You are on page 1of 39

GETEB – Ralé

Depto de Letras, Artes e Cultura

RALÉ
Máximo Gorki

**********************************

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BARÃO: Vai, continua.


KVAQUENIA: Dessa estou livre. Já passei por tudc isso, sei bem o que eu digo, e
agora, não, nem mesmo por cem lagostas bem cozidas, eu não me casaria.
BARÃO(Para Satine): Que é que você está resmungando aí?
KVAQUENIA: Eu, uma mulher livre, senhora dos meus atos, deixar que ponham o meu
nome numa certidão, seja lã de quem for, fazer-me escrava de um homem, nunca.
Nem que fosse com um presidente americano eu me casaria!
ANDRÉ Mentira...
KVAQUENIAO que foi?
ANDRÉ É mentira. Você vai se casarcom Abraão.
BARÃO (o barão arranca o livro da Nastsa e lê o título)O Amor fatal. (ria
gargalhadas).
NASTIA (estendendo a mão): Dá aqui... Passa isso prá cá!Deixa de brincadeiras.
(Barão olha-a e agita o livro no ar)
KVAQUENIA: (Para André).Querem ver este russo arrebentado? Mentira... Mentira!
Como é que você tem coragem para me dizer uma coisa dessas?
BARÃO (batendo com o livro na cabeça de Nástia) Você é tonta Nástia!
NÁSTIA: (arrancando o livro). Dá aqui...
ANDRÉ: Ora! A grande dama. Você vai casar com o Abraão... Só está esperando por
isso...
KVAQOENIA: Está bem, está certo, não vou fazer outra coisa. É melhor que você clhe
peia tua mulher. Quase morre de tanta pancada.
ANDRÉ: Cale essa boca sua cadela1. Você tem alguma coisa com isso?
KVAQUENIA Ele não gosta de, ouvir as verdades. Vocês estão vendo? Ele não gosta.
BARÃO: Começou a dança. Nâstia onde está?
NÁSTIA: (mergulhada na leitura) Não aborrece.
ANA: Hoje o dia começou bem. Querem parar com esse bate boca?
ANDRÉ: Lá vai ela. Vamos começar a gemer.
ANA: Todos os dias a mesma coisa... Deixe-me ao menos mor rerdesçancada.
ANDRÉ: Os gritos nunca atrasaram a morte de ninguém.
KVAQUENIA: Você tem paciência... O peito está melhor?
BARÃO: Kvaquenia, está na hora da gente ir para o mercado
KVAQUENIA: Está bem, vamos. (para Ana). Quer alguma coisa?
ANA: Não, obrigada. Comer pra que?
KVAQUENIA: Vou deixar um pedaço de bolo na cozinha. (para o Barão). Vamos,
fidago...
ANA: (tossindo) Santo Deus!
BARÃO: (dando a nastia uma palmada na nuca) Acaba com isso estúpida!
KASTIA (grita) Vá para o inferno

CENA II
SATINE Quem foi que me bateu ontem?
BUBNOV Que é que te interessa?
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

SATINE: É verdade... e por que razão me bateram?


BUBNOV: Voce nãao jogou cartas?
SATINE: Joguei!
BUBNOV: Foi por isso!
SATINE: Vagabundos!
ATOR: Um dia acabam com você!
SATINE: Eh! Imbecil, isso não...
ATOR: Por que?
SATINE: Por que não se mata um homem duas vezes.
ATOR: Não entendi.
ANDRÉ: Seria melhor que você descesse daí e colocasse isso aqui em ordem... você já
vadiou demais.
ATOR : Você tem alguma coisa com isso?
ANDRE A Vassi1issa vem vindo para cá. Depois ela vai te dizer quem tem alguma
coisa com isso.
ATOR Vassilissa que vá pro diabo! Hoje é a vez do Barão fazer a limpeza... Eh!
Barão...

CENA III
BARÃO: Não tenho tempo para limpeza... vou ao mercado com Kvaquenia.
ATOR: Isso não me interessa... Pode ir até para a cadeia. Mas é a tua vez de varrer, e eu
não quero trabalhar pelos outros.
BARÃO: Está bem. Vi para o inforno. A Nástia varre. Vamos, oh! Amor fatal acorda.
(tira o livro de Nástia).
NASTIA: (levantando-se). Que é que voce quer afinal? Me dâ o livro, malandro. E isso
diz que é um fidalgo...
BARÃO: (afastando-se para a cozinha). Ah, pois sim?
KVAQUENIA (aparecendo na porta da cozinha, dirigindo-se ao barão): Vem ou não
vem? A limpeza será feita sem você. Oh! Ator, se estão te pedindo você devia fazer...
ATOR: É isso... sempre eu... não entendo
BARÃO: (trazendo um saco nas costas). Está pesado.
SATINE: É bastante duro para quem nasceu barão.
KVAQUENIA: (para o ator). Vai varrer não vai?
ATOR: Faz mal respirar poeira. O meu organismo está envenenado é o álcool.
SATINE: Organismo... Orqanom... Ovalom.
ANA: André.
ANDRÉ: Que é?
ANA: A Kvaquenia deixou o bolo para mim... come-o.
ANDRÉ: Você não quer?
ANA : Não... Para que comer? Você trabalha... precisa...
ANDRÉ: Você tem medo?
ANA: Vai comer... sofro muito... estou no fim...
ANDRÉ: Vamos, você vai ficar boa.. (sai para a cozinha).
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

CENA IV

ATOR: Ontem no hospital c médico me disse. "O seu organismo está completamente
envenenado pelo álcool".
SATINE: Organom. . .
ATOR: Nao é organon é organismo.
SATINE: Seu monte de merda...
ATOR: Para com essa gozação. Estou falando sério. Sim, se meu organismo está
envenenado peie álcool, varrer, respirar poeira me fará mal certamente.
SATINE Macrobiótico... Ah!
BUBNOV: Que é que você está resmunaando?
SATINE: Palavras... palavras tal.... e ainda tem mais: Transcendental?
BUBNOV: E o que é que quer dizer transcedenta1?
SATINE: Não sei... já esqueci...
BUBNOV: Então pra que dizer estas coisas?
SATINE: Olha, meu caro, pelo seguinte: estou cheio destas palavras que todos dizem,
das nossas palavras... tenho-as ouvido mais de mi1 vezes.
ATOR: No Hamlet tem uma fala que diz: "Oh! Linda Ofélia não me esqueças nas tuas
orações"! Representei nela o pape1 de coveiro.
ANDRÉ: Por que não representa agora o pape1 de varredor?
ATOR: Você não tem nada com isso.
SATINE Gosto das palavras incompreensíveis, raras, originais, não sei porque... quando
era garoto trabalhava no telégrafo... li muitos livros...
BUBNOV: Você. já foi telegrafista?
SATINE: Fui. No telegrafo tem livros bons cheios de palavras curiosas. Eu era um
homem instruído, você sabia?
BUBNOV: Você já me disse isso mais de cem vezes. Tá bom... grande coisa. Eu por
exemplo quando era funileiro tinha a minha oficina... tinha as mãos e os braços sujos
de graxa até os cotovelos. Pensei que seria assim ate morrer, que havia de morrer
com o corpo sujo. Aqui estou com as mãos simplesmente sujas... é verda de.
SATINE E depois?
BUBNOV: Depois o que?
SATINE: Onde voce quer chegar afinal?
BUBNOV: A lugar nenhum... pensamentos... O certo é que por mais que eu suje a pele
de graxa acaba sempre saindo... é verdade.
SATINE: Está bem! Sinto dores nos ossos...
ATOR: A instrução não vale nada, o importante é o talento. Conheci um artista que para
estudar os seus papéis mal sabia soletrar, mas quando representava o teatro todo
tremia com os aplausos...
SATINE: Bubnov me dá cinco cruzeiros?
ATOR : Na minha opinião o que é importante é o talento. E o talento é o confiança em
sí próprio, na sua força...
SATINE: Me dá cinco cruzeiros e eu acreditarei que você é herói, um monstro sagrado,
como tantos conheço... André me dá cinco cruzeiros, vai?
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

ANDRÉ: Vai à merda! Esmoleiro da sua laia está cheio por aí.
SATINE: Pra que gritar tanto se você não tem cinco cruzeiros?
ANA: André... sinto-me mal...
ANDRÉ: O que é que eu posso fazer?...
BUBNOV: Abre a porta de rua...
ANDRÉ: É você aí em cima e eu no chão... me dá primeiro seu lugar, e depois abra
todas as portas que quiser eu já apanhei frio demais...
BUBNOV: Eu nao preciso abrir coisa nenhum... é a tua mulher que está pedindo.
ANDRÉ: Tem gente que pede coisas demais...
SATINE: Este barulho estã me dando dor de cabeça! Por que que vocês não arrebentam
as cabeças...
BUBNOV: Só a cabeça não... o corpo todo... precisa arrebentar o corpo todo... Preciso
de linha. O patrão e a sua esposa não se apresentaram?

CENA V

ATOR: Você se sente mal?


ANA: Sinto-me abafada...
ATOR: Vamos até a porta. Vamos, venha, vamos. (Ajudando Ana) Isso, vamos! Eu
também estou doente... Envenenado pelo álcool!...
KOSTILEV: Vão passear? Que lindo par! O carneirinho e a ovelhinha...
ATOR: Quer sair da frente. Não vê que ela está doente?
KOSTILEV: Passem, passem. (observa o albergue com desconfiança vira-se para
André) Você continua limando?
ANDRÉ: O que?
KOSTILEV: (gritando) Eu disse que você continua limando. (abaixa a voz). O que foi
que eu vim fazer aqui?... A minha mulher não esteve aqui?...
ANDRÉ: Não.
KOSTILEV: (andando pelo albergue) Você ocupa tanto lugar por cinquenta cruzeiros!
A carne... você... é tenho que aumentar o seu preço...
ANDRÉ : Ponha uma corda no pescoço e me enforca... Porque você não me enforca?
KOSTILEV: Enforca-lo pra quê? Pra que serviria? Deus te livre! Homem! Viva a
vontade... Ah! Que homem mau... A tua mulher morre pela tua maldade... Ninguém
gosta de você, seu trabalho é barulhento, incomoda todo mundo...
ANDRÉ: (gritando) Quer parar de me aborrecer?
KOSTILEV: Tá, tá bom. Tá bom.
ATOR: (entrando) . Ei, André! Deixei sua mulher bem agasalhada lá na porta.
KOSTILEV: Como você é bonzinho! Você merece ser pago por isso.
ATOR: Quando?
KOSTILEV: No outro mundo, meu amigo... No céu tudo é anotado...
ATOR: Prefiro que você pague a minha bondade aqui na terra.
KOSTILEV: De que jeito?
ATOR: Deixo pela metade o dinheiro que você me deve.
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

KOSTILEV: Ei! Você esta brincando meu amigo. A bondade não se paga com dinheiro.
ATOR: Você e um grande safado.
(Vai para a cozinha. André sai).
KOSTILEV: (Para Satine). O artista não gosta de mim...
SATINE: Só o diabo pode gostar de você.
KOSTILEV: (sorridente). Você é ordinário. E contudo eu amo a todos... Compreendo-
os bem, meus desgraçados, indignos e perdidos irmãos. (vivamente). E o Vassia?
Estará no quarto?
SATINE: Vai lá ver...
KOSTILEV: (gritando). Vãssia!
(O ator aparece na cozinha comendo)
VASSIA: (sem aparecer). Quem está aí
KOSTILEV: Sou eu... sou eu, Vassia.
VASSIA: Que é que você quer?
KOSTLEV: Vou subir...
SATINE: (para o ator) Vai subir... e ela está lá. (ator ri)
KOSTILEV: (nervoso para Satine). Quem é que está lá?
SATINE Está falando comigo?
KOSTILEV: Que é que você estava dizendo?
SATINE: Eu... nada...
KOSTILEV: Toma cuidado irmão: Toma cuidado com as suas brincadeíras. (esquece
Satine). VASSIA...

