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CULTURA E NEGÓCIOS

Azaléia e o
encontro do sul
com o norte
Descubra o impacto cultural que ocorre quando uma empresa
gaúcha de tradição industrial se instala em uma área rural da
Bahia. Por Grace Kelly Marques Rodrigues, Aline Craide e
João Martins Tude

que é cultura? Um número cada vez maior de pesquisadores

O
Grace Kelly Marques
Rodrigues, Aline Craide e João tem buscado conceituar ou, ao menos, aproximar-se da essên-
Martins Tude são pesquisadores
da Universidade Federal da cia dessa idéia tão complexa. De modo simplificado, é possível
Bahia na área de administração dizer que, desde seu nascimento em determinado grupo social,
de empresas.
o ser humano fica envolto em um universo de símbolos e sig-
nificações que expressam sua forma de viver, sentir e agir. Esse conjunto
de símbolos –imenso– traduz-se, por sua vez, em valores, hábitos e normas
que orientam seu comportamento naquele grupo social. Isso é cultura, que
também já foi descrita sinteticamente por Benedict como “uma lente atra-
vés da qual o homem vê o mundo”.
Não é difícil desdobrar o raciocínio. Pessoas de culturas diferentes usam
lentes diferentes. E, portanto, suas visões das coisas são desencontradas.
Como elas são propensas a considerar o seu modo de vida como o mais
correto e natural –tendência batizada por alguns autores de “etnocentris-
mo”–, isso pode gerar a ocorrência de numerosos conflitos sociais.
É possível obter experiências altamente positivas a partir do convívio
entre diferentes culturas, é claro, mas também o oposto pode acontecer.
No momento em que culturas distintas, ou antagônicas, se chocam, o re-

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Saiba mais sobre a Azaléia

A história da empresa, tradicional fabricante de calçados, iniciou-se no Rio Grande do Sul,


mais precisamente na cidade de Parobé, a 80 quilômetros da capital, Porto Alegre. Fundada
em 1958 por um grupo de amigos (Arnaldo e Nestor de Paula, Theno José Berlitz e Nelson e
Arlindo Lauck), a empresa recebeu, inicialmente, o nome de Berlitz, Lauck e Cia. Ltda. Pa-
robé, que hoje contabiliza cerca de 45 mil habitantes, foi colonizada por imigrantes europeus
e seus descendentes, alemães principalmente, em meados do século 19. A colonização alemã
trouxe para a região a vocação para a confecção artesanal de calçados. A mão-de-obra especia-
lizada favoreceu a formação de indústrias na região, transformando a produção calçadista na
principal fonte de renda local. Nos anos 70, o crescimento das exportações provocou a rees-
truturação das pequenas fábricas calçadistas gaúchas, transformando-as em médias e grandes
empresas, e a Azaléia participou desse movimento.
A trajetória da organização, em linhas gerais, foi marcada por avanços no setor calçadista
como, por exemplo, ao criar a primeira marca de calçado brasileiro e, em seguida, a primeira
marca global de calçado brasileiro (Olympikus). A Azaléia, que já se encontra entre as maiores
indústrias de calçados do mundo, produz atualmente 160 mil pares de calçados por dia, dos
quais cerca de 18% são exportados para mais de 80 países, e conta com aproximadamente 17
mil funcionários. A produção se concentra na linha de calçados femininos e esportivos, com-
preendendo as marcas Azaléia, Dijean, AZ, Olympikus, Funny e Opanca.

sultado, em muitos casos, é de danos imensos para os grupos envolvidos.


É isso que torna especialmente importante refletir sobre as interações cul-
turais em ambientes como o das organizações de negócios, cada vez mais
sujeitas ao fenômeno da “interculturalidade”, tanto por conta da globa-
lização econômica como pela tendência de as empresas “circularem” dentro
de um mesmo país em busca de locais que ofereçam incentivos fiscais à
produção.
O caso Azaléia é modelar nesse sentido. Trata-se de uma empresa ori-
ginária de uma cultura industrial do sul do Brasil que instalou, em 1997,
uma unidade produtiva em um ambiente de cultura rural do Nordeste –na
cidade de Itapetinga, de 60 mil habitantes, no interior do Estado da Bahia,
originalmente marcada pela pecuária e pela cultura do vaqueiro.

