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< Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” PROFISSAO DE FE DE SAO BRUNO A HORA DE SUA MORTE! Fizemos o possivel para recolher a profissio de fé de Mestre Bruno, pronunciada diante de todos os irmaos reunidos, quando ele sentiu que se aproximava a hora de entrar no caminho pelo qual passa todo o ser vivo, pois ele nos tinha pedido, de maneira muito expressa, de ser testemunhas da sua fé ante Deus. Texto da profissio” 1. Creio firmemente no Pai, e no filho, e no Espirito Santo, no Pai no gerado, no Filho unigénito, no Espirito Santo procedente de ambos, ¢ que estas trés pessoas so um s6 Deus. 2. Creio que este mesmo Filho de Deus foi concebido pelo Espirito Santo de Maria, a Virgem. Creio que a Virgem era castissima antes do parto, virgem no parto e depois do parto permaneceu inteiramente virgem. Creio que o mesmo Filho de Deus foi concebido entre os homens como um homem verdadeiro, mas sem pecado Creio que 0 mesmo Filho de Deus foi apresado por im injustamente atado, cuspido, flagelado, morto, sepultado. . injuriosamente tratado, Desceu mansdo dos mortos para libertar os seus, lé cativos, D mortos. para redengo nossa, ressuscitou e ascendeu aos céus, ¢ voltard de lé para julgar os vivos ¢ os 3. Creio nos sacramentos nos quais a Igreja cré e venera, e expressamente que o consagrado no altar & verdadeiro Corpo, verdadeira Came e verdadeiro Sangue do Senhor nosso Jesus Cristo, que também nos recebemos para remissao de nossos pecados ¢ na esperanga da eterna salvagao. Creio na ressurreigao da carne, na vida eterna. Amém, 4. Confesso e creio na santa ¢ inefavel Trindade, Pai, Filho e Espirito Santo, um sé Deus natural, de uma s6 substancia, de uma s6 majestade e poder. E professamos que o Pai ndo foi gerado nem criado, sendo que Ele é ingénito. O mesmo Pai de ninguém tira a sua origem. D’Ele recebeu o Filho nascimento, ¢ 0 Espirito Santo procedéneia. , pois, fonte e origem de toda a Divindade. E 0 mesmo Pai, inefaivel por esséncia, gerou inefavelmente da sua substincia o Filho, mas ndo o gerou outro ser que 0 que Ele é, Deus de Deus, a Luz da Luz. D’Ele, portanto, é toda a paternidade no eéu e na terra. Amém, 14 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Notas: 1- Mestre Bruno, ao fim de seus dias, desejou deixar aos seus o testemunho de haver corrido na nobre competigao até 0 fim, de haver chegado até & meta conservando a fé (Cf. 2Tm 4, 7). No presente texto, os seus companheiros do eremitério de Santa Maria da Torre (Caldbria-Itélia) nos deixaram a solene profissio de fé que ele fez antes da partida, sucedida a 6 de outubro de 1101. 2+ Nesta bela proclamagao de Fé de Sdo Bruno, temos de ver duas coisas, Primeiramente a s4 doutrina que Mestre Bruno teve que ensinar durante os seus largos anos nas Escolas Catedralicias de Remos, assim como a sua vivéneia do ensinado, que no momento da sua saida deste mundo latia no seu corago com a Luz na qual havia vivido e pela qual fielmente havia Tutado. Jo de Fé do XI° Concilio de Na profissdo trinitaria do quarto apartado, Bruno repete o comego da profiss Toledo, sé que falando em primeira pessoa. 3+ No texto original se 1é: "infames judeus". Expresses como estas, em autores antigos, devem ser lidas no contexto da antiquissima oracdo universal da VI Feira Santa. Mais ainda, deve ter-se em conta nelas a forma de falar da época. [2 por isso que temos optado aqui por uma leitura mais de acordo com o com que o fez a Igreja atual em relagdo & antiga oragdo universal referida, 15 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” ESTATUTOS DA ORDEM CARTU: Capitulo 1 Prélogo aos Estatutos da Ordem Cartusiana A graga de nosso Senhor Jesus Cristo, 0 amor de Deus ¢ a comunhéo do Espirito Santo estejam com todos vocés. Amém. Para louvor da gliria de Deus, Cristo, Palavra do Pai por mediagao do Espirito Santo, elegeu desde o principio a alguns homens, a quem levou a soliddo para uni-los a si em intimo amor. Seguindo esta vocagdo 0 Maestro Bruno entrou com seis colegas no deserto de Cartuxa, o ano do Senhor de 1084, e se instalou ali, Tanto eles como scus sucessores, permaneceram naquele lugar sob a direg4o do Espirito nto, e, guiando-se pela experiéncia, foram criando gradualmente um género de vida eremitica proprio, que se transmitia a seus sucessores, ndo por escrito, sendio com 0 exemplo, Mas a insténcias de outros etemitérios fundados na imitagdo do Cartuxo Guigo, quinto Prior de Cartuxa, pds por escrito a norma de seu propésito, que todos se comprometeram a seguir e imitar, como regra de sua observancia e como vinculo de caridade da nascente familia. Mas como os Priores da observancia cartusiana pedissem insistentemente aos Priores e aos irmaos de Cartuxa que se thes permitisse ter na mesma Casa um Capitulo Geral comum, reuniu-se o primeiro Capitulo Geral durante 0 priorado de Antelmo, ao qual se submeteram para sempre todas as Casas, junto com a mesma Casa de Cartuxa. Por aquele entdo, as monjas de Prebayén abragaram também espontaneamente o modo de vida cartusiana. Este foi o comego de nossa Ordem. A partir de aqui, no decurso do tempo, a tenor da experiéncia e das novas circunstincias, 0 Capitulo Geral ia adaptando a forma de vida cartusiana, ¢ estabilizando ¢ explicando nossa instituigdo. Esta continua e esmerada acomodagdo de nossos costumes acrescentou progressivamente o conjunto de nossas Ordenagdes. Por isso, 0 ano do Senhor 1271, 0 Capitulo Geral reunindo num o principal sacado dos Costumes de Guigo, das ordenagées dos Capitulos Gerais e dos usos da Grande Cartuxa tomados em conjunto, promulgou os Antigos Estatutos. A estes se adicionaram 0 ano 1368 outros documentos, que se denominaram Novos Estatutos ; adicionados também documentos no ano 1509, chamaramese Terceira Compilagao. Existindo, pois, trés colegdes, por motivo do Concilio Tridentino foram redigidas num sé corpo, © que chamamos a Nova Colegio dos Estatutos. Sua terceira edigdo foi aprovada em forma especifica pela Constituigdo Apostélica Jniunctum Nobis do Papa Inocéncio XI. Uma nova edic&o, outra vez, examinada e acomodada as prescrigdes do Cédigo de Direito Candnico entéo em vigor, foi aprovada também em forma especifica pelo Papa Pio XI na Constituigdo Apostélica Umbratilem: Por mandato do Concilio Ecuménico Vaticano II, empreendeu-se uma adequada renovacdo de nosso género de vida, segundo a mente dos decretos do mesmo Concilio, guardando como algo muito sagrado nosso retiro do mundo e os exercicios préprios da vida contemplativa, Por isso, o Capitulo Geral do ano 1971 aprovou os Estatutos Renovados, uma vez examinados e corrigidos com a cooperacdo de todos os membros da Ordem. No entanto, para concorda-los com o Cédigo de Direito Canénico, promulgado no ano 1983, os susoditos Estatutos, novamente revisados, dividiram-se em duas partes, das quais, a primeira que compreende os livros primeiro, segundo, terceiro e quarto, contém as Constituigdes da Ordem. Nés, pois, 16 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” os humildes irmaos, Andrés, Prior de Cartuxa, e todos os demais com potestade no Capitulo Geral do ano 1989, aprovamos ¢ confirmamos estes Estatutos. Mas nio por isso queremos relegar ao esquecimento os Estatutos anteriores, sobretudo os mais antigos, sendo que se mantenha vivo seu espirito na presente observancia, ainda que jé no conservem forga de lei Finalmente, exortamos a todos os professos e aspirantes de nossa Religido, e Thes rogamos encarecidamente pela misericérdia e bondade de Deus (quem com tanta cleméncia se dignou ajudar, dirigir ¢ proteger a nossa familia cartusiana, desde seus comegos até o dia de hoje, provendo-nos em abundancia de quanto conduz a nossa salvagdo e perfeigdo), que cada um em nossa vocagio e oficio, esforcemo-nos por corresponder com a maior gratidao possivel a tdo paternal liberalidade e benevoléncia de Deus nosso Senhor. © que cumpriremos, se de tal modo nos dedicamos fiel e solicitamente observancia regular contida nos presentes Estatutos, que, reta e devidamente instruido e aperfeigoado por estas disposigdes nosso homem exterior, no homem interior procuremos ao mesmo Deus com maior fervor, achemo-lo com mais prontiddo € © possuamos mais perfeitamente. E assim, com a ajuda do Senhor, possamos chegar a perfeigio da caridade, fim de nossa profissiio e de toda vida monéstica, ¢ atingir depois a bem-aventuranga eterna. 1 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 2 Elogio de Guigo a vida solitaria Os monges que louvaram a solidao quiseram dar depoimento do mistério cujas riquezas experimentavam, e que s6 os bem-aventurados conhecem plenamente. Ali se leva a cabo um grande mistério, isto é, de Cristo e da Igreja, cujo eminente exemplar 0 encontramos em Maria Santissima ; 0 qual esté também inteiramente oculto em toda alma fiel, ¢ a soliddo tem a virtude de reveld-lo mais profundamente. No presente capitulo, pois, tomado dos Costumes de Guigo, temos de ver alguns reflexos da alma daquele que teve por missdo do Espirito codificar as primeiras leis de nossa Ordem, Porque estas frases do quinto Prior, segundo antigo sentido alegérico da Sagrada Escritura retamente entendidas, tocam uma verdade sublime que nos une aos nossos Padres na fruigio da mesma graga, Na recomendagdo da vida solitéria, 4 que estamos chamados por vocagdo especial, seremos breves, por conhecer os muitos louvores que Ihe tributaram tantos vardes santos e sabios, e de tanta autoridade que ndo nos consideramos dignos de pisar suas impress6es. Jé sabeis como no Antigo e, sobretudo, no Novo Testamento, quase todos os mais profundos & sublimes mistérios foram revelados aos servos de Deus nao entre 0 tumulto das multidées, senio estando 8 s6s, € como os mesmos servos de Deus, quando queriam sumir-se numa meditagdo mais profunda, ou dedicar-se 4 oragdo com mais liberdade, ou alienar-se das coisas terrenas pela elevagdo do alma, quase sempre se apartavam do ruido das multidées e procuravam as vantagens da solidao. De aqui que para tocar de algum modo o tema, Isaac sai a s6s ao campo a meditar, ¢ é de crer que isto ndo foi nele algo isolado, sendo de costume ; que Jacob, enviando todas suas coisas por diante, fica a sés, vé a Deus cara a cara, e a vez pela béngdo ea mutagiio do nome em melhor se torna ditoso ; atingindo mais num momento s6 do que durante toda a vida acompanhado. Também nos atesta a Escritura quanto amavam a solidio Moisés, Elias, e Eliseu, quanto cresceram por ela na comunicagdo dos segredos divinos ; e até que ponto incessantemente corriam perigo entre os homens, e eram visitados por Deus quando estavam s6s, Jeremias se senta solitério, porque se acha penetrado da célera de Deus Pedindo que se dé égua a sua cabega e a seus olhos uma fonte de légrimas para chorar aos mortos de seu povo, solicita também um lugar onde poder exercitar-se mais livremente em obra tdo santa, dizendo: Quem me dard na soliddo um albergue de caminhantes?, como se no Ihe fosse possivel fazé-lo na cidade, indicando deste modo ;pede a companhia o dom de lagrimas. Assim mesmo, quando diz: Bom é esperar em siléncio a salvagdo de Deus, para o qual ajuda muito a soliddo, adicionando depois: Bom é para o homem o ter levado 0 jugo desde sua mocidade, com qual nos da um motivo de grande consolo, pois quase todos abragamos este género de vida desde a juventude. E diz também: Se sentaré solitdrio e calard, porque se elevaré sobre si mesmo; significando quase tudo o melhor do que hi em nosso Instituto: quietude e solidao, siléncio e desejo dos dons mais elevados. Depois dé a conhecer que alunos forma esta escola, dizendo: Dard sua bochecha a quem o ferir ¢ se saciard de oprébrios. No primeito brilha uma paciéncia suma, e no segundo uma perfeita humildade Também Jotio Batista, o maior dos nascidos de mulher segundo o panegitico do Salvador, pés em B < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” evidéncia quanta seguranga e utilidade contribui a soliddo. O qual, nao se sentindo seguro nem pelos ordculos divinos que tinham predito que, cheio do Espirito Santo desde o seio de sua mie, teria de ser 0 precursor do Senhor no espirito ¢ a virtude de Elias, nem pelas maravilhas de seu nascimento, nem pela santidade de seus pais, fugindo da companhia dos homens como perigosa, elegeu os apartados desertos como mais seguros, ignorando quaisquer perigos e a morte, por tanto tempo quanto habitou s6 no deserto. Quanta virtude adquiriu ali e quanto mérito, demonstrou-o o batismo de Cristo ¢ a morte softida por defender a justiga. Fez-se tal na solidio, que s6 ele foi digno de batizar a Cristo que tudo o purifica, e de enfrentar 0 edrcere ¢ a morte em defesa da verdade. © mesmo Jesus, Deus ¢ Senhor, ainda que sua virtude ndo podia verse favorecida pelo retiro nem impedida pelo publico, no entanto, para instruir-nos com seu exemplo, antes de comegar seu pregagdo ¢ seus milagres quis submeter-se a uma espécie de prova de tentagdes ¢ jejuns na soliddo, Dele diz a Escritura que, deixando a companhia de seus discipulos, subia ao morro a orar a sds. E iminente jd 0 tempo da Paixdo, deixou aos Apéstolos para orar solitério, dando-nos com isto o melhor exemplo de quanto aproveita a soliddo para a oragdo, quando ndo quer orar acompanhado nem de seus mesmos Apéstolos. Aqui no passemos em siléncio um mistério que merece todo nosso atendimento : que o mesmo Senhor ¢ Salvador do género humano se dignou mostrar-nos por si mesmo o primeiro modelo vivo de nosso Instituto, ao permanecer assim solitario no deserto, se entregava a oragdo ¢ aos exercicios da vida interior, macerando seu corpo com jejuns, vigilias e outros frutos de peniténcia vencendo as tentagdes do inimigo com armas espirituais. Agora considerai vocés mesmos quanto aproveitaram em seu espirito na solidio os santos veneriveis padres, Pablo, Antonio, Hilario, Benito, e tantos outros inumerdveis, e comprovareis que a suavidade da salmodia, o amor pela leitura, o fervor da oragdo, a profundidade da meditagio, a clevagao da contemplagio e o batismo das Ligrimas com nada se podem favorecer tanto como com a solidio. Mas nio vos contenteis com os poucos exemplos aqui citados em elogio de nosso modo de vi sendo vocés mesmos ide recolhendo outros muitos, tomados de vossa experiéncia cotidiana ou das inas da Sagrada Escritura, 79 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis’ Livro 1 Capitulo 3 Os monges do claustro Os que foram Padres de nossa Religido seguiam a luz do oriente, a daqueles antigos monges que, quente ainda em seus coragdes a recordagdo do Sangue recém derramado pelo Senhor, encheram os desertos para dedicar-se & solidao ¢ a pobreza de espfrito. Portanto, os monges do claustro, que seguem. este mesmo caminho, convém que vivam como eles em ermos suficientemente afastados de toda moradia humana, ¢ em celas livres de todo ruido, tanto do mundo como da mesma Casa ; sobretudo, que permanegam alheios aos rumores do século. Quem persevera firme na cela ¢ por ela ¢ formado, tende a que todo o conjunto de sua vida se unifique e converta numa constante oragio. Mas no poder entrar neste repouso sem ter-se exercitado no esforgo de duro combate, jé pelas austeridades nas que se mantém por familiaridade com a eruz, ja pelas visitas do Senhor mediante as quais 0 prova como ouro no crisol. Assim, purificado pela paciéncia, consolado ¢ robustecido pela assidua meditagao das Eserituras, e introduzido no profundo de seu corago pela graca do Espirito, poderd ja ndo sé servir a Deus, sendo também unir-se a Ele. Convém também ocupar-se em algum trabalho manual, nao tanto por simples distragiio do animo, quanto para submeter o corpo & lei comum dos homens ¢ conservar e fomentar o gosto pelos exercicios espirituais, Por isso se Ihe concedem ao monge em sua cela os utensilios necessdrios, a fim de evitar que se veja forgado a sair dela ; porque isto ndo Ihe esté nunca permitido, a ndo ser para as reunides na igreja ou no claustro, e em outras ocasides previstas pela regra, Agora bem, quanto mais austera é a senda que abragamos, tanto mais estritamente nos obriga a pobreza em todas as coisas de nosso uso. Porque & necessirio que sigamos o exemplo de Cristo pobre, se queremos participar de suas riquezas. Unidos em comunidade pelo amor ao Senhor, a oragdo ¢ 0 zelo pela solidao mostrem-se os monges do claustro como verdadeiros discipulos de Cristo, néo tanto de palavra quanto de obra ; amem-se mutuamente, tendo os mesmos sentimentos, suportando-se e perdoando-se se algum tem queixa contra outro, a fim de que com uma mesma voz honrem a Deus. Mantenham também os padres em seu espirito o intimo vinculo pelo qual esto unidos em Cristo com os immios. Reconhegam que dependem deles para poder oferecer ao Senhor uma oragio pura na quietude e a solidao da cela, Recordem que 0 sacerdécio ao que foram elevados representa um servigo & Igreja principalmente nos membros mais préximos, isto é, os irmios da propria Casa. Tendo-se miitua deferéncia, padres e irmios vivam na caridade que € vinculo de perfeigo ¢ fundamento e cume de toda vida consagrada a Deus. E préprio do Prior mostrar em si mesmo a todos seus filhos, monges do claustro e leigos, um signo vivo do amor do Pai celestial, e reuni-los em Cristo de tal maneira que formem uma familia, e cada uma de nossas Casas seja realmente, segundo a expressiio de Guigo, uma igreja cartusiana, A gual tem sua raiz e fundamento na celebrago do Sacrificio Eucaristico, que é signo eficaz de unidade. E também o centro e cume de nossa vida, ¢ ademais vidtico espiritual de nosso Exodo, por onde na solidao retornamos por Cristo ao Pai. Assim mesmo, em todo o curso da Liturgia, Cristo como nosso Sacerdote ora por nés, e como Cabega nossa ora em nés de maneira que nele possamos reconhecer nossas vozes, ¢ em nds a sua. 80 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Na vigilia notuma, nosso Oficio se prolonga bastante, segundo antigo costume, ainda que guardando sempre uma disereta moderagdo. Assim se alimenta a devogio interna com a salmodia ¢ se pode dar o tempo restante a oragdo calada do coragao sem fastio nem cansago. Segundo antigo costume nossa, todo monge do claustro esti destinado, por uma admiravel graga da piedade divina, ao sagrado ministério do altar. De onde se manifesta nele essa harmonia que, como diz Pablo VI, existe entre a consagrago mondstica ¢ a sacerdotal. A exemplo, pois, de Cristo, faz-se juntamente sacerdote e vitima, em cheiro de suavidade para Deus, e pela unido no sacrificio do Senhor participa das riquezas insondaveis de Como nosso Instituto est ordenado inteiramente 4 contemplagao, temos de guardar com toda fidelidade nossa separagdo do mundo. Estamos, por tanto, isentos de todo ministério pastoral, por muito que urja a necessidade do apostolado ativo, a fim de cumprir nossa propria miso dentro do Corpo Mistico. Mantenha Marta seu ministério, laudavel certamente, ainda que no isento de inquietude e turvagdo ; mas permita a sua irma que, sentada junto aos pés do Senhor, dedique-se a contemplar que Ele € Deus, a purificar seu espirito, a adentrar-se na oragdo do coragio, a escutar 0 que o Senhor Ihe diga em seu interior ; ¢ assim possa agradar e ver um pouquinho, como num espelho ¢ confusamente, como 0 Senhor é bom, enquanto roga por sua irma e por todos os que se afanam como ela. Maria tem a seu favor no $6 a0 mais imparcial dos juizes, sendo também ao mais fiel dos advogados, ao mesmo Senhor, que nio se limita a defender sua vocagao, sendo que faz seu elogio, dizendo: Maria escolheu a melhor parte, que nao the serd tirada, Desta maneira a escusou de misturar-se nos cuidados e desassossegos de Marta, por piedosos que fossem, 81 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis’ Capitulo 4 A guarda da cela e do siléncio ‘A nossa prineipal aplicagdo ¢ propésito consistem em nos dedicar ao siléncio e & solidao da cela, Esta é a terra santa eo lugar onde o Senhor € 0 seu servo conversam frequentemente como dois amigos. F. nela que muitas vezes a alma fiel se une a0 Verbo de Deus, a esposa convive com 0 Esposo, as coisas da terra se ligam as do Céu, as humanas as divinas. Mas muito o trajeto a percorrer, por caminhos dridos secos, antes de chegar A fonte das aguas e a terra de promissio. Por isso convém que 0 que vive retirado em sua cela vele diligente e solicito para nao se tentar nem aceitar nenhuma safda dela, fora das geralmente estabelecidas ; mais bem considere a cela tao necessaria para sua saiide e vida, como o Agua para os peixes e 0 aprisco para as ovelhas. Se se acostuma a sair dela com frequéncia e por leves causas, cedo se Ihe faré odiosa ; pois, como diz Sao Agostinho: Para os amigos deste mundo nao ha nada mais trabalhoso que nao trabalhar. Pelo contrario, quanto mais. tempo guarde a cela, tanto mais a gosto viverd nela, se sabe ocupar-se de uma maneira ordenada e proveitosa na leitura, eseritura, salmodia, orago, meditagdo, contemplagao e trabalho, Enquanto, vi acostumando-se a calma escuta do coragdo, que deixe entrar a Deus por todas suas portas e sendas. Assim, com a ajuda divina, evitara os perigos que frequentemente espreitam ao solitario : seguir na cela 0 caminho mais facil e merecer ser contado entre os momnos. Os frutos do silencio os conhece quem o experimentou. Ainda que ao principio nos resulte no duro calar, gradualmente, se somos figis, nosso mesmo siléncio ird criando em nés uma atrago para um siléncio cada vez. maior. Para conseguiclo, esta estabelecido que ndo falemos uns com outros sem permisséo do Presidente. O primeiro ato de caridade para com nossos irmaos 6 respeitar sua soliddo. Se se nos permite falar de algum assunto, seja nossa conversa to breve quanto seja possivel. Os que nao so de nossa Ordem nem aspiram a entrar nela, ndo se hospedem em nossas celas. Os monges do claustro dedicam todos os anos oito dias a uma guarda maior da quietude da cela e do recolhimento, © que se acostumou fazer normalmente por motivo do aniversério da Profissio. Deus nos trouxe a soliddo para falar-nos ao coragdo. Seja, pois, nosso coragéo como um altar vivo, do que suba continuamente ante o Senhor uma orag%o pura, pela qual devem ser impregnados todos ossos atos. 82 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 5 O trabalho na cela © monge do claustro, sujeito a lei divina do trabalho em sua propria vocagfo, foge da ociosidade que, segundo os antigos, € inimiga do alma. Por isso, abraga com humildade e prontidio todos os trabalhos que necessariamente traz consigo uma vida pobre e solitéria, a condigdo, no entanto, de que tudo se ordene ao exercicio da divina contemplagdo, a que est totalmente entregado, Além dos diversos trabalhos manuais, faz parte de sua tarefa didria o cumprimento das obrigagées de seu estado, principalmente as que se referem ao culto divino e ao estudo das ciéneias sagradas. Em primeiro lugar, para ndo perder inutilmente na cela o tempo da vida religiosa, 0 monge do claustro deve dedicar-se com interesse e discrigdo a estudos apropriados, ndo pela vaidade de saber ou de ditar livros, sendo porque uma leitura sabiamente ordenada facilita & alma uma instrugdo mais sélida e pe a base para a contemplacdo das coisas celestiais. Erram, pois, os que julgam que, descuidando ao principio o estudo da palavra de Deus ou abandonando-o depois, podem elevar-se facilmente a unido intima com Deus. Assim, fixando-nos mais na substéncia do contetido que no brilho aparente da expresso estudemos os mistérios divinos com esse desejo de conhecer que nasce do amor e o inflama. Com 0 trabalho de mios, o monge se exercita na humildade ¢ reduz todo seu corpo a servidio, para que sua alma adquira uma maior estabilidade. De onde, nos tempos estabelecidos, & licito dedicar-se a trabalhos manuais verdadeiramente