CENA VII
VASSIA: (aparecendo). Que há? Que ideia é essa de me aborrecer?
KOSTILEV: Eu... é que...
VASSIA: Trouxe o dinheiro?
KOSTILEV: Tenho de falar com voce sobre negócios.
VASSIA: E o dinheiro?
KOSTILEV: Que dinheiro?... Espera um pouco.
VASSIA O dinheiro do relógio, vamos para cá.
KOSTILEV: Que relógio, Vassia..
VASSIA: Espere aí... Te vendi ontem, diante de testemunhas , um relógio por cem
cruzeiros. Recebi trinta. Passa pra cá os setenta que faltam... Que é que hã? Me dá o
dinheiro e não aborrece.
KOSTILEV: Calma Vassia... é que o relógio...
SATINE: foi roubado...
KOSTILEV: (para Satine, nervoso). Não compro objetos roubados
VASSIA: (avançando para Kostilev) Para que veio me encher então? Que é que você
quer?
KOSTILEV: Nada... nada... Vou embora, outra hora a gente conversa...
VASSIA: Vá buscar o dinheiro.

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

KOSTILEV: (retirando-se) Que gente... não entendo...

CENA VIII
ATOR: Uma verdadeira comédia...
SATINE: Maravilhoso. Gosto disso...
VASSIA: Que é que ele veio buscar?
SATINE: (rindo). Você não sabe? Estava procurando a mulher... Vassia, porque você
não mata esse sujeito?
VASSIA: Não vale a pena estragar a vida por um porco como ele.
SATINE: Você podia casar com a Vassilíssa e seria o patrão
VASSIA: Muito bem, aí vocês bebiam não só a minha fortuna como a mim próprio
(pausa) Idiota, me acordou, eu estava sonhando.
SATINE: Com a Vassilissa?
ATOR : Ele não precisa sonhar com ela, ele a tem na hora que quiser.
VASSIA Vao para o inferno.

CENA IX
ANDRÉ: (entrando). Está um frio de rachar.
ATOR: Porque não trouxe a Ana? Vai gelar lá fora.
ANDRÉ: A Natacha levou-o pra cozinha.
ATOR: O velho põe ele lá pra fora.
SATINE: Vassia, me dá cinco cruzeiros?
ATOR: (A Satine). Cinco cruzeiros, idiota. Não é assim, quer ver uma coisa? Vassia,
empresta aí vinte cruzeiros para nós.
VASSIA: Tomem.
SATINE: Nossa Senhora, as melhores pessoas do mundo são os ladrões.
ANDRÉ: Claro, é fácil ganhar...
SATINE: Há muitas pessoas que ganham fácil. E outras que não se importam em
gastar... Quando o trabalho é um prazer a vida é alegre! Quando o trabalho e é
obrigação, a vida é uma escravidão! (para o ator). Oh! Bicha, vamos para a rua!
ATOR: Vamos. Quero me embebedar como quarenta mil bêbados (saem) .

CENA X
VASSIA: E a sua mulher?
ANDRÉ: Está no fim
VASSIA: Você trabalha como um escravo, não ganha nada com isso.
ANDRÉ: Que se há de fazer?
VASSIA: Nada.
ANDRÉ: E como vou fazer para comer?
VASSIA: A gente se arranja. Tem gente que se virar.
ANDRÉ: Isso não é gente! Não serve para nada... Gente! Eu sou trabalhador... trabalho
desde garoto... Pensa que eu não saio daqui? Hei de sair desta espelunca. Nem que
me esfole, mas saio... Se ela morresse logo... seis meses... parecem seis anos.
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

VASSIA: Aqui ninguém é pior nem melhor do que você. Você não pode falar assim...
ANDRÉ: Aqui se vive sem honra e sem consciência
VASSIA: A honra e a consciência é bom pra quem tem força, autoridade...

CENA XI
BUBNOV: Ah. Estou gelado.
VASSIA: (rindo). Bubnov, você tem consciência?
BUBNOV: O que? Consciência?
VASSIA: Caro.
BUBNOV: Para que eu quero consciência? Não sou rico...
VASSIA: É o que eu digo; honra; consciência, quem tem necessidade disso são os ricos;
e aí está o André, que nos quer mal porque a gente não tem consciência...
BUBOV: Para que? Quer arranjá-la para ele?
VASSIA: Está cheio dela! André, você ê trouxa. Seria melhor se você ouvisse falando
de consciência o Satinne ou o Barão.
ANDRÉ: Não tenho nada que escutá-los.
VASSIA: Tem mais cabeça que você, embora sejam bêbados...
BUBNOV: E quem é bêbado e esperto tem dois trunfos no jogo.
VASSIA: O Satine, por exemplo, sempre diz: ''Cada qual quer que o vizinho tenha
consciência mas por que sabe que ninguém ganha nada com isso... e é muito justo."

CENA XII
VASSIA: Olá Natacha.
NATACHA: Trago um novo hóspede.
LUCA: Olá boa gente!
BUBNOV: Já fomos boa gente:
LUCA: Isso pouco importa; para mim não há pulgas nem boas nem más todas
são pretas, e todas pulam (ri). É isso . . . onde é o meu lugar?
NATACHA: Ali.
LUCA: Obrigado, estou bem em qualquer lugar... (vai a cozinha).
VASSIA: Que interessante! É ele, Natacha?
NATACHA: Mais interessante que vocês... André, sua mulher está na cozinha.
ANDRÉ: Já vou...
NATACHA: Ao menos agora, tenha um pouco mais de carinho com ela... não dura
muito...
ANDRÉ: Eu sei...
NATACHA: Sabe? Não basta saber, é preciso compreender... é terrível... ou...
VASSIA: É... eu não tenho medo...
NATACHA: Que coragem! . . .
SUBUNOV: A minha linha não resta para nada...
VASSIA: É verdade, não tenho medo. Pouco importa morrer!

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

(brincando com Natacha) Pegue uma faca e crave no meu coração... Morrerei
contente porque o golpe vem de uma mão pura...
NATACHA: Ah! Vá contar isso a outra...
BUBNOV: É... minha linha está mesmo muito estragada...
NATACHA: Não esqueça sua mulher, André...
ANDRÉ: Está bem, está bom...

CENA XIII
VASSIA: Bela moça.
BUBNOV: Sim, não é má...
VASSIA: O que será que ela tem contra mim?
BUBNOV: Você ainda vai se dar mal.
VASSIA: Eu? Por que? Sou amigo dela.
BUBNOV: Como o lobo do cordeiro...
VASSIA: O que é isso? Eu só quero ser amigo dela...
ANDRÉ: Se a Vassilissa te pega conversando com ela...
BUBNOV: Vassilissa?... (ri) Se ela te pega com a Natacha te arranca o saco...
VASSIA: Ora, vê se nao enche... (Bubnov e André riem)
LUCA (cantando na cozinha) “Na noite negra não se vê o caminho...”
ANDRÉ: (encaminhando-se para a porta) Ouçam esses guinchos... é o novo hóspede,
porra!
VASSIA: Ah! Estou com medo... porque será que às vezes sinto medo? Tudo parece
bem, de repente é um frio que corre pelo corpo todo.
BUBNOV: Você não gosta?
VASSIA: Não!
LUCA: (continua cantando) “... não se vê o caminho”
VASSIA: Ei, velho!
LUCA: (da porta) É comigo?
VASSIA: Sim, você não pode cantar...
LUCA: (entrando) Não gosta disso?
VASSIA: Gosto, quando é bem cantado...
LUCA: Eu canto mal?
VASSIA: Sim!
LUCA: Pensei que eu cantava bem... a gente pensa: faço bem, e outros acham que a
gente faz mal...
VASSIA: (rindo) Isso é verdade...
BUBNOV: Você diz que não gosta de rir?
VASSIA: O que é que você tem com isso?
LUA: Quem é que não gosta de música?
VASSIA Eu por exemplo.

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

CENA XIV
LUCA: Alí na cozinha uma moça Lê um livro e chora; eu disse: o que você tem?
"Tenho pena dele...” ela disse: “Pena de quem?” disse eu "Do rapaz aqui do livro",
disse ela... Está aí onde muita gente se diverte! E... ás vezes o aborrecimento diverte
a gente...
BARÃO: Isso é estupidez
VASSIA: Já tomou seu chá. Barão?
BARÃO: Já... e daí?
VASSIA: Vou te pagar uma bebida, quer?
BARÃO: Claro que quer. Que é que eu preciso fazer?
VASSIA: Ficar de quatro e ladrar como um cão...
BARÃO: Pra quê? Por acaso você é algum comerciante rico? Você estã bêbado...
VASSIA: Vamos, late um pouco, isso vai me divertir... você é um dos grandes e
poderosos. E nesse tempo gente como eu você não considerava homem.
BARÃO: E daí?
VASSIA: Pois bem! Agora, se eu quiser, você vai ladrar como um cão, não é verdade
que você vai ladrar?
BARÃO: Claro que não. Seu... seu merda. Que prazer você pode ter nisso quando eu
mesmo sei que caí mais baixo que você? Deveria me obrigar a andar de quatro patas
quando eu não era igual a você...
BUBNOV: Falou...
LUCA: (olha para Bubnov) Falou... (ri). Sim senhor... fa1ou...
BUBNOV: Aqui não tem senhores... só homens, pura e simplesmente homens.. .
BARÃO: E são todos iguais... e você irmão, já foi Barão? De onde saiu isso?
LUCA (rindo) Já vi condes, príncipes, mas é a primeira vez que vejo um Barão, e ainda
por cima sem aquela roupinha nojenta...
VASSIA: (rindo) Dessa vez o Barão me pegou...
BARÃO: Já é hora de você deixar da ser estúpido, Vassia...
LUCA: Eh, ah! Olho pra vocês e digo: como são felizes...
BUBNOV: Tão felizes que logo de manhã começam a uivar...
BARÃO: Houve tempo melhor... eu costumava acordar e tomar café... café com leite...
café com leite na cama... sim senhor!
LUCA: É, e são todos seres humanos... por mais que finjam ser isto ou aquilo, são
homens. E quanto mais observo-os homens me parecem inteligentes, interessantes. ...
se bem que vivam cada vez pior, procuram sempre melhor sorte...
BARÃO: E você, velho, quem é?
LUCA: Quem? Eu?
BARÃO: Você é vagabundo.
LUCA: Na terra todos são vagabundos. Ouvi dizer que a própria terra vagueia no
espaço.
BARÃO: É verdade... (sério) E onde estão os teus documentos?
LUCA: Você é da polícia?
VASSIA: (alegre) Muito bem, meu velho!... te apanhou em cheio hei, meu caro Barão/
muito bem meu velho! O que é que você tem a ver com isso?
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BUBNOV: Claro que tem; o Barão nunca roubou...


BARÃO: (confuso) Está bom... Não se preocupe... é brincadeira... eu também não tenho
documentos...
BUBNOV; Que piada!
BARÃO: Quer dizer, tenho... mas não valem nada...
LUCA: Os documentos são sempre assim: Nunca valem nada.
VASSIA: E agora, Barão, como é que fica? Vamos tomar a penúltima?
BARÃO: Vamos. Até mais, velho sacana...
LUCA: (ri) Até mais...
VASSIA: Vamos logo?

CENA XV
LUCA: É verdade que esse sujeito foi Barão?...
BUBNOV: Sei lá! Em todo caso ele é fidalgo... de repente tem certas manias... ás vezes,
muda, e lá vem o Barão... ainda não se acostumou.
LUCA: A riqueza é como a varíola... pode estar curada mas sempre deixa marcas...
BUBNOV: Ele não é mau. Às vezes dá uns coices. Como agora, por causa de seus
documentos.
ALIOCHKA (entra gritando) Como é que vai a pobreza?
BUBNOV: O! Fala baixo!
ALIOCHKA: Perdão... desculpem... eu sou um homem bem educado...
Bubnov: Quer parar com esse escândalo?
Aliochka: O meu chefe me disse: "Desapareça daqui pra sempre, eu sou um homem de
caráter: o meu patrão me trata camo se eu fosse um rato. Quem é o meu patrão?...
Porra... Um simples bêbado, é o que ele é... Eu sou um homem... não quero nada, não
quero nada... é isso... não quero nada... ofereçam um milhão e eu nãoa aceito. Sou
um cara direito, nao recebo ordenado de um bêbado. Ah, não! Isso não!
LUCA: Eh, rapaz, você está todo enrolado...
BUBNOV: Nada! É a estupidez humana que está falando...
ALIOCHKA: Me explica onde eu sou pior que os outros? Vem o chefe e me diz: “Não
Vai para o meio da rua, senão você acaba apanhando” Pois eu vou... vou deitar no
meio da rua... que me arrebentem! Não quero nada é isso não quero nada...
NASTIA: Infeliz! Tão novo...
ALIOCHKA: Mademoiselle! Você fala francês? O seu preço é fixo? Andei na farra.
NASTIA: A Vassilissa!
VASSILISSA: Outra vez aqui?
ALIOCHKA: Muito bom dia... entra por favor...
VASSILISSILA: Para fora, vamos! Rua!...
ALIOCHKA: Espera! Isso não é assim!... Acabo de aprenderuma marcha fúnebre.
Música nova... espera... isso não se faz assim...
VASSILISSA: Vou mostrar como é que se faz. Ainda ponho a rua toda contra você, seu
boca mole...
ALIOCHKA: Está bem. Vou embora!

