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A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES RUANDESAS NA POLÍTICA ELETIVA

EM RUANDA APÓS O GENOCÍDIO DE 1994

Danilo Ferreira da Fonseca


Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)
Alexandra Lourenço
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)

Resumo. O tema aqui proposto faz parte de um campo de estudos sobre a história
recente e do tempo presente de Ruanda e as suas elites políticas, ou mais
precisamente sobre a participação das mulheres na composição desta. A política
ruandesa tem ganhado destaque internacional no que tange a participação de
mulheres, em que o parlamento ruandês possui 67% das suas cadeiras ocupadas por
ruandesas (o que torna Ruanda o país no mundo com mais mulheres no parlamento).
Ao olhar para este campo político observamos que tal predomínio seria indicativo de
preferências sociais que, de alguma forma, ao serem a expressão dos atributos
valorizados determinaram o recrutamento neste contexto específico. Desta forma, o
conceito de gênero é fundamental para explicar como a diferença de status, prestígio
e reconhecimento social entre homens e mulheres tem reflexo no campo político. As
relações generificadas são construções históricas que se moldam em uma dada
estrutura institucional responsável pelo processo de socialização e regulamentação
da vida. Neste sentido o conservadorismo e autoritarismo da política ruandesa nos
possibilita pensar os limites de tal inclusão da mulher ruandesa na política ruandesa,
na medida que a violência contra mulher e a sua submissão no campo privado
contrastam significativamente com os avanços quantitativos na participação das
mulheres na política ruandesa, o que nos possibilita levantar questionamentos acerca
das ações e enfrentamentos realizados por tais mandatos.
Palavras-chave: Ruanda; Mulheres; Política eletiva; elites políticas.

Introdução
A política é um dos espaços fortemente marcado pela desigualdade de gênero
que conduz a sub-representação das mulheres nos cargos eletivos. Todavia, no
parlamento de Ruanda 67% das cadeiras são ocupadas por mulheres. Esse
percentual coloca Ruanda em destaque no ranking mundial de participação das
mulheres. De fato, o crescimento da participação das mulheres na política eletiva tem
sido acompanhado por políticas positivas de inclusão que tem sido implementada com
aspectos diferentes em cada país. Em alguns locais tem funcionado melhor que em
outros devido ao modelo adotado. (NORRIS, 2013)
Em um ranking de 194 países de fevereiro de 2019, o Brasil ocupava a 133ª
posição em relação ao percentual de mulheres parlamentares, enquanto Ruanda
ocupava a primeira posição, com 49 das 80 cadeiras da Câmara dos Deputados
(Lower or single House) e10 das 26 cadeiras do Senado (Upper House or Senate)
ocupadas por mulheres (disponíveis em: http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm). De
fato, Ruanda tem liderado esse ranking desde 2008.
Assim, nosso objetivo foi analisar as relações de poder presentes na
composição do poder legislativo em Ruanda na legislatura atual. Mais precisamente
procuramos analisar a participação das mulheres neste espaço eletivo e discutir em
que medida os espaços ocupados por essas mulheres significam conquistas efetivas
a partir da sua capacidade de influência e decisão. Com essa finalidade, esse artigo
irá abordar a discussão apresentada na bibliografia mapeada até o momento.
Governo de Paul Kagame e construção da imagem inclusiva
A participação de mulheres na política ruandesa tem trazido notoriedade para
o pequeno país africano, no entanto o seu destaque internacional vai além, já que a
administração do presidente Paul Kagame e de seu partido, a Frente Patriótica
Ruandesa, acumulam uma série de conquistas que alguns consideram notáveis desde
o fim do genocídio de 1994. A partir da conquista do país, em julho 1994, em que a
RPF prendeu e/ou expulsou boa parte dos perpetuadores do genocídio ligados à
extremistas hutus e grupos próximos ao ex-presidente Juvenal Habyarimana, o grupo
armado liderado por Paul Kagame passou a adquirir força política para coordenar a
reconstrução do país. Desde a renúncia do presidente Bizimungu em 2000, Kagame
tem ocupado a presidência do país, sendo sucessivamente eleito nas eleições de
2003, 2010 e 2017, com as marcas expressivas de 95%, 93% e 98,8% dos votos.
