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O Crescimento Das Facções Criminosas e o Aumento Da Violência Na Região Norte Do Brasil
O Crescimento Das Facções Criminosas e o Aumento Da Violência Na Região Norte Do Brasil
CAMPUS AUGUSTINÓPOLIS
CURSO DE DIREITO
Augustinópolis-TO
2020
SHAMARA PINHEIRO DE ARAÚJO
Augustinópolis-TO
2020
Conceito final: 10,00
LISTA DE GRÁFICOS
Quadro 1 - Síntese dos resultados para facções identificadas na Região Norte ...... 31
RESUMO
1 INTRODUÇÃO 11
2 REFERENCIAL TEÓRICO 13
3 MÉTODO 26
4 RESULTADOS 31
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 65
REFERÊNCIAS 69
11
1 INTRODUÇÃO
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Este capítulo traz uma abordagem teórica acerca de dois temas fundamentais
para compreensão dos resultados da pesquisa: as facções criminosas e a violência.
Assim, o primeiro subcapítulo aborda o que são as facções criminosas, como
se formaram, como cresceram, e como se emanciparam para todos os estados do
Brasil e outros países.
O segundo aborda o tema da violência, seu conceito, suas classificações, e
discute como ela se relaciona com as facções criminosas.
surgimento das facções criminosas porque o seu objetivo era a resistência contra o
governo autoritário vigente na Itália, durante o século XVI. Esse caráter de resistência
em oposição ao estado também está presente na origem das facções criminosas aqui
no Brasil, que se contrapõem às violências cometidas dentro do sistema prisional.
(FARIAS, 2019; FACCHIOLI; AQUOTTI, 2016).
A máfia também trazia, como característica de sua organização, a utilização do
empreendedorismo e acumulação capitalista dentro da sua estrutura. Ela utilizava-se
do narcotráfico para angariar fundos, trabalhava com arrendatários e utilizava do seu
poder econômico para coagir e adquirir vantagens. Essa estrutura Mercantil
empresarial da máfia também foi adotada pelas facções criminosas no Brasil, que
possuem dentre as suas características a estruturação e a hierarquização de seu
grupo (FARIAS, 2019; MACHADO, 2018).
Em âmbito nacional, os primeiros traços de crime organizado se deram na
região Nordeste, através de grupos conhecidos como cangaceiros. Os cangaceiros
eram ladrões e assassinos, que andavam armados, atacando cidades, roubando,
matando e impondo a sua própria lei em todo o sertão nordestino. Esses grupos
também costumavam se organizar de forma hierárquica, e tinham um forte
relacionamento com os grandes latifundiários e políticos, através dos quais
conseguiam armas e munições para realização de suas empreitadas criminosas.
(FARIAS, 2019).
Verifica-se que, atualmente, as organizações criminosas e facções também
mantém esse tipo de relacionamento com empresários e com agentes políticos para
conseguir perpetuar o seu controle sobre a sociedade e exercer livremente a
criminalidade (CADORE, 2019).
Os fatos históricos levantados apontam que as facções possuem elementos
básicos que os caracterizam desde a sua origem, como os seus objetivos, os seus
métodos, e a forma de organização. Assim, a partir da formação histórica de uma
facção é possível delinear seu perfil, e, a forma como ela influencia nas instituições
estatais e sociais.
Os marcos históricos precitados caracterizam-se influenciadores para o
surgimento dos primeiros grupos designados como facção criminosa, o Comando
Vermelho (CV) e, posteriormente, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
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Para muitos autores uma facção criminosa assume o perfil de Estado paralelo,
diante de suas características e a forma como exerce o seu poder na sociedade.
(FACCHIOLI, 2016). O uso do termo se deve à existência de um pacto, absolutamente
ilegal, entre as lideranças de facções e Estado formal, em decorrência da
incapacidade que o Estado tem de manter a ordem nos presídios (BORA, 2018).
Uma facção criminosa nasce, cresce e se expande em áreas em que o Estado
não cumpre a suas obrigações, deixando lacunas nos serviços públicos essenciais,
como educação, saúde e assistência social. Para Farias (2019), tais condições levam
a facção criminosa a assumir o papel do Estado nessas localidades, criando um
verdadeiro poder paralelo. O autor reforça que esse processo se dá quando as
facções, diante da omissão do Estado quanto às garantias ao cidadão, assumem o
papel de fornecer, em certa medida, dos serviços de segurança e proteção para os
moradores de determinada comunidade.
