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NOMINAIS \Vimos no capitulo precedente os principios sobre os quais deve se basear a clas- sificago das palavras. Mas uma coisa € explicitar os prineipios, ¢ muito outra clas sificar realmente as palavras. Nio se sabe ao certo quantas palavras tem uma Iingua. Sem diivida, o ntime- ro varia bastante de falante para falante; uma estimativa' dé cerca de 20.000 lexe- ‘mas que seriam conhecidos por falantes escolarizados. Sé6 dat ja se pode ver que 0 trabalho a realizar (e que nao foi realizado) é vasto. Mas o mimero de palavras a classificar é 0 menor problema. E necessério, paralelamente, estabelecer a lista das propriedades gramaticais a serem consideradas relevantes, ¢ ninguém sabe quantas So, nem quais sZ0, & parte algumas propostas preliminares. Nesse contesto, ndo é nada fécil elaborara parte relativa as classes de palavras em uma gramtica digida a no especialistas. Assim, o leitor deve esperar, nestes ca- pitulos mais ainda do que no restante deste lito, expressdes de incerteza e indicagdes puramente programaticas. A isso nos forga o estado atual do conhecimento na dea” 31.1. Definigao de “nominal” A distingao tradicional entre substantivos ¢ adjetivos ¢ inadequada, como tentei mostrar no capitulo 30. Ao examinar 0 comportamento sintitico de palavras como Mencionada por Nation (2001) como “confivel". A estimativa foi formalada para o inglés, mas provavelmente nio seria muito diferente para o portugues. Ti projets em andamento que certamente vio melhorar a stvaio; espere por edges fara este lio, cute m NOMINAIS mesa, alto, pulmonar e amigo, o que encontramos nao sao dois tipos nitidamente opestos, mas um grande niimero de propriedades gramaticais, que nos forgam a definir muito mais do que duas classes. Mas, por outro lado, essas quatro palavras tem também tragos em comum; o mais importante € que podem ocorrer como constituintes imediatos de um SN Um constituinte imediato € uma parte do SN que nao é parte de nenhuma ow tra construgao que é parte desse SN. Isso parece meio complicado, dito desse jeito, mas é na verdade uma condigio bastante simples; por exemplo, no SN as seguintes palavras so constituintes imediatos do SN: essa, blusa, branca. A pala vra Patricia faz parte do SN, mas nao imediatamente, porque € parte do sintagma da Patricia, que é parte do SN (da Patricia € também um constituinte imediato do SN, s6 que nao é uma palavra). A palavra Patricia pode ser constituinte imediato de um SN, quando € micleo, como em mas ndo é em (1). Ou seja, um constituinte imediato resulta do primeiro “corte que se faz. em uma construgio; no caso de [1], primeiro corte da ({essa] [blusa] [branca] [da Patricia] ),. Assim, as palavras do portugues se dividem nas que podem ser constituinte ime- diato de um SN e as que ndo podem. As que podem vamos chamar de nominais, Essa jo nasce da erenga (e no momento é pouco m que uma erenga) de que ser (ou nao constituinte imediato de um SN é um trago gramaticalmente importante. Temos af um recurso que permite distinguir palavras como mesa, ele, alto, ami 80, cada, esse, pulmonar, que sio nominais, de palavras como entdo, de, certamente, cheguei, quando, agora, que nio sao. E, também nos permite fazer algumas afirma- de carter geral sobre outros tragos gramaticais, como por exemplo: 4) somente os nominais podem ter género (inerente ou governado); b) somente os nominais podem ter ntimero marcado pelo sufixo —s ¢) somente os nominais podem ter potencial referencial © oposto dessas propriedades comporta excegdes; por exemplo, ndo podemos dizer ue todos os nominais podem ter género; mas podemos dizer que somente os nominais ‘GAMLAMEA DO PORTUGUES HRASERO MARIO