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

VASSILISSA: Que ele não torne a voltar aqui ouviu?


BUBNOV: Não sou guarda de ninguém.
VASSILISSA: Não quero saber o que você é... você está aqui por caridade, lembre-se
disso. Quanto você me deve?
BUBNOV: Não sei...
VASSILISSA: Pois eu sei!
ALIOCHKA: Vassilissa Kostiliova não tenho medo de você!
VASSILISSA: E você quem é? Um viajante...
VASSILISSA: É para passar a noite ou vai viver aqui?
LUCA: Vamos ver.
VASSILISSA: Seus documentos.
LUCA: Documentos?... Ah! Os documentos...
VASSILISSA: Vamos! Quero ver.
LUCA: Os documentos... estavam aqui. Eu... eu não sei...
VASSILISSA: Ah, sim um viajante! Devia ter dito um vagabundo; estaria mais perto da
verdade...
LUCA: Calma, senhora, calma!
ALIOCHKA: Ela já foi?
VASSILISSA: Você ainda está aí? (sobe a escada)
BUBNOV: (para Vassilissa) Ele não está.
VASSILISSA: Quem?
BUBNOV: Quem?
VASSILISSA: Perguntei alguma coisa?
BUBNOV: Você está procurando ele por toda a parte.
VASSILISSA: Estou vendo se tudo está em ordem. Por que é que ainda não varreram a
casa? Quantas vezes já dei ordem pra que tudo estivesse limpo?
BUBNOV: É a vez do Ator varrer.
VASSILISSA: Não me interessa de quem é a vez. Mas se os fiscais vierem e me
multarem, ponho vocês todos na rua.
BUBNOV: E como é que você vai viver?
VASSILISSA: Eu quero tudo limpo. Limpo! ... O que é que você está fazendo aí? Por
que está parada aí como uma estaca? Vai se virar. A Natacha esteve aqui?
NASTIA: Não sei... não vi...
VASSILISSA: Bubnov, a minha irmã esteve aqui?
BUBNOV: Foi ela quem trouxe aquele ali.
VASSILISSA: O Vássia estava em casa?
BUBNOV O Vãssia??? Estava. Mas a Natacha falou foi com o André .
VASSILISSA: Não perguntei isso... Que lama!... Por toda parte lama!... Porcos! Quero
tudo limpo, ouviram? Tudo 1impo!

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

CENA XVI
BUBNOV: Mulherzinha nervosa, hein?
LUCA: Uma mulher de respeito...
NASTIA: Uma vida como a dela faria de qualquer um uma fera... É só estar casada com
um homem daqueles...
BUBNOV: Acho que ela não está muito ligada nele não.
LUCA: Ela é sempre assim... zangada?
BUBNOV: SEMPRE! Veio procurar o amante, não achou e...
LUCA: Entendo. (risos) Há muitas pessoas no mundo que dão ordens... Apesar disso,
nunca houve ordem... nem limpeza...
BUBNOV: Todos querem ordem e ninguém tem cabeça pra ter... Contudo... é preciso
varrer isto. Nástia, varre aí pra nós.
NASTIA: Sou sua criada, por acaso? Acho é que vou beber até cair.
BUBNOV: Já faz alguma coisa...
LUCA: Por que tanta sede? Agora a pouco você chorava e agora quer beber!...
NASTIA: Pois vou beber e chorar ao mesmo tempo.
BUBNOV: Pois é.
LUCA: Por que razão? Ninguém faz nada se faz nada sem razão... minha gente... o que
será de vocês? (para Bubnov). Onde está a vassoura?
BUBNOV: Pra que?
LUCA: Pra varrer isto.
BUBNOV: Atrás da porta. Nastia. O que é?
BUBNOV: Por que a Vassilissaestã furiosa com o Aliochaka?
NASTIA: Ele anda dizendo que o Vassia está cheio, que quer trocar ela pela Natacha...
Sabe, eu quero ir embora daqui...
BUBNOV: Pra onde?
NASTIA: Vou viver em outro lugar. Estou cheia... Estou demais aqui...
BUBNOV: Você será demais em qualquer lugar... E pela simples razão de que todo
mundo está demais na terra.

CENA XVII
MEDVIEDEV: (entrando no albergue. para Luca). Eu não conheço você.
LUCA: Você conhece todos aqui?
MEDIEDEV: No meu bairro eu conheço todos, mas você é estranho.
LUCA: Acontece irmão, que o seu bairro não é a terra inteira... Há mais alguma coisa.
ABRÃO: É verdade que o meu bairro nao é grande, se bem que seja pior que os
maiores. Agora pouco, antes de deixar o serviço, tive que prender o Aliochaka;
estava deitado no meio da rua tocando, aquela maldita sanfona e berrando:
"Não quero nada! Não quero nada!" Enquanto isso os carros passavam... um
movimento dos diabos... Podia ser morto... um cara perigoso! Tive que prender. Só
faz desordens
BUBNOV: Vamos jogar esta noite?
ABRÃO: Vamos... e o Vassia?

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BUBNOV: Está bem.


ABRÃO: Está bem?
BUBNOV: Huuummm! Andam falando do Vassia... você sabe alguma coisa?
BUBNOV: Dizem tantas coisas...
ABRÃO: Dizem que ele e a Vassilissa... você não percebeu nada?
BUBNOV: Não... acho que não...
ABRÃO: Sei... sei... acho que você sabe alguma coisa e não quer me dizer... Sabe,
irmão, eu não gosto de gente mentirosa...
BUBNOV: Eu não estou mentindo!
ABRÃO: Está bem, está bem... muito bem... Dizem que o Vassia anda se metendo com
a Vassilissa... pouco importa... Não sou o pai dela... (vendo Kvaquenia entrar) Olá...
KVAQUENIA: Ora viva! Bubnov, sabe que hoje no mercado, me aborreceram para eu
me casar com ele... (olha Abrão).
BUBNOV: Aceita! Tem dinheiro e é um guerreiro...
ABRÃO: Eu? Ah! Ah! Ah!
KVAQUENIA: Não. Já tenho bastante experiência, casei uma vez e chega...
ABRÃO: Espera, existem muitas qualidades de marido.
KVAQUENIA: É, mas eu é que sou sempre a mesma... Quando meu marido, que Deus
amaldiçoe a sua alma, arrebentou, tive tanta alegria que fiquei sozinha o dia inteiro
perguntando pra mim mesma se essa felicidade era verdadeira.
ABRÃO: Se o seu marido te batia sem razão, você devia se queixado à polícia...
KVAQUENIA: Me queixei ao próprio Deus, durante 8 anos, sem ganhar nada...
ABRÃO: Não se deve bater em mulheres. Há ordem e lei para tudo, não se bate em
alguém sem razão... Só se bate para garantir a ordem.
LUCA: Muito bem, aqui estamos. (vendo Ana entrar) Como se atreve a andar sozinha
por aí com essa fraqueza! Onde é seu lugar?
ANA: Obrigada.
KVAQUENIA: Esta é uma mulher casada: olhem pra ela.
LUCA: Uma mulher bem fraca. Por que vocês deixam ela andar sozinha?
KVAQUENIA: (debochando) Oh! Perdão, com certeza sua criada quarto foi passear...
LUCA: Você estã brincando. Com que direito vocês abandonam assim um ser humano?
Qualquer que seja a pessoa, ela sempre tem o seu valor.
ABRÃO: Ela precisa de assistência, de atenção... se morre de repente...
LUCA: Muito justo, sargento.
ABRÃO: Obrigado. Se bem que eu não seja exatamente um sargento...
LUCA: Ora, contudo, com seu aspecto, parece verdadeiramente um herói.
ABRÃO: Bem... eu vou fazer a minha ronda...
KVAQUENIA: E eu a minha.
LUCA: Como você se e sente?
ANA: Melhor... Por que você é tão bom?
LUCA: Talvez porque tenha apanhado muito... a vida nos faz compreender muitas
coisas... Sobe?... Nós somos o que somos e ás vezes, confesso, sinto vontade de não
ser.

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

SEGUNDO ATO

(Satine, Barão. Papadas e tártaro jogam cartas. André e o ator acompanham o jogo.
Bubnov joga damas com Hedeviedev. Luca esta sentado num banco junto da cama de
Ana. Ana esta deitada. Noite).

CENA I
TÁRTARO: Só jogo mais uma...
BUBNOV: (canta) “O sol nasce, depois se põe”.
PAPADAS: (seguindo) “Mas é sombria a prisio...”
BUBNOV e PAPADAS: “Dia e noite as sentinelas, me vigiam a janela... olê, o1ê ...
o1á, oláiiááá”
ANA: Pancadas... ofensas... foi tudo que conheci na vida... tudo.
LUCA: Não se preocupe. Esqueça...
ABRÃO: Ei, onde você vai?
BUBNOV: Ah! É verdade! Desculpe...
TÁRTARO: (Para Satine). Pra que esconder a carta? Eu estou vendo!
PAPADAS: Deixa, Hassam. De qualquer jeito estamos perdendo. Bubnov, canta outra
vez...
ANA: Toda a minha vida vesti farrapos, não consegui ser o que você diz...
LUCA: Vamos, minha filha! Está cansada de viver... conseguiu. Está conseguindo
agora.
ATOR : (para o Papadas) Joga o valete.
BARÃO: Nós temos o Rei.
ANDRÉ: Cobrem sempre.
SATINE: É hábito nosso.
ABRÃO: Dama!
BUBNOV: Eu também! E agora?
ANDRÉ Olha!... Para de jogar: ponha as cartas na mesa.
ATOR : O homem não joga sozinho!
BARÃO : Cuidado, André, antes que te mandem pro inferno.
TÁRTARO: Vamos jogar... vamos pra outra... preciso tirar essa diferença...
(Luca sai para a cozinha)
BUBNOV: (canta) "Guardem-me como quiserem...”
PAPADAS: “Não sei como hei de fugir...”
BUBNOV e PAPADAS: “Gostarra de ser livre...” Mas como quebrar as grades?... Olê,
olê, olááááá."
TÁRTARO: (para o Barão) Ah! Ah! Escondeu a carta na manga!
BARÃO: (surpreso) O que? Onde você quer que eu ponha no teu nariz?
ATOR: (para o Tártaro) Nassam, você está enganado...
TÁRTARO: Não se meta! Eu vi... não jogo mais...

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

SATINE: Calma, Nassan... você sabe que a gente trapaceia no jogo... portanto não devia
jogar...
BARÃO: Perdeu trinta cruzeiros e faz tanto barulho como se tivesse perdido trezentos.
TÁRTARO: Vocês não sabem jogar honestamente?
SATINE: Pra que?
TÁRTARO: Pra que?
SATINE: Sim, pra que?
TARTARO: Você não sabe?
SATINE: Não! E você sabe?
PAPADAS: Você é um tipo muito divertido Hassan. Ora, vamos ver se você
compreende: se eles se decidissem a viver honestamente, morreriam de fome em três
dias.
TÁRTARO: Não tenho nada com isso, é preciso viver honestamente.
PAPADAS: Chega de conversa! Vamos beber um pouco. Bubnov!
BUBNOV: “Oh grades , pesadas grades.”
“Sois os meus guardas de ferro.”
PAPADAS: Vamos, Hassan. (sai cantarolando)
(O Tártaro ameaça o Barão e sai com seu companheiro.)

