus olhos como meses atrás. Eu o vi se aprofundar na escuridão e, por
um mísero momento, pensei que não seria capaz de resgatá-lo de lá. Vou
aceitar a decisão de Aidan, se, por acaso, Jared McAvoy quiser levá-lo para
expor seu talento ao mundo.
Com esse pensamento, sou provocada a cantar com eles:
— It’s time to stand up, stand up. Show me what you’re made of, hands
up, hands up — Bryan canta, saltando de um ponto ao outro no palco de
paletes. Mackenzie ao meu lado, Effy e Gravity do outro, pulamos, com as
mãos para cima e acompanhamos os outros espectadores cantando tão alto
quanto conseguimos. — Fight the fear, fight the fear, rise up on the ground…
É hora de se levantar, se levantar. Me mostre do que você é feito, mãos
para cima, mãos para cima. Lute contra o medo, lute contra o medo,
levante-se do chão.
— Gonna make you a believer, fight fear, fight fear. Blood, sweat, tear,
make the pain taste sweeter! — Bryan gesticula a mão livre para a plateia,
inclina-se para agarrar as mãos de algumas fãs e, por um instante, penso que
elas irão puxá-lo para baixo e ele precisa forçar o corpo para trás para
escapar.
— Isso sempre acontece — Mackenzie murmura com desgosto ao meu
lado, encarando a cena de Bryan lutando para recuperar a estabilidade no
palco. — Elas não têm noção.
— Você precisa se acostumar — Gravity diz, analisando com a testa
vincada a reprovação escancarada de Mack. — Se Jared levá-los para fora e
ficarem famosos, isso — ela gesticula prontamente para as garotas
enlouquecidas — não será nada comparado ao que vai mesmo acontecer.
Campanhas com modelos, atrizes e outras cantoras famosas sendo
persuadidas a aparecerem com eles.
— Gravity! — Effy sentencia, com um tom de repúdio.
— Que foi? É a verdade. O mesmo serve pra você. — Quando percebo
fui inserida nessa conversa nada produtiva. — Aidan tem um rostinho
angelical. Com certeza será capa de revista em algum momento.
— Definitivamente não estou preocupada com isso, Gravity — digo,
tranquilamente.
Modelos. Atrizes. Cantoras. Nada disso me preocupa de verdade.
— Vocês precisam ver como Nicola Dixon é… extremamente perfeita.
Nenhuma curva fora do lugar. É um insulto. — Ela bebe um gole da cerveja
que está em sua mão. — Odeio modelos.
— Você não odeia modelos — provoco. — Você odeia que uma delas
seja a ex-namorada do Ashton.
Ela não me contrapõe, então rio.
— Você é perfeita, Gravity. Maravilhosa. Todas nós somos — digo,
puxando Mack de um lado e Effy de outro. Gravity solta um suspiro quando
a chamo para perto com os dedos e, assim, ao som de The Fear, damos o
nosso primeiro abraço em grupo e, pela primeira vez, parece que faço parte
do grupo.
A auréola da fantasia de Mackenzie pinica meu nariz e acabo
espirrando. Nós rimos.
— Onde você arranjou essa fantasia? — pergunto por cima da voz
rouca de Bryan.
— Gravity a desenhou pra mim!
Ela se afasta para rodar e a saia de tecido leve, com retalhos
cascateando em torno de sua cintura levantam voo. A cor dele é azul
acinzentado – diferente do que anjos vestem –, que contrasta com o loiro de
seus cabelos e o tom verde-musgo dos olhos. O corpete que circula sua
cintura é modelado, acentuando o quadril de ampulheta.
Effy optou por uma fantasia mais recatada. Um vestido preto de mangas
com punhos de asa de morcego, decote V que valoriza os seios. Sobre o
tecido preto fora bordado em branco teias de aranha, espalhadas de modo
estratégico para ficarem expostas. Posso ver uma em cada ombro e no
comprimento das mangas. Batom vermelho adorna os lábios finos e o tom
ruivo dos cabelos brilha sob o jogo de luzes brancas que intensificam o show
da The Reckless.
— Você devia ter me deixado desenhar sua roupa de líder de torcida —
Gravity comenta, puxando o tecido da bainha da saia para cima e preciso
estapeá-la para soltar. — Teria feito algo vermelho ou roxo.
