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INTRODUÇÃO
Terá o caro leitor a ideia de que a contabilidade é coisa muito antiga. E é-o de facto ainda que
a sua antiguidade dependa do conceito que dela tivermos: sistema de registo e de informação,
isso sempre foi.
Se tiver a bondade e a paciência de ler este texto, procurarei mostrar-lhe que – a contabilidade
em si – ainda é mais antiga do que pensa, mas que a palavra contabilidade terá um pouco mais
do que uns “meros “ 2 séculos e que o seu significado inicial não era o atual: coisas da
evolução semântica da linguagem, sempre viva e dinâmica.
A ANTIGUIDADE DA CONTABILIDADE
Ou seja, muito antes da criação da moeda cunhada (cerca do Séc. IX A.C., na Lídia, Ásia
Menor).
Há décadas que linguistas vinham dizendo que a necessidade de fazer registos foi um dos
vetores que conduziram à criação da escrita e do alfabeto. Richard Mattesich, neles se
baseando, também o escreveu em 2000, em “The Beginnings of Accounting and Accounting
1
“Uma História da Linguagem”, de Steven Roger Fischer, Temas e Debates, Lisboa, 2002, pág. 81 e
seguintes: pág. 84: “…a escrita surgiu a partir de uma necessidade mundana: a contabilidade ligada à
troca”;
2
“The Beginnings of Accounting and Accounting Thought”, de Richard Mattesich, Routledge, New York,
2000, capítulos 3 e 4 e apud Denise Schmandt-Besserat, “Reckoning Before Writing”, Archeology , vol.
32, No. 3: pág. 23-31; “How Writing Came About”, de Denise Schmandt-Besserat, Univ.Texas Press,
1997; “Archaic Bookkeeping: Early Writing and Techniques of Economic Administration in the Ancient
Near East”, de Hans J. Nissen, Peter Damerow e Robert Englund,, Univ. Chicago Press; 1994;
“Reflexiones sobre la naturaleza y los origenes de la contabilidad por partida doble”, de Esteban
Hernández Esteve, revista “Pecunia”, n.º 1/2005,págs, 93-124.”Accounting History and the Rise of
Civilization”, de Gary Giroux, BEP-Business Expert Press, New York, 2017, págs. 12 a 17.
3
Revista “National Geographic – História, n.º 20”, “Mesopotâmia”, 2019, pág. 35;
3
Jean Dumarchey,”Teoria Positiva da Contabilidade”, ed. RCC, Porto, 1943,pág.56
1
Thought“. Agora, porém, tal é tão consensual que o vemos escrito e ilustrado numa revista
popular de divulgação científica como é a National Geographic. Com a sedentarização dos
povos, era preciso contar animais e produtos, saber quanta terra se tinha, tomar notas, pois
“mais vale ruim nota que uma boa memória” (ainda que a nota seja um risco numa árvore ou
um sulco numa pedra), fazer inventários, anotar trocas, empréstimos, … Coisas simples,
elementares mas a requererem registo. Ou seja, a “contabilidade”, nesta lata aceção,
contribuiu para a criação da escrita, há mais de 5.000 anos. Assim, pode dizer-se que então
nasceu esta “contabilidade”, fruto da mesma raiz que a matemática, a economia e de tudo
quanto da escrita derivou.
Já agora, permita-se-me lembrar que no território que hoje é Portugal, mais precisamente
entre o Baixo Alentejo e o Algarve, estendendo-se à Andaluzia Ocidental e ao Sul da
Extremadura espanhola, apareceu a chamada e misteriosa “escrita do Sudoeste” 4(ou cónia),
até agora quase só representada em estelas funerárias, mas que um autor espanhol5, da Univ.
Complutense de Madrid, admite ter sido usada em documentos mercantis.
Se assim for, afinal há muito, muito tempo que por cá se fazia “contabilidade”.
De facto, no Alvará Real de 12 de Agosto de 1797, que regulou os arsenais reais no Brasil,
refere-se, no seu preâmbulo, à necessidade de aí estabelecer “o mesmo sistema de
Administração e “Comptabilidade” que existe no meu Arsenal Real de Lisboa”. Ora o assunto
relaciona-se com a Marinha e é então Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar de D.
