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Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti

Cadernos de Estudo 14

Literatura Infantil: Raízes e Definições

Olga Maia Fontes


EB1 de Gondivai

Resumo
A preocupação da constante actualização quanto às melhores estratégias pedagógicas, leva-nos a analisar vectores
ligados a um nível etário mais avançado, mas, principalmente, a um outro mais precoce. O conceito de Literatura
Infantil surge, desde há muito, rodeado por um debate, no qual teóricos e críticos literários tentam chegar a um
consenso, sem, contudo, alcançarem um acordo universalmente aceite.
Este artigo pretende enunciar as várias concepções de Literatura (nomeadamente a Infantil) e fazer uma breve
abordagem das suas origens históricas.

Palavras-Chave
Literatura, Literatura Infantil, Literatura Juvenil.

Abstract
The constant concern to keep informed about the best teaching strategies leads us to the examine features related
to the later ages but mainly the ones regarding the early ages. Defining Children’s Literature has proven to be a
difficult and lasting task. Several literary critics and experts have tried to achieve a commonly accepted
agreement, even though it has been proven to be quite a hard challenge.
This article has the main purposes of pointing out several definitions of Literature (including Children’s
Literature) and briefly referring to its historical origins.

Keywords: Literature, Children’s Literature, Juvenile Literature.

A génese da Literatura infantil


Pretende-se aqui glosar certos aspectos ligados ao estudo da chamada Literatura Infantil, particularmente os que
respeitam às suas raízes, bem como às suas possíveis ligações com especificidades típicas da cultura tradicional
oral e popular.
Durante a Idade Média, segundo Rocha (1984), a escola assumiu uma dimensão muito distinta. Nessa altura, a
escola era uma instituição precária, desorganizada, demasiado subjectiva e instável, vulnerável à transmissão de
crendices, superstições e ideias fantasistas variadas. Muito diferente, portanto, da racionalidade e objectividade
que, normalmente, pretendemos ver reflectidas nas práticas diárias académicas actuais. Além das escolas
eclesiásticas medievais, estabelecidas inicialmente com o desígnio de formar clérigos, existiam somente certos
cursos inconsistentes, assegurados por professores e mestres-escola, livres de determinar os seus próprios
curricula arbitrariamente. Nesta época, poucas eram as crianças que iam à escola e as que iam também não
permaneciam aí por muito tempo.
Participando na totalidade da vida comunitária e social, das rotinas, jogos, brincadeiras e festas, aparentemente,
não havia, neste período histórico, assuntos com que uma criança não pudesse contactar. Os temas da vida adulta,
a luta pela sobrevivência, com todas as suas alegrias e preocupações, a sexualidade, a morte, a transgressão das
regras sociais, o imaginário, as convicções, as comemorações, as indignações e perplexidades mais diversificadas
eram testemunhadas, em primeira mão, por toda sociedade, independentemente da faixa etária de cada elemento.
Na realidade, qualquer criança com mais de sete anos, por mais cândida e delicada que parecesse, ocupava já o
papel de um adulto em ponto pequeno, possuindo o direito inalienável de manifestar uma identidade própria,
tanto no quotidiano familiar como no social.
O espírito popular medieval festivo, ligado a actos públicos, enfatizava o colectivo. Todavia, era,
concomitantemente, marcado pelo fatalismo, pela crença no assombroso, em poderes sobre-humanos, em pactos
com o diabo e em personificações bizarras de todo tipo, dominadas por um teocentrismo absoluto e omnipresente.
Nesse mundo, onde incontestavelmente reinavam a superstição e o maravilhoso, era perfeitamente comum
acreditar em fadas, gigantes, anões, bruxas, elfos, duendes, dragões, castelos encantados, poções, tesouros, fontes
da juventude, países quiméricos e inebriantes. Crianças e adultos sentavam-se, lado a lado, nas praças públicas,
durante as festividades ou à noite, depois do trabalho diário, para, ansiosamente, escutarem os contadores de
histórias e os bardos. Portanto, deve-se ser particularmente cuidadoso ao falar em “contos maravilhosos” ou
“histórias de encantar”, quando nos referimos às narrativas populares medievais, pois facilmente se poderá cair

