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Edição 24, volume 1, artigo nº 3, Janeiro/Março 2013

D.O.I: 10.6020/1679-9844/2403

OS REFLEXOS DA EVOLUÇÃO DA NEUROCIÊNCIA NA


VIDA HUMANA E NO DIREITO
REFLECTIONS OF THE EVOLUTION OF LIFE IN
NEUROSCIENCE AND THE LAW
Fernanda Dalla Libera Damacena1
1
Universidade do Vale do Rio dos Sinos/ São Leopoldo/ Rio Grande do Sul,
Brasil. fdamacena@unisinos.br

Resumo: O desenvolvimento tecnocientífico é uma realidade paradoxal dos


tempos modernos. Ao mesmo tempo em que oportuniza a humanidade
concretizar antigos anseios, também a defronta com incertezas abismais.
Apesar dos benefícios alcançados nessa área científica, em especial da
neurociência, o artigo atenta para as desvantagens, os potenciais riscos e
os reflexos de tais pesquisas. Discute, ainda, o paradoxo da evolução da
neurociência e os reflexos dos seus avanços na vida humana e no direito.
Palavras Chave: Neurociência. Bioética. Direito. Responsabilidade.

Abstract: The techno-scientific development is a paradoxical reality of


modern times. At the same time that humanity is an opportunity to realize
the old longings, also faces uncertainties abysmal. Despite the benefits
achieved in this area of science, particularly neuroscience, the article refers
to the disadvantages, potential risks and consequences of such research.
We also presented the paradox of the evolution of neuroscience and the
reflections of their advances in human life and law.
Keywords: Neuroscience. Bioethics. Right. Responsibility.

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1. Introdução

O desenvolvimento tecnocientífico é uma realidade paradoxal dos tempos


modernos. Ao mesmo tempo em que oportuniza a humanidade concretizar antigos
anseios, também a defronta com uma incerteza sem precedentes. No que concerne
aos avanços das ciências biomédicas, em especial da neurociência, essa realidade
parece ser sentida com maior nitidez. Apesar do reconhecimento dos benefícios
alcançados nessa área científica (o alívio da dor, a superação da infertilidade, o
prolongamento da vida) é, entretanto, imprescindível que sejam abordadas as
desvantagens, os potenciais riscos e os reflexos de tais pesquisas.

O atual estado das ciências ligadas à investigação científica biotecnológica e


biomédica permite ao ser humano práticas outrora inimagináveis. Hoje é possível ao
homem intervir em seu corpo e em sua mente, eventos que pode ser traduzidos
pelas manipulações genéticas ou em outras formas de pesquisas em seres
humanos, assim como nas técnicas utilizadas pela neurociência, respectivamente.
Tais constatações emergem a necessidade de observações éticas em tais
intervenções, afim de que as mesmas sejam norteadas por atitudes virtuosas,
responsáveis, condizentes com a melhor qualidade de vida e, em conseqüência,
com a dignidade do paciente.

Recente estudo realizado por cientistas do Massachusetts Institute of


Technology – MIT - (BBC Brasil 2010), sugere que julgamento moral de uma pessoa
pode ser alterado através da manipulação de uma região específica do seu cérebro
com um campo magnético. Inicialmente os pesquisadores usaram um campo
magnético aplicado no couro cabeludo dos voluntários. Tal magneto produzia uma
corrente fraca que bloqueava temporariamente a ação normal das células dessa
área do cérebro. Após, algumas situações que reclamavam um julgamento moral
foram apresentadas a eles. Os cientistas descobriram que quando a junção
têmporo-parietal tem seu funcionamento afetado, as pessoas têm maior
probabilidade de julgar tentativas fracassadas de prejudicar outra pessoa como atos
permissíveis. A habilidade de interpretar intenções foi prejudicada e os voluntários
se viram forçados a se concentrar mais nas informações sobre o desfecho da
história ao fazer um julgamento. Diante de tais possibilidades, impossível não surgir
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questionamentos como: quais os limites de procedimentos desse tipo? Em que
medida a pesquisa com esse viés de abordagem contribui para a melhoria da
qualidade da vida humana?

As discussões referentes à neurociência são mais comumente debatidas no


âmbito dos laboratórios e nos círculos de especialistas, entretanto, parece de
extrema importância que outros âmbitos da sociedade, tais como a ética e o direito,
também impactados pelos seus resultados, despertem para essa possibilidade
criada pela tecnologia e discutam sobre seus efeitos na sociedade.

