You are on page 1of 12

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

A NOVA LÓGICA DE GESTÃO DOS PROFESSORES NO ESTADO DE SÃO


PAULO: QUAIS AS IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO DOCENTE?

Jean Douglas Zeferino Rodrigues - PARFOR/PUCCAMP


Resumo:
Resultado de uma pesquisa mais ampla este trabalho busca analisar a nova lógica de
gestão e avaliação implementada pela Secretaria de Estado da Educação do Estado de
São Paulo (SEE) nos últimos anos e suas repercussões para o trabalho dos professores
dos anos iniciais do ensino fundamental. A partir de um conjunto de mecanismos de
gestão fundamentados nos princípios gerenciais e performativos, as ações da SEE
operam uma lógica que objetiva reformar/remodelar não somente as instituições, mas os
indivíduos. Para tanto, uma reforma da gestão foi encaminhada e práticas pautadas na
competitividade, meritocracia, avaliação de desempenho, responsabilização,
publicização de resultados, entre outros, foram atreladas ao próprio trabalho pedagógico
determinando em grande parte a intervenção do professor em sala de aula. As
consequências desta perspectiva de gestão foram identificadas na pesquisa empírica,
entre as quais se destacaram: a conformação da prática docente às exigências das
avaliações externas (SARESP), ambiente de trabalho permeado por cobranças de
resultados pelos próprios pares, constante insegurança com as metas propostas,
constrangimento com a divulgação dos resultados, visibilidade positiva/negativa,
migração docente e acirramento do individualismo em detrimento das relações de
solidariedade e cooperação. Cabe ressaltar que a pesquisa empírica contou com a
participação de seis professoras da rede estadual paulista que lecionavam nos 5ºs anos
(antiga 4ª série) de três escolas com diferentes classificações no IDESP (Abaixo do
Básico, Básico e Adequado). A partir do recurso da entrevista semiestruturada foram
coletadas diversas informações que ao final confirmaram que as ações implementadas
pela SEE proporcionam inúmeras implicações para o trabalho dos professores dos anos
iniciais do ensino fundamental.

Palavras-chave: Gerencialismo, Performatividade, Trabalho Docente, Meritocracia.

1. Introdução
O artigo se propõe a identificar e sistematizar os mecanismos atuais de gestão e
avaliação do trabalho docente utilizados pela Secretaria de Estado da Educação do
estado de São Paulo (SEE) e as implicações destes para o trabalho de professores dos
anos iniciais do ensino fundamental. Para tanto foi realizada uma pesquisa documental e
empírica de modo que se puderam observar medidas que apontam para um movimento
de sistematização de políticas que, apesar de organizadas em frentes distintas, articulam
a gestão dos professores aos processos pedagógicos. O estudo além de identificar um
conjunto de repercussões que interferem no trabalho das profissionais em diversos
aspectos demonstrou a estreita relação entre as medidas implementadas e as
perspectivas gerencial e performativa, eixos centrais na concepção das políticas de

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001900
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
2

gestão e avaliação dos professores da rede pública estadual.


A aplicação de tais princípios administrativos à relação pedagógica modificou a
prática dos professores uma vez que a intervenção em sala de aula passou a considerar
as demandas exigidas pelas avaliações externas. Observa-se uma clara relação entre os
inúmeros mecanismos de controle instituídos na rede escolar e a sedimentação de um
ambiente de trabalho cuja competitividade e meritocracia são fios condutores centrais,
numa suposta busca pela qualidade da educação. O texto abaixo permitirá compreender
a partir de uma breve introdução aos princípios gerenciais e performativos, a relação
entre os mecanismos implementados pela SEE e as implicações destes para o trabalho
de professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