A. PERI podem, Cada nao tem marca de gnero nem de niimero, nem tem potencial referen ial; ¢ pulmonar tradicionalmente se analisa como tendo género, mas é preciso reco- nhecer que ndo hé marca formal disso: problema pulmonar, doenga pulmonar. Mas pelo menos se podle dizer que nenhuma das trés propriedades se aplica a nao nominais, o que € uma indicagdo de que a classe dos nominais ¢ valida para a descrigdo da lingua Por outro lado, a classe dos nominais esta longe de ser homogenea; isso, ali, ¢ esperado, se adotamos a perspectiva da classificagdo por propriedades gramaticais “tragos”). Como jé afirmei acima, estamos & procura das fronteiras mais importan tes, tentando desprezar por ora as menos importantes; ¢, para dizer tudo, apostando que sabemos mais ou menos quais sio as fronteiras mais importantes. Como ilustra- do, vamos voltar aos nominais listados acima, ou seja, mesa, ele, alto, amigo, cada, esse, pulmonar Temos aqui sete palavras, todas elas nominais segundo a nossa definigao. No entanto, nao é dificil encontrar alguns tracos gramaticais importantes que as distin- guiem todas entre elas. Assim, considerando apenas a ocorréncia como constituinte imediato do SN (coisa que todas podem ser), temos: mesa, ele, amigo e alto podem ser nticleo do SN; pulmonar, cada ¢ esse niio podem; ele © mesa 3@ podem ser niicleo do SN; alto, amigo, cada, esse, pulmonar podem ter outras fungoes no SN; alto, amigo, pulmonar podem ocorrer depois do micleo; mesa, ele, cada e esse nao podem; mesa, alto, amigo, pulmonar podem co-ocorrer com um artigo ou outro determinante; ele, cada e esse no podem’; alto pode ocorrer em fungio adverbial (ela fala alto); mesa, ele, amigo, cada, esse, pulmonar nao podem, 6) mesa, ele, amigo, alto podem ter género inerente'; cada, esse, pulmonar ndo podem Observese como todas essas propriedades so essenciais para se usar correta- mente a lingua, E observese como elas recortam o grupo de maneiras variadas, cada qual impondo um recorte proprio. Kassim que se classificam as palavras Tse nao pode porque ele proprio ¢ determinante + Alto em ele chegow ao alto da montana cmnao 1 NOMNAS Examinando os cortes acima, € possivel vislumbrar certos agrupamentos; por exemplo, mesa, amigo, ele, alto compartilham mais de um trago (podem ser nii- cleo do SN; podem ocorrer depois do micleo). E 0s tragos (1) e (6) acima coincidem totalmente: toda palavra que pode ser mticleo de um SN pode ter género inerente, ¢ vice-versa. Essa ndo é uma verdade necessdria, ¢ nao decorre da definigao dos tragos, por isso é gramaticalmente importante.Certamente € necessdrio procurar essas coincidéncias parciais, porque elas podem revelar algo das grandes linhas de construgao da gramatica — e portanto fornecer indicagSes preciosas para a elabo- ragio da descrigao’. No momento essa procura de linhas é prematura, porque no temos um mapeamento suficientemente abrangente: grande néimero de palavras analisadas segundo grande ntimero de propriedades. Mas 6 uma direcdo evidente para a pesquisa futura 31.2. Tipos de nominais Agora podemos distinguir alguns tipos principais de nominais; aqui tenho seguir em parte a tradicdo, de modo que a subclassificagao abaixo deve ser encarada como um convite A pesquisa, mais do que um resultado de pesquisa 31.2.1. Nomes ‘Vamos chamar de nomes um grupo de itens tradicionalmente chamados “subs- tantivos” e “adjetivos”; os nomes, nessa definicao, so uma subclasse dos nominais. Segundo os seis tracos vistos na seco 30.1, 0s nomes da lista si0 mesa, alto, amigo € pulmonar, e se caracterizam co-ocorrer com determin: como em Confesso que estou aqui fazendo um esforgo para salvar a intuigdo tradicional {que agrupa esses itens — as gramaticas