You are on page 1of 33
Coordenacao editorial Maisa Kawata | Tikinet Capa e projeto grafico Mauricio Marcelo | Tikinet Diagramacao Julia Ahmed | Tikinet Imagens de capa ©W Hermusche. Acrilico sobre tela. Reproducao cedida pelo artista Luan Maitan | Tikinet Gelvandro Monteiro | Tikinet Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao - CIP 1957, Junqueira, Luciano Antonio Prates, Org; Padula, Roberto Sanches, Org. Gestao de organizagoes da sociedade civil / Organizagao de Luciano Anténio Prates Junqueira e Roberto Sanches Padula, - Sao Paulo: Tiki Books: PUC-SP/PIPEq, 2019, 288 p. ISBN 978.85.66241.15.0 1 Administragao Publica. 2. Politicas Puiblicas. 3. Gestéo Social 4. Terceiro Setor. 5, Organizagbes da Sociedade Civil. 6. Redes Socials. |. Titulo. ll, A rede de gestio das paliticas socials. Il. Planejamento: participative e estrategico. IV. Fundamentos da corganizacao da vida social e politica no Brasil: relacdes Estado e sociedade e o papel das organizacées da sociedade civil V, Direlto do Terceiro Setor e Compliance: os desafios atuais da conformidade nas Organizacoes da Sociedade Civil. VL Fontes e estrategias de captagao de recursos. Vil. A influéncia do reposicionamento institucional e da marca para aumento da visibilidade e mobilizacao de recursos nas Organizacoes da Sociedade Civil. Vl. Gestao financeira e oramentaria no terceiro setor: debates e perspectivas atuais. IX. Gestio de Pessoas em Organizacées da Sociedade Civil. X. Elaboracéo e implementacao projetos sociais: desafios e perspectivas. Xl. Avaliaggo de Projetos Sociais: énfase no aprimoramenta © no impacto social, XI, Responsabilidace Social, etica e filantropia estratégica. XIll. Gerenciamento dos conflitos, negociacao e mediaga0. XIV. Relacdes entre sociedade civil e Estado: A participacao social nas Conferéncias Nacionais de Cultura. XV. Inevacao social: uma forma de mudanga social. XVI. Utilizagéo do métode PBL em disciplina de Simulacdo Aplicada @ Administracao. XVIL Junqueira, Luciano Anténio Prates, Organizador. XVIIl. Padula, Roberto Sanches, Organizador, DU 364 D360 Catalogagao elaborada por Regina 140 Paulino - CRB 6/1154 TIKI books Rua Santanésia, 528, andar - Vila Pirajussara CEP: 05580-050 - Sao Paulo - SP Tel: (1) 2361-1808/1809 inet combr Sumario A rede de gestao das politicas sociais. Luciano A. Prates Junqueira Planejamento: participativo e estrategic Maria Amelia Jundurian Cora Fundamentos da organizagao da vida social ¢ politica no Brasil relacées Estado e sociedade e o papel das organizacées da sociedade civil. 35 Pedro Aguerre Compliance no terceiro setor: os desafios atuais de conformidade nas Organizacées da Sociedade Civil Lais de Figueirédo Lopes, Paula Raccanello Storto e Stella Reicher Fontes e estratégias de captacao de recursos. Michel Freller A influéncia do reposicionamento institucional e da marca para aumento da visibilidade e mobilizacdo de recursos nas organizacées da sociedade civil. 29 Luanda Aparecida Bonadio, Monica Kondziolkovd Gestdo financeira e orgamentaria no Terceiro Setor: debates e perspectivas atuais. 145 José Alberto Tozzi Gesto de pessoas em organizacées da sociedade ci Maria de Fatima D. C. Alexandre Compliance no terceiro setor: os desafios atuais de conformidade nas Organiza¢6es da Sociedade Civil Lais de Figueirédo Lopes' Paula Raccanello Storto? Stella Reicher* 1 Doutoranda em Direito Publico pela Universidade de Coimbra. Mestre em Diretto pela Pontifida Universidade Catdlica de $30 Paulo (PUCSP), em 2009. Professora do Coordenadorla Geral de Especializacio, Aperfelgoamento e Extensiio (COGEAE/ PUC SP} Pescuisadora do Nicleo de Estudos Avancados em Terceiro Setor dla PUC SP. Foi Assessora Especial do Ministro da Secretaria de Governoda Presidéncia da Republica, de 2011 a 2016, na qual liderou a agenda do Marco Regulatério das Orgarizacées da Sociedade Civil no Governo Federal (Lei n® 13.019/2014 e Decreto n° 8726/2016) Foi Diretora e Conselheira do International Center for Non-profit Law), onde ¢ correspondente brasileira do projeto United States international Grantmaking (Usig). Atualmente 6 s6cia de Szazi, Bechara, Storto, Rosa ¢ Figuiciredo Lopes Advogados. 2. Mestre em Direito pela Universidade de So Paulo (USP), em 2014. Professora do COGEAE/PUC-SP © do Senac-SP. Pesquisadora do Nucleo de Estudos Avangados em Terceiro Setor da PUC-SP. Membro da Rede Iberoamericana de Ensino de Direlto das Organizacbes da Sociedade Civil. Autora do Relatério latino-americano sobre “os marcos juridicos das organizacées da sociedade civil na America Latina’ para © pro- jeto Mesa de Articulacién de Asoclacicnes Nacionales y Redes Regionales de ONG de América Latina y El Caribe{Chile, 2014). Correspondente brasileira do projeto USIG do International Center for Non-profit Law. Advogada militante na representagao dos inte- esses das OSC, ¢ soda de Szazi, Bechara, Storto, Rosa ¢ Figueiredo Lopes Advagados. 3. Mestre em Direito pela USP, em 2009. Professora do COGEAE/PUC-SP. Coordenou (95 trabalhos do grupo responsavel pela elabaragao do relatério da sociedade civil sobre a Implementacao da Convengao sobre os Direitos das Pessoas com Deficiéncia (2015). Foi correlatora brasileira para o Projet Zero, da Fundacao Ess|, sobre a Implementacao e monitoramento da Convengdo sobre os Direitos das Pessoas com Deficiéncia. Correspondente brasileira do projeto USIG do Intemational Center for Non-profit Law. Atualmente & sécia de Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueiredo Lopes Advagados 67 Gestao de organizacdes da sociedade ci Resumo Organizagées ativistas estao mais expostas a perseguicoes por sua atuacao publica, Um dos principais mecanismos de restrigao as atividades das orga- nizagées ocorre por meio de um fendémeno que podemos classificar como, “criminalizagéo burocrética’, processo pelo qual a restricéo ao ati vismo nao se da diretamente, mas pela inviabilizacao do fun mento juridico da entidade em virtude de ataques estabelecidos por quest6es juridicas ou de gestao. Nesse contexto, a compliance de enti- dades do Terceiro Setor surge como uma resposta das Organizacdes da Sociedade Civil (OSC) para fazer frente as ameacas existentes. A edicao de normas anticorrup¢ao especificas, somada a exigéncia contra tual feita pelos financiadores de atividades e projetos executados pelas OSC, aumentam as obrigacées a serem cumpridas por estas ¢ trazem a necessidade de adocao de medidas de fortalecimento de sua governanca. Estruturar um. programa de compliance significa desenvolver um conjunto de mecanismos e procedimentos internos, incluindo politicas e outros instrumentos que possibi- litem a atuacao da organizacao nos termos da legislacdo vigente e conforme parametros de integridade que estimulem a realizacao de auditorias e incen- tivem a dentincia de irregularidades. Andlogos aos programas de diversos setores da economia e de drgaos ptiblicos, os programas de compliance nas organizagoes da sociedade civil seguem princfpios ¢ rearas especificas que precisam ser observadas. Este ensaio € sobre o detalhamento dessas regras, assim como as especificidades dos programas voltados as organizacées. na- Palavras-chave: Organizacées da Sociedade Civil, Liberdade de Associagao, Conformidade, Intearidade, Compliance, Transparéncia, Etica, Combate & Corrupgao, Cri ago Burocrética, MROSC, Acesso a Informacao, Introducao Organizacdes da Sociedade Civil (OSC) sao instituicdes fundamen- tais para as democracias, especialmente para assegurar a pluralidade de vozes, diversidade de atores, liberdades e respeito aos direitos humanos e minorias. Em diversos paises do mundo, € possivel identifica que uma sociedade civil organizada livre e fortalecida ajuda nas bases narrativas © praticas necessdrias para um modelo de desenvolvimento mais susten- tavel e inclusivo.