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Louis-Claude de Saint-Martin e o Martinismo: a vida, a ordem e a doutrina do


Filósofo Desconhecido

Book · February 2021

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Vítor Rosa
Universidade Lusófona
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1
Vítor Rosa

LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E O MARTINISMO:


A VIDA, A ORDEM E A DOUTRINA DO FILÓSOFO
DESCONHECIDO
ISBN 978-2-492054-04-4
1.ª edição: 2021
© Vítor Rosa/2021
Este documento digital foi realizado por Vítor Rosa
Capa: CANVA
Índice

Introdução ............................................................................................................................ 8
Capítulo I: Saint-Martin e os seus mestres ..................................................................... 11
Capítulo II: Saint-Martin e as suas obras ........................................................................ 22
Capítulo III: Saint-Martin: um filósofo/teósofo desconhecido em Portugal? .......... 32
Conclusão............................................................................................................................ 36
Referências .......................................................................................................................... 38
Anexo .................................................................................................................................. 45
I: Uma conversa com Saint-Martin sobre os espetáculos ............................................ 46
Introdução

M ais citado do que conhecido, Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803)


desejou revelar a sua identidade ao mundo sob o enigmático pseudónimo
de “Filósofo Desconhecido”. Na perspetiva de Vivenza (2003, p.7), ele é “a figura
mais atrativa e a mais subtil da corrente de pensamento que se designa por
‘Iluminismo’”, também conhecido como ‘Século das Luzes’, movimento intelectual
e filosófico que predominou na Europa durante o século XVIII. Joseph de Maîstre
(1753-1821), conhecedor das suas obras, proclama-o como “o mais instruído, o mais
sensato e o mais elegante dos teósofos” (Maistre, 1854 [1822], p.294). A romancista
e ensaísta Anne-Louise Germanie de Staël-Holstein (1766-1817), mais conhecida
por “Madame de Staël”, referirá que Saint-Martin “tem luzes sublimes” (Staël, 1717
[1813], p.298). Châteaubriand (1768-1848) não deixará de lhe fazer elogios honrosos
nas suas “Mémoires” (1848). Citemos Gence (1824), amigo próximo de Saint-
Martin, que o considerava o “Robinson Crusoé” da espiritualidade, e que “os seus
livros desenvolveram por graus, com mais força e clareza, o [seu] caráter religioso”
(p.16). Para o jornalista Tourlet (1804), “ele era de uma modéstia rara e de uma
admirável simplicidade. O seu exterior era tão humilde e a sua reserva tão extrema,
que, ao vê-lo e ao ouvi-lo, nunca desconfiamos dos tesouros da ciência que ele
escondia. Ele foi sábio sem orgulho, caridoso sem ostentação, sensível e humano
pelo caráter, religioso pela virtude” (p.325). Faivre (1992) sublinha que foi “o mais
célebre teósofo do seu tempo, assim como um dos principais representantes da
literatura pré-romântica de França. A sua influência, direta ou indireta, nunca deixou
de se exercer” (p.64). Recolhemos, por último, outro testemunho, o de Victor
Cousin (1768-1848), reconhecido filósofo e historiador das ideias, que refere: “é
justo reconhecer que nunca o misticismo teve em França um representante mais
completo, um intérprete mais profundo e mais eloquente, e que tenha exercido mais
influência do que Saint-Martin” (Cousin apud. Caro (1975 [1852], p.4).
A sua profunda obra é um constante e permanente convite ao conhecimento dos
assuntos divinos, à descoberta das leis secretas da vida do espírito, à contemplação
8
de verdades transcendentes que regulam os fenómenos visíveis e invisíveis (Lasserre,
2007; Boyer, 2008). Saint-Martin possui a grande faculdade de transmitir ao leitor, o
que é raro, mesmo entre os mestres espirituais mais eminentes, uma indizível e
incomparável luz sobre os assuntos mais elevados da vida interior (Vivenza, 2003).
Estava persuadido de que o retorno ao seio da “Unidade” original é o único
objetivo que deveria ocupar o homem pela ocasião da sua passagem neste mundo.
Nesse sentido, procura relembrar os princípios e os fundamentos que se impõem ao
verdadeiro “homem de desejo”, o autêntico investigador da “luz”.
Pensador exigente, Saint-Martin é, por excelência, o emblemático representante
do esoterismo cristão no século XVIII. No sentido de Faivre (1992), o termo
“esoterismo” é alemão (Esoterik) e surge em 1792 no contexto dos debates sobre os
ensinamentos secretos dos pitagóricos e sobre a Maçonaria. É, por isso, um “padrão
de pensamento” que engloba diversos movimentos (vias) espirituais. Conservou-se a
palavra para designar as correntes esotéricas ocidentais (hermetismo, cabala, a
filosofia oculta, rosacrucianismo e as suas variantes, teosofia cristã, etc.). Na
perspetiva de Telmo (apud., Sinde, 2012, p.73), “a revelação do esotérico faz-se
através de formas superiores, como as da arte ou as da religião” e “o termo esotérico
é relativo a exotérico [exterior] e, se bem que muita gente veja no esoterismo um
sinónimo de ocultismo, não devemos perder de vista aquela relação”. Riffard (1990)
apresenta um esoterismo universal com oito invariantes: impessoalidade dos autores,
a oposição entre profanos e iniciados, o subtil, as correspondências, os números, as
ciências ocultas, as artes ocultas e a iniciação.
Na perspetiva de Boucher (1950), “o Martinismo, que se disse, no fundo, que era
uma filosofia como o ‘cartesianismo’ de Descartes ou o ‘spinozismo’ de Spinoza, é
uma forma de espiritualidade muito elevada, que dá àquele que o pode possuir, uma
visão do mundo livre de toda a contingência material” (p.16).
A partir do século XX as obras de Saint-Martin vão suscitar um grande interesse
no domínio dos estudos Martinistas, mas também no contexto universitário.
Qualquer novo artigo sobre a sua vida, para apresentar algum interesse, deverá
apoiar-se em documentos inéditos e elucidar certas dificuldades históricas que ainda
se apresentam sobre a sua existência (Amadou, 1946).
Este artigo tem por objetivo refletir sobre Saint-Martin, recorrendo a textos de
vários autores (Gence, 1824; Caro, 1975 [1852]); Matter, 1992 [1862]; Waite, 1922;
Amadou, 1943; Papus, 1899, 1902, 2001; Vivenza, 2003; Jacques-Lefèvre, 2003, por
exemplo), analisar o seu pensamento, a sua obra e as influências que teve e tem em

9
Portugal, sobretudo em alguns círculos mais íntimos. Procuraremos também
responder a duas questões: em que circunstâncias e por que razão o Martinismo
surgiu, tal como ele existe atualmente? Em que condições podemos pensar que o
Martinismo responde, tal como respondeu noutras épocas, às aspirações dos
homens e das mulheres e às caraterísticas das sociedades modernas?

10
Capítulo I
Saint-Martin e os seus mestres

iódor Dostoiévski (1821-1881) escreveu no seu romance “Os


F Irmãos Karamazov” (1994 [1880]) que “é preciso que um homem esteja
escondido para que o possamos amar. Desde que ele mostra o seu rosto, o amor
desaparece” (p.250). Estas palavras são se aplicam no caso de Saint-Martin, o
“Filósofo Desconhecido”. Ignorado da maior parte do público, o teósofo1 Saint-
Martin “nunca dececionou aqueles que se debruçaram sobre a sua curiosa
personalidade e aprofundaram a sua doutrina espiritual” (Amadou, 1946, p.13).
Saint-Martin nasceu em 18 de janeiro de 1743, em Amboise (França), filho de
Louise Tournyer, doméstica, e de Claude-François de Saint-Martin, advogado. O seu
batismo realizou-se no dia seguinte, na igreja de Saint-Florentin. Devido ao
falecimento da sua mãe, viu-se privado dos seus cuidados com a idade de três anos.
A partir dos seis anos de idade virá, no entanto, a beneficiar da afeição e dos
cuidados da sua madrasta. O teósofo de Amboise falou dela nestes termos: “tenho
uma madrasta a quem devo toda a minha felicidade, dado que foi ela que me deu os
primeiros elementos desta educação doce, atenta e piedosa que me fez amar Deus e
os homens” (Portrait, 111, p.15).
De origem da pequena nobreza, e com uma grande devoção religiosa familiar,
Saint-Martin imprimiu uma natural atração pelos mistérios religiosos, sustentado por
uma predisposição e delicadeza de espírito relativamente às coisas divinas (Bates,
2000; Vivenza, 2003). Em razão da sua fragilidade física, e de uma saúde incerta,

1 Teosofia (do grego, theos = deus, sofia = sabedoria) significa sabedoria de Deus. O teósofo, para Hutin
(1977), é o ‘vidente’ iluminado pelo Divino. O Martinismo é uma teosofia e o teósofo um espelho, que
considera o mundo terrestre como o reflexo do mundo celeste (Bricaud, 1934; Caillet & Cuvelier-Roy,
2012).

11
Saint-Martin informa no seu “Portrait historique et philosophique” (1789-1802)2
sobre as primeiras fases da sua vida:

Mudei de sete vezes de pele, quando era criança. Eu não sei se foram esses acidentes
que me levaram a ter tão pouco astral. Por outro lado, tinha nesta idade digestões
imperfeitas. É por essa razão, sem dúvida, que eu tenho uma fraca constituição (Portrait,
16).