titeis, porque no esta bem desperdigar em bagatelas e trabalhos imiteis um tempo precioso concedido a cada um para glorificar a Deus. No entanto, no fica excluida deste tempo & utilidade da leitura e a orag4o ; mais ainda, sempre & aconselhvel, enquanto se trabalha, recorrer pelo menos as breves oragées chamadas jaculatérias. Também pode s vezes suceder que 0 peso do trabalho sirva de ancora que sujeite o vaivém dos pensamentos ajudando com isso ao coragio a permanecer fixo em Deus constantemente, sem fadiga mental trabalho é um servigo mediante o qual nos unimos com Cristo, que no veio ser servido sendo a servir, So de louvar certamente os que se as arrumam por si sés para cuidar do mobilidrio, das ferramentas e das demais coisas usadas na cela, aliviando no possivel o trabalho dos irmaos. Pelo demais todos tém de ter a cela ordenada e limpa. Sempre pode o Prior impor a um pai algum trabalho ou servigo para bem da Comunidade, ¢ ele o aceita com agrado e com alegria de coragao, pois no dia de sua Profissdo pediu ser recebido como 0 mais hhumilde servidor de todos. Quando se encomenda um trabalho a um monge do claustro, seja sempre de tal natureza que The permita conservar sua liberdade interior enquanto trabalha, sem preocupar-se do ganho ‘ou de quando tem de terminar. Porque convém que o solitdrio, atendendo nao tanto a obra como ao fim tentado, possa manter seu corago sempre em vela Mas para que © monge permanega calmo ¢ soliddo muitas vezes serd conveniente que goze de certa liberdade na ordenagdo de seu trabalho. Normalmente nao se tem de chamar aos padres a trabalhar fora de suas celas, sobretudo nas obediéncias dos irmios. E em caso que se destinem alguns padres a fazer um trabalho em comum, eles poderdo falar entre si do que requeira tal trabalho, mas no com os que chegam. Toda nossa atividade nasga sempre da fonte interior, a exemplo de Cristo, que sempre atua com o i, de maneira que mesmo Pai faga as obras permanecendo nele, Assim seguiremos a Cristo em sua vida humid e oculta de Navaré, tanto quando orames a Deus no seoret, como quando tabalhamos por obediéncia em sua presenga. 83 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis’ Capitulo 6 A guarda da clausura Desde os prineipios de nossa Ordem se pensou que, mediante o estrito rigor da clausura, se expressaria e afirmaria nossa total consagragdo a Deus. Que grande necessidade devesse mediar para sair fora, aparece suficientemente claro pelo fato de que o Prior de Cartuxa ndo sai nunca dos termos de seu ermo, Agora bem, como numa mesma Ordem suas observncias devem guardar-se de um modo uniforme e similar por seus professos, nés, que abragamos o propésito cartusiano, de onde nos vem o nome de Cartuxos, nao admitimos facilmente excegdes ; mas se alguma necessidade o exigisse, sempre se tem de pedir permissdo ao Reverendo Pai, salvo em algum caso urgente ¢ nos demais previstos pelos Estatutos. © rigor da clausura se converteria numa observaneia farisaica, se nao fora um signo daquela pureza de coragio & que unicamente se promete a visio de Deus. Para consegui-la, requer-se uma grande abnegagdo, sobretudo da natural curiosidade que o homem sente por tudo o humano, Nao devemos deixar que nosso espirito se derrame pelo mundo, andando a busca de noticias e rumores. Pelo contrario, nossa parte é permanecer ocultos no segredo do rosto de Deus. Temos de evitar os livros profanos ou revistas que possam turvar nosso siléncio interior. Particularmente seria contririo ao espirito da Ordem introduzir de qualquer modo no claustro jomais que tratem de politica. Ainda mais, os Priores exortem a seus monges que sejam muito parcos nas leituras profanas, Mas esta adverténcia requer uma maturidade de espirito e um dominio de si mesmo que saiba aceitar sinceramente todas as consequéncias dessa melhor parte do que elegeu, a saber: sentar-se aos pés do Senhor ¢ escutar sua palavra, ‘Nao obstante, a familiaridade com Deus nao estreita coragdo sendo que o dilata e o capacita para abarcar nele os aflis e problemas do mundo, junto com os grandes interesses da Igreja de tudo © qual convém que monge tenha algum conhecimento. No entanto, a verdadeira solicitagao pelos homens deve nascer, ndo da curiosidade sendo da intima comunhio com Cristo. Cada qual, escutando interiormente a0 Espirito, veja que é 0 que pode admitir em sua mente sem que sofra menoscabo seu didlogo com Deu Se chegasse até nés alguma noticia do que ocorre pelo mundo, guardemo-nos de comunicéela aos demais ; deixemos mais bem os rumores do século ali onde os ouvimos. Toca ao Prior informar a seus monges sobre os temas que ndo convém ignorar, em especial sobre a vida da Igreja e suas necessidades, Sem verdadeira necessidade, ndo procuremos ocasido de falar com as pessoas da Ordem e com os demais que as vezes chegam a nossa Casa, Porque no aproveita ao amigo da solidao, firme no siléncio e ansioso da quietude, fazer ou receber visitas sem motivo. Como esté escrito: Honra teu pai e tua mde, mitigamos um pouco o rigor da clausura para receber a nossos pais e a outros parentes prdximos, dois dias ao ano, seguidos ou separados. Pelo demais, a no ser que, por amor do Senhor, nos o imponha uma inevitével necessidade, evitamos a visita dos amigos e as palestras dos seculares. Sabemos que Deus é digno de que se Ihe oferega este sacrificio, que sera para os homens mais proveitoso do que as nossas palavras. ‘Nas Casas da Ordem canonicamente constituidas se guarda estrita clausura segundo a tradigao da Ordem. Nao se pode admitir dentro da clausura a mulheres. Quando falamos com elas, observamos a modéstia propria de um monge. 84 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Recordem os monges que a castidade pelo Reino dos Céus que professam, tem de estimar-se como dom eximio da graga, pois libera de modo singular seu corago para que mais facilmente possam unir-se a Deus com amor indiviso. Deste modo, evocam aquele maravilhoso conibio, fundado por Deus e que tem, de revelar-se plenamente no século futuro, pelo que a Igreja tem por Esposo tinico a Cristo. E, pois, mister que, empenhados em guardar fielmente sua vocagdo, acreditem em as palavras do Senhor e, confiados no auxilio de Deus, ndo presumam de suas proprias forgas e pratiquem a mortificagdo e a guarda dos sentidos. Confiem também em Maria, quem por sua humildade e virgindade mereceu ser a Mae de Deus. Quanto proveito e alegria divina proporcionam a solidao e o siléneio do deserto a quem os ama, sé © sabe quem o experimentou. Aqui podem os homens esforgados recolher-se em seu interior quanto queiram, morar consigo, cultivar sem cessar os germes das virtudes e alimentar-se felizmente dos frutos do paraiso. Aqui se adquire aquele olho limpo, cuja serena mirada fere de amores ao Esposo e cuja limpeza pureza permite ver a Deus, Aqui se vive um lazer ativo, repousa-se numa sossegada atividade. Aqui concede Deus a seus atletas, pelo esforgo do combate, a ansiada recompensa : a paz que mundo ignora e 0 gozo no Espirito Santo, 85 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 7 A abstinéncia e 0 jejum Cristo sofreu por nés, dando-nos exemplo para que sigamos suas impressdes, O que praticamos ja aceitando as penalidades e angiistias desta vida, ja abragando a pobreza com a liberdade de filhos de Deus e renunciando a propria vontade. Também, segundo a tradigdo mondstica, corresponde-nos seguir a Cristo quando jejua no deserto, castigando nosso corpo ¢ reduzindo-o a servidao, para que nossa alma brilhe com o desejo de Deus. Os monges do claustro fazem uma abstinéncia semanal, geralmente a sexta-feira, Esse dia se contentam com pao e gua. Em certos tempos e dias fazem jejum de Ordem, no que tém uma s6 comida, A peniténcia corporal nao devemos abragé-la s6 por obedecer aos Estatutos ; esta destinada principalmente a aliviar-nos do peso da carne para que possamos seguir com mais presteza ao Senhor Mas se em algum caso, ou durante uma temporada, sentisse um que alguma de nossas observncias supera suas forgas, e que mais bem o entorpece do que o impulsiona ao seguimento de Cristo, decida, em filial acordo com o Prior, a mitigago que Ihe convém, ao menos temporariamente. Mas, tendo sempre presente © telefonema de Cristo, indague 0 que esté ainda dentro de suas possibilidades, e © que no pode dar ao Senhor pela observancia comum, supra-o de outro modo, negando-se a si mesmo ¢ levando sua eruz cada dia, Convém que os novigos se acostumem pouco a pouco as abstinéneias e jejuns da Ordem, a fim de que tendam ao rigor da observancia com prudéncia ¢ seguranga, sob a diregio do Maestro, Este os censinaré particularmente a vigiar-se para nao faltar & sobriedade hora da refeigao, s6 pretexto dos j que tém de observar. Assim aprenderdo a reprimir com o espirito as obras da carne, ¢ a levar em seu corpo a mortificagdo de Jesus, a fim de que também a vida de Jesus se manifeste em seus corpos. Segundo uma observancia introduzida por nossos primeiros Padres ¢ guardada sempre com um zelo especial, renunciamos em nosso propésito ao uso da came. Observe-se dita abstinéncia como algo priprio da Ordem e signo do rigor eremitico no qual, com a ajuda de Deus, queremos perseverar. Nenhum de nés se dé a exercicios de peniténcia fora dos indicados nestes Estatutos, a no ser com © conhecimento e aprovagdo do Prior. Mas se o Prior quisesse dar a algum de nés uma mitigagio na comida, o sonho ou em alguma outra coisa, ou impor-lhe algo duro ¢ grave, no podemos opor-nos, ndo seja que ao resisticlo, resistamos nao a ele, sendo ao Senhor, cujas vezes faz para com nés, Pois ainda que sejam muitas e diversas as coisas que observamos, no esperamos que nenhuma delas nos aproveite sem 0 bem da obe 86 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 8 Ono Quem, ardendo em amor divino, desejam abandonar o mundo ¢ captar as coisas eternas, quando chegam a nds recebamo-los com o mesmo espirito. , pois, muito conveniente que os novigos encontrem nas Casas onde tém de ser formados, um verdadeiro exemplo de observancia regular ¢ de piedade, de guarda da cela ¢ do siléncio, e também de caridade fraterna, Se chegasse a faltar isto, mal se poderd esperar que persevere em nosso modo de vida. Aos que se apresentem como candidatos, se os tem de examinar atenciosa ¢ prudentemente, segundo 0 aviso do Apéstolo So Jodo: Examinai se os espiritos vém de Deus. Porque é realmente verdadeiro que da boa ou ma admissio e formagdo dos novigos depende principalmente a prosperidade ou a decadéneia da Ordem, tanto na qualidade como no nimero das pesso: Por isso, os Priores devem informar-se com prudéncia sobre sua familia, sua vida passada e suas qualidades de alma e corpo; pela mesma razo, conviré conferir a médicos prudentes que conhegam bem nosso género de vida. Efetivamente, entre as dotes pelas que os candidatos a vida solitéria devem ser cestimados, tem de contar-se, sobretudo, um juizo equilibrado e sao. Nao acostumamos receber novigos antes que tenham comegado os vinte anos ; inclusive entre os que pega ser recebidos, recebam-se {Go sé aqueles que, a juizo do Prior e da maioria da Comunidade, tenham suficiente doutrina, piedade, maturidade e forgas corporais para levar os nus da Ordem; ¢ que sejam o bastante aptos, sem diivida para a soliddo, mas também para a vida comum, Mas convém que sejamos mais circunspetos na recepgdo das pessoas de idade madura, ja que se adaptam mais dificilmente 4s observancias ¢ nossa forma de vida ; por isso no queremos que alguém seja. recebido depois dos quarenta e cinco anos, sem licenga expressa do Capitulo Geral ou do Reverendo Pai. Tal licenga se requer também para admitir a0 noviciado a um religioso paquerado o vinculo da Profisso em outro Instituto, e se se trata de um professo de votos perpétuos, 0 Reverendo Pai precisa o consentimento do Conselho Geral. Para admitir a alguém unido anteriormente com votos a um Instituto religioso, se nos aconselha ouvir antes ao Reverendo Pai Quando se nos apresenta algum com desejos de ser monge do claustro, primeiro se the pergunta em particular que motivo e dai intengo o movem a isso. E se realmente se vé que s6 procura a Deus, se 0 examina sobre alguns pontos que entdo & preciso conhecer : se tem a devida formagdo cultural para um monge que tem de ser promovido ao sacerdécio, se pode cantar ¢ se tem algum impedimento canénico. No entanto, o postulante no poder iniciar o noviciado até que tenha os suficientes conhecimentos de lingua latina. Cumprido isto, expée-se a0 candidato o fim de nossa vida, a gléria que esperamos dar a Deus por nossa unido com sua obra redentora, e que bom e gozoso é deixéelo tudo para aderir-se a Cristo. Também se Ihe propée o duro e Aspero, fazendo-Ihe ver, quanto seja possivel, todo o modo de vida que deseja abracar. Se ante isto segue decidido, oferecendo-se com sumo gosto a seguir um caminho duro, fiado nas palavras do Senhor, ¢ desejando morrer com Cristo para viver com Ele, por fim se Ihe aconselha que, conforme ao Evangelho, se reconcilie com aqueles que tiverem alguma coisa contra ele. Depois de uma provagio de trés meses, ao menos, ¢ no mais de um ano, o postulante, numa data determinada, apresenta-se & Comunidade, que daré outro dia seu voto a respeito da admissio. 