Tendo como pano de fundo tais constatações e preocupações, o artigo


pretende analisar o paradoxo da evolução da neurociência e os reflexos dos seus
avanços na vida humana e no direito. Partindo-se da concepção de que ciência,
moral e direito não traçam caminhos opostos, mas que se interceptam, busca-se na
disciplina denominada neuroética o limite ético para que se faça a ciência do bem e
do melhor. Ao direito, propõe-se o desafio de uma nova visão de responsabilidade
civil, voltada, de maneira atuante e eficaz, para os reais e concretos problemas de
uma sociedade tecnocientífica e complexa. Para tanto, o trabalho divide-se em três
partes. Na primeira, aborda-se a evolução da ciência, de modo especial da
neurociência e seus possíveis impactos na vida e na natureza humana. Diante do
que se denomina de um novo paradigma da ciência, buscam-se subsídios e
fundamentos na doutrina em defesa de uma atuação ética e responsável. A segunda
parte do trabalho foca-se em conceituar e relacionar neuroética e bioética. Partindo
da compreensão de ambas as disciplinas, pretende-se verificar o que elas têm em
comum e em que medida são importantes, individual e/ou conjuntamente, no trato
das questões concernentes à neurociência. Com a terceira parte, objetiva-se
verificar de que maneira a neurociência vem sendo útil ao direito e, corroborando os
apontamentos doutrinários, defende-se que o direito através da reformulação da sua
visão de responsabilidade, deve conduzir a atuação de uma ciência moral,
responsável, voltada sempre e em qualquer hipótese para o bem e para o melhor do
paciente. Ainda, mais pragmaticamente e, com respaldo em casos concretos atuais
e na jurisprudência, a relação direito e neurociência é abordada e exemplificada.

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2. Neurociência: para o bem ou para o mal?

Existe uma ligação direta entre o tipo de vida do homem e os progressos da ciência,
ou seja, as mudanças científicas trazem consigo mudanças sociais. Nesse contexto,
é importante a observação do desenvolvimento da ciência, para que se possa
informar e salvaguardar a sociedade das suas vantagens e dos seus riscos
(SGRECCIA, 1996). Em um cenário onde as possibilidades de transformação da
natureza e, de modo especial, da natureza humana aumentam em uma velocidade
meteórica; onde as respostas do ponto de vista antropológico que até o momento
eram consideradas satisfatórias tornam-se insuficientes, a presença de parâmetros
éticos faz-se fundamental. A possibilidade de solução das variações de humor, da
depressão e até da loucura, são algumas das novidades científicas que colocam em
cheque concepções até então adquiridas e requerem uma avaliação ética,
responsável e ciente dos riscos.

Na obra O Paradigma Bioético: uma ética para a tecnociência, Gilbert Hotttois


(1999) propõe uma série de reflexões acerca dos avanços da tecnologia e das
transformações da natureza humana. O autor alerta para o fato de que tais avanços
estão a caminho de transformar o homem em cyborg, ou seja, a simbiose entre
máquina e homem pode chegar a tal ponto, que a complexidade do sistema não
permita mais distinguir o que é humano do que não é. Consoante assevera o autor:
“a manipulação da vida e da morte é tanta, a ponto de chegar-se a conclusão de que
a morte é mais um acidente ou uma impotência técnica da medicina, que um fim
natural ou uma necessidade” (HOTTOIS, 1999, p. 58).

Com tais observações não se objetiva a defesa do sobrestamento da ciência


e seus avanços, deixando de reconhecer sua importância e necessidade para a
melhoria da vida humana. A pretensão é atentar para importância da discussão que
envolve o acoplamento entre ciência, ética e direito como garantia de respeito à
dignidade humana. Não se trata aqui de defender a tese de que as pesquisas
médicas devam ser freadas, mas de corroborar o pensamento de que o risco de
dano e o respeito, tanto em relação ao ser humano quanto ao meio ambiente, sejam
seriamente levados em consideração. Assim, em que pese à indiscutível importância
dos avanços científicos para a sociedade, como de qualquer profissional, exige-se
do pesquisador que haja com prudência e respeito.

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Consoante o magistério de Beck (1999, p. 22) “o aumento das opções
técnicas acarreta a incalculabilidade de suas consequências ou, dito de outra forma,
na sociedade de risco os efeitos desconhecidos e inesperados passam a ser uma
força dominante”. Ocorre que o risco não conhece fronteiras, destinatários ou limites
e, pelo fato de ser invisível e poder ser o causador de consequências nefastas, é
preciso estar atento a sua ocorrência. Nessa seara, merece destaque a distinção
feita por Pardo (1999, p. 29) entre as causas do perigo e as causas do risco. Assim,
ao passo que o perigo tem causas naturais, o risco tem causas humanas ou não tem
causas naturais. Parafraseando o autor: “riscos (...) não têm uma origem natural
alheia à intervenção humana, antes se devem à noção preterintencional do homem,
que pode ser mais ou menos consciente em função do conhecimento que se tenha
sobre os possíveis efeitos”.

