PRIMEIRA PARTE,
REFLEXOES ACERCA DO CONCEITO DE EXCLUSAOREFLETINDO SOBRE A NOGAO DEEXCLUSAO
Mariangela Belfiore Wanderley
‘Tema presente na midia, no discurso politico ¢ nos planos &
programas governamentais, a nogii de exclusio social tomnou-se
familiar no cotidiano das mais diferentes sociedades. Nio & apenas
‘um fendmeno que atinge os pafses pobres, Ao contro, ela sinaliza
1 destino excludente de parcelas «la populace mundial,
saja polas restrigdes impostas pelas transformagées do mundo do
trabalho seja por situagées decorrentes de modelos eestruturas econé-
‘micas que geram desigualdades absurdas de qualidade de vida,
Este artigo tem como objetivo apresentar as principais idias|
sobrea nogio de exclusdo social presentes na literatura francesa dos
anos 90, contrapondo-as e/ou complementado-as com reflexdes
‘exrafdas da literatura brasileira, mostrando queembora tio difundido,
‘este um tema relativamente recente pol&mico,
Mendigos, pedintes, vagabundos, marginais povoaram
historicamente 0s espagos sociais, constituindo universos
cestigmatizados que alravessiram séculos, Porém, € mais precisamente
‘a partir dos anos 90 que uma nova nogio - a de exclusio - vai
protagonizaro debate intelectual e politico: “se arualmente, a maioria
dos problemas sociuis sto apreendidas través desta nog, é preciso
ver af, ao mesmo tempo, o resultado da degradagao lo mercado de
emprego, particularmente forte no inicio desta década,e também a
evolucdo das representagaes ¢ das categorias de andlise” (Paugar,
1996:14)
‘Tem-se atributdo a René Lenoir « invengiio dessa nogio em
1974, Homem pragmtico e sensivel As questdes socials, cujas teses
temanam do pensamento liberal e foram fortemente crticadas pela
esquerda,teve, com sua obra, o mérito de suscitaro debate, alargando
a reflexdo em torno da concepsio de exclusi, no mais como um
fenémeno de ordem individual mas social, cuja origem deveria ser
scada nos principios mesmos do funcionamento das sociedades
‘modernas. Dentre suas causas destacava 0 ripido ¢ desordenado
processo de urbanizagio, a inadaptagao e uniformizacao do sistema
escolar, odesenraizamento causade pela mobilidade profissional, as
desigualdades de renda e de acesso aos servigos. Acrescenta, ainda,
aque no se trata de um fenémeno marginal referido unicamente &
franja dos subproletérias, mas de um processo em curso que atinge
cada vez mais todas as eamadas sociais
A concepgiio de exclusio continua ainda fluida como categoria
analtica, difusa, apesar dos estudas existent, e provocadora dle
intensos debates. Alguns consideram a exclusio como um novo
paradigma em construgdo, “brutalmente dominante hé alguns anos,
‘enquanto que oda luta de classes e desiqualdades dominow os debates
politicos e a reflexdo socioldgica desde o fim da Segunda Guerra
‘mundiat” (Schnapper, 1996:23)
Muitas situagdes sao descritas como de exclusio, que
representam as mais variadas formas e sentidos advindos da relagio
nclustio/exclusto. Sob esse rétulo esto condos inimeros processos
‘categoria, uma série de manifestagdes que aparecem como faturas
‘erupturas do vinculo social (pessoas idosas, deticientes, desadaptados
socinis; minorias éinicas ou decor, desempregados de longa duragdo,
jovens impossibilitados de aceder ao mercado de trabalho; ee.) A
reflexio de Julien Freund, no Prefécio da obra de Martine Xierras
(1993), denota uma cert saturagdo da utiliza indiscriminada dessa
ogi:
“amogdo de exclusdo estd tendo o destino da maior parte dos
termos consagrados atualmente pela mediocridade das modas
incelectuais e universitdrias. Alguns consideram que esid
saturada de sentido, de ‘non-sens’ ede contra-senso; (.) A
leinura da imprensa & particularmente instrutiva desse ponto
de vista, pois, ela é mais do que o espetho de nossa sociedade'.