2. Aspectos gerenciais e performativos na educação


Não é propósito deste trabalho aprofundar os fundamentos teóricos gerenciais e
performativos, mas introduzir breves elementos que facilitarão a compreensão geral do
amplo processo reformador presente na educação paulista. O gerencialismo caracteriza-
se por uma série de fatores extremamente articulados em seus objetivos e
especificamente voltados para a função precípua da maior produtividade com o menor
custo. Para tanto, lança mão de uma série de iniciativas congregando aspectos objetivos
e subjetivos de modo a transformar o ambiente segundo as suas finalidades. Segundo
Shiroma (2006) o gerencialismo pode ser compreendido como uma fórmula racional
para a melhor utilização dos recursos públicos tendo como objetivo o aumento da
produtividade e a máxima eficiência dos processos.
O gerencialismo busca transformar o servidor com características do tipo
burocrático em um “líder dinâmico” promovendo mudanças na subjetividade dos
educadores. Ao mesmo tempo utiliza inovações linguísticas com o intento de inserir não
apenas novos modismos, mas influenciar e transformar a prática, assim como estimula
certo entusiasmo individual ou coletivo na superação das dificuldades. Estes
instrumentos são articulados a dinâmicas que transformam os desafios gerais da
organização em metas individuais alocadas por um lado, a um pretenso ambiente
solidário e, ao mesmo tempo, acirrado contraditoriamente por avaliações de
desempenho individual.
Em consonância aos princípios do gerencialismo as políticas performativas
constituem um nível mais específico, mas não menos eficiente de controle. Conforme
Ball (2005, p.543) a performatividade se apresenta como “(...) uma tecnologia, uma

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001901
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
3

cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações e


demonstrações como meios de controle, atrito e mudança.” Enquanto o gerencialismo
relaciona-se em maior grau às questões relativas à reforma da gestão do setor público
imprimindo orientações administrativas sob novos parâmetros, a performatividade,
como uma ferramenta imprescindível das gestões gerenciais, direciona-se com maior
vigor aos aspectos subjetivos, de controle e atrito entre os indivíduos. Este sistema
envolve de maneira articulada alvos e incentivos cujo objetivo se estabelece na
produção de novos perfis institucionais utilizando recompensas e punições fundadas na
competitividade (BALL, 2005).
A partir da reorientação da função do Estado, que no Brasil ocorre
principalmente a partir da Reforma de 1990, observa-se a criação de mecanismos de
gestão que permitem a constituição hegemônica dos parâmetros mercadológicos
voltados para o seu próprio interior. É nessa conjuntura que as políticas performativas
ganham visibilidade, pois

Ela funciona de diversas maneiras para “atar as coisas” e reelaborá-


las. Ela facilita o papel de monitoramento do Estado, “que governa a
distância” – “governando sem governo”. Ela permite que o Estado se
insira profundamente nas culturas, práticas e subjetividades das
instituições do setor público e de seus trabalhadores, sem parecer
fazê-lo. Ela (performatividade) muda o que ele “indica”, muda
significados, produz novos perfis e garante o “alinhamento”. Ela
objetifica e mercantiliza o trabalho do setor público, e o trabalho com
o conhecimento (knowledge-work) das instituições educativas
transforma-se em “resultados”, “níveis de desempenho”, “formas de
qualidade”. (BALL, 2004, p.1116)

Entre a miríade de iniciativas postas em prática no intuito de se estabelecer uma


perspectiva calcada nos parâmetros performativos destaca-se a elaboração e divulgação
de informações e indicadores que tem como objetivo o estímulo ao julgamento, a
comparação e a classificação a partir dos resultados (BALL, 2005). Para Lopes e Lopez
(2006) entre as novas medidas relacionadas à cultura da performatividade está a adoção
de critérios de avaliação dos professores como parte de um conjunto de princípios
pautados pela responsabilização (accountability) e competição, visando a eficiência, a
racionalidade e a transmissão da cultura do desempenho através da constituição de
sujeitos mais produtivos, polivalentes, pró-ativos, assertivos e flexíveis. Sob a égide
desses princípios os professores acabam direcionando a prática docente segundo as

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001902
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
4

exigências externas abandonando o desenvolvimento das atividades e conteúdos que


não se relacionam diretamente aos indicadores de desempenho (SANTOS, 2004).
Afonso (2009) diz que o novo modelo de Estado reforçou o seu poder de
regulação (na elaboração e avaliação de políticas educacionais) acionando a avaliação
como um suporte no processo de responsabilização relacionado aos resultados
educacionais, passando estes a serem mais importantes que os próprios processos
pedagógicos. Introduzidos os elementos que fundamentam o conteúdo das medidas
tomadas pela SEE relativas à nova concepção de gestão da educação e dos profissionais
pretende-se abaixo sistematizar as ações e identificar as possíveis repercussões que tais
medidas ocasionam ao trabalho dos professores.

