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por
Jorge Camargo
Ao Nelson Bomilcar, companheiro de jornadas, parceiro de sonhos
e um dos personagens centrais desta história.
Este livro conta uma história que já tem 30 anos. Uma história que não vivi, por razões
mais óbvias que subjetivas: tinha 14 anos à época. Mas já gostava mais de música do que
costumava gostar a garotada da minha idade e ouvia repetidamente as canções da fita cassete que
me deu de presente um amigo, o Mário Andreotti, ou só Marinho mesmo.
Fui chegar a VPC apenas três anos depois, quando da trupe do Vento em Popa apenas
restava o Guilherme Kerr. Algum tempo depois viria a trabalhar com Ederly Chagas, Nelson
Bomilcar, Gerson Ortega, Artur Mendes e Sérgio Pimenta no Grupo Semente. Se quando do
momento de lançamento do Vento em Popa eu já desconfiava que a música cristã não mais sairia
de mim, então eu tive certeza. E o tempo passou. E o resto já é história.
Dedico também uma palavra de gratidão aos professores Júlio Zabatiero, Ronaldo de
Paula Cavalcante e Gladir da Silva Cabral, por suas colocações na banca, mas antes por sua
consideração, atenção e respeito.
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................... 54
CIFRAS .......................................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 86
PREFÁCIO
Quando recebi o convite do Jorge Camargo para escrever esse prefácio, confesso que,
além de honrado, fiquei temeroso pela minha falta de qualificação acadêmica, pois não sou
teólogo, sociólogo ou antropólogo; nem mesmo músico posso ser considerado. Também não fiz
parte do grupo citado no livro que concebeu o disco De Vento em Popa, apenas tive algumas
músicas gravadas. Na verdade, entrei como passageiro num trem que já estava em movimento.
Por outro lado, a minha visão sobre este livro pode ter o olhar semelhante ao de
muitos futuros leitores, como testemunho ocular (e auricular) desse disco (inicialmente um long
play ou LP) que influenciou significativamente a maneira como a igreja brasileira se relaciona
com a cultura de seu País.
Acredito que a música é a linguagem da alma. Aqui a alma é o mesmo que a Bíblia
chama de coração, ou seja, o conjunto de sentimentos, lembranças e valores incorporados às
características constitutivas de uma pessoa. Dentro da alma é que se aloja a cultura.
Uma experiência que me chamou muito a atenção sobre a profundidade que a música
atinge ao lançar suas raízes aconteceu com meu pai, Rev. Aristeu Pires, nos seus últimos anos de
limitação aqui na terra. Mesmo tendo sido dono de uma memória prodigiosa, a doença que o
acometera roubou-lhe todas as lembranças mais preciosas: dos amigos, dos filhos e até da
companheira amada de mais de 50 anos de jornada; ele não lembrava nem de si mesmo.
Contudo, uma vez um grupo de amigos da igreja que ele pastoreara em Anápolis, Goiás, foi
visitá-lo e, sabendo do quanto ele gostava de música, improvisaram um mini-coral e cantaram
alguns dos hinos que ele amava. Aconteceu que usaram a versão atualizada do hinário (com
algumas letras revisadas) e meu pai, sem poder se mover na cama sussurrava: “a letra está errada,
a letra está errada!”; aquela lembrança foi mantida intacta, imune à força da doença.
Outras vezes, ao ouvir algumas das velhas canções que marcaram sua vida, uma
lágrima teimosa acabava rolando pelo rosto.
Também aconteceu uma vez em que eu estava com ele no quarto e começou a tocar
no CD uma música que eu havia gravado (daquelas gravações de cozinha). Ele tentou falar
alguma coisa. Eu me aproximei para ouvir o que ele queria dizer e, bem baixinho, (sem me
reconhecer) disse: “é meu filho quem está cantando”.
Nós não temos noção da extensão dos efeitos da música no coração das pessoas, mas
tenho certeza de que no Céu ela tem uma presença marcante, pois, quase sempre que o Céu é
descrito na Bíblia a música está presente.
Eu acredito que a cultura é algo que chega a nós através dos ouvidos, olhos, tato,
paladar e olfato. Essas informações se entranham no nosso ser, deixando marcas permanentes.
No momento que a mensagem de uma canção vem embalada na linguagem da alma, com o
mesmo “sotaque” que o nosso, a comunicação é muito mais eficiente e eficaz porque ultrapassa
as barreiras culturais que criamos, ou outros criam para nós.
Durante a minha adolescência fui “emprenhado” através dos ouvidos pelo estilo de
música popular brasileira da época. Aquelas músicas acalentaram meus sonhos, foram
companheiras das fossas, serviram de tema para paixões, desilusões, revoltas ou grande
celebrações. Quem viveu na mesma época lembra com certeza do tema Pra Frente Brasil que
dizia: “… parece que todo o Brasil deu a mão, todos ligados na mesma emoção; tudo é um só coração”. Essa,
com certeza foi a música mais conhecida e cantada no Brasil em todos os tempos, depois do
Hino Nacional (que poucos sabem de cor).
Quando, ainda adolescente, comecei a usar a música para expressar meus sentimentos,
o que nasceu dos meus lábios foi o que havia sido semeado no coração: a Música Popular
Brasileira da época. Anos depois, quando me rendi ao amor de Deus, muitos valores foram
mudados em mim, mas continuei usando o português para falar e o “MPBês” para cantar os
diversos sentimentos, inclusive esse novo amor perfeito recém-descoberto.
Felizmente meu pai (que também era meu pastor) foi um grande intérprete do Dorival
Caimmy (para mim, melhor que o original). Talvez, por isso, eu tenha tantas músicas que falam
de mar tendo vivido a maior parte da vida longe dele. Meu pai sempre me apoiou, inclusive foi
quem me ensinou as primeiras notas no violão.
A música De Vento em Popa, que foi gravada como samba-canção, tinha sido
originalmente concebida como um “samba-mambo”, ao estilo da música Rosa dos Ventos de
Chico Buarque. O arranjo vocal (que era cantado por um quarteto de Brasília), seguia a mesma
linha do arranjo magistral feito nessa música pelo MPB-4.
Este livro do Jorge me fez voltar alguns anos no tempo (mais de 30) e reviver
momentos importantes da minha vida e de outras centenas de pessoas que me abordam para
contar do papel que o disco De Vento em Popa exerceu sobre a vida delas, principalmente na
maneira de encarar a música na igreja. Surpreendentemente, a maioria dessas pessoas não havia
nascido quando o disco foi lançado em 1977.