Vivenza (2003) realça que o número sete tem um evidente significado simbólico,
mas que aqui, nesta passagem, apenas se retém que é a causa sucessiva da mudança
da pele, ou seja, do envelope carnal, que Saint-Martin atribui à sua falta de astral, ou
seja, à força psíquica, e que ele nunca deixará de se queixar, de forma constante e
repetida, ao longo da sua vida. Consciente de que o homem é, por essência, um ser
doente, Saint-Martin é, desde criança, testemunha direta da sua carne.
Se Saint-Martin falou muito sobre a sua infância, dá menos nota pública sobre o
que foi a sua adolescência. Os seus estudos foram conduzidos por um preceptor
(pessoa incumbida da educação e instrução de uma criança) e depois no colégio de
beneditinos da congregação de Saint-Maur de Pontlevoy, de 1755-1759, e, finalmente,
na Faculdade de Direito de Paris, de 1759 a 1762. Desde a idade dos dezoito anos,
foi leitor assíduo de Montesquieu (1589-1755), Voltaire (1694-1778) e de Jean-
Jacques Rousseau (1712-1778), pelo qual guardará uma real afeição, sentindo-se
próximo do ambiente literário melancólico das “Confessions” (1782) ou das “Les
rêveries d’un promeneur solitaire” (1782). O fato não é nem extraordinário nem
raro; mas a forma como Saint-Martin fala merece atenção. Eis o que ele diz:
“Rousseau era melhor do que eu, reconheci-o sem dificuldade. Ele tendia para o
bem segundo o coração e eu tendia pelo espírito, as luzes e os conhecimentos”
(Saint-Martin apud. Matter, 1992 [1862], p.62).
O Direito não o entusiasma, mas, obedecendo ao seu pai, terminará com sucesso
a sua licenciatura. Nesta altura o seu espírito andava absorvido por Jacques Abbadie
(1654-1727) e a sua “Art de se connaître soi-même”, de quem Saint-Martin dirá mais
tarde que a ele lhe deve o “desprendimento das coisas deste mundo”, e Burlamaqui
(1694-1748) e os seus “Principes du droit naturel”, que lhe dará o gosto pelas “bases
2 Título original: “Portrait historique et philosophique de M. Saint-Martin fait par lui-même“. Foi publicado

no volume I das Oeuvres Posthumes de Nicolas Tournyer, primo de Saint-Martin, depois de uma seleção de
textos. A versão de 1807 é constituída por 295 artigos redigidos por Saint-Martin, de forma descontínua e,
por vezes, incompletos. Em 1961, e com base no manuscrito original, Amadou (1961) publica, pela primeira
vez, uma versão integral com 1137 artigos.

12
naturais da razão e da justiça do homem” (Portrait, 418, pp.58-59). Tal como o
teatro3 e a poesia4, a música encantou-o, mas as suas tentativas de aprender violino
saldam-se por um fracasso, que ele explica desta forma:

A minha fraqueza era tanta, e sobretudo os nervos, que, mesmo tocando


satisfatoriamente o violino para um amador, os meus dedos nunca conseguiram
fazer vibrar forte para produzir uma cadência (Portrait, 69).

Os valores deste mundo não eram os seus. De forma precoce, Saint-Martin


apercebeu-se que, para si, Deus era essencial e que nenhum homem poderia
preencher a sua atenção, como escreve: “todos os homens podem me ser úteis, mas
nenhum é suficiente. Eu preciso de Deus” (Portrait, 2). Confessaria mesmo que
escreveu as suas obras para que nenhum homem lesse mais, sem isentar os seus
livros, e de se abrir interiormente às luzes do seu próprio espírito (Jacques-Chaquin,
1974; Vivenza, 2003; Ricard, 2020).
Deixando os bancos da faculdade com vinte e um anos, foi recebido advogado
no tribunal judicial de Tours. Exercerá esta função com grande tristeza, ao ponto de
atentar contra a sua própria vida duas vezes (Vivenza, 2003). Beneficiando de uma
proteção de Étienne-François, conde de Stainville, e duque de Choiseul (1719-1785),
embaixador e secretário de Estado de Luís XV (1710-1774), Saint-Martin abandona
esta carreira ao fim de pouco tempo (seis meses) e vai se alistar no regimento militar
de “Foix-Infanterie”, aquartelado em Bordéus, em julho de 1765. E é aqui que vai
conhecer e estreitar relações com o seu primeiro mestre: Martinès de Pasqually
(1726/1927 ?-1774), cujas origens estão envoltas em mistério, mas parece que era
portador de uma cadeia de transmissão judaico-cristã5 (Rijnberk, 1938; Mazet, 1976;
Papus, 1988, 2001; Caillet, 2009; Vivenza, 2003, 2012a; Nahon, 2011). Alguns
autores do século XIX referem que era “judeu português” (Matter, 1862; Bruno,
1904), mas carece de comprovação histórica. Matter (1862) salienta que podemos

3 Sobre o seu gosto pelo teatro e sobre o seu afastamento das salas de espetáculo, confronte a entrevista que

Saint-Martin concedeu ao jornalista Joseph-Marie Degérando, dos “Archives Littéraires de L’Europe” (1804,
pp.337-340), e que aqui reproduzimos numa tradução livre em português.
4 Sobre a poesia e Saint-Martin, confronte o artigo de Santis (2020).
5 Para além da cadeia de transmissão familiar, Martinès inspira-se nos livros do esotérico Henri-Corneille

Agrippa (1486-1535), em particular a “Philosophie occulte” (1710 [1510]). Le Pape (2006) revela que alguns
dos 2470 nomes de anjos, arcanjos, carateres e hieróglifos escritos por Martinès se encontram na obra de
Agrippa. Papus (1899) alvitra a hipótese de que terá sido iniciado pelo sueco e teósofo Emanuel Swedenborg
(1688-1772), mas isso carece de comprovação histórica.

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compreender Saint-Martin sem Martinès, mas não podemos compreender Martinès
e a sua doutrina sem Saint-Martin.
Seguindo os conselhos de colegas militares, Saint-Martin foi recebido na
Maçonaria, ficando maravilhado com as riquezas simbólicas desta sociedade
iniciática, cuja origem se perde na noite dos tempos, mas que se edificou, de forma
especulativa, em 1717 com a Grande Loja de Londres, e que introduz nos seus
rituais, a partir de 1730, o mito da morte e da ressurreição de Hiram (Wirth, 1977;
Chevillon, 1939; Boucher, 1948; Naudon, 1963; Bayard, 1987; Dachez, 2012).
Movimento fundado no século XVIII, no espírito das luzes, mas na penumbra dos
seus templos, a Maçonaria afirma, desde a sua criação, uma originalidade na procura
espiritual e no seu modo de funcionamento. Dois eclesiásticos, um escocês e um
anglicano de origem francesa, codificaram o trabalho de grupo em 1723
(Constituição de Anderson). Colocaram em ordem uma organização que emergia,
situando-se numa tripla continuidade: 1) a das sociedades iniciáticas e religiosas, que
tentavam procurar um sentido para a vida e de se exprimirem, recorrendo a uma
linguagem simbólica; 2) a dos construtores de catedrais medievais, que transmitiam
as suas estruturas, os seus códigos e os seus conhecimentos; 3) a dos movimentos de
pensamento, que, desde o Renascimento, queriam ultrapassar os dogmas religiosos e
as monarquias pouco esclarecidas, para centrar o seu pensamento sobre o Homem
(Chaboud, 2014).
Sobre a iniciação6 de Saint-Martin, duas hipóteses são alvitradas: a primeira, em
agosto de 1765, numa Loja (local onde se reúnem os maçons) maçónica chamada
“Josué”; a segunda, na Loja “Concorde”, em Tours, dado que um amigo da família
(Burdin) era membro e foi Venerável Mestre (maçom que dirige a Loja e os
trabalhos), em 1764. O que é um facto, é que ele foi recebido numa Loja Azul (dos
três primeiros graus: aprendiz, companheiro e mestre) antes de entrar nos Eleitos
Coëns, de que falaremos mais adiante.
Conhece, então, Martinès de Pasqually, nascido em Grenoble em 1726 ou 17277
(Lamothe, 1854). Martinès – utilizará também os nomes de Lioron, Latour, Latour

6 Iniciação: A iniciação implica: 1) a qualificação, constituída por certas possibilidades inerentes à natureza
própria do indivíduo; 2) a transmissão, pelo meio de uma ligação a uma organização tradicional, de uma
influência espiritual, dando ao ser a “iluminação” que lhe permitirá desenvolver as suas capacidades; 3) o
trabalho interior pelo qual o desenvolvimento se realizará gradualmente, de etapa em etapa, à medida que vai
encontrando os diferentes graus na hierarquia iniciática.
7 Ainda não se encontrou o seu certificado de batismo, pelo que não se sabe exatamente a sua data de

nascimento. Durante muito tempo pensou-se em 1710, mas, com base em alguns documentos, aponta-se para
1726 ou 1727 (Nahon, 2011).

14
de la Case –, detentor de um diploma maçónico, cuja veracidade é questionada
(Nahon, 2011), organizou uma Ordem, segundo as formas tradicionais em uso na
Maçonaria da época, mas que chama de “verdadeira maçonaria”, separando-a em
três classes distintas e diferentes graus: classe do Porche, classe do Templo e classe
do Santuário (Dachez, 1987, 1988; Caillet, 2011).
Depois de uma longa errância, e passagem por diferentes cidades francesas, fixa-
se em Bordéus a partir de 1762 até 5 de maio de 1772, data da sua partida para a Ilha
de São-Domingos (atual Haiti) para reclamar uma herança familiar e aí falecerá em
22 de setembro de 1774 (Nahon, 2011). Na ideia de Martinès era necessário
restabelecer o culto primitivo e de ordenar sacerdotes aptos a celebrar os ritos
veneráveis do sacerdócio pré-noachica (Amadou, 2016; Faivre, 1980). É um
movimento quase religioso, fundado numa disciplina do tipo monástico e
cavaleiresco, a criação de uma casta de sacerdotes-cavaleiros encarregados de
celebrar o culto divino. De facto, parece uma ideia complexa, mas vai despertar a
curiosidade dos espíritos mais sensíveis pelas suas pertenças às organizações onde
estavam em voga os altos graus (ou seja, superiores aos graus de aprendiz,
companheiro e mestre) cavaleirescos e herméticos do iluminismo escocês8. Dez
graus constituem a Ordem de Martinès de Pasqually, intitulada “Ordre des
Chevaliers Maçons Élus Coëns de l’Univers”9: Aprendiz, Companheiro, Mestre,
Aprendiz Coën, Companheiro Coën, Mestre Coën, Grande Arquiteto, Grande Eleito
Zorababel, Comendador do Oriente e do Ocidente e, para coroar o sistema, o
décimo e último grau de Réau + Croix (Caillet, 1993, 2011; Vivenza, 2003; Vergnolle,
2019).
Coën, em hebraico, significa sacerdote. Segundo Baader, médico e professor de
filosofia na Universidade de Munique (1900), “Pasqualis (sic), que é simultaneamente
judeu e cristão – ele confessará a religião católica romana –, faz reviver a antiga
Aliança, não apenas as suas formas, mas com os seus poderes mágicos” (p.4).
Martinès insiste sobre a importância da “Queda”, a que a religião chama de “Pecado
Original”, de Adão, o primeiro homem. “Esta história torna a humanidade solidária