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num grande erro, já que, nesta época histórica, a linha de separação entre o real e o imaginário era muito ténue ou
quase inexistente. Mesmo hoje essa distinção continua a ser um assunto polémico.
Por outro lado, segundo uma linha de pensamento diversa, vários estudiosos dos fenómenos literários têm
preconizado que apenas se pode falar verdadeiramente em Literatura Infantil a partir do século XVII, dado ter
sido precisamente nessa época que se procedeu a uma profunda reforma pedagógica, em simultâneo com o
alicerçamento e a implementação do sistema educacional burguês. Antes disso, as crianças, encaradas ainda como
adultos em miniatura, participavam, desde a mais tenra idade, em todas as esferas da vida adulta e, por isso
mesmo, não havia livros ou histórias especificamente dirigidos a elas. Por este prisma, as origens da Literatura
Infantil estariam, pois, nas obras especialmente vocacionadas para crianças, publicadas a partir dessa altura,
possuidoras de uma componente pedagógica fortemente dirigida e instrumentalizada, que lhes permitiu,
inclusive, passarem a ser aproveitadas como ferramentas de apoio ao ensino. Assim sendo, o conceito de “escola”
incluía a ideia de que essa instituição actuaria como elo privilegiado da transmissão dos valores vigentes e, assim,
correntes de pensamento como o Didactismo e o Conservadorismo passam a assumir um papel de organizacional
na Literatura Infantil (ou para crianças).
Para vários outros especialistas, a verdadeira “idade de ouro” da Literatura Infantil, porém, terá ocorrido ao longo
da segunda metade do século XIX, quando surgiu uma clara influência da Literatura Tradicional na produção
literária. A criança torna-se, a partir de então, objecto de estudo e investigação, em vários domínios do
conhecimento humano, como a psicologia e a pedagogia entre outras ciências. Por outro lado, a sua figura acaba
por entrar definitivamente na literatura, desempenhando estereótipos indeléveis como é o anjo louro vindo de
longe (Victor Hugo) ou a vítima social, cândida e indefesa (Charles Dickens). A criança passa a assumir uma
primazia incontornável, no papel de personagem essencial da Literatura para a Infância e Juventude, tipologia
literária especializada tão diferente dos textos destinados aos adultos. Segundo Traça (1992), esta época de “pleno
fervor dos estudos folclóricos” propiciou uma explosão literária de fixação e valorização das histórias tradicionais
ancestrais, só que, então, esses textos aparecem vocacionados para servir os gostos infantis. Em Portugal, ainda de
acordo com a autora atrás referida, esse tipo de textos, dada a relação privilegiada dos “adultos-autores” com as
“crianças-ouvintes”, afigura-se “aos pioneiros da literatura infantil portuguesa como o primeiro, o mais natural
dos alimentos espirituais que podiam ministrar-se à infância.”.
Por outro lado, será a partir desta época que se assiste à democratização do ensino e à implementação da
escolaridade obrigatória, o que introduzirá a posteriori grandes transformações qualitativas e quantitativas,
decorrentes da massificação necessária de todo esse processo. Efectivamente, ao afectar a generalidade da
população, potenciar- -se-á um florescimento exponencial de eventuais consumidores, anteriormente
inexistentes, ao mesmo tempo que se tem de considerar devidamente as expectativas e os interesses do público
infantil e juvenil contemporâneo. Também a produção editorial em série, possível graças aos grandes avanços
tecnológicos industriais, veio possibilitar uma redução expressiva do preço dos livros o que, previsivelmente,
ajudou a aumentar o público infantil. Explodiu o número de edições destinadas à infância e à juventude e a este
desenvolvimento quantitativo da produção, correspondeu, ainda, uma pluralidade de temas, estilos, traduções,
adaptações e géneros tratados.
É, apesar de tudo, indiscutível que a alusão a “contos maravilhosos”, no presente, nos remete para o mundo das
crianças quase automaticamente. São, aliás, múltiplas as designações existentes a propósito deste tipo de
Literatura: histórias de encantar, contos de fadas, fábulas, lendas ou simplesmente contos populares. A