87 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” O novicio, j4 que vai seguir a Cristo deixando todas suas coisas, entregue ao Prior integralmente 0 dinheiro e 0 demais que talvez trouxe consigo, a fim de que ndo seja ele mesmo sendo o Prior, ou o que 0 Prior disponha, quem o guarde a modo de depésito. Por nossa parte, no exigimos nem pedimos absolutamente nada aos novigos nem aos que querem entrar em nossa Ordem. © noviciado se prolonga durante dois anos ; tempo que o Prior poderat prorrogar, mas no mais de seis meses. Xo se deixe aplanar o novicio pelas tentagdes que costumam espreitar aos seguidores de Cristo no deserto, nem confie em suas proprias forgas, sendo mais bem espere no Senhor que deu a vocagio € levard a termo a obra comegada. 88 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 9 O Maestro de novigos A formago dos novigos se tem de encomendar a um Maestro que se distinga por sua prudéncia, caridade e observancia regular, que esteja dotado da devida maturidade e experigncia das coisas da Ordem que senta um gosto especial a quietude e a cela que irradie amor por nossa vocagdo, que entenda a diversidade de espiritos tenha uma mentalidade aberta as necessidades dos jovens. Ao ocupar-se com todo corago da perfeicdo espiritual de seus alunos, saiba também escusar os defeitos alheios. © Maestro mostre-se solicito e vigilante com respeito A recepgio dos novigos, antepondo 0 mérito a0 nmero. Para que um seja cartuxo ndo de puro nome, sendo real ¢ verdadeiramente, ndo basta querer ; requer-se ademais, junto com o amor a solidio e a nossa vida, certa aptidao especial de alma e corpo, por onde se conhega a vocago divina, Tudo isto o tenha em conta o Maestro, a quem principalmente pertence © examinar e provar aos calouros. Ndo esqueca que certos defeitos, que num prinefpio pareciam quigd de pouca monta, frequentemente costumam crescer e arraigasse mais depois da Profissdo. E assunto grave 0 recusar ou despedir a alguém, e s6 se tem de decidir depois de madura deliberago, No entanto, receber a algum ou reté-lo longo tempo, quando consta que the faltam as dotes necessarias, ¢ uma falsa e quase cruel compaixio. Esteja muito em guarda o Maestro para que o novicio se decida em sua vocago com plena liberdade, e ndo o compila em modo algum para que faga a Profissdo. © Maestro visitara ao novicio em momentos oportunos e ensinar-Ihe-a as observancias da Ordem que um novicio nao deve ignorar. Cuidard, ademais, especialmente de que o novicio estude com interesse os Estatutos da Ordem, Ao Maestro toca também formar os hibitos do novicio, dirigi-lo em seus exercicios espirituais e pér remédios oportunos a suas tentagdes. Esteja atencioso a que, de dia em dia, aumente o amor dos alunos para Cristo e a Igreja. Ainda que, a exemplo de nosso Pai Sao Bruno, deve ter entranhas de mae, ¢ preciso também que mostre uma energia de pai, para que a formagao do calouro seja monistica e varonil. Deixe, sobretudo, que os novigos experimentem a vida solitéria na cela e sua austeridade, e ensine-os a prestar-se mutuamente auxilio espiritual com caridade sincera e singela. E muito proveitoso, certamente, que 0 novicio se dedique ao estudo ¢ ao trabalho manual ; mas no basta que o solitério esteja ocupado em sua cela e persevere laudavelmente assim até a morte precisa, ademais, outra coisa : 0 espirito de oragdo e prece. Faltando o viver com Cristo e a intima unido do alma com Deus, de pouco servird a fidelidade nas ceriménias ¢ a mesma observancia regular, ¢ nossa vida se poderia justamente comparar a um corpo sem alma, Portanto, nada tenha mais no corago 0 Maestro do que inculcar este espirito ¢ acrescenté-lo com diserigdo, para que os novigos depois de sua Profissio se acerquem cada dia mais a Deus e consigam o fim de sua vocagao. Cuide muito 0 Maestro de ir sempre as fontes de toda vida crista, aos documentos da tradigao monistica e & primitiva inspiragao de nossa Ordem. Exponha compridamente o espfrito de nosso Pai S40 Bruno ¢ vele pelas sds tradigées, recopiladas principalmente por Guigo ¢ guardadas fielmente desde 0 nascimento da Ordem. ‘A partir do segundo ano, os novigos comegardo seus estudos, que serdo prudentemente orientados para uma formagdo ao mesmo tempo monistica e sacerdotal, segundo as normas da Ratio Studiorum. Os monges nao sejam promovidos ao sacerdécio até que estejam dotados de suficiente maturidade humana e spiritual, a fim de que possam participar mais plenamente deste dom de Deus. 89 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 10 A Profissio Morto ao pecado e consagrado a Deus pelo batismo, 0 monge pela Profissio se consagra mais plenamente ao Pai e se desembaraga do mundo, para poder tender mais retamente para a perfeita caridade. Unido ao Senhor mediante um compromisso firme e estavel, participa do mistério da Igreja unida a Cristo com vinculo indissolivel, e dé depoimento ante o mundo da nova vida adquirida pela Redengio de Cristo. Quando se acerca o fim do segundo ano de noviciado, se 0 novicio parece digno de ser admitido, se © apresentard 4 Comunidade que, depois de alguns dias, bem pensado o assunto, dar seu parecer sobre a admissao do novicio. Este, por sua vez, ndo faga os votos sendo com plena liberdade e maturidade de juizo. Esta primeira Profissdo se emite por trés anos. Passado este prazo, corresponde ao Prior, depois do voto da Comunidade, admitir ao jovem professo a passar dois anos com os professos de votos solenes, am tal caso, 0 monge renovaré por um bignio a Profissio temporaria, Durante um destes dois anos — normalmente o segundo -, o futuro professo estard livre de estudos candnicos, a fim de se preparar com mais reflexdo para os votos solenes. Porque o diseipulo que segue a Cristo deve renunciar a tudo e a si mesmo, 0 futuro professo, antes da Profissdo solene, renuncie a todos os bens que tem em ato ; pode também, se quer, dispor dos bens aos que tenha direito. Nenhuma pessoa da Ordem pega nada em absoluto de suas coisas ao professo temporaria, nem sequet com fins piedosos, nem para dar esmola a quem seja, sendo que ele deve dispor livremente de seus bens segundo Ihe ele decida. © que vai professar escreva por si mesmo a Profissio na forma e com as palavras: Eu, frei N prometo... estabilidade, obediéncia e conversiio de meus costumes, diante de Deus e dos seus Santos, e das reliquias deste ermo, que esté construido em honra de Deus e da bem-aventurada sempre Virgem Maria e de Sao Jodo Batista, na presenca de Dom N., Prior. Depois da palavra "prometo”, se se trata da primeira Profissio temporaria, adiciona-se "por trés anos", e quando esta Profisstio se prorrogue, especifique-se o tempo da prorrogasiio; mas se se trata da Profissdo solene, diga-se "perpétua", E de saber que todos nossos ermos estdo dedicados em primeiro lugar Santissima Virgem Maria e a So Joo Batista, nossos principais patronos no céu. A cédula de toda Profissdo deve ser assinada pelo professo e pelo Prior que reeebeu os votos, ¢ levar consignada a data ; se a conserva no arquivo da Casa, Feita a Profissdo, o que foi recebido de tal maneira se considere alheio a tudo o do mundo, que nao tenha potestade sobre coisa alguma, nem sequer sobre si mesmo, sem licenga de seu Prior. Dado que todos ‘os que determinaram viver regularmente t8m de praticar com grande zelo a obedigncia, nés 0 faremos com tanta maior entrega e fervor, quanto mais estrita e austera ¢ a vocagio que abragamos ; pois se, 0 que Deus ndo permita, esta obediéncia faltar, tantos trabalhos careceriam de prémio De aqui que Samuel diga: Melhor é obedecer do que sacrificar, e melhor a docilidade do que a gordura dos carneiros. A exemplo de Jesus Cristo, que veio cumprir a vontade de seu Pai e, tomando a forma de servo, aprendeu por seus padecimentos a obediéncia, o monge se submete pela Profissdo ao Prior, que faz as vezes de Deus, e se esforga por chegar & medida da plenitude de Cristo. 90 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Livro 2 Capitulo 11 Os monges leigos Desde suas origens, nossa Ordem, como um corpo cujos membros ndo tém todos a mesma fungdo, compreende padres ¢ irmaos. Tanto uns como outros stio monges, ¢ participam da mesma vocaciio, ainda que de maneira diversa. Gragas a esta diversidade, a familia cartusiana pode cumprir mais perfeitamente sua miso na Igreja. Os monges do claustro, de quem tratamos até agora, vivem no retiro de suas celas e so sacerdotes ou chamados a sé-lo, Os monges leigos, dos quais vamos tratar agora com a ajuda de Deus consagram sua vida a0 servigo do Senhor nao s6 pela solidio sendo também por uma maior dedicagio ao trabalho manual, AOS primeiros irmos, chamados conversos, se Ihes uniram no correr do tempo outra classe de irmaos, os doados, que, sem fazer votos, oferecem-se por amor de Cristo 4 Ordem mediante um contrato reciproco, Ja que levam vida mondstica, chamamo-los também monges. Bem como 0s primeiros Padres de nossa Ordem seguiram as impressdes daqueles antigos monges que levaram uma vida de solidio e pobreza de espirito, igualmente nossos primeiros irmaos, Andrés € Guerin, decidiram-se a abragar uma vocagio parecida. E necessario, pois, que os conversos e doados nao saiam dos termos do ermo sendo rara vez ¢ obrigados pela necessidade cuidando diligentemente de manter-se alheios aos rumores do século. Finalmente, suas celas de tal maneira estejam isoladas que, entrando em seu interior, fechada a porta e deixando afora todos os cuidados e preocupagdes, possam orar a0 Pai em escondido repouso. Os irmaos, imitando a vida escondida de Jesus em Nazaré, enquanto realizam os trabalhos didrios da Casa, louvam ao Senhor em suas obras, consagrando o mundo & gléria do Criador e ordenando as ‘ocupagdes naturais ao servigo da vida contemplativa ; mas nas horas consagradas 4 oragao solitiria, ¢ quando assistem aos Oficios divinos, dedicam-se a Deus por inteiro, Assim, pois, os lugares onde trabalham e vivem devem estar acondicionados de tal sorte que facilitem o recolhimento e, ainda providos de tudo 0 necessario e titil, deem a impressdo de ser verdadeira mansdo de Deus, ndo um edifieio profano. Unidos no amor do Senhor, na oragio, no zelo pela solidio ¢ no ministério do trabalho, os irmaos vivem juntos sob a diregdo do Procurador. Mostrem-se, pois, verdadeiros disefpulos de Cristo, nao tanto de palavra quanto de obra, fomentem a caridade fraterna, tendo uns mesmos sentimentos, suportando-se mutuamente e perdoando-se se algum tem queixa contra outro, a fim de ser um sé coragdo e uma sé alma. Dentro de seu proprio marco de solidao, os irmaos trabalham para providenciar as necessidades materiais da Casa, que Ihes esto especialmente confiadas. Assim permitem aos monges do claustro consagrar-se mais livremente ao siléncio da cela. Padres e irmdos, discipulos daquele que no veio ser servido sendo a servir manifestam de forma diversa as riquezas de nossa vida, consagrada totalmente a Deus na solidao. Estas duas formas de vida, na unidade de um mesmo corpo, tém gracas diferentes, mas complementares a uma da outra e com miitua comunicagao de bens espirituais. Tal harmonia permite ao carisma confiado pelo Espirito Santo a nosso Pai Sado Bruno atingir sua plenitude. 