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Crónica do negócio

9 de Agosto de 2023 11

que nunca dorme


A prostituição cose-se sem-
pre com as mesmas linhas
— em Lisboa ou Castelo
Branco, na casa de alterne
ou no centro de massagens.
A diferença está nos preços,
embora a crise esteja a bai-
xá-los em todo o lado. Duas
semanas de experiências
e muitos quilómetros
depois, eis o chique e o

Foto: Diana Quintela


choque da pequena indús-
tria do sexo à portuguesa,
conta Bruno Horta

Em noite de casa cheia, um septuagenário de pé lança olhares demorados às meninas

e
que passam. Cabelo branco, calças brancas, meias brancas, e por cima um casaqui-

fa nt nho de malha escorrido com estampagem de cornucópias. A música frenética solta


Casa
Ele de
bafos de aventura. A certa altura o homem puxa o banco mais à mão e agarra-se

c o
a uma imperial já morta. É óbvio que lhe resta firmeza — porque ele ainda se en-

Br an trega às chamas e o Elefante Branco está todo a arder.


altern
e
“Sabes quanto dinheiro tem um gajo destes?”, pergunta o António, que há 25 anos
bate todas as casas de alterne de Lisboa. Sentado ao nosso lado, com dois Hendrick’s
já sorvidos, começa agora a dissertar. “O gajo pode pagar 300 euros para sair daqui
com uma das miúdas, mas faz questão de dar mais. Não lhe fica a fazer falta. Isto é gente
que não quer que elas peçam 300. Querem que elas digam mil. E ainda ficam felizes com isso”.
A pequena indústria do
Quase três da manhã na casa de alterne mais conhecida do país — hoje no Conde Redondo e com novos
sexo pago em Portugal
gerentes, depois de uma época dourada na Luciano Cordeiro, aqui ao lado. O António vibra na ânsia de se
deixa a sensação de só se
deixar cair na armadilha, a gigante teia de aranha que atrai o pobre insecto. O álcool ajuda ao rumor de
ver uma ponta do iceberg.
conversas e rituais bem medidos. Olhemos em redor.
Que será que se esconde
Casados, solteiros e encalhados. Pobres, ricos e falidos. Há um jogador de futebol com t-shirt e calças de
atrás dos panos: apenas
ganga muito apertadas. E mesmo ao lado repimpa-se um ‘dealer’ que faz pose de monarca. Passa uma
consumos e negócios — ou
brasileira em vestido vermelho colante e espantosas curvas cobiçadas, toda esculpida a bisturi. Raparigas
haverá mais? Talvez seja
novíssimas, loiras, negras, morenas — “belezas Swarovski”, como diria o escritor João Alves da Costa. Con-
o imprescindível jogo da
tam-se pelo menos 50 e talvez o dobro em homens.
sedução a criar uma aura
Poderia ser uma discoteca comum, mas não é. Aliás, elas não dançam, saracoteiam-se de mesa em mesa,
de mistério. Ou pode ser a
e por vezes atiram-se aos sofás
consciência entranhada de
agarradas ao telemóvel, as-
tudo isto andar sempre nas
sim matando o tempo até que
bordas da licitude.
chegue a sua vez. Duas loirís-
A princípio procurávamos
simas ucranianas — dizem elas
tomar o pulso ao sexo co-
— vêm colar-se à nossa cara
mercial em época de crise.
com conversa fiada “where are
Mas a conclusão chegou
you from”. O António fura o ruí-
depressa e arrumou o
do e não se cansa de repetir:
assunto: há mais gente no
“Isto não é prostituição, isto são
ramo, sobretudo brasileiras,
acompanhantes de luxo”. Poder
Foto: Diana Quintela

os contactos e informações
de síntese: “Aqui vens beber uns
têm existência quase exclu-
copos, escolhes a gaja, nego-
siva na internet
ceias e sais com ela. Agora vê lá Continua
e os preços
o que vais escrever no jornal!”. na página
baixaram em
seguinte
12 9 de Agosto de 2023

Casa
de
altern
e
relação aos
Continuação
da página últimos dois
anterior anos. Partimos
para outra dú-
vida mais vasta — surgida
até numa crónica de Rita
Ferro para o Tal&Qual: “Com
a facilidade de relações
que há hoje, por que razão
continuam os homens a
pagar para ter sexo?”. A
resposta não está fácil.
Que a prostituição ainda
vive no tabu e nas meias-
Foto: Diana Quintela

-palavras, ninguém duvida.