* Ademais, ha um importante papel das organizagées na 4 Desde 20M, a Organizacao das NagSes Unidas (ONU) criou ume relatoria especial sobre liberdade de reunigo e liberdade de associacéo para monitorar ocumprimento 68 Compliance no terceiro setor formulacao, execucéo,’ avaliacdo € monitoramento de politicas publi cas, construcao de direitos, critica e controle social, que precisa ser reconhecido e valorizado. Neste artigo, focaremos nos desafios de conformidade da socie- dade civil organizada. A garantia da credibilidade e da independéncia necessarias a realizagao do trabalho das organizagées, seja qual for 0 seu foco de interesse, reside também na reputacao e seriedade da con- dugao de sua gestao. Assegurar conformidade e integridade nos pro- cessos internos, compras, contratagées e realizagao de parcerias sinaliza comprometimento das entidades com medidas de governanca, transpa- réncia e responsabilidade ética. E preciso conhecer as regras do jogo institucional, evitar situacées de fragilidade (‘telhados de vidro”) e trabalhar na perspectiva da pre- vencao de fraudes € mitigagao de riscos como medidas essenciais para © fortalecimento da sociedade civil organizada. Os principios e regras valem para todas e fazem especial diferenca nas que atuam na preven- cao e combate corrupsao. desses direitos mundo afora. © relator atual, Clément Nyaletsossi Voule, apre- sentou na Assemblela Geral da ONU, em 2018, relatério que amplla a conexao entre a liberdade de atuagao das organizagées e © modelo de desenvolvimento trazido pela Agenda 2030. Relatério disponivel em: httpsi//undocs.orgA/73279. Acesso em: 10 abr. 2019, 5 Aestudiosa Elinor Ostrom, em sua consagrada obra Governing the commons (1990), que Ihe rendeu 0 Prémio Nobel de Economia em 2009, analisou diferentes estudos de caso sobre a gestdéo de bens comuns e concluiu que so mais bem gerides pela comunidade do que isoladamente pelo Estado. Sua pesquisa demonstra que a gestao de bens comuns tendentes a escassez @ mais eficiente quando feita por um grupo formado por pessoas diretamente impactadas por aquele bem, a partir de regras criadas pelo proprio grupo, adaptadas as necessidades e condig6es locals, inclusive de autoridades externas. Nesse tipo de arranjo econémico que foi objeto de estudo de Ostrom (1990), a gestaéo de bens comuns ¢ realizada tipicamente por organizacGes da sociedade civil, com um carater comunitari ao do desenvolvimento com preservacao do meio ambiente © das populacdes que o habitam, evoltadas a promo- 69 Gestao de organizacdes da sociedade 1. Ativismo das organizac6es da sociedade civil em casos paradigmaticos Um episodio paradigmatico da importancia da atuagao das OSC como agentes de desenvolvimento e do seu papel de critica e con- trole social ocorreu no caso da fraude de adulteracdo dos medido- res de andlises de emissao de gases CO* por veiculos a diesel, fei- tas pela Volkswagen na Europa’ A dentincia sobre a inconsisténcia dos dados apresentados pela Volkswagen teve origem e foi liderada por uma pequena organizacao ambientalista alema, muito comba- tiva politicamente e consistente tecnicamente, que checou dados, fez estudos independentes, comparacées e pressdo nos érgaos de fiscalizacao ambiental para que estes buscassem esclarecimentos e pedissem explicaces. No Brasil, um caso recente de natureza semelhante € o tragico crime ambiental do rompimento da barragem da mineradora Vale no municipio de Brumadinho, em janeiro de 2019. As apuracdes até agora apontam para a fragilidade na implantagao dos instrumentos de fisca- lizacao publica e da propria companhia, Nesse contexto, é muito simbdlica a noticia de que, numa reu- niao que ocorreu um més antes do rompimento da barragem, o Conselho Estadual de Meio Ambiente foi favordvel, por 8 votos a1, a concessdo de novas licengas ambientais para ampliar a operacao da empresa Vale na referida barragem. © voto contrario, vencido, foi da unica organizacao ambientalista que integrava o Conselho e que 6 Este assunto teve destaque na midia internacional © foi objeto de um episddio-documentario da série produzida pela Netflix chamada Na rola do dinheiro sujo. Sinopse oficial da obra: “De empréstimos com juros de agiota a trapacas em testes de poluicdo de automéveis, a série expde os atos mais descarados de corrupcao e ganancia corporativas” (NETFLIX, 2018, on-line). 0 documentario mastra que nem as concorrentes do setor automobilistico, nem 0 bem-equipados 6rgaos publicos de controle europeus - sozinhos - teria. detectado a fraude, Dafa relevancia de se estimular a aco de pessoas e inst! tulges comprometidas acima dos interesses de governos e de grupos empre is transnacionais. © trabalho de uma pequena OSC alemé pressionou os Grgdos ambientais e, apds reunides, estudos € pareceres técnicos, em alguns anos ficou claro que havia algo errado ali Compliance no terceiro setor ja vinha denunciando o risco de operar aquela barragem aos érgaos de fiscalizacao. Nao hé duvidas de que esses episddios, entre tantos outros que poderiam ser citados, convidam-nos a ouvir e dar valor ao importante papel desempenhado pelas organizac6es, que contribuem para que tenhamos melhores padrées de desenvolvimento, global ¢ local. 2. Criminalizagao burocrdtica e compliance nas OSC O termo “compliance”, que em portugués traduz-se como “confor- midade”, esteve mais diretamente relacionado as sociedades empre- sdrias, cujo objetivo primordial consiste na geracdo de receitas e dis- tribuicdo de lucros7 mas € também aplicado ao setor publico e as corganizagées da sociedade civil. No Brasil, em razdo de raros casos de ma utilizagéo de recursos publicos e de narrativas persecutorias propagadas na 1* Comissao Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizagoes Nao Govermamentais (ONG) (2001-2002), na CPI da Terra (2003-2005) ena 2* CPI das ONGs (2007- 2010), emergiu, a partir do Poder Legislative, um movimento de descon- fianga publica sobre o campo da sociedade civil organizada, passan- do-se a propor projetos de lei cada vez mais duros e impréprios para a realidade das organizacées* 7 No universo econémico internacional, com a criagao da Lei Sarbanes- Oxley (SOX) em 2002, nos Estados Unidos, a expressdo passou a ser mais reco- nhecida. Tendo como pano de fundo escandalos financeiros envolvendo impor tantes empresas americanas, a SOX tratou da adocao de mecanismos para mitigar riscos, identificar fraudes e assegurar maior transparéncia na gestao. das empresas. 8 A existéncia de normas mais repressivas de combate ao terrorismo no pés-TI de setembro de 2001 ¢ apontada como um dos fatores responsaveis pelo surgimento: de um ambiente nal menos favordvel ao desenvolvimento das OSC em 7 Gestao de organizacdes da sociedade civil Cunhou-se termo “criminalizagao burocratica”® para designar esse fenémeno que se concretiza especialmente pela via administrativo-bu- rocratica e por meio do enredamento em incontaveis procedimentos, que muitas vezes drenam as capacidades institucionais das OSC e se materializam na forma de passivos fiscais ou administrativos.” Ambiente com obstaculos & existéncia das organizagées, por consequéncia, impacta negativamente a atuagao das OSC e drena a capacidade de intervencao positiva e reagdo assertiva da sociedade. Em nossas pesquisas recentes, temos identificado que a crimina- lizagao burocratica das OSC se materializa com o tratamento desi- gual, nao isonémico das OSC com relacao a outros tipos de pessoa juridica," por meio dos mesmos padrées que o preconceito insti tucional se manifesta com relacdo a outros grupos vulneraveis de nossa sociedade. No Quadro 1, buscamos sistematizar as principais caracteristicas dessas praticas de violéncia e preconceito institucional, presentes tam- bem na criminalizagao burocratica das OSC. 9 Essa expressao foi utilizada em 2010 pela Plataforma por um Novo Marco Requlatério das Organizacdes da Sociedade Civil, uma rede representativa inte- grada por diversos movimentos socials, entidades religiosas, OSC, institutos & fundacoes privadas. Mais informacdes em: www.plataformaosc.org.br. Acesso en 10 abr. 2019. 10 Nesse sentido, ver publicagao da Céritas Brasileira, do ano de 2014, intitulada Marco Regulatorio das relacdes entre Estado e Sociedade Civil: contra a criminatizacao e pelo reconhecimento das organizagées da sociedade civil. Tl O tema foi objeto de destaque na andlise realizada em 2014 pela coautora Paula Raccanello Storto, no Boletim Abong, sobre a inconstitucionalidade do artigo 37 da Lei n?13.019/2014. Compliance no terceiro setor Quadro 1. Principais caracteristicas de violéncia e preconceito institucional. Praticada pelas Instituicdes Perpetradas pelas instituigées prestadoras de servicos Pliblices e por agentes que deveriam proteger os direitos dos usuarios e ustudrias dos servicas. Pode ocorrer também. ‘em empresas privadas ¢ outras instituigoes. Desconsidera a Intencionalidade Um dos elementos importantes dos estudos sobre preconceito institucional € 0 desinteresse pela intencionalidade do ato dos individuos ou das instituicoes que o praticam. Instituigoes publicas, via de regra, rejeitam sua pratica Intenclonal consciente, mas nao negam a existéncla do fendmeno. Uma vez identificados os casos € situacées concretas, € possivel subsidiar propostas de alteragao de normas, praticas e procedimentos na estruturacde das politicas piblicas e da prépria Administracao Publica a fim de afastar a norma ou pratica criminalizadora. Revela desigualdade material no tratamento a sujeitos ‘constitucionalmente protegidos (© preconceito institucional acentua a discriminacao de grupos constitucionalmente protegides, embora desfavorecidos. Na pratica, pode ser Identificado por situacées de tratamento discriminatorlo, nao Isonémico; pela peregrinacéo por diversos drgaos ou servicos até receber atendimento adequado; pela falta de escuta; por tempo excessive de espera; entre outros. A desigualdade ho tratamento se confirma por dads que mostram como ‘esses sujeitos de dircito sistematicamente nao recebem © servico ou atendimento de forma