A possibilidade de potencialização neural por via farmacológica demonstra


quanto arriscadas e imprevisíveis podem ser algumas manobras da neurociência. A
potencialização neural consiste na possibilidade de se criarem e administrarem
certos recursos, não com objetivo terapêutico, mas com a finalidade de se
aumentarem certas capacidade humanas, como suas funções cognitivas ou afetivas.
Tal técnica tem angariado grandes investimentos na investigação científica
contemporânea. No entanto, o procedimento em questão tem implicações diretas na
identidade, podendo afetar os traços psicológicos que melhor definem o ser humano,
assim como as relações interpessoais, pois a potencialização pode alterar o modo
como os outros nos identificam, assim como o modo como nos identificamos ao
longo de nossa existência (FERNANDES, SANTOS, CALDAS, 2008).

Pesquisas com dessa natureza demonstram novamente o paradoxo em


questão. Se por um lado, os horizontes são ampliados de forma vertiginosa e
surpreendente, por outro as dúvidas sobre as consequências de suas aplicações
ainda representam um abismo. Essa preocupação não é nova, uma vez que a
necessidade de promover o desenvolvimento e a aplicação responsável das
neurociências e da prudência com relação às atividades científicas e o seu respeito
à dignidade humana está presente em diversas convenções internacionais, como,
por exemplo, Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina (Conselho da Europa
de 1997), Convenção de Oviedo, Declaração de Helsink sobre pesquisas médicas
com seres humanos, Declaração Universal sobre Genoma Humano e Direitos
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Humanos da UNESCO, e a recém fundada, em 2006, Neuroethics Society.

Na concepção de Adorno (COSTA; MÖLLER, 2009) a dignidade deve ser


entendida com olhos no indivíduo do presente, mas também levando em
consideração as futuras gerações. Trata-se de uma visão ampliada do conceito de
dignidade que se mostra extremamente atual e pertinente, uma vez que a noção
clássica de direitos humanos, como faculdade das quais são titulares indivíduos
atualmente existentes, é insuficiente e deficitária ante os avanços das pesquisas
tecnológicas e biotecnológicas.

Hans Jonas (2006), por sua vez, considera a ética clássica e tradicional, que
contava com comportamentos não cumulativos e com os ensinamentos da
experiência, insuficiente para o trato dos novos e inúmeros problemas trazidos pelo
avanço da modernidade e da ciência. Nesse contexto, o autor propõe à ética uma
dimensão de responsabilidade que, diante de tantas transformações, precisa
reconhecer a importância do saber, mas também a ignorância e a prudência frente
às oportunidades da ciência e do poder.

Ao tratar da responsabilidade e da sociedade técnocientífica, Barretto


(COSTA; MÖLLER, 2009) defende haver “uma estreita ligação entre a
responsabilidade moral e a responsabilidade jurídica. Entretanto, essa ligação
somente poderá ser racionalmente explicável, no quadro de uma nova teoria da
responsabilidade, exigida pelos avanços da ciência.” Barreto considera a concepção
clássica da responsabilidade civil ultrapassada e deficiente diante dos problemas
apresentados pela sociedade tecnocientífica contemporânea. Além disso, considera
insuficiente qualquer tentativa de enquadramento da responsabilidade aos princípios
ou à norma. Ressalta, entretanto, que “a determinação da responsabilidade
pressupõe um procedimento racional, sofisticado, com uma visão hermenêutica
ampliada, voltado para a prática da virtude ou da atitude moral que se assume,
diante da pesquisa, do paciente e da natureza” (COSTA; MÖLLER, 2009, p. 13-20).

A intrínseca relação entre responsabilidade e imputabilidade foi tratada por


Immanuel Kant. Um indivíduo só poderia ser responsabilizado por algo, se imputável
a ele um determinado ato. Para o filósofo, enquanto a responsabilidade moral estaria
relacionada com o querer, que para ele, era bom em si mesmo, a responsabilidade
jurídica estaria vinculada à subsunção de um fato da vida à norma. Destaca-se,

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contudo, que apesar de fazer essa digressão, em momento algum Kant deixa de
considerar moral e direito complementares.

Outro ponto fundamental da filosofia Kantiana e que, pela pertinência precisa


ser mencionado, é a articulação entre pessoa e fim e, de modo especial, o conceito
de pessoa (sujeito cujas ações são suscetíveis de imputação). Logo, todo ser
racional existe como um fim em sim mesmo, não como meio para o uso arbitrário de
uma ou de outra vontade, ou seja, Kant demonstrou-se contra qualquer possibilidade
de instrumentalização do ser humano (JUNGES, 2008).