CENA II
SATINE: (para o barão, rindo). Muito bom, meu caro Barão. Mais uma vez sentou-se
no banco dos idiotas. O senhor é um homem instruídos e não sabe, afinal, roubar
uma carta com categoria.
BARÃO: Eu nunca consegui...
ATOR: Falta o talento, Barão... Falta o talento... Não tem fé em si próprio... sem isso
nenhum homem faz nada... Nunca...
ABRÃO: Bem, eu tenho duas damas... e você tem uma...certo?
BUBNOV: Uma só, é suficiente quando se tem inteligência... E você quem joga.
ANDRÉ: Você perdeu, Abrão Ivanitch.
ABRÃO: Meta-se com sua vida... certo?... Que sujeito chato...
SATINE: Ganhei vinte e três cruzeiros...
ATOR: Três cruzeiros pra mim?... Aliás, o que é que eu vou fazer com três cruzeiros?
LUCA: (saindo da cozinha) Então vocês limparam o Tártaro? Quando é que vamos
beber?
BARÃO: Daqui a pouco...
SATINE: Gostaria de ver como você é quando vccê está bêbado...
LUCA: Sou igual a todos os outros bêbados...
ATOR: Muito bem, velho... Vou recitar uma estrofe em tua homenagem...
LUCA: Uma... o quê?
ATOR: Estrofe... versos, entende?
LUCA: Versos...? O que é que eu vou fazer com eles?
ATOR: Divertir-se, ou ficar triste...
SATINE: Vai ficar aí, o trovador?
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

CENA III

ATOR: Vai indo que eu já te alcanço... sabe, Luca, tem uma poesia... mas... puxa...
esqueci o começo...
BUBNOV: Muito bem. Comi uma dama... É sua vez, joga.
ABRÃO: E. Agora você me pegou...
ATOR: Em outros tempos, Luca, quando meu organismo não estava envenenado pelo
álcool, eu tinha uma excelente memória... agora... recitei sempre essa poesia com
sucesso... era aplaudido de pé... em cena aberta... você não sabe o que é ser
aplaudido... é como cachaça... quando entrava no palco e ficava assim... é... tão... Era
assim... (pausa) Não... não me lembro de mais nada... Nem uma palavra... e era meus
proferidos... agora Luca... tudo se apagou ... isso é mal?
LUCA: Não deve ser bem esquecer o que se prefere. Toda a nossa alma estã no que se
gosta.
ATOR: Bebi minha alma, Luca... estou perdido... sabe por que? Porque não tinha
confiança em mim... está tudo acabado.
LUCA: Mas acabado por que? Você precisa se tratar. Hoje existem hospitais gratuitos
que curam a embriaguez... reconheceram que um homem... pode ser que você... vai
até lá.
ATOR: Onde é, isso?
LUCA: Na cidade... não me lembro o nome da rua. Vou procurar saber o endereço. Mas
enquanto isso, tente dominar-se... mais tarde, quando estiver curado, começará nova
vida... É sempre bom recomeçar, amigo ... é preciso que você entenda isso e
recomece agora.
ATOR: Recomeçar... Você não acha que eu posso?...
LUCA: Claro que pode! Tudo ê possível... a questão é você querer.
ATOR: Você é engraçado... enquanto isso... Está bem... Até logo Luca.
ANA: Luca, Luca.
LUCA: Que é?
ANA: Fala um pouco comigo.
LUCA: Está bem. Sobre o que vamos conversar...? O que é que você quer irmã?
ANDRÉ: Nada. (sai)
LUCA: Isso aborrece seu marido.
ANA: Já não penso nele...
BUBNOV: Minha mulher tinha um amante... jogava bem, aquele safado.
ABRÃO: Huuummm...
ANA: Luca, fala comigo... estou perdendo a coragem.
LUCA: Calma... calma... a morte é o descanso... na verdade como se pode descansar
neste mundo?

CENA V
(Entra Vássia ligeiramente embriagado; senta-se e permanece imóvel e silencioso)
ANA: O que haverá depois da morte?

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

LUCA: Nada, nada. Não haverá nada... Tenha fé... é o descanso... Quando você for
enterrada, dirão: "Senhor aqui está a sua serva".
ABRÃO: Como é que você pode saber o que se passa depois da morte?
LUCA: Claro que sei, sargento.
ABRÃO: Tá... tá bem... tem uma coisa, eu não sou sargento...
BUBNOV: Vou comer sua dama.
ABRÃO: Você está me roubando.
LUCA: O senhor vai olhar pra você e dizer: "Levem-na para o paraíso, que ela repouse.
Que tenha paz a pobre Ana..."
ANA: (sufocando) Como você é bom... Se fosse assim, descansar... não sentir nada...
LUCA: Não haverá nada, esteja certa... fique tranquila... pra gente como nós a morte é o
melhor.
ANA: Talvez... talvez eu fique boa...
LUCA: (sorrindo). Pra que? Pra que continuar sofrendo?
ANA: Eu queria... eu queria viver um pouco mais... só um pouco. No céu, o sofrimento
acaba... é isso... eu sinto ...
LUCA: Tenha paciência... calma... a morte é muito simples.
ANA: (levantando-se) Talvez seja... talvez não seja... Santo Deus!
BUBNOV: É você rapaz...
ABRÃO: Por que é que você estã berrando desse jeito.
VÁSSIA: Porque eu quero, e daí?
ABRÃO: Você grita sem razão, tenha calma...
VÁSSIA: E ela chama você de tio... Voce, tio ah, ah.
LUCA: Não fale assim...
VÁSSIA: Você eu obedeço... gosto de voce... você é bom... você sabe mentir... um
mestre em mentiras! Vamos... conte as suas mentiras... Eu gosto do ouvir... continua
mentindo meu amigo... existe na terra poucas coisas agradáveis...
BUBNOV: Ela está morrendo?
VASSIA: O que é que você acha?
BUBNOV: Então vai parar de tossir... Tossia muito... Pronto ganhei o jogo.
VASSIA : Abraão...!
ABRÃO: Pra você eu não sou Abraão.
VÁSSIA: Abraãozinho... A Natacha está doente?
ABRÃO: O que é que você tem com isso?
VÃSSiA: Só estou perguntando...
ABRÃO: Não é da sua conta os problemas da família... Quem é você...
VASSIA: Não interessa... se eu quiser ninguém volta a ver a Natacha.
ABRÃO: Com você... minha sobrinha?... Você não passa de um ladrão...
VASSIA: Se você quer eu sou um ladrão... mas você ainda não me apanhou...
ABRÃO: Não tenho pressa... quando você menos esperar...
VÃSSIA: Tá bem! Se você me apanhar será sua desgraça... Me perguntarão: "O que te
levou ao roubo?..." Eu digo: Miguel Kostilev... "Quem indicou os lugares?"... Eu

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

digo: Miguel Kostilev... Quem comprava os produtos do roubo? ... Eu vou dizer:
Miguel Kostilev e a mulher...
ABRÃO: Ninguém acreditará em você...
VÁSSIA: Vão acreditar... eles tem que acreditar... é a verdade e da verdade ninguém
foge... Uma mentira sua vale mais do que cem verdades minhas. Mas de uma forma
ou de outra eu acabo com tua raça.
ABRÃO: Você está bêbado... eu não te fiz nada de mal...
VASSIA: E que bem você me fez?
LUCA: Muito bem...
ABRÃO: Cala essa boca! Não se meta onde não é chamado...
BUBNOV: Psssit... Não se meta em assunto de família...
ABRÃO: Aqui todos se conhecem... quem é você? (sai de cena).

CENA VI
BUBNOV: O guerreiro perdeu a cabeça. As coisas aqui estão bem enroladas...
VASSIA: Guerreiro! Esse porco foi se queixar com a Vassilissa.
BUBNOV: Você é bobo, Vassia, pra que tanta valentia? A valentia só vale a pena
quando a gente ganha pra isso. Isso aqui não vale nada... ele põe a gente em cena a
ainda ganha ponto no seu currículo.
VASSIA: Ora, o que é isso? Esse cara é um vagabundo! Nao pra nada. Ele não me
pegará tão fácil... se ele guerra, tem guerra.
LUCA: A verdade, meu rapaz, é que se você se afastar daqui... for embora, será melhor
para você.
VÁSSIA: Sei... eu vou pra onde?
LUCA: Pra qualquer lugar. Escuta o que eu te digo... Talvez você encontre coisa melhor
do que isso...
VASSIA: O meu caminho já está marcado... o meu pai passou a vida na cadeia. Quando
eu era pequeno já me chamavam de ladrão... Filho de ladrão.
LUCA: Se você fosser pra outra cidade... outro país, tenho certeza que iria viver
melhor...
VÁSSIA: Me responde uma coisa. Por que você está sempre dizendo mentiras?
LUCA: O que?
VÁSSIA: De repente você fica surdo?... Eu pergunto porque você mente tanto?
LUCA: Mas eu não estou mentindo...
VÁSSIA: Está sim! Está sim! Está. Você vive bem aqui... vive bem ali... se não é
verdade porque você fala tanto?
LUCA: É melhor você acreditar... Por que você pinta paredes? Por que você tem tanta
necessidade de verdades? Eu acho que a verdade para você é um peso...
VÁSSIA: Aaaahhh! Não diz besteiras, velho.
LUCA: (dá uma risadinha de pena)
BUBNOV: Não estou entendendo esta conversa... de qual verdade você precisa Vassia?
Você conhece a sua própria verdade e todos a conhecem...
VASSIA: Cala essa boca... ouça velho! Deus existe?
LUCA: (sorri em silêncio)
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BUBNOV: Os homens vivem como madeira que flutuam no rio, para tomarem conta de
si próprios.
VASSIA: Existe? Deus existe? Fala!
LUCA: Se você acreditar, ele existe! Se você não acreditar, ele não existe. Tudo aquilo
em que se crê, existe.
VASSIA: Deus, é uma hipótese inútil... e cara.
LUCA: Se Deus não existisse tudo seria permitido.
VASSIA: Então você diz que...
BUBNOV: Bem... vou tomar alguma coisa... Espero vocês (vai saindo).
LUCA: (Para Vassia). Por que você está olhando pra mim?
VASSILISSA (entrando, para Bubnov). A Nastia está em casa?
BUBNOV: Não
VASSILISSA (Para Ana) Você anda gemendo ainda?
LUCA: Deixa ela em paz...
VASSILISSA: E você, o que é que você está fazendo?
LUCA: Se for preciso eu vou embora.
VASSILISSA: Vássia? Quero falar com você (Luca sai para a cozinha)
VASSILISSA: Vem cá... o que houve? Por que você está aborrecido?
VASSIA: Estou cheio de tudo.
VASSILISSA: Isto me inclui também?
VASSIA: Sim, de você também
(Vassilissa anda pelo cenário como se procurasse alguém)
VASSIA: O que você tem pra me dizer?
VASSILISSA: Nada... obrigada por dizer a verdade.
VASSIA: Qual verdade?
VASSILISSA: Que você está cheio de mim... (aproximasse de Vassia)
VASSIA: Você ê bonita Vassilissa: (ela o abraça mas ele se li berta). E no entanto eu
nunca senti nada por você...
VASSILASSA: Eu sei ... você tem outra, não?
VASSIA: Isso não te interessa.
VASSILISSA: Talvez eu pudesse te ajudar.
VASSIA: Que é que você quer dizer?
VASSILISSA: Que você me magoou muito... você dizia me amar. De repente...
VASSIA Não foi de repente... há muito tempo que eu sinto isso Você não tem coragem,
Vassilissa... Uma mulher precisa ter alma. Nós os homens, somos animais ferozes
(Come) é precise que nos amansem e nos acariciem... e o que vccê fez para isso?
Uma vez que não se pode dar um pouco de amor, é preciso que se compreenda, as
pessoas.
VASSILISSA: Seja como você quiser
VASSIA: Que cada um siga o seu caminho, será melhor assim.
VASSILISSA: Não. Não. Não é assim... quando eu vivia com você, esperei sempre que
um dia me ajudasse a sair da lama, que me livrasse do meu marido, de meu tio, de
toda essa maldita vida. Talvez eu não amasse você, talvez fosse só esperança de que
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

você pudesse me tirar daqui... (silêncio) Vassia... e se nos ajudasse-mos um ao


outro?
VASSIA: Como?
VASSILISSA: (com maldade). Você gosta de minha irmã não é?
VASSIA: É por isso você a espanca como se fosse um animal.
VASSILISSA: Posso te arranjar tudo da melhor maneira possível... Dinheiro. Todo o
dinheiro que eu puder arranjar.
VASSIA: O que é que você quer?
VASSILISSA: Quero ficar livre de meu marido. Quero sair dessa miséria... Ouça
Vássia... você tem muito amigos... e mesmo que você fizesse isso, quem saberia?
Você teria a Natacha, dinheiro e poderia ir para onde quizesse... assim você me
livraria dessa miséria e levaria para longe a minha irmã... Tenho ódio e ciúmes dela,
não posso vê-la ao seu lado.
VASSIA: Tenho pena de você, Vassilissa.
VASSILISSA: Não preciso que ninguém sinta pena de mim

CENAVIII
(Kostile entra e se aproxima furiosamente e furtivamente de ambos)
VASSIA: Está certo... agora vai.
VASSILISSA: Pense bem... (vendo o marido). O que é que você quer? Por que é que
você está me olhando com essa cara?
KOSTILEV: Vocês estão aí... sozinhos... estiveram conversando? Você não
presta. Você é suja, porca... onde estava? Te procurei por toda parta... está na hora de
dormir... vamos... amanhã a gente conversa.
VASSIA: Vamos, fora daqui.
KOSTILEV: Eu sou o dono da casa. Marido dela. Por que você não vai embora.
VASSIA: Fora daqui, Miguel!
KOSTILEV: Escute aqui, seu ladrãozinho, não se atreva, que eu te arrebento...
(Vassia agarra-o pelo colete e o sacode. Ouve-se um ruido vindo do fogão e um bocejo
prolongado; Vassia larga Kostilev que foge pela porta de entrada, gritando).