A longevidade de Paul Kagame na presidência de Ruanda costuma ser
tolerada por aqueles que admiram seu governo, como é o caso de pesquisadores
como Gourevitch (2009), Blair e Buffet (2013), além de órgãos internacionais como o
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do
Comércio, que enxergam em Paul Kagame um exemplo a ser seguido por outros
políticos africanos. Para tais pesquisadores, assim como o órgãos internacionais, a
Frente Patriótica Ruandesa conseguiu unificar um país cindido por complexos
conflitos, trazendo estabilidade política, crescimento econômico e uma queda
significativa da pobreza, além de outros dados e conquistas, como é o caso da
participação de mulheres na política e em outras esferas da sociedade ruandesa.
Por outro lado, encontramos muito controvérsia na figura de Paul Kagame e
sua administração, em que órgãos como a Anistia Internacional acusam
sucessivamente o governo ruandês de impedir uma livre participação e liberdade
política, em que oposicionistas são constantemente perseguidos. Desta forma,
especialistas na história ruandesa recente, como é o caso de Straus e Waldorf (2011)
e Ansoms (2011), questionam o modo que a estabilidade política ruandesa foi atingida
a partir de posições e ações autoritárias, que envolvem inclusive massacres em
campos de refugiados de ruandeses hutus no território congolês. Esse autoritarismo
tem como principal base a constituição da lei contra genocídio, que inibe e enquadro
opositores em uma lei de segurança nacional, com o argumento de que fomentariam
o divisionismo no país, conforme análise de Uwizeyimana (2014) que aponta as
limitações e consequências da Law of Genocide Ideology (UWIZEYIMANA, 2014).
Para além do autoritarismo político, os dados econômicos conquistados pela
administração de Paul Kagame também podem ser questionados, conforme é feito
pela pesquisadora An Ansoms que aponta em seus estudos a incoerência dos dados
apresentados pelo governo ruandês, principalmente no que tange a queda da
pobreza, que muitas vezes é camuflada no país (ANSOMS, et al, 2017, p. 48).
No entanto, o crescimento econômico ruandês possui dados consolidados e
robustos, com um projeto de desenvolvimento econômico que retirou a dependência
que o país possuía na exportação de café. Atualmente, Ruanda se tornou um dos
maiores produtores mundial de minerais valiosos, como o Tântalo, Tugstênio e Coltan
entre outros metais utilizados pela indústria de tecnologia, mas tal minério é adquirido
de modo ilegal a partir de ocupação e conflitos armados no território vizinho da
República Democrática do Congo, em que a Frente Patriótica Ruandesa e Paul
Kagame cometem uma série de ingerências desde as duas Guerras do Congo.
Diante deste contexto controverso, Ruanda também promoveu uma maior
participação feminina em sua política e também na economia. Essa inclusão tem
promovido uma imagem de governo democrático e tem estimulado o interesse por
investigar em que medida essa inclusão da mulheres no Poder Legislativo tem
promovido resultados efetivos em políticas de igualdade de gênero no país e, ainda,
em que medida o parlamento se constitui enquanto campo de poder, com capacidade
decisória em Ruanda no contexto do atual governo.
Gênero e política: a participação de mulheres na atividade legislativa
Em estudo divulgado no início de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), baseado no monitoramento realizado pela Inter-Parliamentary
Union – IPU, demonstrou que em dezembro de 2017, Ruanda, totalizava 61, 3% de
mulheres no parlamento. Muitos estudiosos buscam explicar esse fenômeno a partir
da diminuição do número de homens adultos no país após o genocídio de 1994, da
criação de conselhos locais exclusivamente femininos, da implementação das cotas e
do acesso das mulheres a educação e a propriedade da terra (SILVEIRA, 2019).
Mas é importante observar que as políticas implementadas e a cultura política
de cada país foram fundamentais para essa reconfiguração do cenário. De fato,
mesmo antes do genocídio, as mulheres formavam 18% da representação
parlamentar. Além disso, o fato da maioria da população ser composta por mulheres
não implica diretamente que estas serão maioria nos cargos públicos eletivos. A
participação da mulher na vida pública, vai depender da cultura de seu país, da classe
social da qual é proveniente, da religião, do grupo no qual está inserida, e de fatores
como o sistema eleitoral vigente no país (NORRIS, 1997). Políticas de cotas como
observado por Htum (2001) Norris (2013), podem constituir-se em forte estímulo à
participação feminina nos cargos eletivos do poder político.