Ao tratar de responsabilidade e neurociência é preciso ponderar, como bem


ressalta Marino Júnior que (JUNIOR, 2008, p.3):

Nosso cérebro, como vemos, tornou-se um sistema evoluído, um


instrumento de tomar decisões, que interage com o ambiente e nos permite
o aprendizado de regras que governam suas respostas, felizmente
automáticas. Entretanto, os neurocientistas não podem acusá-lo de
culpabilidade, do mesmo modo que um relojoeiro não pode culpar um
relógio. As neurociências jamais conseguirão encontrar a correlação do
cérebro com a responsabilidade, porque ela é algo que atribuímos ao
humano e não aos cérebros; pois a responsabilidade é uma escolha social.
Os comportamentos éticos são um subgrupo dos comportamentos sociais,
pois não é possível conceber a ética fora da sociedade.

Nesse contexto, apresenta-se de extrema pertinência o questionamento


acerca das pesquisas e intervenções envolvendo o cérebro humano. O mapeamento
cerebral, a utilização de fármacos para a potencialização ou/e controle do cérebro,
bem como os implantes de magnetos são exemplos de práticas estudadas no
campo da neurociência (FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2007).

Apesar das vantagens e das vitórias advindas dos progressos científicos, é


preciso insistir em uma ética da responsabilidade, que permita o desenvolvimento
científico juntamente com a manutenção da qualidade da vida humana. É com o
pensamento nesse foco que nos parece pertinente o estudo da disciplina
denominada neuroética, ou seja, de uma atitude neurocientífica virtuosa, moral,
preocupada com o bem do paciente e com a preservação de sua espécie.

3. Neuroética: por uma ética na neurociência

Além de reunir a neurobiologia e a psicologia, a neurociência incorpora a filosofia no

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que concerne à ética, construindo nova área de investigação - a neuroética. Tal
termo é atribuído a Willian Safire, jornalista que o utilizou para designar o âmbito da
filosofia que trata sobre os aspectos bons e maus do tratamento ou a
potencialização do cérebro humano. Fernandez (2007, p. 52) concebe a neuroética
como uma derivação da bioética. Assim, a bioética teria surgido:

(...) Com o objetivo de ampliar a ética médica, na medida em que os


descobrimentos científicos avançavam e requeriam uma reflexão filosófica
mais aprofundada sobre o que seria aceitável e inaceitável em áreas como
a engenharia genética, a ciência reprodutiva, etc. (...)

Um modo de conceber a neuroética é o seguinte: cada vez que um tema


bioético guarde relação com o cérebro ou com o sistema nervoso central, a
neuroética deve intervir para expor sua posição a respeito do problema.

A neuroética é o estudo das questões éticas, legais e sociais que surgem


quando os achados científicos são levados à prática médica, interpretações legais,
saúde e normas sociais que englobam descobertas no campo da genética,
neuroimagens, diagnóstico e previsão de doenças, quer sejam examinadas por
médicos, advogados, juízes, seguradoras ou legisladores e o público em geral ao
lidar com esses fatos (JUNIOR, 2008, p.110).

A neurociência (FERNANDEZ, 2007, p. 53), por sua vez, é o estudo do


cérebro, da mente e da consciência humanas, isto é, das bases neurais do
pensamento, da percepção, do comportamento e da emoção; é o estudo dos
mecanismos da relação cérebro/mente ou dos mecanismos cerebrais que nos
ajudam a entender a função dos genes na configuração do cérebro, o papel dos
sistemas neurais na percepção do entorno e a relevância da experiência como
princípio de orientação nas ações futuras.

O neurocientista Gazzaniga (2005, p. 175) acrescenta que a neuroética é


mais do que uma bioética para o cérebro: ela é a reflexão e o exame das
implicações sociais das doenças, normalidade, mortalidade, estilo de vida e a
filosofia de vida, informado nosso entendimento dos seus mecanismos cerebrais
subjacentes. Trata-se, portanto, de um esforço para estudar, bioeticamente, a
filosofia da vida em bases cerebrais. É o cérebro humano estudando seu próprio
funcionamento, tornando a boa ciência ainda melhor com uma boa ética.

Sabe-se que as técnicas que permitem a manipulação do cérebro são


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polêmicas e ainda precisam ser esclarecidas à sociedade. Existem muitos
questionamentos e as dúvidas sobre o assunto. Afinal, a partir do momento em que
uma pessoa pode ter seu cérebro decifrado e desvendado por um aparelho, surgem
uma série de perguntas relacionadas à privacidade, às possíveis alterações de
comportamentos, aos limites entre os benefícios e os malefícios de interferir no
modo de agir de uma pessoa e, acima de tudo, quanto à identidade humana.

Pouco divulgado, mas em franco avanço em termos de pesquisa, os estudos


que envolvem a manipulação do cérebro vêem suscitando questionamentos,
inclusive por parte de alguns cientistas. Roberto Lent (VEJA, 2006), cientista e
defensor da neuroética pondera:

(...) Está em curso uma revolução silenciosa da qual poucos se deram


conta. As chamadas neurotecnologias, que são as técnicas de mapeamento
cerebral, de desenvolvimento de drogas ou implantação de chips que
alteram o comportamento humano, sempre estiveram restritas à medicina
para o tratamento e a prevenção de doenças. No entanto, elas passaram a
ser usadas no cotidiano das pessoas sem que exista um questionamento
ético sobre o assunto.