91 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis’ Entendam os padres que pelas sagradas Ordens, com as que foram marcados, receberam ndo tanto uma dignidade como um servigo. Ademais, 0 sacerdécio ministerial e 0 sacerdécio batismal dos leigos esto relacionados entre si, j4 que ambos participam do tinico sacerdécio de Cristo. Que cada qual, pois, correndo pelo caminho reto para a tnica meta de nossa vocagdo, persevere no estado ao que foi chamado. © Prior ha de ser para todos os seus filhos, monges do claustro ¢ leigos, um signo vivo do amor do Pai celestial, unindo-os em Cristo de tal maneira que formem uma familia e que, segundo a expresso de Guigo, cada uma de nossas Casas seja realmente, uma igreja cartusiana. A qual tem sua raiz e fundamento na celebrago do Sacrificio Eucaristico, que & signo eficaz de unidade. E também o centro e cume de nossa vida, e ademais viatico espiritual de nosso Exodo, por onde na solidao retormamos por Cristo ao Pai. Assim mesmo, em todo o curso da Liturgia, Cristo como nosso Sacerdote ora por nés, € como Cabega nossa ora em nés. E como o caminho mais seguro para ir a Deus & seguir de perto as impressdes de nossos Fundadores, os irmios devem propor-se como modelos aos primeiros conversos da Grande Cartuxa, que, sem contar ainda com uma regra escrita, deram forma e espirito a seu género de vida. Sua recordacdo inundava de gozo 0 coragdo de Sao Bruno, e 0 movia a escrever: De vocés, amarissimos irmdos \eigos, digo : Minha alma glorifica ao Senhor ao ver a grandeza de sua misericérdia sobre vocés. Alegro-me também de que, ainda sem ser letrados, Deus todo-poderoso grava com seu dedo em vossos coragées ndo sé 0 amor, sendo também o conhecimento de sua santa lei. Com vossas obras, efetivamente, demonstrais 0 que amais ¢ conheceis. Porque praticais com todo o cuidado ¢ zelo possiveis a verdadeira obediéncia, que € 0 cumprimento da vontade de Deus ¢ a clave e 0 selo de toda vida espiritual. Obediéncia que ndo existe nunca sem muita humildade e grande paciéncia, e que sempre vai acompanhada do casto amor do Senhor e da verdadeira caridade. O qual poe de manifesto que recolheis sabiamente o fruto muito suave e vivificador da Eseritura divina. Permanecei, pois, irmaos meus, no estado ao que chegastes. 92 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 12 Asolidio A nossa principal aplicagdo © propésito consistem em encontrar Deus no siléneio ¢ na solidi, Aqui, o Senhor e 0 seu servo conversam frequentemente como dois amigos, a alma fiel une-se muitas vezes ao Verbo de Deus, a esposa convive com o Esposo, as coisas da terra se ligam as do Céu, as humanas is divinas. Mas geralmente & longo 0 trajeto a percorrer, por caminhos aridos e secos, até chegar fonte 4 fonte da agua viva. No entanto, geralmente é longo o caminho de peregrinago por sendas dridas e ressecas até chegar as fontes de aguas vivas. © irmao deve vigiar com atencioso cuidado a solidio exterior, que com frequéncia no esta protegida pelo retiro do claustro e a guarda da cela. Mas de nada aproveita a solidio exterior se néo guarda também sempre a solidao interior, ainda durante o trabalho, bem que sem violéncia. Sempre que néo assistam ao Oficio divino na igreja nem estejam ocupados nos trabalhos das obediéneias, os immios se retiram a sua cela como ao refiigio mais seguro e calmo do porto. Na qual permanecem com paz €, quanto seja possivel, sem fazer nenhum ruido, seguindo fielmente a ordem dos is, fazendo-o tudo na presenga de Deus, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, dando por sua aagas a Deus Pai, Nela se ocupam proveitosamente lendo ou meditando, sobretudo a Sagrada Escritura, que ¢ 0 alimento da alma, ou se entregam a oragdo segundo suas possibilidades, no procurando nem aproveitando nenhuma ocasido para sair fora, salvo nas geralmente estabelecidas, ou que procedam da obediéncia, © homem por natureza foge as vezes do siléncio da soliddo e da quietude; pelo qual diz também Santo Agostinho: Para os amigos deste mundo nao ha nada tio trabalhoso como nao trabalhar. Também podem as vezes os irmios, para seu proveito espiritual, dedicar-se a pequenos trabalhos em sua cela, com 0 consentimento do Procurador. O primeiro ato de caridade para com nossos irmaos € respeitar sua solidao ; se temos permissiio para falar de algum assunto em sua cela, evitemos palestras iniiteis. Depois do toque do Angelus da tarde ndo vao os irmdos a cela do Prior ou o Procurador sem ser chamados. Depois dessa hora s6 ficam com os héspedes os encarregados de servir-Ihes Igualmente, quando um esté na cela de outro ou em outra parte, quanto ouve esse toque vespertino deve retirar-se em seguida a ndo ser que tenha ordem especial de deter-se por mais tempo. 93 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 13 Aclausura Jé que deixamos 0 mundo para sempre a fim de assistir ineessantemente ante a Divina Majestade, conscientes das exigéncias de nosso estado, sentimos horror por sair e percorrer lugares e cidades. Mas de nada serviria um rigor to grande na clausura, se ndo tendéssemos por ela A pureza de corago a qual somente se promete a visio de Deus. Para conseguicla, requer-se uma grande abnegagio, sobretudo da natural curiosidade que o homem sente por tudo o humano, Nao devemos permitir que nosso espirito se derrame pelo mundo, andando & busca de noticias e rumores, Pelo contrério, nossa parte & permanecer ‘ocultos no segredo do rosto do Senhor. Quando é enviado um irméo a um lugar préximo, ndo aceita comida nem bebida de ninguém, nem alojamento, sem um mandato especial, ou obrigado por alguma necessidade inevitavel ¢ imprevista. © Porteiro seja amAvel com todos, religiosamente educado, e abstenha-se por completo do muito falar ; assim edificara aos leigos com o bom exemplo. Quando tenha que receber ou com mansidéo despedir a alguém, faga-o com palavras atenciosas, mas muito breves. E © mesmo se manda praticar a quem faz, suas vezes. Recordemos assim mesmo que os leigos ndo esperam do cartuxo que Ihes fale de vos rumores ou de politica ; por isso, evitando todo tema profano ou frivolo, escrevamos sempre na presenga de Deus, em O precioso carisma do celibato é um dom divino que libera nosso coragdo de maneira excepcional € nos impulsiona a cada um, cativado por Cristo a entregar-se totalmente por Ele. Esta graga no deixa lugar nem a estreiteza de corago nem ao egoismo, sendo que, em resposta ao amor inefavel que Cristo nos manifestou, deve dilatar nosso amor de tal maneira que um convite irresistivel inflame a alma a sacrificar-se sempre mais plenamente. Seja, pois, o alma do monge, na soliddo, como um lago tranquilo, cujas 4guas brotam do fundo mais puro do Espirito; nenhum ruido vindo de fora as perturba e, como limpido espelho, sé refletem a imagem de Cristo. 94 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 14 O siléncio Deus conduziu a seu servo solidao para falar-lhe ao coragdo ; mas s6 o que escuta em siléncio percebe o sussurro da suave brisa que manifesta ao Senhor. Ainda que ao principio nos resulte no duro calar, gradualmente, se somos figis, nosso mesmo siléncio ira criando em nés uma atrago para um siléncio cada vez maior. Por isso, no thes est permitido aos irmaos falar indistinfamente 0 que queiram, com quem queiram ou © tempo que queiram. No entanto , podem falar do que seja util para seu trabalho, mas em poucas palavras ¢ baixinho. Além do que corresponde a utilidade do trabalho, sé podem falar com licenga, tanto com os monges como com os estranhos. Como a guarda do siléneio é de suma importéncia na vida dos irmaos 6 preciso que guardem cuidadosamente esta regra. Nos casos duvidosos no previstos pela lei, fica 4 diserigdo de cada qual 0 julgar se Ihe esta permitido falar e quanto, segundo sua conscigncia e a necessidade, ‘A devosao ao Espirito que habita em nds ¢ a caridade fratema pedem que os irmios contem ‘mega suas palavras quando Ihes esta permitido falar, de erer que um coléquio longo e inutilmente prolongado contrista mais ao Espirito Santo e dissipa mais do que poucas palavras, inclusive ilicitas, mas em seguida interrompidas. Frequentemente, a conversa que comega sendo itil, degenera cedo em inutil, para terminar sendo censuravel. Os Domingos ¢ Solenidades, ¢ também os dias dedicados especialmente ao retiro, guardam com mais cuidado 0 siléneio ¢ a cela, Todos os dias, desde 0 toque vespertino do Angelus até Prima, deve reinar em toda a Casa um siléncio perfeito, que ndo podemos quebrantar sem verdadeira ¢ urgente necessidade. Porque este tempo da noite, segundo os exemplos da Escritura e o sentir dos antigos monges, favorece de um modo especial o recolhimento e o encontro com Deus. ‘Nao se permitam também ndo os irmdos dirigir a palavra sem permisso as pessoas de fora que chegam, nem conversar com eles ; unicamente se lhes permite devolver a saudagdo aos que encontrem a0 asso ou se Ihes acerquem, e responder brevemente ao que Ihes perguntem, escusando-se com que ndo tém permissdo para falar mais. ‘A guarda do silencio e o recolhimento interior requerem uma especial vigildncia de parte dos irmaos, que tém tantas ocasides de falar. Nao poderdo ser perfeitos neste ponto, se ndo tentam atenciosamente andar na presenga de Deus. 95 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 15 O trabalho Os irmaos se dedicam ao trabalho nas horas assinaladas, a fim de que, providenciando as necessidades da Casa mediante seu trabalho com Jesus, o filho do Carpinteiro, orientem toda a criagdo a gloria de Deus, e glorifiquem ao Pai ao mesmo tempo que associam ao homem todo inteiro & obra da Redengdo. No suor e na fadiga do trabalho acham, efetivamente, uma particula da cruz de Cristo, por onde, 4 luz de sua Ressurreigdo, fazem-se participes dos novos céus e da nova terra, Segundo a antiga tradigao monistica, o trabalho ¢ um meio muito eficaz de progresso para a caridade perfeita pela pratica das virtudes Pelo equilibrio que estabelece entre o homem interior € 0 exterior, o trabalho ajuda também ao irmao a sacar mais fruto da solidao. Nas obediéneias, ¢ em tudo que tém a seu cargo, os irmaos seguem as disposigdes do Prior e do Procurador, aproveitando seus dotes naturais ¢ os dons da graga no desempenho dos cargos que se Thes encomendem. Assim, pela obedigncia, aumenta-se a liberdade de filhos de Deus, e com esta submissio voluntaria contribuem a edificagao do Corpo de Cristo segundo o plano divino. © Procurador com respeito aos irmaos, bem como o Encarregado de obediéneia com respeito a seus ajudantes, exergam sua autoridade com espirito de servigo, de sorte que manifestem a caridade com que Deus os amou. Confiram-nos e escutem-nos gostosos, salva, com tudo, sua autoridade para decidir € ordenar 0 que tenha que fazer. Assim todos cooperam no cumprimento do dever com uma obediéncia ativa e cheia de amor. Unidos a Cristo Jesus, que sendo rico se fez pobre por nés, os irmaos trabalham sempre com espitito de pobreza. Evitam, em especial tudo esbanja, ¢ vigiam para que as ferramentas ndo se estraguem. Péem, igualmente, sumo cuidado em conservar em bom estado seus instrumentos, e, sobretudo, as maquinas. © Enfermeiro e também o Cozinheiro, e os que tenham que atender as necessidades especiais