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A cadeia respiratória também é chamada fosforila-

ção oxidativa, porque a síntese de ATP depende da en- 3 Fermentação


trada de um fosfato no ADP (fosforilação), e a fosforilação
Ao contrário da respiração aeróbia, na fermen-
é realizada com a energia proveniente de oxidações.
tação a glicose é quebrada sem consumo de oxigê-
Nas células procariotas, como é o caso das bactérias,
nio do ambiente. Para muitos organismos, esse pro-
a respiração aeróbia pode produzir um total de 38 mo-
cesso é a única fonte de energia.
léculas de ATP por molécula de glicose, mas o rendimen-
to real da respiração é inferior a esse rendimento teórico. Esses organismos – chamados anaeróbios (do
Nas células eucariotas, uma parte da energia libe- grego an = sem; aér = ar; bios = vida) estritos ou obri-
rada na cadeia respiratória é consumida no transporte gatórios – não possuem as enzimas responsáveis pe-
das moléculas de ATP pela membrana da mitocôndria, las reações químicas do ciclo de Krebs e da cadeia
e o saldo de moléculas de ATP pode chegar a 30 ou respiratória. O oxigênio é tóxico para eles; portanto,
32 ATP, dependendo do tipo de célula. Mas aqui esses só crescem e se reproduzem em ambientes sem esse
números também podem variar de acordo com as con- gás. É o caso da bactéria que causa o tétano e da que
dições metabólicas da célula. causa o botulismo.

Biologia e saúde
Botulismo e tétano
A bactéria causadora do botulismo, o Clostri-
dium botulinum, produz toxinas perigosas para o

UpperCut Images/Getty Images


ser humano. Essa espécie de bactéria pode cres-
cer e se reproduzir em alimentos enlatados e em
conserva que tenham sido mal esterilizados. Um
sinal que indica a existência dessa bactéria é o gás
produzido na fermentação, que faz a lata ficar
estufada. Pessoas intoxicadas precisam receber
tratamento imediado, com soro antibotulínico e
antibióticos, pois correm risco de morrer.
Para a prevenção do botulismo e de outras
intoxicações alimentares, os alimentos devem ser
preparados e conservados adequadamente. Não
se devem consumir alimentos com cheiro estranho
ou enlatados cuja embalagem esteja em mau es-
tado de conservação ou estufada.
Embora a toxina produzida pelo Clostridium
botulinum seja perigosa, seu uso controlado é
indicado para diversos tipos de tratamento es-
tético (figura 8.6) e de saúde. As aplicações de
produtos com a toxina botulínica funcionam Figura 8.6 Toxina botulínica usada em tratamento
porque ela bloqueia a liberação de um neuro- estético para reduzir marcas de expressão na pele.
transmissor que transporta mensagens entre o Tratamentos semelhantes são utilizados também
cérebro e as fibras musculares. Por isso, a mus- por dentistas para aliviar dores na mandíbula por
culatura que recebeu a aplicação permanece conta do excesso de tensão muscular.
relaxada por um período de tempo.
O tétano é uma infecção provocada pela contaminação de ferimentos pela bactéria Clostridium
tetani, que se reproduz em feridas profundas, com pouco suprimento de oxigênio, ou em ferimentos
não tratados, com células mortas e detritos do ambiente na superfície. O doente precisa ser logo
tratado com soro antitetânico, antibióticos e relaxante muscular, porque a doença causa contrações
musculares que podem provocar asfixia e morte. O mais recomendável é prevenir a doença com
uma vacina tomada na infância em três doses, com intervalo de um mês, e, depois, um reforço a
cada dez anos.