— Preciso admitir, não sou boa com fantasias de Halloween. Nunca
saímos para pegar doces. — A revelação escapa da minha boca. Ainda estou
usando o plural, referindo-me a Sebastian também.
Reprimo um suspiro cansado, porque parece que a linha que une nossas
vidas é inquebrável.
— Nunca? — Gravity solta, surpresa. — Tipo, nunquinha?
— Eu vivi toda uma vida com meu pai e, quando finalmente nos
mudamos, estava velha demais para bater de porta em porta e dizer: doces ou
travessuras? — Ilustro, mudando o peso do corpo de uma perna para a outra
e afinando a voz propositalmente.
— Não sabia que você e Seb nunca saíram para curtir o Halloween —
Mack diz e parece chateada, ressentida, talvez, por Sebastian não ter contado
metade das coisas que vivíamos para ela.
Compreensível, sob meu ponto de vista. Vivíamos em uma bolha, tudo
diferente do que ela ou Effy viveram.
— Tem muitas coisas que nós ainda não sabemos, Mack. — Effy suga o
canudinho de seu drinque. — Já perceberam que não conhecemos metade
das pessoas que amamos? Tantas coisas que eu não sei sobre vocês, mesmo
tendo certeza de que morreria por cada uma. — Ela ri, achando graça. — Eu
daria a minha vida por Sebastian naquela época e ele era um completo
estranho.
Ele era para mim também, quero dizer, mas retenho, não quero magoar
Mackenzie.
— You Give Love A Bad Name — Bryan anuncia no microfone, o que
gera gritos e mais gritos de excitação.
Finnick caminha para o centro do palco, capturando toda nossa atenção
e faz um solo incrível. Ele é babaca, mas extremamente talentoso e não
posso ser hipócrita dizendo o contrário. Ele está fantasiado de Coringa; o
cabelo tingido de verde escorre um pouco da tintura por causa do suor. É, a
fantasia combina com ele.
Bryan com certeza não está fantasiado; colocar uma camisa manchada
de sangue falso e a jaqueta de couro por cima não conta –, mas usa uma
camisa social e gravata por baixo da jaqueta de couro. Os cabelos loiros
balançam no ritmo do som que explode da guitarra nas caixas altas de som.
— Shot through the heart and you’re to blame. Darling, you give love a
bad name! — Bryan grita no microfone de algum lugar do palco que meus
olhos não alcançam, fico na ponta dos pés para conseguir enxergar sobre um
apinhado de cabeças largas.
Baleado no coração e você é a culpada. Querida, você dá ao amor uma
má reputação.
Dou pulinhos inválidos para conseguir registrar qualquer momento
dessa música pela The Reckless com meu celular.
— An angel’s smile is what you sell. You promise me heaven, then put
me through hell. Chains of love got a hold on me. When passion’s a prison,
you can’t break free!
Um sorriso de anjo é o que você vende. Você me promete o céu, então
me coloca no inferno. Correntes de amor me prendem. Quando a paixão é
uma prisão, você não consegue se libertar.
Sinto calor na parte interna dos meus joelhos e coxas, um estranho
toque cobre minha pele e em uma fração de segundo, tenho a visão perfeita
do palco da The Reckless. Vejo Finnick arrebentando na guitarra, sorrindo
como um imbecil; Ashton dançando e cantando a música com Bryan, como
sempre, exibindo os gomos de seu tanquinho para as garotas gritarem
quando se aproxima da borda do palco. Bryan interagindo com sua plateia,
enviando sorrisos amigáveis e puxando algumas garotas e agora garotos
também, para dançar no palco com eles.
Chase faz a segunda voz para Bryan e toca seu teclado com vivacidade.
O fato de não ter entrado na banda assim que começou, não o faz menos
talentoso e ele não fica para trás nisso.
Reparo na fantasia de Chase. Está usando uma bandana preta por cima
do nariz e boca, com o desenho de um nariz afundado e uma boca
esquelética; a jaqueta de couro cobre os ombros e a regata branca tem
manchas de sangue falso na área do peitoral e barriga. Noto uma corrente
transpassada do ombro esquerdo, contornando seu corpo, prendendo na
coluna.
Meu. Deus.
Ele está usando a fantasia do Motoqueiro Fantasma.