8Segundo Faivre (1992), são sobretudo os altos graus que se inspiram das correntes esotéricas.
9Os Estatutos Gerais datam de 1767. Outros estatutos foram redigidos por Martinès em 1774, mas ainda não
foram encontrados (Caillet & Cuvelier-Roy, 2012). O projeto é ambicioso, e ele supõe um conjunto coerente.
De referir que não está contra a religião católica romana. Pelo contrário, Martinès pede aos seus discípulos
para se comportarem como bons católicos e de irem aos ofícios da igreja. Papus (1899) sublinha que “o
Willermosismo, tal como o Martinesismo e o Martinismo, sempre foi exclusivamente cristão, mas nunca
anticlerical. Ele devolve a César o que é de César e ao Cristo e o que é de Cristo, mas ele não vende o Cristo a
César” (p.15).

15
da comum degradação que ele suporta dolorosamente, de idade em idade e de
geração em geração” (Vivenza, 2003, p.24). O conjunto da Criação, vítima de uma
reprovação, deve trabalhar para se libertar desta determinação. A obra de expiação
deve se estender a todos os seres vivos, por forma a que eles possam encontrar as
primeiras propriedades, virtudes e forças divinas. Aprende-se também que certos
seres emanados, ou seja, os anjos, tendo falhado originalmente a sua missão por
uma culpada revolta, o mundo material foi criado com o objetivo de aprisionar os
espíritos rebeldes. Ao homem, originalmente emanado e beneficiando de um
estatuto importante na ordem do divino, foi-lhe confiada a missão de dirigir o
Universo e de contribuir, com as ajudas dos anjos fiéis a Deus, para a reunificação
geral (reintegração). No seu exílio, o homem está em condições de prosseguir a sua
obra. Para o ajudar, Deus, na sua bondade, tem lhe enviado eleitos ou seres divinos.
Assim sendo, o verdadeiro culto não cessou de ser celebrado. Ao longo dos tempos,
foi Hely, Enoch, Noé, Melchisédech, Ur, Zorababel, Hiram, Élie e o Cristo, o
último. O seu Traité sur la réintégration des êtres dans leur première propriété, vertu et puissance
spirituelle divine (1988 [1899])10, obra-prima da teosofia moderna, revela este
pensamento. A palavra “culto” surge logo nas primeiras linhas do seu Tratado e será
retomada ao longo do texto. Esta obra é de referência constante para Saint-Martin.
Segundo Caillet & Cuvelier-Roy (2012), “é impossível compreender o Martinismo
de Saint-Martin sem esclarecer todas as afirmações e todas as alusões deste sem a
ajuda do Tratado” (p.108).
Ao ter aderido a esta Ordem dos Coëns, imagina-se o tipo de transmissão e
ensinamentos que vai receber Saint-Martin. Confessará que devia a Martinès “a sua
entrada nas verdades superiores” (Portrait, 418, pp.58-59). A data de adesão
desconhece-se, mas Vivenza (2003) coloca a hipótese de que a Loja Josué poderá ter
servido de antecâmara à Ordem, que estava estruturada como maçónica, e que, pela
progressão sucessiva dos graus, Saint-Martin se encontrou, quase naturalmente, no
estado de ser recebido no sistema dos graus preparatórios às operações teúrgicas.
Saint-Martin confessou, por escrito, que recebeu os três graus coëns de uma só vez e
que foi um tal de “M. de Balzac que os conferiu” (Vivenza, 2003, p.21). Pouco a
pouco, Saint-Martin vai familiarizar-se com o trabalho operativo, os complexos
rituais, o exercício das invocações e das conjurações, a utilização dos nomes

10Esta obra foi traduzida em Portugal com o título “Martinets de Pasquallys – Tratado da Reintegração dos
Seres Criados: Nas Suas Primitivas Propriedades, Virtuais e Poderes Espirituais e Divinos”, Coleção Esfinge,
Edições 70, 1979.

16
sagrados, etc. Amadou (2000), que tem uma obra abundante sobre Saint-Martin, dá-
nos alguns elementos sobre o complexo culto celebrado pelos Eleitos Coëns:

O culto dos Eleitos Coëns compreende dez tipos de operações, que se chamam,
igualmente, cultos. Estes cultos são respetivamente ditos de expiação, de graças
(particular e geral), contra os demónios, de preservação e de conservação, contra a
guerra, de oposição aos inimigos da lei divina, para obter a descida do espírito santo, de
consolidar ou reforçar a fé e de perseverança na virtude espiritual divina, para a fixação
do espírito conciliador divino em si, da dedicação anual a todas as operações do Criador.
Cada operação coloca em prática gestos e palavras, perfumes e desenhos, números,
hieróglifos e 2400 nomes angélicos secretos. O Coën é um sacerdote. A resposta não
depende de um homem só, e ainda menos de um grande soberano. Ela depende de
Deus e os anjos dão, se Deus quiser, acesso à Coisa (p.249).

O que se entende pela “Coisa”? A Coisa, diz Amadou (2016), “é a presença, a


palavra e o gesto do Eterno. Sabedoria, a verdadeira ciência e o verdadeiro culto, ao
ponto de merecer, sob vários aspetos, o mesmo nome” (p.11). A palavra “Coisa” foi
muito usada até ao século XVIII, sobretudo nos livros anglo-saxónicos, para se
referir ao desconhecido.
A tabela seguinte dá-nos uma ideia das Concordâncias atribuídas pelo Martinismo
(cf. Tabela 1).

Mundo Potência Faculdade Consciência Constituição Vida Corpo Órgão Expressão

Deus Providência Pensamento Consciência pura Espírito Espiritual Cabeça Cérebro Inspirações

Consciência/
Homem Vontade Vontade Alma Emocional Peito Coração Paixões
Inconsciência

Natureza Ação Destino Inconsciência Corpo Material Abdómen Estômago Necessidades

Tabela 1 – Quadro síntese (a concordância).


Fonte: AMORC, Manuscrito n.º 5, secção oratório (2020).

A via da teurgia coën é uma iniciação severa e de extremo rigor (Ambelain, 1960;
Amadou, 1981, 1990). O eleito coën é um homem da Bíblia: do Antigo e Novo
testamento, porque a teurgia é indissociável da mística (Caillet, 2011). É uma escola
de prece e de virtudes, e, nesse sentido, as grandes operações teúrgicas começam,
antes da litania dos santos, pelos sete salmos penitenciais (Faivre, 1980; Caillet,
2011). Saint-Martin vai dizer que os trabalhos que seguem não têm outro objetivo e
que as sete classes, ou os sete graus, abrem os sete selos, ou a sete portas da

17
inteligência. E “cada uma das classes da Ordem oferece uma imagem desta
expiação” (Saint-Martin apud. Amadou, p.349). É uma via sacerdotal e a restauração
de um ambiente maçónico do culto primitivo celebrado outrora por Adão, Abel e
Seth (segundo a Bíblia, Seth é o terceiro filho de Adão e Eva e irmão de Caim e
Abel). Amadou (2016) realça que a Ordem dos Eleitos Coëns deseja que os seus
membros sejam sacerdotes, militares e religiosos, herdeiros da instituição feudal da
cavalaria, em particular templária11 (Manitara, 2008; Vivenza, 2012). A teurgia coën
emana das mudanças das leis cerimoniais e de uma regra de vida, que a queda
(Pecado Original) de Adão necessita. É um cerimonial e uma regra de vida para
invocar o Eterno em santidade. A teurgia e o ritual maçónico-teúrgico de Martinès
influenciam-se no culto judaico, considerando este como pervertido e ultrapassado.
Ele não se identifica com o culto católico romano. Na Ordem do Eleitos Coëns só os
Réaux-Croix têm a qualidade para receber, na integralidade, a teoria e a prática deste
culto (Caillet, 2011; Carreira, 2016). Na perspetiva de Martinès, réau designa o
homem por excelência, na medida em que esta palavra significa Adão, o vermelho
alaranjado ou ruivo, da terra argilosa (Amadou, 2000).
Saint-Martin, que terá sido ordenado Réau-Croix a 17 de abril de 1772, viria,
posteriormente, a rejeitar os ritos teúrgicos e os ritos maçónicos12, mas nunca
abandonou os princípios da Reintegração dos Seres, dado acreditar que eram
possuidores de superiores verdades, como atesta uma carta sua escrita a Niklaus
Anton Antoine Kirchberger, barão de Liebistorf (1739-1799)13, em 11 de julho de
1796 (Schauer & Chuquet, 1862; Amadou, 1946; Vivenza, 2003).
Com os anos, Saint-Martin observará alguma reserva com as práticas operativas
teúrgicas, preferindo um caminho mais interior, mais “cardíaca”. Mas até isso
acontecer, maravilhado com a ciência do seu mestre, vai assisti-lo na elaboração dos
rituais, na escrita do seu Tratado da Reintegração dos Seres e assumirá as funções de

11 Sob a influência cavaleiresca e templária na Maçonaria, confronte, por exemplo, Tourniac (2001), Gabut
(2004), Mollier (2005), Dachez e Pétillot (2010). Sobre os templários e os rosa-cruz, ver Ambelain (1955).
12 Viton (2012) refere que os ritos são práticas sagradas, simbólicas, reguladas para preparar, acompanhar a

passagem de um candidato de um estado para outro, no seio de um grupo particular. Em Maçonaria, o termo
“rito” corresponde a um sistema codificador da hierarquia de graus e a comunicação do seu simbolismo por
sucessivas iniciações. O rito serve para transmitir uma influência espiritual. Bayard (1987) define o ato
cerimonial como um conjunto de símbolos vividos, regulados e colocados em relevo, de uma forma definida
e tendo por objetivo colocar os participantes numa atmosfera simbólica, religiosa ou iniciática, despertando a
imaginação daquele(a) que vive a ação. Existem diversos ritos em Maçonaria: Rito Francês, Rito Escocês
Antigo e Aceito, Rito de York, Rito de Emulação, Rito Escocês Filosófico, Rito de Heredom, Rito de Kilwining,
Rito do Arco Real, Rito Operativo de Salomão, Rito de Memphis-Misraïm, entre outros (Baylot, 1976; Caillet,
2003; Dachez & Pétillot, 2010; Dachez & Bauer, 2011; Dachez, 2012; Viton, 2012; Perrotin, 2012).
13 Sobre a vida e obra de Kirchberger, confronte Faivre (1966).