igualitdria a outros ‘grupos, notadamente aqueles que representam as forcas dominantes e detentoras das estruturas de poder. Identificavel em casos concretos © preconceito institucional pode estar embutide em decisées de gestéo, normas organizacionais, medidas disciplinares, leis e outros expedientes que denotam discriminacao resultante de preconceito inconsciente, desinformacao, falta de atengao, aplicacao de estereotipos preconceituosos. Pode ser detectado em falas de gestores, representantes de Estado, funcionarlos e servidores de instituigées publicas e privadas. Pode estar presente, de forma mals ou menos velada, em decises, opinides, referéncias, alitudes e comportamentos pré-estabelecidos que propiciam ou reforcam desigualdades. Fonte: Elaboracao propila, 73 Gestao de organizacdes da sociedade Para combater esse preconceito institucional, é preciso dar vi dade e voz a essa realidad, sensibilizando a sociedade como um todo sobre os casos de violacées institucionais e de criminalizacéo das OSC. Nao importa © governo que tenha sido eleito e esteja no comando do pais,” nao se pode admitir que as organizacoes sejam perseguidas e tra- tadas como inimigos da nagao por estarem atuando em pautas de inte- resse ptiblico que podem se contrapor a interesses politicos de quem esté no poder. No Brasil, nao se observa 0 mesmo tratamento dado a empresas em geral, por exemplo. Outro ponto relevante a ser considerado é o tema do combate a corrupcao e da transparéncia publica. No afa de evitar que casos de cormupcao acorram, medidas tém sido exigidas de agentes publicos e privados. Para as OSC, a adocdo de medidas de compliance tem sido de fundamental importancia para a identificacao de riscos e conflitos de interesse, e para a adocao de aces preventivas que possibilitem sanar interna e antecipadamente eventuais irregularidades. Agir com conformidade promove ganho de reputagao e de credi- bilidade das OSC perante parceiros, financiadores e outros stakehol- ders, ¢ contribui para o estabelecimento de vinculos e ampliagao das fontes de recursos, sejam estas publicas ou privadas, de pessoas fisicas ou juridicas. D_ Noatual contexto politico, apés a elei¢ao do presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), ha sinais preocupantes de avanco do processo de “criminalizacao burocratica”. Esta em curso uma agenda de retrocessos de direitos que pode limitar espaco. ciMico de atuacao das OSC, por meio de medidas juridicas e administrativas. £ © caso, por exemplo, da redagio original da Medida Provisoria n® 870/2019, que estabelecia um controle governamental das OSC pelo Executive Federal, quando do Federal veda a interferéncia estatal; do Decreto n® 9,759/2019, que extingue uma série de conselhos participatives e reduz a participacao da socie- dade civil no ciclo de formulagao, avalicao e monitoramento de politicas publicas e direitos; do desmonte do Fundo Amazénia ¢ da criminalizagao das OSC ambien- talistas por ele financiadas pelo Ministerio da Meio Ambiente - para citar apenas algumas medidas recentes e de grande repercussao publica. A sociedade esta se organizando coletivamente para reagir, mas devem individualmente as organiza ¢6es olhar também para seus processos internos para ter melhores instrumentos de defesa quando for necessario. Em que pese as medidas terem no Congreso Nacional ¢ no Supreino Tribunal Federal, os sinais de seus propésitos iniciais foram negativos. a Constit jo derrotadas 7A Compliance no terceiro setor No geral, as OSC recebem investimentos da sociedade em suas acées. Crises na sua credibilidade podem ser particularmente desastrosas, inviabilizando a captacao de recursos e colocando em risco a sua susten- tabilidade financeira.® Programas de compliance ajudam a orientar gesto- res e colaboradores sobre condutas esperadas para que sua atuacao seja pautada pela legislacao vigente, materializada com critérios customiza- dos considerados relevantes pela organizagao no desenvolvimento suas atividades. £ preciso facilitar a verificagao do cumprimento das diretrizes legais, o que reforga a necessidade de atentar para imagem e reputagao. Implementar medidas de gestao administrativa voltadas a confor- midade tem se mostrado importante a continuidade do papel que as OSC desempenham em prol da manutencao dos pilares e valores demo- craticos, Nas palavras de Airton Grazzioli e José Eduardo Sabo Paes, em sua obra recentemente lancada sobre o tema, “as vantagens de referida opcao gerencial superam os aspectos de simples governanca corpo- rativa e assumem um papel de ferramenta de integridade, o que con- tribuird muito para uma atuacao eficiente, respeitadora das Leis e de acordo com os objetivos de cunho social, Fundamento de sua propria existéncia” (GRAZZIOLI; PAES, 2018, p. 160). Conformidade para as OSC no Brasil nao s6 garante a verificacao do cumprimento da legislacao, mas também 0 seu fortalecimento institucio- nal, ofertando subsidios de defesa a partir da identificacao e gestiio de riscos no ambiente de incerteza juridica ¢ institucional que se apresenta 1B Reconhecendo OSC como agentes de desenvolvimento, a iniciativa do Pacto Global, da ONU, destaca-se ao buscar “engalar a comuntdade empresatial na pro: mocao de uma economia global inclusiva e sustentavel" (CESARIO, 2016, online). Grado em 2000, a adesdo a esse projeto global e voluntatio de sustentabilidade tem por premissa © reconhecimento de valores e a adocdo de estratégias compa- tiveis com 10 principios universais dividides em 4 areas especificas, a saber, direitos humanos, trabalho, meio ambiente ¢ anticorrupsao. A Rede Brasileira do Pacto Global, que existe descie 2003, hoje congrega mais cle 700 organizacées aderentes, estando sua gestao a cargo de um Comité integrado por mais de 30 organiza c0es de diferentes setores econdmicos e com destaque no campo da sustentabl lidade, Sediada em So Paulo e parceira do Programa das Na¢Oes Unidas para 0 Desenvolvimento, atta em diversas frentes, de grupos tematicos a participacao em consultas publicas. Para mais informagées sobre a Rede Bra: https//pactoglobal.org.br/a-iniciativa. Acesso em: 14 jun. 2019. 75 Gestao de organizacdes da sociedade ci 3. Principais marcos regulatorios de interesse Acompanhando as tendéncias globais anticorrupcao, o Brasil ratifi- cou convengées internacionais sobre o combate a corrupgao e promul- gou leis gerais sobre o tema e especificas para as relagdes de parceria das OSC com a Administragao Publica, que trazem regras que precisam ser consideradas na andlise de conformidade da organizagao. Vejamos. 31. Legislagdo internacional aplicdvel Ha trés tratados internacionais incorporados pelo ordena- mento juridico brasileiro com aplicabilidade em territorio nacional: () a Convencao sobre 0 Combate da Corrupcao de Funcionarios Publicos Estrangeiros em Transacées Comerciais Internacionais, da Organizacao para a Cooperacao e Desenvolvimento Econémicos (OCDE); (i) a Convengao Interamericana contra a Corrupcao, da Organizacao dos Estados Americanos (OEA); € a (iii) Convencao das Nagoes Unidas contra a Corrupgao. 3.1.1. Convengao sobre o Combate da Corrupgao de Funcionarios Publicos Estrangeiros em TransagGes Comerciais Internacionais, da OCDE Aprovada pelo Congreso Nacional por meio do Decreto Legislativo ne 125/200, a Convencao sobre o Combate da Corrupgao de Funciondrios Pablicos Estrangeiros em TransacGes Comerciais Internacionais foi promul- gada no Brasil pelo Decreto Federal n° 3.678/2000 em resposta aos esfor- Gos de organizagées e outros atores envolvidos na luta anticorrupcao. Reconhecendo a corrupcdo como um fendmeno que “desperta sérias preocupac6es morais e politicas, abala a boa governanca e 0 desenvolvimento econémico” (BRASIL, 2000, online), a Convencao previu o dever dos Estados de adotar medidas necessarias a respon- sabilizacao de pessoas juridicas pela corrupgao de funciondrio publico estrangeiro, de acordo com seus principios juridicos, considerando delito passivel de extradigao conforme as legislagées nacionais e tratados de extradigao aplicaveis. 