3. Sistematizando os mecanismos de controle do trabalho docente na rede


estadual de ensino do estado de São Paulo
Pode-se observar um número razoável de decretos, leis e resoluções que tecem a
rede de sustentação da política educacional desses últimos anos, sobretudo as medidas
relativas à gestão dos professores da SEE. As iniciativas ao serem analisadas
conjuntamente acabam se apresentando como peças de um quebra-cabeça cuja figura a
ser desenhada ao fim da montagem estranhamente será identificada. Isso porque a
junção das diversas medidas implementadas se traduzem tanto por objetivos mais
evidentes, como a mensuração dos resultados obtidos através de avaliações externas,
como por iniciativas de caráter mais subjetivo, como, à conformação docente aos
parâmetros pré-estabelecidos pela SEE.
Contudo, entre as diversas ações três podem ser consideradas a coluna vertebral
para a consecução dos objetivos da gestão atual da SEE, são eles: o Programa de
Qualidade da Escola – PQE e a Bonificação por Resultados – BR para a Secretaria da
Educação e o Sistema de Promoção para os Integrantes do Quadro do Magistério (Prova
de Mérito). Entretanto, implementações secundárias, mas que articuladas influem na
vida profissional dos professores também foram observadas. Como por exemplo, a
alteração do Estágio Probatório; fixação de metas para os indicadores da SEE e a
criação do Comitê Central de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional.
Não é intenção deste artigo analisar todos os pormenores de cada medida, mas
caracterizar as ações que, gradativamente, apontam para a constituição de um sistema de
controle sobre o trabalho docente que, por sua vez, oferecem mudanças na prática
docente. E neste sentido o Programa de Qualidade da Escola, a Bonificação por

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001903
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
5

Resultados e o Sistema de Promoção (Prova de Mérito) em conjunto com outros


dispositivos secundários, integram uma complexa rede de controle que elegeu a prática
docente o alvo de suas ações. Portanto, neste primeiro momento o Programa de
Qualidade da Escola – PQE, a Bonificação por Resultados – BR e a Prova de Mérito
serão brevemente caracterizados de modo que em um segundo momento seja possível
relacionar e identificar as possíveis implicações destes mecanismos ao trabalho dos
professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

3.1 O Programa de Qualidade da Escola - PQE


O programa apresenta como objetivo central a promoção da qualidade e da
equidade da rede estadual de ensino (SÃO PAULO, 2008c). Para tanto, a perspectiva de
qualidade passa impreterivelmente pela constante avaliação e monitoramento propondo
metas anuais no sentido de se aprimorar a qualificação do ensino. O IDESP - Índice de
Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo, eixo central do programa, é um
indicador que avalia a qualidade do ensino oferecido pela escola. O índice é composto
por dois critérios: o Índice de Desempenho (ID) dos alunos em avaliações externas, no
caso o SARESP, que verifica o quanto aprenderam, e o fluxo escolar, também
compreendido como Indicador de Fluxo (IF), que representa em quanto tempo
aprenderam. O IDESP resulta da multiplicação desses indicadores segundo cada Etapa
de Escolarização (S) e, ao final, além de proporcionar um banco de dados sobre o
desempenho da rede serve de base para que sejam feitos os cálculos para o pagamento
do BR (Bonificação por Resultado) aos professores.

3.2 A Bonificação por Resultados - BR


A Bonificação por Resultado, o conhecido bônus, normatizado e instituído
através da Lei Complementar de nº 1078, de 17 de dezembro de 2008 é um típico
instrumento de gestões pautadas na competitividade e meritocracia como promotores da
qualidade. Segundo ela, para efeito da aplicação da BR, são considerados dois fatores:
as metas, que sugerem o valor a ser alcançado em cada um dos indicadores, e o índice
de cumprimento de metas, que se referencia como a relação percentual estabelecida
entre o valor que foi alcançado no processo de avaliação e a meta fixada previamente.
A BR será paga segundo a proporção direta entre o índice cumprido pelo
professor ao longo do ano letivo e a meta estabelecida pela SEE durante o período de
avaliação dos resultados. A avaliação dos resultados de cada unidade escolar terá como

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001904
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
6

base “(...) indicadores que deverão refletir o desempenho institucional no sentido da


melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, podendo considerar, quando for o
caso, indicadores de desenvolvimento gerencial e de absenteísmo.” (SÃO PAULO,
2008a).

