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ANTIGO TESTAMENTO
história, escritura e teologia
THOMAS ROMER
JEAN-DANIEL MACCHI
CHRISTOPHE NIHAN
[0RGS.]
Edições Loyola
Título original:
Introduction à L'Ancien Testament
© 2004 by Editions Labor et Fides
1, rue Beauregard, CH 1204, Genève
ISBN 2-8309-1112-1
ISBN 978-85-15-03700-1
parlei
0 P entateuco
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 6
Ê xodo............................................................................................... 215
Jean-Daniei Macchi
capítulo 7
Levítico............................................................................................. 231
Adrian Schenker
capítulo 8
N ú m e ro s............................................................................................242
Thomas Rõmer
capítulo 9
parte 2
Os P ro fetas
capítulo 1
capítulo 2
J o s u é ...................................................................................................306
Thomas Rõmer
capítulo 3
J u iz e s ................................................................................................. 322
Corinne Lanoir
capítulo 4
1-2 S a m u el........................................................................................338
Christophe Nihan &■Dany Nocquet
capítulo 5
capítulo 7
capítulo 8
1s a ia s ................................................................................................. 401
Jacques Vermeylen
capítulo 9
c a p í t u l o 10
E zequiel............................................................................................. 435
Christophe Nihan
c a p í t u l o 11
c a p í t u l o 12
O s e ia s ................................................................................................465
Thomas Rõmer
c a p í t u l o 13
J o e l ..................................................................................................... 484
Jean-Daniel Macchi
c a p í t u l o 14
A m ós................................................................................................. 491
Simon Butticaz
c a p í t u l o 15
A b d ia s................................................................................................504
Jean-Daniel Macchi
c a p í t u l o 16
J o n a s ................................................................................................. 510
Ernst Axel Knauf
c a p í t u l o 17
M iq u eias.......................................................................................... 519
Jear-Daniel Macchi
c a p í t u l o 18
N a u m ............................................................................................... 527
Jean-Daniel Macchi
c a p í t u l o 19
H a b a c u c ............................................................................................533
Jean-Daniel Macchi
c a p í t u l o 20
S ofonias............................................................................................. 540
Jean-Daniel Macchi
capítulo 2 I
A g e u .................................................................................................. 546
Jean-Daniel Macchi
c a p í t u l o 22
Z a c a ria s.............................................................................................552
Arnaud Sérandour
c a p í t u l o 23
M alaquias.......................................................................................... 568
Innocent Himbaza
parte 3
Os E scritos
capítulo 1
capítulo 2
J ó ...................................................................................................... 601
Ernst Axel Knauf &■Philippe Guillaume
capítulo 3
P rovérbios....................................................................................... 614
Alain Buehlmann
Rute 629
Corinne Lanoir
capítulo 5
capítulo 6
C o é le t..............................................................................................653
Alain Buehlmann
capítulo 7
L a m e n ta ç õ e s................................................................................... 664
Christoph Uehlinger
capítulo 8
E s t e r .................................................................................................. 680
Jean-Daniel Macchi
capítulo 9
D aniel................................................................................................. 688
Jacques Vermeylen
c a p í t u l o 10
c a p í t u l o 11
parle 4
Os Livros D euterocanônicos
capítulo I
capítulo 2
Daniel G rego...................................................................................740
Innocent Himbaza
capítulo 3
Judite 748
Christophe Nihan
capítulo 4
Tobit..................................................................................................766
Ernst Axel Knauf
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
Sirácida.............................................................................................. 797
Thierry Legrand
capítulo 8
B aruc.................................................................................................. 807
Innocent Himbaza
capítulo 9
12
Lista das abreviaturas
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ANTIGO TESTAMENTO - historia, escritorae teologia
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Prefácio
e modo de usar este volume
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ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITORA E TEOLOGIA
ou da literatura sapiencial. O objetivo desta nova introdução à Bíblia
hebraica é suprir a distância entre a pesquisa dos especialistas e o
grande público, que não raro está mal informado sobre os últimos
resultados dessa pesquisa. Considerando a especialização e a com-
plexificação crescentes das ciências bíblicas, desde logo se impôs a
ideia de um a obra coletiva. De fato, atualm ente parece impossível
que um único indivíduo possa ser com petente em todos os campos
da exegese veterotestam entária. Assim, nosso procedim ento se ins-
pira no da Einleitung in dasA lte ־Testament, editada por E. Zenger em
1995. Todavia, contrariam ente a Zenger, não optam os pela unidade
confessional dos colaboradores deste volume. Ao contrário, recorre-
mos aos especialistas em exegese veterotestam entária de fala fran-
cesa, pedindo igualmente o concurso de alguns colegas da Suíça
alemã, sem nos im portar com sua confissão religiosa, nem, por outro
lado, com sua pertença a esta ou àquela escola exegética. A esse res-
peito, exprimimos nosso profundo reconhecim ento a todos aqueles
que puderam encarar o desafio.
De modo geral, este livro pretende ser um a introdução histórica
e científica aos textos fundadores da civilização judeu-crístã. N ão se
trata, portanto, de um a abordagem confessional, nem de um a obra de
espiritualidade. C onsequentem ente, de um ponto de vista m etodoló-
gico, esta introdução em penha-se em entender cada livro não só em
sua coerência interna, mas tam bém , e sobretudo, em função da his-
tória de sua composição, assim com o do contexto histórico em que
ele foi redigido. O Antigo Testam ento é um conjunto de livros que,
continuam ente, fazem referência à história do povo de Israel, e não
se podería verdadeiram ente entender os textos bíblicos sem situá-los
no contexto da história do Levante no primeiro milênio.
Enquanto introdução histórica ao Antigo Testam ento, a presente
obra reflete necessariam ente o estado atual da discussão exegética.
Desse ponto de vista, o leitor que procurasse um modelo único para
a form ação dos diferentes livros do Antigo Testam ento ficaria decep-
cionado. Por natureza, um a obra coletiva inclui um a diversidade de
pontos de vista. A isso se som a o fato de que a exegese do Antigo
Testam ento, ainda bem mais que a do Novo Testam ento, hoje está
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Prefácio e modo de usar este volume
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ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITORA E TEOLOGIA
com põe de três seções: (1) os principais com entários sobre o livro,
citados segundo suas coleções; (2) alguns estados da pesquisa; e (3)
os principais estudos, quer sobre o livro em geral, quer sobre aspectos
im portantes dele. Essas indicações bibliográficas não pretendem ser
exaustivas, mas são intencionalm ente seletivas e visam a orientar o
leitor na floresta das publicações no interior da qual o iniciante corre
o risco de se perder. N o início do volume há um índice das abreviatu-
ras utilizadas para as coleções e as revistas.
N otem os ainda que no caso do Pentateuco cada livro foi objeto de
um a introdução separada. Tal perspectiva se afasta intencionalmente
da adotada pela grande maioria das introduções ao Antigo Testa-
m ento, que apresentam o Pentateuco com o um todo e assum em
para suas cinco partes um a única hipótese de form ação (que a té a
década de 1980 constituía a teoria cham ada de “docum entária”).
Tanto a metodologia subjacente à organização desta obra com o os
desenvolvimentos recentes dos estudos sobre o Pentateuco levaram-
nos a rejeitar essa m aneira de fazer a fim de considerar a especifici-
dade literária e teológica de cada livro. O livro do Gênesis teve direito
a um tratam ento favorecido (três capítulos diferentes que apresentam
respectivam ente Gn 1-11; 12-36; 37-50) por causa das diferenças
im portantes nos planos literário e histórico entre o ciclo das origens,
a epopeia dos Patriarcas e o rom ance de José.
O livro se abre com três estudos introdutórios: um artigo sobre a
form ação do cânon tripartite da Bíblia hebraica, um a apresentação
das principais versões do Antigo T estam ento e da história de sua
transmissão, assim com o a descrição dos diferentes meios socioló-
gicos que contribuíram para a formação da Bíblia (este último texto foi
traduzido da obra de E. A. K n a u f , Die Umwelt des Alten Testaments,
Stuttgart, 1994).
Além disso, a apresentação dos livros bíblicos é com pletada por
artigos que relatam a história da pesquisa e a discussão atual sobre a
form ação do Pentateuco e sobre a hipótese da “história deuterono-
m ista” , que reúne os livros do Deuteronômio, de Josué, dos Juizes, de
Samuel e dos Reis. A apresentação dos livros dos Profetas é precedida
por um a introdução sobre a redação dos textos proféticos. De acordo
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Prefácio e modo de usar este
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Prefácio e modo de usar este volume
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0 Canon do Antigo Testamento
Albert de Pury
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritora e teologia
O vocábulo “cânon” vem do grego kanôn, “cana, vara”, que assume, em sentido
figurado, o sentido de “tábua, regra, norma” (Gl 6,16; 2Cor 10,13.15). Trata-se
na origem de um empréstimo das línguas semíticas (hebraico qanéh, “tronco,
ramo” etc.), lòdavia, foi apenas no século IV que Atanásio, em sua Carta de
Páscoa do ano 367, impôs o termo “cânon” para designar a lista dos livros inspi-
rados reconhecidos pela Igreja. Desde então, o vocábulo passou a designar a
lista dos livros reconhecidos e depois os próprios livros.
1. C o n teú d o s e estru tu r a
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O Canon do Antigo Testamento
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritura e teologia
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O Cânon do Antigo Testamento
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ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
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O Cânon do Antigo Testamento
C oélet foi p ortanto “lavado” por seu com eço e seu (segundo) epí-
logo (Ecl 12,12-14). Q uanto ao Cântico dos Cânticos, foi ardente-
m ente defendido por todos os rabinos, sob a condição de ser lido de
uma perspectiva alegórica. Rabbi Aqiba (135 a.C.) teria dito:
O universo inteiro não vale o dia em que o Cântico dos Cânticos foi
dado a Israel, pois todos os Ketubim são santos, porém o Cântico dos
Cânticos é o Santo dos santos (Mishnah, Yadaim 3,5).
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ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITORA E TEOLOGIA
banquete, fora de época, traz a desgraça sobre o universo” (Talmud b.
Sanhedrin 101 a).
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O Canon do Antigo Testamento
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ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITURA E TEOLOGIA
2.2. O cânon tripartite
Se quisermos descobrir as origens do cânon tripartite da Bíblia
hebraica será preciso, portanto, rem ontar para além da época de
Yabneh.
As testem unhas mais antigas que atestam a em ergência de um a
terceira p arte do cânon rem ontam ao século 11 a.C . N o prólogo da
tradução grega do Sirácida, o n eto de Jesus Sirac fala de seu avô,
que “se tinha entregue acim a de tudo à leitura da Lei, dos Profetas e
dos outros livros de nossos pais, e que alcançara grande domínio so-
bre eles” (v. 9-10; ver ainda v. 25). Com toda verossimilhança esse
prólogo d ata dos anos 130 a.C . Mais ou m enos da m esm a época é a
passagem de 2 M acabeus 2,13-15 que m enciona a reunião por Judas
M acabeu dos “livros respeitantes aos reis e profetas, os de Davi e
das cartas dos reis sobre as oferendas” . Por fim, datando igualmente
do século II a.C ., esta “c arta haláquica” de Q um ran (4Q M M T C
1-17 = 4Q 398 14-17): “Tam bém n ó s te [escrevemos] que te é preciso
entender o livro de Moisés [e] os livro[s dos Pr]ofetas e de Davi[d
bem com o os anais] de cada geração” (linhas 10-11).
C uriosam ente, dois séculos mais tarde, a linguagem não é m uito
mais precisa. Por volta do ano 50 d.C ., Fílon de Alexandria evoca a
seita judaica dos terapeutas, que utiliza para suas leituras “as leis, as
palavras reveladas pelos Profetas e os hinos, bem com o os outros
escritos pelos quais a piedade e o reconhecim ento se deixam au-
m entar e aperfeiçoar” (De vita contemplativa 3,25). Q u an to ao
evangelho de Lucas, ele faz Jesus dizer: “E preciso que se cum pra
tudo o que foi escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos” (Lc 24,44).
Essa coleta de indícios, m esm o escassa, revela-nos dois estados
de fato aparentem ente contraditórios: 1. A ntes da queda do Templo
no ano 70 não se tra ta de um a Bíblia hebraica uniforme e reconhecí-
da por todas as correntes do judaísmo; os contornos exatos dessa
Bíblia ainda não são objeto de um a terminologia unificada ou de um a
doutrina afirmada. 2. N o entanto, desde m eados do século II a.C.
aparece a afirm ação segundo a qual a Lei e os Profetas podem ser
acom panhados de um a terceira coleção de livros normativos. Com o
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O Canon do Antigo Testamento
2.3. Os Ketubim
Duas das passagens citadas para o século II a. C. (2Mc 2,13-15 e 4Q
398) apresentam “os livros de Davi”, isto é, os Salmos, como fazendo
parte dessa terceira coleção. Com frequência se entendeu essa coloca-
ção em evidência do Saltério no sentido de um a pars pro toto. Porém,
a partir do m om ento em que o Saltério é mencionado apenas em Fílon
de Alexandria e em Lucas 24,44, pode-se perguntar se em certos
meios o Saltério não constituía por si só a terceira parte do cânon es-
criturístico. Isso explicaria por que o Saltério — do qual se pode facil-
m ente reconstituir o crescim ento — desfechou na época dos asmo-
neus, ao que parece, em um a estrutura articulada em cinco “livros”,
sem dúvida por analogia com o Pentateuco. O Saltério estaria assim
concebido como sendo ele m esm o um conjunto canônico de pleno
direito. Isso dito, as três passagens citadas do século II a. C. m ostram
igualmente que estam os em presença de um a pluralidade de livros.
O s livros apresentados na coleção m assorética dos Ketubim são
em núm ero de doze. De acordo com o consenso crítico corrente,
nenhum desses livros é posterior ao ano 160 a. C., o que evidentem en-
te não exclui nenhum a eventualidade e até a possibilidade de rem a-
nejam entos redacionais ulteriores dentro deles, em todo caso até o
fim do século 11 a.C . O mais tardio desses livros, Daniel, foi redigido
entre 167 e 163 a.C ., pois ele conhece a profanação do Templo por
Antíoco IV Epífanes em 167 e os primeiros sucessos da revolta dos
Macabeus, e até a purificação do Templo em 164, mas, ao que parece,
ainda não o restabelecim ento do culto em 163 (cf Dn 11,31-35). Se
se leva em consideração o fato de que a coleção canônica dos Nebiim
term ina com o livro dos Doze Profetas M enores, pode-se imaginar
que os editores dos Ketubim tenham tam bém eles procurado alinhar
uma coleção de doze livros.
Estam os em m eados do século II a.C. Q uem , qual autoridade,
qual instância ou qual esfera de atuação teria instigado tal projeto?
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ANTIGO TESTAMENTO-H iS T fiB iA , ESCRITURA E TEOLOGIA
R. Beckwith (1985, p. 150-153), baseando-se principalm ente em
2 M acabeus 2,13-14, pensa em um a medida oficial tom ada por Judas
M acabeu por ocasião da purificação do Templo em 164. Porém, a au-
sência de testem unhos acordes para os dois séculos seguintes permi-
te duvidar do caráter “oficial” e m esm o estatal da coleção. Portanto,
é mais probante atribuir a paternidade da coleção dos doze Ketubim
a alguma corrente de pensam ento ou a alguma escola. Qual escola?
N em os saduceus nem os essênios são candidatos prováveis, como,
aliás, tam bém não os judeus de Alexandria, pois todos os livros reu-
nidos foram redigidos em hebraico e dirigem-se claram ente a leitores
cultos de língua semítica (nessa época o hebraico tornou-se um a língua
literária, e a língua falada era o aram aico). Restam os fariseus — ou
os “protofariseus”, saídos dos hasidím, partidários fiéis dos Macabeus.
H á, de fato, boas razões para pensar que os doze ketubim do cânon
atual foram editados, como também os Nebiim, pelos fariseus, ances-
trais espirituais dos fundadores do judaísmo rabínico. N esse caso, os
Ketubim teriam sido concebidos, contrariamente à lb rá , como um cânon
de escola, e não com o um cânon de Estado.
Existe na coleção dos Ketubim um princípio de organização? N a
ausência de um a dom inante tem ática ou de um a linha política ou teo-
lógica claram ente perceptível, o único princípio claro é o da antologia.
A seu modo, a l o r á e os Nebiim tam bém podem ser entendidos co-
mo antologias: aT orá com preende não só um a antologia de códigos
de leis, mas tam bém um a antologia das legendas de origem de Israel
(Jacó, Moisés etc.). Q u an to aos livros dos Profetas posteriores, cada
livro profético form a em si um a antologia de oráculos classificados
(julgamento, nações estrangeiras, restauração) provenientes de um a
m esm a escola profética, cada escola com unicando de certo modo
seu “cânon”: o cânon “de Isaías”, “de Jerem ias” ou “de Ezequiel”. Nos
Ketubim, claram ente os próprios livros form am um a antologia. C ada
coletânea p ertence a um gênero literário diferente, e não existem
dois livros, à exceção talvez de Esdras e Neemias, que pertençam à
m esm a categoria. O Saltério reúne hinos e orações tan to coletivas
com o individuais, as Lam entações com preendem lamúrias coletivas,
os Provérbios instruções sapienciais e máximas, o Cântico dos Cân-
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O Canon do Antigo !estam ento
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ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritura e teologia
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O Cânon do Antigo Testamento
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ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITORA E TEOLOGIA
pela escola protofarisaica em m eados do século II. N o final das con-
tas, essa antologia ideal não está tão distante daquilo que G. von Rad
chamava de “a resposta de Israel”, resposta à Palavra de Deus conti-
da na Lei e nos Profetas. O s doze Ketubim como literatura com pleta
(porém domesticada!), isso parece conform e ao que podería desejar
o am biente farisaico na fase de reconstrução que se seguiu à crise dos
M acabeus. "Todavia, perm anecem algumas questões perturbadoras.
E concebível que um movim ento tão engajado na piedade tradicio-
nal com o a escola farisaica ten h a logo escolhido incluir em sua anto-
logia literária textos tão potencialm ente blasfemos com o o livro de
Jó, tão “m undanos” com o o Cântico dos Cânticos ou tão “céticos”
com o Coélet? O que divide os livros reunidos nos Ketubim não depen-
de unicam ente do gênero literário, mas concerne tam bém “à ideolo-
gia” e, muito especialmente, ao m odo com o cada livro se situa no
tocante ao “particularismo” de Israel. Alguns livros — Esdras, Neemias,
Crônicas e Daniel — são da literatura “nacionalista” , enquanto ou-
tros — Provébios, Jó, C ântico dos Cânticos e C oélet — parecem te r
renunciado deliberadamente à m enor alusão à história ou às institui-
ções de Israel e se posicionam em um a perspectiva a um só tem po
universalista e individualista. O s quatro últimos livros, Salmos, Rute,
Ester e Lam entações, situam-se entre os dois: eles se referem à his-
tória e às instituições da comunidade, mas zelam tam bém no sentido
de que o particular seja paradigmático e suscetível de encontrar um
eco universal. O s Salmos, especialmente, respondem a am bas as as-
pirações: a da comunidade arraigada em suas tradições históricas e
institucionais e a do hom em sozinho diante de seu Deus. Isso podería
ser um indício, mais um a vez, da ambição latente do Saltério de assumir
por si só o papel de terceira coleção canônica. A diversidade das an-
coragens “ideológicas”, em todo caso, obriga-nos a formular a seguinte
questão: a concepção de um a coleção de “doze Ketubim” despontou
realm ente sem antecedentes da escola farisaica? O u podem os des-
vendar a presença, no seio dos Ketubim farisaicos, de um a coleção
mais restrita e mais antiga? Este parece ser o caso.
O aspecto resolutam ente não particularista desses quatro livros,
Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos e Coélet, podería não ser fruto
38
O Cânon do Antigo Testamento
do acaso. Esses relatos seguem cada qual sua própria lógica literária,
mas possuem em com um vários traços. 1. Eles não pressupõem nem
religião com unitária nem história da salvação, e quando se referem à
prática do culto ou do sacrifício (como e m J ó 1,5; 42,8; Pr 15,8; 21,3;
Ecl 4,17; 9,2) o fazem com um distanciam ento explícito. 2. Eles se
dirigem ao indivíduo e são destinados à leitura pessoal. 3. Com exce-
ção de Provérbios, eles possuem um a concepção trágica da vida; e,
no entanto, 4. todos eles conservam o axiom a de um Deus único, de
um Deus que não só instituiu o universo, m as o guarda en tre suas
mãos “do com eço ao fim” (Ecl 3,11). E, sobretudo, no to can te a
este último ponto que esses quatro livros perm anecem profunda-
m ente judaicos. Poderíam ser cham ados de os “Ketubim hum a-
nistas” . Q uem os reuniu em coleção deveria te r a intenção de pro-
por um a m aneira nova de pensar a situação do hom em diante de
Deus, um a m aneira que responde ao m esm o tem po ao desafio he-
lenístico e ao perigo de um a inflexibilidade do judaísmo tradicional.
Porém, nada ainda deixa pressagiar o conflito violento que vai eclo-
dir, algumas décadas depois, sob o reino de Antíoco IV Epífanes,
entre judeus tradicionais e judeus helenizados. Ao contrário, é pre-
ciso buscar o iniciador dos Ketubim hum anistas ainda no século III,
quando Jerusalém dependia de Alexandria. Antologias de quatro
livros, com o a antologia de Cephalas, com posta de coleções de epi-
gramas amorosos, votivos, fúnebres e demonstrativos, e ainda outros
exemplos conhecidos do século III (ver Irigoin, p. 88-89). O primeiro
epílogo de C oélet (Ecl 12,9-11) nos informa que o próprio “C o élet”
se dedicava a atividades editoriais e a compilações, pois ele “ponde-
rou, examinou e corrigiu inúmeras sentenças” (v. 9) e “esforçou-se
por achar palavras agradáveis” (v. 10) e “transcrever com exatidão
palavras verdadeiras” (v. 10). A função dessas “palavras dos sábios”
e desses “autores de compilações”, prossegue, é estimular e proteger.
A despeito de sua diversidade, esses escritos nos são transm itidos
por “um pastor que é único” (v. 11), certam en te o próprio Coélet.
Nada mais pode ser provado, porém seria bastante tentador ver em
Coélet o iniciador e o editor dos quatro Ketubim hum anistas (a esse
respeito ver De Pury).
39
ANTIGO TESTAMENTO — HISTORIA, ESCRITORA E TEOLOGIA
Três desses livros (cf Pr 1,1; C t 1,1; Ecl 1,1) são atribuídos a Salomão.
Tal atribuição, contudo, não pode rem ontar a Coélet. C ertam ente,
em cada um dos três livros Salomão é invocado, porém de m aneira
incidente: duas das sete coleções do livro dos Provérbios são colo-
cadas sob seu patrocínio (Pr 10,1; 25,1). N o Cântico dos Cânticos, ele
corresponde a um a das idealizações do am ante (C t 3,7-11; 8,11-12).
Em C oélet, ele personifica um rei com poderes e recursos ilimitados
(Ecl 1,12-2,11). O ra, neste último contexto, precisam ente, o verda-
deiro autor — “C oélet” — se distancia claram ente de sua m áscara
salomônica (ver a respeito K rü g er 2000). Ciaram ente os livros não
são nem concebidos nem editados como obras de Salomão. Deve-se,
portanto, concluir que são os editores fariseus dos doze Ketubim, em
m eados do século II a. C., que escolheram colocar o cânon dos quatro
livros sob o cajado de Salomão, ao m enos para os três livros em que
isso era concebível. (Para o livro de Jó, evidentem ente, tal atribuição
a Salomão era impossível, pois J ó era visto com o fazendo parte, com
N oé e D an’el, dos heróis legendários da época pré-israelita; ver Ez
14,14.20). Assim, os relatos de Provérbios, Cântico dos Cânticos e
Coélet situam-se, os três, de certo modo na continuidade dos Salmos,
dos quais um a grande parte é colocada sob a autoridade de Davi, pai
de Salomão. A o atribuir esses livros “problem áticos” a um rei cuja
reputação os próprios Nebiim não hesitaram em inquinar, os fariseus
levavam em consideração o fato de que esses livros, por causa sem
dúvida de sua popularidade, haviam se tornado indispensáveis em um
cânon literário judaico, esperando que seu potencial subversivo fosse
desvitalizado. N ão era Salomão conhecido por suas fraquezas em re-
lação às mulheres estrangeiras e suas versatilidades religiosas (lRs
11,1-13)? N ão era o patrono do luxo, do ceticismo, da frivolidade, em
suma, o hom em da “m undanidade”? Seria preciso, portanto, ler seus
livros cum grano salisl Para se m ostrar generosos, os fariseus dotaram
Provérbios de um prólogo e de um epílogo (Pr 1-9; 30-31) e C oélet
de um segundo epílogo (Ecl 12,12-14), aditam entos destinados a ga-
rantir um a interpretação ortodoxa desses dois livros. E preciso agra-
decer especialm ente aos editores fariseus dos Ketubim canônicos por
terem preservado esses quatro livros que fazem ouvir a voz de um a
40
O Canon do Antigo Testamento
2.4. A Torá
O que se sabe sobre a canonização da l o r á e dos N ebiim l Isso
depende, e muito, da validade que se atribua à hipótese da historio-
grafia deuteronom ista (HD). De acordo com essa tese, desenvolvida
pela primeira vez por M. N oth em 1943, os livros que vão do D eute-
ronômio ao segundo livro dos Reis, que narram a história do povo de
Israel a partir da leitura da Lei por Moisés nas planícies de M oab até
o fim dos reinos de Israel e de Judá, rem ontam em sua substância a
uma obra historiográfica concebida e posta por escrito após a queda
de Jerusalém em 586 (a esse respeito, ver a introdução à H D neste
volume). Se essa tese é correta, podem os admitir a existência, desde
meados do século VI, de um a grande obra fundadora no espírito do
Deuteronômio, um a obra com posta de um a parte “Revelação da Lei”
no quadro da aliança concedida por Yhwh a Israel, por um lado, e,
por outro lado, o u tra parte “História do povo de Israel” à luz dessa
Lei. Para N oth, o objetivo dessa história era narrar as razões do de-
saparecim ento dos reinos. Tratava-se de m ostrar claram ente que a
culpa da catástrofe cabia a Israel e seus reis e não a Yhwh: Israel não
respeitou os term os da aliança, e não Yhwh. N essa estrutura, a histo-
riografia deuteronom ista estaria na origem das duas primeiras partes
do cânon, pois incluiría o embrião da lo rá , o Deuteronôm io e a pri-
meira parte dos Nebiim. Restaria ainda saber se é legítimo falar, a
respeito dessa obra, de um a “canonização”, e quais poderíam ser os
meios portadores dessa oficialização. De fato, essa questão está con-
denada a perm anecer virtual, na medida em que, com o recordará o
capítulo consagrado à questão do Pentateuco, rapidam ente, no fim
do exílio, outros projetos que não o deuteronom ista — e especial-
m ente o projeto sacerdotal — iriam entrar em discussão. Desde as
primeiras décadas que se seguiram ao nascim ento do império aque-
mênida, o processo de compilação, redação e desenvolvimento dos
projetos iniciais se pôs a caminho. Portanto, é preferível falar de “cres-
41
ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
42
O Canon do Antigo Testamento
2.5. Os N e b iim
43
ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
de 220 a.C ., depois teria se estendido para 200 a.C. nas dimensões
dos Nebiim atuais m ediante a inclusão da segunda parte da historio-
grafia deuteronomista, os futuros “Profetas anteriores” (Josué, Juizes,
1-2 Samuel, 1-2 Reis). Esse conjunto possui um a estrutura muito
m arcante: com eça com o relato da história de Israel, um relato que
se liga diretam ente ao Pentateuco, pois ordena a coleção de oráculos
proféticos concernentes a essa história. Justapõe, portanto, o “relato”
e os “textos de apoio” . Desde sua instalação, com o testem unham
sua abertura e seu encerram ento, os Nebiim estão claram ente arti-
culados sobre a Torá e colocados em um a relação de dependência
em relação a ela:
44
O Canon do Antigo Testamento
3Se, então, alguém continuar a profetizar, seu próprio pai e sua própria
mãe o advertirão: “Não ficarás em vida: são mentiras o que proferes em
nome de Yhwh”. [...] 4Naquele dia, todo profeta se envergonhará de
suas visões, enquanto estiver profetizando, e não mais revestirá o manto
de pele para enganar. 5Ele protestará: “Não sou profeta, sou um homem
do campo. Possuo alguma terra desde a minha mocidade!” (Zc 13,2-5).
