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ISSN 2175-831X X SEMANA DE HISTORIA POLITICA Minorias étnicas, de género e religiosas vi SEMINARIO NACIONAL DE HISTORIA: POLITICA, CULTURA E SOCIEDADE ANAIS Rio de Janeiro 2015 ‘Semana de Histéria Politica / Seminario Nacional de Histéria: Politica, Cultura e Sociedade. (2016: Rio de Janeiro) JAnais / X Semana de Histéria Politica: Minorias étnicas, de género e Nacional de Histéria: Politica, Cultura e Sociedade; Organizacao: Eduardo Nunes Alvares Pav, Jodo Paulo Lopes, Layli Oliveira Rosado e Rafael Cupello Peixoto - Rio de Janeiro: UERJ, PPGH, 2015. 3323 Texto em portugues ISSN 2175-831X 1.Histéria Polltica ~Congresso. 2. Cultura ~ Sociedade. 3. Relagbes Internacional 688 098 a 705 776 x Semana de Hite Police: Pelfica, Contios @ Identidadss na Modemidade ‘Vi Seminétio Nacional de Hitt: Polica, Cultura @ Sociedade r ISSN 2175-831X ~ PPGH/UERI. 2014 AAMERICA DO SUL NO RELATO DA VIAGEM DE VOLTA AO MUNDO DE ABEL DUPETIT-THOUARS (1836-1840): NOTAS DE PESQUISA Daniel Dutra Coetho Braga © "TRONO ALTAR” NA FRANCA DA RESTAURAGAO E A ESCRITA DE STENDHAL: PERCEPCAO DE UMA CRITICA POLITICA RELIGIOSA Daniel Eveling da Siva: ‘A DUALIDADE DO DISCURSO: CONHECIMENTO E DOMINAGAO ATRAVES DO CODICE FLORENTINO ~ BERNARDINO DE SAHAGUN, MEXICO, 1588. Daniela Machado Fraga CULTURA E EMANCIPAGAO EM AMILCAR CABRAL Donilo Ferreira ca Fonseca © FAZENDEIRO DO BRAZIL: PAGINAS DE UM PENSAMENTO DIRETIVO NO RENOVADO SISTEMA, COLONIAL DO ATLANTICO PORTUGUES DO SECULO XVill Bonnylo dle Azeveclo MERCADO DAS HABILITACOES: © USO DA FAMILIATURA COLONIAL DO SANTO OFICIO NUM MOVIMENTO MAIS AMPLO NA BUSCA PELO RECONHECIMENTO SOCIAL NO RECIFE ‘SETECENTISTA (C.1700-C.1750) Davi Celestine do Silver PUBLICIDADE E PROPAGANDA EM FAVOR DA GUERRA: O SIMBOLISMO DOS ANUNCIOS. PUBLICITARIOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945) Daviana Granjeiro da Siva “BACHAREIS DEYASSADOS": LEITURAS DE BACHAREIS DOS JUIZES DE FORA DE VILA DO CARMO (SEC. XVII) Debora Cazeloto de Souza CULTURA (S) POLITICA(S) EM PAULO DE TARSO E SUAS IMPLICACOES NO IMPERIO ROMANO Débora Roarigues de Souza (© IMPACTO DA OI NO BRASIL Denison Gomes Barbosa ‘AS ESMOLAS AOS NECESSITADOS: A NOCAO DA CARIDADE NOS TESTAMENTOS DE VILA RICA NA PRIMEIRA METADE DO SECULO XVII Denise Aparecicla Souses Duarte ‘SOCIEDADE DE LEITURA HERMANN FAULHABER: A LEITURA COMO AMEACA E RESISTENCIA AS POLITICAS NACIONALIZANTES DE VARGAS Denise Verbes A MAYRINK VEIGA NA NA BATALHA DAS IDEIAS: BRIZOLA, REFORMISMO E © GOLPE DE 1964. Diego Martins Déria Paulo Cultura e Emancipacao em Amilear Cabral Culture and Emancipation in Amilcar Cabral Danilo Ferreira da Fonseca! Doutor em Historia Social Professor Adjunto da Unioeste Resumo: O comprometimento de Amilcar Cabral com a emancipagao da Africa e o seu refinamento intelectual so brilhantes ¢ necessirios em tempos de barbérie como o nosso. O pensador de Guiné-Bissau e 0 seu denso pensamento politico, nos ajuda a refletir acerca do modo que 0 mundo contempordneo ¢ a Africa se constituiram e a necessidade de se construir uma sociedade baseada no multiculturalismo, aproximando dialeticamente as especificidades do local com questies da universalidade humana, Desta forma, a presente comunicagao visa refletir acerca da relacdo entre Cultura e Politica na obra de Amilear Cabral. Palayras-chave: Amilear Cabral; Cultura; Emancipagao, Abstract: The commitment of Amilcar Cabral with the emancipation of Africa and its intellectual refinement are bright and needed in times of barbarism like ours. The Guinea- Bissau thinker and its dense political thinking helps us to reflect on the way the contemporary world and Africa constituted and the need to build a society based on multiculturalism, dialectically approaching the specifies of the site with questions of human universality. Thus, this Communication aims to reflect on the relationship between Culture and Politics in the work of Amilcar Cabral. Keys-words: Amilcar Cabral; Culture; Emancipation. 