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A matriz da Azaléia foi instalada em Itapetinga e outras 17 unidades
foram distribuídas em pequenos municípios vizinhos. Embora o acordo
inicialmente feito com o Estado da Bahia prevesse a geração de 2,5 mil a
3 mil empregos, foram gerados efetivamente perto de 10 mil empregos na
região, sendo esse o maior complexo que a Azaléia possui atualmente: 81%
dos componentes dos calçados da Azaléia são produzidos ali, ante 19% na
cidade gaúcha de Parobé.
Dentre as razões que levaram a organização a optar por essa localidade,
um dos entrevistados destacou: “O salário, seja na gerência, seja na opera-
ção, já não é mais um diferencial e, se formos considerar o custo de vida,
aí o diferencial é quase nenhum. De outro lado, temos a questão tributária
como atrativo de investimento”.

DEPOIMENTOS SOBRE O CHOQUE


Durante o processo de implantação da unidade baiana da Azaléia, uma
pequena equipe de funcionários gaúchos (sete pessoas) permaneceu em
Itapetinga e região, em tempo integral. Conforme dados coletados nos de-
poimentos, algumas dessas pessoas sentiram o choque cultural logo em sua
chegada a Itapetinga, principalmente porque estavam acostumadas a viver
em cidades que possuíam supermercados estruturados, livrarias diversifica-
das e outras formas de lazer como cinemas, teatros e shows musicais. Mas
tentaram ver o outro lado da moeda:
“Quanto à adaptação eu diria que ao mesmo tempo em que sentimos
aquele choque, era algo para o qual estávamos preparados, era também um
desafio, uma oportunidade. Era como aprender a construir e desconstruir,
aprender algumas coisas, desaprender outras. Isso faz parte, foi aceito o desa-
fio” (E4 – veja a identificação dos entrevistados no quadro da página seguinte).
Já a cultura de trabalho do interior da Bahia; tradicionalmente ligada ao
trabalho nas pequenas lavouras e na pecuária, foi observada pelos gaúchos
logo nos primeiros recrutamentos de pessoal como influência sobre a alta
rotatividade de funcionários na empresa:
“[...] Você nascer no Sul, onde seus avós trabalharam numa fábrica de
calçados, seus pais trabalharam numa fábrica de calçados e você está traba-
lhando numa fábrica de calçados, você já cresce vendo que é bom ter um
lugar certo pra trabalhar todos os dias e se aposentar ali. As pessoas no Sul
costumam ter 20 ou 30 anos de empresa e não é suficiente. Aqui é bem di-
ferente, pois aqui as pessoas não começaram a trabalhar e se aposentaram
no mesmo emprego, pois aqui nunca houve uma grande indústria. Então é

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Saiba mais sobre a pesquisa

Este trabalho, que procura analisar como ocorreu e vem se desenvolvendo o processo de
instalação da fábrica da Calçados Azaléia S.A. na cidade de Itapetinga, no interior baiano,
possui caráter exploratório. As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desen-
volver, esclarecer e modificar idéias e são desenvolvidas com o intuito de proporcionar uma
visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Assim, entrevistas exploratórias
servem para encontrar pistas de reflexão, idéias e hipóteses de trabalho e não para verificar
hipóteses preestabelecidas Como interlocutores válidos, ou testemunhas privilegiadas –pesso-
as que pela sua posição, ação ou responsabilidades têm um bom conhecimento do problema–,
foram escolhidos sete funcionários da Azaléia, entre oriundos de outros estados que migra-
ram para Itapetinga e naturais da cidade baiana. A seguir relacionam-se os cargos ocupados
por eles:
• Entrevistado 1 (E1): Gerente Administrativo e de Recursos Humanos.
• Entrevistada 2 (E2): Coordenadora de Recrutamento, Seleção e Treinamento.
• Entrevistada 3 (E3): Coordenadora de Comunicação e Responsabilidade Social.
• Entrevistada 4 (E4): Coordenadora de Desenvolvimento Organizacional.
• Entrevistada 5 (E5): Coordenadora de Segurança no Trabalho e Meio Ambiente.
• Entrevistado 6 (E6): Auxiliar de Manutenção.
• Entrevistado 7 (E7): Zelador.

