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A CARGA PSiQUICA DO TRABALHO Titulo original: La charge psychique de travail Traducao: Ideli Domingues Extraido de SOCIETE FRANCAISE DE PSYCHOLOGIE — PSYCHOLOGIE DU TRAVAIL — Equilibre ou fatigue par le travail? Paris: Entreprise Moderne @'Edition, 1980. © tema, Mguilibrio ou fadiga pelo trabalho, faz. surgic por sua propria formulagao © paradoxo psiquico do trabalho. Fonte de equilibrio para uns, € 1 causa de fadiga para outros. Gostaria, apresentando a nogio de ‘carga psiquica do trabalho", de pro por uma abordagem que levasse em conta a experiéncia clinica ¢ que pudesse se articular com o conceito de carga de trabalho formulada pelos er gonomistas (Monod, Lille, 1976). Reconhecemos a distingao que separa a Carga do trabalho das exigéncias da tarefa SETORES DA CARGA DE TRABALHO Costuma-se separar a carga de trabalho em dois setores: a carga fisica de um lado, a carga mental de outro. Por tris da nogio de carga mental ha uma mistura de fendmenos de orcem neurofisiolégica ¢ psicofisiolégica: varidveis psicossensoriais, sensoriomotoras, perceptivas, cognitivas etc. e fendmenos de ordem psicoldgica, psicossociol6gica, ou mesmo sociolégica, tais como variaveis de comportamento, de cardter, psicopatolégicas, motivacionais etc (Guelaud, Beauchesne, Gautrat et al., 1975). Proponho, para a carga mental, separar essas duas ordens de fendmenos © reservar aos elementos afetivos e relacionais um referencial especifico: 0 da “carga psiquica do trabalho’ CARGA PSIQUICA E QUANTIFICACAO ‘A nogao de carga em ergonomia € de modo geral associada & preocupa ‘go de quantificagio © objetividade (Monod, lille, 1976). Tratando-se de carga psiquica, nao € possivel quantificar uma vivencia, que € em primeiro lugar ¢ antes de tudo qualtativa, O prazer, a satisfacio, a frustrag2o, a agressividade, dificilmente se dexam dominar por niimeros. Da mesma forma pode falar-se de uma armadilha quando se quer dar conta em termos objetivos de uma vivencia individual ou coletiva que 6, por definigio, subjetiva, Essa vivéncia subjetiva no pode, gor sua vez, ser relegada a uma simples classificagio de fantasmas ou quantidades negligenciaveis. A subjeti- vidade da relagao HOMEM-TRABALHO tem muitos efeitos concretos € reais, 2 mesmo se eles so descontinuos: encontramos a marca no absenteismo, nas greves ou naquilo que alguns nomeiam “presenteismo", isto é, um engaja- mento excessivo a uma larefa por certos trabalhadores, do qual ninguém seria capaz de atenuar o ardor desencadeado, Na impossibilidade de quantificar a carga psiquica, pode-se propor um modelo quantitativo: eu 0 denomino abordagem econdmica do funciona- mento psiquico. © PONTO DE VISTA ECONOMICO EM CLINICA Antes de retomar os principios da economia psiquica tal como foram descritos por Freud (1920), podemos parts da clinica médica que nos ensina que, submetidos as excitagdes provenientes do exterior (de origem psicos- sensorial) ou do interior (excitagdes instintivas ou pulsionais), o individuo, neste caso 0 trabalhador, dispde de muitas vias de descarga de sua energia. A excitagao, quando se acumula é 2 origem de uma vivencia de tensao: ten sto psiquica ou tensdo "nervosa", para retomar a expresso popular. Essas vias de descarga sio, para ficarmos esquemiticos, em niimero de ués (de fato existe uma quarta via: a via psicossensorial que nao seri considerada aqui para simplificar a exposigio): via psiquica, via motora e via visceral Bourguignon, 1971) ‘Tomado por sua hostiidade, 0 sujeito pode eventualmente produzir fan- tasmas agressivos: representagoes mentais que podem, aS vezes, ser suficientes para descarregar o essencial da tensao