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A PAofosTA KANTLANA dE RECENS TRIGAS™ DR UNEDADE ETICA Compania Das LETRAS DIREITO, MORAL E RELIGIAO NO MUNDO MODERNO \ Proposta Naliudiia uc NCCU Uyau nidade Etica programa filoséfico de Kant, por ele reconhecido em notas que elaborou um curso de légica,' foi organizado em fungio das seguintes perguntas: 1) Para responder a essas questdes fundamentais, que desde sempre alimenta- areflexio filoséfica, Kant, fiel a orientagio cartesiana que deu inicio a0 pen- samento moderno, fixou, desde a Critica da Razao Pura, um preciso método de Pensamento. Consistiu ele na busca de um conhecimento nao fundado na expe- néncia, mas que, bem ao contrario, a antecede, pelo fato de desvendar os seus ele- Mentos condicionantes. Seguindo o caminho tragado por Descartes, Kant frisou ue, muito embora o conhecimento se inicie pela experiéncia, isto é, pelo uso de Ross0s sentidos, ele nfio pode limitar-se a isso, pois os sentidos nos transmitem ‘unia imagem deformada ou incompleta des coisas por eles apreendidas. O verda- deirg Conhecimento, portanto, ultrapassa o nivel empirico e deve estar fundado = faculdades racionais, independentes de toda experiéncia sensorial; um conhe- “mento que Kant denominou a priori ou puro, enquanto o derivado dos senti- a ; 4 a : manuel Kants Logik —cin Handbuch 2u Vorlesungen, publicado em Kénigsberg por Friedrich Nico. €m 1809, 287 dos é necessariamente a posteriori ou impuro. “O homem encontra realmente ag si mesmo uma faculdade, pela qual ele se distingue de todas as outras Coisas, ae, mesmo de si proprio, na medida em que é afetado pelos objetos: essa Faculdade arazio (Vernunft).”* Esse métododepensamento foi por Kant qualificado de critico, NO Sentido ey. molégico do termo. O verbo krind (Kpivw), em grego, significa literalmente jog. ar, peneirar; no sentido figurado, separar ou julgar.’ Séo palavras correlatas; kg, rion (KpUtTipvov), faculdade de julgamento, ou sede do tribunal; ¢ krités (Kpitiig, Juiz. Kant partiu do postulado de que nao se pode descobrir a verdade nas coisas, Porque elas esto fora de nés. Mas pode-se sempre examinar a representacio da coisas na mente, Ao fazé-lo, descobrimos principios racionais, nao deduzidos pelo raciocinio, mas que, ao contrario, o condicionam, em todos os campos.‘ ‘Trata-se, como se percebe, de um método de pensamento idealista ou racio. nalista: a verdade nao se encontra fora da razao humana, mas dentro dela. Osesco- lasticos diziam que o conhecimento da verdade supde a adequacao do pensamento & coisa pensada (adequatio intellectus ad rem). A filosofia moderna, a partir de Des- cartes, inverte a explicacdo: tudo o que podemos saber com certeza esti.em nossa mente e nao fora dela. A filosofia deixa, portanto, de ser meramente especulativa (speculum = espelho), refletindo a realidade exterior, e passa a ser introspectiva: a tarefa do filésofo consiste em descobrir asleis que regem o nosso pensamento, nio 86 0 pensamento em si mesmo (a légica), mas o pensamento como instrumento de captacao da realidade exterior (0 que Kant denominou metafisica), Bm outras Palavras, o saber filos6fico é, antes de tudo, uma epistemologia, uma anilise do conhecimento. O idealismo ou racionalismo kantiano é total, aplicando-se a todo 0 campo da investigacao filoséfica. A razo, para Kant, distingue-se em purae pratica, co™- forme se refira ao conhecimento em si mesmo, ou ao conhecimento em vista da 2.Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, edigao organizada por Karl Vorlinder, Felix Meiner Verlat- Hamburgo, 74ed., 1994, p. 78. Nessa mesma passagem, Kant distingue a razo do simples entens* mento (Verstand), na medida em que este, como faculdade de raciocinio, submete-se aquela- 3. Esse verbo grego corresponde ao cerno latino, com as mesmas acepgOes. Dele derivam, em por ‘gués ¢ nas demaislinguasneolatinas, discemir ¢ discernimento. 