Enfim, meus olhos pairam em Aidan, que está rindo de algo que Chase
gritou para ele entre um verso e outro, que não estava fazendo suporte para
Bryan. Seu sorriso causa pequenas explosões no âmago do meu estômago.
— You’re a loaded gun — Bryan passa os dedos abertos pelos cabelos
úmidos de suor e tira a jaqueta em seguida. Sua camisa branca tem marcas
de suor por todos os lados. — There’s nowhere to run, no one can save me,
the damage is done!
Você é uma arma carregada. Não há para onde correr, ninguém pode
me salvar, o estrago está feito.
— Shot through the heart and you’re to blame. — Bryan bate com a
mão espalmada o lado esquerdo do peito e tomba a cabeça, olhando para o
céu. — You give love a bad name (bad name). I play my part and you play
your game. You give love a bad name (bad name), you give love a bad name!
Algo abaixo de mim se move e é só então que me lembro de que
alguém me ergueu do chão, colocando-me sobre os ombros. Eu me mexo e
acabo agarrando os fios do cabelo de quem quer que seja.
— Reed Foster? — grito para que me escute quando enxergo a massa
de cabelos pretos e o nariz empinado. Ele dança comigo em cima dos
ombros como se eu não pesasse quase nada.
— E aí, gata. Relaxa, vou te ajudar aqui. — Ele ri e acabo rindo
também.
Não conheço direito o cara. Sei que é jogador de basquete e tem quase
um metro e noventa de altura. Músculos atléticos, fama de bom jogador e,
com bom jogador, quero dizer bom de cama. Bom de flerte. Bom em todos
os sentidos. As paredes da faculdade têm olhos e ouvidos. Sabemos de
coisas além das quais gostaríamos. Claro que ele estaria aqui, sendo que
Bryan está se esforçando demais para fazer parte do time.
— Obrigada, eu acho — acrescento, encarando-o com desconfiança.
— Calma, não vou dar em cima de você. Sei que anda saindo com o
Lynch.
— Tá.
— Mas é oficial? Te vejo na biblioteca da faculdade quase sempre e
sozinha.
— Você vai à biblioteca?
Ele ri alto.
— Claro que eu vou à biblioteca, gata. Preciso estudar se quiser
continuar no time.
— Entendi.
— Então é oficial? Ou vocês estão só transando pra eliminarem a
tensão?
— Não vou falar do meu relacionamento com Aidan com um completo
estranho.
— Tecnicamente, você está sentada na minha cabeça…
Olho mais abaixo e me lembro de que estou usando saia. Saia de líder
de torcida. Por sorte, coloquei um short por baixo, mas eu poderia estar
sendo fotografada agora mesmo mostrando a calcinha.
Movo-me desconfortável sobre os ombros de Reed. Subo os olhos em
direção ao palco quando percebo que Bryan está cantando as últimas estrofes
da música e se preparando para a próxima do repertório.
Aidan está olhando para mim. É quase como se estivesse mastigando a
casca de Reed, prestes a cuspir as sobras fora.
Minhas entranhas se enredam no estômago.
Um Aidan fofo me chamando de baby é apaixonante, mas um Aidan
ciumento é excitante. Contudo, não é como se eu quisesse provocá-lo de
propósito. Ao menos, não hoje.
Remexo-me até que Reed ceda e me coloque no chão. Sua mão direita
se mantém intacta sobre meu quadril, o contato de sua mão com minha pele
me obriga a afastar.
— Ei, Reed. O que está fazendo? — Gravity chama por ele.
— Você disse que não tinha certeza de que eles estavam juntos, mas o
cara quase me matou só com os olhos — diz achando graça, rindo como se
fosse uma piada.
— Eu disse que estavam saindo, mas que não tinha certeza se estavam
namorando.
— Era isso que vocês estavam conversando na festa do Bryan aquele
dia? — Mackenzie interrompe a conversa no mesmo momento em que
Bryan começa a cantar Prisoner.
— E não significa que te dei o aval pra dar em cima dela — Gravity
continua, encarando-o mortalmente. — Pisou na bola, Reed.
— Sem problema, já entendi. — Ele levanta as mãos, as palmas viradas
para a frente, em rendição. — Foi mal, Delilah. Eu não sabia que o lance de
vocês era sério, mas, se por acaso acabar, estou na biblioteca toda terça, às
duas da tarde. — Lança uma piscadela incisiva antes de sair.