18
secretário, substituindo o abade Pierre Fournié (1738-1821)14. Com morte de
Martinès, em 1774, Saint-Martin vai aproximar-se de outros Eleitos Coëns, em
particular do comerciante de sedas, Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824), que vai ter
um papel fundamental na criação do Regime (Rito ou Sistema) Escocês Retificado
(RER) (Baylot, 1976; Ursin, 1993; Joly, 1986; Labouré, 1995; Dachez & Pétillot,
2010; Amadou, 2011; Subrini, 2012, Vivenza, 2012a,b; Viton, 2012).Saint-Martin
receberá todos os graus desta Ordem.
Nas suas viagens a Estrasburgo, cidade que acolhia muitas sociedades iniciáticas,
Saint-Martin vai conhecer Charlotte de Boecklin (1743-1820), alemã, instruída e
versada em matérias religiosas e teosóficas, nomeadamente sobre o pensamento de
Jacob Böhme (1575-1624), sapateiro, místico e luterano alemão (Vivenza, 2003), de
Gœrlitz. Saint-Martin vai olhar para teósofo Böhme como o seu segundo mestre.
Para Faivre (1992), a especulação teosófica prende-se simultaneamente: 1) sobre
Deus, a natureza de Deus (os processos intradivinos, nomeadamente), a Natureza
(externa, intelectual ou material) e o Homem (sua origem, o seu lugar no universo, a
economia da salvação); 2) o acesso direto aos mundos superiores, em virtude de
uma imaginação criadora para dar lugar a uma experiência específica (estado
modificado da consciência, iluminação). Os teósofos não fazem diretamente a
experiência, mas evocam que os predecessores fizeram; 3) o primado místico: o
teósofo pratica uma hermenêutica permanente e criadora dos textos de origem (os
da Bíblia) que servem de suporte de meditação, privilegiando os elementos místicos
(histórias de imagens) destes textos (por exemplo, os que se encontram na Génese, a
visão de Ezequiel, Apocalipse). O primeiro grande representante da corrente
teosófica é Jacob Böhme. Faivre (1992) acrescenta ainda que

Este “príncipe da teosofia cristã”, como foi chamado muitas vezes, conhece um certo
sucesso no século XVII, numa Alemanha completamente desanimada. É pela irrigação
do pensamento de Böhme que a teosofia vai continuar a florescer, com Johann Georg
Gichtel (1638-1710; Theosophia practica, que surge em 1722; III, 3), Gottfried Arnold (Das
Geheimniss der göttlichen Weissheit oder Sophia, 1700; capítulo. III, I, 1), Pierre Poiret
(L’Économie divine ou Système universel, 1687), Antoinette Bourignon (Obras editadas por

14 Para uma melhor compreensão de quem foi Pierre Fournié, sugere-se a leitura de um texto de Faivre
(1967). A obra, “Ce que nous avons été, ce que nous sommes et ce que nous deviendrons“, de Fournié
também está disponível online :
https://books.google.pt/books?id=qTPaC4Zr8lwC&printsec=frontcover&hl=pt-
PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false (consultado em 14.02.2021).

19
Poiret, 1679-1684), John Pordage (Sophia, 1675; Theologia mystica, 1683), Jane Leade (A
Fountain of Gardens, 1700) (p.50).

Se a obra de Abbadie terá influência na forma de se “desprender das coisas deste


mundo”; se a Burlamaqui lhe deve o gosto pelas bases naturais da razão e da justiça
do homem; se a Martinès lhe deve “a entrada nas verdades superiores”, a Böhme
deve-lhe “os passos mais importantes no caminho dessas verdades” (Portrait, 418,
pp.58-59). Vai aprender alemão e traduz várias obras de Böhme para francês: em
1800, L’Aurore naissante; em 1802, Des trois príncipes; em 1807, Quarante questions; e, em
1809, De la triple vie de l’homme. Segundo Gence (1824), amigo de Saint-Martin, e
Eleito Coën, confessou aos amigos que Böhme era sublime e obscuro, e que a obra
Aurore naissante era um caos, mas que ela continha todos os elementos desenvolvidos
nos Trois príncipes e nas produções ulteriores. Nahon (2011) sublinha que “no século
das Luzes, onde a ciência se torna rainha com os enciclopedistas, [Saint-Martin]
renova a espiritualidade e revela uma forma de misticismo” (p.224). Graças a ele, diz
Nahon (2011), “o iluminismo começa a se expandir em França” (p. 224).

Figura 1 – Frontispício das Obras Teosóficas de Jacob Böhme, Amesterdão, 1682.


Fonte: Vivenza (2003, p.100).

Vivenza (2003) sublinha que

20
Saint-Martin realiza que Jacob Böhme descreveu perfeitamente o que para sempre lhe
pareceu como evidente, ou seja, que só pode haver um conhecimento autêntico de Deus
pela invisível união, pela íntima ‘conaturalidade’ de substância em substância, entre alma
e a Divindade, união acessível unicamente pela pura perceção do coração (p.83).

21
Capítulo II
Saint-Martin e as suas obras

N o último trimestre de 1773, Saint-Martin vai ocupar-se a escrever o livro


“Des erreurs et de la vérité ou les hommes rappelés au principe universel
de la science”, tendo sido publicado em 1775. Esta obra é composta por sete
grandes secções ou capítulos, sem títulos. Teve a ideia de assinar o texto com o
nome de “Philosophe Inconnu” (Filósofo Desconhecido).
O livro teve um bom acolhimento nos meios literários, filosóficos e maçónicos,
em particular junto dos membros da Ordem dos Eleitos Coëns (Vivenza, 2003,
Caillet & Cuvelier-Roy, 2012). Traduzia, numa linguagem mais clara, a doutrina de
Martinès de Pasqually. Gence (1824) realça que foi uma resposta às afirmações de
Nicolas-Antoine Boulanger (1722-1759), que referia, na sua “Antiquité dévoilée”
(1766), que as religiões nasceram pelos medos que os homens tinham perante o
espetáculo impressionante dos fenómenos naturais (eclipses, tremores de terra,
trovoadas, relâmpagos, etc.). Também para Caillet e Cuvelier-Roy (2012), o texto foi
uma resposta

Contra os filósofos [Voltaire, Diderot, Holbach, Condillac, Helvétius, etc.] e as suas


‘escolas de matéria e de falta de razão’ para reabilitar a verdadeira filosofia, que é a
filosofia dos filósofos desconhecidos, ou a teosofia, que ensina que o Homem não é
apenas matéria e que a natureza visível assenta numa hierarquia de princípios invisíveis
(pp.14-15).

Voltaire, por seu turno, considera esta obra obscura, delirante e improvável
(Santis, 2020). Saint-Martin aplica-se a demonstrar que o Homem, para além dos
conhecimentos limitados, possui nele uma luz ativa e inteligente, e que é a fonte real
do pensamento religioso, um inexplicável saber, não material, à base de alegorias e

22
de mitos. Insiste sobre o carácter degrado do Homem atual, mas sem ombrear o
pessimismo austero de Joseph de Maistre (1754-1821) (Dermenghem, 1946;
Vivenza, 2015). Para Matter (1992 [1862]), esta obra é “uma refutação séria da
apologia do cristianismo e exigia um conhecimento da antiguidade, da sua filosofia e
das suas religiões, que Saint-Martin não possuía” (p.48). “A sua obra”, diz Matter,
“não é agressiva. Ele refuta as teorias do materialismo e mostra que a grande força
que se manifesta no Universo, e que leva à sua causa ativa, é a Palavra divina, o
Logos ou o Verbo” (p.48). Nesse sentido, “nada mais legítimo, de mais apostólico
desta doutrina por parte de um filósofo que professa para as Escrituras um culto
absoluto que o faz São-Martim” (p.48).
Este livro vai ser condenado pela Inquisição Espanhola em 1798, considerando-a
como “atentatória à Divindade e ao descanso dos governos” (Vivenza, 2003, p.109).
No entanto, o Martinismo nunca foi colocado no Index da Igreja Católica.
Quando compõe o seu livro, na casa de Jean-Baptiste Willermoz, em Lyon, vai
aprimorar um projeto de instrução para alguns membros da Ordem dos Eleitos
Coën. Acompanhado de Willermoz e de Jean-Jacques du Roy d’Hauterive (1741-
1800), Réau+Croix, foram decididas fazer duas conferências por semana. A primeira
terá lugar na sexta-feira, dia 7 de janeiro de 1774, focando sobre “a criação universal
material temporal e o número senário que a produz, e as suas relações com o
homem” (Amadou, 2011, p.217). As suas conferências vão terminar no dia 10 de
abril de 1776, deixando depois esta cidade.
O sucesso do primeiro livro (Des erreurs et de la vérité), e os encorajamentos dos
seus amigos mais próximos, incita Saint-Martin a escrever. O seu segundo livro será
publicado, em 1778, com o título “Tableau naturel des rapports qui existent entre
Dieu, l’homme et l’univers”. Continua a assinar com o pseudónimo de “Filosófico
Desconhecido”. A obra surge com a designação fictícia de Edimburgo, certamente
para dissimular Lyon como a cidade de impressão (Vinveza, 2003; Nahon, 2011).
É um tratado completo sobre a ciência iniciática e, na opinião de vários autores,
encontra-se melhor escrito do que o primeiro (Gence, 1824; Vivenza, 2003). Este
livro conduz-nos à idade de ouro da “Queda” do Homem até à reintegração final.
Procura, segundo Saint-Martin, explicar as coisas pelo homem e não o homem pelas
coisas (Gence, 1824; Guttinger, 1836; Berrouët, 2018).
Os editores desta obra declaram: 1) que tinham o manuscrito de uma pessoa
desconhecida; 2) que as margens do livro tinham um grande número de notas com
uma escrita diferente da do seu autor; 3) que as notas foram colocadas entre aspas,