O poder paralelo das facções dentro do sistema prisional pode ser definido
como uma forma de autogestão que os internos executam; sua atividade na gestão
de unidades prisionais envolve comercialização de produtos e espaços, julgamentos
disciplinares dos presos, dentre outros (BORA, 2018).
Nas comunidades dominadas por alguma facção criminosa, são instituídas
regras sociais específicas, a exemplo de determinados locais em que é proibido a
venda e consumo drogas e áreas em que assaltos são proibidos. Ademais, algumas
facções também fornecem para os moradores água mineral e gás, dentre outros
serviços básicos que deveriam ser garantidos pelo Estado. Há registros inclusive de
distribuição de remédios pelas facções. (FARIAS, 2019; JUCK; PANUCCI, 2016).
Reforçando o entendimento de que a facção pode ser considerada um estado
paralelo, Farias (2019) disserta sobre alguns dos elementos do Estado, em
similaridade com particularidades das facções criminosas. Primeiro, tratando-se do
território, verifica-se que toda a facção possui uma área geográfica, que delimita o
território sob seu domínio, e espaço de atuação; em áreas dominadas, outras facções
ou grupos não podem entrar. E, apesar das facções terem domínio em diversas
localidades, o autor alerta que elas se fortalecem nas regiões periféricas, em razão da
grande vulnerabilidade social que existe ali.
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como critério para organização e distribuição dos presos nas celas, revelando a força
desses grupos, e, em contrapartida, a fragilidade do Poder Público na gestão do
sistema prisional.
O Gráfico 1 traz os dados acerca das unidades prisionais em que essa
realidade se apresenta. A Constituição Federal (2018) garante ao preso o direito de
cumprir sua pena conforme sua classificação, seguindo os critérios da natureza do
delito, da idade e do sexo do apenado. No mesmo sentido, a Lei de Execuções Penais
(LEP) garante a classificação segundo os antecedentes e a personalidade. Assim, a
inserção do critério facção mostra a relevância e o impacto que as facções causam
no sistema prisional.
3 MÉTODO
ocorre. No presente caso, as variáveis adotadas para análise dos fatos são os
indicadores de violência, selecionados conforme critério de relevância, como será
melhor detalhado na seção 3.4.
Com relação à segurança pública, a região Norte possui dois dos cincos
estados que mais aprisionam no Brasil, Acre e Rondônia; e também, duas dentre as
seis piores prisões do país, Presídio Urso Branco em Rondônia e Cadeia Pública Vidal
Pessoa no Amazonas (TAVARES, 2016). Esses dados indicam que o cenário de
segurança pública na região é afetado por problemas graves, os quais podem refletir
nas variáveis estudadas nesta pesquisa: índices de criminalidade e presença de
facções criminosas.
A análise dos dados qualitativos será realizada por meio da técnica de análise
de conteúdo, segundo o método de Bardin (2016). Segundo o autor, a análise de
conteúdo trata-se de “um conjunto de técnicas que visa obter por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores que
permitam a inferência de conhecimentos referentes às condições de produção dessas
mensagens” (2016, p. 44).
Este tipo de análise envolve três etapas: a pré-análise, que consiste na leitura
inicial e anotações das primeiras impressões dos resultados; a exploração do material,
que consiste na leitura aprofundada, como codificação e categorização dos
resultados; e o tratamento dos resultados com inferências e interpretações, fase em
que se buscará a interpretação do fenômeno. (BARDIN, 2016).
A análise dos dados quantitativos, no caso, os dados referentes aos índices de
criminalidade, será feita através de estatística descritiva, utilizando métodos simples
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4 RESULTADOS
Dentre as facções identificadas, é possível inferir que pelo menos onze delas
(Sequências de 1 a 11, Quadro 1) são facções criminosas consolidadas em seus
respectivos territórios, pois, sua presença na Região Norte é afirmada de forma
recorrente nas fontes de pesquisa.
Por outro lado, as facções Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro, Crime
Popular, Amigos Leais, Sindicato do Crime, Primeiro Grupo Catarinense, Os Manos,
Os Aberto e Bala na Clava são identificadas em menor frequência, razão pela qual,
pode-se afirmar que apesar de terem membros destas facções na Região Norte, elas
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ainda não estão tão estruturadas e consolidadas quanto as demais facções, que já
possuem raízes nos estados nortistas.