interior, pois a produgao ‘mesma de fantasmas é consumidora de energia pulsional (Freud, 1968). Ou- to sujeito nao conseguirA se relaxar por esse meio e deverd utilizar sua musculatura: Fuga, crise de raiva motora, atuagao agressiva, violencia, ofere cendo toda uma gama de “descargas psicomotoras” (ou comportamentais) Enfim, quando a via mental e a via motora estio fora de agao, a energia pul- sional nao pode ser descarregada senao pela via do sistema nervoso auténomo e pelo desordenamento das fungdes somiticas. E a via “visceral, A que estar atuando no proceso de somatizagao. Durante o desenvolvimento da personalidade, organiza-se uma hierar quia que permite & via motora cobrir progressivamente e suplantar a via visceral e no topo do edificio, a via psiquica, aquela dos fantasmas e do so- ho (Marty, 1976). Conforme a flexibilidade dos mecanismos de defesa e 0 grau de evolugao da personalidade, distingue-se, em clinica, os que se ser vem das vias psicomotoras e viscerais (sio as neuroses de cariter e de comportamento) e os que se servem principalmente da via mental (as psico ses € as neuroses clissicas) (Marty, 1976) Po A RELACAO HOMEM-TRABALHO Com essis questdes preliminares surgem trés fatos: ‘+ © oanismo do trabalhador nao € um “motor humano”, na medida em que € permanentemente objeto de excitagoes, no somente exogenas, tas também endogenas. + © trabalhador nao chega a seu local de trabalho como uma maquina nova. Ele possui uma historia pessoal que se coneretiza por uma certa qualidade de suas aspiragdes, de seus desejos, de suas motivacoes, de suas necessidades psicologicas, que integram sua histGria passada, Isso confere a cada individuo caractersticas tnicas © pessoais, + © trabathador, enfim, em raza0 de sua historia, dispoe de vias de descae fA preferenciais que nao sio as mesmas para todos ¢ que participam na formagio daquilo que denominamos esteutura da personalidade. Relacionadas ao trabalho, essas trés consideragoes conduzem & seguinte questo: a tarcfa que afeta um trabalhador oferece uma canalizacio apropria- da a sua energia psiquica? Em outros termos, a “tarefa exige suficientes atividades psiquicas’, fantasméticas & psicomotoras? Questo essa fundamen tal que resume toda a problemitica da relagao entre aparelho psiquico ¢ o trabalho. O problema, que aqui vemos, é diferente daquilo que se observa para a carga fisica: nesse dominio, o perigo € o de um emprego excessivo de aptidées fisiologicas. Em se tratanclo de carga psiquica, 0 perigo principal € 0 de um subemprego de aptiddes psiquicas, fantasmaticas ov psicomoto- fas, que ocasiona uma reten¢io de energia pulsional, a que constitii precisamente a carga psiquica de trabalho. Assinalemos que aptidao e motivacio estao, em matéria de economia psicossomiatica, a tal ponto ligadas que s20 quase equivalentes: para o sujei to com estrutura neurdtica, a aptidao para produzir fantasmas se une a necessidade de se utilizar deles; confrontado com um trabalho em que a at Vidade fantasmatica € inditil, ele enfraquece. A ctiagao é uma necessidade tanto quanto uma aptidio para o astista, a performance psicomotora é uma necessidade tanto quanto uma fonte de prazer para um neurdtico de com- portamento. © trabalho toma-se perigoso para o aparelho psiquico quando ele se opde & sua livre atividade, © bem-estar, em materia de carga psfquica, nao advém s6 da auséncia de funcionamento, mas, pelo contratio, de um livre funcionamento, articulado dialeticamente com 0 contetido da tarefa, expres- 0, por sua vez, na propria tarefa e revigorado por ela Ear Terrios ‘econdmicds,.o_prazét do tabaihador resulta da descarga de-enérgia psiquien que a tarefa autoriza, 0 que corresponde a uma ciminuigao da carga psiquica _/ do trabalho. 