Maria I, desde 1795, Rodrigo de Sousa Coutinho. Ora este foi de 1779 a 1795 ministro
plenipotenciário de Portugal junto da corte do Reino de Saboia 7, em Turim (onde uma das
línguas oficiais era o francês, que, também e ao tempo, era a língua diplomática), período em
que aí casou e adquiriu muitos conhecimentos - nomeadamente em matérias financeiras e da
4
L’écriture prélatine du sud-ouest de la péninsule ibérique», por Virgílio Correia, revista « Les Dossiers
d Archéologie», n.º 198, Novembre/94 ; “La Lectura de las Inscriptiones Sudlusitano-tartesias”, por Jesús
Rodríguez Ramos, “Faventia” n.º 22/1, 2000, págs. 21-48; “Novos Monumentos Epigrafados com Escrita
do Sudoeste da Vertente Setentrional da Serra do Caldeirão”, por Amílcar Guerra, Rer. Port.
Arqueologia, vol. 5, n.º 2, 2002, págs. 219-231; «A Escrita do Sudoeste da Península Ibérica : Velhos
Dados, Novas Teorias e a sua Importância para o Estudo das Antigas Culturas Hispânicas”, por Virgílio
Hipólito Correia, revista “Portvgalia”, Nova Série, vol. 35, Porto, 2014 págs. 77-93;
https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_da_Escrita_do_Sudoeste
5
Hoz, Javier de, “El origen de la escritura del SO”, “Actas del III Coloquio sobre lenguas y culturas Palo
hispánicas”; (Lisboa 5-8 Noviembre1980); Jan/1985
6
Deverá ter sido aqui que o Prof. Gonçalves da Silva baseou a nota de rodapé que consta na sua
“Contabilidade Geral”, I volume, 2ª edição, 1971, pág. 51
7
Reino que englobava a ilha da Sardenha e a região de Turim
2
“bela ordem da contabilidade” com que, aí, se registava a fazenda pública 8 - e aí formou o seu
pensamento.
Já nas suas “Reflexões sobre a Fiscalidade e Finanças em Portugal” (1786) escrevia: “em
Portugal, a despesa e receita, ou o que se chama de contabilidade é muito bem entendida,
mas tudo o mais é defeituoso”.
Em 1798, num Parecer para o Príncipe regente, entendia que se devia estabelecer “a mais
severa contabilidade no Exército, no seu aprovisionamento e nos arsenais, criar para esse fim
uma Contadoria e uma Junta de Fazenda”, dizendo ser fundamental “reestabelecer o sistema
de contabilidade do Erário, totalmente perdido pela nulidade e frouxidão, para não dizer
corrupção, do tesoureiro-mor” ou seja, “reestabelecer o sistema de contabilidade totalmente
arruinado, fazendo reviver a este respeito não só o antigo e exato método praticado no
reinado do senhor rei D. José…, mas acrescentando-lhe a pedra angular do edifício, que nunca
se pôs, que é o sistema de balanços ou orçamentos dos diversos artigos futuros da receita e
despesa”.
Em 1799 apresentou, pela 1ª vez, ao Rei as contas gerais da Marinha, relativas ao ano de 1798.
Ainda em 1799, refere, em vários textos, a necessidade de “uma mais exata e miúda
contabilidade em todas as Repartições onde se despende a Fazenda Real, semelhante ao que
se pratica na Repartição da Marinha” e defende que “o sistema de contabilidade proposto
para o Reino” devia ser alargado ao Ultramar. “Sem uma grande e vigorosa alteração na
administração e arrecadação da Fazenda, sem uma exata e verificada contabilidade em todas
as Repartições de receita e despesa da Fazenda Real … nada se pode esperar que seja estável”.
Na carta de 14 de junho de 1801, para o seu sucessor na Secretaria de Estado, Sousa Coutinho
destaca que na Repartição da Marinha “existe a mais rigorosa contabilidade” e “o bom estado
da contabilidade da mesma Repartição”.
Em 1803 escreve: “sem a introdução da mais exata contabilidade nas Despesas que se
houverem de fazer, e sem os Orçamentos ou Balanços preventivos e Contas comparativas, é
igualmente impossível estabelecer uma rigorosa economia em cada Repartição; e esta mesma
exata contabilidade se não introduzir … como atualmente se pratica por ordem de V. A. Real
na Repartição da Marinha.”