Os exemplos fazem parte do dia-a-dia das empresas que testam o gosto de


um refrigerante com base nas reações de prazer no cérebro de um indivíduo; dos
estúdios cinematográficos que monitoram o cérebro humano para saber quais cenas
de um filme são mais excitantes e merecem fazer parte do trailer; nos tribunais, o
uso da neuroimagem como detector de mentiras é tido como uma grande promessa.
Contudo, não há regras nem limites éticos para lidar com o assunto.

Para Lent:

(...) A possibilidade de antecipar uma doença neurodegenerativa como


Alzheimer ou identificar precocemente a propensão de um jovem à violência
ou ao uso de drogas é um avanço, mas representa também novos desafios
éticos. A discussão que envolve a neuroética é vital, pois abarca a mente
humana. Ao lidarmos com o cérebro, estamos falando daquilo que é mais
humano e individual nas pessoas. Envolve um profundo debate filosófico e
existencial. (VEJA, 2006)

Caso emblemático e paradigmático envolvendo lesão/alteração no córtex pré-


frontal ocorreu no ano de 1848, em Vermont, Estados Unidos. Pela relevância
histórica do fato, optou-se por transcrever algumas partes:

Phineas Gage trabalhava no assentamento de trilhos na região de


Cavendish, no auge da construção das ferrovias na América. As pedras no

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caminho, que obstruíam a passagem dos trilhos precisavam ser retiradas.
Para removê-las, Gage seguia um método cuidadoso e precavido. Na tarde
do dia 13 de setembro, porém, Gage negligenciou um detalhe: a areia.
Quando socou o bastão diretamente sobre a pólvora, uma explosão fez com
que o ferro em forma de lança entrasse pelo lado esquerdo da sua face,
atravessasse a base do crânio e saísse como um projétil pelo topo da
cabeça.

Com o título “passagem de uma barra de ferro através da cabeça”, o artigo


do Boston Medical and Surgical Journal da época relatava que, depois de
cair no chão e sofrer convulsões, Gage recobrou a consciência e, em pouco
tempo voltou a andar e a falar como antes. Pela extensão da ferida e perda
de massa encefálica, sua sobrevivência parecia impossível e, se assim o
fosse, a previsão era de que dificilmente voltaria ao normal. Alguns meses
após o acidente, Gage voltou, mas não tão normal assim. Os médicos e os
amigos notaram algumas mudanças no comportamento dele. Conhecido até
então como um trabalhador amigável, solidário e persistente, ele passou a
ser insuportável com os colegas, além de caprichoso, arrogante e
impaciente com as ordens dos superiores, comportando-se, às vezes, como
uma criança birrenta (SUPER INTERESSANTE, 2003).

Em 30 de março de 2010, a BBC – Brasil Notícias divulgou a seguinte


matéria: “Manipulação da atividade cerebral muda julgamento moral, diz estudo”. O
estudo realizado por cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT)
sugere que julgamento moral de uma pessoa pode ser alterado através da
manipulação de uma região específica do seu cérebro com um campo magnético.
Inicialmente os pesquisadores usaram um campo magnético aplicado no couro
cabeludo dos voluntários. Tal magneto produzia uma corrente fraca que bloqueava
temporariamente a ação normal das células dessa área do cérebro. Após, algumas
situações que reclamavam um julgamento moral foram apresentadas a eles. Os
cientistas descobriram que quando a junção têmporo-parietal tem seu
funcionamento afetado, as pessoas têm maior probabilidade de julgar tentativas
fracassadas de prejudicar outra pessoa como atos permissíveis. A habilidade de
interpretar intenções foi prejudicada e os voluntários se viram forçados a se
concentrar mais nas informações sobre o desfecho da história ao fazer um
julgamento.

Atualmente, através de estudos e publicações científicas, sabe-se que, além


de muitas outras aptidões, o cérebro gera e gestiona o sentido da identidade e
personalidade humanas, o que por si remete a um imenso grau de complexidade e
contingência. Parte da doutrina neurocientífica reconhece que muito sobre ele se
tem a conhecer e a estudar. Dada à complexidade e às inúmeras possibilidades que
caracterizam o funcionamento cerebral, os cientistas iniciaram um processo de
mapeamento do cérebro. Assim, o objetivo inicial das pesquisas e que deveria durar
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décadas era, em princípio, desvendá-lo e compreendê-lo. Entretanto, apensar da
ausência de certezas com relação às consequências de determinadas técnicas, a
prudência vem sendo prescindida pela ciência do novo e do mais.