2 CARGA PSIQUICA POSITIVA E NEGATIVA les para ser in ~psiguica, leer cle se ops ‘No trabalho quase espago para a atividade Fantasmatica, em todo 0 caso, as aptidées fantasmiticas nao so utilizadas e a via de descarga psi. ca esta fechada; a energia psiquica se acumula, tomando-se fonte de tensio € desprazer, a carga psiquica cresce até que aparecem a fadiga, a astenia, ea pantir dat a patologia: € o trabalho fatigante A pant disso, 06 fatos-tornam-se relativamer (7 tipretados:|se um trabalho permite a diminuig \ equilibrante \fe 7 Inversamenté, unr trabalho livremente escolhido ou livremente organiza- { do oferece, geralmente, vias de descarga mais adaptadas 2s necessidades: o alho torna-se ensao-um-meio.de relaxamento, as vezes.a.um tal ponto { que uma vez a uitefa terminada, 0 trabalhador se sente melhor qué aiites de Né-la comegado: é 0 caso do artista, do pesquisador, do cirurgido, quando es 19 SaTsTeitos Com seu trabalho. E preciso entao postular a existencia de uma carga psiquica negativa do trabalho, ou de uma “descarga psiquica” de traba- Iho. Esse € 0 caso do trabalho que reverte em proveito da homeostasia Estamos aqui dentro do enfoque do trabalho equilibrante EXEMPLOS CLINICOS © exemplo que vamos tratar é 0 de mulheres empregadas como datil6- grafas em um escritéri. Ocorre um periodo de diminuigio de trabalho em que nao ha nenhuma atividade a ser feita: elas sto, nao obstante, obrigadas a vir a0 escrit6rio ¢ fazer de conta que estao trabalhando. Quando um chefe Passa, ndo podem ser surpreendidas tricotando, conversando, lendo ou tele Fonando. A situagao se toa rapidamente insuportivel: a carga psiquica aumenta e é seguida por uma fadiga intensa. Finalmente, assiste-se a0 cémv- Jo da ironia e do paradoxo: a auséncia de trabalho conduz a patadas de trabalho... A carga psiquica € aqui intensa apesar das exigéncias aparente- ‘mente moderadas da tarefa, Outro exemplo pode ser fornecido pelos pilotos de caga. Conhecemos nesse oficio a gravidade das pressdes psicomotoras ¢ sensoriomotoras, con- dicdes de trabalho penosas, em fungao dos desconfortos de postura, de Pressto, de temperatura, de aceleragao etc. Aqui, em outros termos, a8 exi- géncias psiquicas sao causadoras de temor: € preciso uma agressividade Constante, um desafio ao risco permanente, auto-seguranga sem falhas, uma vontade fora do comum, uma coragem tenaz, um rigor e uma regularidade 25 petfeita, uma ambigdo e um potencial de rivalidade, que sto necessirios a0 iiciy « que nao deve jamais enfraquecer durante as misses, sem as quais © avidente e a morte sao inevitiveis. (© que se observa nesse caso? Além de uma selegao € uma formagao profissional de uma eficécia notivel, ha uma selegao psicol6gica niio menos tonvincente, reconhecida pelos executives como uma condiga0 sine qua non Uo offcio. © resultado surpreendente. Apesar de uma carga de trabalho (lesmedida, que ultrapassa freqientemente as capacidades dos homens (20 menos durante certas seqiiéncias criticas do v6o), 0s pilotos,.satisfeitos com sou trabalho, nao acusam nenhuma fadiga. Eles parecem estar sempre em forma fisica © mental impressionantes. O que quer dizer isto, senaio que a carga psiquica, aqui, *negativa’, faz parte do prazer do trabalho ¢ contraba Tanga, 20 menos em parte, a carga fisica e nervosa, a ponto de assegurar a esses pilotos um equilibrio e uma satide de boa qualidade, INTERPRETACAO DESSES DADOS [A carga psiquica do trabalho aparece em definitivo como um regulador da carga global de trabalho. Antes de analisar os mecanismos dessa funcio, reguladora, um desvio & talvez.necessério para estudar os determinantes da ‘carga psiquica de