3.3 Sistema de Promoção para os Integrantes do Quadro do Magistério (Prova


de Mérito)
Fundamentado na Lei Complementar nº 1097 de 27 de outubro de 2009 as bases
deste projeto reproduz os mesmos princípios das demais ações buscando a instalação de
uma perspectiva meritocrática e competitiva nas relações que permeiam o magistério.
Através de uma prova de conhecimentos a SEE verifica a competência do professor
com relação aos conteúdos associados ao seu campo de atuação permitindo que os 20%
mais bem classificados recebam evolução salarial (SÃO PAULO, 2009). O sistema de
promoção elaborado pelo governo permite que apenas uma parcela mínima dos
servidores receba evolução salarial, contribuindo, desta forma, para criação de relações
competitivas entre os profissionais.

4. As implicações dos mecanismos de gestão/avaliação para o trabalho docente


A pesquisa desenvolvida (RODRIGUES, 2010) indica que a implementação das
diversas medidas pela SEE produziu inúmeras implicações para os docentes dos anos
iniciais. A verificação se deu a partiu de pesquisa empírica utilizando o recurso das
entrevistas com questionário semiestruturado com 6 professoras (denominadas A, B, C,
D, E e F) de 3 escolas estaduais da cidade de Bauru (denominadas 1, 2 e 3). A partir das
entrevistas buscou-se levantar diversos eixos que se evidenciavam ao longo das falas
das professoras e que apresentavam relações com as medidas implementadas na própria
rede estadual.
Para a compreensão mais clara das interferências ocasionadas pelas ações da
SEE ao trabalho docente recomenda-se que os mecanismos apresentados anteriormente
sejam compreendidos como instrumentos que operam com o mesmo objetivo, isto é, dar
consecução à política gerencial e performativa, ambas norteadoras de um projeto maior
que vislumbra não somente reformar as instituições objetivando uma nova organização
escolar (OLIVEIRA, 2004), mas acima de tudo, “remodelar” os profissionais
concebendo-os como meros executores de objetivos externamente definidos (BALL,
2002).

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001905
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
7

Mediante a organização dos dados fornecidos pelas professoras (será utilizado a


partir de agora o gênero feminino para referência das professoras entrevistadas) se pode
identificar as mudanças mais evidentes que afetavam o trabalho das profissionais. Estas
mudanças/implicações podem ser organizadas em dois eixos: “Mecanismos de controle
e conformação da prática docente às exigências do SARESP”; e “As políticas de
desempenho da SEE e o ambiente de trabalho da escola”.

Mecanismos de controle e conformação da prática docente às exigências do


SARESP
Neste eixo ficou muito claro que a escola e, consequentemente, a prática docente
das professoras, tiveram suas ações redirecionadas para treinamentos dos alunos nos
conteúdos exigidos pelas avaliações externas, em detrimento de uma formação mais
ampla de base geral. Entretanto, tal mudança não se deu por acaso, mas a partir de uma
articulação de iniciativas atreladas a um mecanismo central com forte poder de
persuasão e controle, a Bonificação por Resultado (“bônus”). Foram constantes nas
entrevistas citações comentando a cobrança feita pelas direções escolares para que os
professores trabalhem os conteúdos baseados nas orientações do SARESP. A fala da
professora 2C (RODRIGUES, 2010, p. 139) é bastante elucidativa:

A gramática não é citada e você tem que trabalhar se baseando sempre


na proposta do SARESP. Então aquilo se torna uma coisa muito
cansativa, porque o aluno ele tem as alternativas a, b, c, e d e os
alunos não vão mais aos textos, retiram informação, colocam nas
respostas, parece meio mecânica e condicionada, eu acho que....
porque sempre tem que trabalhar de acordo com o SARESP, porque
assim você estará preparando o aluno para a prova.... então eles não
terão dificuldade para a prova.

O que se verificou com certa predominância é uma concepção de educação


voltada imediatamente para o âmbito dos resultados mensuráveis de modo que o
SARESP torna-se o mecanismo legitimador de tal opção. Outro dispositivo utilizado,
entre os diversos que agem sobre a prática docente, é a verificação dos conteúdos
através da Rotina Semanal (planejamento semanal) exigida com certa antecedência pelo
professor-coordenador.
A Rotina Semanal é um instrumento que permite ao professor coordenador
acompanhar e verificar os conteúdos que o professor da sala irá trabalhar. Porém, o
planejamento elaborado pelo professor da sala deve atender às Orientações Curriculares

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001906
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
8