A queixa que tenho desse livro é que ele nos envolve de forma tal que a gente só quer
parar de ler quando chega ao final; daí fica aquele gostinho de “quero-mais”.
Obrigado, Jorge, por resgatar uma parte da história de tantos de nós, ao mesmo tempo
que nos leva a pensar mais profundamente sobre essa tentativa de diálogo com a nossa própria
cultura, provocando inquietações saudáveis quanto a esse convívio de nós cristãos brasileiros,
com o Brasil que existe dentro e ao redor de nós.
Este texto fala da busca de diálogo entre fé cristã e cultura brasileira no período entre o
início dos anos 1970 e meados dos anos 1980, em uma experiência nascida no seio de algumas
comunidades ligadas ao protestantismo histórico (aqui classificadas como comunidades
Parte do princípio defendido por Bastide (1971, p. 188) de que a arte exerce influência
sobre todas as funções sociais (e em primeiro lugar sobre a religião) e tem como objeto de
estudo o álbum De Vento em Popa, lançado na década de 1970 pelo grupo musical Vencedores
por Cristo (VPC), organização artístico-religiosa estabelecida na cidade de São Paulo no final da
década de 1960.
As perguntas e inquietações que deram origem a esta pesquisa têm raízes e fontes em
minha própria experiência pessoal, uma vez que, no contato com o trabalho de VPC e sendo
testemunha ocular do contexto político, social e econômico do país quando da produção do De
Vento em Popa, tive minha vida profundamente impactada pelos desdobramentos desta
experiência.
Filho único de uma família de poucos recursos, durante anos ouvi muitas de minhas
referências musicais em um toca-fitas, dentro do Fusca 68 branco de meu pai, que ficava
estacionado na porta de nossa casa, em um bairro de subúrbio da capital paulista, na maioria das
vezes aos domingos de manhã (o único dia de folga dele) e em um tempo em que ficar dentro
de um carro parado na rua não oferecia tanto perigo.
Comecei estudar música aos 13 anos e pouco depois ouvi pela primeira vez o De Vento
em Popa. Ainda me lembro bem da surpresa que aquele primeiro contato com o disco me causou.
Há cerca de um ano vinha freqüentando uma igreja pentecostal cujo repertório musical era
composto em sua maioria de canções norte-americanas, muitas delas compostas no início do
século XX. Neste contexto, ouvir um disco com canções de cunho religioso acrescidas de
ritmos,
ritmos harmonias e melodias que lembravam o que era veiculado na mídia da época foi
uma experiência no mínimo inusitada e prazerosa.
Tempos depois viria a ter o privilégio de conhecer alguns dos protagonistas daquela
produção, tendo eu mesmo enveredado pelo caminho da arte, compondo, tocando, cantando e
gravando. Hoje, em pleno século XXI, o mesmo que aos meus 14 anos parecia tão distante,
tenho a convicção de que a produção fonográfica do De Vento em Popa, inserida no contexto
daqueles anos, representou uma experiência para lá de significativa para as pessoas que lidam
com música.
reformado,
reformado representado pelas comunidades cristãs protestantes históricas e a sociedade
brasileira,
brasileira em seu processo de reencontro com a democracia, diante do declínio do poder e da
influência dos militares, nos anos 70. Élio Gaspari, em seu livro A Ditadura Envergonhada,
descreve desta forma o ambiente da época:
Nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre muitos outros,
censurados e perseguidos pelo regime militar, expressavam nas letras de suas canções (muitas
vezes populares em sua forma e profundas e enigmáticas em seu conteúdo) valores e angústias
de grande parcela do povo brasileiro. Esta expressão se dava a partir da exploração, nas letras
das canções, de elementos do cotidiano da população e de referências de seu imaginário e da
cultura de massa - como o samba e o carnaval.
Em princípio o repertório era composto por canções importadas dos Estados Unidos
e vertidas para o português. À medida que as equipes viajavam levando sua mensagem e sua arte,
muitos jovens, músicos, intérpretes e compositores das regiões visitadas sentiam-se encorajados
a participar delas e passavam eles mesmos, em um breve espaço de tempo, a escrever suas
próprias canções, as quais, por sua vez, foram sendo incorporadas ao repertório musical do
grupo e gravadas nos novos discos.
Nas várias cidades e regiões visitadas pelas equipes, muitos se sentiram estimulados a
desenvolver trabalho semelhante, o que propiciou o surgimento de toda uma geração de
músicos, cantores e compositores influenciados por esta proposta de diálogo entre fé cristã e
cultura brasileira.
O alcance do diálogo proposto pelo De Vento em Popa, a partir das condições em que
ele se estabeleceu e para além dos desdobramentos por ele gerados, abre caminhos para muitas
discussões sobre a relação entre religião, arte e sociedade no Brasil. Antes disso, entretanto, uma
pergunta se faz presente: teria o protestantismo histórico sido efetivamente inserido no país?
Por isso é relevante perguntar se existiu, através da arte e por intermédio do álbum De
Vento em Popa, uma experiência de diálogo efetivo entre protestantismo histórico e cultura
brasileira. Neste diálogo promoveu-se a inserção e a contextualização do protestantismo
histórico na cultura brasileira? Qual é então o papel da fé cristã, por meio da arte, na sociedade?
Façamos juntos esta reflexão.
Este trabalho, autoral, foi desenvolvido no ambiente acadêmico. Por isso, penso ser
importante expor aqui as razões para o seu desenvolvimento, razões estas que têm um
componente pessoal, antes de tudo.
Para além da minha fé e da figura que ocupo no cenário musical cristão de meu país,
dentro de meu coração sempre desejei ser um estudioso da religião. Em alguns momentos isso
foi perfeitamente possível, como nos anos em que freqüentei a Faculdade Teológica Batista. Em
outros, nos quais o sustento impunha uma maior aproximação da vida que muitos chamavam (e
chamam) de “real”, guardava minhas dúvidas e inquietações na gaveta e me adaptava a outros
modelos de vida, que muitas vezes não deixavam espaço para as minhas leituras.
Por isso também este trabalho mantém sua característica de pesquisa acadêmica e se
coloca como uma proposta de colaboração, no sentido da carência notória de pesquisas que
abordem o campo do diálogo entre religião e cultura, por meio da arte, em se tratando de
protestantismo, no Brasil.
Embora estas referências tenham sido de grande valia do ponto-de-vista das posturas e
discussões conceituais que envolvem o conceito de indústria cultural, além de eficientes na
condução da reflexão sobre a manipulação da massa pelos mecanismos capitalistas, há que se
dizer que Adorno posiciona-se como um inflexível crítico da cultura popular, vinculado ao que
Calvani (1998, p. 71-2), classifica de “fundamentalismo estético”.