trabalho, Partindo do trabalhador ¢ retomando 0 modelo freudiano, temos postulado que o rebaixamento de tensio, a descarga da cenergia pulsional eram a origem ¢ fonte mesma do prazer, isto é, do alivio da carga psiquica de trabalho. ‘Se o trabalho permite essa descarga, ele & quando diminui a carga psi, quica, um instrumento de equilibrio para o trabalhador. Doravante, a questao se enuncia assim: na tarefa, qual € 0 componente do trabalho que se opée a descarga de energia? Ou, em outros termos, o que faz o trabalho entravar 0 livre jogo do sistema "motivagao-satisfaca0" (ou desejo-prazer)? CARGA PSIQUICA E ORGANIZACAO DO TRABALHO Parece que 0 conflito que opde o desejo do trabalhador & realidade do trabalho coloca, face a face, © projeto espontineo do trabalhador ¢ a organi zagao do trabalho, que limita a tealizacao desse projeto © prescreve um modo operatorio preciso. Na abordagem psicoeconémica da relaclo Homem-Trabalho, convém sublinhar que a organizagao do trabalho &, de certa forma, a vontade de ou- %6 tio. Ela €, primeiramente, a divisto do trabalho e sua repaniglo entre os tra- bathadores, isto ¢, a divisio de homens: a organizagao do trabalho recorta assim, de uma $6 ver, 0 conteddo dla tarefa e as relagdes humanas de traba- ho. Nao acharemos abusivo observar nisso © exereicio de uma vontade: a de dominar, de contiolar, de explorar a0 maximo a forga de trabalho, isto €, de substituir o livre arbitrio do trabalhador pela injungao do empregador, mediatizado, eventualmente, por téenicos especializados, como por exemplo, 9 engenteizo de métodos,O trabalhador é, de ceita maneira, despossuido Ge seu corpo fisico ¢ netvoso, domesticado ¢ forcado a agir conforme a von- \ tade de outro) Reeomtreceremox aqui sem dificuldade-inspiracio de Taylor uja mieta era mesmo desapropriar os artesios de sua competéncia, a fim de centralizi-la ao nivel da diregto (Linhart, 1976). Entao, torava-se possivel uma redivisio do trabalho © uma redefinigto dos modos operatérios, confor- me os desejos da diregio, em detrimento ¢ 10 do trabalho, que era até ent2o 0 privilégio do operirio-artesio (Coriat, 1977). livre organi: Degejo de trabalhar contra a vontade do empregador, esta & a contra “cao furldamental, cujo termo comanda a carga psfquies de trabalho, em qualidade e quantidade Para retomar os exemplos que foram citados, vemos ue a inativide, desde que é imposta como organizagio do trabalho, entra va a descarga pulsional e pode ocasionar verdadeira inflagao da carga psiquica. Poderto nos contestar, sem divida, que na aviagio de caga © modo operat6rio também nao é livremente escolhido. Essa objecio € perlei tamente fundada e ela é real para grande nimero de tarefas, em que. todavia, a carga psiquica é “negativa” ° OBSERVAGOES Proporemos, entretanto, trés observagoes: 1 Mesmo seo briefing que precede 4 missio € precsamente o momento em que as ordens sto dadas,concernentes 3 organizagzo do tabalho, © modo operstrio do plto & em reliiade,feqientemente diferente di duete que for pesto. Os potos de cigs Ho conhecdos por sv audécia, © que em termos de organizagao do tabaiho signifies que 2 bordo de seu avito fazem o que bem entendem,. Essa observagio € aplicivel a um grande numero de trees; cla ¢ tanto mais verdadelta Quando a tarefa € mais complexa, pois o cepayo deicado & inicativa € Stal, ais importante 2) A organizagio do trabalho, como disernos, determina ndo somente a d- visto do trabalho, mas tambem a divsio dos homens. Nesse dominio tne ov pilots de aga, as rlagoesprfizonas slo entemamente com plexas € s¢ atribul a elas uma parte importante do prazer, As relagoes en- ite pilotos, entre chefes de esquadrilha, de patrulha etc. engajam processos de identiicacao, rivalidade, de exibicionismo, voyersmo, que fferecem um leque importante onde se pode exercer € realizar desejo € prazer. Deve-se levar em consideracio esta observagao em todas as situa- oes de trabalho, pois ela remete a um setor importante da carga siquica de trabalho, a saber, as relagdes humanas, que no analisaremos hhessa exposicao, mas que podem ser estudadas com a mesma relevancia, que a relagao do homem com © contetkio do trabalho. 