707 A claboragio tebrica de Amilcar Cabral se constitui enquanto um rico caminho para problematizarmos as relagdes entre a cultura e a politica, ainda mais em um contexto globalizado, em que povos de diferentes regides periféricas do mundo possuem os seus modos de vida marginalizados ¢ até criminalizados. As imposigdes ocidentais, que sdo sustentadas por um imperiatismo brutal, buscaram impor modos de vida hegeménicos atrelados a valores, priticas das sociedades europeias (ocidentais), de modo a desumanizar a propria pluralidade do homem. Em tempos que enfientamos uma gigantesca crise humanitéria atrelada as migragSes em massa do continente afticano e do Oriente Médio para a Europa, Amilcar Cabral se faz um intelectual necessério, ainda mais quando os governos europeus fecham as suas portas para milhares de refugiados que arriscaram suas préprias vidas ao cruzar 0 mar Mediterraneo ¢ chegar ao continente europeu com o destino incerto, e muitos fecham os olhos para as imensas perdas humanitarias softidas no decorrer de tal percurso, O pensamento de Cabral nos permite enxergar o mundo de uma maneira mais ampla, efletindo como 0 mundo deve realizar uma colaboragao mais produtiva, garantindo a liberdade e 0 direito de todos os homens ser o que eles so. Tal colaboragiio s6 & possivel a partir de uma pritica de Iuta emancipatéria que permita a construgio de pontes entre diferentes sociedades para serem realizadas trocas culturais de modo positivo, ampliando a propria humanidade. Desta forma, 0 presente texto visa iniciar uma reflexio acerca dos pensamentos de Amilear Cabral, valorizando o modo que este brilhante intelectual pensa as relagSes dialéticas entre a cultura e a emancipaco de um determinado povo, e como esta relagio se constréi com toda a humanidade. Para realizarmos tal entendimento é fundamental analisarmos conjuntamente os caminhos tragados por Amilcar Cabral em sua trajetéria de vida, vendo como seu pensamento surge de modo organico da sua experigneia de vida, valorizando desde a sua formagio escolar, como a sua insergo na politica africana e a subsequente lute contra o colonialismo portugués. 708 Amical Cabral e a emaneipacao de Guiné Bissau e Cabo Verde Amilear Lopes Cabral nasceu na cidade de Bafaté localizada em Guiné Bissau no ano 1924, quando seu pats, seus familiares, amigos e compatriotas estavam sob o jugo do colonialismo portugués. A obra de sua vida, tanto no ambito pritico, como no reflexivo (elementos que so indissociveis para Amilcar Cabral) foi pela busca da libertago de sew ovo. Apesar de estar muitas vezes associado a territorialidade de Guiné Bissau, Cabral teve em sua infaincia experiéneias decisivas em Cabo Verde, para onde se mudou quando tinha ‘apenas oito anos. Nos anos de 1940, durante a sua adolescéncia, enfrentou com a sua familia graves problemas decorrentes de uma severa seca, que acabou vitimando mais de cinquenta mil cabo-verdianos? ‘Seus estudos e sua inteligéncia impar renderam a oportunidade de ir até Lisboa cursar uma graduagdo, trajetoria relativamente comum entre alguns jovens africanos niio s6 de Guiné Bissau e Cabo Verde, mas também de toda a Africa, Durante a colonizagao promovida pela Europa na Africa, jovens africanos de miltiplas regides iam para as suas respectivas metrOpoles para estudar ¢, a partir de tal conhecimento, voltavam para a sua terra natal com 0 intuito de utilizar 0 que aprenderam em sua formag&o para ajudar no desenvolvimento da Colénia, Este processo, na grande maioria dos casos, ao invés de ajudar efetivamente no desenvolvimento das territorialidades afticanas, acabava aumentando ¢ facilitando a dominagao ocidental na Africa, j4 que tais jovens voltavam “mentalmente colonizados” (no termo de Frantz Fanon). Ao se formarem na Europa, os africanos graduados na Europa retornavam para a Africa pregando um desenvolvimento afticano no 4mbito econémico, politico © social aos moldes da experiéncia