45
ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
46
O Cânon do Antigo Testamento
rei da Pérsia, a fim de que em todo o seu reino mandasse fazer uma
proclamação, e até um documento escrito para dizer: “Assim fala Ciro,
rei da Pérsia: Yhwh, Deus do céu, entregou-me todos os reinos da terra;
ele me encarregou de construir para si uma Casa em Jerusalém, na terra
de Judá. Quem dentre vós provém de seu povo, de todo ele? Que Yhwh,
seu Deus, esteja com ele, e que suba...” (2Cr 36,22-23).
3. C o n clu são
A visão que tem os do cânon bíblico difere de acordo com o ângu-
lo pelo qual o abordam os. Para alguns, e especialm ente para o judaís-
mo rabínico, mas antes dele tam bém para as esferas de atuação dos
saduceus, dos essênios e dos fariseus, ele será inteiram ente determ i-
nado pela lo rá , e será, portanto, essencialm ente Lei, docum ento
fundador. Para outros — e certam ente para os últimos editores dos
Nebiim — , será tam bém epopeia nacional e expectativa de um a res-
tauração política ou messiânica. Para outros ainda e, por certo, para
determinados meios judaicos cultos da época persa e helenística,
será essencialmente literatura. Foi por este ângulo sobretudo que
nós o estudam os neste capítulo, pois tratam os da questão do cânon
pelos Ketubim.
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ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
48
O Canon do Antigo Testamento
4. I n dicaçõ es bibliográficas
49
ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritura e teologia
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História do texto do Antigo Testamento
Adrian Schenker
1. H istória do t e x t o e crític a t ex t u a l
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História do texto do Antigo Testamento
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ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritdra e teologia
54
História do texto do Antigo Testamento
parece mais provável que, por certos motivos, a autoridade das co-
munidades judaicas reeditou certos livros bíblicos com uma forma
modificada (B a r t h élem y 1978).
A cronologia das edições ainda é mal conhecida, pois sua sucessão
relativa ainda é objeto de discussão. Contudo, é possível fixar um
terminus ad quem para a coexistência de várias edições hebraicas de
livros bíblicos. Parece, de fato, que por volta do fim do século 1 d.C.
um texto específico adquire o estatuto de tex to autorizado exclusivo
no judaísmo que se servia do hebraico na liturgia da sinagoga e nos
estudos da Escritura (exceto, certam ente, para aT o rá lida na comu-
nidade samaritana). Esse tex to pode ser designado pelo qualificativo
protomassorético, pois ele se caracteriza por particularidades de grafia
e das formas encontradas no tex to massorético, mas que são ausentes
alhures. Esse texto protom assorético é atestado nos m anuscritos do
mar M orto, ou seja, antes do ano 70 d.C. (cf B a r t h élem y 1978).
E mais difícil indicar a época da bifurcação de livros bíblicos em
edições diferentes. E verossímil que a intervenção de um a atividade
editorial oficial no tex to bíblico hebraico tenha se dado na Palestina
nos séculos 11 e 1a.C. (van der K o o ij ).
5. A H IS T Ó R IA T E X T U A L IM P LIC A A H IS T Ó R IA L IT E R Á R IA
6 . O T E X T O PR O TO M A SSO R ÉTIC O
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritora e teologia
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História do texto do Antigo Testamento
8. A C R ÍT IC A T E X T U A L DO T E X T O M A SSO R ÉTIC O
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ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
9. A C O N T R IB U IÇ Ã O DAS V ER S Õ ES A N T IG A S
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História do texto do Antigo Testamento
10. A H IS T Ó R IA DO T E X T O B ÍB LIC O EM S ÍN T E S E
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ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITORA E TEOLOGIA
60
História do texto do Antigo !estam ento
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritora e teologia
62
Os meios produtores da Bíblia Hebraica
Ernst Axel Knauf
1. A ES C O LA
A história cham ada das formas (Formgeschichte) empenhou-se em
dividir por gênero os textos do Antigo Testam ento e atribuir a cada
gênero um Sitz im Leben específico (ver, por exemplo, G u illem m ette ,
B risebois ). A tentativa abortou: um texto, um gênero se tornam “li-
terários” abandonando seu Sitz im Leben. O ator e coproprietário de
um teatro, William Shakespeare, tam bém com pôs sonetos, sem por
isso tornar-se um cortesão. Houve, certam ente, ao lado da tradição
escrita, um a tradição oral, especialm ente quando um texto complexo
ANTIGO TESTAMENTO - história , escritora e teologia
64
Os meios produtores da Bíblia Hebraica
não eram apreciados apenas nas cortes de Luís XIV, Luís XV e Luís
XVI, mas já pela cultura helenística. Esses traços tam bém se revelam
facilmente nos cantos do C ântico dos Cânticos (1,5-8) como “trans-
formação para baixo” da parte dos habitantes de Jerusalém da época
persa ou helenística, e até m esm o assíria, enquanto “desem penhar o
papel de rei” era considerado um a “transform ação para o alto” (Ct
1,4.12). Lem bremos tam bém que no Antigo T estam ento “paraíso”
representa um nom e tom ado do persa: designava o parque senhorial,
o jardim zoológico e o jardim das delícias, antes de se tornar um con-
ceito para um “estado primitivo de felicidade”.
Voltemos ao ponto ou à questão do Sitz im Lebert da literatura do
antigo O riente Próximo com um fundam ento sólido: a escola. Ao
lado do aprendizado da leitura e da escrita, foram ensinadas aos fu-
turos funcionários disposições sobre o m odo de se com portar que
deviam lhes garantir um vida profissional coroada de êxito. Tais textos
são designados com o sabedoria no sentido estrito do term o e não se
encontram apenas no Antigo !esta m e n to (cf. por exemplo Pr 25-29),
mas igualmente na M esopotam ia, no Egito (Pr 22,17-23,11 rem onta
a um livro de sabedoria egípcio; c f L é v êq u e , p. 53-69) e entre os ara-
meus (cf Glossário: Ahiqar; c f G r e l o t , p. 427-452). Essa sabedoria
é caracterizada pela crença segundo a qual qualquer boa ação implica
sua recom pensa terren a e qualquer ato contrário à ordem sua puni-
ção iminente. E evidente que o que está em jogo aqui é a estabilidade
de uma sociedade. O s protagonistas dessa ideologia ocupam um papel
privilegiado de pilar do Estado no intuito de impor a ordem procla-
mada. O s sábios das escolas do antigo O riente Próximo eram m uito
conscientes de que a doutrina não coincide de nenhum m odo com a
experiência. Mas a experiência não tinha nenhum valor argum enta-
tivo: tinha-se por correto aquilo que era transm itido (cf J ó 8,8-10).
O protesto contra esse pensam ento em nom e do indivíduo, que soço-
bra no processo da ordem universal, só foi possível após a queda do
Estado judaico no livro de Jó, e a falsificação da tradição pela expe-
riência som ente na época helenística em C oélet.
No entanto, concebem -se a “sabedoria” e o trabalho dos “sábios”
muito estreitam ente se se os restringe aos textos com um ente chama-
65
ANTIGO TESTAMENTO — HISTÓRIA, ESCRITURA E TEOLOGIA
dos “escritos de sabedoria” , pois a escola do antigo O riente Próximo
devia introduzir sua concepção de Deus, do mundo e do humano,
além de na form ação profissional, nas tradições da cultura. Razão pela
qual futuros escribas da língua acadiana tiveram de recopiar (e aprender
de memória) o Gilgamesh em H ar Magedon (Meguido) na idade do
bronze (cf B o t t e r o ), e adeptos do grego allíada na Jerusalém helenís-
tica. N enhum a civilização pode sobreviver muito tem po sem “cânon
educativo”, sem um conjunto fundamental de textos e de tradições
normativas. Segundo um a suposição que atrai a atenção (cf L em a ire ;
L o h fr in k ) , o “cânon educativo” precede o cânon bíblico, igualmente
no caso do Antigo Testam ento: após o ano 70 d.C., os mesm os textos
que constituíam antes a base da escola do Templo de Jerusalém torna-
ram -se canônicos no judaísmo. A escola do Templo teria sido, portanto,
o vínculo institucional que uniu todos os livros do Antigo !estam ento.
C om efeito, algumas observações levam a acreditar nisso.
A l o r á — o “ensinam ento” por excelência — não ensina apenas
aquilo que um judeu deve fazer (ou não fazer) para ser judeu. Em
Gênesis 1-10, a l o r á contém um a cosmologia (Gn 1; 6-8), um a an-
tropologia (Gn 2-4), um a zoologia (Gn 1; 6-8; ver tam bém Lv 11) e
um a geografia (Gn 10) de pretensão universal, nas quais convergem
amplas correntes do saber do antigo O riente Próximo. Ainda no
O riente Próximo, o intelecto era internacional (cf lRs 5,10-11; Pr
30,1; 31,1; J ó 1,1). As listas dos patriarcas em Gênesis 5 e a s listas dos
povos em Gênesis 10 seguem listas da M esopotâm ia similares, das
quais as mais antigas rem ontam ao terceiro milênio a.C . Teólogos
egípcios já haviam m editado sobre a palavra criadora divina (cf Gn 1)
o mais tardar no século VIII a. C. (SEUXetal. 1988, p. 85-87). A epopeia
paleobabilônica de A tra-H asis já tratou da criação do hum ano com o
“escravo” dos deuses a fim de aplacar os deuses inferiores que ante-
riorm ente haviam se posto em greve (cf Gn 2,5.15), da destruição
da hum anidade que se tornou muito num erosa e barulhenta por
meio de um dilúvio pelos deuses que se sentiam im portunados, bem
com o da salvação de um núcleo da hum anidade por um a p arte dos
deuses (Gn 6-8; S eux e t al. 1988, p. 54-64). Mas os livros dos profetas
tam bém foram lidos e transm itidos à escola, sem o que o epílogo do
66
Os meios produtores da Bíblia Hebraica
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritura e teologia
2. O P A LÁ C IO
68
Os meios produtores da Bíblia Hebraica
ção dos A m urru”) acrescentava-se tam bém o relato das ações do rei,
em que um m onarca provava aos seus deuses (e até, especialmente
no Egito, um alto funcionário ao rei e à posteridade) que ele cumprira
seu dever (cf a inscrição do rei moabita M eshá e os “anais” assírios, que
pertencem ao m esm o gênero e, às vezes, são redigidos como cartas
dirigidas a um deus; c f B riend , p. 57-58; G lassn er , p. 157-178). É difí-
cil saber se os excertos dos “anais dos reis de Israel” (cf lRs 14,19 etc.)
ou dos anais dos reis de Judá (lRs 14,29 etc.) foram conservados em
1e 2 Reis. O projeto cronológico de Jeroboão 1a Roboão rem onta cer-
tam ente a esses anais. A inscrição de Siloé (pouco antes de 701 a.C.;
cf B riend , p. 73-74) contém um extrato de anais judaicos fora do corpus
do Antigo Testam ento. Tàl inscrição ficou inacabada: em cima dela,
o rochedo estava polido, pronto, portanto, para receber outros textos.
Quando o extrato de anais (o relato de construção do túnel) foi es-
culpido, o local para o título real ficou vazio, visivelmente porque no
decurso do trabalho o autor se deu conta de que naquele local (no túnel)
a inscrição não seria lida por m uita gente.
Até certo ponto, as coleções jurídicas são da alçada do palácio.
Certam ente, o rei era considerado garante do direito e se apresentava
(por exemplo, Ham urabi; c f S eux 1986, p. 29-73) com o o legislador,
embora o direito proclamado por Ham urabi seja largamente idêntico
ao direito consuetudinário siromesopotâmio, cuja responsabilidade
estava nas m ãos da comunidade local, isto é, da aristocracia local.
Em Israel, a justiça era feita na porta da cidade (cf R t4 ,l-ll; SI 12,4-5).
Como conhecem os várias portas de cidade na época real, pode-se
facilmente imaginar o pequeno núm ero dos que eram responsáveis
pela jurisprudência. A té a reforma de Josias, e mesmo até o exílio, o rei
só era com petente para os casos jurídicos em sua casa (cf 1Sm 30,25),
eventualmente pelos casos em que nenhum a comunidade de direito
era competente ou não queria sê-lo (cf lRs 3,16-28). lodavia, é preciso
contar com o fato de que as coleções de direito consuetudinário exis-
tiam junto às cortes, e que o conhecim ento delas fazia parte da for-
mação dos funcionários (e assim voltamos à escola). Exodo 21-23, o
“Código da Aliança”, se deixa ler com o um exemplo de um a coleção
pré-exílica de direito consuetudinário.
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritora e teologia
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Os meios produtores da Bíblia Hebraica
3. O T emplo
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritura e teologia
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Os meios produtores da Bíblia Hebraica
Por fim, o Templo contribuiu tam bém para a transmissão dos textos
proféticos. N o santuário com o na corte real, os profetas que foram
chamados, com o os que não haviam sido, tinham costum e de se ma-
nifestar. Para os profetas “independentes”, era preciso ainda estabe-
lecer um protocolo e inseri-lo no dossiê (cf Am 7,10-17, ainda que aqui
se trate antes de um a anedota que de um relato verídico). Pode-se pen-
sar que as acusações que Oseias dirigiu aos sacerdotes de Betei (Os 4)
tenham permitido, após a queda de Israel em 720 a.C ., refletir sobre
a razão da catástrofe, e que um núcleo do livro atual de Oseias
(Os 4—11) levou a um novo impulso do santuário, até que Josias o
destruísse (2Rs 23,15-16). Sem pre se notaram paralelos linguísticos
entre Jeremias 2-6 e Oseias. Contatos pessoais entre os dois profetas
não devem ser considerados — um século os separa. E se Jeremias,
filho de um sacerdote de A natot, um a cidade do n orte da Judeia,
tivesse frequentado a escola em Betei? Voltamos, portanto, à escola.
Em Sukot (hoje Tell Deir ’Allâ), naTransjordânia, não só foi conser-
vada nos arquivos um a história de aparecimento de um profeta cha-
mado Bilêam, mas um a cópia disso foi publicada sobre um a parede
(primeira m etade do século VIII a.C .; A s u r m e n d i e t al., p. 92-96).
73
ANTIGO TESTAMENTO - história , escritura e teologia
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Os meios produtores da Bíblia Hebraica
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ANTIGO TESTAMENTO - historia, escritora e teologia
5. I n d icaçõ es bibliográficas
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Os meios produtores da Bíblia Hebraica
77
parte 1
0 Pentateuco
O nom e “Pentateuco” designa os cinco primeiros livros da Bíblia.
Esse nom e grego é a tradução de um a expressão hebraica "hamisã
humsê hatõrah”, literalm ente os “cinco quintos d a lo r á ”, que designa
talvez os “cinco estojos” que encerram os cinco primeiros rolos da
Bíblia. Para a tradição judaica esses livros constituem a Torá, um
term o frequentem ente traduzido por “lei”, mas que significa antes
“ensinam ento, instrução” .
N o interior da Torá encontram -se reunidos tan to textos de tipo
legislativo (“códigos”) com o narrações. Enquanto a tradição judaica,
para a qual a Torá é o centro da Bíblia, sem pre prestou especial aten-
ção às prescrições que ela contém , a tradição cristã se interessou
mais pela tram a narrativa do Pentateuco, que se estende desde a
criação até a m orte de Moisés.
O s títulos usuais dos cinco livros que formam esse conjunto pro-
vêm da tradução grega. Eles resum em o conteúdo de cada livro, en-
quanto a tradição judaica designa, de seu lado, cada um dos cinco
livros por um a das primeiras palavras que ele contém . C ertas tradu-
ções da Bíblia, especialm ente nas línguas germânicas, designam os
livros da Torá com o os cinco livros de Moisés (por exemplo, Êxodo =
“segundo livro de M oisés”); esse uso se baseia na tradição segundo
a qual Moisés seria o autor do Pentateuco.
O Pentateuco
A ES T R U T U R A DO P E N T A T E U C O
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ANTIGO TESTAMENTO - história , escritura e teologia
Gênesis Deuteronômio
Gênesis 12,7: primeira promessa Deuteronômio 34,4: última promessa
Gênesis 49: bênção de Jacó Deuteronômio 33: bênção de Moisés
Êxodo Números
Egito - deserto - Sinai Sinai - deserto - Moab
Êxodo 12: Páscoa Números 9: Páscoa
Êxodo 15-17: murmurações Números 11-20: murmurações
Êxodo 25—40: o santuário Números 1-9: o campo
Levítico
Levítico 1-15: sacrifícios e prescrições
Levítico 16:0 ritual do Grande Perdão
Levítico 17-26: prescrições e sacrifícios
82
ο
I ndicaçõ es bibliográficas
84
CAPITULO
1
A formação do Pentateuco:
história da pesquisa
Thom as Rõmer
1. Os IN ÍC IO S DA E X E G E S E C R ÍT IC A
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
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O Pentateuco
2. A E LA B O R A Ç Ã O DA T E O R IA DOS D O CU M EN TO S
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
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O Pentateuco
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
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O Pentateuco
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
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O Pentateuco
form ação das tradições. Pois para N oth igualmente tudo girava na
época pré-monárquica, a javista, primeira fonte escrita do Pentateuco,
não tendo senão de organizar e unir as diferentes tradições preexis-
tentes. Para explicar o caminho que conduzia das lendas independen-
tes às tradições mais complexas, N oth introduziu a tese segundo a
qual o Pentateuco teria se formado a partir de alguns “grandes tem as”.
Esses tem as proviríam de meios produtores diferentes, sendo os mais
antigos aqueles da saída do Egito e da entrada em C anaã. A seguir
outros tem as viríam se organizar em torno desses primeiros, com o a
tradição patriarcal, a tradição da estada no deserto e, por fim, a tra-
dição da revelação no Sinai. Em bora N oth tenha ficado m uito vago
quanto à organização dessas tradições, seu estudo sublinhava que
elas exprimem pretensões teológicas não raro m uito diferentes umas
das outras, e dem onstrava igualmente a im portância da história das
tradições com o cam po de pesquisa para a exegese científica do
Antigo Testam ento.
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
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O Pentateuco
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
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O Pentateuco
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
4.3. John Van Seters: u m a teoria dos com plem entos radicalizada
Em sua obra Abraão na história e na tradição, Van Seters sublinha
o fato de que a maioria das tradições em Gênesis 12-25 reflete o con-
texto histórico do século VI, isto é, a época exílica. De certa forma, o
modelo de Van Seters retom a a teoria dos complementos radicalizan-
do-a: o Pentateuco se forma sobre um a tram a narrativa de base que é
a obra de J (um Javista exílico) e em seguida é com pletada por dife-
rentes acréscimos, entre os quais especialmente P a redação sacerdo-
tal. Dessa forma P se torna em Van Seters a redação “final” do Penta-
teuco (e nesse ponto Van Seters é muito próximo de Cross). N a origem
se encontram alguns textos “protojavistas” e “eloístas”, que foram inte-
grados na tram a de J. Assim, este último continua a ser o verdadeiro
artífice do Pentateuco. Encontra-se aí um a concepção próxima da de
Von Rad, com a diferença de que o Javista de Van Seters não está
mais na corte de Salomão, mas vive na época do exílio.
99
O Pentateuco
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
101
O Pentateuco
5. A S IT U A Ç Ã O DA E X E G E S E DO P E N T A T E U C O N A D ÉC A D A DE 1990
5. /. A m anu ten çã o da teoria docum ental tradicional
Seria falso acreditar que a teoria docum ental simplesmente desa-
pareceu hoje da discussão exegética. Seus adeptos são sem pre rela-
tivam ente numerosos, em bora suas concepções apresentem várias
102
A formação do Pentateuco: história da pesquisa
divergências nos porm enores e nem sem pre estejam de acordo so-
bre a maneira pela qual convém considerar a m anutenção da hipó-
tese tradicional.
Alguns, entre os quais por exemplo H. W. Schmidt, perm anecem
firmemente convencidos do modelo de Von Rad e continuam a defen-
der a hipótese de um Javista salomônico. O utros pleiteiam de muito
bom grado uma volta a W ellhausen, na medida em que se m ostram
céticos quanto à possibilidade de datar com precisão J na época de
Salomão, onde reconhecem a dificuldade de distinguir claram ente J
de E. Assim, esses autores dão mais peso ao “Jeovista” (como espe-
cialmente H. Seebass). Vários exegetas continuam apegados à tese
de um Javista situado no com eço da época monárquica, porém reco-
nhecem o fato de que muitos textos atribuídos outrora a J pertencem
antes a um a época tardia da redação do Pentateuco. E. Zenger e P
Weimar postulam a existência de redações jeovistas (entre 722 e
587) e deuteronom istas (a partir de 587), englobando a maioria dos
“grandes” textos atribuídos a J, com o Gênesis 12,1-3, Êxodo 32* etc.
Segundo Zenger, as redações jeovistas de G ênesis-N úm eros teriam
formado um a grande “historiografia hierosolimita” (Jerusalemitisches
Geschichtswerk) pré-exílica, que teria conhecido mais tarde, na época
do exílio, uma im portante revisão dtr. Daí se segue que o Javista sa-
lomônico se to rna no final das contas muito fantasm ático e os textos
que lhe são atribuídos poderíam estar contidos em um folha de papiro
e até em uma pele de carneiro.
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O Pentateuco
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A formação do Pentateuco: história da pesquisa
6. I ndicações bibliográficas
105
O Pentateuco
106
A formação do Pentateuco: história da pesquisa
107
CAPITULO
2
O debate atual sobre a formação
do Pentateuco
Christophe Nihan e Thom as Ròmer
1. O PRO B LEM A DA E X T E N S Ã O E DA N A TU R EZ A DO P E N T A T E U C O
P R É-S A C ER D O T A L
1. í. Posição do problema
Para alguns autores, a sigla “P” corresponde a uma redação sacer-
dotal que é responsável pela edição final do Pentateuco e refaz siste-
m aticam ente os textos não P para essa finalidade. N esse modelo, es-
pecialmente defendido por J. Van Seters, a definição das relações de
cronologia entre redações P e não P não apresenta mais problemas,
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O debate atual sobre a formação do Pentateuco
109
O Pentateuco
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O debate atual sobre a formação do Pentateuco
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O Pentateuco
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O debate atual sobre a formação do Pentateuco
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O Pentateuco
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O debate atual sobre a formação do Pentateuco
1.4. Síntese
Em síntese: o rápido e superficial exam e que fizemos sugere que
as tradições pré-sacerdotais no Pentateuco nunca foram reunidas
em um único e m esm o docum ento antes do trabalho da escola sa-
cerdotal. E preciso, portanto, renunciar à hipótese de um relato uni-
ficado indo de Gênesis a N úm eros ou de Gênesis a Deuteronômio
(ou mesmo de Gênesis a 2 Reis) no estágio pré-P As principais tradi-
ções literárias que com põem o material pré-sacerdotal do Pentateuco
são: os dois códigos, independentes na origem, de Exodo 20,22-
23,33* e Deuteronôm io 12-26*; o relato das origens em Gênesis
1-11*; as coleções de relatos sobre os Patriarcas Abraão e Jacó em
Gênesis 12-25* e 26-36*; e, enfim, um mito de origem alternativo
relatando a saída do Egito. Esta última tradição se estendia muito
provavelmente até Exodo 14* inicialmente, e pôde ser transform ada
depois disso em um a “vida de M oisés” de época neoassíria, e até
mesmo completada, sem pre em um estágio pré-P pelo acréscimo de
uma primeira versão de Exodo 19-24*. A possibilidade de recons-
truir uma versão pré-P da perícope do Sinai, que quase não é atesta-
da nos sumários históricos exceto em Neem ias 9, permanece, con-
tudo, assunto de debate. Com o quer que seja, a composição pré-P
no Exodo não continuaria no livro dos Núm eros, que é com toda
verossimilhança em seu conjunto um a composição tardia, embora
preserve algumas tradições antigas.