assim, por exemplo: ‘a minha mãe morava na roça, na enxada, depois veio
para cá trabalhar como doméstica, faxineira...’ Então aqui o costume é
esse, a pessoa acha que dois anos já é tempo demais, por exemplo: ‘Ah, já
tem muito tempo que eu trabalho aqui... três anos!” (E2).
“[...] Quando começaram os primeiros recrutamentos de funcionários
houve um certo problema em relação ao horário de trabalho característico
do setor industrial. O início do expediente neste ramo de atividade gira
em torno das 5h, mas as pessoas recrutadas relutavam afirmando que nin-
guém se acostumaria a trabalhar nesse horário, e a maioria acabava sempre
perguntando: ‘Olha, precisa mesmo ser nesse horário?’”[...] (E4).
Outro choque ocorreu pelo fato de terem de trabalhar em pé. Ainda
surpreendiam os novos trabalhadores da Azaléia as refeições feitas na fábri-
ca –em vez de irem para casa almoçar– e o uso do uniforme:

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“Mostramos a eles que isso fazia parte da cultura do trabalho industrial,
mas as pessoas nos procuravam muito para conversar sobre essas questões
e, como eu era psicóloga, nós conversávamos muito, pois eles achavam que
seria muito difícil conseguir tocar essa nova vida. Havia todo um preparo
psicológico para essas questões, e nós sabíamos que seria assim nas primei-
ras semanas, até porque eles não estavam acostumados com esse esquema.”
(E4).
Percebe-se que a fábrica da Azaléia em Itapetinga não nasceu em meio
a uma cultura de trabalho industrial, com funcionários experientes e acos-
tumados às rotinas do trabalho na fábrica, ao contrário da cultura gaúcha,
onde a inserção no trabalho ocorria na adolescência ou mesmo na infância:

“No sul a gente vê que, muito cedo as pessoas já têm aquele compromis-
so de sair de casa e trabalhar, estudar [...]. O gaúcho dá um valor muito
grande para que a pessoa tenha, desde cedo, responsabilidade e compromisso
com o trabalho, para buscar fazer sua vida, ter sua independência [...]” (E4).
“Tudo que eles precisavam para ensinar o trabalho, para instalar as má-
quinas, foi muito difícil. Eles chegaram a um lugar estranho para eles e
precisavam de coisas que muitos aqui não sabiam fazer; levou um tempo
para eles se estabilizarem. Eu notava tudo isso e tentava contribuir como
eu podia. E muitos achavam que a empresa não ia ficar muito tempo por
aqui” (E7).
Vale ressaltar que a chegada da Azaléia fez com que muitos moradores
de Itapetinga, que haviam deixado a cidade em busca de trabalho, voltas-
sem na expectativa de novas oportunidades, agora na indústria. Para mui-
tos, este era o sonho de voltar ao convívio familiar:
“A tendência aqui era ou a roça ou ir para São Paulo. Na rodoviária só
se viam as pessoas falando que o pessoal estava voltando, e as mães, nossa!
Que mãe não quer os filhos por perto?!” (E7).
“Eu considero que a Azaléia teve um impacto muito positivo para a ci-
dade, pois muitas pessoas quando completavam 18 anos pensavam logo em
sair da cidade para Salvador, São Paulo, Minas etc., para poder trabalhar,
já que aqui não havia boa perspectiva para trabalho” (E2).
Quando questionados em relação aos impactos ocorridos na cidade após
a implantação do complexo industrial, os entrevistas emitiram opiniões
divergentes. Alguns perceberam um crescimento muito rápido na cidade e,
conseqüentemente, desordenado:
“O que as pessoas falam é que aqui era calmo e agora não é, chegou a
violência e tal. Agora, qual é o lugar que cresce e que não acarreta alguma
conseqüência que, digamos, acaba vindo junto com o progresso. O que é