Este estudo tornou-se viável também pela confiança que tenho nas fontes, muitas
representadas por pessoas cuja disposição para a conversa foi efetivamente grande. Muitas
dessas pessoas foram personagens desta história, participaram da produção do disco e
testemunharam muitos dos desdobramentos desta produção. Eu mesmo, por vezes, fui
testemunha de alguns dos fatos registrados neste livro.
Meu desejo mais profundo é que as questões por mim colocadas, bem como outras
relacionadas ao protestantismo na sociedade brasileira, à experiência do suposto diálogo entre fé
cristã e cultura popular por meio da arte e aos rumos da música cristã, inclusive em anos
posteriores ao De Vento em Popa, sejam temas a serem ainda muito estudados.
Fico sempre pensando, nas vezes em que ouço as canções do De Vento em Popa, se o
barco chegou ou não onde pretendia chegar. Não sei exatamente quais eram as intenções
daquele grupo, para além da propagação do evangelho, se é que eles as tinham. Mas havia no ar
uma sensação de busca de liberdade, de produção do novo, de descoberta. Talvez por isso
tenham se lançado ao mar. Também eu, de certa forma, acabo de me lançar.
MARINHEIROS AO MAR
O disco De Vento em Popa foi lançado em 1977, pelo grupo Vencedores Por Cristo
(VPC), organização cristã fundada em 1968 por James Warren Kemp, ou Jaime Kemp,
missionário norte-americano que chegou ao Brasil em março de 1967.
Inspirado pelo grupo Continental Singers, fundado na década de 1960, Jaime elaborou
um treinamento ministrado a grupos musicais na cidade de Portland, no estado norteamericano
do Oregon.
Nos primeiros cinco anos foram cinco compactos duplos, todos intitulados Vencedores
por Cristo, além de dois LPs.
No primeiro compacto de VPC – Vencedores por Cristo I, além da canção Mais que
vencedores (que deu nome à organização), destaca-se a gravação de Deus tem o mundo em suas mãos,
uma antiga canção gospel no sentido original da palavra, ou seja, uma música ao estilo que teve
origem no canto dos escravos norte-americanos.
No segundo compacto, Vencedores por Cristo II, a canção Satisfação, composta por Ira R.
Stanphill (1914-1994), músico norte-americano que se notabilizou por acompanhar pregadores
dos movimentos avivalistas 2 de meados do século XX, popularizou-se nas reuniões de
No terceiro compacto, Vencedores por Cristo III, compõe o repertório, entre outras, a
canção Não meu querer, de Harry Bollback, fundador do ministério Word of Life (Palavra da Vida),
estabelecido no Brasil na década de 1960 e conhecido até hoje por sua rigidez doutrinária e nos
usos e costumes. Jaime, no início de sua estada no Brasil, foi professor de teologia e música no
Seminário Bíblico Palavra da Vida.
No quarto compacto, Vencedores por Cristo IV, entre algumas canções tradicionais de
autores desconhecidos, destacam-se composições de John W. Peterson e Don Wyrtzen, ambos
compositores de renome no cenário da música sacra norteamericana entre as décadas de 1950 e
1960, o que concedia ao grupo um status de modernidade e atualidade, mas que também gerava
críticas vindas dos círculos conservadores da época, que eram maioria no Brasil.
O quinto compacto, Vencedores por Cristo V, inclui duas canções de Otis Skillings,
compositor e maestro norte-americano, famoso por suas cantatas no início dos anos 1970.
Fale do Amor
Em Fale do Amor, primeiro LP gravado em 1971, a música que dá título ao disco foi
composta por Ralph Carmichael, maestro e compositor norteamericano cujas canções seriam,
nos anos seguintes, marca registrada do trabalho de Vencedores. Dentre elas, destaca-se Nas
Estrelas:
2 Conhece-se como Movimentos Avivalistas os movimentos de avivamento surgidos na Inglaterra e Estados Unidos a partir do
século XVIII.
E no vento ouço a sua voz
Deus domina sobre terra e mar
O que ele é pra mim?
Regravada no LP Se eu fosse contar, de 1973, Nas Estrelas foi uma das canções mais
difundidas de Vencedores nesta primeira fase, anterior aos compositores nacionais. Tornou-se
presença quase que obrigatória nos hinários da maioria das igrejas no país.
Novos Caminhos
Nascida no ano de 1924 como Vitória De Martino Bonnaiutti, em São Paulo, no bairro
da Bela Vista, Marlene começou a carreira aos 13 anos no programa Hora do Estudante, na Rádio
Bandeirantes. Aos 16 anos, estreou como profissional na Rádio Tupi, onde adotou o nome
artístico de Marlene, influenciada pela fama da atriz Marlene Dietrich. Pouco tempo depois
mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi trabalhar no Cassino da Urca, contratada pela Rádio
Mayrink Veiga e em seguida pela Rádio Globo. O sucesso mesmo só veio com a sua ida para a
Rádio Nacional, em 1948.
Nos anos que se seguiram, além da famosa rivalidade com a cantora Emilinha Borba,
Marlene construiu uma sólida carreira, servindo como referência para outros grandes nomes da
MPB, entre eles, o de Elis Regina.
Se eu fosse contar
Em 1973 a 12a equipe de Vencedores lança o disco Se eu fosse contar. Além de Dimas
Pezzato (que já havia participado da terceira equipe), violonista e baixista que viria também a
tomar parte na gravação do De Vento em Popa, surge um outro nome importante que comporia o
grupo responsável pela concepção e pela produção do De Vento em Popa. Trata-se de Guilherme
Kerr Neto, que teve sua primeira participação em Vencedores na nona equipe, em 1972.
Se eu fosse contar representa mais um degrau no que poderia ser definido como um
processo de abertura de VPC às influências da música brasileira da época. Ele inclui em seu
repertório duas canções de autores nacionais: Aleluia, de Martha Kerr e uma marcha - rancho
escrita por Wolodymir Boruszewski3, ou simplesmente Wolô, jovem oriundo da Aliança Bíblica
Universitária (ABU), cujas composições refletiam um trabalho voltado para a contextualização
da mensagem cristã através da arte. Algo mais é um exemplo dessa abertura:
3 Wolodymir Boruszewski, engenheiro aeronáutico (ITA-74), mestre e doutor pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE) e coordenador do curso de Matemática e Física da Universidade Taubaté, é também compositor de mais de uma
centena de canções, conhecidas desde os anos 70. Sua discografia inclui “O que a Lua não pôde, não pode, nem poderá”, “Cristal” e
“Espiritualmente”.