117
O Pentateuco
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vários capítulos do CS, por exemplo Levítico 17, é difícil, se não im-
possível, reconstruir um texto coerente eliminando o conjunto dos
elementos que refletem a influência de P com o se esforçou em vão
fazer a exegese do CS a partir de G raf Por todas essas razões é pre-
ferível considerar que em seu conjunto o CS é um a composição tardia
(embora ele integre provavelmente algumas tradições mais antigas,
especialmente em Lv 18*), que logo à primeira vista foi redigido para
seu contexto literário atual, com o conclusão de Levítico 1-16. Con-
trariamente a certos autores, especialm ente E. Blum, E Crüsemann
(1992) e A. Ruwe, é duvidoso que Levítico 17-26/27 possa ser atribuído
à mesma escola sacerdotal que redigiu o documento P em Gênesis 1-
Levítico 16*. Trata-se com m uito mais verossimilhança de um a com-
posição pós-P que já pressupõe a linguagem e a teologia de P mas
desenvolve igualmente um a terminologia e, sobretudo, um a teologia
que lhe são próprias, com o m ostraram especialm ente 1. Knohl e J.
Milgrom.
Consideradas juntas, essas duas tendências recentes da pesquisa
implicam que o CS depende de uma redação a um só tem po pós-deu-
teronomista e pós-sacerdotal, com o defendeu particularm ente O tto.
Essa redação já se insere com toda verossimilhança no quadro de
uma primeira edição da Torá pelos meios sacerdotais do Templo
de Jerusalém na época persa, provavelmente na segunda m etade do
século V a.C. A própria natureza do CS, que revisa, com pleta e har-
moniza de form a sistem ática as principais tradições legislativas de
Israel (ou seja, o CA, o código D, o Decálogo e a legislação sacerdo-
tal), se explica assim com o um a tentativa de síntese no m om ento
em que essas tradições são reunidas pela primeira vez em um único e
mesmo docum ento. Esse docum ento, a primeira versão d a lo rá , re-
presentava provavelmente uma espécie de Constituição ideal, que não
tinha nenhum a força de lei para os magistrados e os responsáveis da
administração da província de Yehud, mas que devia ser subscrita
pelos membros da comunidade do Segundo Templo. Essa conclusão
suscita então de m aneira mais geral a questão da história da compo-
sição do Pentateuco na época persa, desde sua primeira edição até
seu encerram ento final.
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maná, época com eçada em Êxodo 16,35 etc. Contudo, desde Noth
os livros de Deuteronômio e de Josué foram sobretudo vistos como o
início da história deuteronom ista, em bora tenha interessado pouco se
esses livros formam a conclusão de um Pentateuco ou de um Hexa-
teuco. Com o questionam ento do modelo documental tradicional, as
principais redações não P do Pentateuco tornavam -se contem porâ-
neas da história dtr ou posteriores a ela, e a presença de tem as ca-
racterísticos do Pentateuco no livro de Josué se explicava então pela
hipótese de uma “composição d tr” do Tetrateuco ( B l u m ) ou de um
“prólogo javista” em G ênesis-Núm eros à história dtr em Deuteronô-
mio-2Rs (R o s e , v a n S e t e r s ). N o entanto, esses modelos têm dificul-
dade em se dar conta do fato de que os vínculos intertextuais com o
Pentateuco na história dtr se concentram no livro de Josué, estando
m uito m enos presentes nos livros seguintes, e que um tex to com o
Josué 24 procura visivelmente instaurar um co rte entre a época an-
terior (Gênesis-Josué) e a seguinte (Juízes-2 Reis).
De modo muito sintomático, o questionam ento do modelo de
N oth de um a “historiografia deuteronom ista” (ver a introdução à HD
neste volume) é acompanhado, na discussão recente, de um a redes-
coberta da hipótese tradicional de um Hexateuco. A questão central,
que no entanto está longe de ser resolvida, é saber de quando está
datado esse H exateuco e por que razão finalmente foi a opção de um
Pentateuco que se impôs aos editores finais da Torá na época persa.
C ontra certos autores recentes (em particular K r a t z ), é altam ente
duvidoso que a ideia de um H exateuco corresponda a um projeto lite-
rário antigo. De um ponto de vista metodológico, parece preferível
partir do discurso de despedida de Josué em Josué 24, pois é esse re-
sumo da história colocado na boca de Josué que cria de certa forma
um H exateuco, ao narrar a história dos pais do outro lado do rio
[o Eufrates] até a conquista da terra. O ra, as pesquisas recentes sobre
esse capítulo tendem a estar de acordo sobre um a datação pós-exílica
e pós-dtr para esse texto (B l u m , A n b a r ). Se essa conclusão tem funda-
mento, ela implica que a tentativa de criar um Hexateuco é um projeto
tardio, que se insere no contexto da edição de um Pentateuco na se-
gunda m etade da época persa. Uma parte dos meios dtr e sacerdotais
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Pentateuco
4. I ndicaçõ es bibliográficas
(Os títulos dos autores cujas referências não constam abaixo estão na
bibliografia do artigo anterior).
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CAPÍTULO
Christoph Uehlinger
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Gênesis 1-11
I. P lano e co n teú d o
1. 1. N om e e unidade
“História das origens” (Urgeschichte, prim eval history), dizíamos:
tal é a designação corrente que os exegetas atribuem geralm ente
aos onze primeiros capítulos do Gênesis com base nas primeiras pa-
lavras do livro (beresit , “num início”). Com efeito, trata-se nesses ca-
pítulos da origem do m undo e da humanidade, de fatos de civilização
(a criação de animais, a agricultura, a viticultura, o urbanism o...) e
de cultura (a divisão dos povos segundo os continentes, as nações e
as línguas...). Q uase tudo de que esses capítulos tratam chega for-
çosamente a isto pela primeira vez: o dia e a noite, passando pelo
primeiro nascim ento ou pelo primeiro assassinato, até a primeira
“bebedeira” . Igualmente ali estão as leis fundam entais que regem o
cosmo (o tem po, o espaço, a vida e a m orte, a bênção e o castigo),
instituídas por Deus, a realização de gestos essenciais, com o o sacri-
fício ou a oração, e em oções com o a alegria e a vergonha, ali sentidas
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Gênesis l-l I
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I. Fundação em seis dias do universo e de tudo o que nele habita pela palavra
criadora de Deus, com desfecho na celebração, pelo próprio Deus, de um
repouso sabático no sétimo dia: prova de que a criação pode, por causa da
bênção, funcionar por si mesma (Cn 1).
II. Segundo olhar sobre a criação dos seres vivos, especialmente do homem
(hã’adãm, o “terreno”), encarregado de ser o guardião de um jardim
requintado; os animais são criados com o objetivo primeiro de comple-
mentaridade comunicativa ao homem, projeto ao qual apenas a mulher
podería responder (Gn 2). Por instigação da serpente, animal de saber
excepcional, o casal transgride uma proibição de Deus e se vê expulso do
jardim (Gn 3); fora do jardim, a diferenciação dos modos de vida e a desi-
gualdade das relações com Deus conduzem os homens a relações cada
vez mais violentas entre si, violência da qual Caim e seus descendentes
são as figuras emblemáticas (Gn 4).
III. Essa violência é insuficientemente contrabalançada por uma linhagem de
homens mais piedosos (entre os quais ends, "humano” , primeiro adorador
de Yhvvh) que desfecha em Noé (Gn 5). Depois de outra transgressão,
desta vez cometida por seres celestes (6,1-4), e diante da constatação de
corrupção do homem, e até da violência que enche a terra, Deus decide
fazer desaparecer, por um dilúvio, todos os seres vivos, com exceção dos
descendentes de Noé, o justo, e dos animais que ele trouxer na arca (Gn 6-8).
Haverá uma nova partida da criação, sobre novas bases no tocante aos
seres vivos com os quais Deus faz uma aliança, comprometendo-se formal-
m ente a nunca mais trazer um dilúvio (Gn 9).
IV. Difusão dos povos (filhos de Noé, pai da humanidade) e implantação da
ordem das nações sobre a terra inteira, segundo suas línguas e seus territó-
rios (Gn 10), apesar do projeto de Babel, que queria se opor a isso mediante
uma nova transgressão (11,1-9).
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Gênesis l-l I
histórica cujo m otor essencial será a prom essa aos patriarcas de uma
descendência e de um a terra. O que equivale a dizer que o peso
dessas partes não é igual: os relatos da criação e do dilúvio formam
por assim dizer os pilares míticos sobre os quais estão inscritas as
garantias divinas que sustentam o universo (o que não é um acaso se
os paralelos extrabíblicos são abundantes precisam ente no tocante a
essas partes). Entre os dois, os relatos da segunda parte mostram
um interesse antes de tudo antropológico e operam a junção entre um
projeto divino que só podería ser ideal e a percepção vivida de uma
realidade repleta de ambiguidades, de tensões e de violência. Mesmo
que uma leitura atenta evidencie num erosos tem as latentes aos quais
apenas o grande relato trará um desenlace (por exemplo, pela institui-
ção do santuário, do sábado e da lei sacrifical em Exodo-Levítico, mas
também pela expulsão do povo de Israel de sua terra em 2Rs 24-25...),
essas três primeiras partes poderíam m uito bem ser lidas como uma
composição à parte. Portanto, são elas que constituem o verdadeiro
“relato das origens”. Q uanto à quarta parte, ela só tem sentido en-
quanto gonzo que une essas origens à história dos patriarcas.
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2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
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sua execução faz adivinhar que o narrador de Gênesis 1 (P) subm eteu
à sua noção particular de um ritmo de tem po ideal (a sem ana desfe-
chando no repouso do sábado) um quadro cosmológico que não se
prestava a isso sem resistência. N o relato da criação separada da
mulher (Gn 2,21-22...; 3,20), um vocabulário idiossincrático m ostra
claram ente que o narrador depende em última análise de um a fonte
(no m om ento não identificada) escrita em língua acadiana, portanto
de origem assírio-babilônica. O título da parte 111 faz referência a um
“rolo das genealogias de A dão” (5,1) que o autor (P) parece te r utili-
zado com o um a obra à parte (cf lC r 1-9; Lc 3,23-28). Gênesis 6,1-4
(R) contém um a reminiscência mitológica de tipo henoquiana (cf
4Q201 III; 4Q 202 II) e/ou de inspiração hesiódica, hoje perdida. Q uan-
do à tradição do dilúvio (J, P R), suas raízes mergulham, por sua vez,
na m em ória milenar da literatura sumério-acadiana.
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Gênesis 1-11
(Enlil, que decide o dilúvio; Enki/Ea, que avisa aquele que será o so-
brevivente; a deusa-m ãe Mami/lshtar, que se revolta ao ver a m orte
de suas criaturas...); nas versões bíblicas Yhwh assume o conjunto da
partitura. Portanto, ele é o único a decidir sobre o dilúvio, mas tam -
bém sobre seu fim; o que pode dar a impressão de certa contradição
(cfi 6,5 e 8,21) perm ite aos autores bíblicos insistir na simpatia de
Yhwh por sua criação e m arcar a diferença entre a onipotência divina
e o despotismo quase arbitrário. Q uanto ao relato sacerdotal da cria-
ção em Gênesis 1, que resum e a multiplicidade do divino no apelativo
’elohim, “divindade(s)”, ele foi comparado com um docum ento men-
fita, recopiado no fim do século VIII a.C., que enaltece a prioridade no
ato criador de Ptah do coração, da boca e da palavra antes dos outros
órgãos divinos, e isto para se opor aos modelos biológicos e sexuais
mais tradicionais. Igualmente se destacou certo parentesco entre a
descrição do caos primordial em Gênesis 1,1-2 e noções cosmogônicas
egípcias. Todavia, a continuação de Gênesis 1 parece mais próxima dos
conceitos babilônicos de um a criação por divisões e ordem de funciona-
mento, a ser situados a meio caminho entre Enüma elis e o relato re-
sumido que dá Berose da criação do mundo por Marduk de Babilônia.
D iferentem ente desses modelos mitológicos, o relato sacerdotal não
reconhece nenhum a força m á ou m onstruosa que teria podido se opor
à ação criadora de Deus.
Por enquanto é impossível especificar a fonte dos relatos sobre as
transgressões fundam entais, sobre os Gigantes {rfpílím) e os Heróis
(gibbôrím), enfim sobre os inventores e os fundadores. C ontente-
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3 . T em as e q u e s t õ e s
Com o vimos, Gênesis 1-11 trata de coisas essenciais e fundam en-
tais. H esitam os em querer resumir a riqueza dessas páginas em algu-
mas frases que correm o risco de ser banais. Pode-se e deve-se ler as
“origens” primeiro com o um conjunto muito denso de etiologias de
toda espécie em que se mesclam o saber empírico e a especulação, o
conhecim ento, a tradição e a informação de terceira m ão para dar
conta do advento de um a ordem e de um a organização fundam ental
do mundo, seja no piano cósmico, geográfico e geopolítico (os conti-
nentes e os países), seja no étnico e cultural (as línguas, os m odos de
vida...). N ão adm ira que essas etiologias m ostrem os limites dos co-
nhecim entos de seus autores antigos. A o ler a Bíblia a partir das in-
terrogações m aiores de o u tra época, sem dúvida deve-se insistir
m enos nas modalidades particulares, no final das contas anedóticas,
segundo as quais esses relatos consideram a cosmogonia e a antro-
pogonia (se não for para sublinhar que o próprio Deus, segundo a
Bíblia, não faz parte da criação), e mais, antes de tudo, nas questões
fundam entais que eles colocam a respeito das relações m antidas seja
en tre os hom ens e as m ulheres e entre am bos (sexualidade e violên-
cia), seja entre a espécie hum ana e o resto da criação (ecologia; natu-
reza, cultura e civilização) e com Deus.
N o tocante ao hom em no conjunto da criação, Gênesis 1lhe conce-
de um certo poder sobre a terra e sobre os animais (o dominium terrae),
que se entenderá a partir das condições de um a época em que a hu-
manidade estava longe de poder aniquilar as espécies e os biótopos.
N ote-se que esse poder será delegado ao hom em em sua condição de
ser criado “à imagem de Deus” (1,26), portanto dotado não só de inte-
ligência, mas igualmente de responsabilidade, como um representante
ou um vizir com a procuração de um rei. Se não é pedido ao homem
que se substitua a Deus, único m estre da vida, nem m esm o que tom e
o lugar de um “cocriador” (segundo um a fórmula teológica da moda),
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Gênesis 1-11
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O Pentateuco
Çézer) indispensável que está diante dele (kfnegdô). Será graças a ela
que o hom em se tornará um ser em diálogo, sendo próprio do ser
hum ano sua capacidade de comunicação, cuja figura mais intensa é
o reconhecim ento m útuo no casal (até a relação sexual, de onde o
eco de Gn 2 -3 no Cântico dos C ânticos).
Podemos nos perguntar, por fim, sobre o potencial a um só tem po
criador, inventor e destruidor do hom em , que parece ser o reverso
necessário de um a criatura inteligente, portanto curiosa por natureza
(até conhecer "o bem e o m al”) e exposta ao risco de um a e tern a
frustração. E por sua capacidade de considerar outra coisa, e sempre
melhor, que o hom em pode chegar ao ponto de desconfiar de Deus,
e até m esm o de querer um lugar que com pete apenas ao criador.
Com o na mais simples tradição mitológica, Deus se defende disso com
veemência, até se lam entar de ter criado o hom em (6,6: ponto culmi-
nante das “origens”) . Porém, a simpatia vai prevalecer sobre a queixa.
Por isso o Deus de Gênesis 1-11 aparece não só com o o criador a
quem toda a realidade deve sua existência primordial, mas igualmente
com o a única garantia da perenidade do cosmos e da sobrevivência
do m undo e da humanidade.
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
C a stel , F Commencements. Les onze premiers chapitres de la Genèse.
Paris, 1987.
von Rad , G. La Cenèse. Genève, 1968 (Commentaires bibliques).
Ruppert, L. Genesis. Ein kristischer undtheologischerKommentar. W ürzburg,
1992: v. 1: Gen 1,1-11,26 (fzb 70).
S eebass , H. Genesis!. Urgeschichte (1,1-11,26). Neukirchen-Vluyn, 1996.
W enham , G. J. W BC I, 1987.
W estermann, C. ΒΚ.ΑΓ 1/1,1974 = Genesis 1-11: A Commentary. London, 1984.
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Albert de Pury
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I. P la n o e conteúdo
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Oseias 12 nos perm ite discernir até que ponto essa gesta “jacobiana” ,
que desfrutava sem dúvida de grande popularidade tan to nas elites
tribais como nos meios populares, era desprezada, até m esm o detes-
tada e combatida pelos círculos proféticos de oposição do Reino do
N orte. Qual o motivo dessa rejeição? Seria o com portam ento do
herói? Em Oseias 12, Jacó é acusado de mentira, de violência (v. 2),
de engano (v. 4), de agressividade (v. 4), de arrogância (v. 9), de covar-
dia (v. 13a) e de instabilidade (v. 2) — aliás, algumas dessas acusações
encontram um eco na tradição profética (cf Jr 9,3; Ez 43,27; Ml 3,6).
O u será a lembrança de que as origens da tradição de Jacó rem onta-
vam à época “de antes de Y hw h” e de que lhe faltava o rigor javista?
Para Oseias não há nenhum a dúvida a esse respeito (cf O s 12,10a!).
Q uase não admira, portanto, que nos meios produtores do D eutero-
nômio e da literatura deuteronom ista, herdeiros da teologia proféti-
ca, o patriarca Jacó tenha sido objeto de um a verdadeira damnatio
memoriae. A única passagem no Deuteronôm io que m enciona Jacó
— e ainda de m aneira indireta — é a fam osa confissão de fé que cada
israelita é convidado a pronunciar: “Meu pai era um aram eu errante.
Ele desceu ao E gito...” (Dt 26,5-9). Essa confissão deve ser entendí-
da em um sentido pejorativo: o “pai” é um arameu, não um israelita,
e errante (isto é, sem substância nem futuro enquanto ancestral fun-
dador!), e sobretudo: não é digno de ser mencionado por seu nome!
O verdadeiro Israel, para os autores do Deuteronômio, nasce no Egito!
E suscitado por Yhwh, no Egito, e só existe a partir do m om ento em
que Yhwh o fez sair do Egito e se revelou a ele.
C ertam ente não foi P que inventou o fato de Jacó ser reconhecido
como o ancestral dos israelitas saídos do Egito: Jacó enquanto epô-
nimo do Reino do N orte (e, mais tarde, igualmente de Judá) está
muito bem ancorado nos profetas pré-exílicos (cf M c k e n z ie ) para que
daqui e dali, como em Deuteronôm io 26,5-9, já não se tenha feito
provir a tradição profética (mosaica) do ancestral tribal primitivo e,
consequentem ente, postular uma descida de Jacó ao Egito. N o entan-
to, até a época exílica, tratava-se antes de tradições separadas e funda-
m entalm ente rivais. N a medida em que ele se revela cada vez mais o
grande “idealizador” da estrutura canônica da história das origens de
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de uma mulher para Isaac pelo servidor de Abraão (24). Alguns desses
relatos rem ontam certam en te a lendas, relatos ou anedotas autôno-
mos, talvez antigos, porém não necessariam ente ligados à figura de
Abraão. Com o quer que seja, não perm item reconstituir o fio de um a
história de Abraão pré-sacerdotal ou não sacerdotal, com o ainda
recentem ente tentaram fazer E. Blum, I. Fischer e outros.
A seguir vem o relato aterrorizador, fora das normas, de Gênesis
22, que nos m ostra o patriarca intimado a oferecer em sacrifício seu
próprio filho. Um relato tão forte que é o primeiro que vem à m ente
quando se evoca o nom e de Abraão. N o entanto, esse relato parece
ser um dos últimos a ser acrescentados à saga canônica. De fato, se
consideram os o destino de Abraão a partir de seu ponto de partida
em Pg, assiste-se a um a “nacionalização” progressiva do patriarca: o
ancestral “ecum ênico” concebido pelo autor sacerdotal transform a-
se pouco a pouco em um ancestral “nacional” ou “confessional” : o
filho “legítimo” é Isaac, “o ilegítimo” é Ismael. Mas esse processo con-
duz ao dram a. O capítulo 22 responde claram ente ao capítulo 21.
Em 21,14, vem os um Abraão constrangido e contrito que “se levanta
de m anhã cedo” e dá pão e um odre de água a Hagar e ao seu filho,
antes de despachá-los para o deserto (21,14). No capítulo seguinte é
o segundo filho dele, Isaac, a quem A braão é convidado a renunciar.
Ainda aí, ele “levantou-se de m anhã cedo” ... para entregar a Deus
seu “filho [de agora em diante] único” . E com o se os transm issores
da tradição, tendo imposto o estreitam ento daquilo que lhes parecia
aberto demais, assistissem de repente, impotentes, à implosão de seu
sonho. É com o se a rejeição do O utro implicasse a perda do Mesmo,
a perda de si. O problem a do eleito é que o abandono do excluído
nunca lhe será perdoado. De certo ponto de vista, o relato do sacri-
fício de A braão exerce um a função análoga à do com bate de Jacó no
Iaboq (Gn 32,23-33): é no m om ento em que Jacó acredita não ter
de enfrentar mais ninguém senão Esaú, o irmão enganado, que ele
tem de enfrentar seu próprio Deus — ou ele mesmo, o abismo, o úl-
timo. São relatos com o esses que perm item salvar as tradições pa-
triarcais de sua tendência à entropia e conferem universalidade ao
texto canônico.
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3. T emas e q u estõ es
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4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
B oecker , H. J. ZBK.AT I, 3, 1992.
G unkel, H. Genesis. Gottingen, 31910 = Genesis. Macon (Ga), 1997 (Mercer
Library o f Biblical Studies).
VON Rad , G. La Gen'ese. Geneve, 1968 (Commentaires bibliques).
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CAPÍTULO
5
Gênesis 3 7 -5 0 :0 “Romance de José”
Christoph Uehlinger
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1. P lan o e co n teú d o
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1.2. Plano
O plano da obra em sua versão final não pode ser estabelecido fa-
cilm ente, seja sobre a base de indícios formais ou de conteúdo: a razão
disso é provavelm ente a com plexidade da gênese redacional, a confusão
de tram as narrativas limitadas à novela ou ao rom ance com outras
desde logo ligadas ao ciclo de Ja c ó ou a té à grande história nacional.
N o en tan to , critérios dram áticos (lugar, tem po e escolha dos p ersona-
gens) perm item reco n h ecer um cenário desenvolvido em três quadros
principais, cercados de um prólogo (colocação em situação) e de um
epílogo (colocação em repouso). O ato mais m ovim entado situa-se no
âm ago do relato, nos capítulos 4 2 -4 5 , cujas peripécias conduzem ao
reconhecim ento m ú tu o e à reconciliação dos irmãos; o ato anterior,
em que se tra ta da ascensão de José, prepara, a m odo de contraste, a
instalação com to d a segurança de Jacó e de seus filhos no Egito. A penas
os capítulos 38 e — em m en o r m edida — 49 perm anecem relativa-
m en te alheios a esse plano simétrico.
37,1 Título
Prólogo: José e seus irmãos 1 (Gn 37,2-36)
37,2-11 José privilegiado entre seusirmãos
37,2-4 Introdução: José privilegiado por seu pai
37,5-8 Primeiro sonho de José: os feixes de trigo
37,9-11 Segundo sonho: a homenagem dos astros
37,12-36 O fratricídio evitado; José vendido no Egito (v. 21-22.29-30:
intervenção de Rúben; v.26-27: intervenção de Judá)
38 J udá e T amar
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Gênesis 37-50: o “Romance de José”
único de crescim ento por acréscimo. De fato, cada um a das três partes
com porta núcleos duros e desenvolvimentos secundários, dos quais
alguns são pontuais e outros ligados a refundições literárias.
Tomemos, por exemplo, um elem ento típico da primeira parte do
rom ance, os sonhos, sua interpretação e sua realização: no contexto
da primeira tram a narrativa (a ascensão de José), a capacidade oni-
rom ântica de José lhe abre as portas da prisão e depois do palácio
real. N o entanto, considerando as coisas de perto, vê-se que duas
mãos seguraram a pena nos capítulos 40-41, um a considerando o dom
de José a expressão de sua própria capacidade (40,12.16.18; 41,12),
a outra atribuindo tão só a Deus, que se comunica com os hom ens
pelos sonhos, o conhecim ento último de sua significação (40,8;
41,16.25.28.32). Mais que um matiz, essa diferença indica um a re-
leitura, hipótese confirmada por outras observações. De intérprete
de sonhos José se to rna ele m esm o sonhador na segunda tram a
(37,19). Aí tam bém se nota um a amplificação, pois apenas seu primei-
ro sonho (37,5-8: os feixes de trigo), cujo significado parece evidente
aos olhos de todos, se realizará realm ente (e logo três vezes, e não
uma: c f 42,6; 43,26.28; 44,14), enquanto o segundo sonho perm a-
necerá um tan to em suspense. Será um acaso que este último sonho
conheça, por outro lado, paralelos aram aico-m esopotâm icos (em
um a inscrição de Nabonides e na versão siríaca dos provérbios de
Ahiqar)? Imagina-se facilmente que um releitor, familiar a esse moti-
vo literário, pôde aduzi-lo tardiam ente ao relato sem contudo pro-
curar modificar o curso de um a história já bem definida. Q uanto à
terceira tram a, ela ignora inteiram ente a dimensão oniromântica.
Ao contrário, as remissões explícitas e implícitas à história dos pa-
triarcas e do êxodo se multiplicam em um relato que supõe o conhe-
cim ento prévio das tradições “sacerdotais” (P; c f especialm ente a
im portância dada ao túm ulo dos patriarcas).
Com o conclusão, se hoje podemos ter por certo que a teoria do-
cum entária não possui mais a chave decisiva para interpretar a história
redacional do romance de José, devemos no entanto admitir um cres-
cimento literário progressivo e bastante complexo, que se estendeu
provavelmente por várias gerações, e até mesmo por vários séculos.
203
O Pentateuco
2.2. Cronologia
As divergências são grandes entre os exegetas quando se trata de
datar o romance de José. As formulações extrem as vão desde a época
ramassida (séculos XI11 e XI1 a.C.) até a época helenística tardia (sé-
culo 11; c f C atastini) . Do ponto de vista metodológico são aceitáveis
apenas as hipóteses que não dependem de um a priori sobre a gênese
do Pentateuco. E possível se apoiar em argum entos estabelecidos
fora da crítica bíblica? Em um exame minucioso do pano de fundo
egípcio do romance, o egiptólogo D. B. Redford forneceu observações
detalhadas que caminham nessa direção. De acordo com sua análise,
nada perm ite rem ontar além da 26a dinastia (dinastia saíta, 664-525
a.C.). O s elem entos onomásticos (especialmente Potifar/Pôti-Fera/
P3-dj-p3-r‘, “aquele que doa Re”, e Safnat-Panêah/Dd-p3-ntr-iw.f- ‘nh,
“O deus fala, e o [homem] vivei, em 41,45) indicariam um a origem do
relato na época saíta ou persa. O medo de espiões asiáticos em 42,9 ss.
podería muito bem se entender na época saíta, no século VI, em um
contexto de conflito com o império babilônico, mas igualmente no
século IV, na época dos últimos faraós indígenas. O utros elementos,
ao contrário, são entendidos dificilmente na época saíta: assim, o co-
mércio particular de escravos (39,1), o pagam ento em dinheiro por
grandes compras de cereais (42,25.35 etc.), a prática egípcia de não
com er com os estrangeiros (43,32) apontam antes de tudo para a
época persa, se não helenística. Se as vacas, nos sonhos de Faraó
(41,17 ss.), devem ser aproximadas de um a criptografia egípcia para
o term o “ano ”, somos conduzidos à época ptolemaica.