— Como se fosse acabar — Effy comenta, olhando a nuca de Reed. —
Mas Reed é gostoso. Será que eu pego o telefone dele? — Olhamos para ela,
inquisitivas. Não é o feitio de Effy dizer coisas do tipo, principalmente que
vai pegar o telefone de um cara. — O quê? — Ela mordisca inocentemente o
canudo do drinque.
— Você disse gostoso e será que eu pego o telefone dele. Na mesma
frase. — Mackenzie está com a boca entreaberta, formando um círculo
perfeito.
— Finnick está namorando. Antes fazia sentido esperar que ele
correspondesse aos meus sentimentos, mas ele está feliz com Brianna e estou
feliz por ele.
Essa é a Effy. E é essa personalidade pura e bela que faz com que eu a
ame demais.
— Então, bola pra frente. Acho que vou atrás dele — diz, encarando o
rumo por onde Reed Foster acabou de cruzar. — O que você acha?
— Se você tem uma boceta, Reed vai te convidar para assistir a um dos
jogos. — Gravity ri. — Te pagar um jantar legal e, talvez, vocês repitam a
dose. Ele é um bom jogador, mas vai te tratar como uma princesa. Eu
garanto.
— Ótimo. Tudo que preciso para curar meu coração partido.
Effy se vira e desaparece em dois segundos no meio da multidão.
— De onde você o conhece? — Mack indaga, pesarosa. — Effy não
precisa de outro babaca.
— Dormi com Caleb no mês passado.
— Caleb? — pergunto, ainda confusa.
— Caleb O’Brien. Ele joga no time de basquete também. Dormimos
umas duas ou três vezes, mas já passou. Reed é da mesma turma. Acreditem,
se tem alguém capaz de curar o estrago que Finn fez no coração da nossa
amiga é o Reed.
Mack e eu trocamos uma olhadela cúmplice, mas, no fim, torcemos
para que Effy supere Finnick. Sei que Brianna está em algum lugar da festa
porque, até onde soube por Aidan, ela deve permanecer na cidade até depois
de Ação de Graças. Descobrimos que ela tem uma casa aqui, que comprou
especificamente para passar um tempo com Finn quando não estiver
trabalhando. Imagino que o relacionamento deles é mais sério do que pensei.
O que aconteceu entre ele e Effy durante as duas semanas que
antecederam a vinda de Brianna para Humperville continua sendo um
mistério. Effy não fala nada, não confirma a história que Bryan jogou no ar e
não desmente. Seu silêncio é a prova de que está tentando manter sua bomba
relógio sob controle. Acredito que esteja feliz por Finn mesmo, só não sei a
que custo.
Way Down We Go, de Kaleo, está tocando enquanto como uma pizza de
aranha no terceiro degrau da escada e sozinha, porque estar saindo com o
baterista da The Reckless significa abrir mão de sua companhia em festas
como essa.
Pizza de aranha é, na verdade, uma minipizza onde usaram azeitonas
pretas para fazer o corpo, cabeça e as penas finas do inseto, dando a
impressão de ter uma aranha em cima do recheio.
Também vi um ponche com olhos humanos, mas não faço ideia de
como Willa e Ashton prepararam aquilo. Imagino que seja bala e chocolate,
mas não pretendo perguntar. Toda a decoração está voltada para o
Halloween. Comi no começo da festa um marshmallow de fantasma.
— Oi. — Ergo os olhos em direção ao som da voz.
O rosto de Aidan estava pintado antes do show, mas agora não resta
quase nada da tinta branca cobrindo sua expressão ou o vermelho ao redor
da boca. Ele também tirou o macacão da fantasia e parece mais uma pessoa
normal, e não um palhaço assustador. Sorrio pensando que tenha tirado a
fantasia por minha causa. Eu definitivamente detesto qualquer coisa
relacionada a terror ou palhaços. As fantasias não deviam ser tão pesadas,
mesmo que seja Halloween.
Ele optou pela mesma maneira de se fantasiar: uma calça preta, embora
a sua tenha uma corrente ligando o passador da calça ao bolso traseiro;
camisa social, onde os dois primeiros botões estão abertos; jaqueta de couro
por cima e tênis brancos. Ancorado no corrimão da escada, encara-me.