23
por forma a se distinguir o que era do autor e de uma outra proveniência, à qual o
autor emprestou o seu manuscrito. Matter (1992[1862]) destaca que, para um
escritor que começou com um livro tão filosófico sobre os erros e as verdades, estas
palavras faziam nascer muitos erros. E questiona-se também sobre o interesse que
Saint-Martin tinha em derrotar o leitor pelo local de impressão da sua obra, numa
época em que os maus livros tinham o carimbo de Amesterdão, Londres ou
Lausanne. Advoga que colocou Edimburgo ou outros nomes fictícios, talvez por ter
alguns hábitos maçónicos, que ele não gostava muito.
Nesse ano de 1778, os irmãos lioneses, sob a condução de Willermoz, dão origem
à Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa (CBCS) (sexto grau do RER),
retificando a Estrita Observância (dita “Templária”)15. A Cidade Santa é a Jerusalém
celeste. Não se trata de restaurar a Ordem do Templo na sua dimensão guerreira. O
CBCS restringe-se a exercer a caridade e a benfeitoria para com todos os seres,
tendo em vista a edificação da Jerusalém celeste e a cidade torna-se um Templo
(Bricaud, 1930; Caillet & Cuvelier-Roy, 2012). Aproveitando a ausência de um
quadro teórico sólido no seio da Estrita Observância, de origem alemã (Le Forestier,
1970, 1987), Willermoz conseguiu em 1778, na ocasião do congresso maçónico
“Convent des Gaules” (Lyon), de 25 de novembro a 27 de dezembro, e depois
confirmada em 16 de julho de 1782, no “Convent de Wilhelmsbad”, perto de Hanau
(Alemanha), sob a presidência do duque Ferdinand de Brunswick-Lunebourg (1721-
1792), integrar as ideias de Martinès no novo sistema (CBCS) (Vivenza, 2012b).
Numa instrução secreta, Willermoz escreve: “no seu estado atual, o homem,
privado da Luz, o que lhe pode acontecer de mais funesto é de esquecer ou negar
esta Luz” (Vivenza, 2012a, p.135). De facto, como bom estudante dos jesuítas,
esclarecido sobre estas matérias, ele edifica o seu sistema como uma autêntica e
eficácia propedêutica da “Reintegração” do Homem (Mazet, 1976, Willermoz,
2012). Na perspetiva de Vivenza (2012b), Willermoz, com rara acuidade espiritual,
quando elaborava no segredo do seu coração os rituais dos diferentes graus do RER,
pensava que o homem não tinha a capacidade e o poder de se aproximar do trono
da Divindade.
Em 1787, duas viagens de Saint-Martin são de assinalar: Inglaterra e Itália. Para
alguém que gostava de escrever notas íntimas sobre a sua vida, não existe nada

15 A Estrita Observância Templária foi um movimento constituído entre 1751 e 1755 sob a impulsão do

nobre alemão de Lusácia, o barão Karl Gotthelf von Hund (1722-1776), que pretendia continuar a Ordem do
Templo abolida no século XIV.

24
escrito sobre estas duas viagens e as suas impressões, o que nos leva a questionar: (a)
estes países não o impressionaram?; (b) nem a vida religiosa e política? Continua um
mistério.
Através de uma carta datada de 04 de julho de 1790, Saint-Martin solicita a
Willermoz a erradicação do seu nome de todos os registos maçónicos, dado que o
seu espírito nunca esteve na Maçonaria. Nesse mesmo ano, Saint-Martin vai publicar
“L’homme de désir”, um livro mais lírico. Matter (1992 [1862]) refere que “são
páginas de uma ardente inspiração sobre o estado primitivo da alma; são páginas
inspiradas de um elevado estilo e, de certa forma, davídica: mas não é poético”
(p.115). Segundo Vivenza (2003), este livro encontra-se

Escrito com um aparente à-vontade, de um verbo extremamente vivo e atrativo, rico em


imagens invocadoras de uma rara beldade estilística, este texto emblemático, no seio da
obra Martinista, contribuirá, até aos dias de hoje, para a celebridade do Filósofo de
Amboise pela influência que ele exercerá sobre Félicité de Lamenais (1782-1854), Victor
Hugo (1802-1885) ou Honoré de Balzac (1799-1850), e é inegavelmente o mais acessível
para o leitor profano (p.67).

Saint-Martin retoma os elementos fundamentais da sua doutrina, como tinha


feito nos seus textos anteriores (“Des erreurs et de la vérité”, 1775; “Tableau
naturel”, 1782). Volta ao tema da Reintegração ensinada por Martinès de Pasqually,
mas de uma forma mais original. O Homem, na sua perspetiva, é um desejo de
Deus, convidando-o para a descoberta interior e afastando-se do mundo material.
“Deus procura uma nova aliança com o homem, mas um homem novo,
transformado, lavado e regenerado” (Vivenza, 2003, p.70). Saint-Martin realça que
“as maravilhas de Jerusalém celeste podem se reencontrar ainda hoje no coração do
novo homem, dado que elas já existiram desde a sua origem” (Saint-Martin, 1792,
p.432). Caillet e Cuvelier-Roy (2012) referem que, para Saint-Martin,

O único mediador qualificado e indispensável é Cristo, o Verbo incarnado, que é Cristo


em mim. Depois da Queda, nós somos todos viúvos e a nossa tarefa é de nos
recasarmos. Deste feliz casamento, desta união do homem com a Sabedoria divina, deve
nascer o novo homem, que é um outro Cristo (p.17).

Se bem que este livro tenha sido publicado em 1790, Saint-Martin trabalhava
noutro texto, “Le nouvel homme”, mas que só sairá em 1792. Foi sujeito a várias

25
correções e acrescentos posteriores. Pouco tempo depois da sua publicação, Saint-
Martin publica um pequeno opúsculo “Ecce homo”, a pedido de Marie-Louise
d’Orléans, duquesa de Bourbon (1750-1822). Reafirma o conjunto de princípios
fundamentais que presidem sobre o destino do homem nesta terra e procura
demonstrar a miséria atual das criaturas, deixando em aberto a esperança da sua
possível reabilitação (Vivenza, 2003).
Saint-Martin sublinha (2012 [1792]) que “Deus está perto de nós, é verdade, mas
nós, infelizmente, estamos longe de Deus; e o trabalho de nos aproximarmos dele é
tão cansativo, que ninguém ousa fazê-lo” (pp.61-62). Acrescenta ainda que o
“homem é um ser obscuro e um problema complicado aos olhos da filosofia
humana” (p.21). Somos, assim, “encorajados a fazer crescer os germes divinos que
nos constituem, por forma a encontrar as luzes da santa felicidade, segundo as
maravilhosas promessas do ‘Reparador’” (Vivenza, 2013, p.73).
No ano de 1782, o Filósofo Desconhecido publica mais um livro: “Tableau
naturel des rapports qui existent entre Dieu, l’homme et l’univers” e, em 1799,
escreve um texto alegórico, dando-lhe um nome estranho: “Le crocodile, ou la
guerre du bien et du mal arrivée sous le règne de Louis XV, poème épico-magique
en 102 chants” (1799)16. Este livro mostra que “Eléazar” combate o mal apenas pela
pura virtude do seu desejo, tendo como arma principal um pó mágico. Na opinião
de Gérard e Pécheux (1971),

No ventre do crocodilo – a França do século XVIII – vão coabitar, por um tempo, os


homens da procura da “prosperidade da matéria” e os “homens de desejo” que partem
com coragem e confiança a conquista da graça de Deus” (p. 681).

Dessa forma, é, segundo os autores, um prodígio a conjunção de dois contrários:


“século de desejo” e “século de razão”. A coexistência descrita por Saint-Martin, no
quadro de um romance fantástico, merece mais do que uma simples menção. A
intervenção do crocodilo provoca uma interrogação no domínio da ideologia
política.
Em 1800, é publicado o “Les esprits des choses”, que se pode resumir assim: não
pode haver um desejo de verdade em nós sem que não possuamos uma efetiva
analogia com ela. Saint-Martin considera o homem como sendo um espelho vivo,

16Este livro de Saint-Martin foi, pela primeira vez, traduzido em língua portuguesa por Inácio Balesteros e
editado pela Editora Zéfiro, em 2016. Inclui textos de António Quadros, António Telmo e Rodrigo Sobral da
Cunha.