antigas falam de “nomes substantivos” ¢ “no- Mas €impossfvel determninar esses cortesseguindo as lias tradicionas; por exemplo, como distinguir ‘adjetvos” de “sbstantivos” usando os seis tras acima (ou quaisquer outros)? (GRANLINCA DO PORTUGUES ASR MARIO A. PERN mes adjetivos”®, No entanto, nao vejo como chegar a uma definigao mais confidvel na auséncia de levantamentos amplos do léxico Uma caracteristica dos nomes como grupo € muitos deles terem potencial re ferencial, e muitos potencial qualificativo. © potencial referencial nao é exclusivo dos nomes (outros nominais, como ele, também tém); ¢ o potencial qualificativo parece ser também assumido por verbos, como ela brilha, um sindnimo préximo de ela ¢ brithante. De qualquer maneira, os nomes todos tém ou um ou outro desses potenciais, e muitos tém os dois (como amiga em minha amiga ¢ uma pessoa amiga) — s40 05 itens mareados [+R, +Q], que vimos em 26.2.2. 31.2.2. Pronomes Os pronomes pessoais (eu, ele/ela, eles/elas, vocé, voeés, nds e também tu para muitos falantes, além do reflexivo se) s6 ocorrern como miicleo do SN, quando con: tituintes imediatos. Além disso nao admitem outros termos no SN, ou seja, um SN cujo miicleo é um pronome s6 contém esse pronome, ¢ mais nada Pode-se dizer mas nesse caso nds cansados no constitui um SN; 0 sujeito € apenas nds, e cansados € tum termo & parte, Esse elemento pode aparecer em outras posigdes da oragao, sem diferenga de significado: Isso nunca se aplica a um termo do SN, tanto é que se diz mas essa frase nao é sindnima de cwmruo NOMA Esses dois tragos, portanto, definem 0 que chamamos de pronome pessoal (es- tudados mais detalhadamente no capitulo 9), Note-se que formas como o senhor € mnte, muitas vezes analisados como pronomes, séo nomes de acordo com nossa definigdo; eles se diferenciam nitidamente de voce, eu, ele, que, por exemplo, no podem ocorrer com artigo, Alguns outros itens também tradicionalmente chamados pronomes (mas no pessoais) sio semelhantes aos acima por s6 ocorrerem no SN como micleo: alguém, ninguém, nada. Por outro lado, a0 contririo dos pronomes pessoais, podem ocorrer arinhoso, nada de novo, no SN acompanhados de outro termo, como em alg 31.2.3. Artigos e predeterminante Alguns itens se caracterizam por ocuparem necessariamente a primeira posigo no SN: sio 0s artigos. Em portugués, existem apenas dois: 0 € um (e, naturalmente seus femininos e plurais) O item todos tem certas semelhangas com um artigo, € muitas vezes 0 uso de todos exclui o dos artigos: No entanto, hd alguns casos em que todos co-ocorre com artigo um, e nesse caso J4 todos com 0 ocorre em estilos mais formais, em que se respeita a regra da lingua escrita que exige o artigo nesses casos; O uso do artigo nesse ambiente, raro na fala, esti desaparecendo mesmo na escrita, conforme atestam até textos de jomnal. De qualquer maneira, todos ainda merece um tratamento especial, porque pode ocorrer em outras posigdes da oragio, onde os artigos nao podem: CRANATCA 00 PORTUCLS HASLER MARIO A. PRN Assim, vou manter a classificagio de todos & parte dos artigos, por sua proprie dade de ocorrer como predeterminante. Na escrita, ocorre outro item que pode ser predeterminante, ambos, mas essa palavra nao se usa no PB. Consequentemente no PB todos € a tinica palavra de sua classe 31.2.4. Quantificadores ete. Dos sete itens analisados na segZo 31.1, hi um, cada, que se caracteriza por no ter nenhuma das seis propriedades usadas. Cada ocorre sempre antes do micleo do SN’, ¢ € geralmente incluido entre os quantificadores. Esses sJo um grupo bastante hetcrogéneo de itens, que tém em comum pouco mais do que sta posigio normal antes do micleo: além de cada, temos