Tu me amaste e me estendeste a mão
Deixa de Brincadeira
Em 1974 a 16a equipe gravou um compacto duplo, o Deixa de brincadeira. A canção que
dá título ao disco foi escrita por Aristeu Pires Jr.4, compositor, violonista e intérprete que anos
depois viria a participar da gravação do De Vento em Popa.
Embora não tivesse sido membro de uma equipe até então (o que só viria a ocorrer em
janeiro de 1977, na 23a equipe), a inclusão desta canção de Aristeu já era fruto das muitas
andanças de VPC pelo país, quando o grupo passou a ter contato com jovens compositores,
instrumentistas e intérpretes de outras regiões.
Seja a Paz, adaptação de Guilherme Kerr e Sérgio Leoto do texto bíblico da Carta do
Apóstolo São Paulo aos Colossenses (3:15-16) e Deixa de Brincadeira são os primeiros sambas
gravados por VPC.
4 Aristeu Pires Jr., baiano com influências goianas, é empresário no ramo mobiliário em Gramado/RS. Sua discografia inclui
“Entrosando o Time”, produzido por Atletas de Cristo.
Foi fortemente influenciado pela música brasileira politicamente engajada da época e
particularmente pela obra de Chico Buarque. Além da canção “De Vento em Popa”, seria
também o autor de Salmo 139, A Roseira e Canção para Pedro.
Louvor
No ano de 1975, a 17a equipe viajou o ano inteiro, ininterruptamente, por todas as
regiões do país. Esta experiência produziu um impacto permanente em todos os que dela
participaram.
Guilherme Kerr participa com duas canções, uma adaptação do Salmo 108 e Mente e
Coração:
Nascido em 1954, no Rio de Janeiro, Pimenta foi o grande ícone da música que VPC
produziu em seus quase 40 anos de existência. Falecido prematuramente aos 32 , em 1987,
escreveu mais de 300 composições em pouco mais de uma década, canções que em sua maioria
utilizavam-se de ritmos nacionais. Quico Fagundes, renomado violonista radicado em Brasília e
seu amigo pessoal, descreve detalhes da convivência com Pimenta:
De Vento em Popa
5 COM JEITO DE PIMENTA E COM SABOR DE DEUS, por Quico Fagundes (euclides@synergia.com.br). Disponível em
http://www.valterjunior.com.br, consulta em 02/02/2005.
Figura 7 – Flávio Teixeira, Gerson Ortega, Sérgio Pimenta e Guilherme Kerr, na sala
de espera do estúdio Vice-Versa
Fonte: VPC
A equipe de músicos era formada por Dimas Pezzato (violão e baixo), Sérgio Pimenta
(violão e guitarra) e Aristeu Pires Jr. (gaita), Guilherme Kerr (guitarra e baixo) e Nelson Bomilcar
(baixo e percussão), além de Gerson Ortega (piano e teclados), Flávio Teixeira (bateria) e
Barbara Gordon (flauta).
Nos vocais, participaram Aristeu Pires Jr., Artur Mendes, Carla Ferreira, Dione de
Moura, Ederly Chagas, Guilherme Kerr, Janis Pezzato, Sandra Kerr, Sérgio Pimenta, Sérgio
Leoto, Sonia Pezzato, Valéria Vassão e Virgínia Bonfim.
Essa combinação de estilos e instrumentos deu origem a um trabalho único, que viria a
aparecer como um divisor de águas no cenário da música cristã no Brasil.
TUDO, DESDE A PROA
Por conta desse “acordo”, as canções selecionadas para o disco foram as que aliaram
uma forma que refletia as tendências da música da época a um conteúdo ligado a uma teologia
mais conservadora.
Revolução estética
Dentre os instrumentos utilizados nas gravações, o violão de nylon, por exemplo, atesta
esta revolução estética. Instrumento harmônico mais popular no país, o violão teve destaque
acompanhando as valsinhas e serestas do início do século e posteriormente os sambas e
marchinhas de carnaval que dominaram o cenário da música popular nos anos posteriores.
Em todos esses ritmos, o violão geralmente utilizado era o de cordas de aço, que
permitiam uma melhor utilização dos bordões para os chamados floreios,
floreios além de, por
natureza, possuírem um volume maior de reverberação sonora comparada aos de nylon,
conhecidos também como violões clássicos e mundialmente difundidos pela música espanhola.
Há também a presença, em uma das faixas (Por onde vais), do bongô, instrumento de
percussão de origem cubana, constituído por dois pequenos tambores unidos por uma barra de
metal, e que são tocados com baquetas ou com os dedos.
É preciso que se diga, no entanto, que as canções não possuem todas um estilo
eminentemente nacional, até porque definir o que é música popular brasileira não é uma tarefa
fácil nem simples.
Há, contudo, uma predominância dos estilos que poderiam ser identificados com
outros ritmos nacionais, e, mais do que isso, com os ritmos que dominavam o cenário cultural
da época.
Figura 10 – Sérgio Leoto, Guilherme Kerr, Artur Mendes e Ederly Chagas - ensaio vocal para o De Vento em Popa
Fonte: VPC
A canção descreve um casal velejando que, por conta de um pileque, perde a noção do
tempo e se coloca em uma situação de risco em mar aberto. A vida é comparada a essa situação,
caracterizada pelo vazio existencial – “ou de outro pileque, achando até que encontrou a paz” - e pela
falta de perspectiva – “pense talvez seja esta a sua vida, lute até encontrar um mundo melhor”.
Os valores espirituais são apresentados por associação a textos bíblicos (“Jesus batendo
na tua porta deseja entrar”, em referência a Apocalipse 2.9) e por metáforas que tentam comunicar
o significado desses valores de maneira criativa, por exemplo, quando se referem a uma
definição do que seria uma vida sem Deus (“quer te salvar (...) de um sul sem norte”).
Há, por fim, o convite para se abraçar o chamado ao discipulado de Cristo (“abre o
coração derruba a muralha, deixa que Jesus te abrace também (...) vive pra Jesus o Senhor”) e à proclamação
do evangelho (“canta ao mundo inteiro uma vida tão linda”), que é o anúncio do amor, do perdão e da
graça (“conta o que é ter perdão pelo amor (...) quantas bênçãos há na graça infinda”).
DE VENTO EM POPA
Aristeu Pires Jr.