Apesar de Sousa Coutinho ter deixado a secretaria de Estado, o vocábulo vai aparecer, de
novo, em vários diplomas:
- Em 29 de Agosto de 1801 no Alvará que criou a Junta da Direção Geral para o provimento de
munições de boca do Exército, que determina “que se estabeleça uma comptabilidade e
8
O Estado, neste reino, adotou as partidas dobradas: e-book “Routledge Companion to Accounting
History”, pág, 182/1037
3
escrituração em cada uma das administrações provinciais” e que a Junta examine “quais são os
livros da atual comptabilidade”;
- Em 4 de Julho de 1808, o título do Alvará que cria um “Erário e Conselho de Fazenda para a
administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e assentamento do seu Real
Património e fundos públicos deste Estado e domínios ultramarinos”, publicado já no Rio de
Janeiro (para onde a Corte foi e, com ela, Rodrigo de Sousa Coutinho, que aí foi Ministro da
Guerra e dos Negócios Estrangeiros) é o 1º a registar em título o vocábulo, que volta a
aparecer no seu texto, criando 3 contadorias, sendo que a 2ª e a 3ª ficavam encarregadas da
“contabilidade, cobrança, escrituração e fiscalização” das rendas reais, salvo as do Rio de
Janeiro, que ficaria para a 1ª;
O 1º a referir a introdução do galicismo foi Frei Francisco de São Luís Saraiva (o célebre Cardeal
Saraiva, liberal, maçon, membro do Sinédrio, professor e reitor da Universidade de Coimbra,
Bispo dessa cidade, sócio da Academia das Ciências, Presidente da Câmara dos Deputados em
4
1826, após a Carta, ministro do Reino, com o então Marquês de Palmela, guarda-mor do Torre
do Tombo, Cardeal Patriarca de Lisboa).
De facto, da memória por ele apresentada em 1810 ou 1811 à Academia das Ciências e
publicada em 1835, no Rio de Janeiro,“Glossario das palavras e frases da lingua francesa : que
por descuido, ignorancia, ou necessidade, se tem introduzido na locução portugueza moderna;
com juízo crítico das que sao adoptaveis nella” consta: “COMPTABILIDADE (comptabilité): Tem
significação mais restricta que responsabilidade, e diz tanto como obrigação de dar contas.
Vai-se usando na linguagem mercantil, e já vem na Lei de 26 de oitubro de 1797 tit. 5. Melhor
se escreverá contabilidade”. Como já vimos, a “Lei” não devia ser a citada, mas a de 12 de
Agosto do mesmo ano.
- No seu Título IV, art.º I, n.º 208: “todo aquelle que da mercancia faz profissão habitual”
incorre… “na obrigação de lançar uma ordem uniforme e rigorosa de contabilidade e
escripturação nos termos precisos determinados pela lei”;
- Na secção II “Da escripturação e correspondência mercantil”, art.º XI, n.º 218: “Todo o
comerciante é obrigado a ter livros de registo da sua contabilidade e escripturação mercantil”;
- No art.º XIV, n.º 221: “Todo o commerciante é obrigado a dar balanço a seu activo e passivo
nos três primeiros meses de cada anno, e a lançá-lo num livro de registo particular com esse
destino, e assigná-lo no livro”;
- No art.º XXIII, n.º 230: “Todo o comerciante pode fazer a sua escripturação mercantil por si,
ou por outrem; mas é obrigado a dar ao guarda-livros que empregar, uma auctorização
especial e por escripto. Esta auctorização será registada no registo público de commercio”;
- No art.º XXIX, n.º 236”…os sócios podem nomear um guarda-livros para a formação do
balanço. Esta nomeação é sujeita à solenidade do art. XXIII deste título”.
9
Este é, aliás, o 1º Código português, no sentido moderno, ainda que, à época houvesse “quem
condenasse a autonomia do direito comercial, dizendo servir “só para legislar sobre uma partezinha do
contrato da locação, que podia estar plenamente regulada, conforme a justiça, em duas ou três linhas,
que servissem para todos quantos Almocreves ou Conductores, tem havido no mundo, e poderão haver
nelle até à consumação dos séculos. Por esta forma, poderá ainda haver hum Código para os cegos,
outro para os surdos, ….e depois, também hum para os Manueis, e outro para os Franciscos…”. (Vicente
Cardozo da Costa, “Que he o Código Civil? Notas”, pág. 112 Lisboa, 1822, Tipografia de António
Rodrigues Galhardo, citado por Nuno Espinosa Gomes da Silva, na sua “História do Direito Português”,
5ª edição, Fundação Gulbenkian, 2011, pág. 504/5, nota de rodapé 1 desta. Com toda esta ironia se vê
como o direito comercial era encarado no Portugal da época, ainda muito Ancien Regime - apesar de os
liberais já terem tomado Lisboa a 24 de Julho desse mesmo ano - e no começo da transição que é
explanada nas pág.422 a 424 da “História do Direito Português” de M. J. Almeida Costa, Almedina,
Coimbra, 2005, em especial na pág. 422 e sua nota 3, a qual explica a nova conceção do direito
mercantil a partir da Revolução Francesa, que passou a ser a disciplina dos atos de comércio,
independentemente da qualidade das pessoas que o praticam, isto é, deixou de ser o direito próprio de
uma classe de profissionais.