Manso e Dias (2017) apontam que é comum a presença de facções criminosas
em determinado território, sem a consolidação de seu poder, quando se tratam de
grupos menos organizados, e com menor capacidade de articulação. Dessa forma,
considerando apenas as facções que já se consolidaram na Região Norte, a
faccionalização dessa região é representada no mapa da Figura 4.
Mas, o fato é que a Região Norte possui a presença de um grande número de facções,
que rivalizam entre si, impactando na segurança pública da região.
Além disso, o surgimento de facções criminosas locais também pode ocorrer
como resposta à atuação do PCC, identificada como a maior do país. Estudos indicam
que muitos grupos locais têm se organizado sob a forma de facção criminosa para
apoiar ou enfrentar o PCC (FNSP, 2018). Portanto, o crescimento das facções
criminosas, enquanto fenômeno social, pode ser considerado um reflexo da atuação
intensiva do PCC, que além de expandir sua atuação por si próprio, influencia o
surgimento de outros grupos menores.
Das facções identificadas, observou que o PCC, o CV e a FND se destacam
como as três maiores facções, com expressividade em todo o território nacional.
Dentre as facções locais, o Bonde dos Trezes, o Bonde dos Trinta, o Primeiro
Comando do Panda e o Comando Classe A são as que mais se destacam, por seu
domínio dentro de seus respectivos estados. Nas seções abaixo são destacadas as
características e informações de cada uma.
um plano de expansão para outros estados brasileiros, razão pela qual a facção
cresceu tanto ao longo das décadas, chegando às demais regiões.
Nessas adaptações que o PCC foi realizando ao longo das décadas, destaca-
se a mudança de finalidade da facção. O referencial teórico apontou que, inicialmente,
a facção era direcionada a luta contra opressão no sistema prisional paulista e à
continuidade delitiva. Após 15 anos de sua fundação, o PCC inicia um processo de
transição, em que não se busca somente a continuidade delitiva, mas, o crescimento
da atividade criminal, e para tanto, precisou se estabelecer em outros estados e
regiões.
Ferreira e Framento (2020) afirmam que mudanças na estrutura organizacional
do PCC foram essenciais para que a facção conseguisse expandir seu domínio, pois,
a região geográfica e também em funções. Essas “Sintonias”, como são chamadas
essas subdivisões, são classificadas entre São Paulo e os demais estados, e entre o
sistema prisional e as comunidades.
A estratégia de crescimento do PCC expressa as características identificadoras
de uma facção criminosa, a saber, a estruturação, a hierarquia, e a solidariedade entre
os membros, dentre outras, estabelecendo diferenças entre uma facção e outras
formas de organização criminosa.
A cognição dessas diferenças é importante para a compreensão dos efeitos
que tem a fundação de uma célula de facção criminosa na comunidade. Os impactos
da chegada do PCC na Região Norte são sentidos tanto na segurança pública, quanto
em outros aspectos sociais, porque é um grupo com ideologia, com valores, com
regras, e com objetivos, que acabam por se disseminar no meio social.
A presença do PCC nos estados da Região Norte deu-se aos poucos, os
resultados da pesquisa apontam que foram instalando células da facção nos estados
um a um, em anos diferentes. Em alguns estados o PCC chegou como aliado, como
é o caso do estado do Pará, onde o PCC estabeleceu aliança com o Bonde dos Trinta;
em outros estados chegou como inimigo, como no estado do Amazonas, onde rivaliza
com a Família do Norte, resultando em ações violentas dentro e fora do sistema
prisional.
O primeiro estado a receber uma célula do PCC foi o estado do Pará, cuja a
chegada facilitou, estrategicamente, a entrada da facção nos demais estados da
região. No Pará, o PCC se estabeleceu em 2009, e adotou estratégias específicas de
recrutamento, diferente da adotada no Sudeste, selecionando famílias inteiras para se
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ser tão fiel aos membros, não dar assistência, e não se empenhar em retalhar quando
algum membro é morto, ao contrário do CV que dá toda a assistência necessária.
Portanto, a postura institucional do CV fez com que a facção ganhasse aliados,
e tivesse mais prestígio entre os faccionados. Assim, a facção construiu bases locais
para a sua consolidação nos territórios da região.