Em verdade, o mapeamento cerebral tem muitas pretensões. Dentre elas


destacam-se as seguintes: procura relacionar a estrutura do cérebro com sua
função; descobrir quais são as partes que permitem certas habilidades (por exemplo,
que aspecto desse órgão nos permite sermos criativos ou lógicos - isso é chamado
de localização de função); analisar o funcionamento cerebral em várias tarefas;
observar o seu lado de fora; examinar como o ambiente modifica a estrutura do
cérebro estudando, por exemplo, como ele se transforma fisicamente através da
aprendizagem e dos processos de envelhecimento. O mapeamento também estuda
o que há de errado fisicamente no órgão em doenças mentais e outras doenças
cerebrais e, finalmente, tem o objetivo de fornecer um quadro geral da estrutura do
cérebro (NASR, 2010).

Todas essas atividades somente são possíveis graças a tecnologia, que tem
como aspectos destacados a inovação e a criatividade. Diante da tecnologia o ser
humano se vê instigado a ampliar e a estender suas capacidades intrínsecas como,
por exemplo, ver mais e melhor, ampliar suas funções cerebrais, etc. Todavia, é
importante que essa virtuosidade e exuberância tecnológica conduzam a melhoria
da vida humana e jamais a depreciação de suas características essenciais. Nessa
linha de raciocínio, destaca-se o pensamento de Rolando e Onofre (2008, p.135-
141):

Cuando se considera posible afectar, como ya empieza a serlo mediante


manipulación genética y neurotecnologías apropiadas, el funcionamiento del
cerebro y con ello la conciencia, último reducto de la personalidad humana,
es razonable que surja un nuevo campo de estudio acerca de las posibles
consecuencias de estos procesos, conocido como "neuroética", y cuyo
propósito es el estudio y consideración de los beneficios y peligros
asociados a la investigación moderna del cerebro y, por extensión, las
implicaciones sociales, legales y éticas que resultan del tratamiento y/o
manipulación de la mente.

Consoante mencionam os autores, além das implicações éticas e sociais,


existem as jurídicas. Em alguns países no presente e em outros num futuro próximo,
as relações entre direito e neurociência se tornam ou tornarão cada vez mais
comuns, o que por si justifica o interesse por seu estudo e investigação.

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4. Neurociência e o direito

Assim como a sociedade antiga passou à moderna e hoje já é, para alguns, pós-
moderna, o direito também precisa evoluir para acompanhar a evolução da
sociedade. Nesse contexto, toda inovação, seja científica ou tecnológica acaba
exigindo do ordenamento jurídico uma postura que equilibre o avanço da técnica e a
proteção da identidade da espécie humana.

Embora haja pontos positivos nos estudos envolvendo a decifração do


cérebro humano, é imprescindível não esquecer quem são os destinatários dos
resultados e quais as consequências das pesquisas. É nesse ponto que entra a
atuação do direito, como regulador e garantidor de observância e respeito à
dignidade humana que, por sua vez, exige respeito aos direitos fundamentais e
impõe a exclusão de qualquer espécie de coação ilegal externa que impeça ou
desqualifique a vida humana.

Devido a pouca discussão sobre o assunto fora dos círculos médicos, salvo
pela doutrina especializada, a abordagem das técnicas neurocientíficas parece
remontar às criações de filme de ficção científica ou algo semelhante. Entretanto,
uma rápida pesquisa, especialmente no campo do direito, esclarece que esse é um
pensamento que não corresponde bem à realidade.

Apesar de nova, a relação entre direito e neurociência abarca, em uma de


suas vertentes, a interação entre os mecanismos que geram a conduta humana, o
cérebro e as consequências, em sociedade, dessa conduta. Assim, é bem provável
que o direito seja chamado a se manifestar não somente com relação a possíveis
malefícios à saúde psíquica e física que possam decorrer do mau uso da ciência, ou
seja, do ponto de vista da reparação, mas também no que concerne a um repensar
de seus conceitos. No que concerne à concepção de responsabilidade, a mudança
parece necessária, afinal, questões novas necessitam de interpretações
condizentes.

Nessa seara, ressalta-se que a distinção entre a responsabilidade moral e


responsabilidade jurídica só foi possível, porque o próprio agir humano sofreu, no
curso da história, transformações, fazendo com que o âmbito da moral fosse
diferenciado do âmbito do direito. O próprio conceito de responsabilidade jurídica

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sofreu as influências da história como as do período iluminista. Contudo, apesar de
inúmeras versões, a responsabilidade jurídica atual é incapaz de solucionar os
problemas da sociedade tecnocientífica. Nesse sentido, pode-se acompanhar
Barretto (COSTA; MÖLLER, 2009, p. 3-8) para quem “a responsabilidade legal
parece necessitar de uma justificativa moral, aliás, consoante enfatiza o autor, a
reflexão jusfilosófica enfrenta o desafio de recuperar a dimensão perdida da idéia de
responsabilidade e situa-lá no espaço da moralidade, que lhe é próprio”.