Respiração celular e fermentação 103


Outros organismos, como o levedo de cerveja, Durante um esforço muscular muito rápido ou
embora possuam as enzimas do ciclo de Krebs e da intenso, o oxigênio que chega ao músculo não é su-
cadeia respiratória e façam respiração aeróbia, podem ficiente para a obtenção de toda a energia necessá-
realizar fermentação caso falte oxigênio no ambiente. ria. Para compensar essa falta, as células musculares
Eles são chamados anaeróbios facultativos. realizam fermentação láctica. Posteriormente, parte
do ácido é conduzida pela corrente sanguínea ao fí-
A maioria dos organismos só faz respiração ae-
gado e transformada em ácido pirúvico, que é oxi-
róbia e, portanto, morre quando falta oxigênio no
dado ou convertido em glicose. Esse processo é cha-
ambiente. Esses seres são aeróbios estritos e estão mado gliconeogênese (do grego glykys 5 doce;
representados, principalmente, pelos eucariontes neo 5 novo; genesis 5 origem). A respiração ofegan-
pluricelulares, que consomem mais energia que os te após o exercício contribui para a remoção do áci-
procariontes. O ser humano, por exemplo, não so- do láctico e o reabastecimento de ATP e glicogênio.
breviveria três minutos se dependesse apenas da Quando em repouso, a célula muscular armaze-
fermentação como fonte de energia. na certa quantidade de ATP. Parte desse ATP passa
Nesse processo, a quebra da glicose termina na sua energia para outro composto, a creatina-fosfato
glicólise. Não havendo oxigênio ou não sendo possível (fosfocreatina), que, por ser mais estável, pode ficar
utilizá-lo, outra molécula terá de receber os átomos de mais tempo armazenada na célula. Em caso de ne-
hidrogênio. Essa molécula pode ser o ácido pirúvico ou cessidade, a creatina-fosfato cede energia para a
outro fragmento da glicose. O produto final depende produção de ATP, que é usado no trabalho muscular
da coleção enzimática própria de cada célula. Desse (figura 8.7). Você vai estudar a estrutura e a função
modo, na fermentação pode ser formado, por exem- do músculo no Capítulo 17.
plo, álcool etílico, ácido acético ou ácido láctico.
Repouso
Como a glicose não é totalmente quebrada e

Ilustrações: Mauro Nakata/Arquivo da editora


oxidada a gás carbônico e água, a fermentação não
libera toda a energia da molécula, e os produtos ain-
da possuem energia armazenada. Por isso o saldo ATP
energético da fermentação é de apenas duas molé- ADP + P

culas de ATP (correspondentes à glicólise) para cada


molécula de glicose. creatina creatina-
Estudaremos a seguir os tipos mais importantes + -fosfato
da fermentação: a láctica e a alcoólica. P
Músculo em repouso

Fermentação láctica
Iogurtes e coalhadas são produzidos com leite e
uma mistura em igual proporção dos microrganismos
Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus, Contra•‹o
conhecidos genericamente como lactobacilos. A fer-
mentação da lactose do leite por essas bactérias produz
o ácido láctico (daí o nome fermentação láctica), que ATP
ADP + P
coagula o leite, transformando-o em coalhada ou io-
gurte. Esse ácido é produzido quando os hidrogênios
retirados da glicose são recebidos pelo ácido pirúvico. creatina- creatina
Os lactobacilos são encontrados em nosso intes- -fosfato +
tino, onde fabricam diversas vitaminas utilizadas P

pelo organismo, como algumas do complexo B. Músculo contraído


Em nosso organismo, as células musculares po-
dem realizar tanto respiração aeróbia quanto fer- Figura 8.7 Além de glicogênio, o músculo tem como reserva de
energia a creatina-fosfato. Na contração muscular, a creatina-fosfato
mentação láctica. A proporção relativa desses dois transfere um fosfato com energia para o ATP. Portanto, a fonte
processos depende da disponibilidade de oxigênio e imediata de energia para a contração é sempre o ATP (os elementos
da intensidade da atividade física. da figura não estão na mesma escala; cores fantasia).