CENA IX
VASSIA: Quem está aí? Quem está aí?
LUCA: Precisa de alguma coisa?
VASSIA: Você.
LUCA: Sim, sou eu.
VASSIA: O que é que você estava fazendo aí?
LUCA: Bem... eu... eu fiquei sem saber pra onde ir... estava muito frio lá fora...
VASSIA: Mas você não tinha saído?
LUCA: Calme... calma... preciso ver a Ana... Agora a pouco ela estava agonizando...
Jesus Cristo de Misericórdia, recebe no teu seio a alma de sua serva Ana.
VASSIA: Está morta...
LUCA: Descansa em Paz. Onde está o marido?

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

VASSIA: Bebendo com certeza.


LUCA: É preciso avisá-lo.
VASSIA: Não gosto de mortos.
LUCA: Pra que gostar deles... Os vivos, Vãssia... os vivos é que precisam se amados...
VASSIA: Vou com você.
LUCA: Você tem medo? Não gosto disso.
LUCA: Você tem medo. Vai. Fora. (saem da cena, ouve-se um barulho e entra gritando
o ator) .
ATOR: Ei, velho! Onde está? Já lembrei... Escuta só...
“Meus amigos; se o mundo não souber caminho abrir
Para chegar à justiça e ã verdade,
Gloria ao louco que soube tecer.
Mágicos sonhos, dourados
Para o descanso da humanidade”
Ei, Luca! Escuta...
“Se, por ventura, amanhã o sol se esquecesse
De iluminar a eterna marcha do globo,
Amanhã mesmo o pensamento de qualquer louco iluminaria o universo todo”.
NATACHA: Você está todo bêbado... Parece mais um palhaço.
ATOR: Ê você? Onde está o Luca? Ei, Luca! Sairam todos. Adeus Natacha... até mais...
NATACHA: Você nem disse boa tarde e já disse até mais?
ATOR: Vou embora... quando vier a primavera já não estarei aqui.
NATACHA: Muito bem... e pra onde voce vai afinal?
ATOR: Procurar uma cidade... um lugar... fazer um tratamento. Você devia vir
comigo... "Ofélia! (ri) Existe um hospital para os organismos... para os bêbados... um
bom hospitai! Todo de mármore! Chão de mármore! Luz, limpeza, alimentação tudo
de graça... Sim senhor, de graça! Vou ficar novo... Como dizia o Rei Lear! "Estou em
vias de renascer... Natacha! Meu nome é Ivan... ninguém sabe... Ninguém... aqui não
tenho nome, uma vergonha... perder o nome... ate os cães tem nome... enquanto que
eu...
(Natacha se dirige ao leito)

CENA XI
NATACHA: Um dia todos nós teremos o mesmo caminho. O que é que você está
resmungando? Nada... estou só pensando.
BUBNOV: Veio procurar o Vassia? Tome cuidado! Um dia termina com você
NATACHA: Isso não importa... se tiver que escolher prefiro ele. Bem, isso é com você.
NATACHA: Foi bom eia ter morrido... não posso ter pena . . .afina1 pra que viveu ela?
BUBNOV: Isso acontece pra todo mundo. A gente nasce, vive uns tempos, depois se
apaga... eu... você... todos nós... não temos que ter pena.

CENA XII

(Entram Luca, Tártaro, Papadas e André)


NATACHA: A Ana...
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

PAPADAS: Já sabemos. Que Deus tenha sua alma em bom lugar.


TARTARO: Precisamos tirar ela daqui... aqui não é lugar pra guardar defunto. A gente
dorme aqui.
ANDRÉ: Sim... eu vou levar ela.
PAPADAS: (Para Tártaro) Você pensa que ela vai feder? Não vai não... fique
descansado, quando era viva, já estava seca.
NATACHA: Vocês não sentem pena dela? Não tem um pouco de respeito.
LUCA: Calma, minha filha, calma, é assim que tem de ser. Como poderíamos ter
piedade dos mortos? Se as pessoas não tem piedade com os vivos... se nós não temos
piedade nem de nós próprios.
BUBNOV: (bocejando). A morte não tem interesse nas palavras. É preciso chamar o
médico.
PAPADAS: É obrigatório, por causa do atestado. André, você já avisou o Hospital?
ANDRÉ: Não. É preciso enterrar e eu tenho soó cr$ 43,00 cruzeiros...
PAPADAS: Você pode pedir emprestado, cada um dá o que pode ar ranjar... mas antes
é preciso avisar o médico senão vão pensar que você matou sua mulher... sei lá...
NATACHA: Tenho medo de ir embora sozinha... é escuro lá fora ... Agora vou sonhar
com ela... sonho sempre com os mortos.
LUCA: (seguindo-a) Você não precisa se procupar com os mortos... Dos vivos é que
você deve ter medo...
NATACHA: Você vem comigo?
LUCA: Sim, vou... (saem.)
PAPADAS: Ei, Hassan1. Daqui a pouco a temos a primavera... haverá mais alegria
na vida. No campo, os camponeses já se preparam para lavrar a terra... E nós,
Hassan!... Como dorme essa peste.
BUBNOV: Os tártaros gostam de dormir...
ANDRÉ: E agora, como ó que eu faço, que vou fazer?
PAPADAS: Deita e dorme, é tudo que você tem a fazer.
ANDRÉ: E ela? O que eu faço com ela?

CENA XIII
(Entram Satine e Ator)
ATOR: (gritando) Ei venham cá, meu fiel Kant.
SATINE: Chega o grande explorador. Niluka-Maklai. Oh! Oh!
ATOR: Está tudo acabado! Ó Luca onde é a cidade? Onde você está .
SATINE: Fada Morgana! Fantasmagórica! O seu velhote inventou essa cidade não há
nada... não existe cidade, não existe habitantes... nada...
ATOR: Você está mentindo!
TÁRTARO: levantando-se do leito). Onde estã o dono disso? Vou procurá-lo! Não se
pode dormir! Mortos! Bêbados! (sai).
BUBNOV: Deitem-se meus filhos, não façam barulho...
ATOR: Ah! Sim... aqui, aqui... há um morto... não ouves? As nossas redes trouxeram
um morto...

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

SATINE: (gritando) Shakespeare! Shakespeare! Shakespeare! Palavras! Os mortos não


sentem... os vivos não querem sentir! Gritam... Berram... os mortos não ouvem!
(Luca aparece a porta).

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

ATO III
(Natia recitando de forma musicada)
NATIA: "Ei-lo que chega...de noite...no jardim...como tínhamos com binado...e eu, que
esmero muito tampo... tremo cheia de medo e inquietação.
NATACHA: Ora vejam: Dizem que quem lê muito fica com o cérebro avariaado.
NATIA: Diz então com voz grave: "Meu querido, meu grande amor..."
BUBNOV: Oh. Oh. Meu grande amor! (gozando)
BARÃO: Espere aí. Se isto não te agrada, não ouça, mas não aborreça aqueles que
querem mentir...vai embora, continua Nastia.
NATIA: Calem essa boca! Seus animais. Vocês lá sabem o que e o amor? E você
imbecil! E você imbecil, que e um homem instruido, devia ficar quieto...
LUCA: Vamos, deixem a Nastia em paz! Sejam delicados. Não ê aquilo que se diz que
importa, mas a razão porque se diz. Vamos Nastia, conta a tua história.
BUBNOV: Vamos Nastia, continua a sonhar...
NASTIA: Não leio mais! Eles estão rindo de mim.
NATACHA: Calma Nastia.
BUBNOV: (rindo) Essa moça ê infantil demais...
BARÃO: Ei! Velho, você oensa que tudo isso aconteceu!? E coisa daquele livreco.
“Amor fatal!” Tolices, nada mais...
NASTIA: E que importância tem isso? (furiosa) Cala essa boca! Você já desceu tanto ...
seu... seu psorco, estúpido, merda, merda. (hora)
LUCA: Vamos. Deixe-a. Não fique zangada. Eu acredito. A Verdade e sua. Se você
disse que teve um verdadeiro amor, e porque realmente você teve. Não fique zangada
com o Barão. Talvez seja por ciúmes que ele ri... talvez ele nunca teve nada de real,
de verdadeiro na sua vida...vamos...venha...
NASTIA: Luca! Juro que isto aconteceu! Tudo aconteceu!
LUCA: Eu sei, acredito... você gostava muito dele, não e assim?
(Saem)

CENA II
BARÃO: Essa moça ê muito estunida... é boa, simpática, mas muito estúpida.
BUBNOV: Por que esse velho gosta de mentir? Parece que está sempre na frente de um
Juiz...
NATACHA: Às vezes a mentira é mais agradável do que a verdade.
BARÃO: Bom, vou embora.
NATACHA: Eu sempre imagino coisas... invento... espero.
BARÃO: Pra que?
NATACHA: Não sei... digo pra mim...pode ser que amanhã alguém venha... alguém
especial, diferente... ou então, penso que vai acontecer qualquer coisa de
extraordinário... espero... tenho esperado sempre... mas, na realidade o que e que eu
posso esperar?
BARÃO: Eu não tenho nada que esperar...não espero por nada...Tudo passou, acabou...
NATACHA: Imagino que da repente vou morrer... fico um pouco assustada... o medo
da morte parece natural...
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BARÃO: Parece que você não leva uma vida muito alegre...
NATACHA: Quem tem uma vida alegre? Todos sofrem... a minha volta, só vejo...
ANDRE: Todos, você diz, se fosse verdade a gente percebia quando a vida vai bem.
BUBNOV: Que bicho te mordeu?
BARÃO: Vou fazer as pazes com a Nastia.
BUBNOV: As pessoas gostam de mentir. A Nastia, eu ainda posso compreender...
como tem o hábito de pintar a cara, quer pintar também a alma... mas os outros, ora
que? O Luca, por exemplo? ...mente como o diabo... não vejo nenhuma vantagem
nele... um velho já...não sei ora que?
BARÃO: Todos tem a alma um pouco negra e por isso gostam de pintar com mentiras.
LUCA: (aparecendo) Por que você gosta de aborrecer tanto os outros? Deixa a moça
em paz...
BARÃO: Deixa de ser burro velho... hoje é o Raul, amanhã ê o Gastão, ê sempre a
mesma coisa...Bem, vou fazer as pazes. (sai)

CENA III
LUCA: Vai. Fala com ela... as pessoas necessitam de calor humano...
NATACHA: Sabe...eu aprecio muito a sua bondade...
LUCA: Bom?... Se você quer assim... é necessário minha filha... É necessário que
alguém seja bom... que tenha pena dos outros. É preciso ter piedade das pessoas para
que elas se encontrem... Só o homem pode ensinar outro homem a fazer o bem...
acredite nisso...
BUBNOV: Sim. Esta bem... eu... não sei mentir! Pra que serve a mentira? Pra mim é
preciso dizer a verdade, como ela é. Pra que esconder a verdade?
ANDRE: Qual verdade? Onde está a verdade? Aqui está a verdade. Sem trabalho, sem
forças... esta é a verdade... nem mesmo um teto para descansar...ora que eu quero a
verdade? O que eu quero é respirar... e isso não é vida...
BUBNOV: Ele está muito exaltado hoje.
LUCA: Calma rapaz... calma
ANDRE: Vocês estão o tempo todo falando em verdade... e eu digo... odeio a todos,
esta é a minha verdade... que ela seja maldita... que vá para o inferno...(sai)
LUCA: Pobre homem... parece que perdeu o juizo...
BUBNOV: Foi uma linda cena... fez isso como se estivesse no Teatro. Preciso contar
isso para o Ator... essas coisas acontecem pra quem não está acostumado a viver...