4. Na Erica a Nicémaco (1098 a, 35 ¢ s.), Aristételes jé havia advertido que nao se deve exigir uma’ eit demonstragao das causas em todas as hipéteses. Por exemplo, os primeiros principios (arkkes) 5 apreendidos, uns porindugio, outros por percepgiio senséria (aisthesis), outros ainda pelo hibit 288 . Mas a propria razdo pratica procede de principios transcendentais, indepen- bates de toda experiencia sensorial e, portanto, também ela, sob esse aspecto, é afilosofia pura. “A lei moral”, disse elena conclusao da Critica da Razdo Pratica, janifesta em mim uma vida independente da animalidade e mesmo de todo o sundo senstvel.”* O contraste com a filosofia antiga ¢ bem marcado, Para Plato e Aristételes, ‘como vimos," a reflexdo ética examinava os bens objeto das aces humanas, sejam ‘des reflexos dos arquétipos eternos (Platio) ou realidades imanentes ao mundo {(Gristételes). Para Kant, 20 contritio, o pensamento ético tem por objeto adesco- ‘perta dos principios ou leis objetivas do. agirhumano. »_ Aracionalidade dos princfpios éticos, segundo Kant, é marcada por trés ‘catacteristicas essenciais, Eles so universais, na medida em que vigoram para todososhomens, emtodos os tempos. $40 absolutos, pois nio comportam exce- ‘{Oesou acomodacdes de nenhuma espécie:o deverdedizera verdade, por exem- Blo, hi de ser cumprido, ndo obstante os resultados danosos que dai possam Advis para siou para os outros.’ les io, finalmente, formais, no sentido de que existem como puras formulas de dever-ser, vazias de todo contetido: os manda- mentos éticos deve ser obedecidos, ndo porque digam respeito a bens on valo- Fes dignos de consideracao ou respeito, mas simplesmente porque s4o confor. mes a razio. _ Nao é descabido enxergar nessa rejei¢o completa da experiéncia sensorial ome critério da verdade, nessa subordinacéo permanente dos sentidos & razio, Sreflexo, na mente puritana de Kant, da doutrina paulina da contradigao radical ‘fntre a carne ¢ 0 Espirito." Dafa idéia de qualificar o conhecimento a priori, isto 6, Ro subordinado aos sentidos, como Puro (rein). O filésofo procura explicar esse 5: ledicéo, Riga, 1788, p. 269, ©-Parte, cap. Foo objeto do scu opdsculo Sobreum pretentodireitode ‘mientirporamorao préximo (Ober ein vermetn- ‘Recht aus Menschenlicbe 2uliigen), BCE. B ex., Bpfstola aos Gilatas $16.17 "Ora, ex vos digo, conduzi-vos pelo Espirito e nao satis: ot descjos da carne. Pois a carne tem agpieagBcs contrdrias ao Espirito € 0 Espirito conteérias rian’: Eles se opoem reciprocamente, de sorte que no fascise ue quereis”. No mesmo sentido, e iy 0s Romanos 8, 12 e s. Essa oposicfo. Paulina foi cxacerbada pelo pictismo alemio, 20 qual er sgant, Velu-se,apropésio, as informagdes dadas por Max Weber em Dieprotetantiche okah ind der a ‘Geist des Kapitalismus, texto de acordo.com a2 edigao de 1920, Beltz Atheniuim, Weiheim, P96. Pp. 903s, 289 qualificativo por analogia com as operacBes quimicas,” mas ndo pode esconde,, conota¢ao moral do vocabulo. e 1. FUNDAMENTOS Da £TICA No preficio & sua obra Fundamentos para uma Metafisica dos Costumes,” Kayy anuncia que 0 objetivo de suas reflexes éticas consiste em descobrir os principigg transcendentais — isto é, os principios a priori ou puros — do comportamenty moral, 0s quais nao dependem da experiéncia, mas antes a condicionam. Ao iniciar sua exposigio, afirma que sé a virtude, isto ¢, a vontade moral mente boa, nos torna dignos de ser felizes. Os homens podem alcancar a fel cidade por varios.caminhos, mas 0 unico moralmente digno ¢ 0 caminho da virtude. Aristételes também havia sustentado, na Ftica a Nicémaco (1097 b, 20 ess.), que 86 a virtude nos faria felizes; mas ele compreendia no conceito de virtude nioss faculdades ou disposi¢Gesmorais, comotambémintelectuais. Para Kant, seguindo na esteira de longa tradicao cristd, a virtude é um conceito moral ¢ nao intelee tual. No entanto, conduzido pelo seumétodo estritamente racional, ele acabache: gando a uma conchisao oposta, a0 reduzir a virtude moral a uma faculdade inte: grante da razio humana. Na Critica da Razdo Pratica, ele vai mais além, ¢ rejeitaa idéia de que a felicidade pessoal possa ser o objeto da moral. S6 0 dever constti “um principio determinante da vontade”."" Partindo, pois, da premissa de que nada ha de melhornomundo, moralmen® falando; do que uma vontade boa, isto é, uma vontade movida pela vireade, ofl: sofo inicia a andlise do que seja essa vontade moralmente boa pela enunciacions primeira parte de Fundamentos para uma Metafisica dos Costumes (Passage! feats - cimento racional comum da moralidade aoconhectmento filosdfico), de trés postulee®” cujademonstracdo procurafazerna segunda parte assagem dafilosafiamera mf lard metafisica dos costumes). 