Logo se vê que essa lista de observações pontuais pede para ser
combinada com uma abordagem do tipo da crítica redacional. "Todavia,
as observações de Redford confirmam a hipótese de um crescim ento
literário entre o século VI e o século 111 a.C. Resumamos, portanto,
simplificando as distinções estabelecidas até então:
204
Gênesis 37-50: o "Romance de José”
2 .3 . Arranjos finais
Dois capítulos inseridos tardiam ente parecem não ter nenhum vín-
culo literário imediato com a história de José. N o m om ento mesmo
em que José é vendido no Egito, o relato de Judá e Tamar interrompe
o rom ance com o para sublinhar a derrota da fratria (Gn 38; notar a
repetição de 37,36 em 39,1). O ancestral de Yehud se casa com uma
canaanita, mas encontrará em seguida dificuldades para garantir sua
descendência: seu primogênito (Er) morre antes de gerar filhos, o
segundo (Onan) não quer assumir sua responsabilidade de cunhado
205
O Pentateuco
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Gênesis 37-50: o “Romance de José”
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O Pentateuco
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Gênesis 37-50: o “Romance de José"
209
O Pentateuco
era preciso que Jacó emigrasse para o Egito e que Israel fosse levado a
se multiplicar ali a fim de que Yhwh pudesse resgatar um povo que se
tornara numeroso (ver a lembrança das promessas em 46,1-5)?
3. T emas e q u estõ es
210
Gênesis 37-50: o “Romance de José”
211
O Pentateuco
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
C a t a s t in i , A. Storia di Giuseppe (Genesi 37-50). Venezia, 1994.
von R a d , G. La Genèse. Genève, 1968.
S e e b a s s , H. GenesisIII. Josepfgeschichte (37,1-50,26). Neukirchen-VIuyn,
2000.
S o c g in , J. A. DasBuch Genesis. Kommentar. Darmstadt, 1997, p. 424-454.
W e n h a m , G. J. W BC 2, 1994.
W e s t e r m a n n , C. BK.AT 1/3, 1982 = Genesis: A Commentary. Minneapolis
(Μη), 1986.
212
Gênesis 37-50: o “Romance de José”
213
O Pentateuco
_____ . Joseph approche: sources du cycle, corpus, unité. In: A bel, O.,
S m y t h , F (éd.). Le livre de traverse. De 1’exégèse biblique à I’anthro-
pologie. Paris, 1992, p. 73-85 (Patrimoines).
_____. La narration, une subversion: I’histoire de Joseph (Gn 37-50*)
et les romans de la diaspora. In: B r o o k e , G. J., K a e s t l i , J.-D. (ed.).
Narrativity in Biblical and Related Texts. La narrativité dans la Bible et
dans les textes apparentés. Leuven, 2000, p. 15-27 (BEThl 199).
S c h m it t , H. C. Die nichpriesterliche Josephsgeschichte. Ein Beitrag zur
neuesten Pentateuchkritik. Berlin, 1980 (BZAW 154).
d a S ilva , A. La symbolique des rêves et des vêtements dans I’histoire de Joseph
214
CAPÍTULO
6
Êxodo
Jean-Daniel Macchi
1. P la n o e co n teú d o do livro
216
Êxodo
P r i m e i r o p e r í o d o : I s r a e l n o E g i t o ( 1 ,1 - 1 5 - 2 1 )
1-2 Situação de partida: Multiplicação (1,1-7) e opressão (1,8-22)
do povo. Nascimento, infância e fuga de Moisés (2)
3-4 Intervenção divina no deserto. Vocação de Moisés, circuncisão
(ataque de Yhwh) e volta de Moisés para o Egito
5-14 A libertação do Egito
5 Moisés e Aarão sofrem uma derrota diante de Faraó
6 “Confirmação" da vocação mosaica
7-11 Enfrentamento entre Moisés e Faraó. As pragas sucessi-
vas que se abatem sobre o Egito terminam com a morte
dos primogênitos egípcios; esse episódio introduz o ritual
da Páscoa
12,1-13,16 Relato da instituição da Páscoa
13,17-14,31 A passagem do mar, saída do Egito
15 Hino conclusivo
S e g u n d o p e r ío d o : o s d e s l o c a m e n t o s n o d e s e r t o (1 5 ,2 2 - 1 8 ,2 7 )
15,22-27 As águas de Mará
16 O maná
17,1-7 As águas de Massá e Meribá
17,8-16 Guerra contra Amaleq
18 litrô e a administração do direito
T e r c e i r o p e r í o d o : o S i n a i (1 9 —4 0 )
19-24 Conclusão da aliança
19 Anúncio da aliança
20,1-17 O decálogo
20,22-23,19 O Código da Aliança
24 Conclusão da aliança
25-31 P r o j e t o d e e d if ic a ç ã o d o s a n t u á r io
32-34 Ruptura e restabelecimento da aliança
32 O bezerro de ouro
33-34 Restabelecimento da aliança
35-40 E d if ic a ç ã o d o s a n t u á r io
das promessas feitas por Deus a Moisés (4,31). Essa notícia sobre a
“fé” do povo encerra tam bém o episódio da passagem do m ar (14,31),
enquadrando ainda o relato propriamente dito da libertação do Egito
(Ex 5-14). Este último se caracteriza por um longo “braço de ferro”
entre Moisés, que exige deixar sair Israel do Egito, de acordo com a
ordem de Yhwh, e Faraó, que rejeita essa reivindicação. Assim, de-
pois de uma primeira intervenção abortada de Moisés junto a Faraó e
217
O Pentateuco
218
Êxodo
219
O Pentateuco
saída do Egito pode te r perdurado por séculos nas tradições das po-
pulações antes de encontrar sua forma literária definitiva.
A docum entação extrabíblica, especialmente a egípcia, não fom e-
ceu nenhum docum ento que permitisse confirmar o relato bíblico, nem
m esm o identificar com certeza este ou aquele personagem do relato.
N o entanto, o que se sabe do Egito entre os séculos XVI e XI antes
de nossa era apresenta um quadro compatível com a fuga de um grupo
de semitas rum o à Palestina, seguido de sua implantação ali. D urante
esse período, o Egito controlou em grande parte a Síria-Palestina e
não deixou de utilizar a mão de obra semita reduzida à escravidão.
No tocante aos acontecim entos que constituem o núcleo histórico
do Êxodo, podem ser considerados vários contextos. A expulsão dos
hicsos — um grupo semita — do Egito, acontecim ento situado por
volta de 1550 a.C., é cada vez menos aproximada do relato bíblico
pelos historiadores. O primeiro livro dos Reis (6,1) menciona que a saída
do Egito precede em 480 anos a ereção do Templo de Salomão, o que
situaria o Êxodo por volta de 1450 a.C. lodavia, o núm ero 480 é evi-
dentem ente o resultado de um cálculo teológico tardio (doze sacerdo-
tes entre Aarão e Sadoq, multiplicados por quarenta anos), cujo funda-
m ento histórico é duvidoso. Numerosos eruditos preferem situar o
Êxodo no século XIII. Com efeito, é durante esse período que a décima
nona dinastia egípcia (a de Ramsés II) instala sua capital no delta do
Nilo e realiza ali grandes trabalhos de construção. As cidades de Pitom
e Ramsés (Ex 1,11) são atestadas pelos textos egípcios desse período.
Além disso, essa datação é compatível com a menção, na esteia de
M erneptá, da vitória desse soberano egípcio sobre um grupo chamado
“Israel” e situada em Canaã (~ 1230 a.C.). Por fim, um a época mais
tardia foi considerada com base em um episódio situado na corte egíp-
cia no final da décima nona dinastia (~ 1187 a. C .). Um semita de nome
B’y> que ocupava o poder graças ao apoio da rainhaTausret, foi impe-
lido a sair do Egito, expulso do poder pelo futuro faraó Sethnakt. A
identificação de B’y com Moisés apoia-se não apenas no episódio da
fuga em direção ao deserto, mas tam bém no fato de que o nome
“Moisés” é a form a hebraica de um afixo corrente no idioma egípcio
que significa “gerado por” (cf Fa-mósis: “gerado por Fa”).
220
Êxodo
O chanceler semítico Beia e a rainha lausret (por volta de 1180). Beia é um dos possíveis
candidatos para o "Moisés histórico”
221
O Pentateuco
222
Êxodo
223
O Pentateuco
224
Êxodo
225
O Pentateuco
3. T emas e q u estõ es
226
Êxodo
227
O Pentateuco
3 .3 . Os ritos e o culto
O s textos do Êxodo instituem as práticas rituais da Páscoa (Ex 12)
e do sabbat (Ex 16; 31,12-17). Além disso, encontram os no livro do
Exodo toda um a reflexão sobre a instituição do culto. O conjunto dos
capítulos 25 a 31 organiza o culto ordenando a ereção de um santuário
móvel, as práticas rituais ligadas a isso e a consagração dos sacerdo-
tes. Esse santuário, que prefigura o Templo de Jerusalém e seu culto,
só é efetivam ente edificado e consagrado (Ex 35-40) após o episódio
do bezerro de ouro e a renovação da aliança. Esses capítulos term inam
(Ex 40,34-38) com a instalação da nuvem, até então sem morada,
sobre o santuário, vindo dessa maneira a presença divina legitimar o
Templo novam ente construído. O motivo da nuvem enquadra a cons-
trução do santuário, pois em 24,18 Moisés entra na nuvem antes de
receber as instruções concernentes ao santuário. É assim que se une
à gesta do Êxodo a maior parte das práticas rituais judaicas.
Ao lado dessa perspectiva cultuai, o fato de que os capítulos 19
a 24 com portem um a série de regras sobre questões de ética social
convida a entender a aliança de Deus com seu povo em term os de
respeito da Lei (Ex 24,3) antes que em term os rituais. Esse tipo
de teologia não deixa de lem brar a que encontram os no livro do
Deuteronôm io.
228
Êxodo
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
A r t u s , O., N oél, D. Commentaires, 1998.
Auzou, G. De la servitude au service. Paris, 31968 (Connaissance de la Bible).
C h il d s , B. S. OTL, 1974.
C l e m e n t s , R. E. CNEB, 1972.
C oats, G. W. FOTL, 1999.
D u r h a m , J. 1. WBC, 1987.
H o u t m a n , C. H C O T 1996.
H y a t t , J. P NCBC, 1981.
J a n z e n , J. G. Westminster Bible Companion, 1997.
M ic h a e li , E CAT, 1974.
N o t h , M. ATD, 1959 = OTL, 1962.
Sarna, N. M. JPSTC, 1991.
S c h a r b e r t , J. NEB.AT, 1989.
S c h m id t , W. Η. BK.AT 2, 1999 (Ex 1-11).
229
O Pentateuco
230
CAPÍTULO
?
Levítico
Adrian Schenker
231
O Pentateuco
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
Em hebraico, o título do livro é a primeira palavra do texto: w ayyiqrá ’
, = “ele (Yhwh) cham ou”. O nom e utilizado correntem ente hoje é
tom ado da Bíblia grega e dos Padres da Igreja (Orígenes) e designa o
conteúdo do livro como m atéria “levítica”, isto é, dependente da res-
ponsabilidade dos levitas, e entre eles especialm ente dos sacerdotes.
Não é raro que o Levítico seja igualmente designado simplesmente
como o terceiro livro de Moisés.
/. 1. A sp ecto de conjunto
O Levítico se com põe de quatro grandes seções e um apêndice:
2J2
Levítico
I. 4. E strutura e conteúdo
Do ponto de vista das m a téria s tra ta d a s, Levítico 1-7 e 8-10 di-
zem respeito ao culto sacrifical, do qual os sacerdotes estão encar-
regados, enquanto os capítulos 11-15 especificam as exigências de
pureza prescritas para os membros da assembléia litúrgica (sacerdotes
e leigos). Levítico 16 resum e as duas dimensões do culto e da pureza,
na celebração do perdão (Lv 16,11-17.21-22), e de purificação (Lv
16,18-20), onde o culto e a pureza são restaurados graças à supressão
sim ultânea das culpas e das impurezas.
Por seu lado, Levítico 17-25 (e 26-27) se apresentam em dois
blocos com estrutura ternária e concêntrica:
I.
17 Culto sacrifical (sangue)
18 Família (relações de parentesco, sexuais)
19 Comunidade cultuai e civil
20 Família (relações de parentesco, sexuais)
21-22 Culto sacrifical (sacerdotes)
II .
23 Calendário (tempos sagrados no interior do ano)
24 Casa de Yhwh (espaço sagrado do santuário excluindo
o blasfemo)
25 Calendário (tempos sagrados além do ano)
233
O Pentateuco
/. 5. D ivisão do livro
A divisão do livro sob o aspecto das m atérias se apresentará, por-
tanto, assim:
I. 1. 1-10 Culto: sacrifícios e sacerdócio
2. 11-15 Culto: condições (pureza) para a participação no culto
3. 16 Dia das Expiações: caldeirão da restauração da pureza do culto
e da inocência da comunidade graças ao perdão e à purificação
geral do Yôm Kippürim
II. 1. 17-22 Condições sociais e morais da comunidade
2. 2 3 -2 4 Organização do tempo em seções profanas e seções sagradas: o
calendário e a casa de Yhwh, o santuário
3 .2 5 Ano santo: caldeirão da restauração da ordem social desagregada
graças à volta às origens
III. 26 Bênção e maldições: conclusão geral do conjunto de Levítico
1-16 (1) e Levítico 17-25 (II) sob a forma de uma adjuração so-
Iene para entender as tramas vitais da acolhida e da recusa da
palavra de Yhwh
I. O s sacrifícios (1-7)
1,1-2 Introdução a toda a seção Levítico 1-7
1,3-17 Holocaustos, o/á
2 Oferendas vegetais, minha
3 Sacrifícios de paz (ou de com unhão), selamim
4 Sacrifícios pelo pecado, hattât
4,1-2 Ocasião que exige esse sacrifício: transgressão de alguma
proibição (mandamento negativo: não farás), por inadver-
tência (não intencionalmente)
4,3-12Pecado do sacerdote consagrado
4,13-21Pecado da comunidade
4,22-26 Pecado do príncipe
4,27-35 Pecado de um particular
5 Sacrifícios pelo pecado ou de reparação, 'asam
Esse sacrifício é exigido para o perdão da profanação de um bem
sagrado (sacrilégio) por inadvertência (Lv 5,14-16) ou intencional-
m ente (Lv 5,20-26). (A maioria dos autores classifica Lv 5,1-13
na categoria do sacrifício pelo pecado, mas por causa de Lv 5,5 e
dos pecados enumerados em 5,1-4 parece mais plausível agrupar
Lv 5,1-13 na seção do sacrifício pelo pecado.)
6-7 Prescrições rituais dos sacrifícios para uso dos sacerdotes
7,37-38 Conclusão de Levítico 1-7
234
Levítico
235
O Pentateuco
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
2.1. A fo rm a ç ã o do livro
Esse amplo conjunto com estruturas complexas é o produto de
um a história de composição ou de redação.
As matérias de Levítico 1-16 são geralmente consideradas apêndices
inseridos em um a “história sacerdotal” (priesterliche Grundschrift, ou
Pg) essencialm ente narrativa, razão pela qual são designadas com o
auxílio da sigla Ps (para P “secundária”). Desde A. Klostermann (1877),
o conjunto de Levítico 17-26 é geralm ente intitulado Código de Santi-
dade e entendido como uma coleção específica de disposições cultuais,
236
Levítico
morais e legais, distinta das leis de Ps por sua terminologia e por suas
concepções teológicas próprias.
A provenência das m atérias do Levítico de Ps e do Código de San-
tidade suscita as seguintes questões, às quais a pesquisa responde de
várias maneiras:
1. Será que o corpo das leis de Levítico 1-16 e o Código de Santi-
dade, Levítico 17-26, form am unidades hom ogêneas ou conhe-
ceram um desenvolvimento literário em várias etapas?
2. De um lado, qual é a relação entre Levítico 1-16 e Levítico 17-26
e, de outro, entre esses dois conjuntos e a lei deuteronômica? A
relação entre o Código de Santidade e o Deuteronômio, em
particular, com frequência foi objeto de pesquisas (cf C h o le -
w in ski ; O t t o ).
3. Quais são o lugar e o papel do Código de Santidade na história
da redação final do Pentateuco?
2 .2 . D atação
C om preende-se facilmente que a atribuição de datas aos textos
do Levítico não é coisa fácil. A datação do Levítico depende, por um
237
O Pentateuco
238
Levítico
239
O Pentateuco
3. T em as e questões
240
Levítico
4. I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
4.1. C om entários
Budd, RJ. N C BC , 1996.
G e r s t e n b e r c e r , E. S. ATD 6, 1993 = Leviticus: A Commentary, Louisville
(Ky), 1996.
L e v in e , B. A. JP S T C 3, 1989.
M ilg ro m , J. AncB 3, 1991; 3A, 2000; 3B, 2001.
P e t e r - C o n t e s s e , R. CA T 3a, 1993.
241
CAPÍTULO
8
Números
Thom as Rõmer
O livro dos Núm eros foi pouco com entado pela tradição e pouco
trabalhado pelos pesquisadores modernos, ainda que faça figura de
parente pobre na exegese do Antigo Testam ento ao lado do Gênesis,
do Êxodo ou do Deuteronômio. É verdade que à primeira vista o con-
teúdo do livro tem com que chocar. É difícil entender um fio condutor
nesse amálgama de prescrições cultuais, listas e narrações: contraria-
m ente aos livros do Gênesis e do Êxodo, Números não se apresenta
em uma primeira abordagem como um relato coerente. No entanto,
esse livro trata de vários tem as centrais para o entendim ento do Pen-
tateuco e de sua hermenêutica: o problema da identidade e da organi-
zação de uma comunidade que se encontra “no deserto” (bem idbãr ) e
que, portanto, está privada de suas estruturas habituais (estatais e
outras); os conflitos sobre a autoridade (Tem-se necessidade dela? E
de qual? Sacerdotal? Profética?) que estão no centro de vários relatos;
e, finalmente, a instalação em Números de um a interpretação contí-
nua de tradições narrativas e legislativas mais antigas, que já anuncia,
de muitos pontos de vista, a literatura m idráshica.
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv ro
/. 1. O nom e do livro
O título nos vem da Septuaginta (LXX), arithm oi, e foi tom ado
pela tradição latina (N u m e r i ). Pode significar “núm eros” ou “enum e
242
Números
243
1.3. E strutura e plano do livro
De todos os livros do Pentateuco, o dos N úm eros é aquele cuja
estrutura é a m enos evidente. A maioria dos exegetas propõe uma
divisão que corresponde, grosso m odo, às três partes seguintes: 1. O fim
da estada no Sinai (Nm 1-10); 11. A travessia do deserto (Nm 11-20);
111. A preparação da conquista naTransjordânia (Nm 21-36). Todavia,
essa estrutura é pouco indicada pelo próprio livro dos Núm eros, e
não há acordo entre os exegetas sobre as cesuras entre as diferentes
partes. Deve-se concluir a primeira parte depois de 10,10 (fim do úl-
timo discurso de Deus no Sinai), 10,36 (em 11,1 com eça o primeiro
relato das lam entações do povo) ou ainda desde 9,14 (fim das pres-
crições cultuais)? Alguns autores term inam a segunda parte em 20,13
(antes da caminhada para a Transjordânia, que com eça em 20,14),
outros em 21,9 (antes do com eço dos relatos de conquista da Trans-
jordânia em 21,10), em 22,1 (começo do ciclo de Bilêam) e mesmo
em 25,18 (antes do segundo recenseam ento).
O problema provém principalmente do fato de que o livro dos
N úm eros não representa um relato hom ogêneo e independente,
mas constitui, antes, na form a “final” (canônica) do Pentateuco, um
relato de transição entre a estada no Sinai (Ex 19-40; Levítico; Nm
1-10) e a chegada à Transjordânia, na terra de M oab (Nm 20-36;
D euteronôm io). Mais ainda, inúmeros elem entos nesse livro parecem
retomar, desenvolver ou m esm o antecipar episódios relatados em
outros livros, especialm ente no Exodo e no Deuteronôm io: assim,
os primeiros capítulos do livro continuam a estada no Sinai iniciada
em Êxodo 19, enquanto a partir de Números 11 se tem de certa forma
a sequência dos relatos de Êxodo 16-18 dos quais alguns retom am a
m esm a tem ática. A m orte de Moisés, anunciada em N úm eros 20,12,
se realizará em Deuteronôm io 34, enquanto a instalação de Josué
como sucessor de Moisés, relatada em N úm eros 27,12-22, é reto-
m ada em Deuteronôm io 31; a localização nas planícies de Moab,
aliás, une o fim do livro ao Deuteronômio.
N esse sentido é impossível analisar o problema da form ação e da
estrutura do livro dos N úm eros sem situá-lo no contexto global da
composição daT orá como P e n ta te u c o . A divisão daT orá judaica em
Números
245
O Pentateuco
246
Números
A . A G E R A Ç Ã O D A S A ÍD A : A M O R T E D A G E R A Ç Ã O A N T IG A
(1 ,1 -2 5 ,1 8 )
247
O Pentateuco
248
Números
B. A SE C U N D A G E R A Ç Ã O À E SP E R A D A C O N Q U IS T A (2 6 -3 6 )
I. A instalação da segunda geração antes da conquista (26,1-33,49)
26 Segundo recenseam ento das tribos e dos levitas. Conclusão do
recenseam ento pela constatação da m orte do conjunto da pri-
meira geração (26,63-65)
27,1-11 As filhas de Selofhad: direito de sucessão para as mulheres na
ausência de herdeiro varão
27,12-23 Sucessão de Moisés; instalação de Josué como chefe da segunda
geração
28-30 Especificações cultuais para a nova geração: sacrifícios em diferentes
ocasiões; votos das mulheres
249
O Pentateuco
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
250
Números
2. /. O m aterial sacerdotal
Encontram os o material sacerdotal em Núm eros principalmente
nos seguintes textos: 1-10,28; 15; 18-19; 20,22-29; 26; 27-31; 34-36;
além dos relatos sobre os exploradores (13, l-17a.21.25-26.32-33;
14.1- 3-10.26-38), sobre QÔrah (16,13.2*.11.16-24*.27*.35), sobre a
escolha de Aarão (17) e sobre Meribá (20,2.3b.4.6-7.8*.10.1 lb-12).
Esse material não é obra de um único autor, mas antes de um a ver-
dadeira escola, que é preciso situar na época persa. Pode-se entender
a especificidade do livro dos Números na composição sacerdotal obser-
vando que bom núm ero das prescrições reunidas aqui pressupõem já
os textos sacerdotais contidos no Êxodo e no Levítico. Em vários
casos, as prescrições de N úm eros vêm com pletar as legislações an-
teriores: N úm eros 5,5-10 com pleta Levítico 5,20-26 (concernindo à
parte do sacrifício de reparação que cabe ao sacerdote); Núm eros
9.1- 14 com pleta as prescrições da Páscoa em Êxodo 12 (especialmen-
te sobre a questão dos participantes que seriam “impuros”); N úm e-
ros 28-29 procuram enriquecer o calendário das festas em Levítico
23 etc. Essa observação significa que o material “P” do livro dos N ú-
meros certam ente não pertence mais à versão sacerdotal de base
(ou Pg, ver a introdução ao Pentateuco). Pode-se concluir daí que na
época da redação sacerdotal de Núm eros os livros do Levítico e do
Êxodo já estavam concluídos. O s autores sacerdotais utilizaram en-
tão Números para inserir complementos à legislação existente: pois
uma vez que segundo a ideologia sacerdotal todas as prescrições cul-
tuais foram comunicadas a Moisés por Yhwh desde as “origens”, isto
é, quando da estada no deserto, seria preciso necessariam ente que
251
O Pentateuco
252
Números
253
Pentateuco
2 .3 . A questão das fo n te s
E evidente que os autores sacerdotais e leigos do livro dos N úm e-
ros utilizaram tradições mais antigas: assim, por exemplo, Oseis 9,10
aparentem ente já conhece um a tradição sobre o Báal de Peor sem e-
lhante àquela narrada no relato de N úm eros 25. Entre essas tradi-
ções podem os destacar os seguintes elem entos:
3 . T em as e q u e st õ e s
1. Tanto o plano como o conteúdo do livro m ostram que a m udança
de geração desem penha um papel central em Números. A reflexão so-
bre a substituição da primeira geração pela segunda levanta um proble-
ma teológico essencial: em que m edida a geração a tu a l deve suportar o
pecado de seus pais ou ser solidária com isso? Encontramos aí uma reflexão
corrente nos descendentes da geração que conheceu o Exílio, como
atesta a máxima de Ezequiel 18,2: “O s pais comeram uvas verdes e os
dentes dos filhos se em botaram ”. A essa pergunta, os autores de Nú-
meros respondem pela negativa (exatam ente como os autores de
Ezequiel; c f Ez 18,3-4): a nova geração certam ente não é idealizada,
mas seu direito de entrar na terra perm anece intacto.