extraordinária influência deste tipo de narrativas espraia-se em inúmeras obras, mais ou menos famosas/
clássicas, da Literatura Infantil. São inumeráveis os autores de livros para crianças (e outros), que, recorrem a
aspectos temáticos e formais específicos dos contos populares, servindo-se deles como referências básicas para o
aperfeiçoamento do seu próprio trabalho de criação literária. Um desses exemplos será o conto “História da Gata
Borralheira” da autoria de Sophia de Mello Breyner Andresen, integrado na sua obra “Histórias da Terra e do
Mar”, actualmente inserido no rol de leituras integrais aconselhado pelo Ministério da Educação no Programa de
Língua Portuguesa para o oitavo ano de escolaridade.
O universo dos contos populares pode, de algum modo, dividir uma certa área integrada no universo infantil, mas
a Literatura para Crianças terá, possivelmente, ainda outras raízes, o que vem colocar novas questões, no que se
refere à origem desta tipologia textual particular. Com efeito, os contos sobreviveram, ao longo dos séculos,
através da transmissão, quase que exclusivamente, oral, feita por contadores de histórias, jograis e bardos, num
tempo em que a vida comunitária e colectiva era intensa, por oposição à esfera da vida privada actual, onde
predominam sobretudo os interesses individuais. Ora, se o conto é uma típica expressão da cultura popular e se,
com o passar do tempo, houve – ou talvez sempre tenha havido – uma aproximação entre conto popular e a
infância, é importante aprofundar quais são as características específicas que esses textos, afinal, possuem. Mais,
dever-se-á verificar dentre essas quais as que, eventualmente, podem ter permanecido vivas na Literatura para
Crianças presentemente disponível.
Se considerarmos a origem da Literatura Infantil como uma das consequências do surgimento da escola burguesa
e, por conseguinte, dos livros didácticos, poderemos encontrar uma ligação sui generis que a aproxima de um
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determinado tipo de criação literária, especialmente vocacionada para um público-alvo infantil. Se, inversamente,
partirmos do pressuposto de que a Literatura Infantil se encontra, essencialmente, ligada, no conteúdo e/ou na
forma, a manifestações da tradição popular (oral), acederemos, então, a uma outra dimensão literária,
substancialmente mais extensa, intrincada e, evidentemente, mais sensível. Bettelheim (1991) sintetiza essa ideia
ao afirmar que “...Os contos de fadas enriquecem a vida da criança e dão-lhes umas dimensões encantadas,
exactamente porque ela não sabe absolutamente como as estórias puseram a funcionar seu encantamento sobre
ela.”
Ao examinar mais detalhadamente o que significa a expressão “para crianças”, aparecem termos habituais, como
“infantil” e “juvenil”, que, em determinadas condições, podem parecer bastante apropriados, porém, devemos
convir que podem ser também relativamente ambíguos e vagos. “Infantil” indica crianças, mas que crianças? De
que idade? Alfabetizadas? Trata-se alguém com seis anos da mesma forma que tratamos uma de onze? Um livro
para uma criança de sete anos atrairia uma de nove? A questão adensa-se quando se pensa que, para alguns,
pessoas de onze anos já encaixam na categoria de adolescentes, e, portanto, são caracterizáveis como “juvenis”.
Mas o que é ser “juvenil”? Jovens de onze ou de catorze anos? Deve-se tratar um jovem de onze anos da mesma
forma que um de catorze ou de quinze? Quais são as afinidades e as divergências entre um jovem de doze anos e
uma criança de sete? Serão duas pessoas de doze anos iguais? Estas distinções são, de facto, relevantes?
Reflectindo sobre a Literatura (no seu sentido mais lato), a motivação (e a fruição) estética (s), o discurso
ficcional, poético e não utilitário, fará sentido falar em livros dirigidos a determinadas faixas etárias? Será válido
dividir a realidade humana complexa, tantas vezes a matéria--prima artística primordial, em grupos etários
intangíveis? Será possível tratar a infância como um acervo humano homogéneo, no que se refere a práticas
existenciais ou só para estabelecer graus de escolaridade?
Certos autores consideram que, no caso dos livros escolares, a divisão dos assuntos por faixas etárias é um