76 Compliance no terceiro setor Além disso, como medida de combate a corrup¢ao, a Convencao impés aos Estados que a ratificaram o dever de adotar medidas legais e de regulamentos sobre a “manutengao de livros e registros contabeis, divulgacdo de declaragées financeiras e sistemas de contabilidade e audi- toria” (BRASIL, 2000, on-line), entre outras. Determina ainda aos Estados que prevejam “penas civis, administrativas e criminais efetivas, propor- cionais e dissuasivas pelas omissGes e falsificacGes em livros e registros contabeis, contas e declaracées financeiras” (BRASIL, 2000, on-line). No sentido de assegurar a sua efetiva e integral implementacao, essa Convencaio previu a instalagéo de um mecanismo de acompanha- mento sistematico, coordenado pelo Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE, do qual a Controladoria Geral da Unido faz parte e conduz as acées referentes ao Brasil." Por forca da Convencao, em 2002, 0 Brasil alterou o seu Cédigo Penal para incluir a tipificacao de atos praticados por particular contra a administracao publica estrangeira em transacdes comerciais interna- cionais. Essa alteracao foi um esforgo na implementacao das normas da Convencao, registrado por ocasiao do primeiro acompanhamento siste- matico realizado pelo referido grupo de trabalho em 2003, que tinha por objetivo verificar as adequacées legislativas adotadas pos-ratificacao. Ainda como desdobramento dos compromissos assumidos pelo Brasil em razdo da ratificagdo da Convencéio, a Camara de Comércio Exterior emitiu a Resolucdo n° 62/2010 (revogada e substitu(da pela Resolugao Camex n° 81/2014), que obriga empresas brasileiras a assina- rem uma declaragao por meio da qual se dizem cientes e comprometi- das com os termos da Convencao. Inspirada pelas recomendacées sobre a necessidade de responsa- bilizacdo das pessoas juridicas" feitas no segundo periodo de monito- ramento da implementacdo da Convengao, em 2007, foi promulgada a Lei n° 12846/2013, que dispde sobre a responsabilizacao administra tiva e civil de pessoas juridicas pela pratica de atos lesivos contra a 14 Mais informagGes em: https:/www.cgu.gov-br/assuntos/articulacae-internacional/ convencao-da-ocde mecanismo-de-avaliacao. Acesso em: 7 jun. 2019. 15 Mais informagdes em: https/Awww.cgu.gov-br/assuntos/articulacao-internacional/ convencao-da-ocde/arquivos/avaliacao?_portugues.pdf . Acesso em: 7 jun. 2019. 7 Gestao de organizacdes da sociedade administracao publica nacional e estrangeira, visando especialmente criminalizar atos envolvendo suborno, obtencao de vantagem indevida ou fraudes em sede de licitacdes, conforme seré descrito em itens pos- teriores deste artigo. 3.1.2. Convengao Interamericana contra a Corrupcao, da OEA Tendo como um de seus alicerces 0 reconhecimento da neces- sidade de se reforgar a participagao da sociedade civil na prevengao e na luta contra a corrupgao, a Convengao Interamericana contra a Corrupgao foi adotada em Caracas, em 29 de marco de 1996, e ratificada no Brasil em 2002. Foi aprovada no Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 152/2002 e promulgada pelo Decreto Federal n° 4.410/2002, passando a ter aplicabilidade em territorio nacional. Entendendo que “a corrup¢ao solapa a legitimidade das institui- Ges publicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justica, bem como contra 0 desenvolvimento integral dos povos” (BRASIL, 2002, orvline), desvincula a ideia de prejuizo ao erdrio da pratica do ato, ao esclarecer que nao € exigivel que os atos de corrupgao pro- duzam prejuizo patrimonial para o Estado para que eles sejam assim considerados. Nos termos da Convengao Interamericana (BRASIL, 2002, on-line) considera-se ato de corrupgao: a) a solicitacdo ou a aceitacéo, direta ou indiretamente, por um funcionatio publico ou pessoa que exerca fungdes ptiblicas, de qualquer objeto de valor pecuniario ou de outros beneficios como dadivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para coutra pessoa ou entidade em troca da realizacao ou omissdo de qualquer ato no exercicio de suas funcdes publicas; b) a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionario ptiblico ou pessoa que exerca fungées ptiblicas, de qualquer objeto de valor pecuniario ou de outros beneficios como dadivas, favores, promessas ou vantagens a esse funciondrio puiblico ou outra pessoa ou entidade em troca da realizagao ou omissaio de qualquer ato no exercicio de suas fungdes publicas; 78 Compliance no terceiro setor ¢)a realizacao, por parte de um funcionario ptiblico ou pessoa que exerca funcées piblicas, de qualquer ato ou omissao no exercicio. de suas fungdes, a fim de obter ilicitamente beneficios para si mesmo ou para um terceiro; d) 0 aproveitamento doloso ou a ocultagao de bens provenientes de qualquer dos atos a que se refere este artigo; € e) a participagao, como autor, co-autor, instigador, cumplice, acobertador ou mediante qualquer outro modo na perpetragao, na tentativa de perpetragaio ou na associagdo ou confabulagao para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo, A Convencao também desvincula a pratica de atos de corrupcao de delitos politicos ou vinculados, ao afirmar que © fato de os bens provenientes do ato de corrupcao terem sido destinados a finalidades politicas ou a alegacao de que um ato de corrupcao foi cometide por motivacées ou finalidades politicas nao serao suficientes, por si sos, para consideré-lo como delito politico ou como delito comum vinculado a um delito politico. (BRASIL, 2002, on-line) O tratado traz um rol de me las preventivas a serem adotadas pelos paises que o ratificaram, integrando esta lista o estimulo a parti- cipagao da sociedade civil nos esforcos para prevenir a cormupcao, coma importante medida preventiva a ser adotada pelos Estados. Para preservacdo e confianca na integridade de funciondrios publ cos e na gestdo publica, a Convencao dita a adocao, manutencdo eu fortalecimento de normas de conduta para © desempenho correto, honrado e adequado das fungées publicas, com a finalidade de prevenir conflitos de interesses, assegurar a guarda e uso adequado dos recursos confiados aos funciondrios puiblicos no desempenho de suas fungées e estabelecer medidas e sistemas para exigir dos funcionarios publicos que informem as autoridades competentes 79 Gestao de organizacdes da sociedade dos atos de corrupcao nas fungées ptiblicas de que tenham. conhecimento. (BRASIL, 2002, on-line) Trata da adocao de medidas para cumprimento dessas normas de conduta e para informar integrantes de orgaos publicos sobre suas res- ponsabilidades e normas éticas aplicaveis as atividades. nda na perspectiva preventiva, trata da adogao de sistemas que permitam pessoas em exercicio de fungées publicas declararem recei- tas, ativos e passivos e os divulgarem quando for 0 caso; que assegurem transparéncia, equidade e eficiéncia no recrutamento de funciondrios publicos e aquisicéo de bens e servicos pelo Estado; que permitam o controle de renda e de arrecadacao do Estado, impedindo a pratica de atos de corrup¢ao; e que protejam funciondrios publicos e cidadaos particulares que denunciem de boa-fé atos de corrupcao, incluindo a protecao de sua identidade. Destaque-se, por fim, como medida de prevencdo a ado¢ao, manu- tencao ou fortalecimento de “leis que vedem tratamento tributario favoravel a qualquer pessoa fisica ou juridica em relagao a despesas efetuadas com violacao dos dispositivos legais dos Estados Partes con- tra a corrupgao”; de “orgaos de controle superior, a fim de desenvolver mecanismos modernos para prevenir, detectar, punir e erradicar as pra- ticas corruptas” e “ o estudo de novas medidas de prevencao, que levem em conta a relacdo entre uma remuneragao equitativa e a probidade no servico publico” (BRASIL, 2002, on-line). Da mesma forma que a Convencdéo da OCDE, a Convencdo Interamericana aprovou a criacéo de uma ferramenta de monitoramento - © Mecanismo de Acompanhamento da Implementacao da Convencao Interamericana contra a Corrupcao"® -, composto pela Conferéncia dos Estados Parte e pela Comissao de Peritos.” A participacao brasileira nesse foro é realizada pela Controladoria Geral da Uniao. 16 Mais informagdes em: https:/Avww.cau.gov-br/assuntos/articulacao-internacional/ convencao-da-oea/mecanismo-de-avaliacao. Acesso erm 7 jun. 2019. 17 A Conferéncia dos Estados Partes € formada por representantes de todos os Estados © detém autoridade para avaliar 0 Mecanisino © monitorar a sua fun- cionalidade. A Comisséo de Peritos é composta por peritos designados pelos 80 Compliance no terceiro setor A criagdo e a aprovacdo da Lei de Acesso a Informacao (Lei n° 12.527/20M1) e da Lei de Conflito de Interesses (Lei n° 12.813/2013) foram agées bem-sucedidas para adequar a legislacao brasileira as obri- gages da Convencao Interamericana. Também houve um esforco reiterado em criminalizar 0 enriqueci- mento ilicito de agentes publicos nos termos do artigo IX da Convencao Interamericana, tema de divergéncias na doutrina brasileira. Destaca-se © Projeto de Lei n° 5586/2005, de autoria da Controladoria Geral da Unido, 0 Projeto de Lei do Senado n° 236/2012, que reformou © Codigo Penal brasileiro, e 0 Projeto de Lei n° 80/2016, também chamado de “10 Medidas de Combate a Corrupgao”” Além desses, em setembro de 2016, foi apresentado 0 Projeto de Lei do Senado n° 327, de 2016, que busca criminalizar o enriquecimento ilicito por meio da adicao do artigo 312-A ao Cédigo Penal brasileiro, que tramita no Senado,” sendo possi- vel que a questao venha a ser discutida em um futuro proximo. 