No Brasil, os estudos da neurociência relativos ao mapeamento cerebral e às


técnicas de manipulação do cérebro, em busca da cura para patologias psiquiátricas
estão em andamento nos grandes centros de pesquisa. Contudo, o uso dos
resultados até então alcançados chega discretamente aos Tribunais.

Recente exemplo envolvendo uso de técnicas neurocientíficas poderá ser


observado no caso do homicídio do cartunista Clauco e seu filho. Dentre as provas
aduzidas pela defesa e que serão examinadas pelo júri, estão evidências derivadas
da ciência. Análises bioquímicas e genéticas, avaliações
da composição física de vozes gravadas em telefones, reconstruções
do percurso do acusado e vítimas por meio do GPS, registros eletroencefalográficos,
neuroimagens por ressonância magnética e testes neuropsicológicos (LENT, 2010),
são alguns exemplos.

Em nível mundial, os estudos envolvendo o cérebro humano e as razões ou


pré-disposição a um determinado comportamento têm sido considerados muito
promissores. No campo do direito penal (criminologia), a promessa se apresenta
como instrumento de auxílio na compreensão de uma determinada conduta anti-
social ou perigosa. Nos Estados Unidos o uso de imagens de mapeamento cerebral
em julgamentos está proliferando. Juristas estimam que mais de cem advogados já
tenham recorrido a elas. Preocupados, todavia, com um possível abuso ou mal uso
de tal técnica, em fevereiro de 2010, cientistas, neurocientistas, juristas e
comunidade resolveram por o meio de prova, literalmente, no banco dos réus. Após
um júri simulado em que a prova utilizada pela defesa era a neuroimagem, o
conselho de sentença chegou à conclusão de que neurociência e direito podem
caminhar juntos e mutuamente auxiliar-se, desde que com cautela. Greely, cientista
que representou o promotor derrotado, afirmou não ser contra o uso da neurociência
no tribunal, mas ressaltou a importância da cautela e da ponderação.
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Ponderação em relação a que questões? Lent (2010) observa que os
resultados de algumas pesquisas devem ser analisados cautelosamente, pois seria
temerário aplicar a um único indivíduo conclusões de uma avaliação estatística
aplicada a um grupo de pessoas. Ademais, a mesma região cerebral pode ser
acionada de uma forma em um contexto e, de outra, em outro diferente. Some-se a
isso o fato de que não há como garantir o mesmo alto controle das situações
experimentais de um laboratório, no contexto de um julgamento. Por fim, utilizando-
se do termo plasticidade cerebral, o neurocientista explica que o cérebro dos
indivíduos, mormente no que se refere aos padrões de ativação funcional, muda
com o passar do tempo, de maneira que ainda não é possível garantir, com certeza,
se um cérebro ativado hoje apresentará o mesmo resultado daqui alguns meses.

Nesse escopo, Martell (2009, p. 124) atenta para o fato de que direito e
neurociência partem de diferentes concepções filosóficas e plataformas
programáticas. Dessa maneira, ao passo que o direito há muito tempo assumiu que
o comportamento humano é produto do livre arbítrio ou de um mínimo de escolha
racional, a neurociência, por sua vez, com foco estritamente voltado para a
localização da cognição, emoção e comportamento como estruturas específicas do
cérebro, sugere que o comportamento deve ser determinado inteiramente pelas
nossas funções cerebrais. Isso cria um confronto entre culturas e um contraste entre
livre arbítrio e determinismo, situação que por si lança luzes de dúvida a respeito do
casamento direito e neurociência, em especial no campo penal.

Para além do campo penal surgem também questões relacionadas ao


respeito à intimidade ou à privacidade e à identidade. Note-se que na maioria dos
ordenamentos, tais direitos são considerados personalíssimos e nessa medida
representantes do que há de mais irrenunciável ao ser humano. Conforme ressalta
Edis Milaré (2010):

Os direitos da personalidade são aquelas prerrogativas primárias,


estabelecidas nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados e no plano
do Direito Internacional Público, reconhecidas como essenciais aos
indivíduos para tornar real e efetivo o pleno desenvolvimento humano e
ressaltar a dignidade da pessoa. Nestes termos, tais direitos são
necessários à manutenção da paz e do equilíbrio no convívio social.

Nesse passo, as atenções do direito, da ética, da bioética e do biodireito


precisam estar voltadas para o fato de que as técnicas anteriormente mencionadas

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têm o cérebro como objeto direto, o que por sua vez redunda em intervenção na
mente humana. Pois, se é verdade que a intervenção pode contribuir para
restabelecer problemas relacionados à identidade humana, também é preciso
reconhecer a possibilidade e o risco de sua alteração profunda. Representantes do
judiciário, das ciências médicas, da filosofia, da neurociência em articulação com a
sociedade precisam se unir e se antecipar, a fim de evitar que a biotecnologia passe
de instrumento destinado à melhora das funções humanas à transfiguradora de
identidades e criadora de novas naturezas.

