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1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Conceito de Bacia Hidrográfica

Uma bacia hidrográfica é compreendida como um conjunto de territórios drenados


por um rio e seus afluentes, originando-se nas elevações topográficas conhecidas
como divisores de água (BARRELLA, 2001). As precipitações fluem superficialmente
em direção às regiões mais baixas do relevo, configurando cursos d'água e, em
alguns casos, penetram o solo para formar nascentes e aquíferos subterrâneos. À
medida que essas águas se amalgamam, ocorrendo o aumento de volume,
estabelecendo os rios primordiais. Esses rios subsequentemente se fundem com
outros afluentes, continuando a aumentar em escala até desaguarem nos oceanos.
O conceito de uma bacia hidrográfica é forjado através de uma abordagem sistêmica
de natureza aberta. Nesse contexto, a entrada de energia por meio dos fatores
climáticos interage com o escoamento, envolvendo variáveis interdependentes que
oscilam em torno de um padrão preexistente. Consequentemente, mesmo quando
perturbado por intervenções humanas, um equilíbrio dinâmico tende a ser
alcançado. Assim, qualquer alteração recorrente na entrada ou saída de energia, ou
mesmo na estrutura do sistema, desencadeia uma resposta compensatória que visa
minimizar os efeitos da mudança e restaurar o estado de equilíbrio dinâmico (LIMA E
ZAKIA, 2000).
Contudo, o comportamento hidrológico de uma bacia hidrográfica é
substancialmente moldado por suas características geomorfológicas e pela
cobertura vegetal presente (LIMA, 1976). Esses fatores exercem uma influência
crucial no ciclo hidrológico, regulando a infiltração, a quantidade de água canalizada
como escoamento, a evapotranspiração local e o fluxo superficial. Vale notar que as
atividades humanas também podem afetar o comportamento hidrológico, visto que
as intervenções no ambiente natural acarretam interferências nos processos do ciclo
hidrológico (TONELLO, 2005).
A bacia hidrográfica, enquanto uma entidade sistêmica, desempenha um papel
fundamental no planejamento territorial, fornecendo a base para a elaboração de
estratégias tanto estruturais quanto não estruturais, que visam a integração da
gestão de recursos hídricos e ambientais. A concepção de bacia hidrográfica como
uma unidade de análise ganhou relevância no cenário das políticas hídricas
brasileiras, especialmente após a conferência internacional sobre água e meio
ambiente de 1992. Esses princípios foram consolidados em preparação para a Rio-
92 e, posteriormente, formalizados na Lei nº 9.433 de 1997, definindo a bacia
hidrográfica como uma unidade de planejamento e gestão de águas, incorporando a
integração e influência dos diversos elementos que compõem essa delimitação
espacial nos recursos hídricos (VILAÇA et al, 2009).
Considerando a importância estratégica da bacia hidrográfica como uma unidade de
análise, planejamento e gestão territorial, autores como WMO (1992), Porto e Porto
(2008) e Castro (2012) destacam que no contexto das políticas hídricas brasileiras,
esse entendimento sobre a delimitação territorial emergiu com mais força a partir
dos anos 90. Esse impulso foi impulsionado pela conferência internacional sobre
água e meio ambiente em 1992, a qual estabeleceu princípios que foram
convergidos em diretrizes de gestão durante reuniões preparatórias para a Rio-92.
Somente com a promulgação da Lei nº 9.433 em 1997, a bacia hidrográfica foi
oficialmente estabelecida como a unidade central para o planejamento e gestão das
águas, refletindo a integração e a influência dos inúmeros componentes que fazem
parte dessa demarcação territorial nos recursos hídricos.

1.2 Diferença entre Inundação, Enchente e Alagamento

No cenário do acelerado crescimento urbano, problemas decorrentes de


eventos pluviométricos extremos ganham destaque nos noticiários. Alagamentos,
enchentes e inundações frequentemente tomam os holofotes da mídia, porém,
apesar de muitas vezes serem tratados como sinônimos, esses fenômenos possuem
características distintas. Os alagamentos estão diretamente ligados às deficiências
dos sistemas de drenagem das cidades, que dificultam o escoamento das águas
acumuladas, conforme explicado por Castro (2003). Nesse mesmo contexto, Tucci
(2000) afirma que o alagamento ocorre quando a capacidade de escoamento do
sistema de drenagem é ultrapassada, resultando no acúmulo de água na
infraestrutura urbana. Essa situação muitas vezes é agravada por chuvas intensas e
pela precariedade dos dispositivos urbanos, como manilhas, sarjetas, bocas de lobo
e bacias de detenção.
As inundações, por sua vez, representam fenômenos mais impactantes e
remontam aos primórdios da história humana. No entanto, desde a Revolução
Industrial, sua frequência e alcance têm aumentado significativamente,
especialmente a partir da segunda metade do século XX. De acordo com a
Université Catholique de Louvain, Belgium (2004), entre 1974 e 2005, o número de
ocorrências de inundações saltou de 20 para 200, e o número de pessoas afetadas
subiu de cerca de 22 milhões para 100 milhões.
Diante da ampla variedade de terminologias empregadas para descrever
esses fenômenos em diferentes regiões, o conceito pode se tornar confuso para a
população. No Brasil, termos como enchente, enxurrada, cheias e inundações
urbanas são frequentemente associados às inundações. Contudo, Goerl e Kobiyama
(2005) esclarecem que essas definições não são excessivamente complexas.
Quando as águas de um rio se elevam até as margens, sem transbordar para áreas
adjacentes, ocorre uma enchente. O momento em que ocorre o transbordamento é
quando se configura a inundação, como pode ser observado na Figura 1.