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preciso avaliar é: será que foi dada a devida importância para esse cresci-
mento? Digo em questões de suporte como policiamento, por exemplo;
será que o governo enxergou? Será que foi dado suporte necessário para
este crescimento populacional?” (E2).
Outros enfatizaram o aumento do poder aquisitivo da população e a
melhora na qualidade do comércio, dos hotéis e das moradias –ou seja, o
fortalecimento da economia da cidade em geral:
“[…] afinal são quase 5 mil assalariados circulando pela cidade, a mo-
vimentação bancária aumentou muito também”(E3).
“Hoje eu vejo que coisas que meus filhos não podiam comprar, hoje eles
compram e acho que como isso mudou na minha família, a tendência é
que também tenha melhorado para outros. O comércio da cidade aumen-
tou muito, muitas lojas vieram, veja a Insinuante, aposto que veio para cá
por causa da empresa, pois além daqui só tem fazenda, onde só trabalham
poucas pessoas” (E7).
“[…] eu costumo dizer que a Azaléia para mim me deu oportunidade
e me deu um projeto de vida, que é me projetar para um salário melhor e
uma vida melhor para minha família” (E6).
Há o fato de que, antes da chegada da Azaléia, não havia muitas pers-
pectivas em relação à inserção no mercado de trabalho de maneira formal,
com carteira de trabalho assinada. As atividades urbanas variavam entre as
de pedreiro e serviços domésticos, de maneira informal e sem a garantia de
emprego fixo:
“Como eu trabalhei com recrutamento, uma situação que eu via com
freqüência eram pessoas que não tinham carteira assinada, não tinham
um trabalho formal; geralmente as profissões anteriores eram de pedreiro,
serviços domésticos, sempre trabalhos informais, recebiam meio salário e
enfim, não tinham emprego fixo. Hoje em dia, muitas dessas pessoas têm
trabalho fixo, carteira assinada, recebem seus direitos, isso foi o que modi-
ficou mais” (E3).
“Eu vejo que as pessoas têm muito interesse em trabalhar na fábrica,
primeiro pela questão do salário, em outro lugar aqui não se consegue
ganhar salário mínimo, lugares onde ganha-se mais por comissão. Então,
quando nos procuram, sempre fazemos a pergunta: ‘Por que você quer
trabalhar na Azaléia?’ e ‘O que te levou a procurar a Azaléia para traba-
lhar?’. A resposta é: ‘porque é um trabalho que paga o salário mínimo,
tem carteira assinada, com horário certo de entrada e saída, respeito aos
funcionários’”(E2).

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Sob o olhar dos moradores de Itapetinga entrevistados, contudo, a che-
gada da empresa representou um choque entre duas culturas bastante dis-
tintas. Eles percebiam nos gaúchos um ar de superioridade:
“[…] o gaúcho, eu acho que ele em si já traz um perfil de respeito, pois
o baiano, não todo ele, mas a maioria, quando vê o gaúcho, tende a tra-
tar como senhor, doutor; ele se sente talvez um pouquinho inferior, não
que são todos assim, mas geralmente aquela criação de família, do pai que
respeita todo mundo como o meu pai fazia, certo! Isso aí é possível equili-
brar, pois o equilíbrio está nas diferenças, senão não funcionava” (E6).
“Em relação aos gaúchos também nunca senti dificuldades, o detalhe
que eu percebo é que eles são um pouco mais fechados, não sei se isso vem
da cultura deles. Vejo que eles mantêm realmente as tradições deles, desde
hábitos de alimentação mesmo, o que nós nordestinos, em geral, já temos
uma tendência a outro tipo de comida, apreciamos outro sabor e, no fim,
acho que houve uma grande mistura” (E5).
“Aqui a gente gosta muito, quer dizer, tem muita gente que não perde
uma festa, a gente diz que não, mas é! Assim como eles têm as festas deles,
né? Aqui é tradição a nossa festa de São João, a fábrica já sabe que quan-
do é dia de São João tem que ter folga para o pessoal. São João é sagrado,
no interior então! A fábrica já faz o controle antes para poder liberar todo
mundo, senão também não é bom, certo!” (E7)
Para a entrevistada E4, gaúcha, a diferença está no fato de que o gaúcho
dá valor muito grande a que a pessoa tenha desde cedo responsabilidade e
compromisso com o trabalho e com o futuro, enquanto, em Itapetinga, as
pessoas valorizam muito a diversão, investindo em lazer, festas e roupas,
celebrando o presente.
É difícil ficar atento às diferenças culturais e ser fiel aos próprios valo-
res, como seria a solução ideal para impasses assim. Desse modo, deve-se
observar como as coisas são feitas localmente, tentando atuar como um ob-
servador participante, estando atento à maneira como seu comportamento
é recebido e às pistas, que podem ser sutis e não-verbais, mas que poderão
revelar a quebra de alguma norma cultural e a partir daí tornar possível
uma melhor adaptação. Sem essa consciência, as possibilidades de os mem-
bros de uma cultura desrespeitarem costumes e valores de outra cultura,
não muito bem entendida, são grandes. E, assim, tornam-se comuns os
prejuízos às relações interpessoais, os mal-entendidos desagradáveis e as si-
tuações que possam ser tomadas como insultos pessoais.
Não há dúvida, contudo, de que a chegada da Azaléia a Itapetinga
provocou transformações tanto no comportamento dos habitantes como