26
que reflete todos os objetos e que o leva a ver e a conhecer tudo, mas esse espelho é
um reflexo da Divindade. É por esta luz que o homem adquire ideias sãs e que
descobre a eterna natureza, como foi escrito por Böhme (Gence, 1824).
“Le ministère de l’homme-esprit”, novo livro, surgirá em 1802, mas não
encontrará muito sucesso junto do público, que, aparentemente, assumia
dificuldades às exigentes meditações metafísicas. Nesta obra estabelece uma lista de
dados, ausentes noutros livros, e convida os leitores a se instruírem com Böhme.
Saint-Martin tenta demonstrar como o Homem-espírito (ou exercendo um
ministério espiritual) pode melhorar e se regenerar a si mesmo e os outros, dando
lugar à Palavra ou o Logos (o Verbo) ao homem e à natureza (Gence, 1824).
Saint-Martin falece, pelas onze horas da noite, vítima de apoplexia, em 13 de
outubro de 1803, em Aulnay, perto de Scéaux, na casa de campo do seu amigo e
maçom do RER, o conde Jean-Jacques Lenoir-Laroche (1749-1825) (advogado,
jornalista, senador), deixando um grande legado literário e muitos admiradores.
Maistre (1854 [1822], p.294) indica que Saint-Martin morreu em 13 de outubro de
1804, e não em 1803, e sem querer receber um padre, citando o jornal Mercure de
France, 18 de março de 1809, n.º 408, p.499 e ss. Cremos que a data do falecimento
em 1804 é um lapso, pois outros autores referem a morte em 13 de outubro de 1803
(Gence, 1824; Vivenza, 2003).
Saint-Martin nunca fundou uma Ordem Martinista. No inventário dos seus bens,
quando da sua morte, havia num minúsculo espaço cerca de duas dezenas de
cadeiras, quase o mesmo número de cadeiras que se encontraram na rua Carpenteye,
na casa de Martinès de Pasqually (Caillet & Cuvelier-Roy, 2012). Saint-Martin
animou conferências particulares até ao final da sua vida. Numa carta que escreveu
ao seu amigo Kirchberger, em 1797, referia que

A única iniciação que eu prego e que eu procuro com todo o ardor da minha alma é
aquela por onde nós podemos entrar no coração de Deus e deixar entrar o coração de
Deus em nós para fazer um casamento indissolúvel, que nos torna amigos, o irmão e o
esposo do nosso divino Reparador” (Saint Martin apud. Caillet & Cuvelier-Roy, 2012,
pp.53-54).

O jornalista René Tourlet (1804) destacou que Saint-Martin

27
Era tão expandido no mundo e tão pouco conhecido onde vivia, que as notícias do dia
anunciaram o seu falecimento, confundindo-o com Martinez-Pascali, falecido há muito
tempo em São-Domingos, chefe de uma seita de iluminados expandido na Alemanha
(p.325).

Na sua opinião, Saint-Martin não tinha a linguagem e a conduta de um chefe de


seita religiosa. Ele pretendia, pelo contrário, sublinhar que a via da verdade estava
aberta a todos os Homens e que eles possuíam os meios para a ela chegar (Vivenza,
2013, 2020). O seu sistema, na opinião de Tourlet (1804), tinha por objetivo explicar
tudo pelo Homem, e o Homem, segundo ele, é a chave de todo o enigma, a imagem
de toda a verdade. A nossa faculdade criadora é vasta, ativa e inesgotável, mas,
examinando de perto, vemos que ela é secundária, temporal, dependente, e que a ela
se deve, na sua origem, a uma faculdade criadora, superior, independente, universal,
e que a nossa é apenas uma cópia. E o Criador, podendo olhar apenas para si, criou
as suas obras e traçou em nós a sua imagem e semelhança, base essencial de toda a
realidade. O homem virtuoso torna-se a imagem de Deus, e que permite estabelecer
a comunicação entre Deus e o homem, o que é suficiente para a felicidade. O
filósofo desconhecido associa todas as ciências e todas as questões a esta teoria.
Amava as alegorias e as coisas escondidas. E, se queremos julgar o Homem, as suas
ações estão aí, e toda a vida do Filósofo Desconhecido nos demostra que ela foi
uma aplicação contínua dos seus preceitos, que recomenda nos seus textos e que
praticou melhor do que ninguém. Saint-Martin referiu que “é bom olhar
continuamente sobre a ciência, para não nos persuadirmos que sabemos alguma
coisa; sobre a justiça, para não crermos irrepreensíveis; sobre todas as virtudes para
não pensar que as possuímos” (Saint-Martin apud. Tourlet, 1804, p.336).
Segundo Gence (1824), todos os escritos e discursos de Saint-Martin tinham por
objeto mostrar que a via da verdade poderia se abrir a todos os homens
verdadeiramente cristãos, pela meditação. Ele não colocava em causa a legitimidade
do sacerdócio cristão, mas pensava que a instituição de Cristo poderia operar pela fé
sincera, pelos poderes e os méritos do Redentor.
Papus (1899), por seu turno, vai dizer que o Martinismo é cristão, mas o seu
espírito é anticlerical, sustentando uma afirmação de Saint-Martin:

A ignorância e a hipocrisia dos padres foram uma das causas principais dos males que
afligiram a Europa durante vários séculos até aos dias de hoje. Eu não conto a
pretendida transmissão da Igreja de Roma, que, na minha opinião, não transmite nada

28
como Igreja, apesar de alguns dos seus membros poderem transmitir, algumas vezes,
seja pelas suas virtudes, seja pela fé dos rebanhos, seja por uma vontade particular de
praticar o bem (p.29).

Em relação a Pasqually e a Böhme, que concebem o espaço ritual como um


momento privilegiado para atingir o conhecimento da “Causa Primeira”, finalidade
última do seu percurso iniciático, Saint-Martin promove uma filosofia e uma
teosofia fundada sobre a reflexão, numa tentativa de conciliação das instâncias
racional e espiritual do ser humano, segundo um código de filiação neoplatónica que
ele absorve e reelabora a partir das doutrinas do filósofo alemão (Santis, 2020).
A corrente de pensamento de Saint-Martin vai chamar-se “Martinismo”17, termo
que também se aplica à doutrina e aos ensinamentos da Ordem Martinista, fundada
em 1887 por Gérard Encausse (1865-1916)18, mais conhecido por “Papus”, e
Augustin Chaboseau (1868-1946) (Encausse, 1932, 1960, 1979; Papus, 2001, OM,
1900). Segundo Neto (apud. Almeida & Leite, 2011), Papus foi:

Um dos mais famosos ocultistas franceses do seu tempo. Doutor em Medicina, cedo se
interessou pelo universo do esoterismo e se empenhou no combate ao cientismo.
Integrou várias sociedades de natureza iniciáticas ligadas a áreas diversas como a
teosofia, a cabala, o gnosticismo, o hermetismo e a maçonaria. Criou em 1891,
juntamente com Augustin Chaboseau (1868-1946), a Ordem Martinista, de que a revista
L’initiation (criada por Papus em 1888) passou a ser órgão oficial. Dessa dinâmica
resultou também a criação, em 1897, da Faculdade Livre de Ciências Herméticas.
Deixou uma vasta produção literária (p.55).

Tendo sido iniciados por uma transmissão Martinista diferente (cf. Figura 2), vão
procurar prosseguir os ensinamentos de Martinès de Pasqually e de Saint-Martin,
fundando a Ordem Martinista (com três graus: associado, iniciado e superior
desconhecido - S.I.19)20 em 188721 e, em 1888, Papus participa na fundação da

17 A palavra “Martinista” foi “empregue em 1783 por Louis-Sébastien Mercier, na sua obra Tableau de Paris
para designar os simpatizantes de Saint-Martin. Mas ela foi também utilizada por Saint-Martin, numa carta,
em 1792, a propósito dos Martinistas russos, os maçons do RER (Caillet & Cuvelier-Roy, 2012, p.10).
18 Sobre a vida e obra de Papus, confronte “Ordre Martiniste” (2018).
19 Este último grau é o elo inquebrantável da cadeia iniciática e compreende a função de Iniciador (Bricaud,

1921). Os Martinistas modernos reconhecem que os três graus da Ordem são uma criação de Papus, dado
que Saint-Martin remetia-os todos de uma só vez (Ambelain, 1948).
20 A Ordem Martinista vai ter um ritual, adotado em 1913, de um outro existente elaborado por Édouard

Blitz (1860-1915), em 1896, que residia nos EUA, tendo o grau de CBCS. Será traduzido para francês por
Charles Détré (1855-1918), conhecido por Téder (2002). Téder é, inicialmente, reconhecido pelo seu anti-

29
Ordem Cabalística da Rosa-Cruz. De referir que também ajudou a criar a Faculdade
Livre de Ciências Herméticas, destinada a permitir o estudo metódico das ciências
do invisível (magia, alquimia, etc.), e línguas (hebreu, sânscrito)22.

Louis-Claude de Saint-Martin

Anné de la Noué Jean-Antoine Chaptal

Antoine-Marie
Henri Delaage
Hennequin

Henri de la Touche

Adolphe Desbarolles

Amélie de Boisse-
Mortemarte

Gérard Encausse
Augustin Chaboseau (Papus)

Figura 2 – Transmissão da iniciação Martinista.

Fonte: Amadou (1946, p.45).

maçonismo, publicando o livro “Les apologistes du crime” (1901). Foi expulso da Bélgica pelas suas opiniões
liberais, viveu na Holanda e depois em Inglaterra. Foi aí que encontrou o Martinismo. Em 1903, Papus
nomeia-o delegado geral da Ordem Martinista e depois, em 1905, o seu inspetor geral para a Inglaterra e as
colónias inglesas. Em 1906, de regresso a França, Papus confia-lhe a direção de uma revista (“Hiram”),
opondo-se a uma outra existente (“L’Acacia”; revista de estudos maçónicos), gerida pelo jornalista Charles-
Mathieu Limousin (1840-1909). Vai maçonizar a Ordem Martinista, sob o pretexto de se regressar às origens
(Caillet & Cuvelier-Roy, 2012).
21 Cf. https://www.youtube.com/watch?v=teSuUlb4YYM (consultado em 05/02/2021). De sublinhar que,

para além da França, a Ordem Martinista desenvolveu-se a nível internacional, com Lojas, Iniciadores,
Delegados, ao ponto de constituir, em 1900, uma das principais organizações iniciáticas ocidentais. Algumas
etapas da Ordem Martinista de Papus: 1884-1885 (as primeiras iniciações); 1887 (criação da primeira Loja
Martinista): 1887-1890 (criação da Ordem Martinista, redação dos estatutos e cadernos de instrução); 1891
(constituição do primeiro Supremo Conselho, composto por 12 membros). Uma listagem com os nomes dos
12 membros consta em Caillet & Cuvelier-Roy (2012, p.151).
22 Esta Escola Hermética contou com a presença de vários professores e ocultistas: Paul Sédir, Marc Haven,

Jollivet-Castelot, Victor-Émile Michelet, Serge Basset, Papus, Fernand Rozier, entre outros. (Caillet &
Cuvelier-Roy, 2012).