Figura 1. Diferentes alturas das águas de um rio

Fonte: Goerl e Kobiyama (2005)

Diversos fatores ambientais e sociais são causadores das inundações. Para


facilitar o entendimento dos processos geradores deste fenômeno Ramos (2013) os
categorizou acordo com suas causas em: inundações fluviais, inundações de
depressão topográfica, inundações costeiras e inundações urbanas, Quadro 1.
Quadro 1: Categorias de inundações e suas causas

Categoria Causas

Chuvas abundantes e/ou intensas; fusão da neve ou do


Inundação fluvial gelo; efeito combinado da chuva mais efeito de obstáculos
ao escoamento fluvial.

Inundação de Aumento do nível do lençol freático, por causas naturais


depressões ou artificiais; retenção da água da precipitação por um solo
topográficas ou substrato geológico de permeabilidade muito reduzida.

Tempestades; tsunami ou maremoto; aumento do nível do


Inundações costeira mar pelo movimento eustático; sismos resultantes de
movimentos de subducção tectônicos.

Chuva intensa mais a sobrecarga dos sistemas de


Inundações urbanas drenagem artificiais; aumento natural ou artificial do lençol
freático; ocupação da área de cheia.

Fonte: Ramos (2013)

1.3 Histórico dos Eventos de Inundação

As inundações são problemas que há tempos assolam as áreas urbanas do


Brasil. Na Figura 3 estão apresentadas incidências de eventos de 1991 a 2021.
Foram 5.650 casos, sendo evidente o aumento de ocorrências após o ano 2000,
Figura 2.
Figura 2. Ocorrência de inundações no Brasil durante os anos

Fonte: Atlas Digital CEPED (2023a)

Em Rondônia, de 2006 a 2021, ocorreram 31 casos de inundações,


conforme Figura 3. O ano 2014 ganha destaque especial, pois corresponde a
praticamente 1/3 do total de eventos. Neste ano ocorreu a cheia histórica do Rio
Madeira, que foi responsável por deixar desabrigado 4.937 famílias em Porto Velho,
além de causar uma série de problemas socioeconômicos e ambientais, de acordo
com dados da Defesa Civil.

Figura 3. Ocorrência de inundações em Rondônia durante os anos

Fonte: Atlas Digital (2023b)


A elevação dos níveis dos rios desencadeou uma série de impactos socioespaciais
que repercutiram profundamente na dinâmica de Porto Velho e nas áreas
adjacentes. Nesse contexto, a ocorrência do fenômeno hídrico em 2014 afetou de
maneira substancial a região de Rondônia, abrangendo 10 municípios que foram
afetados pela cheia. Segundo dados da Defesa Civil do mesmo ano, a magnitude
desses impactos se refletiu na vida de aproximadamente 97 mil indivíduos que
enfrentaram algum tipo de adversidade decorrente da situação (DEFESA CIVIL,
2014).