Um terceiro fator, que contribuiu para o crescimento do CV na Região Norte, foi
a quebra de sua aliança simbólica com o PCC. De acordo com Ferreira e Framento
(2019), o rompimento do CV com o PCC, em 2016, se deu por iniciativa da primeira,
ao perceber o avanço do PCC no Amazonas e, consequentemente, o seu crescimento
no tráfico internacional na região.
A partir do rompimento com o PCC, o Comando Vermelho faz uso de uma
estratégia comum entre as facções, a formação de alianças com facções locais ou
regionais, tanto para intensificar a atividade criminal, quanto para enfrentar facções
rivais. (GONÇALVES, 2018). A territorialização, através da formação de alianças,
propicia a criação de redes que amplificam a atividade criminal, sendo, portanto, um
fator que beneficia as facções (COUTO, 2019).
Assim como o surgimento de uma facção produz efeitos na sociedade, a
formação de redes entre elas também gera impactos. Podem ser citados os efeitos
sentidos na segurança pública, quando dessas alianças se originam a “paz violenta”,
citada por Batista e Maciel (2017), que são os momentos em que o Estado negocia
com esses grupos para manutenção da ordem social; bem como, quando as alianças
e disputas dão origens a conflitos violentos na comunidade.
Segundo Espíndula (2018), no Amapá, no Tocantins e no Pará, os conflitos
entre o PCC e o CV são moderadas, em relação ao conflito estabelecido no Acre,
Amazonas, Roraima e Rondônia, onde a disputa entre as duas é intensa, assim como
a violência estabelecida nas comunidades.
No estado do Acre, as disputas entre o CV e o Bonde dos Treze, facção local,
tem gerado violência dentro e fora do sistema prisional. Uma pesquisa de Araújo e
Silva (2019), sobre os índices de homicídio na capital acreana, concluiu que de 2015
para 2016 houve aumento de 87,5% na taxa de homicídios está diretamente
relacionada às disputas entre as duas facções que se iniciaram no segundo semestre
de 2015.
Diante dos resultados apresentados, é possível afirmar que o CV se expandiu
para toda a Região Norte, exercendo domínio direto, ou por meio de sua principal
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Amazonas (CANDOTTI; CUNHA; SIQUEIRA, 2017), fato que também contribuiu para
o seu crescimento.
O conflito da FDN com o PCC é refletido nos índices de violência da Região
Norte. A título de exemplo, no Amazonas, em janeiro de 2017, a FDN liderou uma
grande rebelião no Complexo Prisional Anísio Jobim (Compaj), que resultou na morte
de 56 presos, e fuga de mais 184, enquanto disputava contra o PCC. (RODRIGUES;
LOPES, 2017). Dessa forma, a facção é marcada por sua rivalidade com o PCC,
tornando sua presença na comunidade um fator contributivo para a violência. A partir
disso, percebe-se a influência direta das facções criminosas na violência e
criminalidade da região.
Além do Amazonas, os resultados da pesquisa apontam que a FDN está
presente também nos estados de Roraima, Rondônia e Acre. A facção chegou em
Rondônia no ano de 2014, cerca de sete anos após a sua fundação E, no estado de
Roraima, teve seu primeiro conflito violento com o PCC em 2016, quando cerca de
100 familiares de presos foram feitos reféns, e 10 presos foram assassinados, dentro
do sistema prisional do estado. Neste mesmo ano, a facção executou a morte de três
presos no sistema prisional do Acre. (FERREIRA; FRAMENTO, 2019; TEIXEIRA,
2018).
Percebe-se que a presença da FDN nos demais estados da Região Norte é
acompanhada de sua característica principal, a forte oposição ao PCC. O conflito
existente entre ambas as facções concorre para o aumento da violência dentro do
sistema prisional e na comunidade externa, o que se denota pelos registros de
rebeliões e execuções nos estados em que se estabeleceu. Este fato corrobora com
os achados na literatura, de que a violência tem sido utilizada pelas facções como a
manifestação de seu poder e seu controle (BORA, 2018; ARAÚJO, 2018; MANSO;
DIAS, 2017).