(SÃO PAULO, 2008b) da SEE. As Orientações Curriculares representam as bases de


conteúdos do próprio SARESP. Portanto, observa-se a articulação entre a prática do
professor, o instrumento de verificação do planejamento pela Rotina Semanal e a
posterior avaliação conferindo todo o processo anterior através do SARESP. Esse
conjunto de ações foi amplamente explicitado pelas professoras entrevistadas e,
segundo elas, resultou em perda de autonomia na elaboração e planejamento das aulas,
haja vista que a solicitação de mudanças na Rotina Semanal segundo as oriantações das
OC e da avaliação externa (SARESP) eram constantes.
Por outro lado questiona-se a ocorrência de resistência por parte das professoras,
uma vez que muitas discordavam de práticas pedagógicas que se orientavam pelos
resultados dos alunos em avaliações externas. Segundo Rodrigues (2010, p. 139) deve-
se considerar o fato destas professoras estarem “(...) imbuídas no interior de uma
instituição permeada por um ambiente que articula eficazmente os lastros de suas ações
a ponto de quantificar seu desempenho a partir de um formato previamente definido.”
Desta maneira, o resultado de suas ações, verificáveis pelos resultados do SARESP,
estarão suscetíveis a comparações, publicizações e julgamentos propiciando ao
indivíduo certa visibilidade, seja ela positiva (bons resultados) ou negativa (maus
resultados).

As políticas de desempenho da SEE e o ambiente de trabalho da escola


Serão discutidas neste eixo especificamente as implicações provenientes das
medidas que atrelam o desempenho dos professores – verificados e medidos pelo
desempenho dos alunos no SARESP, à possibilidade de recebimento da Bonificação por
Resultado (BR). Entretanto, anterior a esta análise, cabe observar que duas outras
avaliações são desenvolvidas no interior da escola, mas não são utilizadas para fins de
premiação pecuniária. São a avaliação do trabalho docente pelos alunos e pais de alunos
e a avaliação interna do trabalho docente pelo professor coordenador.
A primeira avaliação, feita pela pelos pais de alunos e alunos, refere-se a um
questionário enviado aos pais nas semanas que antecedem o SARESP. É um
questionário diverso com 40 questões que, entre outros objetivos, solicita que os pais e
os alunos avaliem a capacidade do professor proferindo nota de 0 a 10. A outra
avaliação corresponde ao processo de observação da aula pelo professor coordenador
seguindo um documento denominado Roteiro de Observação e Acompanhamento.
Neste processo o professor coordenador assiste à aula e ao final emite suas observações

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001907
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
9

fazendo o professor da sala tomar ciência assinando o documento. Destaca-se que neste
roteiro há o registro se o professor da sala está seguindo, ou não, as Orientações
Curriculares da SEE (SÃO PAULO, 2008b).
Na perspectiva dos professores, tanto a avaliação pelos pais/alunos como pelo
próprio professor coordenador não apresentaram intensidade mais explícita. No entanto,
as duas medidas somando-se às demais acabam colaborando na construção de um
ambiente cuja vigilância é permanente de modo que o indivíduo sente-se avaliado em
cada ação que desenvolve.
A política gerencial e performativa faz uso de distribuição calculada de
mecanismos de modo que se elabora formas arquiteturais de poder, de motivação,
hierarquia, pretendendo-se a remodelação do indivíduo (BALL, 2002). Neste sentido, a
articulação entre IDESP e a BR possibilitam ao Estado formas de persuasão e controle
do trabalho docente já que o IDESP indica quem serão os premiados/punidos com o
recebimento/ou não da BR. Este processo parece simples, mas a pesquisa indicou que a
partir das diversas ações implementadas pela SEE, a escola, gradativamente, incorporou
determinados princípios gerenciais e performativos passando a utilizá-los como
parâmetros de análise e releitura para a condução de seus trabalhos. Consequentemente,
os dois principais mecanismos de controle produziram inúmeras repercussões para o
trabalho docente e o ambiente de trabalho. Entre as quais destacam-se:

 5º ano (antiga 4ª série): foco das políticas de desempenho


A partir das entrevistas nota-se claramente que o 5º ano torna-se o centro das cobranças,
das verificações, dos julgamentos e das fiscalizações pelos próprios pares. Isso ocorre
uma vez que todos os profissionais da escola dos anos iniciais dependem do
desempenho deste ano para receberem/ou não a BR. As falas das professoras
esclarecem a situação:
A única coisa que tenho para te dizer é que o professor de 4ª série é o
que é mais pressionado né. (...) Só que quando chega na 4ª série até
servente fala “olha, tem que fazer acontecer, porque se não nosso
bônus vem baixo” (...). (Professora 2C). Olha, eu já tive brincadeiras
assim “olha eu quero ganhar meu bônus hem, trabalha direitinho com
seus alunos hem” (Professora 3E). (RODRIGUES, 2010, p. 156)

 Visibilidade positiva/negativa
Um dos objetivos das políticas performativas é a tentativa de “remodelar” os
indivíduos segundo padrões determinados. Para tanto, lançam mecanismos que se

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001908
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
10

baseiam a partir de elementos como o atrito, a comparação, o julgamento, a


classificação, a publicização de resultados, entre outros. Pode-se afirmar, segundo os
dados pesquisados, que a SEE ao divulgar o IDESP das escolas e o desempenho dos
professores, no Boletim da Escola e entre os professores da unidade, respectivamente,
acabou criando uma “imagem” da escola e dos professores, uma visibilidade, podendo
ser ela positiva ou negativa. Ao tornar público os resultados obtidos observou-se o
estímulo à competitividade entre escolas e professores sendo que, em toda competição
há os que “triunfam” e os que “perdem”.
A nova lógica disseminada pela SEE legitima tal perspectiva premiando o triunfo
daqueles que atingiram as metas não só com valores maiores da BR, mas estimulando a
visibilidade perante seus pares. A lógica também vale para os que não atingiram as
metas propostas. Portanto, a visibilidade positiva refere-se às situações daqueles que
atingiram as metas, sejam escolas ou professores. Exemplo são as faixas em frente das
escolas divulgando que tal unidade atingiu a meta, ou ainda, os anúncios dos jornais
divulgando o mérito. Já a visibilidade negativa ocorre quando a escola/professor não
atingem a meta proposta ocasionando diferenciações por terem desempenho inferior e
não receberem o “bônus” por mérito.

 “Migração” docente
A instituição de índices de desempenho por escolas acaba classificando as unidades
segundo sua capacidade de atingir as metas propostas. Nessa perspectiva a boa escola
torna-se a organização eficiente que produz resultados. Essa constatação está gerando
uma situação preocupante do ponto de vista pedagógico. As professoras entrevistadas
revelaram um movimento de “migração” de professores, ou seja, diversos profissionais
estão buscando lecionar em escolas cuja possibilidade de receber a BR seja maior.
Desse modo, as escolas que supostamente apresentam menores condições para
atingir a meta acabam sendo colocadas em segundo plano pelos professores nos
processos de atribuição de aulas. As condições investigadas levam a crer que de médio a
longo prazo a seleção de escolas orientadas por critérios como a capacidade de
resultados da unidade, no mínimo, estimulará um movimento de reorganização do
deslocamento dos melhores profissionais, ou pelo menos, dos mais experientes, para
escolas que já apresentam condições positivas (nível básico ou adequado) se
comparadas a muitas outras unidades em condições inferiores (abaixo do básico).

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001909
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
11

A partir dos dados observaram-se duas frentes de avaliação. Há os mecanismos que


se voltam predominantemente para os aspectos pedagógicos, cobrando e exigindo dos
professores um tipo específico de prática docente e conteúdo. São as Orientações
Curriculares, a cobrança da Rotina Semanal coerente às OC, o acompanhamento da aula
pelo professor coordenador segundo o Roteiro de Observação e Acompanhamento. Por
outro lado, há uma frente, não descolada da primeira, que se volta para o campo da
gestão dos professores e da mudança de comportamento segundo princípios gerenciais e
performativos. Representam esta frente o IDESP e a BR, e as implicações decorrentes
deste tipo de gestão.