1.4 Suscetibilidade a Inundação

A compreensão da suscetibilidade a eventos hidrológicos tem emergido


como um tema de crescente relevância, uma vez que a mitigação dos impactos
provenientes de processos naturais e induzidos em áreas cruciais para a utilização
do solo torna-se essencial. Neste artigo, examinamos diversas abordagens e
perspectivas que ampliam o entendimento do conceito de suscetibilidade,
destacando suas aplicações em contextos variados de pesquisa.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em 2004, definiu o termo
"suscetibilidade" como a capacidade potencial de manifestar processos naturais e
induzidos em áreas relevantes para o uso do solo. A suscetibilidade é categorizada
em classes que refletem diferentes níveis de probabilidade de ocorrência. De
maneira análoga, Souza (2005) propôs uma abordagem categorizada em três
escalas – alta, média e baixa – para avaliar a suscetibilidade morfométrica. O intuito
é discernir como as características geométricas das bacias hidrográficas influenciam
eventos de inundação. Nessa análise, os parâmetros morfométricos do terreno
desempenham um papel preponderante.
A visão mais abrangente da suscetibilidade, segundo Julião et al. (2009), é
apresentada como a distribuição geográfica do risco. Isso implica que a
suscetibilidade não está circunscrita a um intervalo de tempo específico, mas sim
reflete a propensão de uma região ser continuamente impactada por um perigo
específico. Dentro dessa perspectiva, a avaliação da suscetibilidade concentra-se
nos elementos que predispõem à ocorrência de processos ou eventos, prescindindo
da consideração do intervalo de recorrência ou da probabilidade de sua
manifestação.
A abordagem de Lima (2010) para a suscetibilidade é embasada na análise
integrada da geomorfologia, características do solo e atividades humanas. O autor
conceitua a suscetibilidade como a presença de um ou mais atributos físicos em
uma região, conferindo um potencial intrínseco para desastres ligados à dinâmica
hídrica. Além disso, enfatiza o papel crucial da influência humana no aumento da
suscetibilidade. Um exemplo ilustrativo é a impermeabilização do solo decorrente de
atividades antrópicas, que pode significativamente impactar a dinâmica natural dos
recursos hídricos, intensificando riscos associados.
Barbieri et al. (2009) estabelecem uma correlação entre desastres naturais,
incluindo inundações, na região sul do Brasil, e anomalias extremas de precipitação.
Em consonância com essa perspectiva, Trentin et al. (2013) definem a
suscetibilidade como a probabilidade intrínseca da manifestação de um evento
específico em uma área analisada. Essa probabilidade é determinada por meio de
parâmetros que caracterizam a viabilidade de ocorrências históricas de inundações
em diversas áreas geográficas. Tal abordagem viabiliza a identificação de zonas
propensas a alagamentos e a determinação dos intervalos de repetição desses
eventos.
As diferentes abordagens sobre a suscetibilidade a eventos hidrológicos
oferecem perspectivas variadas, que vão desde análises morfométricas até
considerações sobre o impacto humano e probabilidades intrínsecas. A
compreensão dessas perspectivas é crucial para otimizar a gestão de recursos
hídricos, prevenir desastres e orientar decisões informadas em áreas vulneráveis. A
integração dessas abordagens desempenha um papel fundamental na identificação
de áreas de risco e na implementação de estratégias de mitigação, contribuindo para
a construção de um futuro mais resiliente diante dos desafios hidrológicos.

1.5 Modelagem Hidrológica

A modelagem hidrológica representa uma das ferramentas fundamentais


empregadas para fornecer informações essenciais em projetos de engenharia
relacionados à gestão de recursos hídricos, bem como para embasar decisões
voltadas à resolução de desafios nesse campo. Inicialmente, o desenvolvimento de
modelos hidrológicos estava direcionado, de forma individualizada, ao estudo dos
diversos componentes que constituem o ciclo hidrológico. Contudo, a evolução
técnico-científica-informacional, especialmente a partir da década de 1970,
desencadeou uma revolução impulsionada pelo avanço dos computadores,
viabilizando, por sua vez, pesquisas que se voltaram à análise integrada dos
componentes do ciclo hidrológico, fomentada principalmente pela difusão dos
computadores pessoais (SINGH E FREVERT, 2002).
O aumento progressivo na capacidade de armazenamento e processamento
computacional após a virada do século XXI, aliado ao incremento na disponibilidade
de dados hidrológicos, tem notavelmente facilitado o desenvolvimento e refinamento
dos modelos hidrológicos. Inicialmente, os modelos hidrológicos simplificados,
construídos a partir da relação entre chuva e vazão, abordavam as bacias
hidrográficas de maneira concentrada, representando os componentes do ciclo
hidrológico com base em relações conceituais e empíricas (PAIVA, 2009).
O objetivo central desses modelos residia na precisão na obtenção de
hidrogramas no ponto de saída da bacia. Para tal finalidade, lançava-se mão de
hietogramas e alguns dados de evapotranspiração potencial, sem, no entanto,
necessariamente detalhar os processos intermediários do ciclo hidrológico. Dentre
os modelos de chuva-vazão mais amplamente empregados, destacam-se o
hidrograma do Soil Conservation Service (SCS), o modelo Tank Model e o modelo
Sacramento (TUCCI, 2005).
Um dos enfoques principais da modelagem hidrológica é a elaboração de
zonas de inundação, como afirmam Tucci e Bertoni (2003). O estabelecimento
dessas zonas configura-se como uma das principais medidas não-estruturais de
controle e prevenção de enchentes. Um exemplo concreto de zoneamento pode ser
observado no estudo de Trentin et al. (2003), realizado no município de São Gabriel.
Nesse contexto, os pesquisadores elaboraram um zoneamento das áreas
suscetíveis a inundações, combinando a probabilidade de ocorrência do evento com
a vulnerabilidade da população local, resultando na classificação das áreas urbanas
em quatro níveis de risco: baixo, médio, alto e muito alto.
Outra abordagem para o zoneamento, fundamentada no mapeamento das
áreas de inundação, está associada à correlação entre o tempo de retorno de
eventos extremos e a vazão do canal estudado. Nesse sentido, delimita-se uma
faixa dentro do período de enchente de 100 anos, representando o evento mais
intenso registrado. Dentro dessa faixa, as áreas são categorizadas com base no
risco e na capacidade hidráulica resultante das cotas de cheia a montante e a
jusante (TUCCI, 2005).
Em suma, a modelagem hidrológica desempenha um papel crucial na gestão
de recursos hídricos e na prevenção de inundações. Desde sua evolução inicial até
as abordagens mais contemporâneas, os modelos hidrológicos têm se revelado
como ferramentas valiosas para compreender e lidar com os desafios relacionados à
água, proporcionando embasamento para tomadas de decisão informadas e
estratégias de mitigação de riscos associados a eventos hidrológicos extremos.