CENA IV
VASSIA: Paz a honrada companhia! Luca, velho maroto, vocêcontinua a contar
histórias?
BUBNOV: Você devia estar aqui, pra ver como um homem grita...
VASSIA: É de André que você esta falando? O que foi que deu nele? Passou por mim
correndo, como se estivesse fugindo de algo... Não gosto dele... é muito mal, muito
orgulhoso... (Imitando André) "Eu sou um operário" ele acha que e o melhor... se
gosta de trabalhar, que trabalhe, não precisa ficar o tempo todo contando vantagens...
se as pessoas fossem apreciadas pelo seu trabalho... então o cavalo estaria valendo

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

mais do que qualquer homem... Trabalha o dia todo e não diz palavra!?... Natacha,
seu pessoa não está em casa...?
NATACHA: Foram ao cemitério... depois iriam para a Igreja, por causa da missa.
VASSIA: Estava estranhando você estar por aqui, com toda essa liberdade... é tão raro!
LUCA: Você diz: A Verdade... mas isso nem sempre ê remédio para... todos os
sofrimentos... a alma nem semore se cura com a verdade. Conheço um caso... um
homem que acreditava na existência de uma terra de verdade e de justiça...
BUBNOV: Em que?
LUCA: Numa terra da verdade e de justiça" homens bons...que se estimem uns aos
outros, e se ajudem,de uma maneira decente... Assim entre eles tudo iria bem...Então
o homem pensava em partir a procura dessa terra da verdade. Era pobre, vivia mal,
mesmo assim, não perdia a coragem,. . "Não é nada'' ele dizia, "isso hã de passar..
terei paciência, abandonarei tudo e partirei oara o país da verdade...!” Essa era a
única alegria, sua única esperança - a tal terra da verdade...
VASSIA: E ele foi lá?
BUBNOV: (ri)
LUCA: E então um dia o homem chegou a esse lugar... encontrou um sábioo cheio de
livros e mapas...foi então que o meu bom homem perguntou: "Mostra-me, por favor,
onde está a terra da verdade e qual o caminho para ela?" O sábio então abriu os
livros, desdobrou os mapas procurou, procurou..."Não há país da verdade em
nenhuma parte. Está tudo anotado aqui, todos os países indicados, mas da terra da
verdade e da justiça... nada"
VASSIA: Então ela não existe?!
BUBNOV: (ri)
LUCA: O nosso homem não acreditou...” Deve haver” ele dizia..."Pro cura melhor... do
contrário os teus livros e mapas não servem pra nada, se eles não indicam onde está
terra de verdade... O sábio ficou ofendido..."Os meus mapas", ele disse, “são os mais
exatos de todos e a terra da verdade não existe". Então o homem ficou zangado.
"Como assim? vivi todo esse tempo... sofri todo esse tempo! A minha única fé ea a
existência na terra da verdade, e agora os mapas dizem que não!? Isto é um
logro!...Você não é sábio... é um mentiroso... um farsante... você está mentindo.”
Depois voltou para casa e... enforcou-se.
NATACHA: Ele não pede suportar a verdade, quando lhe tiraram a ilusão.
BUBNOV: Tudo isso é mentira... tudo isso é mentira.
VASSIA: Perdida a terra da verdade... não foi encontrada.
NATACHA: Tenho pena do homem...
BUBNOV: Tudo isso são invenções... vejam só... uma terra na verdade! Tem graça,..
(sai)
LUCA: O pobre coitado ri... Bem, eu quero oue vocês vivam felizes... Vou deixá-los
em breve...
NSSIA: E vai ora onde?...
LUCA: Para longe... a procura da paz... os homens! Procuram... procuram... sempre
esperam encontrar o melhor...
VASSIA: E você o que acha? Acha que um dia havemos de encontrar esssa paz?
LUCA: Sim... um dia encontrarão ... um dia todos nós encontraremos.

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

NATACHA: Ah! Se ao menos pudéssemos encontrar a paz... só pra sentir como ela é...
LUCA: Basta imaginar... e através da imagem que você fizer, estará de uma certa forma
encontrando a sua paz...
NATACHA: Como? Como posso imaginar, se eu própria preciso de ajuda.
VASSIA: Ouça Natacha! Quero te falar mais uma vez... aqui diante dele... Venha
comigo...
NATACHA: Para onde: Pra cadeia?
VASSIA: Não roubarei mais... trabalharei... o melhor que temos a fazer é sair daqui... ir
para outro lugar... pensa que eu gosto dessa vida? Muitos roubam mais do que eu e
estão cheios de honra. Mas isso não interessa... eu sinto uma coisa: é preciso viver,
viver de outra maneira...é preciso viver... e preciso viver da maneira que o homem
nossa estimar a si próprio...
LUCA: Muito justo meu rapaz... muito justo. O homem deve estimar se a si próprio.
VASSIA: Sou ladrão porque nunca alguém pensou em me tratar de outra forma...
Natacha, você quer vir comigo?...
NATACHA: Não sei...não acredito nas palavras...
VASSIA: Não é a primeira vez que eu te falo sobre isso...
NATACHA: Ir pra onde? Ir com você pra que? Pra te amar?... Francamente... eu não te
amo tanto, quanto você pensa. Às vezes voce me agrada... outras vezes, só de olhar
pra você eu fico revoltada... Não, eu não te amo. Tenho certeza... quando se ama
verdadeiramente, nao se vê os defeitos da pessoa amada.. e os teus Vassia, eu vejo...
sinto...
VASSIA: Não tem importância. Você me amará depois... (Vassilissa aparece)
NATACHA: E minha irmã?...
VASSIA: Há muitas como ela! Pra mim não representa nada, venha comigo... estou
enterrado na lama, até o pescoço, sem ter onde... me agarrar, em tudo onde ponho a
mão estã podre... a tua irmã... pensei que ela pudesse me ajudar...
LUCA: Casa com ele menina; ele não ê mau. Lembra sempre que puder que ele é bom,
não se esqueça disso, e ele acreditara... Diga apenas: “Vassia, você ê bom, não se
esqueça".
NATACHA: Não tenho pra onde ir... não tenho confiança em ninguém e não desejo ir
em parte alguma...
LUCA: Não se preocupe minha filha. Ele tem mais necessidade de você do que você
dele...

CENA VI
VASSILISSA: Muito bem... parabéns aos noivos.
VASSIA: Não tenha medo.
VASSILISSA: Não tenha medo Natacha. Ele não te baterá... Ele não sabe bater nem
amar... ele é muito valente, só na conversa.
KOSTILEV: (entrando) O que e que você estã fazendo aqui, Natacha?
NATACHA: Vocês disseram que iam à Igreja
KOSTILEV: Isso não te interessa, por que não fez o seu trabalho?!
VASSIA: Ela não e tua escrava.
LUCA: Ouça Vassia, ê melhor que você vai embora...
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

VASSIA: Toma cuidado com essa sua risada... (Para Vassilissa)


LUCA: Vai embora Vássia! Ela está te provocando... você não percebe?
VASSIA: Eu sei... eu sei... (Para Vassilissa) Você não terá o que quer.
VASSILISSA: Você também não terá o que quer Vássia...
VASSIA: Veremos! veremos! (sai)
VASSILISSA: Vou preparar as suas núpcias... não se preocupe (sai)
KOSTILEV: Muito bem, o que é que você está fazendo aqui, meu velho?
LUCA: Não estou fazendo nada, meu velho.
KOSTILEV: Ouvi dizer que você vai embora.
LUCA: Está na hora...
KOSTILEV: Pra onde você vai?
LUCA: Para onde me levar as pernas...
KOSTILEV: Isso é coisa de vadio... você se incomoda de estar sempre no mesmo
lugar?
LUCA: Eu não me importaria se fosse uma pedra. Me disseram uma vez que por baixo
da pedra a água não corre...
KOSTILEV: Por baixo da pedra pode ser. O homem deve fixar-se em alguma parte. As
pessoas não podem viver como baratas, correndo de um canto pro outro... o homem
deve escolher o seu lugar e não ficar andando sem destino... sem caminho...
LUCA: Para algumas pessoas o lugar é em qualquer lugar...
KOSTILEV: São vagabundos ... inúteis ... um homem deve ser útil...trabalhar...
LUCA: Ora vejam quem fala!
KOSTILEV: Claro... a função do Peregrino, não ê julgar as pessoas, mas rezar por
todos, pelos pecados do mundo... os meus, os teus, de todos. Por isso o peregrino
foge às vaidades do mundo... da vida... sua função ê rezar... é essa a sua função,
rezar. (pausa) E você... que espécie de peregrino é você?...Você não tem
documentos...todos os indivíduos honestos possuem documentos...
LUCA: Existem indivíduos, e existem homens...
KOSTILEV: Não entendi...qual é a diferença entre indivíduo e homem?
LUCA: Sabe, existe terra estéril e terra fértil... aí está a diferença entre o homem e o
indivíduo... uns produzem, outros não...
KOSTILEV: Certo. Mas porque razão, você vive dizendo essas coisas o tempo todo?
LUCA: Vejamos... você por exemplo. Pensa que Deus, um dia possa te dizer: “Miguel,
sê um homem!" Acha que você iria mudar com suas palavras? Você ficaria assim
como você é...
KOSTILEV: (rindo) Sabe, o tio da minha mulher é da polícia, se eu quiser...
LUCA: Não, Kostilev... Deus nunca pediria oara que voce fosse um homem... não se é
alguma coisa, só pelo fato de termos alguém que possa nos ajudar... Ser homem é
existir...
KOSTILEV: Que é que você quer dizer com isso?
LUCA:Quero dizer que não se pode definir a existência como necessidade. Existir é
estar ali... presente...sempre...sempre... sempre...

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

CENA VIII
VASSILISSA (entrando) Miguel, vamos tomar café.
KOSTILEV: É o que eu digo... acho que você deve ir embora... deixar este lugar...
VASSILISSA: E verdade, velho, você tem a língua muito comprida...
KOSTILEV: Você deve ir embora agora mesmo: de outra forma...
LUCA: Você chamara o seu tio?!... Pode chamar... ele ganhara uma recompensa de uns
2000 cruzeiros...
BUBNOV: (aparecendo) Quem é que quer se vender oor duzentos cruzeiros.
LUCA: Eles e que estão querendo me vender.
VASSILISSA: (para o marido) Vamos, o café esfria.
BUBNOV: Por duzentos cruzeiros? Muito bem meu velho... sabe, eu acho que você
vale mais uns 10 cruzeiros...
LUCA: Bom apetite no seu café... (saem o casal)

CENA IX
LUCA: (depois de uma pausa) Vou embora...
BUBNOV: Quando?...
LUCA: Esta noite...
BUBNOV: Você é quem sabe... é bom quando a gente sai de alguma coisa sem
problemas.
LUCA: Você é quem diz...
BUBNOV: Eu sei o que estou dizendo.
LUCA: Sabe?...
BUBNOV: É como eu digo... minha mulher andava com o empregado... Se entendiam
tão bem, que pensei que um dia seria morto. Comecei a discutir com ela... discutia
tidos os dias...um dia quebrei a cara do minha mulher e seu amante quebrou a minha
... a solução que encontrei foi matar a minha mulher... era: uma guerra, eu não tinha
paz... Mas pensei...pensei... e resolvi vir embora...Voce vê bem... saímos de perto do
problema e pensamos que tudo está resolvido... O que é que eu podia fazer... A
oficina estava em nome de minha mulher. Se eu não fugisse ela me expulsaria... o
que é que eu podia fazer senão matar minha mulher... devia ter feito, ao menos as
sim não estaria nesse estado... um bêbado... quando beba vendo tudo que tenho... até
minha alma... Já perdi a vontade pelo trabalho... pela luta... (entram Satine e Ator
discutindo)

CENA X
SATINE: Não me aborrece... você não vai pra lugar nenhum...tudo isso ê mentira! Ei,
Luca! O que foi que você meteu dentro dessa cabeça oca do Ator?
ATOR: Luca, ele diz que tudo ê mentira... fala pra ele... diz que ele não tem razão...
sabe, hoje eu trabalhei duro... varri a rua toda... tirei todo o lixo da rua... não tomei
nenhum gole... veja eu estou trabalhando... hoje ganhei trinta contos, e até agora não
comi nada!
SATINE: Como é burro! Trinta contos... da aqui que eu quero beber todo ele...
ATOR: Tira a mão... e para a minha viagem...