Escrita na primeira pessoa do singular, Sinceramente expõe uma temática filosófica que
questiona as opções existenciais do autor até ali. Em um diálogo estabelecido com ele mesmo,
decide literalmente correr em direção a Deus, sobre quem se dizia que transformava trevas em
luz e dava sentido e motivo à vida.
SINCERAMENTE
Artur Mendes e Edy Chagas Jr.
Por onde vais, a terceira música do disco, provavelmente não estivesse entre as melhores
do compositor Pimenta, entre as tantas disponíveis para o projeto. Como já mencionado
anteriormente, ela entrou na lista das selecionadas como resultado do “acordo” entre produtores
artísticos e produtor executivo. Coincidentemente, o resultado final de sua gravação acaba por
expressar a tentativa inglória de unir propostas distintas e inconciliáveis.
O arranjo vocal, por exemplo, possuía uma harmonização dissonante, algo com o que
os intérpretes no disco não estavam familiarizados. Em sua maioria e desde muito cedo
membros de corais em suas respectivas comunidades, os cantores do De Vento em Popa, no
entanto, não haviam até então provado do sabor de uma harmonia complexa como era a de
algumas das canções nacionais mais executadas na época. A conseqüência disso, portanto, não
foi das melhores para a qualidade da canção, que soa desencontrada e, em alguns trechos,
desafinada.
“Vem meu Senhor olhar pro fundo do meu coração (...).” - este primeiro verso do Salmo 139 de
Aristeu Pires Jr. tornou-se um bordão que identifica o De Vento em Popa, seja por ser o início de
um samba - canção de características peculiares, como por ter um solista com sotaque
nordestino a interpretá-lo, o que dá todo um colorido especial à canção, com destaque à
pronúncia de “coração”.
A adaptação livre do texto bíblico é um diferencial, uma vez que também se trata de
uma ousadia para a época e para o meio onde ele é gerado. O acompanhamento instrumental
evoca um estilo consagrado pela bossa nova, que tem como característica principal o trio piano,
baixo e bateria, no caso específico do Salmo 139, acrescido do violão e dos backing vocals.
vocals
SALMO 139
Aristeu Pires Jr.
VAI CAMINHANDO
Guilherme Kerr e Nelson Bomilcar
Vai caminhando
Como quem não sabe aonde ir
E vai caindo ou cabisbaixo por aí
Vai caminhando
Como quem já sabe aonde ir
E vai cantando a vida eterna a prosseguir
8 Quarteto vocal de jazz norte-americano de muito sucesso na década de 1970, pioneiro na utilização do recurso de múltiplos
canais para a sobreposição de vozes em estúdio.
9Em geral, nas gravações de disco, a primeira gravação a ser realizada é a dos instrumentos de base (bateria, baixo, piano), vindo
em seguida as chamadas coberturas (teclados, sax, flauta, solos de guitarra), cordas e metais, vozes de fundo e finalmente o solo
vocal principal.
de sua participação indagaram aos técnicos e produtores se aquela canção era realmente uma
canção religiosa10.
A ROSEIRA
Aristeu Pires Jr.
Vou Chegar é, dentre todas as outras canções do disco, a que melhor expressa uma
fusão de estilos e tendências no projeto. Com letra de Sérgio Pimenta, que ao lado de Aristeu
representava a ala mais influenciada pela MPB, e música Artur Mendes representando o grupo
influenciado pela música pop, Vou Chegar de certo modo condensa essa mistura. Sua primeira
parte possui um ritmo e uma estrutura harmônica mais identificados com as influências de
Artur, enquanto que a segunda parte se transforma em um samba, em clara alusão às influências
10 Eles não pareciam estar acostumados a participar de gravações de música religiosa de qualidade.
de Pimenta. A mensagem da canção ressalta a segurança que Cristo dá, sendo ele mesmo a força
que nos conduz à terra firme.
VOU CHEGAR
Sérgio Pimenta e Artur Mendes
MAIS PERTO
Canto poderia ser definida como a canção menos brasileira do disco. Fortemente
influenciada pela música pop da época, é também escrita na primeira pessoa do singular (a
exemplo de Sinceramente, Salmo 139, A Roseira, Vou Chegar, Mais Perto e Cada Instante) e relata, de
modo bem resumido literária e teologicamente falando, a obra de Cristo, ao mesmo tempo em
que descreve a atitude do indivíduo alcançado por essa mensagem, que é de consagração (“eis-me
aqui pra te acompanhar”) e entrega (“tudo o que eu poderia dar (...) eu entreguei”).
CANTO
Artur Mendes e Ederly Chagas
Canto, eu canto
Louvando o Salvador
Canto, eu canto
Sua história e seu amor
O REINO DO FILHO
Guilherme Kerr
Canção para Pedro, a exemplo de A Roseira, também composta por Aristeu, tem como
base harmônica o violão tocado em estilo clássico por Pimenta, acompanhado somente por um
grupo de cordas.
Esta fusão entre uma canção popular cuja base harmônica se faz acompanhar por
instrumentos característicos de orquestras é uma inovação atribuída aos Beatles, maior grupo de
música pop do século XX, que utilizava instrumentos sinfônicos em algumas de suas canções
(Eleanor Rugby, por exemplo). A letra estabelece uma cena imaginária onde uma terceira pessoa
convida Pedro a voltar ao monte Calvário a fim de relembrar o ato de Cristo em seu favor; a
abandonar de vez as redes para segui-lo, a caminhar a seu lado sem perguntas e a confiar nele
por inteiro.
A preço de sangue novamente combina estilos distintos, como em Vou Chegar. O início da
canção é uma balada, que posteriormente se transforma em samba. Inspirado no evangelho de
João, o texto enfatiza a morte de Cristo como propiciação pelos pecados, geradora de alegria e
paz duradouras.
A PREÇO DE SANGUE
Sérgio Pimenta
Cada instante é a última canção do disco. Interpretada por Janis Pezzato (também
responsável pelo solo vocal de Mais Perto), é também uma valsa, acompanhada de piano, baixo,
bateria e violão, além de cordas e coro.
Trata-se de uma melodia muito difundida nas comunidades cristãs em geral (incluindo-
se as católicas). Sua mensagem expressa uma forte influência pietista, fruto, sem dúvida, da
própria vivência do compositor.
CADA INSTANTE
Sérgio Pimenta
Cada instante
Contigo, Senhor
Que passo a teus pés
Eu sou mais feliz
Cada instante
Contigo, Jesus
É paz em minh’alma
Suave harmonia
No teu grande amor
À FORÇA DO VENTO
O que essas pessoas talvez não tenham concebido é o fato de que, entre a juventude
evangélica daquele tempo, o disco serviu como inspiração e alento.