europeia, tomando a sociedade ocidental um modelo paradigmatico o qual a Africa deveria possuir como meta, sendo que para tal os africanos deveriam abandonar seus habitos, costumes e tradigdes e se comportarem cada vez mais como europeus. E evidente que esta colonizago no Ambito mental foi um dos fatores determinantes para a estabilidade do dominio europeu, inclusive mesmo apés a independéncia de alguns paises africanos que passaram por uma descolonizago conduzida pela Europa e pela sua elite local europeizada, o que manteve muitos paises afticanos submissos & antiga metrépole ‘mesmo com a sua independéncia, Assim como tais jovens, Amilear Cabral foi para a Europa buscar solugdes para 0 desenvolvimento de seu povo e sua regio, e no foi por acaso que decidiu estudar agronomia no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa no ano de 1945, j4 que frente aos problemas atrelados & seca e a fome enfrentados pelo préprio jovem Amilcar o impulsionaram a buscar solugdes que garantissem a seguranca alimentar ¢ 0 acesso a comida do povo guineense ¢ cabo-verdiano (mais para frente em sua trajetéria, Cabral percebe que 0 acesso & comida & mais uma questio politica do que técnica), Porém, Amilcar Cabral no foi mais um afticano que se deixou colonizar mentalmente na Europa, pois percebeu que a fome de seu povo se dava devido propria dominagao curopeia, ¢ a solugio para tais questdes nao estaria em seguir o modelo proposto pela Europa, que condenaria a Africa a uma eterna servidio, mas sim buscar uma emancipagdo do continente africano. Mais do que estudar agronomia em Lisboa, Amilear Cabral enfrou em contato com diversos grupos politicos que colaboraram significativamente com a sua formagio politica Cabral participou de grupos antifascistas que questionavam a ditadura de Salazar em Portugal , ainda mais importante, conheceu outros jovens afficanos que também buscavam uma libertago de suas tervitorialidades, como & 0 caso dos angolanos Mério de Andrade © Agostinho Neto.* Porém, um contato determinante na formagio politiea de Amilear Cabral foi com 0 movimento da negritude de Senghor* que trazia a necessidade de uma reafirmagdo cultural dos povos africanos frente a Europa. Assim, ao contrario de muitos jovens africanos que voltavam da Europa querendo (e até tentando) ser europeus e subsumir seu povo, Cabral volta de Lisboa buscando uma reafirmaedo cultural guineense e africana na busca de emancipar seu povo. Ao retomar & Guiné Bissau em 1952 como funcionério do Ministério do Ultramar com © cargo de adjunto dos Servigos Agricolas ¢ Florestais da Guiné, Amilcar Cabral mergulha na realidade social do povo guineense, j4 que em sua nova funedo conheceu o seu pais de “porta em porta”, jé que em seu cargo precisava realizar uma série de levantamentos detalhados, principalmente devido ao Recenseamento Agricola de 1953.5 710 Frente a tal conhecimento e capacidade de articulagdo, na busca de uma reafirmagio cultural capaz de questionar os dominios coloniais, Amilear Cabral formulou a primeira Associagio Recreativa, Esportiva e Cultural da Guiné. Mais do que um espaco voltado para 0 lazer, esta Associacio se tornou um espago voltado também pata o debate politico por um viés cultural. Sua forga politica era tamanha que o poder Colonial passa a perseguir Amilcar Cabral, © forcando a se autoexilar em Angola. Aqui é interessante pensarmos na trajetéria de Cabral que antes de participar ou fundar um grupo ou partido com fins politicos diretos, ele busca ‘uma agio politica por um viés mais cultural, o que, conforme veremos, vai ser marcante em sua trajetoria A sua experiéncia durante o exilio em Angola colaborou de modo decisivo para a sua percepsio acerca da luta contra 0 colonialismo. Em territério angolano, Amilcar Cabral entra em contato com 0 Movimento Popular pela Libertagio de Angola (MPLA), no qual aprende téticas de organizacao politica partidaria e também da luta armada enquanto uma forma de libertagao. E a partir de tal