3.1.3. Convencao das Nagées Unidas contra a Corrup¢cao Adotada pela Assembleia-Geral das Nagdes Unidas em 31 de outu- bro de 2003, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 348/2005 e promulgada por meio do Decreto n° 5.687/2006, a Convengao das NacGes Unidas contra a Corrupcao esta em vigor e tem aplicagao em Ambito nacional desde 4 de dezembro de 2005. Tendo por premissas “os princ{pios de devida gestao dos assuntos e dos bens puiblicos, equidade, responsabilidade e igualdade perante a lei, assim como a necessidade de salvaquardar a integridade e fomentar uma cultura de rechaco a corrupc4o" (BRASIL, 2006, on-line), trata, entre outros temas, de medidas preventivas a serem adotadas nos setores Estados Partes e € 0 6rgao responsdvel pela analise técnica da implementaco da Convencao por esses Estados. 18 Mais InformagSes em: http:/Avww.dezmedidas.mpf.mpbr/apresentacao/artigos/ crime-de-enriquecimento -ilicito-jose-panoeiro.pdf . Acesso em: 7 jun. 2019, 19 Mais informacdes em: https:/www.jotainfo/paywall?redirect to=/Avww jotainfo/ opiniao-e-analise/colunas (coluna-de-idddd/sobre-o-enriquecimento-ilicito-de-agen- tes-publicos-MI22016, Acesso em: 7 jun. 2019. 20 Mais informacées em: httpsy/www25senadoleg.br/web/ati materia/I26821. Acesso em: 7 jun. 2019. lade/materias/-/ 8 Gestao de organizacdes da sociedade pubblico e privado, da criminalizacdo e aplicacdo da lei, da cooperacao internacional e da recuperacao de ativos. A conexao entre corrupcao e desenvolvimento é destacada no texto da Convencdo, que assinala que sua pratica, comum em diferen- tes setores da sociedade, pode “comprometer uma propor¢ao impor- tante dos recursos dos Estados e que ameagam a estabilidade politica © 0 desenvolvimento sustentavel dos mesmos” (BRASIL, 2006, on-line) e, nessa esteira, reconhece que apoio e a participagao das OSC, da sociedade civil e das organizacées de base comunitaria foram e sao fer- ramentas importantes para a eficdcia de agées anticorrupgao. Entre as obrigagées que determina, a Convengao impée aos Estados-Parte o dever de adotar politicas publicas contra a corrup¢ao que promovam a participacdo da sociedade e, ao mesmo tempo, refli- tam os principios do Estado de Direito, a devida gestéo dos assuntos e bens publicos, a integridade, a transparéncia e a obrigacao ou dever de prestar contas. Determina também a Convengao que os Estados deverao assegurar aexisténcia de um ou mais érgaos, dotados de independéncia, que pos- sam aplicar, desenvoiver, coordenar e difundir politicas de prevencao da corrupcao. A Controladoria-Geral da Uniao (CGU)," que tem atribuigées como de controle interno, correigéo e ouvidoria no Poder Executive Federal, é também responsavel pelo desenvolvimento de iniciativas de promogdo da transparéncia e prevencdo da corrupgao, cabendo a sua Secretaria de Transparéncia e Prevencdo da Corrup¢ao © monitora- mento da implementacao dos ratados internacionais sobre prevencao e combate a corrup¢ao ratificados pelo Brasil. Como forma de implementar as disposicées da Convencao, o Brasil Ses responsaveis pela preven- investiu no fortalecimento das institui co e combate @ corrupcao. Nesse contexto, foi ampliado 0 escopo de atuacao da Estratégia Nacional de Combate a Corrupgao e a Lavagem de Dinheiro (Enccla), que antes de 2006 so previa agdes voltadas ao 21 Alem de suas aces ordinétias, a CGU promove o Programa Pro Etica, desenvolvido em parceria com 0 Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que fomenta a adocao voluntéria de medidas de integridade por empresas e organi- zacGes, Mais informacées em: http:/www.cgugov.br/assuntosietica-e integridade/ empresa-pro-etica, Acesso em: 14 jun. 2019. 82 Compliance no terceiro setor combate a lavagem de dinheiro. Sao exemplos das acdes desenvol- vidas pela Enccla a criacao do Programa Nacional de Capacitacao e Treinamento para Combate a Corrupgao e a Lavagem de Dinheiro e a elaboracao dos anteprojetos de lei de tipificacao de organizagoes criminosas, de enriquecimento ilicito e de definicao de terrorismo e seu financiamento. Foi também responsavel pela criacao do Cadastro Nacional de Correntistas do Banco Central e instituicao da Sindicancia Patrimonial, destinada a investigar indicios de enriquecimento ilicito e evolugao patrimonial incompativel com os recursos e disponibilidades do agente ptiblico. Criou-se também, no ambito da CGU, a Secretaria de Prevencéo. da Corup¢do e Informacées Estratégicas que, reestruturada pelo Decreto n° 8.109/2013, passou a se chamar Secretaria de Transparéncia e Prevencao da Corrupcao, e tem por missao a defesa do patriménio publico e 0 combate aos desvios e desperdicios de recursos publicos federais Alem disso, estruturou-se na CGU 0 Conselho de Transparéncia Publica e Combate a Corrupcao, composto paritariamente por 20 mem- bros representantes do poder puiblico e de entidades da sociedade civil, cuja fungao ¢ discutir e sugerir medidas que aprimorem e reforcem as politicas e os mecanismos de transparéncia da gestdo publica e de combate a corrupgao022 Além desses tratados ral cados pelo Brasil, 0 cumprimento de legislacées locais de outros paises, via de regra, pode ser exigido de OSC estrangeiras ou brasileiras que atuem no Brasil e que tenham relacées juridicas de participacdo, cooperacao ou financiamento com empresas, 22. Oulras ferramentas ctiadas com o objetivo de promover a transparéncia € 0 con trole social sio: (i) o Programa “Olho Vivo no Dinheiro Puiblico", em novembro de 2003, cujo objetivo ¢ fomentar o controle social e a capacitacdo de agentes puiblicos municipais sobre a importancia das politicas de transparénc 1a respon- sabilizagao @ a necessidade do cumprimento dos dispositives legais; (ji) o Portal da Transparéncia, que permite ao cidadao acessar livremente informacoes sobre a aplicacao de recursos publicos federais; e (il) as Paginas de Transparencia, que contém dados detalhados de érgaos e entidades da Administracao Publica Federal icitacdes, orgamentos, didrias © passagens. Mais informagées em: hitp//www.cgugov-bi/assuntos/articulacac-intemacional/con- vencao-da-onu/arquivos/cartilha-onu-2016 pdf. Acesso em: 7 jun. 2019, sobre os convénios, contratos, 83 Gestao de organizacdes da sociedade organizacées ou governos dessas localidades. Entre essas normas destacam-se a legislacdo dos Estados Unidos da América (Lei Norte- Americana de Praticas de Corrupcao no Exterior - Foreign Corruption Bribery Act®) e do Reino Unido (Lei de Prevencao ao Suborno do Reino Unido - United Kingdom Bribery Act). 3.2. Lei de Acesso a Informagdo (Lei n° 12.527/2011) Em vigor desde 16 de maio de 2012, a Lei de Acesso & Informagao (Lei n° 12.527/2001) regulamentou 0 direito constitucional de todo cida- dao de acesso as informacées puiblicas. Para isso, criou mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa fisica ou juridica 0 recebimento de infor macées publicas dos orgdos e entidades, a partir de prazos razoaveis determinados, sem necessidade de apresentar motivacdo prévia. Em relacdo as OSC, obrigouaquelas que firmam relacdes com o Poder Pablico a dar transparéncia em seus sites a uma série de informacées rela- tivas a contratos e parcerias firmadas com Poder Publico, incluindo a des- tinagao dos recursos publicos recebidos, nos seguintes termos: Art. 2 Aplicamse as disposigées desta Lei, no que couber, as entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realizacdo de agées de interesse ptiblico, recursos publicos diretamente do orcamento ou mediante subvencdes sociais, contrato de gestao, termo de parceria, convénios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congéneres. Paragrafo unico. A publicidade a que esto submetidas as entidades citadas no caput refere-se a parcela dos recursos ptiblicos recebidos 23. Mais informacdes em: https:/Awww.Justice govicriminal-fraud/foreign-corrupt-prac- tices-act. Acesso em: 9 abr. 2019. 24 Mais informacoes em: http:/Avww.legislation.gov.uk/ukpga/2010/23/pdts/ ukpga_20100023_en,pat. Acesso em: 09 abr. 2019. Compliance no terceiro setor € a sua destinacao, sem prejuizo das prestacdes de contas a que estejam legalmente obrigadas. (BRASIL, 2011, on-line) O Decreto n° 7.724/2012, que a regulamenta no ambito federal, determina que a transparéncia passiva de resposta ao cidadao deve ser exercida pelo drgao puiblico repassador. No entanto, no caso da trans- paréncia ativa, que traz obrigacées de publicidade a serem cumpri pelas OSC que receberem recursos ptiblicos, determina o minimo de informagées que deve conter no site, conforme descrito em seu artigo 63, transcrito a seguir: las Art. 63. As entidades privadas sem fins lucrativos que receberem recursos publicos para realizacéo de acées de interesse publico deverao dar publicidade as sequintes informacdes: 1- copia do estatuto social atualizaco da entidade; II relacao nominal atualizada dos dirigentes da entidade; e Ill ~ c6pia integral dos convénios, contratos, termos de parcerias, acordos, ajustes ou instrumentos congéneres realizados com o Poder Executivo federal, respectivos aditivos, e relatorios finais de prestacao de contas, na forma da legislacao aplicavel. §1P As informagées de que trata o caput serao divulgadas em sitio na intemet da entidade privada e em quadro de avisos de amplo acesso ptiblico em sta sede. (BRASIL, 2012, on-line) 3.3. Lei Anticorrup¢do Em vigor desde 29 de janeiro de 2014, a Lei Anticorrupcao (Lei n° 12.846/2013) impactou todos que se relacionam com governos, no Brasil ou no exterior, ao autorizar a responsabilizacao administra- tiva e civil de pessoas juridicas pela pratica de ates ilicitos contra a Administracao Publica, nacional ou estrangeira, incluindo empresas, fundagdes, associagées de entidades brasileiras ou estrangeiras com atuacao no Brasil. 