Segundo Uassyr Verotti Ferreira, atual diretor de VPC, que hoje possui também uma
distribuidora de música cristã, a história do De Vento em Popa em termos comerciais é a de um
produto de venda inferior, se comparado com a maioria de todos os outros discos produzidos
em quase 40 anos de história da organização.
Em 1980, três anos após o lançamento do De Vento em Popa, o grupo VPC volta ao
estúdio, desta vez para dar continuidade a uma série de discos inspirados no LP Louvor, de 1975
e que, por conta deste primeiro trabalho, seria também denominada de Louvor.
Tanto Amor
Ainda em 1980, no entanto, a equipe de VPC lança um novo álbum, que poderia ser
denominado De Vento em Popa II, o Tanto Amor. Sem a presença de Jaime Kemp, que havia
deixado a organização em 1978, os novos líderes de Vencedores produziram um trabalho no
qual novamente se observam canções compostas somente por brasileiros e uma, em particular,
que traduziria a idéia daquilo que o De Vento em Popa poderia ter sido sem o “acordo estético-
teológico” que viabilizou a sua produção.
PESCADOR
Sérgio Pimenta
É manhã pescador
Já se lança no mar
Pra pegar uns pescados, pra ganhar uns trocados
Para se sustentar
E esquece da dor,
E esquece do pão
E esquece o metal
Série Louvor
Nos anos que se seguiram, a série Louvor, que se iniciara em 1980, teve vários discos11.
Com uma proposta de suprir as comunidades cristãs com música a ser utilizada na liturgia, a
série confirmou a intenção da presença de autores nacionais iniciada com o De Vento em Popa e
isso tornou-se uma regra.
Os álbuns Tudo ou Nada (1983) e Viajar (1989) são o que se poderia chamar de
reverberações do De Vento em Popa. Tendo as composições de Pimenta como destaque, eles
como que tentam manter o espírito vanguardista que se observou no De Vento em Popa. Os
tempos são outros, as pessoas envolvidas na produção não são as mesmas e, conseqüentemente,
o resultado final não segue a fórmula do trabalho que lhes serviu de referência.
Observa-se, que neste mesmo período, o tom crítico das letras das canções
classificadas como música popular brasileira também muda, o que demonstra ser esta uma época
de esvaziamento da produção musical de caráter questionador, independente do ambiente onde
as músicas são escritas e compostas.
Anos 1990
A partir do início dos anos 1990 muitas transformações são observadas no Brasil, na
área de produção e veiculação de musica cristã. Várias delas são fruto, entre outros trabalhos,
daquilo que foi semeado por VPC e do legado da proposta de revolução estética encabeçada
pelo De Vento em Popa.
Em outras partes do país novos grupos surgem, ora imitando, ora inspirados na obra
de VPC. Outros ainda, tendo somente como referência a idéia de autonomia com relação a
influências externas, buscam seu próprio caminho, desenvolvendo trabalhos inovadores e
O movimento gospel
A igreja Renascer em Cristo de São Paulo ocupa, no ano de 1990, durante várias horas por
dia, o espaço da rádio Imprensa FM, inaugurando um novo tempo na relação entre fé cristã e
cultura brasileira. Estevam Hernandes, líder da igreja, juntamente com um grupo de
colaboradores, é responsável pela elaboração de uma nova estratégia de exposição da música
religiosa à mídia.
É quando surge a expressão gospel para designar a música cristã veiculada nos meios de
comunicação da época. Emprestada de um termo em inglês que descreve um determinado estilo
de canção norte-americana, característica da música dos negros entoada durante o período da
escravidão, a palavra gospel no Brasil passa a representar todos os estilos de música cristã.
O samba cristão é então definido como samba-gospel, o mesmo valendo para o rock
(rock-gospel), o sertanejo (sertanejo-gospel) e assim por diante. O termo passa também a representar
um comportamento, um estilo de vida. Há os eventos-gospel, a moda-gospel, o cartão de crédito-
gospel.
O movimento gospel iniciado pela Renascer, entre outras iniciativas comunitárias para se
alcançar a mídia secular, passou como um rolo compressor sobre a história que neste trabalho é
apresentada como uma proposta de diálogo entre fé cristã e cultura brasileira, a começar pela
postura agressiva na exposição de seus produtos, utilizando-se para tal de técnicas de venda que
estabelecem uma posição de desprezo à pluralidade de iniciativas outras que não as suas
próprias.
O advento do gospel, nestes termos, tem sido marcado por um discurso messiân ico
que ignora toda uma trajetória anterior ao seu surgimento, como se nada houvesse acontecido e
não fosse possível haver uma história na qual ele não estivesse incluído, ao mesmo tempo em
que descarta o novo que não pertence ao seu universo de ação e criação.
O fenômeno gospel – e isso não é característica somente dele, mas se observa em todos
os programas evangélicos veiculados pelos meios de comunicação na atualidade – alterou
substancialmente uma característica observada em vários programas cristãos de TV do fim dos
anos 1970 e início dos 1980: antes de saírem do ar, seus apresentadores convidavam os ouvintes
ou telespectadores a visitarem a comunidade cristã mais próxima de sua casa. Hoje, na grande
maioria dos programas veiculados, o convite ao ouvinte ou telespectador é que visite a igreja
patrocinadora do programa, sem menção a qualquer outra possibilidade.
O diálogo estimulado a partir deste fenômeno não seria mais entre fé cristã e cultura
popular, mas entre crença (que não é o mesmo que fé cristã) e cultura de massa. A relação
produzida pelo gospel se assemelha à relação que a maior rede de TV do país tem estabelecido
com a sociedade.
Por se tratar de um meio de comunicação que está presente em quase todos os lares
brasileiros, a rede impõe uma programação culturalmente uniforme, muitas vezes sem respeitar
as características regionais, produzindo uma padronização cultural que inibe a criatividade e as
expressões artísticas populares das diferentes partes da nação.
O BARCO CONTINUA A VAGAR
Por certo, o diálogo proposto pelas canções cristãs do De Vento e Popa e a cultura
popular brasileira através da música está longe de ter sido abrangente.
E conquanto minha leitura desta experiência tenha sido tendenciosa – uma vez que o
olhar do observador jamais teria a capacidade de ser totalmente isento – a conclusão a que se
pode chegar é a de que este diálogo é limitado, sob várias perspectivas.