5
Do completo e notável para a sua época “Diccionario Juridico-Commercial” do mesmo Ferreira
Borges, 2ª edição, Porto, 1856, 440 páginas) consta:
Portanto, em 1856 (e, como veremos adiante, de forma já desatualizada nessa data, mas
Ferreira Borges escreveu este “Diccionario…” em 1833 e viria a falecer em 1838, sendo a 1ª
edição editada, postumamente, em 1840) tinha-se que os franceses entendiam por
“contabilidade” “uma natureza particular de receita e despesa … nas finanças”, logo públicas.
Refletia assim a origem da palavra (mesmo que dela não tivesse conhecimento explicito). Este
ilustre e pioneiro comercialista10 mostra, aqui, que o significado da palavra está em evolução.
“-termo comercial:- é o que se escreve nos livros de um escriptorio comercial: n’este sentido
dizemos: tenho a escripturação atrasada, isto é, não tenho os livros em dia.- Escripturação
mercantil é pois synonimo de Livros commerciaes.-A escripturação d’um negociante deve
merecer-lhe a mais sisuda atenção: ella compreende a historia da sua vida mercantil, mostra-
lhe o estado dos seus negócios, e portanto da sua regularidade quasi que depende a sua
existência comercial. Se bem se examinar a causa de muitas fallencias ella apparecerá na falta
ou irregularidade da escripturação. Em mil casos a escripturação do commerciante é prova ou
adminiculo de prova: isso basta para provar a sua ponderação … O methodo da escripturação
diz-se seguido em partidas – simples, ou singelas¸ e em partidas dobradas. -A escripturação
deve ser apropriada, e adaptada ao género de commercio, que se faz. A sua bondade é pois
relativa; o que só é absoluto é que a haja, que hajão os livros, que a lei exige essencialmente.
A escripturação dos livros do Erario, e arrecadação da Fazenda faz-se pelo methodo mercantil
e escripturação dobrada, Cart. L. 22 dezembro 1761, tit.12, §1…”
É saborosa a definição desta entrada, em tom para o coloquial: entre rigorosos conceitos e
doutos conselhos dá ideia da mentalidade e práticas da época nestas matérias
10
V. https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Ferreira_Borges, consultado em 2020.05.12
6
Administrador Geral, com as clarezas que ele exigir, da Receita ordinária e extraordinária, e da
Despesa do ano antecedente…”.
Porém, no Código de 1842 (Costa Cabral) que o substituiu, a Seção 8ª do Capítulo I, do Título
2º intitula-se “Contabilidade” e, nela, o art.º 161º diz “o Presidente e o Tesoureiro dão
anualmente contas da sua gerência perante a Câmara”. Esta obrigação para as Câmaras está
também prevista no art.º 327º para as Juntas de Paróquia (“…dá anualmente contas perante a
Câmara…”.
Ou seja, o Presidente e o Tesoureiro dão pessoalmente contas perante a Câmara numa Secção
intitulada Contabilidade e, isso, é aquilo que os “francezes intendem por contabilidade uma
natureza particular de receita e despeza por que deve dar-se conta e responder-se”, conforme
Ferreira Borges, no seu atrás citado Dicionário.
Porém, no mesmo ano de 1842, no Relatório que serviu de base ao Decreto de 1842.12.12 11
diz-se: “A Repartição de Fazenda do Governo Civil terá a seu cargo a Contabilidade da
arrecadação e aplicação dos rendimentos públicos do Distrito…”.