85 Gestao de organizacdes da sociedade civil Fundacées, associaces de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras com sede, filial ou representacao no territorio brasileiro, constituidas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, também estdo suieitas a Lei Anticorrupca0” Uma das principais inovacoes da Lei Anticorrupcao foi a possibi- lidade de responsabilizagao objetiva, ou seja, independentemente da comprovacao de ter a organizagao contribuido com dolo ou culpa para a pratica da conduta lesiva. A Lei buscou coibir 0 uso abusivo da forma da pessoa juridica pelos individuos nas relagées com os governos. Segundo a Lei Anticorrupgao, é ampla a gama de atos considera- dos lesivos, dispostos no artigo 5° da norma: Art. 5° Constituiem atos lesivos a aciministracao publica, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas juridicas mencionadas no paragrafo unico do art. P, que atentem contra o patriménio puiblico nacional ou estrangeiro, contra principios da administragao publica ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: 1 - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente publico, ou a terceira pessoa a ele relacionada; Il-comprovadamente, financiar, custear, patrocinar oude qualquer modo suibvencionar a pratica dos atos ilfcitos previstos nesta Lei; Ill - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa fisica ‘ou juridica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficidrios dos atos praticados; IV - no tocante a licitagées e contratos: 25 “Art. P Esta Lei dispée sobre a responsabilizacéo objetiva administrativa e civil de pessoas juridicas pela pratica de atos contra a administracao publica, nacional ou estrangeira. Paragrafo unico. Aplica-se 0 disposto nesta Lei as sociedades empresarias ¢ as socledades simples, personificadas ou nao, independentemente da forma de orga nizagdo ou modelo societérlo adotado, bern come a quaisquer fundacées, associa Ges de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representacao no Lerritsrio brasileiro, constituidas de fato ou de direito, ainda que tempaorariamente" (BRASIL, 2013, on-line) 86 Compliance no terceiro setor a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinacao ou qualquer outro expediente, 0 carater competitive de procedimento licitatorio puiblico; b) impedir, perturbar ou fraudar a realizacao de qualquer ato de procedimento licitatério publico; ©) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitagao publica ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa juridica para participar de licitagao publica ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou beneficio indevido, de mado fraudulento, de modificac6es ou prorrogacées de contratos celebrados com a administracdo publica, sem autorizacao em lei, no ato convocatorio da licitacao publica ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar 0 equilibrio econémico-financeiro dos contratos celebrados com a administracao publica; \V - dificultar atividade de investigacao ou fiscalizacao de drgaos, entidades ou agentes puiblicos, ouintervir em sua atuagao, inclusive no Ambito das agéncias reguladoras e dos érgaos de fiscalizagao do sistema financeiro nacional. (BRASIL, 2013, on-line) A Lei Anticorrupgao habilitou autoridades administrativas a aplica- rem multas a OSC que pratiquem atos ilfcitos contra a Administracao Publica no Brasil ou no exterior, que podem variar de 0,1% a 20% do fatu- ramento bruto anual da organizacao, ou entre R$ 6 mile R$ 60 milhées, quando invidvel a utilizacao do primeiro critério, No plano nacional, a Lei Anticorrupeao reforca a importancia de mecanismos de governanga e de compliance das OSC, como também a tendéncia de troca de informacées entre govemos.* 26 Como € 0 caso do Foreign Account Tax Compliance Act, mecanismo de assisténcia muitua e troca de informagées entre Brasil e EUA, instituido pelo Decreto n° 8.506, de 24 de agosto de 2015. 87 Gestao de organizacdes da sociedade civil 3.4. Marco Regulatério das Organizacées da Sociedade Civil (Lei n° 13.019/2014) A Lei n° 13.019/2014 reconheceu a importancia da autonomia das OSC em prol do interesse publico, a legitimidade de seu financiamento ptiblico e trouxe maior seguranca juridica e transparéndia para as parce- rias voluntarias celebradas entre 0 Poder Puiblico (Unio, estados, Distrito Federal, municipios e respectivas autarquias, fundagées, empresas puibli- cas e sociedades de economia mista prestadoras de servico ptiblico e suas subsididrias?” e as OSC (associacées, fundacdes, cooperativas e orga- nizacées religiosas), destinadas a consecucao de finalidades de relevancia ptiblica, envolvendo ou nao a transferéncia de recursos financeiros. Em vigor para a Unido, estados e Distrito Federal desde janeiro de 2016, e para municipios desde janeiro de 2017, a Lei n° 13.019/2014 foi modificada pela Lei n° 13.204/2015, antes do inicio de sua vigéncia No ambito federal a lei esta requlamentada pelo Decreto n° 8726/2016. Necessario considerar a normativa local (estados, DF e municipios) que regem a matéria que tem sido construida2* Lei de abrangéncia nacional, instituiu obrigacdes que valorizam as organizagées e atendem as demandas de combate & corrupcao, com regras de transparéncia ativa obrigatoria e de aprimoramento de con- troles para parceirizacao. Houve deslocamento dos controles, que deixa- ram de ser puramente de meios e passaram a ser prévios e de resultados. Para assegurar maior transparéncia nos processos de parceirizacao, previu 0 chamamento publico obrigatério para selecéo de propostas € de organizacées, habilitacdo juridica baseada em critérios objetivos 27 Anova lei propoe uma mudanga de paradigma signiticativa para 0 Poder Publico, que deve compreender melhor as raz6es para as relagoes de parceria € 0 ator OSC em suas especificidades, o que torna desafiador o seu cumprimento pela Administracao Publica. 28. Sobre dads da regulamentacaio. do MROSC nos estados, ver Projeto Sustentabilidade Econdmica da Sociedade Civil, gerido pelo Grupo de Institutos, Fundacdes e Empresas. e pela Coordenadoria de Pesquisa Juridica Aplicada da Fundagao Getulio Vergas - Direito, Sao Paulo, em parceira com o Instituto de Pesquisas Aplicadlas e com apoio da Unido Europeia, Fundacao Lemann, Instituto Arapyaut e Instituto C&A. Disponivel em https//gife.org brfsc/mrosc/. Acesso emt 9 abr. 2019. 88 Compliance no terceiro setor definidos em lei, e nao em titulacao previa, e a necessidade de assina- tura de instrumentos por representante hierarquico superior do érgao pubblico. © momento de pactuacdo da parceria se torna essencial para orientar a execucao e consequentemente a prestacao de contas. Os repasses de recursos publicos segundo a nova lei podem visar tanto a colaboragao das OSC com politicas puiblicas, como o apoio esta- tal ao fomento de atividades auténomas das organizacées voltadas para 0 interesse piiblico” A gestao publica democratica, a participagao social e 0 fortalecimento da sociedade civil so, nessa nova légica, prin- cipios fundamentais aplicaveis & celebracaio dos termos de fomento e va da aos termos de colaboracao - no primeiro caso, quando a ini acdo de interesse pubblico é proposta por OSC, e no segundo, quando proposta pela administracao publica. Alei inovou ao criar 0 “Procedimento de Manifestacao de Interesse Social”, a exemplo de procedimentos existentes nas concessdes via par- cerias publico-privadas, permitindo que OSC, movimentos sociais e cida- daos apresentem propostas de chamamento ptiblico para a celebracao de parceria, e crioua figura dos Consethos de Fomento e Colaboracao,”” 6rgao paritario que divulga boas praticas, propde e apoia politicas e ages voltadas ao fortalecimento das relacdes de fomento e de colabo- racao previstas na Lei.” A previsao expressa da permissdo de pagamento 29 Como novidades, destaca-se adicionalmente a vedagao a exigéncla de contrapar tida financeira; a requlamentagao da atuacao em rede pelas OSC; a autorizacao expressa para pagamento da equipe de trabalho, com salétios, encargos traba- Ihistas e verbas rescisérias inclusos, descle que haja atuacao correspondente na exectico das atividades previstas nos planos de trabalho das parcerias 30. Ha experiéncias exitosas em funcionamento no Brasil de Conselhos de Fomento © Colaboragao conforme previsao no MROSC, destacando-se 0 municipio de Belo: Horizonte ¢ do estado da tahia, Uma vez constituicos, esses consethos deverao tambem atuar de forma transversal na Administragao Publica, buscando harmo nizar e promover entendimentos com relacao as normas incidentes sobre as par cerlas entre OSC e o Estado nas diferentes areas, como saude, cultura, assisténcda social, preservacio do meio ambiente. 