Isso nos faz considerar que as medidas de “inclusão” adotadas em Ruanda
pelo governo e seu partido devem ser estudadas pois em termos percentuais não
resta dúvida que foram bem sucedidas, todavia, ainda merece especial atenção pois
é necessário saber em que medida essa participação pode refletir novos arranjos de
gênero. Afinal, o crescimento da participação das mulheres nos cargos eletivos tem
vivenciado um ritmo relativamente lento na maioria das democracias pelo mundo.
O gênero do aspirante a candidato tem influenciado o processo de formação,
escolha e financiamento dentro dos partidos políticos no momento anterior e durante
as eleições em todos os países com eleições democráticas (NORRIS, 2013), então, é
fundamental considerar esta variável na construção da estrutura de oportunidades.
Neste sentido é que a literatura tem apontado para a diferença de status de homens
e mulheres na competição política pois o gênero é uma categoria que remete às
formas simbólicas, mas é também um elemento da organização de relações de poder
em instituições sociais (SCOTT, 1990) como igreja, escola, família, nos símbolos,
valores e normas transmitidos por essas instituições e nas dimensões
macroestruturais da política ou microestruturais da configuração das identidades.
Portanto, adota-se o termo gênero como categoria de análise, assim como fora
utilizada por feministas americanas que queriam insistir sobre o caráter
fundamentalmente social das distinções fundadas sobre o sexo e enfatizando,
igualmente, o caráter relacional do conceito.
Prossegue a autora, “Nosso objetivo é compreender a importância dos sexos
dos grupos de gênero no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir o alcance dos
papéis sexuais e do simbolismo sexual nas diferentes sociedades e períodos, é
encontrar qual era o seu sentido e como eles funcionavam para manter a ordem social
e para mudá-la” (SCOTT, 1990). Portanto, mais do que uma classificação por sexo,
"para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa
sociedade importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que se
constrói sobre os sexos" (LOURO, 1998, p.15).
As mulheres ruandesas e a sua inserção na política
Retrocedendo alguns anos, podemos observar que as mulheres ruandesas
adquiriram direitos políticos em 1962 com a Constituição elaborada após a
independência. Três anos após, em 1965, tivemos a primeira mulher no parlamento.
Todavia, segundo Pippa Norris,
ser eleita não significa necessariamente conferir às mulheres um substantivo
poder de decisão, especialmente dada a fraqueza desses órgãos legislativos.
Uma distinção importante precisa ser estabelecida entre aquelas vagas
preenchidas via eleição direta e aquelas via indicação. Onde as mulheres
possuem uma base eleitoral elas podem ser mais independentes da liderança
partidária e ganham legitimidade conferida pelo processo democrático. (2013,
p. 18)
Os estudos sobre as Mulheres na política de Ruanda apontam que somente
após o genocídio de 1994 as mulheres aumentaram a sua participação no parlamento
que até então não havia sido superior a 18%. Segundo a Antropóloga Jennie E. Burnet
(2012), após o genocídio de 1994, as mulheres ruandesas enfrentaram o impossível
para ressuscitar suas vidas depois da devastação vivenciada por elas. Buscaram se
reconstruir mesmo com o peso da memória de entes queridos perdidos e por suas
próprias experiências de violência. A autora alerta para o fato de que as mulheres
ruandesas precisaram percorrer um terreno emocional e político para emergir,
segundo ela, como líderes de uma Ruanda atual. Em sua leitura positiva sobre a
liderança das mulheres afirma que a inclusão ocorreu devido a vários fatores como a
situação pós-genocídio que forçou as mulheres a novos papéis, a ação da advocacia
pelo movimento de mulheres ruandesas e a inclusão das mulheres no governo pós-
genocídio.
Essas conquistas contam também com a criação em 1992, no governo de
Habyarimana, do Ministério de Promoção da Família e da Mulher (MIFAPROFE).
Segundo Batista (2019), “Neste período, houve um relativo ganho de autonomia das
mulheres na sociedade e algumas conquistaram lugares de destaque, como a própria
esposa do presidente Habyarimana, Agathe Kanziga” (BATISTA, 2019, p. 35), que
possuiu papel controverso no extremismo hutu e na construção do genocídio. A
autora cita também o caso da ruandesa Agathe Uwilingiyimana, Primeira Ministra
nomeada em 18 de julho de 1993 que fora demonizada e morta pelos hutus.