O que se ouve a quem pra-
tica são histórias gloriosas
ou tristes, com verdade e
ficção bem enleadas. Quem
se oferece sonha com nada e esta conversa nunca Havia outra recomendação dois homens estrategica-
dinheiro — ponto. Quem existiu. de quem conhece o meio. mente escondidos nos sofás
procura quer evadir-se ou Num hotel virado para a Tinham-nos falado do Kopas, do fundo que têm costas

gens
sentir poder. Uns e outros Gardunha o esclarecimento na serra algarvia, isolado altas e não deixam ver
com personagens à medida
da situação e tudo o que
dizem e fazem é potencial-
vem de um empregado de
bochechas encarnadas. “Há
dois bares muito melhores
junto a um pinhal na berma
do IC1. É no sítio dos Quei-
mados, que pertence a São
quem está. Há mesas
de snooker e luzinhas a
condizer com tanta discri- Massa
mente mentira. que o Éden”. Apressa-se a Marcos da Serra, concelho ção. O charme do sítio é
Terça-feira de Verão em fazer um bilhetinho com de Silves. O edifício não é bruto. As mulheres parecem
Castelo Branco. Um calor papel da caixa registadora: recente, mas como casa de aborrecidas, sem horizonte,
que derrete. Diz o taxista “Fina Flor” e “L&O”, escreve. alterne tem poucos anos. e nada das impensáveis ida-
que muitas casas fecha- E depois escabulha tudo Foi bar-restaurante e depois des do Elefante Branco.
ram com a pandemia e em murmúrios: “O segundo salão de baile, sempre com Uma delas vem à mesa.
é provável que o famoso tem quartos lá dentro. O habitação no piso de cima, E há-de beber duas, três,
Éden Place já não esteja a primeiro não, mas há uma que hoje fornece quartos quatro bebidas. “Tenho sede,
funcionar. Mas o homem pensão mesmo ao lado”. para a actividade. Diz-se que posso pedir?” A conta não
não sabe bem, talvez só Sendo assim, ignoremos as os da zona frequentam pou- vai passar os 30 euros. É
tenha ouvido dizer… Bem sugestões e vamos ao que co, mas quem vai de viagem uma brasileira vivida dos
vistas as coisas, a terra é ele diz ser o pior. O Éden costuma parar. seus 45 anos, alta, maqui-
pequena e ele não sabe não há-de escapar. Acabámos no Éden Place de lhada, perfumadíssima.
Castelo Branco por um acaso. Afiança que só faz compa-
E ali entrámos pela uma da nhia, nunca se envolve, e
manhã. Casarão azul e bran- vai contando histórias. Uma
co com patroa rija que vem à longa partilha sem fim,
porta ver quem chega — até só para derreter corações.
porque a noite está fraca. A “Quando comecei, queria
Foto: D.R.

desconfiança inicial dá lugar morrer. Hoje faço com gosto.


a uma simpatia “tu cá, tu lá”. Mas há homens que não
Nacional 18, a 10 minutos do conseguem ter dois dedos Johnson’s, duas vel
centro da cidade. No respec- de conversa, dizem sempre minutos não inclue
tivo Facebook tinha apareci- a mesma coisa. Mas o meu Ainda longe dos 25
do dias antes uma imagem projecto é sair daqui muito quer responder a p
com edificante legenda: “A em breve, já tenho um di- costadas ao varão
Foto: Diana Quintela

pior puta é aquela que se faz nheiro de parte e preciso de sem mácula. Mas a
santa!”. voltar à minha família lá no gabinete e ir tomar
É uma interminável hora e Brasil”. Ao fundo os Calema vida não é para me
meia que se segue. Um ou cantam “saudades de bô”.
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sobre tudo o que se queira. Faz


suspeitar de um velho hábito:

Atendi
os clientes não vêm apenas

mento
para o óbvio, muitos só querem
60 minutos de desabafos. E de

em cas
repente vem à memória uma

a
conversa com o António numa
visita ao BodyClub, outros dos
clubes nocturnos de Lisboa que
ele tão bem conhece. “O gajo já
disse a mesma coisa mil vezes à
Um anúncio na internet exi- mulher, ela já não o pode ouvir,
be a “morena safadinha” que ele não a pode ouvir a ela.
atende no apartamento. “Pele Como é que ele consegue desa-
macia como pêssego em am- bafar? Com as acompanhantes.
biente climatizado”. Uma hora Paga para falar. E depois há
são 30 euros. É num prédio nor- outra coisa: quando pagas, sen-
malíssimo frente à estação de tes que tens mais algum poder
comboios de Benfica. Abre-se a sobre uma mulher. Na verdade,
porta: “Boa noite, amor”. não mandas nada porque elas
É uma mulher baixa e roliça, é que decidem tudo, mas tens
claramente em forma na curva essa ilusão. Isto é tudo uma
dos 50. Ostenta tacões altos e ilusão, uma brincadeira. Lá fora,
um vestido preto de alças com a mulher é difícil, aqui faz o que
lantejoulas prateadas no decote. tu queres”.
Um aparelho portátil de ar con- A “morena safadinha” prosse-
dicionado gela o cubículo que gue. A irmã também é pros-
Noutros cenários há maquilhagem e conversa a disfarçar intenções. cheira a ambientador de super- tituta e traiu-a ao ver que
Aqui tudo se passa num ápice e ninguém tem tempo a perder. É

s
mercado. Na mesa de cabeceira fazia menos dinheiro. Chegou
como na rua, onde as transexuais continuam a oferecer serviços à despontam toalhetes húmidos, a fazer a inventar histórias só
esquina — pegar ou largar. fracos de creme, preservativos e para desqualificar a mana e foi
Com porta virada para uma mercearia e um café com esplanada, telemóveis — cinco telemóveis, contar tudo à senhoria. Mais
a casa de massagens é uma atracção para a vizinhança do Campo que correspondem aos diversos um pormenor impagável: “Vim
Grande, que obviamente espreita e comenta o entra e sai à luz do anúncios e personagens que ves- do Brasil porque o meu marido
dia. Uma mulher decidida, com ‘leggings’ e t-shirt de quem vai agora te. É um espaço modesto sem ser não me dava atenção, já não
para a aula de zumba, leva-nos escadas abaixo a debitar instruções decadente. Guarda-fatos, cadeira tínhamos relações há anos. Sen-
inúteis e abre a porta de um gabinete na pe- e televisor — ligado sem som tia-me humilhada. Acabei aqui
numbra. num canal qualquer, em cima de a fazer sexo por dinheiro, mas
“Já sabe ou quer apresentação?” A “apresenta- uma mesa com naperons. estou bem, sou independente,
ção” é um desfile de mulheres. Uma a uma, à Ela fala muito, voluntariamente, já não vivo deprimida”.
vez, abrem a porta do gabinete e vêm dar cum-
primentos, como um catálogo de carne o osso
— e depois dos beijinhos mais duas ou três pa-
lavras simpáticas retiram-se e dão a vez à próxi-
ma. Aparecem sete ou oito.
No fim, a mulher decidida não vai de modas.
Regressa sozinha ao gabinete e pede acção: “E
então, qual vai ser”. Ouve o nome Yara e alça
da tolha de banho que já traz na mão. “Pode-se
despir e entrar para o banho”. Assim, como uma
ordem que não consente debate. O duche é no
quarto, com poliban ladeado por vidro e gel de
banho Continente. Nem 10 minutos se passa-
ram já surge Yara com uma embalagem de óleo
las e vontade crua de trabalhar. Nem uma palavra. Os 100 euros por 30
em preâmbulo.
5, Yara é uma colombiana de olhar tímido que não fala português e não
perguntas. Tal como as dançarinas de ‘night club’, que se esmeram en-
ao som de rappers depressivos, esta profissional dispõe-se a executar
ao terminar desfaz logo a personagem e desata num afã para arrumar o
r um banho, que o próximo cliente já está à espera. Definitivamente, esta
Foto: D.R.

eninas.

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