Considerações finais
Tentou-se demonstrar ao longo do artigo os principais mecanismos de controle
implementados pela SEE e as implicações que tais instrumentos propiciaram ao trabalho
dos professores dos anos iniciais do ciclo I do ensino fundamental. Inspirados nos
princípios gerenciais e performativos tais mecanismos buscam, reformar as instituições
e os servidores passando de uma lógica taylorista/fordista a uma lógica gerencial.
Para consecução de tais objetivos uma série de implementações foram colocadas
em prática na maior pasta do governo paulista. Tais mudanças constituem em
verdadeiros mecanismos de controle sobre o trabalho docente uma vez que tanto o
planejamento como a seleção dos conteúdos passam a ser centralizados através das
Orientações Curriculares da SEE. Observa-se uma tendência de valorização em grande
parte do Português e da Matemática em detrimento das outras disciplinas, numa clara
formatação a partir das exigências das avaliações externas, tal como o SARESP. Da
mesma forma, criaram-se instrumentos de monitoramento do trabalho do professor
através da Rotina Semanal e do acompanhamento da aula pelo professor coordenador.
A nova lógica de gestão da SEE emprega a competição e a meritocracia como
fios condutores de sua política. Foram criados os indicadores e as metas (IDESP) a
serem cumpridas premiando-se os melhores desempenhos (BR). Em nenhum momento
verificou-se as condições sociais e econômicas da comunidade escolar, muito menos as
condições físicas das escolas. Há uma clara intersecção de ações que relacionam ações
pedagógicas à política de desempenho de modo que os professores, considerados
executores ou técnicos em pedagogia, tivessem seu trabalho percorrido por uma
constante avaliação e mensuração, uma inconsequente comparação e publicização de
seus resultados e, por um profundo processo de responsabilização. Resiliência,

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001910
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
12

frustração, constrangimento, desestímulo, insegurança, são algumas características


subjetivas ocasionadas por ações objetivas que circunscrevem a percepção das
professoras mediante as políticas implementadas. Para tanto, este não é o caminho que
se deve percorrer para a construção de uma perspectiva educacional que atenda a ampla
maioria da sociedade.

Referências Bibliográficas

AFONSO, A. Janela. Avaliação educacional: regulação e emancipação. 4. ed. São


Paulo: Cortez, 2009.
BALL, S. J. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade.
Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 15, n. 2, Universidade do Minho, 2002.
______. Performatividade, privatização e o pós-Estado do bem-estar. Educação e
Sociedade, Campinas, n. 25, p. 1105-1126, set./dez. 2004.
______. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, vol. 35, p. 539-564, Set/Dez. 2005.
LÓPEZ, S. B; LOPES, A. C. 2006. A performatividade na política de currículo: o
caso do ENEM. XIII ENDIPE. Recife: CD-Rom.
OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização.
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, p. 1127-1144, Set./Dez. 2004.
RODRIGUES, J. D. Z. Implicações do projeto “São Paulo faz escola” no trabalho
do professores do ciclo I do ensino fundamental. 2010. 258 f. (Dissertação em
Educação Escolar) – Faculdade de Ciências e Letras. Universidade Estadual Paulista,
Araraquara, 2010.
SÃO PAULO (Estado). Lei Complementar 1.078, de 17 de dezembro de 2008a.
Institui Bonificação por Resultados, no âmbito da Secretaria da Educação. Disponível
em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei%20complementar/ 2008/lei%20
complementar%20n.1.078,%20de%2017.12.2008.htm . Acesso em: 10 jan. 2009.
SÃO PAULO (Estado). Lei Complementar 1.097, de 27 de outubro de 2009. Institui
o sistema de promoção para os integrantes do QM da SEE. Disponível em:
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei%20complementar/2009/lei%20compl
ementar%20n.1.097,%20de%2027.10.2009.htm . Acesso em: 10 jan. 2009.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Orientações Curriculares
do Estado de São Paulo: Língua Portuguesa e Matemática – ciclo I. São Paulo: FDE,
2008b. Disponível em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/spfe2009/material
daescola/propostacurricular/ensinofundamentalcicloi/tabid/ 1 251/Default.aspx . Acesso
em: 15 set. 2008.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Programa de qualidade da
escola. Nota técnica 2008c. Disponível em: http://idesp.edunet.sp.gov.br/Arquivos/
NotaTecnicaPQE2008.pdf . Acesso em 10 de mar. de 2009.
SANTOS, Lucíola L. C. P. Formação de professores na cultura do desempenho.
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, p. 1145-1157, Set./Dez. 2004.
SHIROMA, Eneida O; CAMPOS, Roselane F. La resignificación de la democracia
escolar mediante el discurso gerencial: liderazgo, gestión democrática y gestión
participativa. In: FELDFEBER, Myriam; OLIVEIRA, Dalila A. (orgs.). Políticas
Educativas y trabajo docente: nuevas regulaciones nuevos sujetos? 1. ed. Buenos
Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didático, 2006.

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001911

You might also like