Independente da autonomia e força legislativa que o parlamento ruandês possa
possuir ou não, nos dias atuais, é inegável que houve um rápido crescimento na
inclusão das mulheres e isto se deve em grande parte as novas ações positivas
adotadas, mas também a uma participação previamente existente. Os índices
anteriores ao genocídio eram em média 18% e isso não é pouco se considerado a
situação mundial da inclusão das mulheres nos parlamentos nos variados países, seja
africano, asiático, americano ou europeu (Norris, 2013). De fato, essa participação
pode ser observada em diversas posições na luta pelo poder no genocídio de 1994.
Na outra ponta do conflito, as mulheres desempenharam um papel
significativo dentro do RPF, crucial para o sucesso do movimento. Diversas
mulheres participaram da Frente na conquista de Ruanda, algumas até
atingindo a liderança do RPA, como a tenente-coronel Rose Kabuye, e de
comissões importantes no RPF, como Aloysia Inyumba - comissária
financeira responsável pela construção de uma rede mundial de captação de
recursos, Ann Gahongayire – comissária dos assuntos sociais – e Christine
Omutoni – comissária dos refugiados. (BATISTA, 2019, p. 36)
Esse envolvimento das mulheres com a RPF teria gerado uma situação
favorável para sua inclusão durante a fase de transição para a nova Constituição, e
também, como alerta alguns pesquisadores, significou uma imagem mais inclusiva
para a nova proposta de governo.
As políticas de incentivo a participação das mulheres na política formal,
principalmente no Poder Legislativo, tiveram grande expansão na década de 90.
Naturalmente seu formato variou em cada país segundo sua cultura política. Segundo
Norris, “as políticas de igualdade de oportunidades são elaboradas para prover um
nível em que as mulheres possam perseguir carreiras políticas nos mesmos moldes
que os homens’. (NORRIS, 2013, p.18)
De fato, as políticas de inclusão das mulheres na vida pública em Ruanda são
razoavelmente semelhantes às do NRM pois, “assim como o RPF posteriormente,
Musevini integrou mulheres ao partido, nomeando-as para cargos importantes no
Gabinete e no Supremo Tribunal, e foi garantida uma reserva de assentos para
mulheres no Legislativo”. (BATISTA, 2019, p. 37) As políticas de incentivo podem ser
variadas,
Exemplos ordinários incluem programas de auxílio financeiro para ajudar com
despesas eleitorais, treinamentos para as candidatas nas habilidades de
comunicação, de falar em público, de constituição de redes, de realização de
campanhas e de gerenciamento de notícias, bem como a provisão de creches
e de instalações para cuidados com crianças no interior das assembleias
legislativas. (NORRIS, 2013, p.18)
Outra questão importante sobre a participação das mulheres tem sido a
indagação sobre as possíveis mudanças que esta inclusão poderia gerar nas políticas
adotadas pelo governo. Segundo Devlin e Elgie, em relação a agenda política, as
questões das mulheres agora,
[...] são levantadas com mais facilidade e mais frequentemente do que antes,
e tem havido uma forte defesa do ‘feminismo internacional’ por muitos
deputados. No entanto, o aumento da representação feminina teve pouco
efeito sobre os resultados das políticas. (DEVLIN; ELGIE, 2008, p. 237,
tradução nossa)
De fato, sobre esse ponto, não existe consenso, pois ainda que elas não
alterem o ritmo e o direcionamento das políticas públicas, estudos demonstram que a
representatividade é importante pois, as meninas, adolescentes e jovens ao verem
mulheres ocupando cargos nos espaços públicos, começam a incorporar a percepção
de que aqueles espaços também lhes pertence. (NORRIS, 2013)
Em relação a Ruanda, aparentemente a inclusão das mulheres no partido e na
política não imprimiu uma mentalidade progressista, tolerante e inclusiva pois,
“durante e após o genocídio, diversos autores apontam que os próprios soldados do
RPF violentaram, humilharam, estupraram e mataram mulheres hutus e suas crianças
em vingança pela violência cometida por homens hutus.” (BATISTA, 2019, p. 37)
Além disso, essa inclusão das mulheres aparentemente foi o resultado de um
projeto estrategicamente calculado no qual se mensurou quais seriam os benefícios
dessa inclusão no governo “dos homens”. No caso de Ruanda, a decisão da inclusão
ou não das mulheres parece ter sido motivada por ganhos políticos.
É necessário compreender os motivos e intenções por trás do discurso de
igualdade de gênero difundido durante o governo de transição e
posteriormente o governo de Kagame, pois a construção da imagem do RPF
como defensor da igualdade de gênero não foi feita por acaso. Essa
construção foi realizada com o intuito de obter ganhos políticos para o RPF.
