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Azaleia No Sul e Norte
Azaleia No Sul e Norte
Azaléia e o
encontro do sul
com o norte
Descubra o impacto cultural que ocorre quando uma empresa
gaúcha de tradição industrial se instala em uma área rural da
Bahia. Por Grace Kelly Marques Rodrigues, Aline Craide e
João Martins Tude
O
Grace Kelly Marques
Rodrigues, Aline Craide e João tem buscado conceituar ou, ao menos, aproximar-se da essên-
Martins Tude são pesquisadores
da Universidade Federal da cia dessa idéia tão complexa. De modo simplificado, é possível
Bahia na área de administração dizer que, desde seu nascimento em determinado grupo social,
de empresas.
o ser humano fica envolto em um universo de símbolos e sig-
nificações que expressam sua forma de viver, sentir e agir. Esse conjunto
de símbolos –imenso– traduz-se, por sua vez, em valores, hábitos e normas
que orientam seu comportamento naquele grupo social. Isso é cultura, que
também já foi descrita sinteticamente por Benedict como “uma lente atra-
vés da qual o homem vê o mundo”.
Não é difícil desdobrar o raciocínio. Pessoas de culturas diferentes usam
lentes diferentes. E, portanto, suas visões das coisas são desencontradas.
Como elas são propensas a considerar o seu modo de vida como o mais
correto e natural –tendência batizada por alguns autores de “etnocentris-
mo”–, isso pode gerar a ocorrência de numerosos conflitos sociais.
É possível obter experiências altamente positivas a partir do convívio
entre diferentes culturas, é claro, mas também o oposto pode acontecer.
No momento em que culturas distintas, ou antagônicas, se chocam, o re-
Este trabalho, que procura analisar como ocorreu e vem se desenvolvendo o processo de
instalação da fábrica da Calçados Azaléia S.A. na cidade de Itapetinga, no interior baiano,
possui caráter exploratório. As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desen-
volver, esclarecer e modificar idéias e são desenvolvidas com o intuito de proporcionar uma
visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Assim, entrevistas exploratórias
servem para encontrar pistas de reflexão, idéias e hipóteses de trabalho e não para verificar
hipóteses preestabelecidas Como interlocutores válidos, ou testemunhas privilegiadas –pesso-
as que pela sua posição, ação ou responsabilidades têm um bom conhecimento do problema–,
foram escolhidos sete funcionários da Azaléia, entre oriundos de outros estados que migra-
ram para Itapetinga e naturais da cidade baiana. A seguir relacionam-se os cargos ocupados
por eles:
• Entrevistado 1 (E1): Gerente Administrativo e de Recursos Humanos.
• Entrevistada 2 (E2): Coordenadora de Recrutamento, Seleção e Treinamento.
• Entrevistada 3 (E3): Coordenadora de Comunicação e Responsabilidade Social.
• Entrevistada 4 (E4): Coordenadora de Desenvolvimento Organizacional.
• Entrevistada 5 (E5): Coordenadora de Segurança no Trabalho e Meio Ambiente.
• Entrevistado 6 (E6): Auxiliar de Manutenção.
• Entrevistado 7 (E7): Zelador.
assim, por exemplo: ‘a minha mãe morava na roça, na enxada, depois veio
para cá trabalhar como doméstica, faxineira...’ Então aqui o costume é
esse, a pessoa acha que dois anos já é tempo demais, por exemplo: ‘Ah, já
tem muito tempo que eu trabalho aqui... três anos!” (E2).
“[...] Quando começaram os primeiros recrutamentos de funcionários
houve um certo problema em relação ao horário de trabalho característico
do setor industrial. O início do expediente neste ramo de atividade gira
em torno das 5h, mas as pessoas recrutadas relutavam afirmando que nin-
guém se acostumaria a trabalhar nesse horário, e a maioria acabava sempre
perguntando: ‘Olha, precisa mesmo ser nesse horário?’”[...] (E4).
Outro choque ocorreu pelo fato de terem de trabalhar em pé. Ainda
surpreendiam os novos trabalhadores da Azaléia as refeições feitas na fábri-
ca –em vez de irem para casa almoçar– e o uso do uniforme:
“No sul a gente vê que, muito cedo as pessoas já têm aquele compromis-
so de sair de casa e trabalhar, estudar [...]. O gaúcho dá um valor muito
grande para que a pessoa tenha, desde cedo, responsabilidade e compromisso
com o trabalho, para buscar fazer sua vida, ter sua independência [...]” (E4).
“Tudo que eles precisavam para ensinar o trabalho, para instalar as má-
quinas, foi muito difícil. Eles chegaram a um lugar estranho para eles e
precisavam de coisas que muitos aqui não sabiam fazer; levou um tempo
para eles se estabilizarem. Eu notava tudo isso e tentava contribuir como
eu podia. E muitos achavam que a empresa não ia ficar muito tempo por
aqui” (E7).
Vale ressaltar que a chegada da Azaléia fez com que muitos moradores
de Itapetinga, que haviam deixado a cidade em busca de trabalho, voltas-
sem na expectativa de novas oportunidades, agora na indústria. Para mui-
tos, este era o sonho de voltar ao convívio familiar:
“A tendência aqui era ou a roça ou ir para São Paulo. Na rodoviária só
se viam as pessoas falando que o pessoal estava voltando, e as mães, nossa!
Que mãe não quer os filhos por perto?!” (E7).
“Eu considero que a Azaléia teve um impacto muito positivo para a ci-
dade, pois muitas pessoas quando completavam 18 anos pensavam logo em
sair da cidade para Salvador, São Paulo, Minas etc., para poder trabalhar,
já que aqui não havia boa perspectiva para trabalho” (E2).
Quando questionados em relação aos impactos ocorridos na cidade após
a implantação do complexo industrial, os entrevistas emitiram opiniões
divergentes. Alguns perceberam um crescimento muito rápido na cidade e,
conseqüentemente, desordenado:
“O que as pessoas falam é que aqui era calmo e agora não é, chegou a
violência e tal. Agora, qual é o lugar que cresce e que não acarreta alguma
conseqüência que, digamos, acaba vindo junto com o progresso. O que é
IMPORTÂNCIA DA INTERCULTURALIDADE
Destacaram-se, na análise dos dados, dois aspectos:
• A tentativa por parte da Calçados Azaléia S.A. de homogeneizar certos
aspectos na unidade de Itapetinga a partir de procedimentos já instaurados
na unidade gaúcha. Um exemplo que pode ser apresentado é em relação à
confecção do Jornal Mural, distribuído quinzenalmente, onde há notícias
da empresa e outras informações relevantes como esporte, cultura, lazer
etc. No entanto, além do fato de ser a unidade de Parobé que envia os te-
mas que deverão estar contidos nesse jornal, é ela que finaliza sua edição.
À Itapetinga cabe apenas a produção das matérias e a distribuição.
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geneidade de trazer resultados positivos, tanto do ponto de vista operacional
como do ponto de vista da legitimidade social.