Assim, mesmo os esuiosos da questo concluem que do ponto
de vista epistemol6gico, o fenémeno da exclusio € tio vasto que &
{quase imposstvel delimité-lo.Fazendo um recorte “ocidental” poder-
sevia dizer que “exclu(dos so todos aqueles que so rejeitados de
nossos mercados materiais ou simbélicos, de nossos valores"
(Riberras,1993:21). Na verdade, existem valores e representagdes
‘do mundo que acabam por excluir as pessoas. Os excluidos nao sto
simplesmente rejitados fisiea, geografica ou materialmente, no
apenas do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezascspirituais, seus valores ndo sto reconhecids, ou seja, hé também.
‘uma exclusie cultural
Do ponto de vista da situaglo global internacional, observa-se
‘ esgotamento de duas figuras emblemitias da evolugio do século
XX: se 0 socialismo morreu, como querem muitos, 0 Bstado-
provideneia est em estado prolongado de crise. Nos anos 80,
assistimos ao declinio dos Welfare States. Como bem diz Rosanvallon
em seu titimo livro A nova idade das desigualdades, & necessitio
que se renover as andlises, pois, com 0 desenvolvimento da
mundializagdo, novas relagdes entre economia, politica e sociedade
‘esto send estabolecidas. Vivemos ao mesmo tempo 0 esgotamento
‘deum modelo eo fim de uma forma de intligibilidade do mundo. A.
‘chamada "invengo do social”, que constituiu a grande “virada” do
séc. XIX, parecia ter se consolidado, neste século, através da
construc de sistemas de proteco social. Estes porém,seencontram
abalados pela intemacionalizagio da economia e pela rise do Estado-
providencia, representada pela crise da solidariedade e do vinculo
social, ampliada pela transformagio das relagGes entre economia €
sociedade (a erise do trabalho) e dos modos de constiuigfo das
individuais e coletivas (a crise do sujeito) Rosanvallon,
Observa-se, pois, uma espécie de impoténcia do Estado-Nagio
ro controle das conjunturas nacionais. Os problemas sociais se
acumulam,justapondo, no seio das sociedades, categoria soci com
renda clevada ou relativamente elevada ao lado de eategoriassocinis
‘exclufdas do mercado e por vezes da sociedade?
‘Ao se tatar concretamente do tema da excluso &necessério
precisar o espago de referencia que provoca a rejeigto (categoria
fundamental). Qualquer estudo sobre a exclusio deve ser
‘contextualizado no espago e tempo ao qual ofenémeno se refere,
Assim, se considerarmos como espago de anilise da exclusio|
(0s pafsesditos de primeiro mundo, necessariamente se tem que tomar
esse acirramento da crise do Estado-providéncis?, nos anos oitent,
as transformagies em curso no mundo éo trabalho - que estio na
corigem da crise da sociedade salarial, com a emergéncia do
Oa WaT € hl d dani sano o conse de yr eial
18
desemprego € da precarizagio das relapSes de trabalho -, como
problemas entra dessassoczades. Suge, nto, um novo conceito
de procariedade e de pobreza, 0 de nova pobreza, para designar os
‘desempregados de longa durago que Vio sendoexputsos do mercado
produtivo eos jovens que no conseguem nel entrar, impedidas do
cesso ao “primeiro emprego”. Ou seja, si camadas da populago
onsideradasaplas a0 trabalho e adaptadas 2 soviedade modema,
orem, vitimas da conjuntura econdmica e da erise de emprego,
Assim, os excluos na terminologia dos anos 90, no so resduais
‘nem temporsrios, mas contingents populaionascreseentesque iio
encontram lugar no mercado.
“"No.campo internacional, apassagem do predomfnio do temo
pobreza para exclusto significou, em grande parte, 0 fim dt
iusto de que as desigualdades sociais eram temporaria. A
exclusioemerge, assim, no campo internacional, como wm sinal
dde que as tendéncias do desenvolvimento econdmico se
converteram. Agora -e significativamente - no momento em
{que neoliberalismo se torna vitorioso por toda parte, as