Limites do vagar
A harmonia da bossa nova, no entanto, possui fortes vínculos com o jazz. Exatamente
por isso a bossa nova é chamada por algumas revistas especializadas em música nos Estados
Unidos de Brazilian jazz.
A pergunta, embora tenha servido como um ponto de partida, apareceu ao final mais
como um estímulo à imaginação e à reflexão sobre os muitos diálogos estabelecidos entre a fé
cristã e a sociedade brasileira nos mais variados períodos da história da igreja protestante no país.
Seria imaturo conceber ou concluir que a análise da relação entre fé cristã e cultura popular
através da arte, pela música do De Vento em Popa, esgotasse os questionamentos a ela
relacionados.
No entanto, o disco reflete no conteúdo das letras de suas canções uma postura
teológica rígida que também é fruto de seu tempo e do contexto eclesiástico onde todos os
participantes do disco estavam então inseridos.
O Caminho da utopia
Nesse sentido e mantendo aqui a intenção de discutir a relação entre religião, arte e
sociedade, tem-se que o protestantismo histórico brasileiro manteve-se como uma instituição
conservadora, o que de muitas formas limita a construção de uma cultura efetivamente popular e
brasileira no âmbito das igrejas protestantes, pela música. Como fenômeno social, o
protestantismo histórico brasileiro, ao contrário de representar um elemento de
contextualização, constrói muros entre os que professam e não professam a fé cristã, além de
não estimular a apreciação e o conhecimento dos valores culturais nacionais.
Acampamentos
Termo que se refere aos acampamentos de juventude, cujo protótipo no Brasil é a organização
Palavra da Vida e cuja origem remonta ao século XVIII. Segundo alguns pesquisadores, o
primeiro deles foi realizado no Kentucky (EUA). Os acampamentos são eventos inicialmente
utilizados como estratégia para conversão de jovens.
Acordes
Emissões simultâneas de três ou mais sons. Sobre os acordes incidem as leis da consonância e
da dissonância que regem os mecanismos da harmonia.
Adaptação livre
É um estilo de adaptação cuja ênfase está, não na utilização de palavras similares ao texto
adaptado e sim na similaridade de conceitos.
Arranjos
Backing vocals
Em gravações ou apresentações ao vivo, os backing vocals são o grupo de cantores que atuam
como vozes de apoio ao solista.
Baião
Gênero musical característico da região nordeste do Brasil e que adquiriu formato urbano a
partir do trabalho do sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989), o
Luiz Gonzaga.
Baladas
Canções simples, de caráter sentimental ou romântico, com duas ou mais estrofes de mesma
melodia.
Baquetas
Varetas curtas de madeira para percutir tambores e outros instrumentos de percussão.
Batista
Relativo a ou partidário do grupo de igrejas protestantes que professa que só os adultos crentes
podem ser batizados, e que o batismo só é válido pela imersão completa do batizando.
Bossa Nova
Movimento e estilo musical com influências jazzísticas, iniciado por volta de 1958 no Rio de
Janeiro, que introduziu invenções melódicas e harmônicas no samba urbano e suprimiu o baixo
(bordão) em sua batida.
Composições
Cristianismo
(a) Religião da fé em Jesus Cristo, de sua ética e sua promessa de redenção; (b) a doutrina cristã,
revelada nos Evangelhos; (c) o conjunto das religiões ditas cristãs e institucionalizadas (o
catolicismo, as igrejas ortodoxas, as centenas de confissões do protestantismo); (d) cada uma
dessas religiões ou o corpo de ensinamentos de cada uma.
Cristianismo reformado
Cultura de massa
Cultura ligada ou produzida para o conjunto das camadas mais numerosas da população.
Escola de Frankfurt
Fundada em 1924, por iniciativa de Félix Weil, filho de um grande negociante de grãos de trigo
na Argentina, inicialmente como um Instituto, preencheu uma lacuna existente na universidade
alemã quanto à história do movimento trabalhista e do socialismo. Carl Grünberg, economista
austríaco, foi seu primeiro diretor, de 1923 a 1930. O órgão do Instituto era a publicação
chamada Arquivos Grünberg. Horkheimer, a partir de 1931, já com título acadêmico, pôde
exercer a função de diretor do Instituto, que se associava à Universidade de Frankfurt. O órgão
oficial dessa gestão passou a ser a Revista para a Pesquisa Social, com uma modificação
importante: a hegemonia era não mais da economia, e sim da filosofia. A Teoria Crítica realiza
uma incorporação do pensamento de filósofos "tradicionais", colocando-os em tensão com o
mundo presente.
Evangélicas
Igrejas ou entidades vinculadas ao movimento teológico que teve origem nos pré-reformadores
e dá ênfase à Bíblia como única regra de fé e de conduta e que marcou a distinção entre
catolicismo romano e os outros movimentos de renovação religiosa.
Evangelicalismo
Movimento teológico que acentua a experiência de conversão como ponto inicial da vida cristã.
Evangelismo
(a) Pregação e/ou proclamação do Evangelho como único caminho para a salvação; (b) a
diligência, o empenho aplicado à causa missionária.
Floreios
Gospel
Harmonias
Igreja pentecostal
Igrejas neopentecostais
Igrejas pentecostais que, entre outras características, são de classe média e, em sua maioria,
valorizam a prosperidade material mediante a contribuição financeira e a ausência do legalismo
nos usos e costumes.
Individualismo
Doutrina moral, econômica ou política que valoriza a autonomia individual, em detrimento da
hegemonia da coletividade despersonalizada, na busca da liberdade e satisfação das inclinações
naturais.
Indústria cultural
Conceito elaborado pelos teóricos da Escola de Frankfurt e que a definem como tudo o
que é produzido pelo sistema industrializado de produção cultural (TV, rádio, jornal, revistas,
etc.) elaborado de forma a influenciar, aumentar o consumo, transformar hábitos, educar,
informar, pretendendo-se ainda, em alguns casos ser capaz de atingir a sociedade como todo.
Letras
Marcha-rancho
Marchinhas
Melodias
Seqüência de notas ou sons que, apresentando organização rítmica com sentido musical, se
relacionam reciprocamente de modo a formar um todo harmônico; linha melódica; a parte
principal numa composição harmônica.
Messiânico
Relativo a um messias ou a movimento ideológico que prega a missão de que estaria investido
um homem (ou grupo de homens) na salvação da humanidade.