A FDN também se encontra presente nas demais regiões do Brasil, a exemplo
da Região Nordeste e da Região Sul (PAIVA, 2019). A Família do Norte possui
aproximadamente treze mil membros, e domina o tráfico internacional de drogas na
região Norte, onde o Brasil faz fronteira com a Colômbia, Peru e Bolívia (CAMARGO,
2019).
A FDN estabeleceu seu domínio sob o tráfico de drogas aproveitando os cursos
dos rios amazônicos para transportar seus produtos de forma ilegal, dos países
vizinhos da América Latina para o Brasil (FERREIRA; FRAMENTO, 2019). Assim, a
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O Bonde dos Treze (B13) é uma facção regional, com base territorial no estado
do Acre, com cerca de sete anos de existência. Apesar do pouco tempo de formação,
o Bonde dos Trezes figura entre as facções criminosas mais fortes e atuantes da
Região Norte, tanto por seu tamanho, quanto por sua atuação criminosa e violenta
intensiva.
De acordo com Araújo e Silva (2019), o Bonde dos Treze foi formado no Acre,
no ano de 2013, por um grupo de treze criminosos locais. O objetivo inicial do grupo
é levantar oposição ao PCC, e refrear o crescimento e a atuação da facção paulista.
Teixeira (2018) confirma que a facção foi formada em 2013, e acrescenta que
é a facção no estado do Acre com o maior número de membros, e que também possui
membros em outros estados e regiões, como no Rio Grande do Norte.
Dessa forma, o B13 é uma facção representativa do fenômeno da
faccionalização do Brasil, pois, denota esse movimento de surgimentos de facções de
atuação local, na Região Norte, tendo como principal causa de sua formação, a
expansão de facções mais antigas, como o PCC. Ademais, o tamanho que a facção
B13 possui é bastante expressivo, considerando o pouco tempo de existência, e
também o fato de ser uma facção de atuação regional, e não nacional.
Apesar de ter surgido como oposição ao PCC, atualmente o B13 é aliada do
PCC, e rivaliza com o CV. (FERREIRA; FRAMENTO, 2019). Tal fato gera impactos
sociais na comunidade e na segurança pública, haja vista que, as disputas entre
facções foram apontadas no referencial teórico como causa de aumento de violência
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O Bonde dos Trinta, designada pela sigla B30, é uma facção regional, surgida
no estado do Pará, onde mantem sua base territorial. O surgimento da facção B30
está ligada à chegada do PCC no Pará, e o rompimento dos criminosos locais com a
facção paulista, como se discute nessa seção.
A instalação de células do PCC no estado do Pará foi articulada por duas
famílias (quadrilhas locais), que atuam no estado desde o início dos anos 2000, e são
apontadas como principais autoras de roubos a bancos na região: os Irmãos Metralha
e a quadrilha Tucuruí-Redenção. Aponta-se que esses grupos foram responsáveis
pela vinda do PCC para o Pará, pois, intentavam organizar e articular melhor a
atividade criminosa, para expandir sua atuação. (COUTINHO, 2020).
Contudo, em 2014, trinta criminosos locais, que eram filiados ao PCC,
romperam com a facção paulista, e fundaram o Bonde dos Trinta, nascida no interior
do sistema prisional paraense (DÓREA et al., 2018).
Neste sentido, o PCC pode ser apontado como responsável primário pela
faccionalização da Região Norte, visto que foi a primeira facção a se instalar na região,
e também foi diretamente responsável pela criação de facções regionais, como o B30.
Reforçando que, uma facção criminosa gera impactos sociais através de seu próprio
crescimento, e condiciona o surgimento de outras.
A influência do PCC na formação da facção B30 corresponde à característica
da reprodução social que as facções possuem, em que a mesma lógica que deu
surgimento às facções na região Sudeste do Brasil, permite a reprodução dessa
estrutura em outros estados, através da inspiração para formação de novas facções.
O objetivo principal da formação do Bonde dos Trinta era a organização da
atividade criminosa, para fins de crescimento e fortalecimento do crime. Pois, havia o
entendimento que a organização sob forma de facção, a exemplo do que ocorreu com
o PCC e o CV, ajudaria o grupo fundador a articular a execução de mais crimes como
roubos, sequestros, tráficos e outros. (DÓREA et al, 2018).
Dessa forma, pode-se afirmar que o método de atuação, como a organização,
a hierarquia, e a estruturação, características de uma facção criminosa, foi que
estimulou a faccionalização do Pará, e abriu as portas para que ocorresse o mesmo
nos demais estados da Região Norte.