procedimento bastante sensato, dado abarcar determinado conteúdo, claramente definido, organizado num grau
de dificuldade crescente, dividido por anos lectivos, de modo a poder ser transmitido objectivamente a indivíduos
com características mais ou menos similares, a nível físico como cognitivo. Contudo, convém não esquecer que a
perspectiva social moderna, relativamente ao que é ser uma criança no mundo dos nossos dias, assenta, quase
instintivamente, no contexto histórico, social e cultural de cada um de nós. Em certas classes sociais, estamos
habituados a conviver com uma infância desgarrada da vida adulta, do mundo do trabalho, da sexualidade, da
política. Essa criança frequenta, por norma, um universo delimitado por assuntos escolares, gíria estudantil e
juvenil, onde certas brincadeiras e assuntos se fundem espontaneamente. Pode-se até encontrar jovens adultos,
com mais de dezanove ou vinte anos de idade, sem a mínima noção do que é o mundo real do trabalho ou o
exercício livre e responsável da sua cidadania. Mas, paradoxalmente, num outro extremo social, se examinarmos a
vida de uma criança pobre, habitante de um bairro de lata por exemplo, encontraremos situações idênticas às de
outras épocas, quando existiram tantas outras crianças, tratadas de muitas outras formas, ocupando espaços
definidos dentro da família e da sociedade, e que, pelo menos teoricamente, estiveram em sintonia, séculos a fio,
com as mesmas inquietudes dos adultos que as rodeavam.
Voltamos, por isso, à questão, apenas aparentemente inocente: o que são as crianças? O que são os adultos? Se, de
facto, óbvia e indiscutivelmente, existem diferenças entre adultos e crianças, separá-los em dois mundos distintos,
de contornos nitidamente delineados, parece-nos uma concepção insuficiente e redutora, bastante afastada da
versatilidade do nosso mundo. Importa, pois, reflectir seriamente sobre duas ideias essenciais:
- A concepção de dois universos intuitivos e puros, demarcando crianças e adultos, conduzirá, inevitavelmente, a
um determinado tipo de Literatura Infantil;
- Considerando que adultos e crianças partilham, no geral, um mesmo cosmos, teremos, certamente, um outro
tipo, muito particular, de Literatura Infantil.
Segundo Cezaretti (1989), há um ponto comum entre os contos populares tradicionais e a actual Literatura
Infantil. Com efeito, estes contos sobreviveram ao longo dos séculos, transmitidos, de geração em geração, por
menestréis e contadores de histórias, que, invariavelmente, se socorriam de uma linguagem sucinta,
marcadamente oral, repleta de chavões, provérbios e expressões populares, de frases feitas e curtas, onde
imperava um vocabulário corriqueiro e inteligível, tendo em vista que a meta era comunicar prontamente com
uma plateia atenta e ávida de contacto com outras realidades. Ora, na maioria das obras actuais, dirigidas a um
público-alvo infantil, também os textos são breves, denotando frequentemente marcas acentuadas de oralidade.
Exibem um vocabulário de cariz familiar e possuem uma acção construída com a intenção evidente de entrar em
contacto directo e imediato com o leitor a quem se destinam. Exemplos deste tipo de raciocínio são obras como
“Diário cruzado de João e Joana” de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, “Lote 12, 2º Frente” de Alice Vieira ou
“Lendas de Mouras Encantadas” de Maria José Meireles.
Este é um tema demasiadamente vasto, e, por isso, o que atrás foi referido não pretendeu nunca ser visto como
conclusivo, mas apresentar um breve inventário respeitante a esta questão, elencando os seguintes pontos
essenciais:
• Uma literatura infantil utilitária, ligada à sala de aula e a objectivos académicos;
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• Uma literatura infantil literária e não-utilitária, ligada à ficção, à poesia, às intenção e fruição estéticas,
bem como à meditação existencial;
• A oposição entre a existência de um “universo infantil” e um outro, paralelo, compartilhado por crianças e
adultos;
• A identificação das raízes da literatura infantil, com o surgimento da escola burguesa, em oposição aos
contos maravilhosos pré-existentes e, portanto, à literatura tradicional (oral).