2. A esta d a no deserto constitui outro tem a central de Números. É
preciso notar que o deserto é visto de m aneira muito mais negativa
do que aparece alhures no Antigo Testam ento. N a maioria dos discur-
sos proféticos especialm ente, o deserto aparece com o um lugar, se
não positivo, ao m enos neutro; é o lugar do esponsório entre Yhwh
e Israel (cf por exemplo Jr 2,2; O s 2,16-17). Ao contrário, Núm eros
apresenta um a imagem muito sombria, quase desesperadora, da vida
de Israel no deserto, imagem que se exprime principalmente no ciclo
255
O Pentateuco
256
Números
A arão com o fig u ra s interm ediárias entre Yhwh e o povo. Por seu
contato privilegiado com Yhwh, Moisés aparece claram ente como
o verdadeiro chefe do povo (um papel que, aliás, lhe será contes-
tad o ), e em seis oportunidades Yhwh chega a atenuar ou a suspender
a punição por causa de sua intercessão (11,2.12.13; 14,13-19; 16,22;
17,11; 21,7-8). Em bora tenha geralm ente um papel inferior ao de
Moisés (todavia ver Nm 171), A arão tem num erosos privilégios co-
mo representante da autoridade sacerdotal, e é especialm ente ele
quem organiza e preside o culto e os sacrifícios. Temos aí um eco
m uito claro da influência da figura do sum o sacerdote na comunida-
des pós-exílica. E de notar ainda que a sucessão de Moisés e de
A arão não obedece aos m esm os princípios: princípio dinástico-ge-
nealógico para A arão (ver seu filho Eleazar em 20,25-28, depois
Pinhás em 25,7) e “carism ático” para Moisés (é Yhwh quem esco-
lhe Josué em Nm 27,15-20). N a m esm a esteira, a definição das re-
lações entre Josué e Eleazar (o sucessor de A arão) em 27,18-23
reflete o problem a da divisão dos poderes en tre o chefe político e o
sumo sacerdote (cf Ez 45-46).
4. O m odo pelo qual se m anifesta a relação com os outros povos
em N úm eros é igualmente interessante: certos textos apregoam um
exclusivismo estrito, proibindo qualquer contato com os habitantes
da terra, na linha do Deuteronôm io ou de certos textos do Exodo
(ver, por exemplo, Nm 33,52; em Nm 25, a apostasia de Israel é
explicada pelo fato de que Israel foi seduzido pelos m oabitas e pe-
los midianitas). Porém, outra tendência se m anifesta igualmente:
Moisés, ele próprio casado com um a estrangeira (Nm 12), convida
Hobab, seu sogro midianita, para acom panhá-lo na terra prometida
(10,29 ss.). Bilêam, o adivinho estrangeiro, considera ser Yhwh seu
deus (23,12). Determ inadas disposições legislativas concernentes à
Páscoa e aos sacrifícios integram os “au tó cto n es” e os estrangeiros
residentes no meio do povo (9,14; 15,13-16; 35,15). Aqui ainda, o
confronto entre um a posição rigorista, preocupada em preservar a
integridade da comunidade, e um a tendência à abertura (que prefi-
gura em parte o proselitismo judaico) reflete bem um dos principais
debates da época persa.
257
O Pentateuco
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1 . C o m e n tá r io s
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Números
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bers. Louisville (Ky)/Kampen, 1994.
259
CAPÍTULO
9
Deuteronômio
Martin Rose
260
Deuteronômio
261
O Pentateuco
I. P lan o e c o n t e ú d o do l iv r o
262
Deuteronômio
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O Pentateuco
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Deuteronômio
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O Pentateuco
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Deuteronômio
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
267
O Pentateuco
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Deuteronômio
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O Pentateuco
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Deuteronômio
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O Pentateuco
272
Deuteronômio
273
Pentateuco
3 . T em as e q u e st õ e s
Talvez seja muito ambicioso considerar o Deuteronôm io o “centro
do Antigo T estam ento” e até m esm o da “teologia bíblica” em geral
(assim, por exemplo, H erm ann ). A esse respeito, quatro aspectos
m ereceríam estudos mais aprofundados.
a) Do ponto de vista h erm en êu tico , o Deuteronôm io ilustra de
m aneira especialm ente significativa aquilo que vale tam bém para o
Antigo Testam ento em seu conjunto: um processo notável de trans-
missão e de interpretação que funcionou durante séculos. Poder-se-ia
falar de um a “teologia a b e rta ” que, sob formas sem pre renovadas,
retom ou o desafio lançado por experiências muito diversas (por
exemplo, a época gloriosa de Josias seguida da catástrofe nacional).
A tarefa da interpretação é dupla: subm eter as tradições religiosas
e literárias a um a releitura confrontada com experiências novas e
situar, ao contrário, o cotidiano sempre de novo na luz de Deus.
Contudo, o Deuteronômio não é apenas um exemplo extraordiná-
rio do processo aberto de releituras sucessivas, mas tam bém o escrito
que pela primeira vez obtém um reconhecim ento oficial (cf 2 Rs
23,3), condição indispensável para a ideia de um a “canonização” li-
mitando progressivam ente as modificações interpretativas de um
texto. Uma sensibilidade crescente à diferença entre citação e inter-
pretação se afirma gradualm ente; o tex to se fe c h a , a interpretação
está separada dele.
b) O Deuteronôm io exerceu uma influência sem igual sobre a lite-
ratura ulterior, em todo caso se levamos em consideração os livros
examinados para figurar no cânon da Bíblia hebraica. Encontram os
a marca de sua linguagem, evidentem ente, nos livros de Josué, de
275
O Pentateuco
276
Deuteronômio
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
B raulik, G. NEB.AT, 1986-1992.
Buis, P, L e c l e r q , J.SBi, 1963.
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N ie l s e n , E. HAT 1/6, 1995.
277
O Pentateuco
278
Deuteronômio
279
A tradição judaica intitula N eb iim a segunda parte da Bíblia he-
braica, que, além disso, está subdividida em N eb iim rishonim (“Pro-
fetas anteriores”) e N eb iim aha ro n im (“Profetas posteriores”).
O s Profetas anteriores contêm livros que a tradição cristã designa
tradicionalm ente com o título “livros históricos” : Josué, Juizes, Sa-
muel, Reis. De fato, trata-se de livros que continuam a tram a narra-
tiva do Pentateuco relatando a história de Israel da conquista de Canaã
até a destruição de Jerusalém e a época do exílio babilônico (587 a.C.).
Aí dois tem as dominam: a terra e a questão da organização política
de Israel. Em Josué, Israel chega a se apropriar da terra de um a m a-
neira militar, porém essa terra está perdida no fim dos livros dos Reis
depois das invasões militares dos assírios, para o Reino de Israel, e
dos babilônios, para o Reino de Judá. A questão da realeza é posta
desde o livro dos Juizes; Samuel narra as origens da monarquia, e os
Reis suas horas de glória e seu declínio.
O s Profetas posteriores são constituídos pelos livros proféticos pro-
priamente ditos: Isaías, Jeremias, Ezequiel e o livro dos doze Profetas.
A instalação em comum desses dois conjuntos literários pode sur-
preender à primeira vista, mas na realidade se explica por várias ra-
zões. Primeiro, a tradição judaica atribui a maioria dos “livros histó-
ricos” a profetas: Samuel teria escrito o livro dos Juizes, assim como o
282
Os Profetas
livro que traz seu nome, e este teria sido com pletado após a m orte
de Samuel pelo profeta Gad. O profeta Jerem ias é considerado o
autor do livro dos Reis (lalm ude de Babilônia: Baba B athra § 14 b -15a).
Josué, considerado o autor de seu livro, é, segundo o livro do Sirácida
(46,1), igualmente apresentado como um profeta. Além disso, a partir
do livro dos Juizes (4,4: a profetisa Deborá; 6,8), os livros históricos
contêm num erosas intervenções de profetas: Samuel, Gad, Natan,
Elias, Eliseu, Miqueias, filho de Yimla, Isaías, a profetisa Houlda e
outros ainda.
Com o dissemos, os “Profetas anteriores” relatam uma história que
term ina em catástrofes para os Reinos de Israel e Judá, que perdem
tanto sua autonom ia política como sua unidade territorial e fazem a
experiência das deportações. N a perspectiva dos redatores desses
livros, esses acontecim entos devem ser compreendidos como uma
sanção de Yhwh em relação ao seu povo, que não respeitou sua von-
tade. O s "Profetas anteriores” exprimem pelos oráculos de julgamento
que contêm as numerosas transgressões do povo e de seus responsá-
veis. Todavia, o fim da história relatada em 2 Reis 25 levanta igualmen-
te a questão de se ainda existe um futuro para o povo de Yhwh (o úl-
timo episódio, que relata a melhora da situação do último rei de Judá,
prisioneiro na Babilônia [2Rs 25,27-30], continua enigmático). Os
oráculos de salvação que percorrem os Profetas posteriores indicam
então claram ente que Israel e Judá terão efetivam ente um futuro gra-
ças à intervenção salvífica de Yhwh. C ertam ente, não é por acaso que
o livro de Isaías, que abre a segunda parte dos N ebiim , contém desde o
capítulo 6 anúncios de um rei ideal que deve vir, anúncios que parecem
fazer eco ao fracasso da realeza relatado em Reis.
Notemos ainda que existem vários vínculos literários que reforçam a
unidade dos Profetas anteriores e dos Profetas posteriores. I Reis 18-20
pode ser reencontrado (com algumas diferenças) em Isaías 36-39, e
2 Reis 24-25 é retom ado no fim do livro de Jeremias, no capítulo 52.
O último texto dos Profetas posteriores anuncia para a época escato-
lógica a volta de Elias (Ml 3), cujo ciclo está em 1 Reis 17-2 Reis 2.
A organização dos Profetas posteriores em três profetas “maiores”
(Isaías, Ezequiel, Jeremias) aos quais sucedem doze “m enores” (Oseias,
283
ANTIGO TESTAMENTO - história, escritura e teologia
284
CAPÍTULO
1
A história deuteronomista
(Deuteronôm io-2 Reis)
Thom as Rõmer
1. H is t ó r ia da p e s q u is a
1.1. A descoberta de textos deuteronom istas nos livros
históricos (Josué, Juizes, Sam uel, Reis)
O livro do Deuteronôm io conclui a primeira parte do Antigo Tes-
tam ento, o Pentateuco. Mas, ao m esm o tempo, esse livro serve de
abertura e de ponto de partida para os livros cham ados “históricos”
(Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis). Com efeito, o Deuteronô-
mio faz constantem ente alusão à entrada iminente dos israelitas na
terra prometida, entrada inaugurada pela travessia do Jordão. Ora,
é exatam ente no livro de Josué que está o relato dessa travessia,
bem com o a conquista da terra. Por causa desse vínculo estreito
entre o Deuteronôm io e Josué, com frequência se tem considerado
o livro de Josué o verdadeiro final da primeira parte do Antigo Testa-
mento. Falava-se então de um H e x a te u c o , em vez de um P e n ta te u c o
(ver a introdução ao Pentateuco neste volume). E ntretanto, o Deu-
teronôm io não prepara apenas a história da conquista de Josué, mas
igualmente as épocas seguintes, com o m ostra, por exemplo, a exor-
tação de Deuteronômio ó, 12-15: “Cuida de não esqueceres o Senhor,
que te fez sair da terra do Egito, da casa da servidão. [...] N ão segui-
reis outros deuses, dentre aqueles dos povos que vos rodeiam, pois
o Senhor, teu Deus, é um Deus cium ento no teu meio. Cuida para
285
Os Profetas
que a cólera do Senhor, teu Deus, não se inflame contra ti, e que ele
não te exterm ine da superfície da te rra ”. O ra os com portam entos
denunciados aqui são precisam ente aqueles que caracterizam os is-
raelitas no período anárquico descrito pelo livro dos Juizes: “Eles
abandonam o Senhor, o Deus de seus pais, que os fizera sair da terra
do Egito, e serviram a outros deuses dentre os dos povos que habi-
tavam em torno deles [...]. A cólera do Senhor se inflamou contra
Israel” (Jz 2,12-14).
A abertu ra do livro dos Juizes é lida assim com o a transgressão
das advertências do Deuteronôm io. De modo sem elhante, D eute-
ronômio 6,15 e 28,63 anunciam a deportação para longe da terra
prom etida com o sanção extrem a pela desobediência do povo. E
precisam ente o que acontece no fim do segundo livro dos Reis, em
que se lê: “E assim foi Judá deportado para longe de sua te rra ” (2Rs
25,21). Existem, portanto, vínculos tem áticos evidentes en tre o
Deuteronôm io e os livros históricos, vínculos, aliás, reforçados pela
presença nesses livros de um estilo e de um vocabulário que lem-
bram os do Deuteronôm io. Um dos primeiros a te r observado a
existência de tais vínculos foi o filósofo Baruch Spinoza, que es-
creveu em seu Tratado teológico-político (1670): “Se considerarm os
claram ente a sequência e o objeto de todos esses livros, não terem os
dificuldades de reconhecer que eles são obra de um único historia-
dor, que se propôs escrever as antiguidades judaicas desde as épocas
mais rem otas até a primeira devastação de Jerusalém ” (CEuvres,
1861, v. 2, p. 164). C om o Spinoza constata igualmente que o D eute-
ronômio é inseparável dos livros que o precedem , ele lança a hipó-
tese de um a grande obra histórica que vai desde Gênesis até o fim
do segundo livro dos Reis.
N o século XIX, Heinrich Ewald, em bora reconhecendo a pre-
sença dos tem as e do estilo deuteronom istas no conjunto desses
livros, distingue, “o grande livro das origens” (Gênesis a Josué) e “o
grande livro dos Reis” (Juizes a 2 Reis, incluindo Rute). Este último
conheceu pelo m enos duas edições de tipo deuteronom ista, um a
por volta do fim da m onarquia, provavelm ente sob Josias, a última
durante o exílio na Babilônia. A insistência na cesura en tre Josué e
286
A história deuteronomista (Deuteronômio-2 Reis)
287
Os Profetas
Josué
1,1-6.[7-9].10-18; retoques deuteronomistas nos relatos dos capítulos 2-11
(por exemplo 3,2-8*; 5,4.6.7; 6,6.8-9a.26; 8,30-35), 12; 23 (os capítulos
13-22 foram acrescentados pouco depois do Dtr).
Juizes
2,6-11.14-16.18-19; 3,7-11; retoques deuteronomistas nos relatos dos Juizes (por
exemplo, 3,I2-I5a; 4,1-5*.31; 6,1.6b-IO; 8,27-35*), 10,6-16; 13,1 (os capítulos
13-21 provavelmente foram acrescentados mais tarde).
1-2 Samuel
ISm 2,25-35*; 7,2-17; 8,1-22; 10,17-27a; 12,1-25; retoques deuteronomistas
nas histórias da ascensão e da sucessão de Davi (por exemplo 2Sm 5,4-5; 7,11-
13*.22-24).
1-2 Reis
lRs 2,2-4*.27b; 4,1-5,8; 7,47-51; 8,l-4*.9.14-66: 9,1-9; 11,1-13.38-43*; para
cada rei é o Dtr que cria a introdução e a conclusão de seu reinado; outros textos
importantes redigidos por Dtr: IRs 14,14-24; 16,1-4; 21,21-26*; 22,38-47*; 2Rs
10,28-33; 13,3-7.22-25; 17,7-20.32-34a; 21,1-18; 22*; 23,16-30*; 24*; 25.
288
A história deuteronomista (Deuteronômio-2 Reis)
C O N Q U IS TA
289
Os Profetas
290
A história deuteronomista (Deuteronômio-2 Reis)
291
Os Profetas
292
A história deuteronomista (Deuteronômio-2 Reis)
293
Os Profetas
vera a seus pais por meio de M oisés” (3,4). Foram esses desenvolví-
m entos secundários da H D que interessaram R. Smend em um
estudo de 1971. Ele contestou particularm ente que esses acréscimos
tenham se preocupado antes de tudo com a obediência dos israelitas
no tocante à Lei. Consequentem ente, Smend propôs uma nova teoria
a fim de dar conta dessas observações: a primeira edição da história
deuteronom ista, que correspondia grosso modo ao Dtr de N oth e
que recebeu a sigla D trH (o D euteronom ista historiador), teria sido
completada por volta do fim do exílio ou pouco depois por um D eute-
ronom ista “nomista" (= DtrN), que teria reorientado o D trH em
uma perspectiva mais “legalista”. Entre a atividade desses dois deute-
ronomistas, um discípulo de Smend, W. Dietrich, postula a interven-
ção de um deuteronom ista "profético” (DtrP). Este último seria espe-
cialmente responsável por um a série de discursos de julgam ento nos
livros dos Reis, que são a cada vez seguidos de um a informação de
consum ação (exemplos: lRs 14,7-13* e lRs 15,29; lRs 16,1-4 e lRs
16,11-12; 2Rs 21,10-14 e 2Rs 24,2). Dessa forma, esses textos consti-
tuem , segundo Dietrich, um a cam ada deuteronom ista distinta que
se caracteriza, principalmente, por seu interesse pelos profetas e por
sua insistência no fato de que a palavra profética se consum a sem
exceção. Além disso, o DtrP teria inserido na HD as tradições sobre
Elias e Eliseu, bem com o outros relatos proféticos. Para Dietrich, a
atividade desse redator se limitaria aos livros de Samuel (por exemplo
em 2Sm 12*) e aos Reis.
T Veijola, outro aluno de Smend, por sua vez, ocupou-se especial-
m ente da atividade do DtrN nos livros de Samuel (e, em certa medi-
da, em 1-2 Reis), enquanto Smend havia limitado sua análise aos li-
vros de Josué e dos Juizes. Para Veijola, o DtrH é mais reduzido que
o Dtr de N oth; o DtrP e o DtrN assum em assim um a parte impor-
tan te na form ação dos livros de Samuel e dos Reis. Segundo Veijola,
os textos favoráveis à m onarquia em 1 Samuel 8-12 seriam prove-
nientes do D trH ; o DtrP ao contrário, teria pela primeira vez um a
visão negativa da realeza, e seria especialm ente ele quem teria pin-
tado o quadro sombrio de um Davi sob a ação do pecado. Q uanto ao
DtrN, tam bém lançaria um olhar crítico sobre a realeza (ISm 8,6-22;
294
A história deuteronomista (Deuteronômio-2 Reis)
295
Os Profetas
2. O D EB A T E A T U A L
296
A história deuteronomista (Deuteronômio-2 Reis)
nomista (Dtr), responsável por uma obra histórica que vai do Deutero-
nômio aos Reis. Porém, além de reforçar a comparação do Dtr com os
historiadores gregos, já presente em Noth, Van Seters desenvolve de
forma considerável a concepção do Dtr como autor, no sentido forte
do termo, responsável pela redação da maioria dos textos da HD. De
repente, contrariam ente ao que era o caso em Noth, Van Seters não
acredita mais realm ente na possibilidade de reconstruir de forma sis-
tem ática as fontes do Dtr, mesmo que não negue a existência delas.
Os textos que estão em flagrante contradição com a teologia do Dtr
são, com frequência, considerados, na realidade, acréscimos ulteriores.
Tal é especialmente o caso, em Van Seters, da “história da sucessão de
Davi” em 2 Samuel 9-20 (+ IRs 1-2), que apresenta uma imagem
negativa de Davi e que não seria, como se tem dito geralmente, a pri-
meira obra historiográfica em Israel, mas proviría de um redator an-
timonárquico pos-dtr. Contudo, a origem e a coerência dos acrésci-
mos à HD continuam extrem am ente vagas em Van Seters. A mesma
censura vale para a análise, aliás brilhante, do livro dos Reis por S. L.
McKenzie, que identifica um conjunto de textos “dtr2” (aos quais per-
tencem especialmente os relatos proféticos de Reis), cuja procedência
qual, entretanto, ele não está em condições de especificar.
(b) A posição "crossiana A ideia de uma primeira edição de Deute-
ronômio a 2 Reis na época de Josias, seguida de uma edição exílica,
continua amplamente majoritária no mundo anglo-saxão. Todavia, al-
guns pesquisadores que adotam esse modelo modificam a posição inicial
de Cross. I. W. Provan, por exemplo, postula a existência de um ahistó-
ria deuteronom ista josiânica que teria se limitado aos livros de Samuel
e dos Reis. A. F Campbell e M. O ’Brien identificam, além da edição
josiânica, duas revisões principais da história deuteronom ista que se
parecem muito com as redações DtrP e DtrN da escola de Gottingen.
(c) O m odelo das redações exílicas (e pós-exílicas) sucessivas. N ume-
rosos pesquisadores retom am a terminologia da escola de Gottingen,
porém, às vezes, com grande liberdade. J. Pakkala, por exemplo, mui-
tiplica as redações “nomistas” e postula, além disso, para o Deuteronô-
mio, na esteira de Veijola, um redator D trB (redator tardio que insiste
na teologia da aliança [alemão B und]). O D trH exílico míngua em
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CAPÍTULO
2
Josué
Thom as Rõmer
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
Podem-se facilmente distinguir duas partes principais: Josué 2-12
contém um conjunto de relatos sobre a conquista da terra e seus
preparativos, enquanto Josué 13-22 apresenta especialm ente listas
a respeito da divisão da terra em doze partes, segundo o núm ero
das tribos de Israel. Essas duas seções são enquadradas por discur-
sos em Josué 1 (discurso de legitimação de Josué por Yhwh e dis-
curso de Josué ao povo) e em Josué 23-24 (dois discursos de despe-
dida de Josué).
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Josué
Introdução (cap. 1)
I Discurso de investidura
1.1-9 Yhwh a Josué: confirmação (sucessor de Moisés)
1,10-26 Josué ao povo: engajamento (v. 16: resposta positiva)
307
Os Profetas
19,17-23 ISSACAR
19,24-31 ASER
19,32-39 NEFTALI
19,40-48 DAN
19,49-50 Josué (atribuição de uma cidade em Efraim)
19,51 Conclusão de Josué 18-19
20,1-21,42 Cidades de refúgio (cap. 20) e cidades levíticas (21,1-42)
21,43-45 Conclusão (e introdução a Js 23): “Tudo está consumado"
22 Apêndice. V. 1-8: Regresso das tribos transjordanianas: RUBEN,
GAD, V2 MANASSES; v. 9-34: polêmica em torno de um altar
Conclusão (23-24)
23-24 Discurso de adeus
23 Testamento de Josué: confirmação da consumação e adver-
tência sobre a possibilidade de perder essa conquista
24 V 1-28: discurso de Josué em Siquém; recapitulação da história
e engajamento do povo (v. 24: resposta positiva)
V. 29-33: m orte e sepultamento de Josué na cidade de Efraim;
sepultamento da ossada de José (cf Gn 50,24)
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2 . O r ig em e f o r m a ç ã o
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3 . T em as e q u e st õ e s
3. /. J o s u é e a g u e r r a
Ao retom ar a linguagem e a ideologia dos textos de propaganda
assírio-babilônicos em uma perspectiva nacionalista, os autores da pri-
meira edição de Josué, provavelmente funcionários na corte de Josias,
tendiam a um objetivo polêmico: tratava-se de m ostrar que Yhwh
era mais poderoso que todas as divindades da Assíria. E quando o
livro de Josué insiste no fato de que os outros povos não têm ne-
nhum direito à ocupação de C anaã tal constatação se aplica certa-
m ente em primeiro lugar aos assírios, que ocupavam a terra na época.
Nessa óptica, a encenação em Josué 1-12 da vitória contra os cana-
neus visa primeiro aos assírios. Ao afirmar a superioridade de Yhwh
sobre a Assíria e seus deuses, os autores da versão josiânica de Josué
1-12 transform am , pela m esm a razão, Yhwh em um Deus tão guer-
reiro e militarista quanto Assur, o deus nacional da Assíria. Aliás,
talvez tenha sido na época de Josias que se concebeu pela primeira
vez a instalação de Israel na terra como o resultado de um a conquista
militar. De fato, com exceção dos textos deuteronom istas e certos
salmos que parecem conhecer o livro de Josué, as outras tradições
da Bíblia hebraica não parecem imaginar a instalação de Israel em
Canaã com o resultante de um a conquista militar. O s profetas, por
exemplo, evocam as origens do povo referindo-se ao Egito ou ao
deserto, onde Yhwh teria “encontrado” Israel. Segundo essas tradi-
ções, a entrada na terra é feita sem alusão ao exterm ínio de outros
povos (cf O s 9,10; 11,1-3; J r 2,2). C om o quer que seja, Josué 1-12
deve de todos os m odos ser lido com o um texto ideológico, e não
como um docum ento com pretensões à historicidade. Isso significa,
por exemplo, que a prática do hèrèm, ou “interdito”, segundo a qual a
totalidade da cidade conquistada deve ser exterm inada (cf especial-
mente Js 6 e 7), nunca foi aplicada de fato. Trata-se, ao contrário, de
uma concepção teológica: uma vez que a divindade deu a vitória, a ela
cabe a totalidade do despojo. Portanto, é preciso entender os textos de
Josué 1-12 tendo como pano de fundo as épocas assíria e babilônica.
A pior das aberrações seria querer justificar esses textos do ponto de
vista teológico fazendo abstração desse contexto histórico.
317
Os Profetas
318
Josué
319
Os Profetas
4. I ndicaçõ es bibliográficas
4 .1. C om entários
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320
Josué
321
CAPÍTULO
3
Juizes
Corinne Lanoir
322
Juizes
/. I. O nom e do livro
O nom e “juizes” traduz um term o oriundo da raiz verbal sãphát
em hebraico, que significa “julgar” ou “governar” . Com exceção de
Deborá (4,4), contudo, nenhum outro personagem evocado desem -
penha um a função de juiz no sentido jurídico. Além disso, exceto o
resumo de Juizes 2,16-18 (“O Senhor suscitou juizes”), ninguém
traz o título de "juiz” no livro, exceto Yhwh, em um a ocasião signifi-
cativam ente situada no centro do livro, em 11,27. E ntretanto, certo
número de personagens é evocado, dos quais se diz que “julgam”
{sãphãt) ou que “salvam” (yãsãr ) a terra. Vemos então aparecer duas
séries de figuras. A primeira se compõe de “salvadores” , que libertam
sua tribo em um período de opressão. Tal é o caso de Otniel (3,9),
qualificado de “salvador”, como Ehud (3,15), mas podemos mencionar
ainda Shamgar (3,31), Guideon (6,14.37; 8,22), Tola (10,1) e Sansão
(13,5), de quem está igualmente dito que “salvam ”. A segunda série
se compõe de personagens cuja atividade é definida pelo verbo “jul-
gar” e inclui Otniel (3,10), Deborá (4,4), Tola (10,2), lair (10,3), Jefté
(12,7), Iibsan (12,8-9), Elon (12,11), Abdon (12,13-14) eSansão (15,20;
16,31). Distinguimos geralmente, na esteira de M. Noth, um conjunto
de "grandes juizes” (Otniel, Ehud, Deborá/Baraq, Guideon, Jefté e
Sansão) e um a lista de “pequenos juizes” em 10,1-5 e 12,7-15, lista
dividida em duas partes pelo relato sobre Jefté (10,6-12,6), com para
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Os Profetas
/. 2. G ênero do livro
O s relatos do livro dos Juizes se ligam a um a form a que alguns
definem com o de "rom ance histórico” (cf B o l in g ), em que figuras
“exem plares” tiradas das tradições exemplares são tratadas ao modo
do hum or e da caricatura a fim de levar o leitor a exercer seu senso
crítico e seu espírito de discernim ento. Tratar-se-ia então de um
convite a reexam inar de m aneira crítica todas as ideologias e as ins-
tituições na ambiguidade de um período conturbado (P o l z i n ). En-
contram os em Juizes igualmente algumas formas poéticas: fábula
(9,8-15), canto de vitória (5), enigma (14,14).