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facção a possuir duas subdivisões, o PCP Pardo, com domínio no presidio Urso
Panda; e o PCP Alemão, com domínio no presidio Urso Branco, ambos na capital de
Rondônia. (TEIXEIRA, 2018).
Com tantas disputas e rivalidades, denota-se que a formação dessa facção no
estado de Rondônia trouxe mais violência e criminalidade para o estado, pois, o uso
da violência como expressão de poder é característica comum às facções nacionais
e regionais.
O CCA, assim como o B30, outra facção regional com sede no Pará, é
especializada no roubo a bancos e tráfico de drogas. (OLIVEIRA NETO, 2020). E, de
acordo com Santos e Baqueiro (2020), o CCA é totalmente independente, mas, possui
melhor aproximação com o PCC, do que com o CV.
Tais características se assemelham as características das demais facções
locais, delineando algumas diferenças entre as facções da Região Norte, em relação
às facções nacionais, especialmente, quanto a valoração de outros crimes, além do
tráfico de drogas e armas, e a formação de alianças, com manutenção da
independência. Podendo essas características serem apontadas como identificadoras
das facções locais presentes na Região Norte.
O surgimento do CCA é atribuído ao crescimento das disputas entre
criminosos, pelo domínio de Altamira-PA, diante do crescimento populacional
desordenado que a cidade percebeu em 2013, em decorrência do início da construção
da hidrelétrica de Belo Monte. Com isso, há crescimento exponencial no número de
homicídios, colocando Altamira entre as dez cidades brasileiras mais perigosas.
(MADEIRO, 2019).
O surgimento da facção, então, não é o enfrentamento do PCC ou CV, mas, o
fim é o domínio da criminalidade local. Diante disso, observa-se uma relação
ambivalente, em que o aumento da criminalidade tornou necessária a organização
dos criminosos sob forma de facção, ao passo que a formação da facção também
provoca crescimento da criminalidade.
Os objetivos da formação do CCA o aproximam das organizações mafiosas,
apresentadas no referencial teórico, que tem como características a utilização do
empreendedorismo e da acumulação capitalista na organização de sua estrutura, para
o aprimoramento da atividade criminosa.
Assim, a estrutura mercantil com finalidade de aumento dos lucros decorrentes
do crime está na base de formação dessa facção, diferindo das facções do Sudeste,
o PCC e o CV, que tinham na sua base de formação um objetivo inicial de resistência
à violência dentro do sistema prisional.
As facções locais destacadas, a saber o B13, o B30, o PCP e o CCA, surgiram
por influência de outras facções ou por necessidade de organização, e são
caracterizadas por atuação de extrema violência. Com isso, evidencia-se que a
regionalização das facções, como destacado por Farias (2019), conduzem à formação
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de grupos diferentes, com identidades próprias, que discrepam das facções de outras
regiões.
Assim, percebe-se que as facções presentes na Região Norte, em especial as
sete facções mais fortes, o PCC, o CV, a FDN, o B13, o B30, o PCP e o CCA,
concorrem para perpetuação de um ciclo de violência e criminalidade na região,
fazendo com que o Norte tenha destaque no cenário nacional, ante suas altas taxas
de criminalidade, como se discute na seção a seguir.
A Tabela 3 traz o resultado para as taxas de roubo de veículos, por 100 mil
habitantes, segundo o estado. Os valores zerados na tabela se referem a dados
ausentes nas fontes utilizadas. A informações desses dados é de responsabilidade da
secretaria de segurança pública de cada estado, não sendo possível, por meio do
método adotado nesta pesquisa, apontar as razões da ausência dos dados.
2017 teve aumento de 221%, que pode ser considerado alto, mesmo diante da
ausência de dados do ano de 2016.
Por outro lado, os estados do Amazonas e do Pará são os principais
responsáveis pela alta taxa de roubos na Região Norte. Em especial o estado do
Amazonas, que concentra as maiores taxas. Os dados estão no Gráfico 5.
na dinâmica do crime local, com aumento de outros crimes, os quais são necessários
para dar sustentabilidade econômica ao grupo (DOREA et. al., ANO).