Inclinando-se, apoia o queixo sobre o dorso da mão. Termino de mastigar o
último pedaço de pizza e tomo um gole de refrigerante.
— Que está fazendo aqui sozinha?
— Esperando você — respondo sem cerimônia, arranco dele um
sozinho e retribuo.
— Hum... Quer subir?
— Não me provoca. Você sabe que vou dizer sim.
Eu me levanto, espanando a saia.
— O que está te impedindo de dizer sim? Vou resolver o problema.
Aidan estende a mão para mim e me puxa. Estou de novo sob seus
braços que circundam meu pescoço e me levam para mais perto. Ele é mais
alto, portanto, consigo ouvir o frenesi do seu coração.
— Senti sua falta — sussurra, deixando um beijo úmido em minha
testa.
— Você precisa se acostumar com minha ausência. Se Jared McAvoy
levar vocês para fora daqui, não vou estar com você o tempo todo. — Rio
contra seu peito, sinto seu polegar massageando levemente a base da minha
mandíbula enquanto falo.
— Você pode vir comigo.
— E parar toda a minha vida? — rebato, mas não estou ofendida de
verdade.
— Tem razão. Seria errado te pedir uma coisa dessas.
Solto um suspiro longo.
— A gente sabia que não iria durar.
— Como assim? — Ele me afasta, se agarrando aos meus ombros
gentilmente.
— Nós dois.
— Claro. É por isso que você e Reed estavam juntos?
— Não estávamos juntos. Ele apareceu do nada; num minuto estava no
chão, no outro no pescoço dele — A mandíbula de Aidan trinca. — Foi só
um mal-entendido.
— Um mal-entendido por que você disse para ele que não estamos
juntos?
— Não vamos brigar, tá? Foi só um… — Gesticulo com as mãos,
tentando me explicar. Aidan agarra minhas mãos e as puxa para beijar a
ponta dos meus dedos.
— Eu entendi.
Juro que estava esperando que essa conversa não terminasse assim.
Começo a perceber porque estou tão incerta quanto a Aidan: não estou
acostumada a isso. A essas demonstrações de afeto. O carinho imensurável,
a delicadeza com que seus olhos sempre me admiram. Eu nunca senti ou
estive com pessoas que me olhassem dessa maneira. E o medo é natural para
pessoas como eu, que estão acostumadas a traição, à mentira e à dor.
— Entendi, Delilah — reforça quando não digo mais nada. Eu o encaro.
— Que foi agora? — Ele começa a rir, provavelmente da maneira com que
estou olhando para seus lábios em cima das minhas mãos. — Você se
assustando toda vez que eu te beijo em lugares que não sejam na sua boca.
Qual o problema?
— Não estou acostumada com essas demonstrações de carinho.
— Você quer que eu pare?
— Não? — solto, mas a dúvida ressoa em meu timbre.
— Aí estão vocês!
Aidan e eu olhamos para a mesma direção. Willa está vestida de Satine,
do Moulin Rouge. A cartola na sua cabeça, o vestido de lantejoulas sensual
que expõe sua pele macia, mas mãos enluvadas até os cotovelos e usa uma
meia-calça arrastão.
— Vamos jogar caça aos desafios! — ela grunhe. — Estão faltando
vocês. Vamos. — O tom soa como uma ordem.
Aidan e eu sorrimos um para o outro, mas não relutamos. Brigar com
Willa é uma batalha perdida, é melhor nos rendermos.
Seguimos atrás dela e uma quantidade generosa de pessoas está reunida
na sala de visitas.
— Certo, pessoal. Ashton e eu colocamos desafios em alguns cantos da
casa — Willa começa explicando como vai funcionar.
Basicamente espalharam desafios pela casa. Nem todos são desafios,
pelo que entendi. Alguns são prêmios e, em um deles, Ashton está se
“oferecendo” para levar a garota que encontrar o desafio dele para sair. Isso
atiça a vontade de algumas delas a participar.
Como a casa está vazia, não é difícil de encontrar. Assim que Willa
anuncia o começo do jogo, ao menos quinze pessoas saem em disparada pela
casa. Aidan e eu trocamos um olhar, estamos decidindo se vamos ou não
fazer isso, ou só eu estou porque, no segundo seguinte, ele corre escada
acima.
Então é isso, vamos jogar separadamente.