A Literatura Infantil
O conceito de Literatura Infantil é bastante discutido entre os estudiosos deste domínio. Há os que defendem que
é o objecto escolhido pelo seu próprio leitor, outros dizem que é o objecto de formação de um agente
transformador da sociedade e, por fim, há aqueles que questionam o facto de existir uma Literatura Infantil e/ou
de esta ser entendida como menor. Este é, pois, um assunto delicado, pelo que compararemos diversos pareceres,
a fim de melhor alcançarmos a problemática em causa, para, a partir daí sermos capazes de formular o nosso
próprio conceito de literatura.
O conceito “Literatura” não é de aceitação pacífica, quando se fala em obras destinadas à infância, quer se defina
literatura como um “corpus” (estático) de obras de um país ou de uma época, quer se lhe atribua a definição de
“corpus” dinâmico de obras que provocam a mediação dos mecanismos de leitura produtiva/reflexiva. No entanto,
delimitações polémicas à parte, o certo é que a literatura Infantil existe enquanto tal, mais ou menos
assumidamente, desde há séculos, abarcando diversificados mitos, narrativas e poesias, cujo destinatário
privilegiado passou abertamente a ser a própria criança.
Segundo Veloso (1994), até à década de 70 do século passado, esta literatura, foi frequentemente enjeitada, vista
como um subproduto literário menor, estando o problema no enfoque dado à ideia de infância. Todavia, este
autor considera que a própria noção inerente à Literatura Infantil de que ela se destina a crianças a particulariza
indubitavelmente, tanto no que se refere à sua forma, como no que respeita ao seu conteúdo, pois é um:
“texto de extensão mais reduzida, certa abundância de diálogos, protagonista frequentemente jovem, um
certo optimismo implícito, linguagem de acordo com a competência linguística da criança, simplicidade
diegética, o fantástico e a magia como componentes significativas, o respeito por determinadas
convenções, tais como fórmulas relativas ao tempo (Era uma vez…, No tempo em que os animais
falavam…) e ao espaço (Num país muito longínquo)”.
Aguiar e Silva (1982), por seu lado, recorda que se deve tentar encontrar o conceito básico de Literatura “no
receptor de um conjunto de obras que ganham feição especial, quer pela temática, quer pela intenção.”. Ora, isso
permite pensar que uma obra literária, especificamente destinada a crianças, é, efectivamente, possível, se o
encararmos como uma derivação singular de determinada “textura semiótica e do facto de se dirigir a um peculiar
sujeito cognoscente.”. Estas ideias acabam por vir de encontro ao que defendem autores como Rocha (1984) que
vêem a Literatura Infantil na qualidade de uma produção de adultos destinada a ser “consumida” por crianças.
Segundo Parafita (2002), um texto de Literatura Infantil, antes de efectivamente o ser, tem de se afirmar como
Literatura, assumindo-se como uma obra de arte, objecto, portanto, de uma relação interpretativa particular.
Depois, conseguirá, então, confirmar junto da criança os seus propósitos fundamentais, a saber:
• Aquisição e potenciação de esquemas mentais;
• Aquisição e cultivo da linguagem;
• Aquisição e implementação de experiências estéticas e éticas.