Os dois estados que aparecem com as maiores taxas apresentam configuração
diferentes em relação a faccionalização. No estado do Pará há a presença de um
grande número de facções, especialmente as de origem local. Enquanto no Amazonas
há somente duas, o PCC e a FDN, mas, ambas com expressão nacional, sendo
consideradas a primeira e a terceira maiores do país.
Apesar das diferenças, em ambos os estados se verifica que o crime de roubo
pode ser executado pelas facções de forma estratégica. Relacionando o conjunto de
dados obtidos, pode-se afirmar que os crimes contra o patrimônio podem ser o meio
utilizado tanto para a sustentação das grandes facções, como no caso do Amazonas,
quanto para o crescimento das facções locais que estão em fase de desenvolvimento,
como no caso do Pará.
Diante dos dados da criminalidade apresentados ao longo das últimas três
seções, cumpre aprofundar a discussão sobre a relação identificada entre a violência
na região e a presença de facções criminosas.
(PAVIANI, 2016; SÁ, 2017). Ademais, a violência é inerente à sociedade, não podendo
se falar em violência fora da sociedade (ARAÚJO, 2019). Assim, considerando que a
violência é a expressão de poder das facções, não é possível se falar em domínio de
uma facção sem a violência inerente a esse processo, de forma que a sociedade
apenas reproduz a forma de organização e funcionamento das facções.
A compreensão do poder que as facções criminosas possuem, por meio da
violência que representam, reforça a concepção das facções como um fato social que
influencia o espaço político-social, tendo em vista os impactos que provoca na
segurança pública, na cultura local, no modo de vida das pessoas. Bem como, o fato
de que uma facção representa mais do que um grupo criminoso, mas, uma
organização construída a partir de diversas relações sociais entre seus membros, e
de seus membros para com a sociedade.
Além disso, a chegada de facções de outros estados e a formação de facções
locais alteram a dinâmica do crime, bem como, modificam as relações entre os
diversos grupos criminosos, sejam eles identificados como facções ou não. (MANSO;
DIAS, 2017). É a partir dessas interações sociais que o fenômeno da faccionalização
afeta a segurança pública e a paz social, provocando aumento na criminalidade.
O exercício do poder das facções, através de suas regras e de sua violência,
recai sobre os membros, e sobre os não membros, visto que toda a comunidade
precisa seguir as regras de conduta da facção, bem como, a sociedade inteira sofre
os seus impactos (ARAUJO, 2018). Assim, as consequências da violência causada
pela faccionalização é sentida na comunidade em geral, não apenas nas vítimas
diretas, como também nos grupos sociais que integra, como a família e a comunidade
(ARAUJO; SILVA, 2019).
Neste sentido, dentro do sistema prisional, as ações das facções são
evidenciadas por fugas, rebeliões e violência interna. Nas ruas, a força desses grupos
ecoa na violência interpessoal e no cometimento de crimes. Por esta razão, atuação
das facções criminosas instaladas na Região Norte repercute no quadro de violência
acentuada.
Apesar do fenômeno da faccionalização afetar todas as regiões país, na Região
Norte verifica-se que sua influência nos índices de violência é maior. Dado que,
segundo Barbosa, Chaves e Almeida (2020), nas regiões Sudeste e Centro-Oeste há
tendências de diminuição da criminalidade, enquanto, na Região Norte constata-se
tendência de crescimento.
61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
facções cresceram, e que continuam crescendo, sendo necessário avaliar até onde
elas podem avançar. Uma hipótese a ser destacada, é a probabilidade de que as
facções criminosas cresçam a ponto de criar uma intersecção entre o poder paralelo
que elas detêm, e o poder estatal, haja vista que sua interferência no campo político-
social é cada vez maior. Assim, sugere-se que em estudos futuros, esta e outras
hipóteses similares possam ser pesquisadas.
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REFERÊNCIAS
CANDOTTI, Fabio M.; CUNHA, Flávia Melo da; SIQUEIRA, Ítalo L. A grande
narrativa do Norte: considerações na fronteira entre crime e Estado. BR, v. 111, p.
35-47, 2017. Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/Flavia_Melo5/publication/335107796_A_Grande
_Narrativa_do_Norte_consideracoes_na_fronteira_entre_crime_e_Estado/links/5d50
a4964585153e594e9ed6/A-Grande-Narrativa-do-Norte-consideracoes-na-fronteira-
entre-crime-e-Estado.pdf Acesso em: 14.11.2020
71
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