dos enfermos, rodeiem de amor aos afligidos pela doenga ; mais ainda, reconhecam neles a imagem de Cristo paciente, e alegrem-se de poder servir e aliviar a Cristo nos enfermos. A vida do irmao, em primeiro lugar, ordena-se a que unido a Cristo permanega em seu amor. Assim, mediante a graga da vocagao aplique-se de todo coragdo a ter a Deus sempre presente, j4 na soliddo da cela, j4 também em seus trabalhos, 96 ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis’ Capitulo 17 Ono Quem, ardendo em amor divino, deseja abandonar o mundo ¢ captar as coisas ctemas, quando chegam a nés recebamo-los com o mesmo espirito. E, pois, muito conveniente que os novigos encontrem: nas Casas onde tém de ser formados, um verdadeiro exemplo de observancia regular e de piedade, de guarda da cela e do siléncio, ¢ também de caridade fraterna. Se chegasse a fallar isto, mal se poderd esperar que perseverem em nosso modo de vida. ‘Aos que se apresentem como candidatos, se os tem de examinar atenciosa ¢ prudentemente, segundo 0 aviso do apéstolo Sdo Joao : Examinai se os espfritos vem de Deus. Porque & realmente verdadeiro que da boa ou ma admissio e formagao dos novigos depende principalmente a prosperidade ou decadéneia da Ordem, tanto na qualidade como no niimero das pessoas. Por isso, os Priores devem informar-se com prudéncia sobre sua familia, sua vida passada e suas qualidades de alma e corpo ; pela mesma razo, convird conferir a médicos prudentes que conhesam bem nosso género de vida, Efetivamente, entre as dotes pelas que os candidatos a vida solitéria devem ser estimados, tem de contar-se sobretudo um juizo equilibrado ¢ sao. Nao acostumamos receber novigos antes de que tenham comecado os vinte anos ; inclusive entre ‘os que pega ser admitidos, recebam-se to s6 aqueles que, a juizo do Prior e da maioria da Comunidade, tenham suficiente piedade, maturidade e forgas corporais para levar os énus da Ordem ; ¢ sejam o bastante aptos, sem duivida para a soliddo, mas também para a vida comum. Mas convém que sejamos mais circunspetos na recepgdo das pessoas de idade madura, j4 que se acostumam mais dificilmente 4s observancias e nossa forma de vida ; por isso, ndo queremos que se receba aspirante algum ao estado de converso passados os quarenta e cinco anos, sem licenga expressa do Capitulo Geral ou do Reverendo Pai, Tal licenga se requer também para admitir ao noviciado a um religioso paquerado o vinculo da Profissio em outro Instituto, e se se trata de um professo de votos perpétuos, 0 Reverendo Pai precisa do consentimento do Conselho Geral, Para admitir a alguém unido anteriormente com votos a um Instituto religioso se nos aconselha ouvir antes a0 Reverendo Pai. Quando se nos apresenta algum pedindo ser irmao nosso, é necessario que ndo padega nenhum impedimento legitimo, que vinga movido por reta intenso, e que seja apto para levar os énus da Ordem Razdo pela qual seja interrogado devidamente sobretudo aquilo cujo conhecimento parega necessario ou oportuno para formar um juizo reto a respeito de sua admissao. Cumprido isto, expde-se ao candidato o fim de nossa vida, a gléria que esperamos dar a Deus por nossa unido com sua obra redentora, e que bom e goz0s0 é deixé-lo tudo para aderir-se a Cristo. Também se Ihe propde o duro e dspero, fazendo-lhe ver, quanto seja possivel, todo o modo de vida que deseja abragar. Se ante isto segue decidido, oferecendo-se com sumo gosto a seguir um caminho duro, fiado nas palavras do Senhor, e desejando morrer com Cristo para viver com Ele, por fim se The aconselha que, conforme ao Evangelho, se reconcilie com aqueles que tiverem alguma coisa contra ele. Depois de conviver uns dias conosco, se ao Prior Ihe consta que pode ser recebido o aspirante, recebera 0 manto dos postulantes de maos do Maestro de novigos. Exercitar-se-4 em diversos trabalhos e obediéncias, e assistird ao Oficio divino, para que se acostume quanto antes & nova vida. Antes de que comece 0 noviciado, seja provado na Casa ao menos durante trés meses ¢ ndo mais de um ano, 97 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Se o postulante fosse achado humilde, obediente, casto, fiel, piedoso, equilibrado, apto para a solidio e diligente no trabalho pode ser apresentado & Comunidade, inclufdos os doados perpétuos. Apresentagdo que fazem o Vigério, 0 Procurador ¢ 0 Maestro, quem clara ¢ exatamente poem de manifesto as dotes ¢ defeitos do postulante. E se toda a Comunidade, ou a maior parte, julga que pode ser admitido, corresponde ao Prior associd-lo & Ordem com a tomada do habito monacal, tendo feito antes a0 menos quatro dias de retiro, O novicio, ja que se propée deixar todas as coisas para seguir a Cristo, entregue integralmente ao Prior o dinheiro ¢ as demais coisas que talvez trouxe consigo, a fim de que sejam guardadas no por ele mesmo, sendo pelo Prior ou por quem este designar. Por nossa parte, no exigimos nem pedimos absolutamente nada aos que querem entrar em nossa Ordem ou aos novigos. © noviciado fato para monges leigos nao vale para monges do claustro, nem vice-versa. © noviciado se prolonga durante dois anos ; tempo que o Prior pode prorrogar, mas no mais de seis meses. O candidato, ao menos antes de comecar o segundo ano, eleja entre a vida dos conversos ¢ a dos doados, espontaneamente e com toda liberdade. © candidato que passa com votos perpétuos de outra Religido & nossa uma vez cumprido o postulantado como dissemos antes, se fosse apto, & admitido ao noviciado dos conversos, no qual permanece cinco anos antes de ser admitido a Profissdo solene. Para sua admissdo ao noviciado faga-se igualmente depois de passados dois anos, e depois, depois de outros dois, e finalmente antes da Profissio solene. Se algum, j4 no segundo ano do noviciado dos doados, ou depois de feita a Doagdo, fosse passar ao estado dos conversos, ao Prior corresponde determinar 0 ordem de toda a provagao, de modo que esta dure a0 menos sete anos e trés meses, e se observem as normas do Direito. O mesmo se faz quando um converso novigo ou professo de votos temporirios passa ao estado de doado. Nao se deixe aplanar o novicio pelas tentagdes que costumam espreitar aos seguidores de Cristo no deserto ; nem confie em suas proprias forgas, sendo mais bem espere no Senhor, que deu a vocagio € levard a termo a obra comegada. 98 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 18 A Profissio Morto ao pecado e consagrado a Deus pelo batismo, 0 monge pela Profissdo se consagra mais plenamente ao Pai e se desembaraga do mundo, para poder tender mais retamente para a perfeita caridade Unido ao Senhor mediante um compromisso firme ¢ estvel, participa do mistério da Igreja unida a Cristo com vinculo indissolivel, e da depoimento ante o mundo da nova vida adquirida pela Redengdo de Cristo. Findo laudavelmente 0 noviciado, 0 novigo converso se apresenta ao Convento. Prostrado em Capitulo pede misericérdia e suplica por amor de Deus ser admitido a primeira Profissio em habito dos professos, como 0 mais humilde servidor de todos. Depois de ter feito pelo menos oito dias de retiro espiritual, o dia estabelecido, o irmio renovara sua peti¢do ante o Convento. Entio o Prior o admoestard sobre a estabilidade, a obediéneia, a converstio de costumes ¢ restantes coisas necessérias ao estado de conversos. Depois, emitira na igreja a Profissdo por trés anos. Tem-se de tentar absolutamente que o irmao, ao emitir seus votos, proceda com maturidade de juizo, e nao se comprometa sendo com plena liberdade. Decotrido 0 trignio, ao Prior corresponde, depois do voto da Comunidade admitit ao jovem professo a renovagao da Profissiio temporaria por dois anos. © Prior admite aos professos tempordrios & Profissio solene depois do sufagio dos monges professos de votos solenes, e com a anuéncia do Reverendo Pai. Também para esta Profissdo deverd fazer © irmao duas vezes sua peticéio em Capitulo, como se disse ao falar da Profisstio temporaria. Porque o discipulo que segue a Cristo deve renunciar a tudo e a si mesmo, o futuro professo, antes da Profissdo solene, renuncie a todos os bens que tenha em ato ; pode também, se quer, dispor dos bens aos que tenha direito, Nenhuma pessoa da Ordem pega nada em absoluto de suas coisas a0 professo temporal, nem sequer com fins piedosos, nem para dar esmola a quem seja, sendo que ele disponha livremente de seus bens segundo ele decida. O dia assinalado, o que vai professar emite a Profissdio na Missa conventual, depois do Evangelho ou o Credo, Entao, realmente, a entrega de si mesmo que pretende fazer com Cristo, através do Prior & aceitada e consagrada por Deus. que vai professar escreva por si mesmo em lingua vernicula a Profisstio nesta forma e com estas palavras: Eu, frei N., prometo... obediéncia, conversdo de meus costumes e perseveranca neste ermo, diante de Deus e dos seus Santos e das reliquias deste ermo, construido em honra de Deus e da bem- aventurada sempre Virgem Maria e de Sao Jodo Batista, na presenca de Dom N., Prior.. Se se trata da Profissdo temporitia, adicionem-se depois de "prometo", as palavras que limitem 0 tempo; se da Profissio solene, diga-se "perpétua” E de saber que todos nossos ermos esto dedicados, em primeiro lugar, 4 bem-aventurada sempre Virgem Maria e a $40 Jodo Batista, nossos principais patronos no eéu. Todas as cédulas de Profissées, assinadas pelo Professo e pelo Prior que recebeu os votos, e com indicagio da data, se guardardo no arquivo da Casa. 99 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Todos os religiosos de nossa Ordem permanecem daqui por diante professos da Casa onde, uma vex findo 0 noviciado, fizeram a primeira Profissio, ainda que sejam transladados a outras Casas e fagam ali sua Profissao solene. Desde 0 momento de sua Profissdo, saiba o irm&o que ndo pode ter coisa alguma sem licenga do Prior, nem ainda a bengala em que se apoia quando caminha, j4 que ja nfo ¢ dono nem de si mesmo. Dado que todos os que determinaram viver regularmente tém de praticar com grande zelo a obediéncia, nés o faremos com tanta maior entrega e fervor, quanto mais estrita e austera € a vocagfo que abragamos ; pois se, 0 que Deus nao permita, esta obediéneia faltar, tantos trabalhos careceriam de mérito De aqui que Samuel diga: Melhor é obedecer do que sacrificar, e melhor a docilidade do que a gordura dos carneiros. 