Ou seja, com poucos meses de intervalo, nesse ano de 1842, o legislador servia-se dos 2
conceitos já citados para a palavra, o que mostra que o seu significado estava em plena
evolução. “Dever de prestar contas”, no Código, e a “feitura das contas” a cargo de uma
Repartição, no Relatório.
Na “Lei de Administração Civil” de 1867 (Martens, Ferrão) que de forma efémera, o revogou, a
“contabilidade municipal” passou a subsecção e no art.º 188º diz-se que “…apresentará o
presidente à câmara a conta do mesmo exercício”. Ou seja, passou-se de “dar” a “apresentar “
contas.
Já no Código que, na prática, se seguiu, o de 1878 (Rodrigues Sampaio), há uma secção para a
“contabilidade distrital” e outra para a “contabilidade municipal” continuando a usar-se a
expressão “apresentar” contas.
11
Diário do Governo n.º 295, de 14 de Dezembro. Este Decreto foi regulamentado pelas Instruções “para
a administração, fiscalização e contabilidade dos rendimentos públicos”, de 1843.02.08, publicadas no
Diário do Governo n.º 34, de 9 de Fevereiro, as quais, pelo seu art.º 8º, mandam efetuar “pelo método
de partidas singelas” o que, pelo art.º 10º de Decreto, deveria ser “segundo o sistema de escrituração,
por partidas dobradas, que no processo da nossa contabilidade central a Lei exige” .
12
Everard Martins (1944) e Pereira, J. M. (2001)”
7
- “Tratado de Escrituração Mercantil…Arrumação dos Livros de Contabilidade…”, Anónimo
(Domingos de Almeida Ribeiro?), 1842;
- “Guide Pratique de Comptabilité Agricole avec exemples des cahiers employés », anónimo,
Lisboa, 1884 ;
Já no Séc. XX:
- “Tratado de Contabilidade”, de Ricardo de Sá, Lisboa, 1903 (o 1º livro a ter no título apenas
Contabilidade).
8
por base as suas lições na Academia Politécnica do Porto - explica que, apesar de o programa
oficial dos liceus se referir a “contabilidade e escrituração”), “não apresenta a menor diferença
entre as duas palavras”, com o que ele próprio concordava. O 1º livro a incorporar
“contabilidade” no título é de 1842, mas o 1º a intitular-se só de “contabilidade” é o Tratado
de Ricardo de Sá de 1903.
No “Dictionnaire des Finances” (Paris, 1727) “comptable” é « celui qui a manié des deniers
dont il est tenu de rendre compte »
- Na pág. 9 : « Les comptes dont nous venons de parler seront formés sous les yeux du
directeur qui les vérifiera et mettre à la suite VEU & VERIFIE, et signera. Cette comptabilité doit
être entre les deux receveurs » .
Note-se que tal expressão estava confinada às Finanças do Estado, que eram do Rei e que a
Revolução de 1789 veio a tornar públicas, nomeadamente a cobrança de impostos, a qual era
antes feita por particulares, que dela tinham que prestar contas.
Aliás, é isso mesmo que quer dizer “Fermier”, no francês usado até à Revolução: coletores de
impostos por adjudicação (“affermer les impôts” era leiloar os impostos) e “aydes” eram os
impostos indiretos a favor do rei, as quais “aydes” foram criadas pelas Cortes de 1360 para
financiar o resgaste do seu rei, João, o Bom, feito prisioneiro pelos ingleses na batalha de
Poitiers de 1356. A “Ferme générale” (“Compagnie des fermiers généraux “, criada por Colbert,
9
no tempo de Luís XIV) era o organismo do Estado que geria as cauções prestadas pelos
arrematantes, as quais eram usadas como adiantamentos. “Aydes” eram impostos sobre o sal,
bebidas, alimentos, …
Em 1876, Dupiney de Vorepierre 13, no seu “Dictionnaire de français illustré” registou para
“comptabilité” 2 sentidos:
Neste segundo sentido, a palavra começou a ser usada, nas suas obras, por Pierre Boucher
(1800), Degrange (1801), Lorimier (1808), Legret (1811).
Assim, ao longo do Séc. XIX, “tenue des livres” foi sendo substituído por “comptabilité”. A
Revolução Industrial, com o aparecimento de grandes empresas e a consequente divisão de
trabalhos, levaram ao aparecimento dos serviços administrativos, da “Contabilidade” (como
função departamental). A divisão entre Sede e Fábrica(s), geograficamente separadas, também
ajudou, pois tinham serviços próprios separados e diferentes. Dentro desses departamentos
começou a verificar-se uma hierarquia e, logo, diferentes categorias de profissionais: só alguns
eram “comptables”.