324
Juizes
I. 3. Plano do livro
I. Introdução: novo olhar sobre a conquista e a instalação na terra (1,1-3,6)
1,1-2,5 Sucessos e fracassos da conquista, que é incompleta, contraria-
m ente ao que é o caso no livro de Josué
1,121־ As três tribos do Sul: Judá, Simeão, Benjamin
1,22-36 Seis tribos do Norte: Manassés, Effaim, Zabulon, Aser, Neftali,
Dan
2,1-5 Aparição do anjo do Senhor; oráculo de julgamento contra
Israel: os habitantes da terra e seus deuses não são expulsos,
mas permanecem como uma praga em torno de Israel
2,6-3,6 Introdução geral ao ciclo dos juizes
2,6-10 M orte de Josué
2,11-19 Nova geração que abandona o Senhor, ciclo dos juizes
2,20-3,6 Nova explicação divina da presença das nações, que são dei-
xadas na terra por Yhwh a fim de provar Israel; prática dos
casamentos mistos
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Os Profetas
32 6
Juizes
juizes, que ele divide em dois. W ebb considera que se tra ta de uma
obra literária construída com o um a espécie de poem a sinfônico, em
que a história de Jefté (10,6-12,7) constitui o episódio central, que
seria ele próprio construído de m aneira concêntrica em torno da
afirmação “que o Senhor, o Juiz, julgue” (11,27). A história de Jefté
trataria do problema fundam ental do não cum prim ento da promessa
feita pelo Senhor de dar a terra a Israel, e dos tem as ligados a essa
promessa: a infidelidade persistente de Israel, bem com o a liberdade
da ação de Yhwh, que se opõe à presunção de Israel quanto à possi-
bilidade de utilizar Deus para seus fins. N otam os ainda que antes de
Jefté os personagens evocados são antes ganhadores, ao passo que
antes são desde logo perdedores, o que parece confirmar que a his-
tória de Je fté m arca um a virada no seio do livro.
Entre os com entaristas que insistem na pesquisa de chaves que
perm itam situar um a coerência estrutural ou tem ática de conjunto
nesse livro, vários destacam um a espécie de espiral do declínio das
relações de Israel com seu Deus. N esse esquem a, quanto mais se
avança no livro, mais se imerge no caos e mais se encontram Candida-
tos ao papel de juiz de natureza improvável. Esses autores sublinham
especialmente, nesse contexto, o uso da ironia, que no livro dos Juizes
faz aparecer um a desordem total onde, no final do percurso, não
existem mais chefes no seio do povo, não mais juizes nem julgamen-
tos, em bora o leitor seja convidado a julgar ( K l e in ). N as leituras fe-
ministas, a tônica é posta sobretudo na construção e na destruição
das personagens femininas e de suas relações, que constituem um
modelo que reflete a deterioração das relações de Israel com Yhwh
(F e w e l l ). De fato, notam os uma deterioração crescente da posição e
do tratam ento das m ulheres nos relatos: da forte presença de Aksá
e da reivindicação que ela exprime (Jz 1,12-15), ou ainda da autori-
dade de Deborá e do heroísmo de lael (4-5), passa-se sucessivamente
ao sacrifício da filha de Jefté (Jz 11), ao assassinato da mulher de
Sansão (Jz 14), à violação e ao assassinato da concubina do levita
(Jz 19), para desem bocar em sequestros, violações ou no massacre
generalizado das mulheres de Benjamin, de labesh de Guilead e de
Shilô (Jz 20-21; c f especialm ente E x u m ).
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Juizes
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3 . T em as e q u e st õ e s
3 . 1. O livro dos Juizes, testem unha da época pré-m onárquica
ou ficção literária?
Se alguns insistem na existência de elem entos antigos no livro dos
Juizes (o cântico de Deborá em Juizes 5 é geralm ente considerado o
poem a mais antigo do Antigo T estam ento), devemos por isso consi-
derá-lo um a fonte de informações históricas sobre o Israel pré-exíli-
co? N oth hauriu daí elem entos para reconstituir a existência de uma
anfictionia, um a liga sagrada das tribos. O ra, atualm ente parece ha-
ver certo consenso no sentido de reconhecer que o período dos juí-
zes enquanto tal é um a construção ideológica. Entretanto, se a his-
tória redacional de Juizes é muito longa e muito complexa para
reconstruir a partir desse livro a história pré-exílica de Israel, pode,
no entanto, constituir uma testem unha de tradições populares oriun-
das do N orte e reinseridas em seguida em outro quadro (ver, por
exemplo, de P ury sobre a incursão de Guideon, que sob sua forma
literária primeira refletiría o contexto da luta contra a veneração de
Báal no século IX a.C.).
3 34
Juizes
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
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335
Os Profetas
336
Juizes
337
CAP Í T UL O
4
1 -2 Samuel
Christophe Nihan &- Dany Nocquet
1.1. N o m e e fo rm a original
A Septuaginta (LXX) preserva uma tradição de interpretação que
reúne 1-2 Samuel em um a única coletânea com 1-2 Reis (= 1-4 Rei-
nados), sublinhando dessa m aneira a continuidade profunda que une
esses quatro livros sobre a história da realeza. A atribuição a Samuel
provém da tradição massorética; ela acentua o papel desem penhado
pelo profeta no início da realeza (é Samuel que unge Saul e Davi reis
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1-2 Samuel
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1-2 Samuel
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2 8 ,3 2 5 ־ Acuado pelos filisteus, Saul recorre a uma necromante para invocar
o fantasma de Samuel. Este último lhe anuncia sua m orte próxima
e o fim de sua dinastia
29 O s filisteus proibem Davi de segui-los na guerra para com bater o
exército de Saul
30 Campanha punitiva de Davi e de seus homens contra os amalecitas
31 Batalha contra os filisteus em Guilboa; morte de Saul e de seus filhos
2 Samuel 1-5 Davi, rei de Judá e de Israel
2 Samuel I Lamento de Davi sobre Jônatan
2.1- 11 Davi é ungido rei de Judá em Hebron (v. l-4a); informação sobre os
reinos paralelos de Ishbôshet, filho de Saul, sobre Israel e de Davi
sobre Judá
2.12- 3,1 Guerra entre os servidores de Davi e os de Ishbôshet
3.2- 5 Informação sobre os filhos de Davi nascidos em Hebron
3.6- 39 Negociações em Hebron entre Abner, principal chefe de guerra
da casa de Ishbôshet, e Davi. loab, chefe de guerra de Davi, mata
Abner, apesar da desaprovação do rei
4 Assassinato de ishbôshet, último filho de Saul, cuja m orte liberta
assim o trono de Israel
5,1-5 Davi é coroado rei de Israel (v. 1-3). Informação sobre o reinado de
Davi sobre Judá e Israel (v. 4-5)
5.6 - 12 Davi captura Jerusalém e faz dela sua cidade pessoal
5.13- 16 Informação sobre os filhos de Davi nascidos em Jerusalém (comple-
m ento de 3,2-5)
5,17-25 Campanha dos filisteus contra Davi; vitória esmagadora de Davi,
que fortalece dessa maneira seu reinado
6-8 Fim do "relato da ascensão de Davi": Davi fundador do culto, da
dinastia e do império
6 Volta da arca a Jerusalém (cf IS m 4,!b-7,l)
7 Profecia de Natan; promessa a Davi de uma dinastia eterna
8 Longa informação sobre o reinado de Davi. Vitórias militares (v. 1-4),
extensão do reino davídico, administração real (v. 15-18)
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3 . T em as e q u e s t õ e s
Em seu estado atual, canônico, os livros de Samuel constroem -se
em torno de um a tensão fundam ental e inteiram ente constitutiva.
Por um lado, seu relato valoriza Davi, “ancestral m aior” e rei funda-
dor da dinastia hierosolimita, da qual num erosos textos fazem a apo-
logia. Nesse sentido, esses livros têm , ao menos até certo ponto, uma
dimensão propriam ente épica, rem etendo o leitor à idade de ouro da
dinastia judaica. Por outro lado, vários textos já desenvolvem um a
reflexão crítica sobre a instituição monárquica e anunciam, de muitos
pontos de vista, a superação dessa instituição, que não sobreviveu
aos acontecim entos do exílio.
360
1-2 Samuel
O f a ra ó e s t á s e n ta d o à d ir e ita d o d e u s H ó r u s — c f S a lm o 110. E s s e a s p e c t o d a id e o lo g ia re a l
s u b lin h a a re la ç ã o filial m a n tid a e n t r e o rei e o d e u s — c f 2 S a m u e l 7
361
Os Profetas
centralizada (2Sm 8). Mais longe, nos livros dos Reis, Davi é sistema-
ticam ente apresentado com o o modelo de todos os reis judeus.
As pesquisas arqueológicas recentes dem onstraram até que ponto
essa apresentação era fictícia; praticam ente é só por volta do final
do século VIII a.C ., depois da captura de Samaria e do desaparecí-
m ento do Reino do N orte, que se assiste à em ergência de um verda-
deiro Estado centralizado em Judá. Se ele existiu, Davi não passava
de um chefe de clã com base nos planaltos desérticos judaicos ope-
rando regularm ente razias nas planícies férteis vizinhas; aliás, tal é
mais ou m enos a imagem que se dá a respeito no “relato da ascensão
de Davi” em 1 Samuel 16-2 Samuel 5 (ver especialm ente ISm 22,1-5;
24,1; 25,2 ss.; 26,1), que parece te r conservado dessa m aneira — ou
não ter podido apag ar... — essas reminiscências históricas. A repre-
sentação de Davi com o ancestral fundador da realeza em Israel deve,
portanto, ser vista essencialmente com o um a lenda construída pela
dinastia de Jerusalém no século VII a.C ., comparável aos grandes
relatos míticos m esopotâm icos sobre os reis fundadores de dinastia
(Gilgamesh), de quem os escribas judeus puderam tom ar conhecim en-
to nessa época no contexto da dom inação neoassíria. Portanto, é
bem como tais, mitos de fundação, que os relatos sobre Davi em 1-2
Samuel pedem para ser lidos, e não com o um a obra historiográfica
no sentido m oderno do term o, ainda que, daqui e dali, algumas lem-
branças históricas tenham sido conservadas.
O s relatos sobre Davi, especialm ente em 1 Samuel 16-2 Samuel
8, insistem de m odo considerável na representação de Davi com o rei
de “todo Israel” . Davi, em bora de origem judaica, é escolhido como
rei ao m esm o tem po pelos judeus (2Sm 2,l-4a) e pelos israelitas
(2Sm 5,1-5); ele é, portanto, a um só tempo, rei do N orte e do Sul.
Mais ainda, ele é ungido pelo profeta Samuel, que é efraimita e repre-
senta a tradição profética do N orte. N esse contexto, entendem -se
igualmente m uito bem os relatos que colocam em cena Saul e Davi.
Ao sublinhar repetidas vezes que Davi não conta para nada no des-
tino trágico de Saul, os relatos de 1 Samuel 16-31 buscam explicita-
m ente justificar Judá, que, ao recusar-se a participar da coalizão siro-
efraimita e adotando um a posição neutra no conflito de oposição
362
1-2 Samuel
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36 4
1-2 Samuel
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
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Os Profetas
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Τ ο ν , E . The Hebrew and Greek Texts o f Samuel. J e r u s a l e m , 1 9 8 0 ( I O S C S ) .
U lrich , E . C . The Qumran Text o f Samuel and Josephus. C h i c o ( C a ) , 1 9 7 8
( H S M 1 9 ).
V eijola , T Die ewige Dynastie. D a v i u n d d i e E n t s t e h l u n g s e i n e r D y n a s t i e
n a c h d e r d e u te r o n o m is tis c h e n D a rs te llu n g . H e ls in k i, 1 9 7 5 (A A S F B
1 9 3 ).
_____ . Das Konigtum in der Beurteilung der deuteronomistischen Historio-
graphie. E i n e r e d a k t i o n s g e s c h i c h t l i c h e U n t e r s u c h u n g . H e l s i n k i , 1 9 7 7
(A A S F B 1 9 8 ).
367
Os Profetas
368
CAPITULO
5
1 - 2 R eis
Ernst Axel Knauf
1. P l a n o d e c o n t e ú d o d o l iv r o
369
Os Profetas
37 0
1-2 Reis
T e m a s -c h a v e (A ) T e m a s - c h a v e (B ) T e m a s -c h a v e (C )
S a b e d o r ia , p e ríc ia , P eca d o d e Je ro b o ã o : F a z e r o q u e é re to a o s
a s tú c ia : 1 R e is 1 2 ,2 8 - 3 0 ; o lh o s d o S e n h o r:
1 R e is 2 ,6 .9 ; 3 ,1 2 .2 8 ; 1 3 ,3 3 - 3 4 ; 1 5 ,2 6 .3 0 .3 4 ; 2 R e is 1 8 ,3 ; 2 2 ,2
5 ,9 - 1 1 .1 4 .2 1 .2 6 ; 7 ,1 4 ; 1 6 ,2 ... F azer o que é m al aos
1 0 , 4 . 6 - 8 . 2 3 - 2 4 ; 1 1 ,4 1 L u g a re s a lto s : o lh o s d o S e n h o r:
R e a le z a c o n s o lid a d a : 1 R e is 1 2 ,3 1 ; 1 4 ,2 3 ; 2 R e is 2 1 ,2 .2 0 ;
1 R e is 2 ,1 2 .4 6 ; 9 ,5 1 5 ,1 4 ... 2 3 ,3 2 .3 7 :2 4 ,1 9
R e is d e J u d á R e is d e Is ra e l
Introdução In tro d u çã o
S in c ro n is m o S in c ro n is m o
Id a d e q u a n d o d a a s c e n s ã o a o tro n o —
D u ra ç ã o d o re in a d o D u ra ç ã o d o re in a d o
N om e da m ãe —
J u lg a m e n to J u lg a m e n to
In fo rm a çã o fin a l in fo rm a ç ã o fin a l
F o n te s F o n te s
M o rte M o rte
S e p u lta m e n to —
S ucessor S ucessor
371
Os Profetas
C ontrariam ente aos livros dos Juizes e de Samuel, 1-2 Reis prova-
velm ente nunca existiram independentem ente de um a narração mais
ampla. Durante muito tem po essa narração foi identificada com o HD,
uma obra “historiográfica” que se supunha cobrir Deuteronômio-2
Reis*. O s adeptos dessa hipótese estão divididos, no tocante ao livro
dos Reis, entre aqueles que trabalham com um modelo de blocos su-
cessivos (um primeiro “bloco” datado do reinado de Josias teria sido
completado após os acontecim entos de 586 pelo acréscimo de um
segundo bloco, os capítulos 2Rs 24-25; c f C r o s s ; W e ip p e r t ), e aque-
les que encontram três camadas principais ao longo desse livro (DTrH,
DtrR DtrN; c f S m e n d ; V e ij o l a ; D i e t r ic h ). Entre os que privilegiam
o primeiro modelo, alguns autores imaginam o fim da primeira edição
de 1-2 Reis com o reinado de Ezequias (P r o v a n ). Alguns adeptos do
modelo das cam adas paralelas subdividem estes em um núm ero às
vezes incontrolável de cam adas suplem entares (D trN | ׳D trN 2 etc.,
mas tam bém “DtrS”, paraspdf, “tardio”). As reconstruções recentes
da primeira edição da história dtr fazem aparecer um texto muito breve
(ver, por exemplo, O ’B r ie n ) e lembram, a esse respeito, as recons-
truções do suposto “Javista” nas décadas de 1970, 1980, exatam ente
antes de seu desaparecimento da cena exegética.
Para aqueles que não aceitam mais a hipótese de uma “história d tr”
que nivelava as particularidades teológicas de cada livro antes que as
valorizava, a melhor explicação da razão de ser do livro dos Reis é a
proposta por K. Schmid: um relato pré-exílico que cobria as épocas
de Moisés e de Josué teria sido ampliado durante o exílio em um con-
junto Moisés-Reis com o acréscimo aí dos livros de Samuel e dos Reis
(porém ainda não Juizes). E evidente que depois de 586-582 uma
etiologiada posse da terra por Israel e Judá (o livro de Josué) devia ser
substituída por uma etiologia da perda da terra. Depois da constituição
372
1-2 Reis
373
Os Profetas
374
1-2 Reis
2 .2 .3 . A redação profética
Uma etapa im portante para a transform ação de Reis de um relato
“histórico” em um a parte dos “Profetas anteriores” foi a inserção dos
relatos proféticos, especialm ente os de Elias e Eliseu (lRs 11,29-40;
14,1-18; 22,5-28; 17-19; 2Rs 1-9; 13,14-21). Com o para os materiais
concernentes a Salomão, as histórias de Elias e de Eliseu podería pro-
vir de fontes independentes (como igualmente a história de Ahiá de
Shilô em lRs 11).
A redação que uniu Reis a Isaías e a âncora no cânon profético é
a última redação de conjunto observável; ela inseriu um a form a abre-
viada de Isaías 36-39 em 2 Reis 18-20. Assim, o primeiro profeta ca-
nônico incorporado em Reis, Isaías, representa o conjunto dos pro-
fetas (cf K n a u f ).
3. T e m a s e q u e s t õ e s
3.1. 1-2 Reis e a história
Reis não é um a historiografia no sentido grego do term o (investi-
gação de um autor que com enta suas fontes). A esse respeito, o his-
toriador m oderno preferiría ter acesso aos “Anais de Israel e de Judá”
mencionados no livro. Antes, o livro dos Reis interpreta a história das
realezas israelita e judaica a fim de explicar o desaparecim ento desses
reinos. Ao fazer isso, lança sobre essa história um olhar moralizador.
375
Os Profetas
376
1-2 Reis
377
Os Profetas
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
C o g a n , M . , T a d m o r , H. AncB 11, 1988.
M o n t g o m e r y , J. A., G e h m a n n , H. S. ICC, 1951.
M u l d e r , M. J. HCOT, 1998.
W e r l it z , J. N S K . A T 8, 2002.
W ü r t h w e in , E. ATD 11/1,21985; 11/2, 1984.
378
1-2 Reis
379
Os Profetas
380
CAPÍTULO
6
Os gêneros literários proféticos
Jacques Vermeylen
1. A P R O F E C IA D E SA LV A Ç Ã O
381
Os Profetas
382
Os gêneros literários proféticos
2 . A P R O F E C IA D E D ES G R A Ç A
383
Os Profetas
384
Os gêneros literários proféticos
385
Os Profetas
3 . O S R ELA T O S
a. o encontro de Deus;
b. a palavra de introdução;
c. o envio em missão;
d. a objeção do enviado;
e. a promessa de assistência;
f o sinal confirmando a missão.
386
Os gêneros literários proféticos
como profetas, mas antes como libertadores de seu povo. Resta ape-
nas Jerem ias, mas seu testem unho entra com dificuldade nesse es-
quema, e, sobretudo, trata-se de um mosaico de citações ou de alusões
a outros textos, tan to que podem os nos perguntar se não é antes a
expressão literária tardia de um leitor que se identificava com o profe-
ta perseguido por causa de sua palavra. Em suma, é melhor renunciar
a falar de um gênero literário da vocação profética.
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
Blenkinsopp , J. Une histoire de la prophétie en Israel. Depuis le tem ps de
1’installation en C anaan jusqu’a la période hellénistique. Paris, 1993
(LeDiv 152).
Ferry, J. Les récits de vocation prophétique. EstB 60 (2002) 211-224.
H arvey , J. Le plaidoyerprophétique contre Israel après la rupture de 1’alliance,
Bruges, 1967 (S tudia22).
Ra m lo t , L. Prophétisme. II. La prophétie biblique. 3. Les m oyens d ’expres-
sion des prophètes. DBS 8 (1972), col. 943-973.
W estermann , C. Crundformen prophetischer Rede. M ünchen, 31968 = Basic
Forms o f Prophetic Speech. Philadelphia (Pa), 1967.
____ . Prophetische Heilsworte im Alien Testament. Gottingen, 1987 (FRLANT
145) = Prophetic Oracles o f Salvation in the Old Testament. Louisville
(Ky), 1991.
387
CAPÍTULO
Ί
A formação dos últimos profetas
(história da redação)
Konrad Schmid
1. H is t ó r ia da p e s q u is a
A penas um pequeno núm ero dos resultados da pesquisa vete-
rotestam entária foi recebido nos meios de Igreja e no espaço público
sem sofrer muitas deform ações. A imagem da profecia veterotes-
tam entária, tal qual antes de tudo a pesquisa histórico-crítica do
século XIX a descreveu, faz parte disso. Ali onde se fala hoje de
m odo geral de “p rofetas” oculta-se a imagem dos profetas como a
exegese veterotestam entária a delineou a partir do Antigo Testa-
m ento. Desde então trata-se de personagens singulares, espirituais e
geniais, que encarnam sem compromisso e sem condições, em rela-
ção àqueles a quem se dirigem, a vontade divina que lhes foi comu-
nicada. Para construir essa imagem dos profetas, a pesquisa vetero-
testam entária isolava os logia proféticos originais de seus acréscimos
ulteriores. A fim de encontrar a imagem desse gênio religioso que
era o profeta, a exegese consistia assim desde então essencialm ente
em distinguir partes “autênticas” de partes “inautênticas” no âmago
de um m esm o texto.
Essa imagem clássica do profeta como gênio religioso inspirava-se
antes de tudo no idealismo e no rom antism o (cf S c h m i d ) . Dominou
o conjunto do século XIX e foi ainda consideravelm ente reforçada
pela proposição de J. W ellhausen que datava a Lei mais tardiam ente
388
A formação dos últimos profetas (história da redação)
389
O s Profetas
390
A formação dos últimos profetas (história da redação)
2 . A P R O F E C IA E S C R IT A E T R A N S M IT ID A POR E SC RIB A S
391
Os Profetas
J e r e m i a s 4 ,1 3 -1 5 : “ E is q u e a v a n ç a [o d e s t r u i d o r d o s p o v o s ] c o m o n u v e n s ; s e u s
c a r r o s d e g u e r r a s ã o c o m o u m f u r a c ã o , s e u s c a v a lo s , m a is r á p id o s q u e o s a b u tr e s .
A i d e n ó s! E s ta m o s e n tr e g u e s à d e v a s ta ç ã o .
Lava teu coração de toda maldade, Jerusalém, para seres libertada. A té quando
abrigarás em ti pensamentos iníquos? D e D a n f a z - s e o u v i r u m a p r o c la m a ç ã o ,
a n u n c ia -s e u m a c a la m id a d e d e s d e o m o n te d e E fra im ” .
392
A formação dos últimos profetas (história da redação)
J e r e m i a s 2 4 ,1 - 3 : " O S e n h o r m e m o s t r o u d o is c e s t o s d e fig o s, u m a o la d o d o
o u t r o , d i a n t e d o P a lá c io d o S e n h o r . Foi d e p o is q u e N a b u c o d o n o s o r , re i d e B a b i-
lô n ia , d e p o r t o u d e J e r u s a l é m l e k o n iá h u , filh o d e J o a q u i m , re i d e J u d á , o s a lt o s
f u n c io n á r io s d e J u d á , o s t é c n i c o s e o s e n g e n h e ir o s , e o s c o n d u z i u p a r a B a b ilô n ia .
U m d o s c e s t o s c o n t i n h a fig o s m u i t o lin d o s , d a q u a li d a d e d o s fig o s p r e c o c e s ,
a o p a s s o q u e o o u t r o c e s t o c o n t i n h a fig o s d e m á q u a li d a d e , t ã o r u i n s q u e n e m
d a v a p a r a c o m ê - lo s . O S e n h o r e n t ã o m e d is s e : ‘Q u e v ê s , J e r e m i a s ? ’ R e s p o n d í:
‘F ig o s. O s d e b o a q u a li d a d e s ã o m u i t o b o n i to s , a o p a s s o q u e o s d e m á q u a lid a d e
s ã o t ã o r u i n s q u e n e m d á p a r a c o m ê - l o s ” ’.
393
Os Profetas
J e r e m i a s 2 4 , 4 - 7 : “ E n t ã o a p a la v r a d o S e n h o r v e io a m im n e s t e s t e r m o s : ‘A s s im
fa la o S e n h o r , D e u s d e I s ra e l: c o m o s e o l h a p a r a o s f ig o s a p e t i t o s o s q u e a q u i
e s t ã o , a s s im e u o lh a r e i c o m b e n e v o l ê n c i a p a r a o s d e p o r t a d o s d e J u d á , q u e
e x p u ls e i d e s t e l u g a r p a r a a t e r r a d o s c a l d e u s . O m e u o l h a r r e p o u s a n e l e s c o m
b e n e v o l ê n c i a e e u o s t r a r e i d e v o l t a p a r a e s t a t e r r a ; v o u c o n s t r u í - l o s e n ã o m a is
d e m o l i - lo s ; v o u p l a n t á - l o s e n ã o m a is a r r a n c á - l o s . V o u d a r - l h e s u m c o r a ç ã o
q u e l h e s p e r m i t i r á c o n h e c e r - m e ; sim , e u s o u o S e n h o r ; e le s s e t o r n a r ã o u m
p o v o p a r a m im e e u m e t o r n a r e i D e u s p a r a e l e s ’” .
J e r e m i a s 2 4 ,8 - 1 0 : “ M a s o q u e s e f a z d o s f ig o s r u in s , t ã o r u i n s q u e n ã o d á p a r a
c o m ê - l o s — a s s i m f a la o S e n h o r — , é o q u e f a ç o d e S e d e c i a s , re i d e J u d á , d e
s e u s m in is tro s e d o r e s t o d e J e r u s a lé m , d o s q u e r e s ta m n e s ta t e r r a e d o s q u e
r e s i d e m n a t e r r a d o E g ito : C o m h o r r o r , f a ç o d e le s u m e x e m p l o a t e r r a d o r p a r a
t o d o s o s r e in o s d a t e r r a . E m t o d o s o s l u g a r e s o n d e o s d is p e r s o , e le s s e t o r n a m
o b j e t o d e e s c á r n i o e d e c o m e n t á r i o , e n t r a m n o ro l d a s in jú r ia s e d a s m a l d i ç õ e s .