O próprio Kagame fala em uma outra entrevista: “the decision to involve
women, we did not leave it to chance” (KAGAME apud KRISTOFF &
WUDUNN, 2010, p. 212), ou seja, a decisão de incluir as mulheres na política
e na economia não foi feita apenas por um acaso ou boa vontade, e sim, a
partir de uma análise meticulosa dos ganhos políticos dessa estratégia.
(BATISTA, 2019, p 38)
Outro fator que impulsionou a participação das mulheres na economia e na
política foi o crescimento de associações de mulheres, como a Pro-Femmes Twese
Hamse, que passou de 13 organizações no início dos anos 1990 para 35 em 1996
(BATISTA, 2019, p. 40). Tais organizações crescem para atender as necessidades das
mulheres viúvas, abandonadas, estupradas, dos pós genocídio. Como parte da
política internacional de apoio aos países que vivenciaram a guerra, após o genocídio
as Nações Unidas passaram a apoiar financeiramente as organizações que apoiavam
as mulheres e crianças, assim as associações de mulheres ruandesas passaram a
ser interessantes também para atrair estes recursos. (BURNET, 2008)
É importante considerar que o incentivo para as mulheres participarem em
especial, da economia, era uma forma de sobrevivência das famílias ruandesas no
período pós genocídio que deixou uma população predominantemente feminina como
chefes de família, assim como, foi necessário estabelecer o direito à herança para as
mulheres como forma de fomentar a recuperação econômica.
Essas ações proporcionavam ganhos políticos ao governo por construir uma
imagem de inclusivo e democrático. De fato, as políticas públicas para promover a
inclusão das mulheres na economia e na política resultaram em elogios e
reconhecimento ao Paul Kagame e a RPF. Em 2007 o presidente recebeu o “Prêmio
Africano de Gênero 2007” por suas ações para “integrar as mulheres no processo de
reconstrução, lutar contra a violência baseada no gênero e proteger os direitos das
mulheres em igualdade de educação, desenvolvimento econômico e poder possuir
propriedades. (BATISTA, 2019, p. 45). A literatura aponta para o fato de que as
mulheres desempenharam um papel histórico favorável para o governo de Kagame
afinal,
(1) elas constituem mais da metade da força de trabalho que é necessária
para atingir os objetivos de desenvolvimento da economia para criar um
ambiente favorável aos negócios internacionais; (2) a crescente atenção
internacional para a igualdade de gênero atraiu diversas organizações e
grandes doadores para a causa, ampliando o leque de investimentos para o
Governo de Ruanda; e (3) a visão do governo como igualitário na questão de
gênero transmite uma imagem de inclusão e democracia para a comunidade
internacional, o que aumenta a tolerância da mesma para com as ações
autoritárias do regime, tornando o ambiente propício aos negócios
internacionais (BATISTA, 2019, p. 50)
O campo político tem algumas regras internas ao seu funcionamento. Uma
delas, implica em que um país que sustente a imagem de uma república democrática
necessita ter esse reconhecimento internacionalmente e isto irá ocorrer de acordo
com a imagem do país que for divulgada. Uma forma de minimizar os efeitos do
modelo autoritário de gestão de Kagame é demonstrar um grande avanço na
promoção de políticas de discriminação positiva que inclua as mulheres.
Progressos e seus limites em tempos recentes
A inclusão das mulheres na política não ocorreu somente após os conflitos,
mas intensificou-se. Um estudo publicado em 2008 indicou que ainda que Ruanda
tenha uma política e sociedade autoritárias as mulheres alcançaram um espaço
considerável de participação e ainda essa tem aumentado rapidamente. No
parlamento em 1994 as mulheres ocupavam 11,4% das 70 cadeiras. Na Câmara dos
Deputados em 1997 a porcentagem da participação feminina era de 17,1 % e em 2000
subiu para 25,7%. Em 2003, a nova constituição incluiu a Política de Cotas, garantindo
a participação de um mínimo de 30 % dos cargos em órgão de tomada de decisão em
seu Art. 9. “Sob este sistema, dois assentos por província e dois dos assentos para a
cidade de Kigali são reservados para mulheres (um total de 24 assentos).” (DEVLIN;
ELGIE, 2008, p. 243, tradução nossa). O rápido crescimento obtido com as políticas
de cotas em Ruanda levou ao aumento dos estudos sobre o recrutamento destas
mulheres, e nos leva a pensar sobre o processo de eleição. Segundo Devlin e Elgie,
estas mulheres são eleitas por um comitê conjunto de membros de relevante
autoridade local e os membros do comitê executivo de organizações de
mulheres. [...] Após a eleição de 2003, 39 de 80 deputados eram mulheres,
ou 48,75 % da Câmara.” (2008, p. 243, tradução nossa)
A eleição ocorre a partir de indicações de pessoas influentes em nível local. Se
por um lado, pode ser interessante por aproximar a candidata da base que ela deve
representar, por outro amplia as relações de apadrinhamento e favorece as mulheres
mais bem relacionadas, aquelas que possuem acesso em determinados círculos.