Movimentos avivalistas
Também chamados de movimentos de avivamento, são movimentos que se iniciaram quase que
simultaneamente nos Estados Unidos e na Inglaterra no século XVIII e, em sua origem, eram
instrumentos para levar pessoas a uma experiência religiosa que as conduzisse a um estado de
êxtase religioso e a um relacionamento direto com Deus.
Pentecostalismo
Movimento religioso protestante que, desenvolvido fora do protestantismo tradicional, teve
início a partir dos Estados Unidos, em princípios do século XX.
Percussão
Arte ou técnica de bater em ou fazer vibrar instrumentos musicais que produzem sons quando
percutidos.
Pietismo metodista
Variação, dentro do movimento encabeçado por John Wesley na Inglaterra do século XVIII
do movimento de renovação da fé cristã que surgiu na Igreja luterana alemã em fins do século
XVII, e que defendia a primazia do sentimento e do misticismo na experiência religiosa, em
detrimento da teologia racionalista.
Presbiteriana
Protestantismo histórico
Protestantismo representativo das igrejas denominadas históricas por sua ligação direta com a
Reforma do século XVI, tais como as luteranas e presbiterianas.
Puritanismo
Reforma Protestante
Ritmos
(a) Sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares em um verso,
em uma frase musical; (b) na música, unidade abstrata de medida do tempo, a partir da qual são
determinadas as relações rítmicas; (c) pulsação, padrão rítmico que define um gênero; (d)
balanço, toque.
Rock-baladas
Baladas fortemente influenciadas pela música popular derivada do rhythm and blues, geralmente.
Executadas em instrumentos de amplificação eletrônica, recurso que se caracteriza por um
persistente ritmo quaternário, letras repetitivas e, eventualmente, elementos de country, música
folclórica ou blues.
Samba
Samba-canção
Variedade de samba urbano muito em voga nos anos de 1930 até meados da década de 1940,
que adaptava o ritmo do samba carioca a letras sentimentais, acentuando seu caráter melódico
em detrimento do sincopado.
Serestas
Solista
Teologia da Libertação
Uma nova interpretação da mensagem evangélica, à luz da injustiça social. Apesar do nome, não
é propriamente uma teologia no sentido de reflexão sobre Deus. Suas raízes podem ser
encontradas no movimento denominado de teologia política, surgido na Europa na década de
1970, depois que o Concílio Vaticano II (1962-1965), examinou o problema das relações entre a
igreja e o mundo moderno. A característica mais inovadora do movimento foi encarar os
problemas politicos, como base para a interpretação dos textos bíblicos.
Valsas
DE VENTO EM POPA
Intro: Gm
F6 E74 E7(b9) E7
Am Am/G Dm7
Am Am/G
F7M Am6/C
B7 E74 E7 E7/G#
A G#m7(b5) C#7
F#m7 Em7/A A7
F#m7 Em7/A A7
F6 E74 E7(b9) E7
Am Am/G Dm7
Am Am/G
F7M F#m7(b5)
B7 E74 E7 E7/G#
A G#m7(b5) C#7
F#m7 Em7/A A7
A G#m7(b5) C#7
F#m7 Em7/A A7
G C D7 G
G/B C B7 Em
Em/D C C/D G
G/B C B7 Em D7 G C G [ C G/B Am ]
G C D7 G
G/B C B7 Em
Em/D C G
G/B C B7 Em D7 G C D7
C G A
C G A
C Em [ C G/B Am ]
G C D7 G
G/B C B7 Em
Em/D C C/D G
G/B C B7 Em D7 G C D7
C G A
C G A
C G
C Em
A7
Certamente o caminho
C G
Sérgio Pimenta
G C G/B Am D7 G C G/B
Am C Em C D7 G C G C G C G
G C G/B Am D7 G C G/B
Am C Em C D7 G C G C G C G
Dm7 C7M Gm C7
D7
Erga o olhar!
G C G/B Am D7 G C G/B
B7M
C#7(9)
F#m B7(14) E C9 D4 D
B7M
C#7(9)
F#m B7(14)/F# E C9 D4 D
Vai caminhando
Vai caminhando
Vai caminhando
Vai caminhando
F Fm/Ab C
G/B A74 A7
D D/C
ou imaginar.
G/F E7 A9 C 1.1 1.0 2.3 2.1 2.0 3.0 6.3 6.2 F7M A7
E poderei cantar:
Fº Eº B7/D#
E6
C#7/F F#m7
B7 E6
C#7 F#m7
B7 E6
C#7/F F#m7
B7 E6
C#7 F#m7
C#m7
E pra sempre
G#4 G# A D G74 G7
1.1 1.3 1.1 1.0 2.3 2.1 2.0 3.0 4.2 4.0 5.2 C7M
G/F E7 Am9
Intro:
F G9 A D/A A
Dm D#0 C/E F
F G9 A D/A A
Dm D#0 C/E F
F#m(b5) B7 Bm(b5) E7
A A7M B7/A
Dm/A E7 A E/G#
B7 B/D# Bm(b5)
A A7M B7/A
Dm/A E7 Em A7
Me reserva um lugar
Bm C#m Dm G A
D A/C# Bm Bm7/A G
A7 C#m7(b5) F#7 Bm
Dm7 A/C# C G
Dm7 A/C# C G Bb C7
Hoje olhas para teu amigo mas não vês nele um irmão
F C/E Dm Am
Bb F
G F A7
D A/C# Bm Bm7/A G
D D7M G/D D6
D D7M G/D D6
D Em/D D7M Bm
C G D
D Em/D D7M Bm
C G D
G/D C G/B G D
G/D C G/B G D
G/D C G/B G D
G/D C G/B G D
G/D C G/B G D
Para o reino do Filho do seu amor
G/D C G/B G D
Aleluia! Aleluia
Aleluia! Aleluia
CANÇÃO PARA PEDRO
Bb F#m7(b5) B7 E
Pois reviveu!
G#7 C#m7 A
F#m7 B7 C9 G/B A9 E
às mãos do Pai.
A PREÇO DE SANGUE
Sérgio Pimenta
Intro: D9 A7
Bm F#m/A G F#m
Em Em7/D A7
Te liberta - rá
D A/C# G/B A7
Bm F#m/A G F#m
Em Em7/D A7
Paz no coração
B7(b9) Em7
A47 Am7 D7
B7(b9) Em7
Sérgio Pimenta
Intro:
Ca - da ins – tan - te
Ca - da ins – tan - te
Am7 Cm6
É paz em minh’alma,
Bm7 E7(b9)
Suave harmonia
Am7 Cm6
É paz em minh’alma,
Bm7 E7(b9)
Suave harmonia
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