30
Papus refere que a sua iniciação teve lugar em 1882, com a idade de 17 anos,
transmitida pelo escritor e jornalista Henri Delaage (1825-1882)23, que, por sua vez,
a terá recebido do seu avô Jean-Antoine de Chaptal (médico, químico e político)
(1756-1832), conde de Chanteloup, mas ela comporta fantasias (Ambelain, 1948),
lacunas e incoerências (Caillet & Cuvelier-Roy, 2012), é ilusória (Dachez & Pétillot
(2010) e pseudomartinista (Telmo, 2014).
Augustin Chaboseau situa a sua iniciação Martinista em 1886, recebida da sua tia,
Amélie de Boisse-Mortemart (1843-?), mas também é incerta quanto à natureza e
circunstâncias da receção (Caillet & Cuvelier-Roy, 2012). O filho de Augustin
Chaboseau, Jean (1903-1978), coloca em causa esta iniciação, escrevendo

Nosso lembrado Irmão Augustin Chaboseau redigiu uma nota sobre a sua iniciação pela
sua tia Amélie de Boisse-Mortemart, nota que não deixa nenhumas dúvidas. Tratava-se
unicamente da transmissão oral de um ensinamento particular e de uma certa
compreensão das leis do Universo e da via espiritual, o que, em nenhum caso, poderá
ser considerada como uma iniciação de forma ritualística” (Jean apud. Caillet & Cuvelier-
Roy, 2012, p.51).

Papus e Augustin Chaboseau, em 1888, querendo reforçar a sua posição, vão


transmitir a sua iniciação mutuamente (Caillet & Cuvelier-Roy, 2012). As primeiras
iniciações pessoais terão lugar de 1884 a 1885, em Paris. Sem ritual, limitavam-se a
“uma transmissão oral, composta por duas letras e de pontos” (Papus, 1899, p.45).
Depois da morte de Papus, em 1916, e com a morte ou a dispersão geográfica
dos Martinistas durante a Primeira Guerra Mundial, Chaboseau tenta reorganizar a
Ordem e dá-lhe o qualificativo de “Tradicional” para se distinguir de outros
movimentos que iam surgindo. De facto, no século XX houve uma grande
fragmentação destes movimentos, dando origem a inúmeros grupos e
organizações24 (Encausse, 1960; Caillet & Cuvelier-Roy, 2012; Jarriage, 2017; Freitas,
2020). E homens e mulheres vão sendo iniciados, incarnando este movimento
tradicional, mas seguem a doutrina da Reintegração, que os liga à tradição judaico-
cristã.

23 Autor de várias obras, entre as quais a “Doctrine das sociétés secrètes” (1852).
24 Para Dachez (2016), o Martinismo não é um movimento de massas e existe um equívoco histórico sobre as
filiações iniciáticas provenientes de Martinès de Pasqually e Saint-Martin. E, como a confusão histórica +e
grande, é possível continuarmos a verificar a fragmentação de grupos Martinistas
(https://www.youtube.com/watch?v=FY9dPhXNDvM&t=7s, consultado em 22/02/2021).

31
Capítulo III
Saint-Martin: um filósofo/teósofo
desconhecido em Portugal?

E m Portugal, quando se faz uma pesquisa nos catálogos do Arquivo


Nacional da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP)
não surge nenhum trabalho científico sobre o Martinismo. Na BNP surgem
referenciados dois livros: Papus (2001), que é uma tradução do livro francês,
Martinésisme, Willermosisme, Martinisme et Franc-Maçonnerie, e um livro de António
Telmo, A Terra Prometida: Maçonaria, Kabbalah, Martinismo e Quinto Império, da editora
Zéfiro, 2014.
Em 2016, a temática do Martinismo surge, de forma mais aprofundada, numa
comunicação apresentada no I Congresso sobre Esoterismo Ocidental, promovido
pela Universidade Lusófona (Carreira, 2016), mas assume um caráter mais
generalista do que histórico ou científico.
Numa pesquisa mais exaustiva, e recuando até ao início do século XX,
encontramos referências a Saint-Martin, a Martinès de Pasqually e a Joseph de
Maistre no Capítulo VII - Decadência e Progresso do livro “O Encoberto” (1904), de
José Pereira de Sampaio (1857-1915), de pseudónimo Sampaio Bruno, escritor,
ensaísta e político. Sampaio Bruno foi uma figura importante do pensamento
português do seu tempo e considerado um dos fundadores da Filosofia Portuguesa.
Era filho de um pai seguidor do ideário liberal e ligado à Maçonaria. Foi um dos
mentores da Revolta de 31 de janeiro de 1891, ação prenunciadora da implantação
do regime republicano. Com o fracasso desta sublevação, Sampaio Bruno exilou-se
em Madrid e em Paris. Com a sua permanência em Paris, aprofundou
conhecimentos sobre as novas correntes culturais da época. Será certamente aí que

32
terá tomado conhecimento das obras de Saint-Martin e das biografias que
circulavam por diversos autores, nomeadamente as de Gence e de Matter. “O
Encoberto” apresenta caraterísticas esotéricas e Sampaio Bruno tenta se afirmar
como o historiador esotérico (Torres, 1975). Das páginas 330 a 342, sublinha, no
português da época, que “quanto mais se estuda Saint-Martin, com o tractado de seu
mestre, Da Reintegração, á vista, tanto mais se sente, em toda a sua profundidade, a
influencia do theurgista de Portugal sobre o mais celebre dos seus discípulos de
Bordéus” (p.331). Com base na leitura do livro de Matter (1992 [1862]), Bruno
Sampaio reproduzia que Martinès era “portuguez de nação” (p.333) e da religião
judaica. Ele procura ao longo do capítulo VII acentuar a nacionalidade portuguesa
de Martinès de Pasqually, mostrando que o martinismo e a filosofia portuguesa são
uma mesma verdade, quer pela origem, quer pelo seu desenvolvimento (Telmo,
2014).
Álvaro Ribeiro (1905-1981), também considerado um dos fundadores do grupo
da “filosofia portuguesa”, no livro A Arte de Filosofar (1955), faz uma referência a
“Pascoal Martins” (Martinès de Pasqually). O autor diz que

A tradição portuguesa, a esperança de que o Cristianismo reintegrará o Homem e a


Natureza no Reino de Deus, durante o século XVIII passa a exprimir-se em termos
diferentes dos que ficaram estabelecidos na nomenclatura da teologia católica e da
filosofia aristotélica. A obra de Pascoal Martins, vertida maravilhosamente na cultura da
Europa Central, dá-nos uma síntese, ainda hoje admirável, das tradições peninsulares
(Ribeiro, 1955, p.142).

Em 2016, a Editora Zéfiro vai lançar o primeiro livro de tradução portuguesa do


“Le crocodile, ou la guerre du bien et du mal arrivée sous le règne de Louis XV,
poème épico-magique en 102 chants”. Na apresentação do livro, António Telmo
refere que “Saint-Martin só teve um mestre e este foi Pascoal Martins. Pela leitura
do Crocodilo se vê que está de tal modo ligado ao seu mestre que, nesse seu
romance, considera que é ele que vai redimir a humanidade, devolvendo-lhe a
liberdade, libertando-a do Crocodilo”.
Para além das referências literárias por diversos autores, em Portugal o
Martinismo é praticado, ininterruptamente, desde 1998, sob a égide da Ordem Rosa

33
Cruz (AMORC)25, em locais chamados de “Heptadas” (locais onde os Martinistas se
reúnem para trabalhar de forma ritualística)26, onde o estudante rosa-cruz encontra
um complemento do misticismo, tendo em vista a sua evolução espiritual. Para se
integrar a Heptada, o estudante rosa-cruz terá de estar cerca de um ano e meio
inscrito (até atingir o 1.º Grau) na AMORC e só depois desse período probatório é
que poderá pedir a inscrição como membro Martinista. Para a inscrição, um valor
financeiro é cobrado e um termo de responsabilidade e confidencialidade tem que
ser assinado pelo candidato. A AMORC em França, por exemplo, aceita a inscrição
direta no Martinismo, no modo de ensinamento escrito, e o estudante pode receber
os fascículos em suporte papel ou via Internet e fazer, mediante as instruções dadas,
a sua própria iniciação. Para frequentar um organismo Martinista (ensinamento
oral), tem de ser membro rosa-cruz.
Os temas tratados nos manuscritos são diversos: o Grande Arquiteto do
Universo, a Queda do Homem, as origens da Criação, o templo do Homem, o
templo Universal, a ciência dos números, o Antigo e o Novo Testamento, a missão
de Cristo, o mundo invisível, o simbolismo celeste, a alquimia dos sonhos, a oração,
a cabala, a mística de Jacob Böhme, a reintegração dos seres (segundo Martinès de
Pasqually), a simbologia do Pentáculo, o livro da Natureza, o livro do Homem, os
anjos, etc. Os assuntos são tratados sob um ângulo esotérico e místico e não
religioso. Deixa a cada um a liberdade de interpretação (OMT, 2021).
Com a criação da Grande Loja Simbólica de Portugal27, em 21 de maio de 2011, e
a continuidade dos trabalhos de expansão, procurou-se implementar o Martinismo,
tendo o seu ex-Grão-Mestre (João Pedro Rangel) encetado esforços de filiação com
a Ordem Martinista de Papus. Em 2021, face à pandemia Covid-19, os trabalhos
foram interrompidos.
O RER, estruturado por Willermoz no século XVIII, é praticado em Portugal, na
Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de Portugal28.
Uma sessão de apresentação do RER pelo Grande Oriente de França (GODF)
foi organizada no Grande Oriente Lusitano (GOL), no dia 05 de março de 2010,

25 No site https://agc.sg.mai.gov.pt/details?id=585413 (consultado em 07/02/2021) surge a referência à


“Primeira Heptada Martinista de Lisboa”, sedeada na Rua Dom Dinis, n.º 24, sede da Loja Rosa-Cruz
AMORC.
26 Em fevereiro de 2021, e de acordo com um dos dirigentes dessa Heptada, contavam-se cerca de três

dezenas de membros ativos, ou seja, com as quotizações pagas.