104 Capítulo 8
Fermentação alcoólica Pasteur, em homenagem ao cientista francês Louis
Pasteur (1822-1895), que, entre muitas outras contri-
A produção de bebidas alcoólicas, como o vinho
buições à ciência, estudou a fermentação (figura 8.8).
e a cerveja, está registrada em gravuras em tumbas
A fermentação também é usada na produção
do antigo Egito e em inscrições em placas de pedra de
do álcool usado como combustível. No Brasil, esse
9 mil anos, encontradas na Mesopotâmia. Essa pro-
álcool é produzido pela fermentação do açúcar da
dução é resultado da fermentação realizada por um cana-de-açúcar.
fungo unicelular, o levedo de cerveja ou fermento, O fermento biológico, ou de padaria, contém o
cientificamente chamado Saccharomyces cerevisiae. fungo Saccharomyces cerevisiae vivo que, por meio da
Na fermentação alcoólica, o ácido pirúvico per- fermentação, produz também gás carbônico. É esse
de um carbono e dois átomos de oxigênio antes gás, produzido na fermentação alcoólica, que forma
de receber os hidrogênios. Dessa forma, são pro- bolhas e faz crescer e ficar fofa a massa do pão. O
duzidos gás carbônico e álcool etílico (figura 8.8). álcool e o gás são eliminados pelo calor do forno.
O gás carbônico pode ser mantido na bebida, como
2 CO2
nos espumantes e na cerveja. glicólise ácido pirúvico H
Mas, como é um ser anaeróbio facultativo, depen- C6H12O6 2 CH3 — C — COOH 2 CH3 — C — H
dendo da taxa de oxigênio presente no processo, esse glicose O OH
fungo realizará respiração aeróbia. Por isso, se houver álcool etílico
muito oxigênio, o fungo não produzirá álcool, mas gás 2 ATP
carbônico e água. Nesse caso, a fermentação fica ini- Figura 8.8 Esquema simplificado da fermentação alcoólica.
bida pela presença de oxigênio; é o chamado efeito Os hidrogênios retirados nesse processo não foram representados.

História da ciência
Louis Pasteur e a fermentação
Louis Pasteur (1822-1895) fez muitas contri- Depois de descobrir que o vinho se deterio-
buições para a ciência e para melhorar nossa qua- rava pela ação de certos microrganismos, ele
lidade de vida. Pasteur mostrou, por exemplo, que tentou eliminá-los aquecendo o vinho até 60 °C
a raiva é transmitida por agentes menores que as por vários minutos. Esse processo, chamado
bactérias (os vírus) e que formas enfraquecidas pasteurização, é usado hoje para possibilitar a
desses agentes podem ser usadas para imunizar comercialização de vários produtos. O leite, por
o organismo humano contra as formas mais vi- exemplo, é aquecido até 72 °C por 15 segundos
rulentas. Surgiu, assim, a vacina contra a raiva. em equipamento especial e depois resfriado ra-
Outro estudo coordenado por Pasteur mos- pidamente.
trou que há microrganismos envolvidos na pro- Embora nem todos os microrganismos sejam
dução de álcool e de outros produtos por meio destruídos pela pasteurização, seu número fica
da fermentação e que esse fenômeno acontece bastante reduzido, o que contribui para que os
na falta de oxigênio. alimentos durem mais.

postos inorgânicos retirados do ambiente (nitratos,


4 Respiração anaeróbia sulfatos ou carbonatos).
Na fermentação, um composto orgânico deri- A respiração anaeróbia é realizada por algumas
vado da glicose é usado como aceptor final de hi- bactérias que vivem em solos profundos, com pou-
drogênios, não havendo ciclo de Krebs nem cadeia co oxigênio, e produz uma quantidade menor de
respiratória. Na respiração anaeróbia, há um ciclo ATP em relação à respiração aeróbia. O termo “res-
de Krebs e uma cadeia respiratória, mas o oxigênio piração” justifica-se nos dois processos porque am-
não é o aceptor final dos hidrogênios retirados da bos são muito parecidos e envolvem as três etapas
glicose. Esses hidrogênios são recebidos por com- que caracterizam o fenômeno da respiração.

Respiração celular e fermentação 105

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