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

LUCA: O que é que você ganha tirando as esperanças de um homem?


SATINE: Diz uma coisa, velho bruxo...que sorte me está reservada pelas estrelas...?
LUCA: Você hoje, parece mais alegre, Constantino...
BUBNOV: Ei, Ator. Venha até aqui.
SATINE: Já fui alegre... muito alegre... gostava de me arrumar. Dançava bem, brincava
com todos...era bom ver os outros rirem.
LUCA: Como é que você saiu do seu caminho...?
SATINE: Você é curioso, meu velho. Tudo você quer saber... por que?
LUCA: Eu procuro compreender as pessoas...e eu ainda não entendi você... você é
humano, Constantino... por é que assim de repente...
SATINE: A cadeia, Luca: A prisão... Passei quatro anos no xadrez... Depois disso todos
os caminhos estão fechados...
LUCA: Mas a prisão, por que?
SATINE: Por causa de um homem! Matei um homem...
LUCA: Qual foi a razão de você matar um homem?
SATINE: Foi por causa de minha irmã!...Mas deixa isso prãlã,..Não gosto que me
façam perguntas... além disso, foi há muito tempo.
LUCA: Você se irrita com facilidade...agora a pouco o André, saiu daqui aos gritos...
SATINE: O André, por que?
LUCA: Por causa de seu trabalho...não há trabalho...nada... ele dizia.
SATINE: Ele vai se acostumar... a gente se acostuma... não se preocupe... Bem, vou
ocupar meu tempo livre...

CENA XI
SATINE: O viúvo! O que foi que aconteceu?
ANDRE: Não sei como vou trabalhar... sem ferramenta,..o enterro comeu tudo,
SATINE: Vou te dar um conselho: nao faça nada. Viva, simplesmente, comece a viver...
ANDRE: É fácil dizer...mas eu...eu sinto vergonha.
SATINE: Deixa pra lá... as pessoas não se importam com sua forma de vida... pense que
milhares, que centenas de pessoas como você estão sem trabalho nessa
terra...ninguém faz nada!
(OUVE-SE GRITOS LA FORA, KSOTILEV E VASSILISSA CHINGANDO E BATENDO
EM NATACHA, ELA PEDE PARA NAO FAZEREM ISSO COM ELA)
NATACHA: (DE FORA) Não faça isso comigo... Mão... isso não... (GRITOS DE
DOR)
SATINE: Ei... vocês aí... parem com isso! (COMEÇA A APARECER VAGABUNDOS)
BUBNOV: Vamos ver o que estã acontecendo! (SAI COM O ATOR).
SATINE: (PARA UM DOS VAGABUNDOS) Chame o Vássia. (POLICIAL
ENTRANDO NA COZINHA)
ABRÃO: Que barulho é esse?
SATINE: Os dois estão tentando matar a Natacha. Prove agora que é homam. (VÁSSIA
DESCE A ESCADA, PEGA UMA FERRAMENTA NA OFICINA DE ANDRÉ,
POLICIAL TENTA SAIR)

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

VASSIA: (EMPURRANDO O POLICIAL) Você, fique aí. (VAGABUNDOS SATINE


GRITAM COM 0 POLICIAL, ENTRA ALIOCHKA E RUBA 0 APITO QUE O
POLICIAL TIRA DO BOLSO. ENTRAM BUBNOV, ATOR, PAPADAS E TÁRTARO
CARREGANDO NATACHA)
ABRÃO: Quem fez isso?
PAPADAS: Kostilev?
TÁRTARO: Vai ficar aí parado?
ABRÃO: Calma... calma...
VASSILISSA: (ENTRANDO) estão tentando matar o Kostilev, façam alguma coisa ...
apita, apita.
ABRÃO: Roubaram o meu apito.
ALIOCHKA: Olha ele aqui. (APITA) (VASSILISSA SAI, TODOS FALAM AO MES
MO TMPOALIOCHKA APITA)
SATINE: Vamos pessoal!... Chega?...
VASSILISSA: (ENTRANDO) Mataram Kostilev!

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

ATO IV

CENA I
(Vários dias depois)
ANDRE: Sim... foi durante essa briga toda que ele desapareceu.
BARÃO: Fugiu da polícia... tinha que fugir.
SATINE: Você queria que ele ficasse? Acho que ele esta certo...
NASTIA: O Luca era um bom velho... vocês estão podres, não servem para nada...
BARÃO: (BEBENDO) À saúde!..
SATINE: Era um velho da vertido... A Bastia ficou apaixonada por ele.
NASTIA Não nego... apaixonei-me! Sabia tudo, compreendia tudo...
SATINE: (RINDO) Falando de uma maneira geral...ele às vezes quebrava bem o galho
do pessoal...
BARÃO: (RINDO) Como entorpecente para os viciados...
ANDRE: Era um homem que compreendia bem as pessoas... enquanto que vocês...
SATINE: Adiantaria muito que eu te compreendesse!...
ANDRE Mesmo que não haja compreensão, que ao menos haja silêncio sei lá...
TÁRTARO: (SENTADO MA CAMA) Era um bom velha... tinha alama justa., quem é
justo é bom.
BARÃO: A que justiça você se refere?
TÁRTARO: A justiça...a todas as justiças...você sabe qual justiça es tou falando...
BARÃO: Isso não pega...
NASTIA: (EXPLODINDO) Não sei o que estou fazendo nessa casa com vocês . Vou
embora daqui...
BARÃO: Sem sapatos, Lady?...
NASTIA: De qualquer maneira... nem que tenha que ir nua...
BARÃO: Serã um lindo quadro minha senhora... principalmente se você for de quatro
patas...
NASTIA: Sim, meu caro Barão, irei de quatro patas se eu não tiver mais que ver o seu
focinho...
SATINE: Quando você partir leve o Ator ocra você...ele vai para onde você vai. . . à
meio quilómetro do fim do mundo, existe um Hospitai para os organons...
ATOR: Pros organismos, imbecil!...
SATINE: Pros organons envenenados pelo álcool...
ATOR: Vai falando! Vai falando! Ele vai partir, vocês vão ver...
BARÃO: Ele quem, Sir?
ATOR: Eu.
BARÃO: Obrigado... escreve da Deusa...como é o nome da Deusa, do drama, da
tragédia?... O seu nome Por favor...
ATOR: Não é uma Deusa, é Musa seu idiota.
SATTNE: Laquesis... Hera... Átropos... o diabo sabe...o velho ê quem transformou
dessa maneira o nosso Ator. Ele é o culpado.
ATOR: Palhaços, ignorantes... vocês verão quando ele for embora.
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BARÃO: Ele quem Sir?...


ATOR: Eu! Eu! Eu! Seu idiota de merda. Eu... (PAUSA) "Fartai-vos, espíritos
sombrios... "Um poema de Beranger..."Ele há de encontrar o seu lugar...onde não
há...onde não há...
BARÃO: Onde não há coisa nenhuma Sir!...
ATOR: "Onde não ha coisa nenhuma... essa fossa será minha tumba, morro fraco e
decrépito." E vocês, ora que vivem? Pra que?...
BARÃO: Hei, voce Edmund Kean, génio e desordem!..Não grita tanto.
ATOR: Nunca! Eu quero, eu preciso gritar!...
NASTIA: Grita. So assim, talvez alguém te escmte...
BARÃO: A propósito de que Lady?...
SATINE: Deixa isso pra lá, Barão... que gritem, pouco importa... Isso tem sentido...
(SORRI) O velho disse uma vez "Nunca aboreeça um ser humano" Foi o velho Luca
quem pos fogo em nossos companheiros!
ANDRE: Chamou a gente... convidou... disse pra gente ir pra qualquer parte, mas não
nos disse o caminho...
BARÃO: Aquele velho é um idiota
NASTIA: Deixe de mentira... você é que é um verdadeiro idiota...
BARÃO: Cala essa boca! Mantenham-se em silêncio, Lady!..
ANDRE: Parece que o velho não gostava da verdade... atacava a verdade...tinha razão!
É o que eu digo... que faríamos nos com a verdade, se sem ela mal se pode respirar...
(PARA O TÁRTARO) Você, por exemplo: esmagaram seu braço no trabalho e parece
que vai ser preciso cortá-lo. O que vocês acham dessa verdade?
SATINE: Vocês não têm o direito de falar do velho...você é o pior de todos. Não
entende nada e fica aí gozando com a nossa cara. O velho Luca não é um idiota... O
que e a Verdade? O Homem é a verdade! E isso o velho entendia muito bem... vocês
não! Eu entendo aquele velho... está certo mentir! Mentia porque tinha pena de
vocês... Eu sei... Já li isso uma vez... A gente mente com beleza, com inspiração...
.Existe a mentira que alivia o peso que esmagou o teu braço, a mentira que acalma os
esfomeados... Eu conheço bem a mentira. Pros que tem a alma fraca, pro sangue suga
da humanidade pra esses a mentira é útil... Aquele que e senhor de sí próprio, que
não depende de ninguém, que não tira o pão alheio, não precisa da mentira... A
mentira é religião de escravos e de senhores. A verdade é o deus do homem livre!
BARÃO: Bravos! Bravos! Você falou como um homem honesto.
SATINE: Porque os jogadores trapaceiros falam certrò, uma vez que os honestos falam
como idiotas... É verdade... esqueci muita coisa mas não tudo! O velho era uma
grande cabeça! Bebo à sue saúde...! (SORRINDO) O velho pensava por si...Via tudo
com seus próprios olhos...Um dia eu perguntei: Luca, por que e que os homens
vivem! (ESFORÇANDO-SE FARA IMITAR A VOZ DE LUCAS E OS GESTOS
IDEM) Os homens vivem para alcançar o melhor, meu rapaz.o.Todas, meu rapaz,
todas as pessoas sem exceção, vivem na esperança do melhor!... É preciso respeitar o
ser humano... Nos não sabemos porque cada um é, para que nasceu e o que pode
fazer... Talvez tenha vivido (VINDO) à terra para a nossa felicidade... É preciso dar
liberdade aos homens...
BARÃO: (PENSATIVO) Isso me faz lembrar a minha família... Possuía uma grande
fortuna... empregados... cavalos... cozinheiros...

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

NATIA: Isso nunca existiu...


BARÃO: O que?
NASTIA: Isso nunca existiu!
BARÃO: (GRITANDO) Uma casa na América...duas na Europa...carruagens...
NASTIA: Nunca! (ANDRÉ OBSERVA)
BARÃO: Cala essa boca! Eu tive criados assim... as dúzias...
NASTIA: Você nunca teve nada! Nunca!
BARÃO: Eu te mato.
NASTIA: Que carruagens, coisa nenhuma...
SATINE: Deixa Nastia! Ele vai ficar irritado...
BARÃO: Espera aí...o meu avô...
NASTIA: Qual avô... o seu avô não passava de um lixo... (SATINE RI)
BARÃO: (EXAUSTO PELA EXALTAÇÃO E DEIXANDO-SE CAIR NUM BANCO)
Constantino, diga a essa vaca...Você também ri?... (GRITA) (DESESPERADO
MARTELANDO O PUNHO DA MESA) Mas é verdade... é verdade!
NASTIA: (TRIUNFANTE) Ah! Ah! agora você berra? Compreende o que a gente sente
quando ninguém acredita na gente?
ANDRE: (VOLTANDO PARA A MESA) Pensei que ia acontecer outra briga
TÁRTARO: Isso e mau...vocês parecem animais
BARÃO: Eu não admito que briguem comigo. Tenho provas... documentos...
SATINE: Calma! Calma... esqueça as carruagens do seu avô... Não se vai a lugar
nenhum nas carruagens do passado...Nastia, você vai ao Hosoital?
NASTIA: Fazer o que?
SATINE: Você não vai ver a Natacha?
NASTIA: Ela já saiu de lá há muito tempo... Ninguém mais soube dela...
SATINE: Que pena... É uma pena...
NASTIA: É uma pena...Vocês todos deviam ser banidos desse mundo... Deviam ir pro
inferno... vocês Não prestam... espero que um dia vocês se desfaçam em lama e
sejam levados para o esgoto...
ATOR: Amém...
BARÃO: Vou dar uma aarra nessa insolente.
SATINE: Deixa...você já a maltratou demais.