27 A Grande Loja Simbólica de Portugal informa no seu site que o Círculo VERITAS representa a Ordem

Martinista em Portugal (cf. https://www.memphismisraim.pt/index.php/ordem-martinista/nomeacao-do-


novo-grao-mestre-da-ordem-martinista, consultado em 07/02/2021).
28 No website, em 22.02.2021, anunciavam a existência de nove Lojas (Lisboa, Porto e Algarve).

34
mas não foi criada nenhuma Loja. Segundo o testemunho de alguns maçons
membros do GOL, deve-se à “visão anacrónica do Supremo Conselho29 do Rito
Escocês Antigo e Aceito (REAA), que não deixou dar sequência à Carta-Patente30”.

29 É uma instituição maçónica autónoma que congrega Lojas Maçónicas dos chamados altos graus do REAA,
ou seja, dos graus 4 ao 33.
30 Carta-Patente: é o documento que certifica a criação, pela forma tradicional e regularmente reconhecida,

de uma Loja maçónica.

35
Conclusão

Muitas vezes confunde-se a designação de Martinistas os discípulos de Martinès


de Pasqually e os de Louis-Claude de Saint-Martin. Apesar das teorias serem as
mesmas, uma profunda diferença separa as duas escolas. A de Martinès situa-se no
quadro da Maçonaria, enquanto a de Saint-Martin se endereça aos profanos, ou seja,
aos não iniciados. A segunda afasta as práticas e as cerimónias teúrgicas enquanto a
primeira atribui uma importância capital. E, é neste sentido, que a confusão surge e
se instala entre Martinismo e Martinesismo.
O Martinismo é uma via iniciática que remonta ao século XVIII, e não é uma
“sinagoga diabólica”, como foi considerada por alguns católicos. Ele abrange
significados diversos. Em primeiro lugar, ele designa o sistema de teosofia
constituído por Saint-Martin, iniciado na “L’Ordre des Chevaliers Maçons Elus
Coëns de l’Univers”, em 1768. Martinista é, assim, aquele ou aquela pessoa que
estuda este sistema e que o coloca em prática. Martinista designa também a doutrina
e o sistema de Martinès de Pasqually, que foi o mestre de Saint-Martin, na Ordem
dos Elus Coëns. Os Martinistas são assim os Eleitos Coëns. O Martinismo é ainda o
RER de Jean-Baptiste de Willermoz. Por fim, o Martinismo designa a Ordem
Martinista de Gérard Encausse, médico e ocultista, mais conhecido por Papus, na
“Belle Époque”, e por Augustin Chaboseau, no século XIX.
Embora, o sistema teosófico de Saint-Martin tenha sucumbido nas lutas das
ideias, muitos homens e mulheres continuam a estudar a sua doutrina, em particular
a da Reintegração, ligando-os à tradição judaico-cristã, e incarnam movimentos
tradicionais. Martinès e Saint-Martin são as grandes “luzes” do Martinismo.
Willermoz e Papus, cada um da sua forma, continuaram esta corrente: um no RER e
o outro na Ordem Martinista. São, assim, várias as vias que se oferecem aos
Martinistas contemporâneos.
Em 1788, com a idade de 45 anos, Saint-Martin viaja a Estrasburgo e toma
conhecimento da obra de Böhme por intermédio de uma das suas melhores amigas,

36
Charlotte de Boecklin. Ele tinha ouvido falar do sapateiro teósofo quando fez uma
viagem a Inglaterra, dado que Böhme era traduzido em inglês por um editor seu
amigo, de nome William Law. Esta descoberta foi determinante para a evolução do
seu pensamento. Antes dessa data, Saint-Martin escreve de acordo com o seu
primeiro mestre, Martinès. Saint-Martin não é diplomado em filosofia, mas é um
universitário, pois ele terminou a licenciatura em Direito, tornando-se advogado,
ainda que a passagem pela profissão tenha sido curta (seis meses). Como não estava
satisfeito com este trabalho, abandonou-o para seguir uma carreira militar, com 22
anos de idade. Esta conversão deixou-lhe tempo para estudar, como bem entendeu,
a filosofia e a religião, mas sobretudo permitiu-lhe entrar na sociedade secreta
fundada por Martinès.
A doutrina fundamental dos Eleitos Coëns era fundada na “reintegração dos
seres”, tema tratado por Martinès e aprofundado por Saint-Martin. Pensavam que
toda a Criação é povoada de seres, mas que, segundo a forma como são conduzidos
até Deus depois de terem sido emanados, estão afastados Dele. Os Homens fazem
parte desses seres. Se eles vivem na terra, é porque prevaricaram e encontram-se no
exílio. A sua missão é a de reencontrar o estado divino, que era o seu antes da
Queda (pecado original). Para aí chegar, é preciso trabalhar para a reintegração,
apelando às entidades espirituais que se encontram no mundo invisível,
nomeadamente os anjos, através de ritos teúrgicos concebidos para esse fim. O
Martinismo associa três forças ao Universo, a uma trindade chamada Providência,
Vontade e Destino. A primeira pertence a Deus, a segunda à Natureza. O Homem,
colocado entre a Providência e o Destino, possui a Vontade.
A doutrina Martinista surge referenciada em alguns autores portugueses,
nomeadamente Sampaio Bruno e Álvaro Ribeiro, considerados como fundadores da
Filosofia Portuguesa. E continua a ser estudada e praticada, sob a égide de diversas
organizações.
Como Durkheim (2000 [1912]) e Weber (1990 [1905]) evidenciaram, as religiões
ou as correntes esotéricas são um produto das sociedades em que emergem, que
inspiram e animam os seus crentes a agirem na construção de uma nova realidade.
As crenças religiosas não são abstrações, na medida em que advêm de contextos
culturais e constituem uma força mobilizadora dos povos na construção do seu
futuro.

37
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44
Anexo

45
I

Uma conversa com Saint-Martin sobre os


espetáculos 31

Você não vai, diz-nos, mais ao espetáculo?


– Saint-Martin. Há quinze anos que eu não vou.
– Este género de prazer não tem, sem dúvida, para si a mesma atração.
– Saint-Martin. A representação de certos dramas é um dos prazeres de que eu
gostei e que ainda gosto com mais paixão.
– Entendo, os seus princípios morais condenam o teatro.
– Saint-Martin. As produções dramáticas que me dão tanta satisfação não são
aquelas cuja representação me parece digna de censura. Porque o prazer que elas
me fariam não poderia nascer da emoção ligada ao espetáculo e de uma ação
virtuosa colocada em cena, e esta simpatia deliciosa que me faria partilhar o
sentimento com todos os espetáculos de uma forma tão unânime, como
espontânea.
– É a falta de tempo que vos impede de provar o prazer ao qual dá tanto valor?
– Saint-Martin. Bem menos ainda; nestes quinze anos, eu meti-me muitas vezes a
caminho para os espetáculos.
– E o quem o parou a caminho?
– Saint-Martin. Não lhe posso dizer.
– Gostaria imenso de conhecer o seu pensamento a este respeito. Há qualquer
coisa de misterioso do número, do crocodilo? É preciso ser iniciado para desvendar o
seu segredo? Não é suficiente eu ser seu amigo?
– Saint-Martin. Não há aqui nada de mistério, de iniciação; mas se eu dissesse a
causa que me fez parar no meu caminho, você me creria melhor do que eu sou.

31Este texto foi publicado nos Archives littéraires de l'Europe : ou Mélanges de littérature, d'histoire et de philosophie par
une société de gens de lettres : suivis d'une Gazette littéraire universelle, 1804-01, 1792, páginas 337-340. A entrevista foi
conduzida por Joseph-Marie Derégando (1772-1842). Ela precede a uma informação histórica sobre a vida e
as principais obras de Saint-Martin, realizada por René Tourlet (175?-1836), nas páginas 319-336. Fazemos
aqui uma tradução livre.

46
– Bom, eu prometo de não vos crer tão bom do que você é realmente. Agora não
tem mais pretextos. Satisfaça a minha curiosidade.
– Saint-Martin. Eu vos direi agora, mas por uma razão contrária, a fim de que
você não creia que é a coisa mais importante e mais digna da vossa atenção do
que ela é. Nada de mais simples. Eu parti muitas vezes da minha casa para ir aos
Franceses, e talvez ainda a um outro espetáculo. No caminho, eu dobrava o passo,
sentia-a uma viva agitação, por uma alegria antecipada do prazer que iria ter. Mas
interrogava-me sobre a natureza das minhas impressões, que me faziam sentir
dominado. Posso vos dizer, não encontrava em mim a espera desse estado
inebriante que me fazia sentir noutros momentos, quando os mais sublimes
sentimentos de virtude, exprimida na língua de Corneille e Racine, excitavam os
aplausos universais. Uma reflexão surgia-me. Eu vou pagar, dizia para mim, o
prazer de admirar uma simples imagem, ou, mais ainda, uma sombra da virtude.
Com a mesma soma…
– Continue, por favor, caro Saint-Martin.
– Saint-Martin. Bem, com a mesma soma, eu poderia atingir a mesma realidade
dessa imagem, e poderia fazer uma boa ação em vez de a ver retratada numa
representação fugitiva.
– Complete, peço-vos.
– Saint-Martin. Eu nunca resisti a essa ideia. Ia a casa de um infortunado, que eu
conhecia, e deixava-lhe o valor do meu bilhete no chão e sentia tudo aquilo que
me prometia o espetáculo, até ainda mais, e regressava a casa sem nenhum
remorso.

47
Louis-Claude de Saint-Martin

48

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