M a n d o c o n t r a e le s a e s p a d a , a f o m e e a p e s t e , a t é q u e d e s a p a r e ç a m d o s o lo
q u e d e i a e le s e a s e u s p a i s ” .
394
A formação dos últimos profetas (história da redação)
3 . O P R O C E D IM E N T O DOS A C R É S C IM O S L IT E R Á R IO S
395
Os Profetas
S i r á c i d a 4 8 , 2 4 - 2 5 : “ S o b u m a p o d e r o s a i n s p i r a ç ã o v iu o fim d o s t e m p o s e c o n -
s o lo u o s a f li t o s d e S iã o . A t é a e t e r n i d a d e a n u n c i o u o f u t u r o e a s c o is a s o c u lt a s ,
a n t e s d e e la s s e r e a l i z a r e m ” .
4 . S ig n if ic a ç ã o t e o l ó g ic a
396
A formação dos últimos profetas (história da redação)
de teologicam ente decisivo nos livros proféticos não são suas afir-
mações particulares. Q ue estas sejam historicam ente restritas e
necessitem de um a reinterpretação, o Antigo T estam ento já o sabia;
o m ovim ento de reinterpretação que se revela continuam ente no
interior do corpus bíblico é m uito mais im portante.
A interpretação, ela m esm a profética, da tradição profética que a
modela desde o início podería servir de modelo para a m aneira pela
qual convém considerar hoje a profecia veterotestam entária; em to-
dos os casos ela m ostra que um entendim ento ingenuam ente bibli-
cista dos profetas não tinha voz no capítulo, m esm o para os leitores
e os portadores do Antigo Testam ento.
397
Os Profetas
398
A formação dos últimos profetas (história da redação)
5 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
Ben Z v i , E . T h e P r o p h e t i c B o o k : A K e y F o m o f P r o p h e t i c L i t e r a t u r e . In:
Sweeney , M . A ., B en Z v i , E . ( e d .) . The Changing Face o f Form Criticism
for the Twenty-First Century. G r a n d R a p id s ( M i) /C a m b r id g e , 2 0 0 3 ,
p. 2 7 6 -2 9 7 .
Bogaert , P - M . L e l iv r e d e J é r é m i e e n p e r s p e c t i v e : l e s d e u x r e d a c t i o n s
a n ti q u e s s e lo n le s t r a v a u x e n c o u r s . RB 101 ( 1 9 9 4 ) 3 6 3 4 0 3 ־.
______ . ! / o r g a n i z a t i o n d e s g r a n d s r e c u e i l s p r o p h é t i q u e s . In : V ermeylen , J.
t u r e s . U n i t é e t c o m p l e x i t é d e I’o u v r a g e . L e u v e n , 1 9 8 9 , p . 1 4 7 - 1 5 3
( B E T h L 8 1 ).
1 9 9 7 ( Ο Β Ο 1 5 4 ).
G elin , A . L a q u e s t i o n d e s “ r e l e c t u r e s ” b i b l i q u e s à 1’i n t é r i e u r d ’u n e t r a -
p . 3 0 3 - 3 1 5 ( B E T h L 1 2 /1 3 ) .
q u e d e S t r a s b o u r g 1 5 -1 7 j u in 1 9 9 5 . P a r i s , 1 9 9 7 ( T r a b a l h o s d o C e n t r e
d e R e c h e r c h e s u r le P r o c h e - O r i e n t e t la G r è c e A n t i q u e ) .
H ertzberg , H . W . N a c h g e s c h ic h te a lt t e s ta m e n t li c h e r T e x t e in n e rh a lb d e s
(1 9 9 4 ) 4 8 3 - 4 9 4 .
T ü b i n g e n , 1 9 9 5 ( F A T 1).
Kratz, R . G . R e d a k t i o n s g e s c h i c h t e I. A l t e s T e s t a m e n t . TER 2 8 (1 9 9 7 ) 3 6 7 -
387.
399
O s Profetas
s ig te s G e b i e t d e r B ib e lw is s e n s c h a f t u n d d ie s c h â d lic h e n A u s w ir k u n -
g e n a u f T h e o lo g i e u n d P h ilo so p h ie . G ü te r s lo h , 1 9 7 0 .
E v a n g e liu m s . G õ t t in g e n , 1 9 5 9 ( F R L A N T 4 9 ).
1 9 8 6 , v. I ( I C C ) .
N issinen, M . D ie R e l e v a n z d e r m e u a s s y r i s c h e n P r o p h e t i e f ü r d i e a l t t e s t a -
c h e n - V lu y n , 1 9 9 3 , p. 2 1 7 -2 5 8 (A O A T 2 3 2 ).
v o n A m o s im R a h m e n s c h r i f t e n ü b e r g r e i f e n d e r R e d a k t i o n s p r o z e s s e .
B e r l i n / N e w Y o rk , 1 9 9 8 ( B Z A W 2 0 6 ) .
t i o n s — u n d R e z e p t i o n s g e s c h i c h t e v o n J e r 3 0 - 3 3 im K o n t e x t d e s
B u c h e s . N e u k ir c h e n - V lu y n , 1 996 ( W M A N T 7 2 ).
______ . K l a s s i s c h e u n d n a c h k l a s s i s c h e D e u t u n g e n d e r a l t t e s t a m e n t l i c h e n
z u r V o r g e s c h i c h t e d e s K a n o n s . M ü n c h e n , 1991 ( B T h S t 17).
E r s t e n u n d Z w e i t e n J e s a j a . S t u t t g a r t , 1 9 8 5 ( S B S 121).
( P a ) , 1 9 7 9 , 1 9 8 3 ( H e r m e n e i a ) . 2 v.
400
CAPÍTULO
Jacques Vermeylen
401
Os Profetas
Título (1,1)
I. O processo do Senhor em Israel (1,2-5,7)
a Os filhos cumulados, mas infiéis, os castigos infligidos, a prostituta, o
direito e a justiça (1,2-31)
b Promessa concernindo a Sião (2,1-5)
c O orgulho dos homens (2,6-22)
X Discurso de acusação (3,1-15)
c׳ O orgulho das mulheres (3,16-4,1)
b' Promessa concernindo a Sião (4,2-6)
a’ A vinha bem-amada, mas infiel, os castigos infligidos, o direito e a justiça
(5,1-7)
402
Isaías
III. O fim de todo o mundo pagão, com sua capital (capítulo 24)
Cantos de louvor e promessas a Israel (capítulos 25-27); os capítulos 24-27 são
vistos com frequência como uma seção particular chamada “Apocalipse de Isaías”
403
Os Profetas
Prólogo: Yhwh consola seu povo (40,1-11; os v. 1-5 respondem ao discurso inicial
em 1,2-20)
404
Isaias
405
Os Profetas
406
Isaías
407
Os Profetas
perança, como 1,21-26. Com o quer que seja, m esm o em relação aos
capítulos 1a 39, a contribuição de redatores posteriores ao profeta é
muito im portante.
408
Isaías
2.3 . O “D êutero-Isaías
A té um a data bem recente, os capítulos 40-45 eram considera-
dos em sua quase totalidade um decalque da pregação de um profe-
ta anônim o que teria exercido sua atividade na Babilônia entre 550 e
539. Segundo a opinião comum, o “Segundo Isaías” procurou con-
vencer os deportados da iminência da salvação, isto é, de seu retorno
próximo a Jerusalém . A serviço dessa mensagem, esse profeta utiliza
os tem as da criação, do novo êxodo e da escolha de Israel. A salva-
ção de Israel deve m anifestar ao m undo que a Glória onipotente não
pertence aos ídolos pagãos, mas apenas a Yhwh. Consequentem ente,
o Dêutero-Isaias sublinha tam bém a unicidade de Yhwh com o único
Deus verdadeiro (43,10; 48,6-8). Por fim, o profeta quer responder
a uma objeção: não é Ciro, um pagão, que avança sobre a Babilônia?
Em um a série de discursos (41,1-5.21-29; 42,5-9; 44,24-28; 45,1-13;
46,9-11; 48,12-15) ele se dirige, portanto, aos judeus para convencê-
los de que Ciro é realm ente o instrum ento do qual Yhwh se serve
para salvar Israel: Yhwh o chama de “meu pastor” (44,28) e o tem por
seu “ungido” (45,1).
D e s tr u iç ã o d e u m a e s t á t u a d iv in a . A p o lê m ic a c o n ti a o s íd o lo s e m Isaías 4 0 - 5 5
su b lin h a o f a to d e q u e s e p o d e fa c ilm e n te d e s tr u í- lo s
409
Os Profetas
410
1saias
411
Os Profetas
3. T em as e questões
3.1. Fé e política
Essa questão concerne não só ao Isaías da história, no contexto
do século VI11 a.C ., mas tam bém — na hipótese proposta acima —
ao profeta anônim o cham ado convencionalm ente de Segundo Isaías.
Contudo, os dois casos são muito dessem elhantes.
Isaías é um a das figuras políticas mais im portantes de sua época.
Se ele quase não parece se interessar pelas questões ligadas ao culto,
em todo caso, quando tais questões são consideradas em si mesmas,
sua voz repercute a cada vez que o futuro de Judá está em jogo e
decisões vitais devem ser tom adas em m atéria de política interna-
cional. Q uando da crise siro-efraimita dos anos 735-734, ele se opõe
à opção de Acaz, que quer apelar à Assíria. Mais tarde, ele condena
a revolta antiassíria e a aliança militar com o Egito. O que dá sentido
e coerência às suas tom adas de posição, que parecem contraditórias,
é sua percepção da verdadeira relação das forças em presença: para
ele, o Senhor da história é Yhwh, o Deus três vezes santo que ele
encontrou quando de seu envio em missão (capítulo 6): é ele que se
deve tem er (8,13) e não o faraó ou o rei de Assur. Se quer sobreviver,
Judá deve, portanto, pôr sua confiança em Yhwh e renunciar ao
grande jogo da diplomacia ou da força. A questão está clara: “Sem
firme confiança, não vos firmareis” (7,9). Isaías não foi ouvido nem
412
Isaias
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Os Profetas
414
Isaias
3 .3 . O Servo de Y hw h
Isaías 40-55 fala repetidas vezes de um ou de vários “servos” de
Yhwh. Várias vezes, o título de "servo” designa Israel ou a comuni-
dade observante. Aliás, o m esm o vocábulo eb è d não está mais ligado
a Israel, mas parece designar um indivíduo, cuja identidade continua
misteriosa. Em 1892, Duhm propunha a teoria clássica dos quatro
“cantos do Servo” : as seções 42,1-4; 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12,
que fazem do Servo um a única pessoa, alteram a tram a do livro e
devem ser vistas com o um a coleção independente introduzida mais
tarde na coletânea dêutero-isaiana. Essa tese suscitou num erosas
reações, que têm por objeto a extensão, o núm ero e o autor dos
poemas, mas tam bém a identidade do Servo.
O princípio da colocação à parte dos “cantos” em relação ao conjunto
dos capítulos 40-55 é contestado por vários autores. Estes fazem valer
a diversidade dos textos, que não visam talvez todos ao m esm o per-
sonagem. Eles fazem notar que é difícil separar essas quatro peças das
outras m enções do Servo no livro, bem como o fato de ainda se falar
de um outro Servo em outras passagens bíblicas (Jr 30,10-11 = 46,27-
28; Ez 28,25 = 37,25; SI 19,12.14; 27,9 etc.). O isolamento de uma
coleção particular dos poemas do Servo podería ser entendido no con-
texto de um a exegese que considerasse Isaías 40-55 um bloco quase
homogêneo e, por outro lado, distinguisse docum entos parciais na
base de vários livros ou conjuntos literários (teoria documental do
Pentateuco, “fontes” do livro de Jerem ias etc.). Essa maneira de con-
siderar os livros bíblicos como junções de docum entos preexistentes
perdeu sua evidência. Na hipótese de um grupo de oráculos dêutero-
isaianos várias vezes reeditados para dar por fim nascim ento ao livro
atual, é mais natural atribuir os poemas do Servo a um ou a vários de
seus redatores, sem fazer disso um a fonte isolada.
Igualmente debatida é a questão do autor dos poemas. São nume-
rosos os exegetas que se pronunciam atualm ente por sua autentici-
dade dêutero-isaiana; apenas o quarto poem a é considerado com
frequência mais recente. De fato, essa solução é difícil de sustentar,
pois os poem as não têm praticam ente nenhum ponto comum com os
cantos de Ciro, certam ente atribuíveis ao profeta do século VI a.C.
415
Os Profetas
O primeiro dos quatro poemas (42,1-9) tem precisam ente por base
um dos oráculos sobre Ciro (v. 5-7*), e a figura do Servo só parece
ter sido introduzida por um com entário secundário desse oráculo
(acréscimo dos v. 1-4*). E preciso se dobrar diante da evidência: os
poemas do Servo são obra de redatores anônimos que interpretam
os oráculos do próprio Dêutero-1 saias; nada perm ite distinguir esses
escritores dos redatores que trabalham nas outras seções da obra.
A questão mais debatida continua a ser a da identidade do Servo.
Reconhecem-se nele traços a um só tem po proféticos e reais, mas isso
permite várias soluções, e as respostas são muito diferentes. Para uns se
trata realmente de um indivíduo: o Messias, o próprio Segundo Isaías,
um outro personagem da história (Moisés, Davi, Jeremias, o rei loiakin,
o rei Sedecias, Sheshbaçar, Zorobabel, Ciro...), ou ainda um persona-
gem fictício. Para outros, o Servo seria uma coletividade: Israel (cf 49,3;
no v. 5, entretanto, o Servo tem um a missão em face de Israel), um
grupo em Israel ou o Israel ideal. Para D. J. A. Clines, é intencional-
m ente que o autor dos poemas recusa-se a nom ear o Servo: assim, ele
abre a porta para desenvolvimentos em sentidos diversos. Alguns au-
tores, por fim, pensam que o Servo não é o mesmo em todos os poe-
mas nos quais se trata dele. De todos os modos, os poemas estão aber-
tos a identificações diversas, como bem m ostra a história da exegese.
Além de sua origem e de seu sentido primeiro, os poem as do Ser-
vo encontraram um prolongam ento essencial no Novo Testam ento.
Já 1 Coríntios 15,3-4, em que Paulo retom a uma tradição que o pre-
cede, faz alusão a Isaías 53, e os quatro evangelhos enxergam na
paixão e na ressurreição de Jesus o cum prim ento desse texto.
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
4.1. C om entários
Capítulos 1-66
B ruegg em ann , W. W B C , 1998.
Duhm , B. H A T l l l / l , 41922 (1968).
Capítulos 1—39
A uvray , P SBi, 1972.
416
Isaias
417
Os Profetas
418
CAPITULO
9
Jeremias
Thom as Rõmer
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
1. 1. O texto m assorético (T M )
O T M do livro de Jerem ias (para a versão da Septuaginta [LXX],
ver abaixo) está organizado da seguinte maneira:
Título (1,1-3)
Vocação (1,4-19)
419
Os Profetas
420
Jeremias
Esse plano m ostra que o livro com porta várias grandes unidades.
Após a introdução (Jr 1: data, vocação e visões), Jeremias 2-6 contém
um a coleção de oráculos, sobretudo em versos, anunciando o inimigo
do N orte e conclamando os destinatários a mudar de conduta. O ca-
pítulo 7 (discurso sobre o Templo) introduz um conjunto que vai até
Jeremias 24, no interior do qual encontram os discursos e queixumes,
gestos sinais, bem como “lam entações” do profeta. A visão dos bons e
dos maus figos conclui essa seção com um anúncio de salvação para
um pequeno grupo (os deportados de 597). Jeremias 25 funciona co-
mo uma “transição”, retom ando tem as de 7-24 e preparando a sequên-
cia. Jeremias 26-35 é introduzido pela segunda versão do discurso do
Templo (Jr 26); são os anúncios de salvação que dominam nesses ca-
pítulos. A conclusão em Jeremias 35 pode ser comparada a Jeremias
24: novamente se trata de uma promessa feita a um pequeno grupo
(os rekabitas). Jeremias 36 (o rolo queimado) introduz a parte narrativa
do livro (Jr 37-43). Essa unidade termina com um anúncio de salvação
dirigido a um indivíduo: Baruc. Seguem-se os oráculos contra as na-
ções e o apêndice histórico (Jr 52, c f 2Rs 24,18-25,30).
421
Os Profetas
LXX TM TM LXX
1,1-25,13 1,1-25,13 1,1-25,13 1,1-25,13
25,14-26,1 49,34-39 25,15-38 32,1-24
26 46 26-43 33-50
27 50 44,1-30 51,1-30
28 51 45,1-5 51,31-35
29,1-7 47,1-7 46 26
29,8-32 49,7-22 47,1-7 29,1-7
30,1-5 49,1-6 48 31
30,6-11 49,28-33 49,1-6 30,1-5
30,12-16 49,23-27 49,7-22 29,8-33
31 48 49,23-27 30,12-16
32,1-24 25,15-38 49,28-33 30,6-11
33-50 26-43 49,34-39 25,14-26,1
51,1-30 44,1-30 50 27
51,31-35 45,1-5 51 28
52 52 52 52
422
Em bora Jerem iasLXX represente um estágio anterior do livro
de Jerem ias, indicaremos na sequência as referências segundo Je-
rem iasTM por razões de comodidade.
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
É evidente que a história da form ação do livro de Jerem ias é de
grande complexidade. E ncontram os aí, por exemplo, um núm ero
im portante de palavras alotrópicas (Jr 6,12-15 = 8,10-12; 10,12-16 =
51,15-19; c f M a c c h i ) . A s indicacções cronológicas não são coeren-
tes: a história do rolo queim ado (Jr 36) está situada em 605, en-
quanto a visão do capítulo 24 faz alusão a um a situação posterior a
597. Além disso, 21,1-10 faz referência ao segundo cerco de Jeru-
salém em 587 etc. A isso som am -se diferenças im portantes no inte-
424
Jeremias
425
Os Profetas
426
Jeremias
2 .2 .5 . O debate atual
E claro que apenas a presença de estilos dtr ainda não perm ite
postular a existência de uma única redação dtr coerente e abrangente
no livro. Por outro lado, os plu s do TM em relação à Vorlage da LXX
não raro se compõem de expressões de tipo dtr, m ostrando assim que
a presença de textos “d tr” em Jerem ias não implica de modo algum
que estes devam necessariam ente ser contem porâneos da compos!-
ção da HD. K.-E Pohlmann identificou no livro de Jerem ias um a re-
dação contendo uma ideologia favorável à Golah babilônica (ver espe-
427
Os Profetas
D e s e n h o d a r e c o n s tr u ç ã o d a p o r t a d u p la d e Is h ta r n a B ab ilô n ia c o m u m a v is ta e m c o r t e d a s
d ife re n te s e le v a ç õ e s d a V ia P ro c is s io n a l — c f o s o rá c u lo s c o n tr a a B ab ilô n ia e m J e r e m i a s 5 0 -5 1
428
Jeremias
429
Os Profetas
lada, o que torna possível a tese segundo a qual esses textos refletem
o contexto da época persa ( P o h l m a n n ; S c h m i d ) .
Resumindo, o debate atual perm ite que apareçam as seguintes
etapas na form ação do livro:
1. Coleções e tradições independentes atribuídas ao profeta Jere-
mias, especialm ente 2-6*, 21-22* e 37-43*;
2. pelo menos duas redações deuteronomistas nos séculos VI e V a.C.,
que integram esse material e criam o livro do profeta Jeremias;
3. em seguida, o processo redacional do livro vai continuar (inte-
gração dos oráculos contra as nações, “confissões” etc.) pelo
m enos até o fim da época helenística, como m ostram especial-
m ente as diferenças entre a LXX e o TM .
3. T emas e q u estõ es
3 . 1. Do julg a m en to à salvação
Em sua forma massorética, o livro de Jerem ias convida o leitor a
um itinerário complicado, no qual se alternam os anúncios de julga-
mento, os relatos sobre o julgamento realizado, oráculos proclaman-
do um a salvação que está por vir, bem como relatos sobre um a vida
possível na terra. Mas o final do livro (Jr 52) volta à destruição de
Jerusalém e ao exílio babilônico, estabelecendo dessa form a um pa-
ralelo explícito com o fim do livro dos Reis (2Rs 24-25). Essas remis-
sões indicam que para os redatores dtr de Jerem ias esse livro quer ser
entendido como o com entário profético da história dtr. Em bora o
TM apresente um texto mais tardio que o texto hebraico que está na
base de JeremiasLXX (ver acima 1.2), talvez ele tenha conservado o
lugar original dos oráculos contra as nações. O deslocam ento desses
oráculos para a segunda parte do livro, atestado pela LXX, se explica
pela influência da profecia escatológica da época persa e pela vontade
de harm onizar o plano do livro com o plano tripartite de Isaías 1-39 e
de Ezequiel. Tal composição fortalece o impacto dos oráculos de sal-
vação encontrados especialm ente em Jerem ias 30-33 (TM).
Mais de dois terços dos anúncios de salvação em Jerem ias encon-
tram -se nos capítulos 30-33. Desde Duhm, designa-se a primeira parte
430
Jeremias
431
Os Profetas
4. I ndicaçõ es bibliográficas
4.1. C om entários
C a r r o ll, R. P O T L , 1986.
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432
Jeremias
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433
Os Profetas
434
CAPÍTULO
10
Christophe Nihan
435
Os Profetas
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
436
Ezequiel
437
Os Profetas
438
Ezequiel
1,2: 5oano; 8,1: 6o ano; 20,1: 7o ano; 24,1: 9oano; 33,21: 12° ano; 40,1: 25° ano.
Em sentido contrário, as datações em 25-32 não seguem sempre uma ordem
lógica (cf 26,1; 29,1.17; 30,20; 31,1; 32,1.17); as datações de 29,17 (27 ״ano) e
de 32,1.17 (12° mês do 12° ano),em particular, não concordam com a indicação
cronológica de 33.21 (10° mês do 12° ano). O 27° ano de 29,17 está igualmente
em tensão com a indicação de 40,1 (25° ano), que está claramente destinado
a introduzir a última parte dos oráculos de Ezequiel (40-48). Dessa forma, a
coleção de oráculos contra as nações parece dispor de um sistema de datação
439
Os Profetas
próprio, inspirado pelo sistema de 1-24 e 33^48, mas que não é inteiramente
compatível e coerente com esse sistema, o que sublinha ainda uma vez a espe-
cificidade e a independência relativa dessa coleção.
440
Ezequiel
441
Os Profetas
442
Ezequiel
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
443
Os Profetas
(TM), a principal das quais diz respeito aos capítulos 36-40. O Papyri
967 om ite inteiram ente 36,23c-38 e faz aparecer um a organização
diferente do texto de 36-40, um a vez que os capítulos 38-39 estão
colocados entre 36,l-23b e 37,1-14 (a visão das ossadas). Com o
m ostrou P-M. Bogaert, o testem unho do Papyri 967 para Ezequiel
36-40 é corroborado pelo mais antigo testem unho da Vetus latina, o
W irceburgensis (um palimpsesto), mesmo que este último dependa de
outra tradição textual. Portanto, é quase certo que a lição do Papyri
967 para Ezequiel 36-40 representa a LXX antiga. Além disso,
36,230-38 com porta num erosas similitudes com outras passagens
do T M igualmente ausentes da LXX antiga, e com toda verossimi-
lhança se tra ta de um acréscim o muito tardio ao texto de Ezequiel
destinado a estabelecer um vínculo entre os capítulos 36-37 (cf
L ust 1981). Nesse caso é verossímil que é a sequência textual da LXX
pré-hexaplar, tal qual atestado pelo Papyri 967 e pela Vetus latina,
que preserva o testem unho mais antigo para Ezequiel 36-40, enquan-
to o TM desses capítulos corresponde a um desenvolvim ento mais
recente. Essa conclusão tem um a grande im portância para a história
da form ação de Ezequiel (ver abaixo), um a vez que implica que o
livro foi editado e rem anejado até um a época muito tardia, com toda
verossimilhança até a época helenística.
A penas alguns fragm entos do livro de Ezequiel fora encontrados
em Q um ran, que apresentam um interesse muito limitado para a
história da transm issão do texto. Para a edição integral desses textos,
podemos nos referir ao estudo publicado por J. Lus em 1986. A maio-
ria desses fragm entos, especialm ente 4Q E z a e b, são de modo geral
muito próximos da tradição textual preservada noT M , em relação ao
qual preservam tão som ente variantes inteiramente menores.
444
Ezequiei
445
Os Profetas
446
Ezequiel
pela primeira Golah que Israel será restaurado, como sugere especial-
m ente a visão das ossadas de Ezequiel 37,1-14*. E de notar ainda que
essa hipótese permite claramente explicar o fato de que a cronologia de
Ezequiel tom a sistem aticam ente por referência o exílio do rei Ioiakin
em 597. Mais tarde, pelo final do século V a.C., a redação pró-Golah
teria sido retrabalhada e completada por uma redação “pró-diáspora ”,
que reage ao exclusivismo e às pretensões da primeira Golah depois do
fracasso da restauração davídica, situando doravante essa restaura-
ção em um a perspectiva escatológica e ampliando isso ao conjunto
das comunidades da diáspora.
O modelo enunciado por Pohlmann foi adotado depois por T A.
Rudnig, que o aplicou a Ezequiel 40-48; além disso, a hipótese de uma
redação pró-diáspora tardia em Ezequiel foi igualmente desenvolvida
por J. Lust em um estudo recente (1999), embora Lust proponha situar
essa redação em um contexto histórico do com eço da época helenís-
tica, e não mais no decurso da época persa. Uma das principais fraque-
zas desse modelo é que ele se baseia essencialmente na percepção
das tensões entre diferentes programas político-religiosos (Tenden-
zkritik ) e não em uma análise séria da linguagem e do estilo próprios
das redações pró-Golah e pró-diáspora (ver, entretanto, as tentativas
de R u d n i g para Ezequiel 40-48, e, em certa medida, de L u s t para a
redação pró-diáspora em Ezequiel). A atribuição de numerosas passa-
gens a esta ou àquela redação perm anece, portanto, muito hipotética
e até mesmo, às vezes, irresolúvel (ver igualmente, a esse respeito, o
comentário de P o h l m a n n sobre Ezequiel). A despeito desse problema,
os argum entos enunciados para identificar uma redação pró-Golah,
editando um a coletânea profética mais antiga, e uma redação pró-
diáspora mais tardia são muito convincentes, e é verossímil que essas
composições sucessivas correspondam, na realidade, às três principais
etapas da form ação do livro.