Não há como desconhecer que o biodireito é a compreensão do fenômeno


jurídico enquanto conhecimento prático, visceralmente empenhado na promoção da
vida humana. Tal empenho exige de sua parte um esforço na incorporação do
anteriormente desconhecido. Trata-se da imposição dos avanços e atropelos da
modernidade que exigem que o direito se posicione frente à realidade do sobre-
desenvolvimento humano (SILVA, 2003, p.31). Ocorre que o direito, através de sua
dogmática jurídica clássica, que o desvincula da moral, e com uma concepção de
responsabilidade voltada para reparação e não para a prevenção, não se demonstra
preparado para o enfrentamento de uma sociedade tecnocientífica tão complexa
como a atual. Os conceitos pré-estabelecidos pelo ordenamento jurídicos parecem
incapazes de alcançar o meteórico desenvolvimento de estudos como os abarcados
pela neurociência.

Por fim, direito e moral precisam andar juntos e complementarem-se


mutuamente. Somente dessa maneira será possível pensar em uma ética da
responsabilidade suficientemente capaz de abarcar situações de cunho tão delicado
quanto as que envolvem a ciência, cérebro humano e responsabilidade. Parece
extremamente necessária, nesse contexto, a máxima atenção e prevenção, assim
como se faz urgente a elaboração de critérios regulatórios ao uso da neurociência
pelo direito.

5. Considerações Finais

O avanço tecnocientífico da neurociência é uma realidade. Empolgante pelas


perspectivas de curas de doenças que assolam e desqualificam a vida humana, mas

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intrigante diante da possibilidade de alteração do cérebro, órgão representativo do
maior diferencial da espécie humana.

A percepção que se tem diante de tal quadro não é a de que a pesquisa


neurocientífica deva ser banida. Muito pelo contrário, a ciência também precisa ser
saudada pelos conhecimentos adquiridos e transmitidos à humanidade na busca de
cura por suas moléstias. O que seria das mais simples infecções sem a descoberta
da penicilina? Quão frustrados se sentiriam os milhares de pessoas que anseiam
pelo desenvolvimento e conclusão de pesquisas que lhes devolvam a possibilidade
de movimentar-se ou de poder voltar a conviver no meio social?

Pretende-se chamar à atenção para o lado não tão belo dessas pesquisas. É
preciso não ser inocente quanto aos riscos e as consequências que o mau uso de
tais práticas pode causar ao seu principal interessado. A participação do ser
humano, como beneficiário, das descobertas e pesquisas faz parte do esperado e do
próprio propósito da ciência aplicada à saúde. Nessa linha, o progresso técnico e
científico deve desenvolver-se sempre levando em consideração a qualidade de vida
humana.

O ser humano só é assim considerado pelo fato de ser racional e possuir a


capacidade de tomar uma determinada atitude, ciente de suas responsabilidades e
consequências. Todas estas ações se dão por comando de regiões cerebrais. Ou
seja, o julgamento do certo ou errado, do bem e do mal é resultado da atuação do
córtex pré-frontal, região que faz parte deste sistema tão labiríntico e complexo que
é o cérebro humano.

A complexidade característica do cérebro humano é o que justifica tantos


questionamentos. A própria ciência reconhece que pouco se sabe e que muito se
tem a estudar e a desenvolver. No entanto, não raras vezes aplica os
conhecimentos sem total compreensão ou definição dos riscos. Logo, todas as
utilizações e experimentações em seres humanos, em pesquisas neurocientíficas,
devem ser pautadas por uma atuação ética e responsável, acima de qualquer
interesse científico ou econômico.

Ao direito cabe uma reflexão acerca das teorias existentes e proposição,


talvez, de novas teorias (COSTA; MÖLLER, 2009). Trata-se, aliás, de uma grande
oportunidade para que alguns dos conceitos antigos da dogmática jurídica, como o
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da responsabilidade, sejam revistos e inovados, a fim de que atendam à altura, as
novas demandas jurisdicionais.

Por fim, conclui-se que a ciência não parece tão certa, segura e
suficientemente desenvolvida a ponto de ser utilizada ilimitadamente, mormente pelo
direito, quando se trata de condenar ou inocentar um indivíduo. Da mesma forma,
não há garantias de que os direitos de personalidade, tais como a identidade
humana e sua personalidade jamais serão afetados.

Se não há certeza, impõe-se precaução, mais estudo, prudência, discussão,


assim como a união dos setores éticos, neurocientíficos e jurídicos, para que juntos
lapidem a pedra bruta do desenvolvimento com ética, preservação e humanidade.
Afinal, está em causa o ser humano.

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