3) Mesmo se 05 pilotos de caca nto organizam sua tarefa com toda liberda- de, deve-se levar em consideracao 0 [ato de que eles escolhem livremente este oficio, Jé temos insistido sobre esse ponto: a motivagi0, ‘no trabalho um elemento fundamentalmente necessirio a0 exercicio das missées; se hi uma oseilagio que se faga sentir na motivago, 0 pilo~ to é automaticamente dispensado da missao pelo chefe da esquadrilha, que concede uma atencio muito particular a esse ponto. Na falta de uma motivacao suficiente, o piloto se arrisea efetivamente a se matar. Dessa bservacio pode-se realgar uma regra geral da relacio organizagio do trabalho: 0 grau de liberdade da organizacio do trabalho € sempre corti- aida pelo grau de liberdade na escolha da tarefa, Essa segunda varivel ppodle funcionar no sentido do aeréscimo ou diminuigio da cargs psiquica do trabalho, conforme 0 caso. Para concluir esse capitulo, diremos que a carga psiquica do trabalho re-* sulta da confrontagie.do desejo do trabalhador 2 injungao do empregador, contida na organizacao do. trabalhg( Em geral, a carga psiquica de trabalho aumenta quando a liberdade de organizagao do trabalho diminui, Essa regs modulada pelo jogo da livre escolha do officio. A carga psiquica do traba Iho € a carga, isto €, 0 eco 20 nivel do trabalhador da pressio que constitui a organizagio do trabalho, Quando no ha mais arranjo possivel cla organi zacao do trabalho pelo trabalhador, a relagio conflitual do aparelho psiquicp A tarefa é bloqueada. Abre-se, entio, 0 dominio do sofrimento, sobre 0 yf vamos insistir agora INTERPRETACAO DAS PROPRIEDADES MODULADORAS DA CARGA PS{QUICA DE TRABALHO Se a organizagao do trabalho é percebida como fonte «ta carga psiquica uma explicagao do papel modulador da carga do trabalho, resta encontt: psiquica sobre os outros Lrabalho parece ter um status 4 parte. Eli nao & um compartimento justapos to A carga fisica e A carga nervosa, na medida cm que ela € capaz de setores da carga de trabalho. A carga psiquica de 28 modificar, em um sentido ou outro, a resultante global da carga de trabalho, Essa propriedade da carga psiquica nao Wo misteriosa quanto se possa acreditar ¢ se explica a luz da teoria © da clinica psicossomatica (Marty, M'Uzan, 1963). A Clinica Normal Sabe-se que a angtstia ¢ emogio, por exemplo, que sio afetos psiqui cos, possuem tradugoes somaticas: as palpitagées, a hipertensto arterial, os tremores, 03 suores, as parestesias, as caimbras, a desidrataglo das mucos: a hiperglicemia, o aumento do cortisol sangiineo, a politiria sto as maniles. tagoes mais frequentes (Dunbar, Wolfe, Rioch, 1936). Essas observagoes linicas mostram bem que ha uma circulagao entre 0s setores psiquico e so. matico, Essa propriedade € utilizada pelos ergonomistas quando medem a arritmia sinusal, o registro do pestanejar das palpcbras, 0 cletromiograma etc. em diferentes situagdes de trabalho, para avaliar carga mental (Monod, Lil le, 1976:45). © medo, a angiistia no trabalho, mas mbém a frusiragto e a agressivi- dacle, podem aumentar as cargas cardiovasculares, musculares, digestivas etc os frimento Quando © rearranjo da organizagao do trabalho nao € mais possivel, quando a relagao do trabalhador com a