Para conhecer as trajetórias dessas mulheres e também o impacto de suas
ações na política ruandesa, os pesquisadores Devlin e Elgie (2018) entrevistaram
nove deputadas (de doze) que estiveram no parlamento em 2003, sendo que das nove
entrevistadas, seis pertenciam a RPF, duas foram eleitas em cumprimento da cota, e
uma era membro do Partido Socialista Democrático. Estas entrevistas foram
complementadas com a análise das leis aprovadas pelo parlamento que indicavam
mudanças após 2003. Segundo eles, o parlamento pode ter mudado sua imagem e o
cotidiano das mulheres deputadas, todavia, em relação as obrigações domésticas
aparentemente nada foi alterado. As mulheres podem fazer política e negociar direitos
na esfera pública, mas no espaço doméstico cabe a elas o cuidado dos filhos, da casa
e do marido. De fato, segundo as entrevistas das deputadas, não é algo imposto
externamente, mas algo que elas compreendem como sendo seu papel na relação
familiar. É ilustrativo dessa situação a observação de uma deputada que viajou em
comitiva para a Suécia “e ficou chocado ao saber do alto número de deputadas suecas
que se divorciaram após entrar no parlamento. Ela afirmou que, em contraste,
deputadas ruandesas, temos as habilidades para gerenciar nossos filhos e nossas
famílias.” (DEVLIN; ELGIE, 2008, p. 247, tradução nossa)
Apesar do aumento da presença das mulheres no parlamento, as entrevistas
indicaram que as discussões referentes as questões de igualdade de gênero não
fazem parte das discussões prioritárias. De fato, segundo os relatos, é como se agora
que elas são a maioria, tornasse desnecessário continuar a falar sobre o tema. Ou
seja, a discussão sobre igualdade de gênero deixou de ser prioridade na agenda
parlamentar. Aparentemente, o direito a cadeiras no parlamento, representa ou
substituí a igualdade de gênero em todas as outras esferas da vida social e doméstica.
Outro aspecto a ser observado é a necessidade de adotar o mesmo ritmo de
vida profissional dos seus colegas homens, ou seja, não é o parlamento que se adapta
a elas, mas elas que deverão se adaptar ao modelo parlamentar masculino com suas
horas de trabalho e ausência de creches. Neste sentido, parece que elas ocupam um
espaço, mas não o transformam, pois, a estrutura androcêntrica não lhes permite.
(BOURDIEU, 2020)
Considerações finais
Apesar das políticas de discriminação positiva que foram implantadas em
Ruanda, não se percebe uma crítica ao modelo androcêntrico de dominação
masculina. As pautas de base ligadas a economia têm avançado no estímulo a
inclusão das mulheres em atividades empresariais, na possibilidade de receber
herança e possuir propriedade. Evidente que isso represente um avanço para as
mulheres ruandesas, mas não produziu efeitos efetivos de igualdade de gênero.
Com a aparência de manutenção de uma cultura doméstica tradicional, mesmo
trabalhando no mercado econômico, na lavoura ou no parlamento, cabe as mulheres
as tarefas domésticas, cuidado dos filhos e ainda, a percepção de que a excussão
inadequada deste papel pode colocar seu casamento em risco. A ideia é, aqui no
espaço público podemos negociar a vossa participação, mas no espaço privado
(doméstico) os papéis são bem definidos e não é negociável.
Por fim, a literatura aponta que, mesmo diante de um governo autoritário, as
discussões sobre a inclusão das mulheres nos espaços econômico e político tiveram
grande sucesso porque atendem interesse de manutenção do próprio governo. Ao
incluir as mulheres, criou para si a imagem de um governo moderno, inclusivo que
trabalha para o bem de todos, e essa imagem é importante internacionalmente.

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