processo que Amilear Cabral funda junto de seu meio irmao Luis Cabral em 1956 0 Partido Afticano para a Libertagio de Guiné Bissau ¢ Cabo Verde (PAIGC). Na sua fundagio ja podemos ver elementos tanto locais, como também pan- afficanos, caracteristica do pensamento de Amilear Cabral. A organicidade do movimento liderado por Amilcar Cabral ¢ a sua interago com os anseios de parte da populagdo de Guiné- Bissau ¢ Cabo Verde fica evidente no proceso grevista dos trabalhadores do Porto de Pidjiguiti em 1959, j que o movimento teve uma participagio fundamental na sua organizagao pelo PAIGC. Todavia, tal processo grevista que possuia um cariter de uma manifestagdo pacifica acaba sendo duramente reprimido pelas forgas policiais coloniais portuguesas, resultando em um episédio barbaro em que a policia abriu fogo contra os manifestantes, matando SO grevistas.© A partir de tal processo, Amilear Cabral e 0 PAIGC comegam a abrit mio da titica de resisténcia pacifica (conduzida na india por Gandhi contra 0 colonialismo inglés) c percebem que a libertago de Guiné Bissau e Cabo Verde s6 poderia vir a partir de uma ampla articulagio de uma luta armada. A partir da luta de libertagio de Guiné Bissau e Cabo Verde, Amilear Cabral refina cada vez mais as suas percepedes teéricas e priticas, realizando um 711 caminho dialético entre a sua propria experiéncia no conflito armado e em seus escritos ensamentos. A Guerra de Libertagiio de Guiné-Bissau e Cabo Verde contra as forgas coloniais Portuguesas dura entre 1963 ¢ 1973, em um processo que vitimiza milhares de pessoas, inclusive o proprio Amical Cabral que & morto meses antes da proclamago de independéncia do pais, Tragicamente, Amilcar Cabral foi assassinado por membros de seu proprio partido (PAICG), dada divergéncias internas que a organizagio possuia préximo de se tomar independente, Cultura e Emancipagio em Amical Cabral Para refletirmos acerca das percepgdes teéricas de Amilcar Cabral, principalmente no que tange 0 lugar da cultura na sociedade e a forma que podemos entender a emancipagdo de ‘um povo, precisamos compreender primeiro 0 modo que ele compreendia as relagdes, historicamente postas entre a Africa € o continente europeu. De modo mais especifico, e mais diretamente atrelado & propria experiéncia de Cabral, precisamos entender como se constituiam as relagdes entre Portugal e Guiné Bissau e Cabo Verde. Em sua obra “A arma da teoria”, Cabral nos deixa claro a sua percepeo acerca do que cra 0 colonialismo, questionando a postura colonialista de Portugal no territério afticano, conforme podemos ver no trecho abaixo: Perguntar-nos-io se o colonialismo portugués ni teve uma ago positiva na Afica ‘A justiga & sempre relativa, Para os afticanos, que durante cinco séculos se ‘opuseram & dominagao colonial portuguesa, 0 colonialismo portugués ¢ o infemo; € ‘onde reina 0 mal, nfo ha lugar para o bem” No trecho acima, Amilcar Cabral nos aponta que a concepeao de que 0 colonialismo supostamente poderia trazer algumn beneficio ao continente afticano no possui qualquer base para os povos africanos. Tal concepgdio de que existiria um lado positivo no colonialismo, comum a temporalidade de Cabral, entendia que o papel da Europa na Aftica era de desenvolver € até ci izar 0 continente e que os abusos cometidos pelos europeus seriam Poucos perto dos beneficios que o colonialismo traria, Amilear Cabral se mostra categoricamente contra tal postura, ja que “para os afticanos [...] 