organizacio do trabalho é bloquea cla, © sofrimento comesa: a energia pulsional que nao acha descarga no exercicio do trabalho se acumula no aparelho psiquico, ocasionando um, nlimento de desprazer e tensio. Mas a clinica mostra que essa energia nao pode aqui permanecer muito tempo ¢, quando as capacidades «le contencao sio transbordadas, a energia recua pata o corpo, nele desencadeando certas perturbagdes que n&o sto profundamente diferentes das que acabam de ser descritas como testemunhas da angiistia ou da onda de agressividade. Sao somente mais intensas, Nada espantoso, nessa dtica, que a fadiga, mesmo se cla resulta sle uma carga psiquica excessiva, tenha uma tradugao somética. Em razao dessa difusto da carga psiquica nos outros compartimentos do organismo, nao € Util procurar tragos que caracterizariam a fadiga psiquica ‘ow nervosa, em relagdo 2 fadiga fisica. A fadiga & uma testemunba nao espe cifica da sobrecearga que pesa sobre um ou outro dos setores do organismo psiquico e somitico. Esse principio de difusdo € valido nos dois sentidos: a 2» — UU fog patents pode ter tradugdes vi vehieleis, Part compensir uma fadiga fisica, 0 aparelho psfquico também é inpelics « contribuir, através da vontade, por exemplo, a tal ponto que fi- Innente nao exista fadiga somética que nao tenha, simultaneamente, uma laulugiio psiquica, Isto é um fato bem conhecido em clinica humana (De- hos, 1978), ais ou musculares, mas inverso € A patologia clinica Para voltarmos & carga psiquica, vimos que todo excesso conduzia 2 parigho da fadiga e do sofrimento. Se uma interrupeio do trabalho nao vem interromper a cvolugio do proceso, se nenhuma modificagao da organiza- io do trabalho intervém, entio a fadiga desencadeia a patologia Duas modalidades sto aqui possiveis em funcio da estrutura mental descompensagao psiconeurdtica ou a descompensagio somitica. A sobreca 8a psiquica produzira um delirio, se se trata de uma estrutura psicotica lepressao se se trata de uma estrutura neurdtica, ou uma doenga somitica se se trata de uma desorganizagao mental (Marty, no prelo). CONCLUSAO. A relagio do homem com a organizagao do wabalho é 4 origem da car {ga psiquica do trabalho. Uma organizagao do trabalho autoritiria, que 0 oferece uma saida apropriada a energia pulsional, conduz a um aumento da carga psiquica. Para terminar sobre uma nota mais alegre, daremos um exemplo inverso em que 0 trabalho pode ser fonte de equilibrio para a economia psicossoma tica. Trata-se de um doente acometido por diabetes insulino-dependente, Chefe do almoxarifado, ele coloca ardorosamente a mo na massa com seus subordinados, embora nada o obrigue. Em fungio de seu cargo de contra mesire, ele se beneficia de certa liberdade na organizagao de seu trabalho & prefere juntar a atividade fisica Aquela do comando. Como a maioria dos dia béticos insulino-dependentes, ele apresenta uma estrutura de neurose de comportamento (Dejours, 1976), do qual falamos no inicio dessa comunica [80, isto é, ele usa sobretudo seu sistema sensoriomotor para descarregar sua energia pulsional, ao invés da via mental dos fantasmas, que nele nao funcio- na bem, ‘Tudo caminhava bem nos planos mental € somitico quando ele cede & insistente pressio de sua mulher, que dirige um salao de cabeleireito, ¢ de 30 seus amigos. Como numa cidadezinha de provincia, o tabalho manual nao é muito valorizado, ele aceita um cargo mais respeitivel numa companhia de seguros. Em seu eserit6rio, © pobre homem nao da conta. Nao por incompe- ren porque a posi¢lo sedentaria Ihe é insuportavel e ele tem uma necessidade urgente de se utilizar de seus membros, para descarregar su tensio interna. Fle tenta compensar as coisas