100 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 19 A Doagao Na Casa de Deus ha muitas mansGes : entre nés hi monges do claustro e conversos, hd também doados que, tendo abandonado igualmente © mundo, procuraram a solidio da Cartuxa a fim de consagrar toda sua vida a Deus, aplicando-se & oragdo ¢ ao trabalho ao amparo da clausura. Pois nfo poucas vezes os homens mais virtuosos preferiram viver € morrer no estado de doados, para desfrutar, agregados aos filhos de Sio Bruno, de sua santa herang Findo laudavelmente o noviciado, o novicio doado ¢ admitido pelo Prior a fazer a Doagdo temporsria, depois da votago dos professos de votos solenes, e assim mesmo dos doados perpétuos. dia da Doagao temporéria ou perpétua, o futuro doado, tendo feito ao menos quatro dias de retiro, leré sua Doagdo, escrita em lingua verndcula, ante toda a Comunidade, antes de Vésperas, sob esta forma & com estas palavras: Eu, irmao N., por amor de nosso Senhor Jesus Cristo e pela salvagao de minha alma, obrigo-me a servir a Deus fielmente como Donato, observando a obediéncia e castidade, sem nada ter como proprio, para a edificagao da Igreja. Por isso eu me entrego... a esta Casa, em compromisso reciproco, para a servir em todo 0 tempo, submetendo-me a disciplina da Ordem, segundo as normas dos Estatutos Depois da expresso “me entrego”, adicione-se “por trés anos”, se a Doagdo & temporitia; ¢ se se prorroga, indique-se 0 tempo de prorrogagdo; mas se a Doagdo € perpétua, diga-se “perpetuamente” Ainda que o doado viva em pobreza, conserva a propriedade e a disposigdo de seus bens. Mas antes do tempo da Doagdo perpétua, ninguém aliene nem permita que seja alienado nenhum de seus bens, ainda que 0 queira o mesmo doado. Desde este momento, 0 doado fica constituido em pessoa da Ordem e incorporado a ela, podendo os Superiores, em caso de necessidade, transladé-lo a qualquer de nossas Casas. No entanto, niio pode ser expulsado da Ordem, a nao ser que faltasse gravemente a alguma de suas obrigagdes, em cujo caso poder’ 0 Prior, com 0 consentimento de seu Conselho, anular sua Doagdo, Mas quando se anula um contrato de Doagao, ambas as partes, a saber, o Prior em nome da Comunidade, e 0 mesmo doado, assinem um instrumento que dé f& desta rescisi Terminado 0 trignio, ao Prior corresponde, depois da votagdo da Comunidade, inclufdos os Doados perpétuos, admitir ao doado & renovago temporaria por dois anos. O tempo da Doagio temporaria pode prorrogé-lo o Prior, mas no mais de um ano. Decorrido o tempo de provagdo, ao Prior corresponde, depois da votago da Comunidade, incluidos os Doados perpétuos, admitir ao irmao ou A Doagao perpétua, ou ao regime no que a Doagao se renova cada trés anos ; renovagdes para as quais nfo se repete a votagdo. Para a Doagdo perpétua se requer ademais 0 consentimento do Reverendo Pai Os doados so monges dotados de costumes priprios quanto ao Oficio divino ¢ as demais observancias. Estes costumes se podem adaptar as necessidades de cada um, de maneira que The permitam viver, segundo seu caminho pessoal, nossa vocagdo de unido com Deus na solidao eo siléncio. Esta ordenada liberdade nao a tomardo como uma concessio a sensualidade, sendo em servigo da caridade. Entregam-se, por tanto, a0 setvigo do Senhor de diferente maneira que os conversos, mas sua oferenda a Deus ndo ¢ menos verdadeira, nem menos ardente seu desejo de santidade. Prestam, assim mesmo, uma ajuda muito titil Casa, encarregando-se as vezes de trabalhos que aos conversos Ihes dificultariam a guarda de suas observancias. 101 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 20 A formacio dos irmaos Os itmaos principiantes estdo sujeitos a diregdo do Maestro de novigos, que sempre ser um Pai ordenado de sacerdote, Que seja, ademais, vario sobressalente em religiosidade, quietude, silencio, juizo e prudéncia, que arda em auténtica caridade e irradie amor de nossa vocagao, que compreenda também a diversidade de espiritos, tenha uma mentalidade aberta as necessidades dos jovens, Sob sua tutela permanecem os conversos até sua Profissio solene, e os doados até sua Doagdo perpétua ou até que comecem 0 regime no que se renova a Doago cada trés anos, © Maestro instrua a seus alunos a fim de que a vida de oragdo, enraizada na fé e na caridade, saquem-na da genuina fonte da palavra de Deus, ¢ a adaptem as obrigagdes proprias de seu estado, como sto a solidio, o siléncio, a liturgia e o trabalho. Promove, também, 0 entendimento e o amor de nossos Estatutos bem como das tradigées da Ordem Se preocupard de que o amor dos alunos a Cristo ¢ Igreja vd em aumento de dia em dia. Uma vez por semana atende a formagio em comum de seus discipulos, tendo uma conferéneia de ao menos meia hora de durago, na que os instrua, sobretudo, a respeito do espirito e as observancias de nosso propésito. AOS novigos se Ihes concede mais tempo de cela, para que possam aplicar-se melhor a sua formagdo espiritual. Visitando aos calouros ¢ conversando singelamente com eles em particular 0 Maestro observa suas disposiges espirituais e Ihes dé conselhos acomodados a suas necessidades especiais, para que cada uum possa atingir a perfeigio de sua vocag © Procurador, que por razdo de seu cargo trata diatiamente com os irmaos, os moverd mais eficazmente a virtude e a oragdo com o exemplo de virtude e de vida de oragdo do que ele mesmo pratique ; porque a ciéncia divina se comunica melhor vivendo-a que explicando-a. Cuide-se ja desde o tempo de formagdo de no carregar aos irmdos com excessivos exercicios comuns ou observancias alheias a nossa Ordem ; vigie-se mais bem para do que sejam iniciados na vida de oragdo e no verdadeiro espirito monistico, ‘Ao Prior © a0 Maestro de novigos pertence o julgar, segundo sua prudéncia e diserigdo, da idoneidade dos candidatos ou dos irméos jovens para seguir o género de vida da Ordem, Para que um seja carluxo néo sé de nome, sendo real e verdadeiramente, nao basta querer ; requet-se ademais, junto com 0 amor & solidao ¢ a nossa vida, certa aptiddo especial de alma e corpo. Receber a algum ou reté-lo longo tempo, quando consta que Ihe faltam as dotes necessarias, € uma falsa e quase cruel compaixao. Esteja muito em guarda o Maestro para que o novicio se decida em sua vocago com plena liberdade, ¢ ndo 0 compila em modo algum para que faga a Doagdo ou a Profissdo. Quatro vezes ao ano dé conta, ante 0 Prior ¢ © Conselho, do estado dos novigos doados e dos novigos conversos ; responda também as perguntas que se Ihe fayam sobre os demais membros do Os imaos principiantes tenham livre acesso ao Maestro de novigos e possam tratar sempre com ele, mas espontaneamente © sem coagdo alguma, Exortamo-los a que exponham com singeleza ¢ confianga suas dificuldades ao Maestro, aceitando-o como eleito pela divina Providéncia para dirigi-los e ajudé-los. Igualmente, todos os irmaos podem ir livremente ao Prior, quem, como pai comum, os receberd benignamente ¢ os visitaré algumas vezes em suas celas, mostrando 0 mesmo interesse por todos, sem 102 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” acepgo de pessoas. Os irmios mais antigos, em especial os Encarregados de obediéncia, contribuem eficazmente a formago dos mais jovens com quem trabalham, se Ihes dio exemplo de observaneia regular e praticam as virtudes e a oraglo no viver de cada dia, No entanto, abstenham-se ou pouco menos de ter conversas, ainda sobre temas espirituais, pois nao devem misturar-se em coisas relativas Para que a vida espiritual dos irmaos se sustente numa sélida base, se Ihes dara aos jovens irmaos, desde 0 comeco de sua vida mondstica, uma formagdo doutrinal, a qual se reservar cada dia verdadeiro tempo. Tal formagdo tende a que o irmao se inicie nas riquezas latentes na Palavra de Deus e Ihe permita adquirir uma percepgiio pessoal dos mistérios de nossa fé, ao mesmo tempo que vai aprendendo a sacar fruto da meditagio em livros sélidos. O cargo de dar dita instrugdo corresponde ao Prior, a0 Maestro e a0 Procurador, quem fardo de comum acordo, segundo as prescrigdes do Capitulo Geral. A formagao espiritual e doutrinal dos irmaos tem de ir-se completando durante toda a vida. Na consecugdo deste fim ajudam ao Procurador os padres designados pelo Prior, dando cada domingo uma conferéncia aos irmaos. Desde Todos os Santos até Péscoa, nesta conferéncia se explicam os Estatutos, € se leem os capitulos que é costume ler todos os anos na Comunidade dos irmaos ; esta conferéncia, pela que sio também instruidos sobre as observancias da Ordem, se encomendaré preferencialmente a0 Procurador. Desde Pascoa até a festa de Todos os Santos, tal formagdo versard sobre doutrina cristd, vida espiritual, e ademais sobre Sagrada Escritura e Liturgia, segundo as normas que estabelecerd o Prior ; este ensino seja profundo e, ao mesmo tempo, adaptada capacidade dos irmios. Estas duas classes de instrugdo, se parece oportuno, podemese distribuir de outro modo, com a condigdo que ndo se diminua 0 tempo dedicado a cada uma. Assim, os irmaos aprenderdo a sublime ciéncia de Jesus Cristo, se se dispéem a recebé-la com uma vida de oragdo silenciosa, oculta com Cristo em Deus. Esta é a vida eterna, que conhegamos ao Pai e a seu enviado, Jesus Cristo. 103 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Livro 3 Capitulo 21 A celebragao cotidiana da Liturgia Depois de ter deserito a vida do monge & escuta de Deus na cela ou no trabalho, vamos tratar agora, com a ajuda do Senhor, da Comunidade. A graga do Espirito Santo congrega aos solitarios para formar uma comunhdo no amor, a imagem da Igreja que & uma ¢ se estende por todas as partes. Quando nosso Pai Sdo Bruno penetrou no deserto com seis colegas, seguia as impressées dos antigos monges, consagrados totalmente ao silencio e a pobreza de espirito. Com tudo, esta graga propria de nossos primeiros Padres consistiu em introduzir naquela vida a Liturgia cotidiana, que, conservando a forga da instituigo eremitica, associasse-a mais expressamente ao cntico de louvor do que o Sumo Sacerdote, Cristo, transmitiu a sua Igreja. Esta peculiar Liturgia a conservamos como mais conforme & vida contemplativa e solitaria Ao modo da sinaxis dos antigos monges, em nossa Liturgia ocupam o lugar mais eminente as vigilias da noite, seguidas imediatamente de Laudes, a Eucaristia celebrada conventualmente, ¢ também as Vésperas, Para estes oficios nos reunimos na igreja. Quando nos congregamos para a Eucaristia, em Cristo presente ¢ orante se consuma a unidade da familia cartusiana, Esta comemoragio do sacrificio do Senhor retine cada dia a todos os monges do claustro e aos monges leigos que o desejem. No entanto, nos dias que se ajustam mais 4 vida comunitéria, os monges podem concelebrar, unidos num mesmo sacerdécio. notuma é aquela na que, perseverando nas sentinelas divinas, esperamos a volta do Senhor, para que, quando chame, abramos-Ihe ao instante, As Vésperas se celebram ao tempo em que 0 dia declina e convida as almas ao sabado espiritual ‘As demais Horas candnicas da Liturgia as recitamos, segundo costume, na cela, Os Domingos ¢ Solenidades, Terga, Sexta e Nona as cantamos no coro. A Liturgia celebrada no segredo da cela se adapta a vida solitaria, que é liberdade do alma, de tal maneira que possa harmonizar o mais possivel com a inelinagdo do coragio, ainda quando seja sempre um ato de nossa vida comunitdria. Ao toque de sino, orando todos ao mesmo tempo, obtém como resultado que toda a Casa seja um louvor da gloria de Deus. Enquanto celebram o Oficio divino, os monges se fazem voz ¢ coragdo da mesma Igreja, que por meio deles oferece a Deus Pai, em Cristo culto de adoracdo, louvor e siplica, e pede humildemente perdio pelos pecados. Cargo de suma importincia, que desempenham os monges, certamente através de toda sua vida, mas mais expressa e publicamente por meio da sagrada Liturgia. Sendo ocupago do monge meditar assiduamente as Sagradas Escrituras, até que se convertam em 104 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” algo proprio a pessoa, quando se nos apresentam pela Igreja na Sagrada Liturgia, acolhemo-las como pao de Cristo. ‘A Liturgia conventual se canta sempre. Nosso canto gregoriano, o qual sabemos que fomenta a lade e a sobriedade do espirito, é parte tradicional e sélida do patriménio da Ordem. Os monges do claustto estio obrigados ao Oficio divino segundo o descrevem nossos livros litdrgicos. A participagdo dos monges leigos na Liturgia pode realizar-se de vérios modos ; em qualquer caso, participam na oragdo publica da Igreja. ‘Além do Oficio divino, nossos Padres nos transmitiram © Oficio da bem-aventurada Virgem Maria, cada uma de cujas Horas costuma preceder & Hora correspondente do Oficio divino. Com esas preces se celebra a perene novidade do mistério pelo qual a bem-aventurada Virgem engendra espiritualmente a Cristo em nossos coragdes Jé que o Senhor nos chamou para que representemos ante Ele a toda criatura, & necessério que intercedamos por todos : por nossos irmaos, familiares e benfeitores, e por todos os vivos e defuntos. Frequentemente celebramos a Liturgia da reconciliagio, perpétua Péscoa do Senhor, pela que nos renova a nés, pecadores, que procuramos seu rosto. Efetivamente, nossa vida espiritual depende da assidua diligente e pessoal pratica do Sacramento da Peniténcia. Porque nossa vocagdo consiste em estar sem interrupso em vela cerca de Deus, toda nossa vida se converte numa espécie de Liturgia