0 colonialismo portugués é 712 0 inferno”, j& que “o colonialismo portugués explorou o nosso povo da maneira mais bérbara e mais criminosa” * A dureza de seus termos encontra base s6lida na coneretude da barbaric imposta pelo colonialismo portugués. A falta de liberdade nao s6 frente ao presente, mas também ao futuro © 0 passado, assim como a inexisténcia de igualdade frente ao colonizador portugués — 0 que fazia 0 africano ser entendida como um cidadio de segunda categoria — faz coro aos termos de Cabral, € demonstram um cotidiano infernal submetido & uma dominagio violenta ¢ impositiva. Porém, mesmo com a falta de igualdade entre portugueses ¢ afficanos, Cabral no considerava os europeus como inimigos (ao contrério de Frantz Fanon’), jé que realizava uma cisdo entre 0s portugueses € 0 Estado portugués, conforme podemos observar no trecho abaixo: ‘Mas nés nunca confundimos o "colonialismo portugués" com 0 “povo de Portugal", temos feito tudo, na medida das nossas possibilidades, para preservar, apesar dos crimes cometidos pelos colonialisias portugueses, as possibilidades de uma coopersedo eficaz com © povo de Portugal, numa base de independéncia, de ‘gualdade de direitos e de reciprocidade de vantagens seja para o progresso da nossa terre, scja para 0 progresso do povo portugués. [..] O pov portugués esti submetido hi cerca de meio século a um regime que, pelas suas caractersticas, nio pode ser deixado de ser chemado fascista, [..] A nossa Iuia é contra 0 colonialismo portugues. Nés somos povos alricanos, ou um povo afticano, lutando contra 0 colonialismo portugués, contra a dominagdo colonial portuguesa, mas nao deixamos de vera ligagdo que existe entre a luta antifascistae a luta anticolonialista.”” © trecho citado nos indica que para Amilcar Cabral existe uma aproximagao entre 0 povo portugués eo povo afficano, jé que ambos Iutam contra formas de dominagdes perversas que flertam com a barbétie, pois enquanto os povos africanos lutam contra o colonialismo, 0 Povo portugués futa contra o fascismo de Salazar, por isso, existe uma uta entre 0 antifascismo e 0 anticolonialismo. Em termos mais diretos, o antifascismo em Portugal colaborava com a luta anticolonial das colénias portuguesas, jé que o enfraquecimento do Estado portugués cra necessariamente o enfraquecimento do poder colonial ultramar — niio é por menos que a Revoluso dos Cravos foi um fator importante para dar fim a0 colonialismo portugués, Para Cabral, as colaboragées entre portugueses e africanos poderiam ser muito produtiva para ambos, caso se fundassem “numa base de independéncia, de igualdade de direitos e de reciprocidade de vantagens”. Desta forma, a luta nfo é contra os portugueses, ou ns uma necessidade imperativa de romper ligacdes com Portugal e 0 povo portugués, 0 que & cvidente nas proprias palavras de Cabral: "Como sabe, nés temos uma longa caminhada juntamente com © poyo portugues. [Nao foi decidido por nés, ndo foi decidido pelo povo porugués, foi decidido pelas ircunstincias histéricas do tempo da Europa das Descobertas ¢ pela classe de ‘antanho, como sc diz cm portugués antigo, mas & verdade, & isso! Hi essa realidade ‘concreta! Eu estou aqui falando portugués, como qualquer outro portuguts, ¢ infelizmente melhor do que centenas de milhares de portugueses que 0 Estado portugués tem deixado na ignorincia e na miséria, (..) Nos _marchamos juntos e, além disso, no nosso povo, seja em Cabo Verde soja na Guiné, existe toda ‘uma igagfo de sangue, mio s6 de histéria, mas também de sangue, © fundamentalmente de cultura, como © povo de Portugal. [...] Essa nossa cultura também esté influcnciada pela cultura portuguesa e nés estamos prontos a aceitar todo o aspecto positive da cultura dos outros." No trecho acima, podemos obseryar que Amilcar Cabral realiza uma aproximagao entre os africanos e os portugueses, colocando-os como dois poyos que esto intimamente. interligados dado uma série de circunstancias histéricas. As proximidades entre tais povos se do em miltiplos niveis, conforme Cabral quer salientar, sendo um dos pontos destacados ‘questiio Linguistica, ou seja, a fala da lingua portuguesa, A adogao de uma lingua nacional para os paises afticanos foi por diversas vezes dobatida, ja que a timica lingua que acabou sc tornando comum em algumas territorialidades africanas foi a lingua do colonizador, ou seja, uma lingua de matriz estrangeira. Isto fez com que alguns estudiosos ¢ nacionalistas africanos buscassem negar essa