se inscrevendo em um clube de futebol. Mas suas necessidades no sao ai satisfeitas. E ele deve pouco pouco passar um niimero cada vez maior de horas, a cada dia © durante os finais cle semana, para dar conta do trabalho. Finalmente, cle passa a dirigit © clube esportivo, mas assim fazendo ele teme cada vez mais seu escritério, onde os processos se acumulam inexoravelmente, apesar de sua presenga efetiva e de seus esforgos reais. Adivinha-se sua fadiga, mas se compreende que cle nao possa renunciar ao esporte. Nesse processo, 203 poucos, ele en: fraquece brutalmente, Por ocasiao de uma hipoglicemia, entra em um pro: cesso de “desorganizagio psicossomitica” (Marty, 1976) aguda que resulta, a0 final de algumas horas, em uma confusto mental. Ele se poe de quatro, comega a nutrir-se de plantas verdes e deve ser conduzido a0 hospital psi- quidtrico em um estado alarmante, tanto do ponto de vista mental quanto em selagao 20 diabetes. Quando exse doente foi conduzido & minha consulta, ele estava impreg- nado de forte dose de neurolépticos, mas a ansiedade persistia e, nessas condigées, a glicemia permanecia incontrolivel. Uma vez clucidade 0 confli to entie a organizagao do trabalho em seu novo emprego € as necessidades de sua economia psicossomatica, foi decidido que ele retomaria seu antigo posto de almoxarife, o que foi Felizmente possivel materialmente. Tees dias mais tarde ele tinha cetomado o trabalho, unha cessado toda absorgio de licamentos e, ap6s trés anos $6 tenho boas noticias dele Eis um exemplo que mostra que no se pode limitar a andlise da rela- s80 entre © aparelho psiquico ¢ a organizagao do trabalho a um desses dois termos. Um trabalho intelectual pocle se revelar mais patogénico que um a balho manual, por exemplo. Isso € que nos leva a crer que no existe uma Gnica organizagao do trabalho, que seria a boa solugio para diminuir a carga psiquica de trabalho de todos os trabalhadores. Por outro lado nao se pode jamais imputar o aumento dla carga psiquica a estrutura da personalidade clo trabalhador, pois nosso doente, se for inca- paz de se satisfazer através de um trabalho intelectual, mostra-se contudo particularmente apto a um trabalho fisico. O estudo da carga psiquica de tra balho procede caso por caso. Nao ha uma solugio geral para diminuir a carga psiquica do trabalho. Para transformar um trabalho fatigante em um trabalho equilibrante pre- cisa-se flexibilizar a organizagao do trabalho, de modo a deixar maior liber- an sacle ao trabalhador para rearranjar seu modo operat6rio © para encontrar os estos que sao capazes de Ihe fornecer prazer, isto & uma expansio ou uma sao ce sua carga psiquica de trabalho. Na falta de poder assim libera linar a organizagao do trabalho, precisa-se resolver encarar uma reorientacio ‘que leve em conta as aptiddes clo trabalhador, as necessidades psicossomatica, ndo de certas aptiddes somente, mas de to- as, se possivel, pois o pleno emprego das aptidées psicomotoras, psicos- seasoriais € psiquicas parece ser uma condicao de prazer do trabalho. BIBLIOGRAFIA BOURGUIGNON, A. Réve, catelepsie, epilepsie. Bvolutfon psycbiatrique, vote mo rice et vote psyehigue, 0. 1, I97L. v.36 CORIAT, B, Sciences, techniques et capital. Paris: Seuil, 1977 DEJOURS, C. Diabete et psychiatric 1976. 37655 A, 10. Lorgantsation du travail et ses effects pathogenes. (Mime). Patis: Rapp. ay Ministere du Travail, 1978. DUNBAR, F., WOLFE, T. P., RIOCH, J. M. The psychic component of the diseas process in cardiac, diabetic, and fracture patients. Amer J. Psychiatry, n. 93, 1936. FREUD, S. Au-dela du principe de plaisir (1920). In: Bssais de Peycanalyse. 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