1.6 Zoneamento de Áreas Suscetíveis a Inundação

A crescente incidência de inundações em áreas urbanas tem impulsionado a


adoção de abordagens de zoneamento como ferramentas essenciais para avaliar e
gerenciar riscos associados a eventos de inundação.
O estudo conduzido por Trentin et al. (2013) em São Gabriel exemplifica o
zoneamento de áreas suscetíveis a enchentes. O zoneamento resultou na
categorização de riscos em quatro níveis para a área urbana, ao cruzar informações
sobre perigo de enchentes e vulnerabilidade da população.
Conforme Tucci e Bertoni (2003), o zoneamento das áreas de inundação
desempenha um papel vital no controle de enchentes. Essa abordagem envolve a
demarcação das áreas afetadas pela cheia, tendo como base a delimitação da cheia
de 100 anos ou a maior registrada. Dentro dessa delimitação, são estabelecidas
zonas de acordo com o risco e a capacidade hidráulica de influenciar as cotas de
cheia em direção a montante e a jusante.
As escalas de trabalho no zoneamento também têm relevância estratégica
na tomada de decisões, conforme diretrizes do Banco Mundial e Fell et al. (2008).
Escalas como 1:25.000, 1:10.000 a 1:25.000, e 1:2.000 a 1:5.000 são empregadas
para diferentes propósitos, incluindo análise de áreas afetadas, definição de riscos
intrínsecos e modelagem quantitativa de problemas específicos.
A abordagem de zoneamento emerge como uma ferramenta eficaz para
avaliar riscos de inundação em áreas urbanas. Destaca-se a importância da
delimitação de riscos, a consideração de diversos fatores e a adaptação das escalas
de trabalho às necessidades de análise e tomada de decisão. O aprimoramento
contínuo dessas abordagens promete contribuir para o planejamento urbano mais
resiliente e sustentável diante dos desafios das inundações.
A exemplo, o zoneamento de perigo de inundação realizado por Fernandez
e Lutz (2010) considerou vários fatores essenciais para avaliar os riscos de
inundação nas cidades. Entre esses fatores, destacam-se os canais de drenagem, a
topografia com suas alturas e inclinações, a profundidade do lençol freático e o uso
do solo urbano. A combinação desses elementos de análise proporcionou uma
abordagem abrangente para avaliar o perigo de inundação nas áreas urbanas
estudadas.
O algoritmo desenvolvido por Fernandez e Lutz (2010) desempenhou um
papel fundamental na obtenção do mapa final do perigo de inundação. Esse
algoritmo foi projetado para integrar os diversos fatores considerados na
metodologia, a fim de produzir uma avaliação precisa e abrangente do risco de
inundação nas cidades. Através da combinação de elementos de análise, o mapa
final reflete as áreas mais propensas a inundações e auxilia na tomada de decisões
para mitigar os impactos desses eventos. Figura 4.

Figura 4. Mapa de classes de perigo de inundação da Província de Tucumán/Ar

Fonte: Fernandez e Lutz (2010)


O estudo de Fernandez e Lutz (2010) ressalta a importância do zoneamento
de perigo de inundação como ferramenta de gestão de riscos em áreas urbanas. Ao
considerar fatores como canais de drenagem, topografia, profundidade do lençol
freático e uso do solo, a metodologia empregada oferece uma compreensão mais
holística dos riscos. Além disso, a aplicação do algoritmo para obtenção do mapa de
perigo ilustra como a tecnologia e a análise combinada podem informar a tomada de
decisões no planejamento urbano e na redução de desastres naturais.

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