CENA II
TARTARO: Essa mulher é uma peste...
BARÃO: Esta precisando de pancadas...
ANDRE: Isso é uma carcaça... (EXPERIMENTANDO A SANFONA) Até que enfim.
Agora está boa...
SATINE: Vamos tomar um gole!?
ANDRE: Obrigado!
SATINE: Muito bem. Enfim... Os homens são homens em toda a parte... Á primeira
vista não se percebe isso... Depois a gente percebe que é assim em toda parte...
(TÁRTARO COMEÇA A REZAR)
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BARÃO: (FAZENDO SINAL PARA SATINE) Olha...


SATINE: Deixa! É um bom cara, não vou aborrecer o Assan... (RI) Hoje estou bem...
BARÃO: Você quando bebe fica bom demais.
SATINE: Quando bebo tudo me agrada, sim... Ele reza... perfeito... Todo homem pode
ou não ser religioso, isso é com ele! É livre! Fé, ateísmo, amor, inteligência, tudo ele
faz como quer, e é assim que ele consegue sua liberdade... o homem.. O homem, eis
a grande verdade! O que é o homem? Não é você, nem eu nem os outros... Não... Sou
eu você e todos os outros...
Num só todo. Você compreende? É imenso! Todos os princípios e todos os fins
residem aí... Tudo no homem e tudo para o ho mem... Só o homem resiste. Todo o
resto é obra de seu braço e de seu cérebro... O homem é magnífico! Sou
orgulhosamente... Respeitar é isso... é preciso respeitar o homem... não ter piedade
dele... não devemos humilhar o homem com a nossa piedade. Vamos! Vamos beber
pelo Homem, Barão! É bom uma pessoa respeitar um ser humano. Quando passo na
rua, as pessoas me olham como se eu fosse um assassino, e se afastam...
frequentemente me insultam... Miserável, vagabundo ...Vai trabalhar! Trabalhar!
Trabalhar pra que? Pra matar a fome? (RI) Sempre desprezei as pessoas que tem
grande preocupação pela barriga. Isso não é o mais importante, Barão! Não! O
homem está acima disso... O homem está acima de sua própria existência!
BARÃO: Você pensa... e isso é bom...isso deve reviver o coração... Eu, irmão, às vezes
tenho medo... compreende? Tenho medo por que não sei o que me acontecera depois
disso...
SATINE: Tolices! O Ator, aí, me disse uma vez uns versos: Ser ou não ser, essa é a
questão... Ei, Ator, como é o nome do cara que disse isso?
ATOR: Shakespeare.
SATINE: É isso... o homem não tem medo de nada!
BARÃO: Isso diz você... sempre usei boa roupa... tinha tudo na hora e no momento
exato em que eu pedisse... era funcionário do Tesouro o desviei fundos do Estado...
fui preso... de repente perdi tudo o que tinha... Não é ridículo?
SATINE: E acho estúpido.
BARÃO: Ainda não encontrei a verdadeira razão de estar aqui...
SATINE: O homem nasce pra alcançar alguma coisa de melhor... é isso.
BARÃO: Onde está Nastia?
ATOR: Ei, Tártaro! Assan, reza por mim...
TÁRTARO: (SILÊNCIO) Por que você naõ reza? (ATOR SAI)

CENA III
SATINE: Ei, onde você vai?
(ENTRAM POLÍCIA E BUBNOV COM GARRAFAS E EMBRULHOS)
ABRÃO: O camelo é como um burro... somente que não tem orelhas...
BUBNOV: Vai, esquece esse camelo... você parece burro.
ABRÃO: O camelo não tem orelha nenhuma... ouve pelas narinas
BUBNOV: (PARA SATINE) Olá Constantino! Te procurei nor toda parte, em todos os
botecos!... Pega uma garrafa... todas as minhas mãos estão ocupadas...
SATINE: Se voce colocar as garrafas na mesa, ficara com as mãos livres.
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BUBNOV: É verdade... (PARA ABRÃO) Ei, você aí dedo-duro, olha, ali está um
homem inteligente!
ABRÃO: Todos os ladroes são inteligentes ... claro ...e isso...não poderiam trabalhar se
não fossem inteligentes? O homem honesrto, mesmo quando é um idiota, é sempre
um homem honesto. O safado orecisa estar sempre com o cérebro em
funcionamento... Quanto ao camelo... e um animal de sela... não tem orelhas nem
dentes...
BUBNOV: Onde estão todos? Por que não estão aqui? Eeeeiii! Pessoal, apareçam! Hoje
tem festa!...Quem estã ali no escuro?
SATINE: Você vai acabar bebendo todo esse dinheiro, infeliz.
BUBNOV: Vou e não demora muito! Desta vez guardarei um pequeno capitai...
Papadas?! Onde estã o Paoadinhas?
ANDRE: Não está.
BUBNOV: UUUUhhhh!... O Bull-dog... Brrrr não rosne...! Calma... Beba...
Não fique com essa cara... hoje eu dou uma festa... Ah, se eu fosse rico...montaria um
bar gratuito com muita música... e ... Venham todos, eu diria! Venham todos!
Bebam! Comam! Sabe o que eu faria pra você, Satine? Ahnnn? Sabe? Dava a metade
do meu capital. Eu sou assim.
SATINE: Seria bom se você me desse o que você tem aí no bolso.
BUBNOB: Tudo? Imediatamente?... Pega! Aqui está... e tudo seu...
SATINE: Perfeitamente! Na minha mão estã mais seguro! Da pra jogar um bom
temoo...
ABRÃO: Eu sou testemunha...ele te deu o dinheiro pra você guar dar...
BUBNOV: Você...você ê um bosta...! Eu não preciso de testemunhas.

CENA IV
(OS MESMO E MAIS ALIOCHKA, QUE ENTRA DESCALÇO)
ALIOCHKA: Que merda! Molhei os pés!
BUBNOV: Então vem molhar a garganta!...Você e um bom cara... eu gosto de
você...Você canta...você toca...só não devia beber... É mal pra saúde...
ALIOCHKA: Olhando pra você a gente vê! Você só parece homem quando está
bêbado... Andre, minha sanfona estã pronta? Que frio, irmãos! Ai, comadre, como
estã frio!...
ABRÃO: Posso perguntar quem é essa comadre?
BUBNOV: Eeeehhhh! Amigo, sai dessa! Hoje a polícia esta de folga, só resta o...
ALIOCHKA: Simplesmente o marido da tia Kvaquênia...
BUBNOV: Uma das sobrinhas estã na cadeia... a outra estã morrendo...
ABRÃO: (COM ALTIVEZ) Não está morrendo... simplesmente partiu sem deixar
direção.
BUBNOV: Não imoorta, dá no mesmo...
ALIOCHKA: Ah, rapazes como está frio!

CENA V

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

PAPADAS: Por que você fugiu, Bubnov?


BUBNOV: Venha aqui, vamos cantar minha canção peedileta?
TÁRTARO: Já é noite... por que você não me deixa dormir e canha amanhã de dia?
SATINE: Não tem importância, Assan! Por que você não vem?
TÁRTARO: Como, não tem importância!Vocêsso fazem barulho...
BUBNOV: E o teu braço, Assan? Ja esta melhor? Quando e que vão cortar?...
TÁRTARO: Cortar pra que? Não é assim, não... O meu braço está bom..!
PAPADAS: Ora, Assan! O teu caso ê bem claro! Sem braço você não vale nada. Eled só
querem os braços da gente... sem braços não somos homens; o teu caso é grave?
Então vem beber com a gente e manda o resto pro inferno.
KVAQUÊNIA: (ENTRANDO) Lá fora está frio, uma lama imunda. Meu polícia esta
aqui? Ei, Polícia.
ABRÃO: O que é?
KVAQUÊNIA: Mas você ainda estã usando meu capote? Parece que você... mas o que
aconteceu afinal?
ABRÃO: É o aniversario, depois o frio, a humidade.
KVAQUÊNIA: Tome cuidado... A umidade faz mal... vamos pra cama...
ABRÃO: (ANDANDO) Pra cama? É isso mesmo que eu quero. Passei a noite inteira
bebendo...
SATINE: Por que voce e tão severa com ele?
KVAQUÊNIA: Tem que ser assim! Um homem como ele tem que dár exemplo... ele
agora é meu companheiro, tem que zelar pela minha segurança. Se ficar bebendo
com você...
PAPADAS: Você escolheu mal seu companheiro.
KVAQUÊNIA: Onde eu posso encontrar um homem melhor? Você não me ser vê.
PAPADAS: E verdade, Eu não sirvo. (RINDO)
KVAQUÊNIA: (PARA O ALIOCHKA) Então você também está aqui...?!
ALIOCHKA: Sim, estou aqui.
KVAQUÊNIA: 0 que ê que voce anda dizendo por aí, a meu respeito?
ALIOCHKA: Eeeuuu???Eu tenho dito exatamente o que se passa "Está aqui uma
mulher", eu digo "ensebada, porca, cheia de gordura e pesando exageradamente e
com o cérebro do tamanho de urra ervilha".
KVAQUÊNIA: Primeiro que tudo isso é verdade...tenho até muito cérebro. E depois,
por que é que você anda dizendo que eu bato no meu Polícia...?
KAVAQUÊNIA: Ora, seu indecente. Roupa suja se lava em casal. Você não tinha nada
que andar falando de mim. Por sua causa é que ele anda bebendo.
ALIOCHKA: Então é verdade pessoal: as galinhas também bebem! (SATINE E ANDRÉ
RIEM)
KVAQUÊNIA: Seu magricela de merda! Por que é que você não corta essa sua língua?
Que homem é você afinal?...
ALIOCHKA: Um homem de verdade!
PAPADAS: E de primeira qualidade!
ALIOCHKA: Posso fazer da tudo! Não vivo do dinheiro do povo, da comunidade, o
meu eu ganho honestamente.
Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011
GETEB – Ralé

BUBNOV: Vamos, você não vai conseguir dormir!...Vamos cantar...


PAPADAS: Sim, vamos cantar...
ALIOCHKA: Eu acompanho.
SATINE: Isso! Assim é que se fala, vamos cantar,
TÁRTARO: Vamos lá Bubnov dos infernos... encha o tanque...vamos se divertir
quando a morte vier, morreremos!...
BUBNOV: Encha o tanque, Satine! Vem Papadas! Ah, meus amigos...para um homem
vivar não precisa de muita coisa, não! Eu qucndo bebo, estou contente... Canta
Papadas a minha canção preferi da! Eu cantarei depois... para chorar depois...
PAPADAS: (CANTANDO) O sol nasce depois se põe... mas e sombria a prisão...
(CONTINUAM CANTANDO)
(A PORTA SE ABRE BRUSCAMENTE)
BARÃO: (GRITANDO) Ei. Vocês! Venham depressa!... No terreno vazio... Lá
embaixo... O Ator!
PAPADAS: O que aconteceu?...
BARÃO: O Ator se enforcou-se!...
(SILÊNCIO. TODOS OLHAM 0 BARÃO. SATINE CORRE PRA JANELA. EM TRAM
VAGABUNDOS POR TODA PARTE. SATINE VOLTA DA JANELA LENTAMENTE,
SILÊNCIO ABSOLUTO)
SATINE: Ora!...Ator, você estragou nossa melhor noite!...
(TODOS PERMANECEM ESTÁTICOS)

FIM

Máximo Gorki.. Ralé - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
/ UFSJ – Novembro/2011

You might also like