A conotação social da “comptabilité” e dos seus “comptables” era outra em relação aos
“teneurs des livres”, pelo que representou uma promoção.
13
Apud LABARDIN, P. e NIKITIN, M. (s/d)
10
Em Inglaterra o termo que apareceu primeiro foi “accountability” (1785-95), ou seja, mais ou
menos a mesma data em que em Portugal apareceu “contabilidade” (1786).
Em italiano e muito curiosamente, pois foi aí que as partidas dobradas nasceram, “ragioneria”
(do latim ratiónem , cálculo, conta) é contabilidade e “contabilità” (do francês comptabilité) é
escrituração.
BIBLIOGRAFIA:
AMORIM, Jaime Lopes, “Digressão Através do Vetusto Mundo da Contabilidade”, Liv. Avis,
Porto, 1969;
COSTA, Maria Fernanda Assis, “Aconteceu Contabilidade”, Plátano Editora, Lisboa, 1988
14
Regimento da Junta do Comércio Geral do Estado do Brasil, de 1672, assinado pelo Príncipe Regente
D. Pedro (futuro D. Pedro II, rei de 1683 a 1706). Com efeito, o capítulo 42, de um total de 99, faz
menção explícita ao guarda-livros (de verbo ad verbum) da contadoria da organização (cf. Decreto de 19
de setembro de 1672 – Regimento da Junta do Comércio Geral do Estado do Brasil, capítulo 42).
(Gonçalves, M, 2107, pág. 34)
11
DE ROCCHI, D.; DE ROCCHI, C, “Teoria Geral da Informação Contábil: um estudo sobre as
origens e a ulterior evolução histórica”, “Contadoria Universidad de Antioquia”, n.º 67 (julio-
diciembre) /2015, pág. 207n-231
GIROUX, Gary, “Accounting History and the Rise of Civilization”, Vol I, BEP-Business Expert
Press, New York, 2017;
GONÇALVES, Miguel e LIRA, Miguel Maria Carvalho, “Recensão a Propósito de Alguns Indícios
Denunciadores da Existência da Contabilidade em Civilizações Antigas”, “Jornal de
Contabilidade”, Julho 2009, pág. 232 a237;
LABARDIN, Pierre e NIKITIN, Marc, « Autour du Mot Comptabilité », Cahier de Recherche 2006-
02, L.O.G., 2006 ;
LABARDIN, Pierre e NIKITIN, Marc, « Aux Origines du Mot Comptabilité », Revue Française de
Comptabilité, n.º 428, Janeiro/2010 ;
LABARDIN, Pierre e NIKITIN, Marc, « Accounting and the Words to tell it: an Historical
Perspective”, in “French Accounting History, New Contributions”, Routledge, 2012;
LABARDIN, Pierre e NIKITIN, Marc, “Les Mots et les Choses (de la Comptabilité) », LOG –
Université d’Orléans, s/d ;
LEMARCHAND, Yannich, « Style Mercantile ou Mode des Finances : le choix d’un modèle
comptable dans la France d’Ancien Régime », Annales HSS, Jan/Fev 1995, n.º 1 pp 159-182 ;
PEREIRA, José Manuel, “O Caixeiro e a Instrução Comercial no Porto Oitocentista”, Porto, 2001,
(págs. 337 a 348);
12
SERRÃO, Joel, Direção de, “Dicionário de História de Portugal”, Iniciativas Editoriais, 1979, 6
volumes (entradas: Beresford; Borges, José Ferreira; Fazenda; Finanças Públicas; Guerra
peninsular; Liberais, Guerras; Liberalismo; Soult, …;
SOUSA, F.º de, FERREIRA, Diogo e ROCHA, Ricardo “A introdução e a difusão da palavra
Contabilidade em Portugal”, publicado no volume 30, de DEZ/2018, da revista “População e
Sociedade”, do CEPEDE (Univ. Porto/Fund. Eng.º António de Almeida )
WEBREFERENCES:
https://kostadealhabaite.blogspot.com/2019/08/ferreira-borges.html (consultado em
2020.06.15)
MAIO/2021
Carlos Ferraz
https://orcid.org/my-orcid?orcid=0000-0002-0721-9203
Publicado em:
13