Outras correntes de estudiosos propõem, devido à complexidade do tema, as noções de Literatura para Crianças,
Literatura Infanto-Juvenil ou Literatura para a Infância. Aqui continuar-se-á, no entanto, a utilizar a expressão
Literatura Infantil por esta noção, apoiada pela tradição, conter intrinsecamente a ideia de que há um tipo de
textos realmente passível de ser considerado como literatura para crianças.
Pensamos que a designação Literatura Juvenil suscita inúmeras questões e, dentro do conceito de Literatura para
Crianças e Jovens, diversos autores têm analisado este tema. As suas orientações divergem, sobretudo, quanto à
dimensão concedida ao termo. Vejamos algumas delas:
• Segundo Veloso (1994),
“podemos determinar duas posições relativamente ao problema: uma que considera ser necessária uma literatura
que assegure a passagem do livro com abundantes ilustrações para a literatura consagrada, a fim de garantir uma
evolução equilibrada, sem roturas; outra que negaria a existência de uma literatura dita juvenil, dada a
disparidade dos adolescentes face à literatura – para cada categoria de adolescentes, a sua literatura. (…) Daí que
considere que a idade limite – se é que podemos chamar limite a uma fronteira tão fluida – para a Literatura
Infantil sejam os 14/15 anos…”.
• Marc Soriano (1975) diz
“A literatura para a juventude é uma comunicação histórica (quer dizer, localizada no tempo e no espaço) entre
um locutor ou um escritor adulto (emissor) e um destinatário criança (receptor) que, por definição, de algum
modo, no decurso do período considerado, não dispõe senão de forma parcial da experiência do real e das
estruturas linguísticas, intelectuais, afectivas e outros que caracterizam a idade adulta.”
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• Henriette Bichonnier (1999), citada por Glória Bastos, reflecte sobre estas questões ao afirmar:
“O termo genérico «literatura para crianças» recobre duas realidades contraditórias: o mundo da literatura e o das
crianças. Por literatura, entende-se geralmente escrita livre inspirada, uma estratégia pessoal de autor, não tendo
a preocupação de agradar a ninguém em particular. É o mundo da literatura. É suposto um autor seguir o seu
propósito sem se deixar desviar por um qualquer compromisso. Quando escrevemos para crianças, a estratégia é
forçosamente muito diferente, uma vez que nos dirigimos a um público preciso, relativamente conhecido e cujo
limite de idade costuma situar-se por volta dos 12 anos. Acrescentar «para crianças» à palavra literatura acaba, de
certa maneira, por evocar um outro género literário, uma outra forma de escrita, adapta a um público.”
• Cervera (1992), por seu lado, reflecte sobre o facto de a expressão «Literatura Infantil» juntar de dois
termos dúbios, o que levará a uma verdade também ela obscura. Este autor sugere que na Literatura
Infantil se integre “Toda a produção que tenha como veículo a palavra com um toque artístico ou criativo e
como destinatário a criança.”.