Não faço ideia de onde começar primeiro, vou para a cozinha onde
apenas a mesa foi retirada, mas Gravity está lá e debaixo da borda do balcão,
encontra um papel pequeno colado.
— Troque sua fantasia com outra garota da festa. — Ela lê em voz alta
e os que estão apenas assistindo correm para a cozinha. — Trocar minha
fantasia com alguém? De quem foi essa ideia? — Revira os olhos,
insatisfeita, mas começa a olhar em volta e para em mim.
— Nem morta — digo, balançando as mãos no ar. — Não teria graça.
Você tem que encontrar uma fantasia que nunca usaria.
— Não diz isso aqui. — Sacode o papel na frente do meu rosto.
— Não diz, mas é mais divertido se você trocar com uma pessoa que
não conhece — Willa intervém, sorrindo diabólica para Gravity, a
provocação explícita. — Hum... que tal a Dorothy?
Nós duas olhamos a garota do outro lado. Os olhos estão perdidos,
como se não estivesse entendendo. Enfim enxergo Nate e Maeve juntos, por
cima de todas as cabeças. Ela está fantasiada de Alice no País das
Maravilhas e Nate veste um macacão vermelho com detalhes amarelos de
piloto de Fórmula 1. Ambos estão rindo de Gravity.
— Sem problema. Eu amo Mágico de Oz. Você tem sorte — diz para a
garota tímida. — Esse é um exclusivo. Fiz só para essa festa!
Gravity agarra a desconhecida pelo pulso e desaparecem para mais
fundo da mansão.
— Certo, gente. Vamos continuar o jogo! — Willa incentiva e saio para
a área externa.
Busco perto do palco onde ainda tem pessoas escutando música e
conversando. Flagro Effy com Reed Foster sentados à borda do palco de
palete, ela está rindo abertamente; a cabeça tomba para trás e Reed brinca
com os fios ruivos de sua cabeça.
Saio do meu modo defensivo e entro no competitivo. Quero encontrar
pelo menos um desafio.
Tem poucas espreguiçadeiras em torno da piscina. O suficiente para três
pessoas ficarem nela. Foi a única coisa que Aidan não quis vender ainda.
Começo a vasculhar embaixo delas. Nada na primeira. Nada na
segunda. Na terceira preciso fazer contorcionismo para alcançar o papel
preso no eixo da cadeira, mas enfim consigo pegar. Estava tão bem
escondido que começo a pensar que Willa ou Ashton não queriam que
encontrassem esse desafio.
Sou surpreendida quando olho para o papel amassado na minha mão e,
na verdade, é um post-it vermelho. A letra redondinha, feita com delicadeza
e sem pressa é familiar. Pisco duas vezes para atenuar a visão e conseguir ler
sem me distrair.
Oi.
Se foi Delilah Linderman que encontrou esse bilhete, ótimo. Se não,
devolva para onde você encontrou. Esse desafio, infelizmente, não é para
você.
Caso seja você, baby, bom, vá até a casinha nos fundos da mansão. Sabe,
onde costumo guardar os produtos de limpeza da piscina.
Olho para os lados, procurando por ele. Aidan não está por perto, então
sigo as instruções no papel. Vou para a casinha nos fundos. Nunca fui até lá,
mas sei que existe uma para organizar o cloro e todo o material que usam
para a manutenção da piscina.
Quando encontro a trilha que indica o caminho para a entrada, percebo
que as luzes daquela área estão acesas. Ele esteve aqui, com certeza, posso
sentir seu perfume.
A porta está entreaberta, então não preciso fazer força para conseguir
abri-la.
Outro post-it. Está colado em uma das prateleiras, mas não é vermelho
como o anterior.
É rosa e, junto com ele, há um berloque prata em formato de biquíni
dentro de um saquinho. É minúsculo, mas consigo enxergá-lo bem.
Mas ele não está lá e sim um novo post-it. Desta vez, verde; e, assim
como o anterior, um berloque prateado: uma caneta. Ela é delicada e linda.
Amarelo é calor, luz e energia. Tudo que tenho e sinto quando estou com
você.
Esse lugar diz muito isso, você não acha?
Você foi o motivo pelo qual eu não desisti. Sua seriedade me fez insistir na
The Reckless. Se não fosse por você, eu teria me rendido.
Obrigado, baby. Por tanto, em tão pouco tempo.
Te vejo na garagem.