que em certos tempos se faz. mais patente, jé seja que oferegamos oragdes em nome e segundo os ritos da Igreja, ou bem que sigamos os impulsos do proprio coragdo. Mas nao nos dividimos por esta diversidade, ja que sempre exerce em nés sua sacerdécio © mesmo Senhor, orando no mesmo Espirito ao Pai 105 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 22 Avida comum Quando nas celas ou nas obediéncias praticamos a vida solitéria, 0 coragdo se inflama e se alimenta com o fogo da divina caridade, que é vinculo de perfeigdo, e nos constitui membros de um mesmo corpo. Este amor miituo que nos temos, podemos manifesti-lo prazenteiramente com palavras ¢ obras, ou abnegando-nos por nossos itmaos, quando nos reunimos nas horas assinaladas pelos Estatutos. A sagrada Liturgia € a parte mais digna da vida comum, como queira que fundamenta a maxima unio entre nds, quando, diariamente unidos, de tal maneira participamos nela que podamos estar concordes em presenga de Deus. © Capitulo da Casa € um lugar particularmente digno ; nele fomos recebidos um dia cada um como o mais humilde servidor de todos ; nele reconhecemos ante nossos immios as faltas cometidas depois ; ali escutamos a leitura sagrada, e ali também deliberamos sobre questdes que afetam ao bem comum. Em algumas Solenidades nos reunimos todos no Capitulo para ouvir o sermo pronunciado pelo Prior ou por outro a quem ele tenha encarregado. Nos Domingos ¢ Solenidades excetuadas as Solenidades de Natal do Senhor, Pascoa e Pentecostes, e todas as que na Quaresma ocorrem entre semana depois de Nona vamos ao Capitulo para atender & leitura do Evangelho ou dos Fstatutos. Cada duas semanas ou uma vez ao més, segundo 0 costume das Casas, reconhecemos ali publicamente as faltas. Cada um pode confessar as faltas cometidas contra os irmdos, contra os Estatutos, ou também contra as obrigagdes gerais de nossa observancia, E porque ndo se guarda a solidao do coragdo sendo pela protegao do siléncio, quem o tenha quebrantado reconhecera sempre sua falta, e sofrerd alguma peniténcia piiblica, segundo costume. Depois da acusagio, © Prior poder oportunamente fazer corregdes. Os irmaos se retinem os Domingos no Capitulo ou em outro lugar, a uma hora apropriada, e ali Ihes leem e explicam os Estatutos, ou um pai encarregado pelo Prior os forma na doutrina crist. Ali mesmo reconhecem suas culpas, a ndo ser que tenham assistido ao Capitulo juntamente com os padres. A juizo do Prior, os monges se reinem no Capitulo sempre que tenha que deliberar sobre um assunto, ou que o Prior pega o parecer da Comunidade. Comemos juntos no refeitério os Domingos ¢ Solenidades; nestes dias nos reunimos mais com frequéncia dando lugar as expansées da vida de familia. O refeitério, ao que entramos depois de um Oficio na igreja, recorda-nos o Jantar que Cristo consagrou ; abengoa as mesas o sacerdote que celebrou a Missa conventual ; e enquanto se nos serve o alimento corporal, nutrimo-nos da leitura divina. Aos padres se Ihes concede uma recreagdo comum depois do Capitulo de Nona; aos irmios, a juizo do Prior, em qualquer solenidade, para quem o queiram, Uma vez ao més ha um coléquio para todos 0s irmaos ; este dia, a vontade do Prior, padres e irmdos podem ter uma recreagdo comum, & que também podem assistir os novigos e professos temporarios. Nas recreagdes recordemos 0 conselho do Apéstolo: Alegrai-vos, tende wm mesmo sentir, vivei em paz, ¢ 0 Deus do amor e da paz estard convosco. Como a recreagao & uma reunido de Comunidade, 106 Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis’ evitemos ficar-nos aparte ou falar fora do lugar onde esto todos reunidos, a no ser umas poucas palavras. Jé que, como diz Sao Bruno, 0 animo pusilinime, cansado pela estreita disciplina e os affs espirituais, muitas vezes se alivia e toma alento com a amenidade do deserto e a beleza do campo, os padres tém um espaciamiento (passeio) cada semana, excetuada a Semana Santa, Por sua vez, os irmios tém um espaciamiento ao més, a gosto de cada um, quem, no entanto, deverdo tomar parte nele ao menos trés ou quatro vezes ao ano. Neste espaciamiento, padres e irmaos, a juizo do Prior, podem passear juntos. Segundo antigo costume da Ordem, uma vez ao ano se concede um grande espaciamiento, que padres ¢ irmaos, novigos e jovens professos podem fazer juntos, se o Prior o vé oportuno. Nesse dia esta permitido sair dos limites do espaciamiento aprovados pelo Capitulo Geral, e podemos levar um pouco de comida para tomar nele. Mas ainda neste caso se tem de guardar a frugalidade cartusiana, e comer longe dos estranhos, Ademais, o Prior pode conceder outro semelhante, mas sem que se virgula nele, Nossos espaciamientos sejam tais que favoregam a unido dos espiritos e seu saudavel aproveitamento. Por isso, seguindo todos 0 mesmo caminho, passeiem juntos para que todos possam falar alternativamente uns com outros, a ndo ser que, por alguma causa razoavel, pareca melhor formar duas ou trés grupos. E se tém que atravessar necessariamente pelos povos vizinhos, se contentardo com passar singelamente ¢ com toda modéstia, sem entrar nunca em casas de seculares. Nao falem com os estranhos, nem thes deem nada. Também no comam nos passeios, nem bebam outra coisa que égua natural das fontes que encontrem no caminho, Estas recreagdes foram estabelecidas para fomentar 0 amor miituo ¢ dar um alivio a solidao. Evitemos a loquacidade e as vozes e risos descompostos ; sejam nossas conversas religiosas, nao vas nem mundanas, evitando cuidadosamente toda sombra de detrago ou murmurago, Quando no estejamos de acordo com outro, saibamos escuté-lo, tentando compreender sua mentalidade, a fim de que tudo sirva para estreitar mais o vinculo da caridade. Trés vezes ao ano, os padres fazem obras comuns, a vontade do Prior, que também poder omiti- las. Entre Nona e Vésperas se faz.o trabalho em comum, guardando siléncio. Estes trabalhos podem durar trés dias. Além das ajudas que se prestem ao Sacristio, o Prior pode encarregar algum trabalho que alivie aos irmdos; e assim os padres se alegrardo de ter uma ocasido de participar nas tarefas dos irmaos. semana na que se fazem obras comuns, a qualquer pai Ihe é licito ndo assistir ao espaciamiento. Uma vez ao més, os padres que queiram podem, com a aprovagio do Prior, dedicar 0 tempo do passeio a algum trabalho a modo de obras comuns, com licenga para falar entre eles. 107 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Capitulo 23 oP A eleigao do Prior Toda Casa da Ordem onde estio presentes ao menos seis professos capazes de eleger, podem cleger a seu Prior. Mas a eleigao deve fazer-se dentro dos quarenta dias ; decorrido esse tempo, provera de novo Prior o Reverendo Pai ou o Capitulo Geral. O ministério do Prior 0 Prior, a exemplo de Cristo, esti entre seus irmaos como quem serve ; rege-os segundo o espirito do Evangelho e segundo a tradigdo da Ordem que ele mesmo recebeu. Se esforga por ser titil a todos com sua palavra e seu exemplo de vida. Sera, em particular para os monges do claustro, dos quais procede, um modelo de quietude contemplativa, estabilidade, solidao e fidelidade As observancias de sua vocacao. ‘Nem seu posto nem seu vestido se diferenciam em nada dos demais por sua dignidade ou luxo, nem também ndo leva nenhum distintivo que o dé a conhecer como Prior. © Prior, que & no mosteiro o pai comum de todos, deve mostrar a mesma solicitagdo pelos irmaos © pelos padres. Os visitaré de vez em quando em suas celas e obediéneias. Se algum vai a sua cela, 0 acolherd com grande caridade, e sempre escutaré com agrado a cada um. Sera tal que seus monges, sobretudo nas provas possam recorrer a ele como ao regago de um pai cheio de bondade e abrir-lhe, se 0 desejam, sua alma livre € espontaneamente, Nao julgando com miras humanas, se esforgara com seus monges por estar 4 escuta do Espirito na busca comum da vontade de Deus, da que, pela missio que recebeu, ¢ intérprete para seus irmaos. © Prior ndo deve, para fazer-se querer, relaxar a disciplina regular, porque isto ndo é guardar as ovelhas, sendo perdé-las. Pelo contrario, governe aos monges como a filhos de Deus, promovendo sua voluntitia sujeig4o, para que na solidao se conformem mais plenamente a Cristo obediente Os monges, por sua vez, amem em Cristo reverenciem a seu Prior, € tributemelhe sempre humilde obediéncia. Confiem nele, que tomou o cuidado de suas almas no Senhor, abandonando toda preocupagdo naquele que se eré faz as vezes de Cristo. Nao se tenham por sibios em sua propria estimagdo, fiados em seu priprio juizo, sendo que, inclinando seu coragdo verdade, escutem os conselhos de seu pai. Aos mais jovens, quando comegam a viver entre os professos solenes, aos conversos recém feitos seus votos solenes, e aos doados que j4 nao esto sob a tutela do Maestro, ndo os deixe o Prior abandonados a si mesmos ¢ ao arbitrio de sua propria vontade, pois a experiéncia ensina que estes anos so os mais perigosos para nossa vocagdo, e que deles depende todo o resto de nossa vida. Ajude-os como pai, ¢ inclusive como irmio, dialogando com eles singelamente em particular. Quanto seja possivel, evite © por aos monges nos cargos mal terminaram os estudos, sobretudo no de Procurador. ‘Vele o Prior para que se tenha normalmente 0 Capitulo dos irmaos. Cuide, ademais, de que uma vez por semana se thes explique a doutrina crista ou os Estatutos. E como este é um dever seu grave, ponha sumo empenho em que os irmios adquiram uma sélida formagdo ¢ se lhes proporcionem livros adequados para isso. 108 < Ordem dos Cartuxos: Textos Selecionados ‘Stat Crux Dum Bolvitur Orbis” Mostre um cuidado especial com os enfermos, tentados ¢ afligidos, sabendo por experiéncia que dura pode resultar-nos as vezes a solidio. Como 0s livros so 0 alimento perene de nossas almas, o Prior facilite-se gostosamente a seus monges. Convém que se nutram prineipalmente da Sagrada Escritura, dos Padres da Igreja e dos bons autores mondsticos. Fomeca-lhes também outros livros sélidos, cuidadosamente selecionados para utilidade de cada qual. Pois na solidao nos dedicamos a leitura ndo para conhecer todas as novas opinides, sendo para alimentar a fé na paz. e favorecer a oragdo. Também pode o Prior, se & preciso, proibir algum livro a seus monge © Prior, para tomar alguma decisdo nas coisas de maior importncia relacionadas com as obediéncias dos Oficiais, apoie-se neles depois de ter trocado opinides e de comum acordo. Eles, por sua vez, submetam-se sempre a suas ordens com animo filial. Aprenda ele a conhecé-los com suas dificuldades, com animo paternal, ajude-os, defenda sua autoridade em presenga de todos, e, se é necessirio, comtigi-los com caridade. Proceda de tal modo que no s6 parega interessar-se pela ordem externa, sendo que, pessoalmente fiel ao Espirito, mostre a todos a caridade de Cristo Porque a paz € conedrdia da Casa depende em grande parte de que os Oficiais estejam unidos com o Prior e de comum acordo, © Prior ndo deve comer em sua Casa com os héspedes desordenada e indiferentemente, sendo somente com as pessoas as que ndo se Ihes pode negar facilmente este atendimento, e ainda entdo, quantas menos vezes, melhor. © Prior que por velhice ou doenga ndo pode reger sua grei nem dar-lhe exemplo de vida regular, reconhega-o humildemente e, sem esperar ao Capitulo Geral, pega a misericérdia ao Reverendo Pai, Exortamos aos Definidores que ndo mantenham no cargo de Prior a pessoas gastadas pela velhi pouca satide, © Prior, cujo cargo requer no pouca abnegago, aplique-se a si mesmo aquelas palavras de Guigo: Nao tens de empenhar-te em que teus fithos, a cujo servigo te pés o Senhor, fagam 0 que tu queres, sendo 0 que thes convém. Deves submeter-te ao seu bem e ndo submeté-los a tua vontade, porque te foram confiados, niio para que te colocares acima deles, mas ao seu servica 109

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