Literatura Infantil na aprendizagem de uma Língua Estrangeira (Segunda)


“Era uma vez…”. Esta é uma expressão mágica, passaporte para mundos onde tudo é possível por se lhes não
poder aplicar as rotineiras leis do quotidiano. Por outro lado, conserva inerente a possibilidade de conduzir a
criança, qualquer que seja a sua faixa etária, até um enquadramento fantasioso tão familiar quanto agradável e
que, por isso mesmo, será sempre encarado como seguro, reconfortante. Qualquer criança sente uma necessidade
natural e constante de contactar com histórias. Daí que as crianças, normalmente, se mostrem bastante receptivas
a ouvir e a ler o que lhes é proposto.
Mesmo tratando-se do contexto de aprendizagem de uma língua estrangeira, a história conserva um poder
arrebatador sobre o espírito da criança, pois franqueia a entrada num cosmos diversificado, feito de sons e
organizações semântico-estruturais, onde frases, expressões, construções e realidades diferenciadas se vão
fundindo progressivamente. Maley (2009) refere- -se a este processo dizendo que as histórias,
independentemente de serem narradas em língua materna ou em língua segunda, possuem “um apelo com um
arquétipo universal“. Para ele, existe “uma gramática de histórias, que as crianças conseguem seguir, mesmo que
não entendam todos os vocábulos da narrativa”.
Recorrer, neste âmbito, a actividades de “storytelling” representa, pois, uma oportunidade de aprendizagem
adicional para qualquer criança. Na verdade, ao relacionar as histórias narradas numa Língua Estrangeira com as
suas experiências individuais e mais ainda com as suas capacidades imaginativas, a criança atinge, mesmo se
inconscientemente, uma auto-motivação acrescida. Tudo está ao seu alcance, porque sentirá uma enorme vontade
de se envolver em tarefas complementares e exploratórias, como por exemplo as de carácter audiovisual e/ou
dramático. Afinal, a história representará aqui mais um patamar de satisfação pessoal, de mobilização de saberes
diversos, condutores a um extravasamento cultural, cujo chamamento se torna demasiado sedutor para o espírito
infantil lhe poder (ou querer) resistir. O erro não é o preponderante, portanto a liberdade e o à-vontade são mais-
valias. Se bem escolhida a história, a criança ligar-se-á a ela de imediato e, curiosamente, poderá até dar-se o caso
de apreciar uma narrativa que acharia demasiado elementar caso esta não lhe estivesse a ser narrada numa língua
estrangeira. As histórias são particularmente relevantes no processo de compreensão e sensibilização aos sons e
segmentos semânticos do mundo físico e social envolvente e imediatamente relevante no contexto da
aprendizagem de uma língua estrangeira. Pais e educadores têm, actualmente, ao seu dispor, variadíssimos livros
de histórias, como por exemplo livros com “pop-out” e/ou ”pop-up”, obras com ilustrações apenas, com
ilustrações e texto, conjuntos de cartões, que, depois de adequadamente agrupados, formarão uma história...
Porém, tal como afirma Marques (2005), corroborando ideias anteriormente aqui apresentadas, “qualquer deste
género de livros é aconselhável, se a escolha corresponder ao gosto da criança.”.
Pode-se lançar mão da narração de histórias e estabelecer todo um processo de consciencialização, análise e
expressão das competências de cada criança. Uma história acostuma a criança ao contacto com diversas
construções linguísticas e subsequentemente com o seu uso. Também impulsiona a progressiva criação de um
“armazém de recursos linguísticos” ao qual a criança recorrerá, assim que sentir necessidade, sem ter que se
esforçar muito para isso, porquanto o processo de assimilação já terá acontecido, muito naturalmente, no decurso
de actividades de “storytelling”. De facto, qualquer história apresenta a linguagem em contexto, repetindo
necessariamente estruturas essenciais à compreensão, que, por conseguinte, serão interiorizadas pela criança
aprendente. São uma verdadeira “fábrica de significados" (Wright, 2009). O recurso à narração de histórias
presta-se, então, muito facilmente a actividades de carácter transdisciplinar bastante diversificadas. A este
propósito, Wright (2009), afirma
“Through stories and related activities, children can develop their understanding of the world around
them and their own ability to explore that world by hypothetizing, comparing, grouping, sequencing”.
Certos documentos institucionais mais recentes vieram dar corpo a este tipo de raciocínio. Um deles é o
“Programa de Generalização do Ensino do Inglês no 1º Ciclo do Ensino Básico”. Nas orientações programáticas e
metodológicas preconizadas por este texto, aparece claramente reconhecida e validada a importância da utilização
de actividades de “storytelling”, afirmando-se que, com este recurso, “as crianças são motivadas para ouvir, ouvir
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com um fim e descobrir significados. Desta forma são motivadas a ouvir mais e a perceber mais.”. Evidencia-se
também que “Recorrer a livros de histórias para a leitura, reconto e dramatização nas aulas de língua estrangeira é
uma metodologia aceite e muito motivadora de uma aprendizagem afectiva e eficaz.”. Assim, no seguimento dos
princípios atrás referidos, este documento remete para diversas tipologias de obras, que poderão ser utilizadas:
“histórias tradicionais adaptadas, histórias escritas especificamente para o ensino do Inglês e até mesmo literatura
infantil autêntica (realbooks).”
As actividades de “storytelling” representam oportunidades privilegiadas e efectivas de construir eficazmente a
fluência de cada criança, ao nível das quatro aptidões/“skills” na língua estrangeira que está a aprender,
porquanto ouvir e ler histórias confere-lhe a prática de que necessita, de forma muito espontânea, incentivando-a
a experimentar a aventura de se exprimir e comunicar eficientemente na língua estrangeira que está a aprender.
Qualquer criança, na sua língua materna, é uma verdadeira especialista em perceber que não pode entender tudo,
mas que se deve exercitar, para dominar o melhor possível a arte de procurar, prever e adivinhar significações,
nomeadamente através do método tentativa-erro. Transpondo este mesmo comportamento para a aprendizagem
de uma língua segunda, pode-se, então, conjecturar que talvez este seja o meio mais óbvio, da perspectiva de
muitas crianças pelo menos, para se conseguir aprender uma língua estrangeira.