poucos, muitos, alguns, vérios, nenhum. Alguns podem co-ocorrer com 0 artigo, outros nio e de maneiras diferentes: diz-se cada jog dor mas nao “um cada jogador; no entanto, as vezes se ouve cada um jogador. Poucos pode vir com artigo anteposto: uns poucos jogadores, mas muitos no pode: * uns mui: tos jogadores. Ealguns podem ocorter sozinhos no SN, que nesse caso se analisa como sem miicleo (ver 26.2.3.), como em poucos conseguem entender a teoria de Einstein, a0 ;passo que outros no podem: cada, vérios nunca ocorrem sozinhos no SN*. Outro, qualquer, préprio e certo tem comportamento semelhante ao dos quanti- ficadores, embora sta semantica seja nitidamente diferente; outro frequentemente corre com o artigo um, sem diferenga de aceitabilidade nem de significado, e pode também co-ocorrer com 0 artigo o: Ja certo no singular tem artigo: ‘mas no plural pode ocorrer com ou sem artigo: Pode lambém ocorrer fora do SN: eles ganharam quatro bombons cada Exceto, claro, em contextoanaférico: eu tenho muitos cachorros; wigs so viro-atas. carro) NOMINAS Como se vé, esses itens, aqui englobados sob o rotulo de quantificadores, propriedades gramaticais distintas, e estio a espera de um estudo detalhado’ Os mumerais cardinais tem certas afinidades com os quantificadores, e por ora serdo classficados junto com eles. Ocorrem tipicamente antes do niicle artigo 0 e podem vir antes ou depois dos demais quantificadores: aceitam Naturalmente, so incompativeis com varios dos quantificadores por razBes se- manticas: no se pode dizer * muitos quarenta capitulos porque muitos exprime ‘uma quantidade aproximada, e quarenta uma quantidade exata Os cardinais ocorrem também depois do micleo, e af designam a ordem em uma sequéncia; ou seja, tém significado idéntico ao dos ordinais, ¢ na verdade os substituem como forma de contomar a complicagao extrema do sistema de ordinais do portugués padrio: Os quantificadores ocorrem antes do modificador ou do niicleo do SN; ou seja, quantificadores aparecem no SN antes dos nomes: J4 0s ordinais — isto 6, aqueles que estao em uso no PB — funcionam como no- mes, € portanto ocorrem depois dos quantificadores (mas sempre antes do niicleo): Finalmente, é bom notar que diversos quantificadores podem ocorrer depois | do nticleo, e nesse caso tém significado idiossincratico | tém quando em pos idamente distinto do que 0 pré-nuclear: Outros nao tém essa versatilidade, e s6 ocorrem antepostos. Alguma coisa neste sentido fi fita em Perini etal (1996) | | RANSATICA D0 PORTUCLES HAS MARO A. PERN 31.2.5. Possessivos As palavras meu, set € nosso so chamadas possessivos, tirando esse nome de set significado mais tipico, Mas elas sio capazes de veicular outros papéis tematicos do de Possuidor: alén A posigio normal do possessivo € antes do quantifi possessivo co-ocorre livremente com o artigo o, sem diferenca de significado, No PB a preferéncia parece ser a de incluir o artigo, de modo que [39] soa mais rural do que [40] Os tds itens mencionados (meu, seu, nosso) podem ser chamados possessivos sintéticos; eles sio complementados por possessivos analiticos como dele e de vo- cés, Assim, o sistema de possessivos € complexo; 0s possessivos analiticos se compor- tam como sintagmas preposicionados, colocando-se depois do niicleo: no se sabe, os possessivos correspondem aos pronomes pessoais; essa corres- pondéncia segue a seguinte tabela: coemnto 3 ROMINA O possessivo seu, que no portugués escrito pode corresponder aos pronomes voe%, ele, vocés ¢ eles, no PB é especializado para voe@, de modo que o sintagma nfo é ambiguo, ¢ denota apenas o livro do receptor da mensagem, RAs 0 PONTUCAES HASLER MARIO A. PERN

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