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econômicas e de desenvolvimento da cidade e região. Tais mudanças, de
certa forma, ajudaram a desconstruir a opinião de alguns cidadãos que não
acreditavam que a Azaléia permaneceria na cidade, que somente se aprovei-
taria dos benefícios concedidos e, em seguida, deixaria Itapetinga e região.
Desde o início e até hoje, a organização vem mostrando que está em Ita-
petinga para trabalhar com seriedade, principalmente quando se trata de
gerar empregos, formar pessoas e oferecer aos moradores, antes constantes
migrantes, a construção de uma vida com mais dignidade e com melhores
perspectivas de futuro:
“Conseguimos mostrar que essa pessoa que veste o guardapó da Azaléia,
quando sai na rua e vai para um mercado, para uma loja, os comerciantes
fazem questão de vender para essa pessoa porque sabem que ela está em-
pregada, tem de onde tirar o dinheiro para pagar aquela conta. Isso é algo
que, eles nos contam, é muito bom na vida deles. Muitos que não tinham
mais crédito no mercado agora tem crédito [...] [a empresa] fez também
com que as pessoas voltassem a estudar, a pensar no futuro aqui na cidade,
nas perspectivas de uma vida melhor para suas famílias” (E4).
“Se a Azaléia não existisse ou se saísse daqui, muita gente ficaria ociosa,
migrando para São Paulo, Rio, onde a situação é muito pior. Tem famílias
com cinco ou seis pessoas trabalhando aqui, e muitas dessas famílias já
aumentaram a casa, já “bateram laje”, já compraram um carrinho, então,
melhorou bastante a situação de muita gente. A Azaléia fez e faz muito
bem para esta região, e não estou falando como funcionária, estou falando
como moradora de Itapetinga. Nas filiais, quando fazemos as visitas nas
casas, a gente vê pessoas que ajoelham e agradecem a Deus pelo emprego,
muitas até porque não esperavam e não conseguem conter a emoção” (E2).

IMPORTÂNCIA DA INTERCULTURALIDADE
Destacaram-se, na análise dos dados, dois aspectos:
• A tentativa por parte da Calçados Azaléia S.A. de homogeneizar certos
aspectos na unidade de Itapetinga a partir de procedimentos já instaurados
na unidade gaúcha. Um exemplo que pode ser apresentado é em relação à
confecção do Jornal Mural, distribuído quinzenalmente, onde há notícias
da empresa e outras informações relevantes como esporte, cultura, lazer
etc. No entanto, além do fato de ser a unidade de Parobé que envia os te-
mas que deverão estar contidos nesse jornal, é ela que finaliza sua edição.
À Itapetinga cabe apenas a produção das matérias e a distribuição.

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• Existe a preocupação de unificar o discurso organizacional segundo
Nestor de Paula, um dos cinco fundadores da Azaléia e o justamente o
mais mítico deles, que sobressaiu pelo seu perfil empreendedor e profis-
sionalizante, deixando uma marca em todos os setores da empresa até sua
morte, em 2004. Entre suas ações, primeiramente estruturou o setor fi-
nanceiro e racionalizou a produção industrial. Em seguida, desenvolveu
os departamentos de compras, almoxarifado e administrativo. Ele próprio
inventou um moderno sistema de produção de solados para calçados, cuja
patente está em poder da empresa Azaléia. Além disso, segundo relato do
gerente administrativo e de recursos humanos, coube a Nestor de Paula a
decisão de instalar a unidade baiana desta indústria em Itapetinga, pois,
entre as razões que levaram a organização a ser implantada nessa cidade,
conta-se que Nestor de Paula havia simpatizado com a cidadezinha que
possuía a estátua de um boi na praça central. Seis dos sete entrevistados ci-
taram seu nome, atribuindo a ele alguma das ações que até hoje são desen-
volvidas na empresa e muitos mencionaram frases suas, como esta: “Tem
gente atrás da máquina”.
Mas como será que essa homogeneização e o mito do fundador podem
incluir a cultura baiana? Será que o que está sendo feito nesse sentido pela
Azaléia realmente atende às demandas e às expectativas dos funcionários da
unidade de Itapetinga?
Quaisquer que sejam as respostas, este trabalho parece evidenciar a im-
portância de incluir nas agendas de organizações que atuam em países mul-
ticulturais como o Brasil a gestão da interculturalidade não apenas como
forma de transmitir para a sociedade que suas práticas respeitam a diversi-
dade ou atendem a requisitos legais, mas também pela capacidade da hetero-

.
geneidade de trazer resultados positivos, tanto do ponto de vista operacional
como do ponto de vista da legitimidade social.

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