Conclusão
Ao longo dos séculos diversas ideias foram surgindo no que respeita à literatura infantil, à sua génese, estrutura e
evolução. Houve épocas, dominadas pela crença no fantástico, escape a uma realidade tantas vezes brutal e
terrível, em que se pensava que uma criança era somente um adulto em ponto pequeno, dada a partilha total de
interesses e expectativas com os adultos. Portanto não existia a necessidade de uma literatura infantil.
Mais tarde, contudo, passou a considerar-se que se deveria escrever, de forma eminentemente dirigida, a um
público de determinada faixa etária, ainda em processo de escolarização, cujo âmbito, com o decurso dos séculos
se foi alargando e massificando. Surgem, por um lado, noções de conservadorismo e didactismo, por outro,
inversamente, de escrever como se as crianças vivessem num redondel. Com isso se menoriza esse tipo de
literatura até uma fase mais contemporânea em que o estudo da literatura infantil e juvenil nos fornece uma visão
menos utilitarista e utópica.
Na época contemporânea, mercê, também, de avanços tecnológicos e sociais sem precedentes, da democratização
do ensino, do alargamento da escolaridade, bem como da sua obrigatoriedade, passamos a assistir a outras
necessidades, no que respeita ao contacto com tipologias textuais diversas, apresentadas em suportes
diversificados. Ensinar uma língua segunda é actualmente considerado essencial, nomeadamente a língua franca
em que se tornou o Inglês. Isso vem trazer novos desafios: é possível (e desejável) integrar a literatura infantil em
todos estes contextos pedagógicos tão multifacetados. As histórias continuam a definir-nos enquanto seres
sociais; aproximam-nos, independentemente da língua usada num processo de “storytelling”, pelos paradigmas
comunicativos e espirituais, acumulados no seu âmago.
A literatura infantil (e/ou a juvenil) continua hoje a enfrentar desafios de definição e circunscrição, no entanto, é
já possível ver convergência alargada em certos aspectos:
- É muito característica;
- Não representa, de forma alguma, um tipo menor de literatura;
- Desejavelmente deverá ser aplicada ao contexto de vida, às expectativas e interesses de cada criança e jovem;
- Este é um tempo de grande criatividade, em que têm vindo a surgir novos textos infantis e/ou juvenis,
progressivamente inovadores, imaginativos e convenientemente ajustados ao que os rodeia.

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