9. Critica da Razdo Pritica, cit.. pp. 166+ 10. Cosnames (Sitten) tem, ai, o sentido de comportamento ético. 11. Op cit. pp. 62:3. 290 iro postulado: a.virtude nao consiste em boas obras, ou no éxito das preendidas, mas apenasno préprio querer, na prépria vontade, " Poe-se ai, portanto, a radical recusa do critério da utilidade, como guia das peomanss.Na rejelcfo do utltariemo, Kant se coloca em clara oposigfornte dosofia anglo-saxdnica (David Hume, em Particular), mas também, como lana fé e nao nas obras da lei mosaica, = Ocarater absoluto da ética Kantiana, com a recusa de qualquer consideracao Fe as consequléncias praticas do rigoroso cumprimento dos deveres, foi larga- gente rejeitado no pensamento contemporaneo. Logo apés a Primeira Guerra Handial, Max Weber, diante das criticas recebidas no meio universitério pelo fato tre a ética de sentimentos (Gesinnungsethik), que nao se preocupa com os Batzdos do comportamento humano, e uma ética de responsabilidade (Veran- Geer 7ssethik), que leva sempre em conta as conseqiiéncias dos atos ou omissées mens, sobretudo no campo politico.'* Sessenta anos apés, em celebrada Obre as exigéncias éticas da civilizacao tecnolégica, na qual o homem tomou cimento de que era capaz de extinguir toda a vida no plancta, Hans Jonas mou e aprofundouo tema," © qualquer forma, segundo Kant, a vontade moralmente boa nao existe p mPles meio para a satisfacéo de nossas necessidades naturais, pois para “20 instinto, comonos animais. Ela 6 uma finalidade em simesma, ou seja, Bean Condicio da qual dependem todos os outros bens, inehaene a AO a felicidade, Mis Weber Gesameausgabe,J.C. B. Mohr (Paul Sicbeck), Tubingen, parte1, seco 17, inztp Veraniwortuny— ‘Versucheiner Bthik fiir die technologische Zivilisation, Insel Verlag, Frank- lain, 1970 Porque isso seja de seu interesse, como sustentou Adam Smith, nem p haja uma inclinagao natural para ocumprimento do dever, uma simpatgg, lasdo aos que necessitam de auxilio, por exemplo. Tal seria agit conf ver (pflichtmssig),mas ndo por dever (aus Pficht).!" Na Critica da Razay Prt distingao € retomada em relacZo Alei moral, em termos de comportament espeito a lei (um des Gesetzes willen) também denominado moralidade ne tat), a legalidade (Legalitat), que 6 a obediéncia Puramente externa ae E poressa forma que Kantexplica o grande mandamento judaico-crise amor ao préximo. E obviamente impossfvel, assinala ele, obrigar alguém z ama.) outrem, inclusive um inimigo, porinclinac&o ou afei¢io Neigung),” pois ossen, timentos nfo se comandam. Mas é perfeitamente possivel obrigar os homens, a cumprir esse dever, mesmo a contragosto. Jé na Doutrina da Virtude, sen Parte de sua Metafisica dos Costumes, ele distingue entre o amor propriamene dito ¢ 0 bem-querer (Wohlwollen). O amor tem a ver com os sentimentes en com avontade. “Nao posso amar porque quero, menos ainda porque devo(ser obrigado a amar); portanto, um dever de amar é um absurdo. O bem-quere (amor benevolentiae), contudo, na medida em que & um fazer, pode submeterse auma lei de dever.”"* © amor ao préximo, “essa lei de todas as leis”, escreveuce na Critica da Razito Prtica,"” “apresenta, como todo preceito moral do Evange- tho, a intencdo moral em toda a sua perfeicdo; ela é da mesma sorte, um del de santidade, do qual devemos nos esforcar para nos aproximarmos, num pro: gresso ininterrupto, mas infinito”. 15. Na Btiea a Nicémaco (1105 a, 26 es.) Aristételes ja havia observado que, enquanto no campodis téenicas ou artes (

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