31 Avedacao da celebracao de convénios entre OSC e a Administracéo Publica é um dlos destaques da lei e tem sido identificada como 0 seu maior acerto por pesaui- sadores que tratam do tema. A utilizacdo da legislacao de convénios ¢ considerada a ofigem de parte signficativa dos problemas que hoje as organizagdes vive nas 89 Gestao de organizacdes da sociedade de despesas indiretas e de pessoal préprio com recursos publicos repas- sadlos atende a uma reivindicacao historica do segmento das OSC, para superar a inaceitavel situacdo de precarizacao das relagdes de trabalho nas OSC que atuam em parceria com 0 Estado. Diante das profundas e inéditas transformagoes que a Lei n° 13.019/2014 traz para as relacGes de parceria entre a Administracao Publica e as OSC, a apropriagao dessas novas normas e procedimen- tos é um dos pilares fundamentais do trabalho de conformidade, no caso, OSC que tém firmado ou pretendem estabelecer parcerias com © Poder Publico. 4. Integridade e compliance na pratica 4.1, Programa de compliance: lei, gestdo e boa governanca A compliance para OSC envolve trés principais aspectos: conformi- dade coma lei, gestao e boa governanga. Aconformidade com a lei exige das OSC agir em consonancia com alegislacao aplicdvel as organizagées e ao seu campo de atuagao. Nesse sentido, os mecanismos de compliance devem ser pensados e construi- dos a partir de um profundo conhecimento das especificidades das OSC e das caracteristicas de seu universo de atuacao. Esses instrumentos devem primar pela methoria dos processos intemos das OSC, buscando simplicidade e efetividade. As OSC tém tamanhos e objetivos diferentes, e seus programas de compliance devem levar essas diferencas em conta. Organizacées beneficentes de assisténcia social, por exemplo, gozam imunidade suas relagées de parceria com 0 Estado. O uso dos convénios contribuiu de forma expressiva para o atual ambiente de inseguranga juridica, uma ve7 que esses instru- mentos foram criados para regular relacoes entre entes publicos (os chamados con vénios administratives). Na pratica, é comum que servidores da Administragao, a0 analisar a execucao financeira e prestacao de contas das OSC, interpretem as nor mas dos convénios com entidades privadas como se fossein verdadeiros conv administratives, gerando analogias indevidas, ao impor normas de direito publica para OSC que, como sabemos, s4o regidas precipuamente pelo direito privado. 90 Compliance no terceiro setor tributaria nas contribuicdes sociais por terem o Certificado de Entidade Beneficente de Assisténcia Social (Lei n° 12.101/2009, conhecida como Lei da Filantropia) e sao instadas pela normativa vigente a estruturar mecanismos internos que assegurem a manutencao do cumprimento dos requisitos legais e da comprovacao documental exigida pelos Ministérios responsdveis pela concessdo ou renovaao da certificacao (Ministérios da Cidadania, da Savide e da Educagao). 0 (re}conhecimento da diversidade das OSC e dos marcos legais especificos de cada drea de atuacao, como meio ambiente, assisténcia, satide, educagao, esporte, cultura, direitos humanos, é imprescindt- vel para que as medidas de compliance adotadas sejam adequadas a realidade de cada organizacao. Cédigos de ética e de conduta devem respeitar as especificidades da organizacdo para a qual foram cria- dos, além de prever instrumentos e regras que possam, de forma pro- porcional ao perfil e tipo de atuacdo, atender a legislacdo especifica, notadamente a Lei Anticorrupc¢ao e o Decreto Federal n° 8.420/2015, que a regulamenta. O segundo aspecto da conformidade é a exigéncia de que as OSC adotem praticas de gestao que assegurem transparéncia e accountabi- lity e que reconhecam a responsabilidade das pessoas juridicas sobre o seu ambiente de atuacao. Isso significa que as instituigdes devem agir para que suas praticas e atividades sejam capazes de evitar, iden car e punir satisfatoriamente dirigentes, funciondrios ou colaboradores que nao ajam com integridade, notadamente no relacionamento com governos. Envolve também maior controle de transagées financeiras, conforme tendéncia de regulacaéo mundial orientada por organismos internacionais em nome do combate a corrupcao e ao terrorismo e acompanhada pelo governo brasilei © terceiro aspecto aponta que conformidade exige uma gover- nanga forte e estruturada, apta a evitar situacdes de contflitos de inte- resse nas diversas relagdes que a organizacao estabelece com seus integrantes, financiadores, parceiros e doadores, com o proprio Poder Publico e demais publicos com que se relaciona. A boa governanca deve garantir a existéncia de procedimentos intemos que devem ser conhecidos e observados por colaborado- res, dirigentes e demais ptiblicos de interesse, jd que conforme as leis 91 Gestao de organizacdes da sociedade vigentes, mediante o devido proceso legal, poderao ser impostas pena- lidades® a pessoa juridica e as pessoas fisicas envolvidas. Como a responsabilidade objetiva da pessoa juridica tem por pres- suposto a incapacidade de as organizacées que se envolvem em corrup- cao atuarem satisfatoriamente para evitar que dirigentes, funciondrios ou colaboradores ajam em seu nome coma esperada integridade no relacionamento com governos, ¢ importante que os gestores atuem no sentido de fortalecer a seguranga juridica das OSC que administram, seus projetos e a idoneidade de atuagio de seus colaboradores. A.ctiagio ou aprimoramento de mecanismos e procedimentos inter- nos de integridade, auditoria e incentivo a denuincia de irregularidades, e a aplicacao efetiva de cddigos de ética e de conduta sdo de fundamental importancia para as OSC, pois nos termos do art. 7° da Lei Anticorrup¢ao, sero considerados na dosimetria de eventual aplicacdo de sangdes. Ou seja,a existéncia do programa de integridade pode ser considerada condi- cdo atenuante nos casos em que se verifica a pratica de atos de cormupsao. 42. Elementos de um programa de compliance Em termos praticos, a estruturagao de um programa de compliance compreende duas etapas: (1) diagnéstico de conformidade legal; e Q) implementacao. O diagnéstico de conformidade legal engloba a elaboracao de um relatério que tem por objetivo mapear os principais riscos a que a orga- nizagao esta exposta. Esse trabalho é, em regra, iniciado a partir de um questiondrio direcionado e de analise juridica de documentos societa- rios, titulos, registros e certificados, contratos, instrumentos celebrados com 0 Poder Publico e outras informagées relacionadas 4 organizacao, suas atividades e aos atores com quem se relaciona. 32_As penalidacies podem resultar na perda de bens, suspenséo ou interdi¢ao parcial de atividades, dissolucao compulsoria da pessoa juridica, proibicao de receber incentivos, subsidios, doagoes ou repasses de orgaos ou entidades publicas. 92 Compliance no terceiro setor Também integra essa etapa a realizacdo de uma validacao das percepcoes € achados identificados no desenvolvimento do estudo diagndstico. Essa validagao pode se dar por meio de uma reuniao com um grupo pré-selecionado ou por meio de entrevistas em maior pro- fundidade com atores-chave da organizacao. Nessa oportunidade, além de se obter informagoes e consideracoes adicionais, sao apro- fundadas as questées identificadas na etapa anterior e esclarecidas duvidas, para conclusao da matriz de riscos, indicagdo dos pontos de atencao e dos aspectos prioritarios, bem como recomendacées € sugestdes de encaminhamento. Superada a elaboragdo do diagnéstico, segue-se a etapa de implementagéo, que envolve 0 desenho da Politica de Compliance e de Cédigo de Etica e Conduta (elemento essencial exigido pela legisla- cao brasileira). Esses instrumentos podem, além de tratar de condutas nao esperadas e respectivas penalidades, contemplar outros aspectos, como por exemplo situacées havidas no local de trabalho (discrimi- nacao e assédio), limites para o envolvimento e participagao politico- -partidaria dos colaboradores, protecao de dados, regras sobrerrecebi- mento de financiamento publico, politica de compras e contratacées, entre outros. Alem disso, pode abarcar a implementacao de Plano de Ago (medidas mitigatérias), considerando os riscos a que a organizacio esteja exposta, 0 desenvolvimento de novas politicas e instrumentais (due diligences, padrées/modelos etc), a revisdo de aspectos da gover- nanga, a estruturacao de canal de duvidas e denuncia, bem como trei- namento e orientagées aos colaboradores para que a organizagao possa seguir monitorando e acompanhando a efetividade do seu