influéncia europeia ¢ procurar outra lingua nacional de matriz afficana, porém, em muitos casos, diversas linguas cram faladas no territério afticano, tomando necesséria a adogdo da lingua do colonizador como uma lingua nacional. Para Cabral, essa questo da influéncia linguistica estrangeira do portugués pode e deve ser um fator de unio nao apenas nacional, mas também transnacional, evando & unido do povo portugués com os guineenses e cabo verdianos, assim como com os povos que falam portugues, ja que seu int é pensar a humanidade sempre de uma maneira mais ampla. Para Cabral, nfo s6 a lingua, mas também toda a cultura deve ser pensada enquanto uum meio de trocas e aproximagdes dos povos, em que os “aspectos positivos” das diferentes culturas devem influenciar umas 4s outros de modo a colaborar positivamente com toda a humanidade, 74 Essa integragdo entre povos se constituiria principalmente na unidade existe de problemas sociais causados pelos setores dominantes das sociedades e 0 modo que este conduz o Estado. Amical Cabral entende que questdes como a falta de acesso a educagio (que resulta na ignorancia do povo), ou a miséria, so problemas recorrentes tanto na Africa como ‘na Europa, que devem ser igualmente combatidos. Neste sentido, ums luta emaneipatdria se tomaria nfo sé uma luta dos povos do continente africano, mas também de toda a humanidade. E neste cendrio que Amilcar Cabral deslumbra a emancipagdo do pove de Guiné Bissau ¢ Cabo Verde, ou seja, uma emancipagdio que caminhe junto com toda a Africa e com © restante do mundo. Uma emancipagao em que todos os povos seriam independentes ¢ teriam respeitado, nas palavras de Amilear Cabral, direito de ser gente, nds mesmos, de sermos homens, parte da humanidade, (..), num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da Historia” !? ' Doutor em Histéria social pela PUC-SP com a tese: “Etnicidade © Luta de classes na Africa contemporiinea: Africa do sul (1948 ~ 1994) ¢ Ruanda (19959 ~ 1994)” © Professor Adjunto do colegiado de Histéria da Universidade Estadual do Oeste do Parand (Unioeste). Email para contato: daniloffonseca@gmail.com 2 VILLEN, Patricia. 4 eritica de Amilear Cabral ao colonialismo: Entre a harmonia e a contradieao. Sa0 Paulo: Expresso Popular, 2013. > Agostinho Neto foi presidente do Movimento Popular pela Libertago de Angola (MPLA) e primeiro presidente de Angola entre 1973 — 1979). Mario Coelho Pinto de Andrade foi fundador e primeiro presidente do MPLA. * Leopold Senghor foi um fundamental ativista politico senegalés, sendo o primeiro presidente de Senegal ¢ um dos formuladores do movimento da Negritude junto de Aimé Césaire. A percepoio da Negritude formulado por tais intelectuais visava principalmente a valorizagdo da cultura negra na Africa. SVARELA, Bartolomeu. "A Educago, 0 Conhecimento e Cultura na Prixis de Libertagao Nacional de Amilear Cabral." (2011). © VILLEN, Patricia. A eritica de Amilear Cabral ao colonialismo: Entre a harmonia e a contradigéo. Sao Paulo: Expresso Popular, 2013. 7 CABRAL, Amilear. A arma de teoria, Vol. 1. Seara Nova, 1976. “Trecho de entrevista concedida por Amilear Cabral & Revista Anticolonialismo no dia 27 de outubro dc 1971, "Dentro das reflexes de Frantz Fanon existia uma percepglio de que 0 colonizador e o homem nativo colonizado eram figuras incongruentes, que nfo poderiam viver juntos ¢ nao existiria uma forma de atingir um meio termo para a concifiagdo entre ambos. Desta forma, um provesso de descolonizayiio do continente afticano deveria passar necessariamente pela completa expulsto do europeu do territério afticano, 715 © CABRAL, Amilcar. Gi 1974 "Trecho de entrevista concedida por Amilcar Cabral a Revista Anticolonialismo no dia 27 de outubro de 1971 - " Trecho de entrevista concedida por Amilcar Cabral & Revista Anticolonialismo no dia 27 de outubro de 1971 issau, nacdo africana forjada na luta. Lisboa: Editora Nova Aurora, 716

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