pro- grama de compliance. Para que seja efetivo, qualquer programa de compliance precisa ser construido e implementado com 0 engajamento da alta gestao e de todo 0 corpo de colaboradores e terceiros envolvidos, sendo neces- sario acGes de capacitacao e reciclagem de todos aqueles que direta ou indiretamente fazem parte do dia a dia das atividades da OSC. 93 Gestao de organizacdes da sociedade ci O aprofundamento de estudos de casos e da doutrina e a jurispru- déncia internacional e brasileira proporcionam o aumento da previsibi lidade de algumas situacées e a efetividade dos programas." Por fim, os programas de compliance devem ser dindmicos, e para isso € necessaria sua reavaliagao e atualizacao periddica, a partir da incidéncia de novos riscos ou situagdes identificadas e que possam de qualquer modo apontar na diregao de novos rumos eu de novas preo- cupagées para a atuagao da OSC. Por isso a importancia do estabeleci- mento de ferramentas que possibilitem esse monitoramento constante. Consideracgées finais As OSC tém um papel fundamental na construcao dos alicerces necessarios a consolidacdo de um modelo de desenvolvimento pau- tado pela sustentabilidade e pela inclusao. Atores importantes no pro- cesso de consolidagao dos valores democraticos, sao pioneiras em seus campos de atuacao, fomentam praticas inovadoras, colaboram com o Estado, cooperam com o setor privado, e suas praticas devem refletir as tendéncias de seu tempo. Acompanhando os compromissos assumidos pelo Brasil no cenario internacional em relacdo a pauta anticorrupgao e As inovagées trazidas pela legislagao nacional, notadamente a Lei de Acesso a Informacao, 33. Tome-se como exemplo a teorla da cegueira deliberada, ignorancla deliberada - “willful blindness". “deliberate Ignorance” ou “conscious avoidance doctrine”, em sua origem inglesa, Esse conceito relaciona-se a casos em que 0 agente fingitia nao perceber determinada situacSo de ilicitude para, a partir dai, alcangar a van tagem pretendida (MELLO; HERNANDES, 2017). A jurisprucéncia brasileira tem con- siderado a ignorancia deliberada equivalente ao dolo eventual. Tal entendimento, de natureza penal, jd serviu inclusive para fundamentar a aplicagao da responsa- bilidacle por atos de improbidade administrativa, conforme artigos 9°, 10 ¢ 11 da Lei n° 8.429/1992, mesmo tendo esses ilicitos natureza clvil-administrativa, por forca dos efeitos gerados pelos atos administrativos. Diante disso, ¢ possivel que venha a ser aplicado também na seara do direito administrative sancionador, como nos casos da Lei Anticorrupcao, entre outras, podendo, inclusive, alcancar gestores de OSC que aleguem desconhecimento acerca de situacdes cujo acompanhamento ¢ esperado no exercicio de suas atribuicdes. 94 Compliance no terceiro setor a Lei Anticorrupcdo e 0 Marco Regulatorio das Organizacées da Sociedade Civil (MROSC), compliance faz parte da realidade das OSC. Nesse contexto de crescente demanda por transparéncia e pres- tacdo de contas, tanto no ambito das relacdes estabelecidas com o Poder Publico como por parte de parceiros e financiadores privados, as corganizagées da sociedade civil tem dedicado esforgos para o fortaleci- mento de sua governanga e para a criagao de programas de compliance que assegurem a sua conformidade com a legislacao posta e reforcem © seu compromisso com a responsabilidade e com a ética na conducao de suas atividades. Trabalhar a partir de uma perspectiva preventiva, antecipando ris- cos e aplicando ferramentas que auxiliem no combate a praticas inde- sejadas, tem sido comum para mitigar riscos de exposi¢ao das organiza Ges, preservar reputacao e aumentar a credibilidade perante parceiros, financiadores e outros stakeholders. Para se pensar um programa de compliance para OSC é preciso conhecer os marcos legais especificos do terceiro setor € os setoriais da area de atuacao da OSC; adotar praticas de gestao que assegurem transparéncia, accountability e maior controle de transacGes financeiras; mapear os riscos envolvides no caso concreto; e criar politicas, canais e outros mecanismos que reflitam, de forma proporcional, os pontos de fra- gilidade de cada organizagao individualmente, considerando as atividades que desenvolvem, os interlocutores e os riscos a que estéio expostas. Em suma, implementar medidas de compliance ou conformidade, no cendrio atual, é medida de prevencdo para a preservacao das OSC e do importante trabalho que realizam em prol da garantia de valores democraticos e do desenvolvimento, Referéncias BRASIL. Decreto Federal n° 3.678, de 30 de novembro de 2000. Promulga a Convengao sobre 0 Combate da Corrupgéo de Funciondrios Publicos Estrangeiros em Transacées Comerciais Internacionais, conclufda em Paris, em 17 de dezembro de 1997. 95 Gestao de organizacdes da sociedade ci Diario Oficial da Unido: Brasilia, DF, p. 3,1 dez. 2000. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3678.htm. Acesso em: 28 jun. 2019. BRASIL. Decreto n° 4.410, de 7 de outubro de 2002. Promulga a Convengéo Interamericana contra a Corrup¢ao, de 29 de marco de 1996, com reserva para 0 art. XI, paragrafo IP, inciso “c”. Diario Oficial da Unido: Brasilia, DF, p. 1, 8 out. 2002. Disponivel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4410.htm. Acesso em: 28 jun. 2019. BRASIL. Decreto n° 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convencéo das Nacées Unidas contra a Corrupcao, adotada pela Assembleia-Geral das NacGes Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Didrio Oficial da Unido: Brasilia, DF, p. 1, 1 fev. 2006. Disponivel em http:/Avww.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/ D5687;htm. Acesso em: 28 jun. 2019. BRASIL. Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informagées previsto no inciso XXXII do art. 5°, no inciso Il do § 3° do art. 37 e no § 2° do art. 216 da Constituicao Federal; altera a Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n° 11.1l1, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n° 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dé outras providén- cias. Didrio Oficial da Unido: ed. extra, Brasilia, DF, p. 1, 18 Nov. 2011. Disponivel em: http://www.planalto.gov-br/ccivil_ 03/_ato2011-2014/20T//lei/N12527.htm. Acesso em: 14 jun. 2019. BRASIL. Decreto n° 7.724, de 16 de maio de 2012. Regulamenta a Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispée sobre o acesso a informacées previsto no inciso XXXiII do caput do art. 5°, no inciso 1 do § 3° do art. 37 e no § 2° do art. 216 da Constituicéo. Diario Oficial da Unido: ed. extra, Brasilia, DF, 16 maio 2012. Disponivel em: http:/Avww.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/ d7724.htm. Acesso em: 14 jun. 2019. BRASIL. Lei n? 12.846, de 1° de agosto de 2013. DispGe sobre a respon- sabilizagdo administrativa e civil de pessoas juridicas pela pratica de atos contra a administragao publica, nacional ou estrangeira, ¢ da outras providéncias. Didrio Oficial da Unido: Brasflia, DF, 2 ago. 96 Compliance no terceiro setor 2013. Disponivel em: http:/Avww.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato201- 2014/2013/lei/112846.htm. Acesso em: 14 jun. 2019. CARITAS BRASILEIRA. Marco Regulatorio das relagdes entre Estado e sociedade civit: contra a criminalizacao e pelo reconhecimento das organizagdes da sociedade civil. Brasilia, DF: Céritas Brasileira, 2014. Disponivel em: httpy/portal.convenios.gov.br/images/docs/MROSC/ Publicacoes_Gov_OSC_e Parceiros/Marco-Critas- WEB.pdf. Acesso em 10 abr. 2019. CESARIO, B. Pacto Global lanca publicacdo para auxiliar no combate a corrupgdo. Sao Paulo: Instituto Ethos, 16 dez. 2016. Disponivel em: https://www.ethos org.br/cedoc/pacto-global-lanca-publicacao-pa- ra-auxiliar-no-combate-corrupcao/. Acesso em: 14 jun. 2019. GRAZZIOLI, A; PAES, J. E. S. Compliance no terceiro setor. controle e integri- dade nas Organizacées da Sociedade Civil. Séo Paulo: Elevacao, 2018. LOPES, L. F.; SANTOS, B.; ROLNIK, |. Marco Regulatorio das Organizacées da Sociedade Civil: a construcao da agenda no Governo Federal - 2011 2014. Brasilia, DF: Secretaria-Geral da Presidéncia da Republica, 2014. MELLO, S. B. de A.; HERNANDES, C. R. © delito de lavagem de capitais e a teoria da cegueira deliberada: compatibilidade no direito penal brasileiro? Conpedi Law Review, Braga, v. 3, n. 2, p. 441-461, 2017. Disponivel em: https://Wwww.indexlaw.org/index.php/conpedire- view/article/view/3783/pdf. Acesso em: 14 jun. 2019. NETFLIX. Na rota do dinheiro sujo. Sinopse. Los Gatos: Net! 27 jan. 2018. Disponivel em: https:/Avww.netflix.com/title/80118100. Acesso em: 10 abr. 2019. OSTROM, E. Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. STORTO, P. R. Inconstitucionalidade do artigo 37 da nova Lei de Parcerias entre Estado e OSCs. Boletim Abong, Sao Paulo, ed. 4, p. 113, abr. 2015. Disponivel em: http://w ww.abong.org.br/finaldownload/ Boletim4.pdf. Acesso em: 10 abr. 2019. 97

You might also like