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Ezequiel
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Ezequiel
451
Os Profetas
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Ezequiel
3. T em as e questões
453
Os Profetas
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Ezequiel
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Os Profetas
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
A llen , L.C. W BC 28, 1994; W BC 29, 1990.
Berth o let, A. HAT 13, 1936.
456
Ezequiel
457
Os Profetas
458
CAPÍTULO
11
Os doze profetas menores
Jean-Daniel Macchi
459
Os Profetas
1. A O RDEM T R A D IC IO N A L DOS X II
460
Os doze profetas menores
2. C r e s c im e n t o d o corpus
A instalação do corpus dos XI1 certam ente não foi feita em uma
única etapa, e várias “coleções” m enores por certo são preexistentes.
461
Os Profetas
462
Os doze profetas menores
3 . T E M A S E Q U ES T Õ ES
4. I ndicaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
Ver a bibliografia para cada livro.
463
Os Profetas
____ . Redactional Processes in the Book o f the Twelve. Berlin, 1993 (BZAW
218).
N o c a l s k i , J. D., S w e e n e y , M. A. (ed.). Reading and Hearing the Book o fth e
Twelve. Atlanta (Ga), 2000 (SBL.SS 15).
S c h a r t , A. Die Enttstehung des Zwõlfprophetenbuchs. Berlin, 1998 (BZAW
260).
464
CAPÍTULO
12
Oseias
Thom as Rõmer
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
465
Os Profetas
1.1 T ítu lo
466
Oseias
TM LXX
U -9; 2,1-2 1,1-11
2,3-25 2,1-23
11,1-11; 12,1 11,1-12
12,2-15 12,1-14
467
Os Profetas
D e p o r ta ç ã o d a s d iv in d a d e s d o s p o v o s v e n c id o s p e lo e x é r c ito a ss írio — c f O s e ia s 8 - 9
468
Oseias
469
Os Profetas
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
A observação um tan to desesperada de Oseias 14,10 (“Q uem é
sábio para com preender estas coisas”?) dá um a indicação da comple-
xidade do livro e da história de sua formação. Várias observações in-
dicam claram ente que o livro não foi redigido de uma só vez. Ele
tam bém não pode te r sido escrito inteiram ente no século VIII a.C.,
em bora o que parece estar pressuposto, muitas vezes, seja o contexto
histórico dos anos 735-720 (ver abaixo). De fato, a maioria das acusa-
ções parece se dirigir ao reino de Israel às vésperas de seu desapa-
recim ento sob os golpes dos assírios. Desde 4,17 os destinatários são
frequentem ente chamados de “Efraim” (característica quase excep-
cional no conjunto dos doze profetas), o que indica claram ente sua
situação no Reino do N orte. E possível que o term o Efraim seja utili-
zado para designar o Reino de Israel am putado do lado m editerrâ-
neo, da região de Meguido e de Galaad, em consequência da revolta
contra os assírios em 733/732 (assim J eremias ). A o lado da evocação
frequente do Reino do N orte, outros versículos falam de Judá, quer
470
Oseias
para lhe dar um a vantagem em relação a Israel (cf 1,7; 4,15; 12,1,
bem como a insistência nos reis judeus no título em 1,1), quer, ao con-
trário, para lhe anunciar o julgamento e a destruição como a Efraim
(cf 5,5.10.12-14; 6,4.11; 8,14; 10,11; 12,3), quer ainda para evocar um
novo “Reino Unido” sob um novo Davi (2,2; c f tam bém 3,5). No es-
tado atual, o livro pressupõe portanto claram ente o fim do Reino de
Judá e as esperanças escatológicas da época persa ( T r o tt er ), con-
tendo ainda num erosas passagens que apontam para um a data mais
antiga, na segunda m etade do século VIII a.C.
Devem -se igualmente m encionar as diferenças de estilo e de con-
teúdo entre Oseias 1-3, de um lado, e Oseias 4-14, de outro. Podem-
se notar em certos textos de Oseias 4-14 semelhanças com o estilo
e a teologia deuteronom istas (assim, por exemplo, o tem a da berít, o
êxodo com o tradição fundadora de Israel, a polêmica contra os altos
lugares, a idéia do profeta rejeitado pelo povo). Trata-se, então, de
uma dependência desses textos em relação à história deuteronom ista
ou seria preciso antes ver em Oseias, como muitas vezes se tem dito,
um precursor dos deuteronom istas? O utro problema é levantado
pelo aparecim ento não raro abrupto e inesperado dos anúncios de
restauração, os quais estão em c e rta ten são com as notificações
de aniquilamento, na medida em que estas são pronunciadas com
um tom definitivo. O conjunto dessas observações e desses pro-
blemas necessita evidentem ente das explicações que se apoiam em
hipóteses diacrônicas no tocante à form ação do livro.
471
Os Profetas
472
Oseias
473
Os Profetas
474
Oseias
475
Os Profetas
2 .2 . A fo rm a ç ã o do livro
Diante do anteriorm ente dito, não se podería falar de um consenso
sobre a form ação de Oseias. Entretanto, é possível discernir as gran-
des etapas da colocação por escrito do livro levando em consideração
as seguintes observações. Por um lado, (a) certos textos em Oseias
4-9 se explicam melhor no contexto dos anos 733-722 a.C.; Nissinen
observou com razão numerosos paralelos com a linguagem e a ideolo-
gia dos tratados assírios de vassalagem. Parece, portanto, mais lógico
datar tais textos da época assíria (séculos VIII e Vil a.C.) que da
476
Oseias
época pós-exílica. Por outro lado, (b) existem claram ente traços de
releitura judaica. Tal observação implica que o livro de Oseias fez
igualmente carreira em Judá e não podería em nenhum caso ser
considerado um puro produto do N orte. Por fim, (c) algumas expec-
tativas escatológicas que se exprimem em Oseias possuem seus m e-
Ihores paralelos em textos proféticos da época persa.
1. O núcleo do livro está certam ente entre 4,1 e 9,9 ( K r a t z ) . Alguns
desses textos refletem a situação da guerra cham ada “siro-efraimita”
conduzida em 734-733 por Péqah, rei de Israel, e pelo rei de Damasco
contra A caz de Judá com o objetivo de derrubá-lo, pois este se recusa-
va a se unir à aliança antiassíria. Acaz apela ao rei assírio Tiglat-Piléser,
que intervém contra Aram e Israel; ele arrebata de Israel especialmen-
te a Galileia e a Transjordânia, deportando uma parte im portante da
população, e reorganiza os territórios conquistados. Provavelmente é
graças ao assassinato de Péqah, substituído no trono por um certo
Oseias, que a Samaria é poupada m om entaneam ente. Oseias 5,8-11
talvez evoque um conflito territorial entre Efraim e Judá na época da
guerra, enquanto 5,12 podería fazer alusão à intervenção de Tiglat-
Piléser, e 5,13 à política primeiro pró-assíria do rei Oseias. Alguns tex-
tos nesse conjunto fazem alusão às destruições e às deportações de
732 ou de 722, quando a Samaria é destruída pelos assírios (6,4-5*;
9,7-9*) na sequência da revolta do rei Oseias, que pensava poder se
apoiar no Egito (cf O s 7,11 -12.16). O profeta Oseias, que podería estar
por trás desses oráculos, é, portanto, o equivalente nortista do pro-
feta judeu Isaías, cuja “m em ória” em Isaías 6-9* provém da m esm a
época. Com o Isaías, o profeta Oseias, que podemos discernir por
trás de Oseias 4-9*, deve ter tido acesso à corte ( L a n d y ) ; certam ente
ele não é um “levita do campo marginal” (assim W o l f f ) .
Se podemos imaginar dessa m aneira uma primeira colocação por
escrito de O seias 4-9* no final do século VIII, resta determ inar
por quem e onde. A ideia segundo a qual o profeta teria tido discípulos
( W o l f f ; J e r e m i a s ) é um tanto anacrônica. Dever-se-ia por analogia
477
Os Profetas
478
Oseias
3. T e m a s e q u e s t õ e s
3.1. Y hw h, o profeta e as m ulheres
Oseias 1-3 está dominado pelo tem a da mulher infiel, que simboliza
o comportam ento de Israel diante de Yhwh. Durante muito tem po esses
capítulos foram interpretados em uma perspectiva biográfica, consi-
derando que o profeta era casado com um a e até m esm o com duas
mulheres adúlteras (essa última solução se impõe se lemos O s 1-3
como um único relato; porém , poderia tratar-se de duas relações
sobre o mesmo caso, como sugere especialmente a utilização da tercei-
ra pessoa do singular em O s 1 e da primeira pessoa em O s 3). Dessa
maneira, tentou-se saber se Oseias se casou com um a prostituta (cul-
tual) ou se ele havia apenas comprado os serviços de um a tal mulher
para realizar um ato simbólico. Esse debate, que às vezes foi muito
apaixonado, atualmente se atenuou. Numerosos estudos recentes en-
tendem Oseias 1-3 antes de tudo como uma criação literária (W a c k e r ) ,
com o um a espécie de colocação no abism o do conjunto do livro.
D e u s a d a fe rtilid a d e r e p r e s e n ta d a e m u m a á r v o r e — c f O s e ia s 14,9
479
Os Profetas
480
Oseias
481
Os Profetas
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
A n d ersen , F I., F reed m a n , D. N. AncB 24, 1980.
Bo n s, E. N SK .A T 23/1, 1996.
D a v ie s , G. 1. N CBC, 1992.
J aco b, E. C A T X la, 1992 (1965).
J e r e m ia s , J. ATD 24/1, 1983.
L an d y, F Hosea. Sheffield, 1995 (Readings).
M a c in t o s h , A. A. ICC, 1997.
M ays, J. L. O T L , 1969.
W o lff, H . W. BK.AT 14/1, 1965 = H erm eneia, 1974.
Y ee , G. A. H osea. In: The N ew Interpreter’s Bible. Nashville, 1994, v. 7,
p. 197-297.
482
Oseias
483
CAPÍTULO
13
Joel
Jean-Daniel Macchi
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv ro
O livro de Joel articula o motivo do julgamento de Sião com o da
salvação. O giro se opera em 2,18, em que o zelo e a piedade de
Yhwh por seu povo são afirmados.
D e s g r a ç a s f l a g e l a n d o S i ã o e a r r e p e n d i m e n t o ( 1 ,4 - 2 , 1 7 )
1,4-12 Um flagelo catastrófico, sob a forma de uma invasão de insetos,
devasta os recursos agrícolas da terra
1,13-14 Apelo ao jejum e à lamentação no contexto de uma reunião sagrada
1, 15-20 Lamentação concernente à catástrofe agrícola e súplica
2.1- 11 Descrição do dia do Senhor como o desfraldar escatológico de um
exército colossal (de insetos?)
484
Joel
2,12-17 Apelo à volta de todo o coração para o Senhor. Como em 1, 13-14, tal
volta se exprime pelo jejum, pela lamentação e pelo culto
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
O título do livro dá poucas informações sobre a identidade do profe-
ta e o período histórico que lhe corresponde. O nome de Joel — que
significa provavelmente “o Senhor é Deus (El)” — é relativamente
corrente nos textos pós-exílicos (Crônicas, Esdras-Neemias).
485
Os Profetas
486
Joel
487
Os Profetas
3. T emas e q u estõ es
488
Joel
489
Os Profetas
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
A chtemeier , E. NIBC 17, 1996.
C renshaw , J. L. AneB 24C, 1995.
Dahmen , U. NKS.AT 23/2, 2001.
K eller , C.-A. CAT 11a, 1965.
R udolph, W.KAT 13/2, 1971.
Stuart , D. WBC31, 1987.
W eiser , A. ATD 24, 1963.
W olff , H. W. BK.AT 14/2, 1969 = Hermeneia, 1977.
490
CAPÍTULO
Μ
Amos
Simon Butticaz
492
Amós
493
O s Profetas
Visões \ II
Fórmula introdutória 7,1a« 7,4aa
Visão propriamente dita 7 ,la P 2 ־a<x 7,4aP־b
Intercessão de Amós 7,2ap-b 7,5
Arrependimento de Deus 7,3 7,6
Visões III IV
Fórmula introdutória 7,7aa 8,1a
Visão propriamente dita 7,7ap-b 8,1b
Diálogo e interpretação da visão 7,8a-bp 8,2a־bp
Fórmula conclusiva 7,8bv 8,2bv
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
494
Amós
495
Os Profetas
Selo judaico do ministro Shem a' (século VIII a.C .) representando um leão.
Em Amós 1,2 e 3,8, Yhwh é com parado a um leão
496
Amós
497
Os Profetas
498
Amós
2.5. Síntese
Assim, a coletânea do profeta Amós parece te r sofrido um a série
de releituras, que podemos resumir com o se segue:
1. Uma primeira edição do corpus provavelmente veio a lume du-
rante a segunda m etade do século VIII a.C. Esse rolo profético, a ser
499
Os Profetas
3. T em as e q uestões
50 0
Amós
501
Os Profetas
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
A msler, S. C A T 11a, 1965.
F l e is c h e r , G. NSK.AT 23/2, 2001.
J e r e m ia s , J. ATD 24/2, 1995 = O T L , 1998.
Pa u l, S. M. H erm eneia, 1991.
R u d o lph , W. ΚΑΤΙ 3/2, 1971.
S o g c in , J. A. StBi 61, 1982 = The Prophet Amos: A Translation and Com-
mentary, London, 1987.
W o lff, H. W. BK.AT 14/2, 31985 = H erm eneia, 2I984.
502
Amós
503
CAPÍTULO
15
Abdias
Jean-Daniel Macchi
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
Abdias é o menor livro do Antigo Testamento, pois tem apenas 21 ver-
sículos. Ao relatar o que é apresentado como a “visão” de Abdias, ele
expõe, na realidade, um oráculo de julgamento que tem em vista Edom.
Ia Título
lb-9 Anúncio da destruição de Edom
1b Apelo ao combate
2-4 Anúncio do julgamento de Yhwh em termos gerais. Crítica da arrogância
de Edom
5-7 Descrição precisa da pilhagem de Edom
8-9 Desaparecimento dos habitantes de Edom
10-14 Razão da destruição de Edom: sua conduta. Edom é acusado de ter
permanecido passivo diante da desgraça de seu irmão Jacó e de ter se
alegrado com a aflição de Judá
15-18 O dia do Senhor, restabelecimento de Israel. O dia do Senhor anuncia
a desgraça das nações (16), incluindo Edom (18), bem como a vingança
e a restauração de Jacó (17)
19-21 Anexo em prosa. Renovação de Israel. Depois de uma descrição do ter-
ritório dominado pelos exilados, o texto culmina com a certeza do reino
do Senhor sobre o monte Sião
5 04
Abdias
2 . O r ig e m e fo rm a çã o
505
Os Profetas
506
Abdias
Vindimadores vêm à tua casa: dei- 9a Se vinhateiros vêm a ti, não dei-
xam mais do que restos a rebuscar? xam nada para ser apanhado.
Oh! Esaú foi esquadrinhado! Postos 10a Eu mesmo vou despojar Esaú,
a nu seus tesouros escondidos!” trazer à luz seus tesouros escondidos.
507
Os Profetas
3. T emas e q u estõ es
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
C o g g in s , R. J. ITC, 1985.
Keller, C.-A. CAT 11a, 19923.
R u d o lph , W. ΚΑΤΙ 3/2, 1971.
S t r u p p e , U. NSK.AT 24/1, 1996.
S tu a r t , D. W B C 31, 1987.
W a tts , J. D. W. CNEB, 1975.
W e is e r , A. A TD24, 19634.
W o lff , H. W. BK.AT 14/3, 1977 = Obadiah and Jonah: A Commentary.
Minneapolis (Μη), 1986 (Continental Commentaries).
508
Abdias
509
CAPÍTULO
16
Jonas
Ernst Axel Knauf
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv ro
1.2. E strutura
O s exegetas estão de acordo em geral em identificar um a cesura
maior entre os capítulos 2 e 3 do corpus. Essa bipartição é legitimada
pela m udança espacial que sobrevêm entre essas sequências: Jonas
511
Os Profetas
512
Jonas
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
" N a q u e l e d ia , u m a e s t r a d a ir á d o E g it o à A s s ír ia . O s a s s í r i o s v i r ã o a o E g it o e
o s e g íp c io s à A s s ír ia . O s e g íp c io s a d o r a r ã o j u n t o c o m o s a s s ír io s . N a q u e l e d ia ,
Is ra e l f o r m a r á u m a t r í a d e c o m o E g it o e a A s s í r ia . E s t a s e r á a b ê n ç ã o q u e , n a
t e r r a , o S e n h o r d e t o d o p o d e r p r o n u n c i a r á : ' B e n d it o s s e j a m o E g ito , m e u p o v o ,
a A s s ír ia , o b r a d a s m in h a s m ã o s , e I s r a e l, m e u p a t r i m ô n i o ! ’.”
513
O s Profetas
2 .2 . A caricatura do profeta
Deus tem compaixão de Nínive, mas não Jonas, que quer se enfiar
nos confins da terra quando sabe que seu Deus fez o m ar e a terra:
desígnio impossível, im ediatam ente reconhecido pelos marinheiros
pagãos, que cuidam mais de Jonas do que de suas mercadorias; Jonas
se preocupa mais com sua cabeça do que com a grande cidade e
todos os seus habitantes. Jonas conhece Deus sem entendê-lo; os
pagãos, que se apegam a ídolos vãos (2,9), fazem o que é justo aos
olhos de Yhwh sem m esm o lhe perguntar. Jonas é o pior exemplo de
profeta, sua caricatura perfeita.
Yonah significa “pom ba” em hebraico, animal conhecido por sua
estupidez (Os 7,11). Jonas não tem nada em com um com seu hom ô-
nimo histórico (2Rs 14,25). Profeta nacionalista nos m eados do sé-
culo VHI a.C ., Jonas ben Amitai prediz vitórias israelitas sobre os
aram eus de Damasco, em um a época em que a Assíria desem penha-
va apenas um papel indireto nos assuntos da Síria e ainda não tinha
Nínive por capital. N atural de G at-H éfer na Galileia (Js 19,13), o
Jonas da história não teria em barcado em Jafa, porto da Palestina
central na época persa, mas antes em Tiro ou Sídon. Esse profeta,
514
Jonas
2 .3 . Jonas e os profetas
Para entender o alcance do livro de Jonas, é preciso esquecer a no-
ção, tão corrente entre os leitores eruditos da Bíblia desde o século
XVIII, segundo a qual a literatura bíblica seria o resíduo de um a ampla
e rica literatura hebraica antiga, uma literatura criada por gênios, pois
redigida e editada por imbecis que não sabiam o que faziam. Esses im-
becis teriam enfileirado Jonas com os doze profetas m enores porque
o teriam tom ado por um relato histórico sobre o profeta do século VI11
a.C. No Israel antigo, das origens à época helenística, não havia nem
editora nem livraria. Q uem quisesse ler ou possuir um livro deveria ir
à instituição que o guardava e que, ao mesmo tempo, era a única fonte
de informação a respeito desse livro. O palácio (antes do exílio), o Tem-
pio e a sinagoga (depois do exílio) eram as únicas instituições que con-
servavam bibliotecas. Elas administravam igualmente as escolas onde
esses livros eram lidos, copiados, redigidos e em parte compostos. O
cânon bíblico é o cânon de leitura para o ensino superior na escola do
Templo de Jerusalém , estabelecida entre o século V e o século 11 a.C.
Nenhum livro pôde entrar no cânon por acaso ou por erro.
O s livros proféticos contêm os oráculos de seus heróis, mas também
materiais biográficos. O interesse biográfico se acentua de século em
século. No caso de lsaías, os materiais biográficos (capítulos 36-39 =
515
Os Profetas
516
Jonas
3. T em as e q uestões
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
4.1. C om entários
D e is s l e r , A . N E B . A T 2 1 , 1 9 8 8 .
K e l l e r , C . - A . C A T 11a, 1 9 9 2 .
L im b u r g , J . O T L , 1993.
R u d o l p h , W . K A T 1 3 / 2 , 19 7 1 .
Sasso n , J. M . A n c B 24B , 1990.
S im o n , U . J P S . T C , 1 9 9 9 .
Struppe, U . N S K .A T 2 4 /1 , 1 9 9 6 .
W o l f f , H . W . B K .A T 1 4 / 3 , 1 9 7 7 = Obadiah and Jonah: A C o m m e n t a r y ,
M in n e a p o lis (Μ η ), 1 9 8 6 ( C o n tin e n ta l C o m m e n ta r ie s ) .
517
Os Profetas
1 7 7 -1 9 5 .
B e n Z v i , E . S ig n s o f J o n a h : R e a d i n g a n d R e r e a d i n g in A n c i e n t Y e h u d . S h e f f ie ld ,
2 0 0 3 ( J S O T S 3 6 7 ).
B o l i n , T M . F re e d o m b e y o n d F orgiveness: T h e B o o k o f J o n a h R e - E x a m i n e d .
S h e ffie ld , 1 9 9 7 ( J S O T S 2 3 6 ) .
D a y , J . P r o b l e m s in t h e I n t e r p r e t a t i o n o f t h e B o o k o f J o n a h . O T S 2 6 ( 1 9 9 0 )
3 2 -4 7 .
O T E 5 (1 9 9 2 ) 3 8 9 -4 0 1 .
P e r s o n , R . E In C o n v e r s a tio n w ith J o n a h : C o n v e r s a t i o n A n a l is is , L i t e r a r y
C r itic is m a n d t h e B o o k o f J o n a h . S h e ffie ld , 1 9 9 6 ( J S O T S 2 2 0 ) .
P e t i t , O . J o n a s , u n p r o p h è t e tr a v a il l é p a r la p a r o le . S é m B ib 8 0 ( 1 9 9 5 ) 5 9 - 6 3 .
e r z à h l a n a l y s t i s c h e S t u d i e . G o t t i n g e n , 1 9 9 4 ( F R L A N T 1 6 2 ).
S y r e n , R . T h e B o o k o f J o n a h : A R e v e rs e d D ia s p o ra n o v e lla ? S E Â 5 8 (1 9 9 3 ),
7 -1 4 .
518
CAPÍTULO
17
Miqueias
Jean-Daniel Macchi
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv ro
519
Os Profetas
52 0
Miqueias
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
2 . 1. O núcleo m iqueiano
O livro de Miqueias é o fruto de um longo processo literário e reda-
cional. Geralmente se considera (cf O t t o ; R en aud ; M ays ; W o lff ;
M c k a n e ; L escow ) que o núcleo dos oráculos que emanam do profeta
do século VIII a.C. está no interior dos capítulos 1-3. A despeito de al-
guns retoques redacionais, a lamentação de 1,8-16 e os oráculos de jul-
gamento dos capítulos 2-3 são em geral atribuídos ao próprio profeta.
N o entanto, sabemos pouca coisa sobre ele. Miqueias 1,1 nos in-
forma que ele provém da aldeia judaica de M oréshet (atual Tell el-Yu-
deideh, 35 quilômetros a sudoeste de Jerusalém). O topônimo M o -
réshet reaparece na lamentação concernente às localidades judaicas
que padecem uma catástrofe (1,14), o que leva a pensar que o profeta
foi diretamente tocado por esse drama. Miqueias 1,1 situa, além dis-
so, a atividade do profeta sob os reinos de Iotâm, A ca z e Ezequias;
entretanto, essa indicação, muito que pouco exata, sugere que a pre-
gação de Miqueias teria se dado durante toda a segunda parte do
século V III a.C.
D iv in d a d e n u m a m o n ta n h a . E m M iq u e ia s 1 , 3 4 ־o S e n h o r
é a p r e s e n ta d o c o m o d e s c e n d o s o b re a s m o n ta n h a s
521
Os Profetas
5 22
Miqueias
2 .3 . Os oráculos de salvação
N o s capítulos 4 a 5, bem como na grande liturgia final (7,8-20) e
em 2,12-13, a paisagem teológica é muito diferente. O s textos que aí
523
Os Profetas
3. T emas e q u estõ es
524
Miqueias
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
H illers , D. R. Hermeneia, 1984.
Kessler , R. HThK.AT, 1999.
M ays , J. L. OTL, 1976.
Mc K ane , W. The Book o f Micah: Introduction and Commentary, 1998.
O berforcher , R. NSK.AT 24/2, 1995.
525
Os Profetas
4 .2 . E stados da pesquisa
Mason , R. Micah, Nahoum, Obadiah. Sheffield, 1991 (OTGuu).
526
CAPÍTULO
18
Naum
Jean-Daniel M acchi
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
Naum se apresenta com o um oráculo contra Nínive, a capital do
império assírio. A escrita desse texto, a um só tem po sofisticada e
sutil, faz que frequentem ente seja considerado um a obra-prim a da
poesia hebraica. Infelizmente, com o toda medalha tem seu reverso,
essa poesia muito trabalhada é difícil de entender, e mais ainda de ser
traduzida.
O tex to pode ser dividido em duas partes principais.
1,1 O duplo título do livro indica ao mesmo tempo seu conteúdo (“Oráculos
contra Nínive”) e o autor (“Livro da visão de Nahum, o elqoshita”)
527
Os Profetas
Devemos sublinhar que nesse estágio da obra ainda não figura nenhuma
menção a Nínive e que o combate conduzido pelo Senhor se reveste de uma
dimensão cósmica (cf Belial em 1,11; 2,1). Esse primeiro conjunto (1,2-2,3)
convida o leitor a situar os acontecim entos ligados à destruição de Nínive —
descritos na sequência do texto — na perspectiva geral da ação triunfante do
Senhor contra o mal.
Os estilos utilizados nessa segunda parte da obra fazem pensar que as fórmulas
de maldição dos tratados de vassalagem do Oriente Próximo eram familiares
ao autor desse texto.
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
N ão sabem os m uita coisa do profeta Naum . O título do livro nos
informa que ele é de Elqosh, localidade que não pôde ser identificada
com exatidão. N ão se pode excluir que o nom e Naum , que significa
“reconforto”, seja um pseudônimo. K. Spronk considera que o alto
funcionário judeu responsável por esse texto não podia, sem correr
risco de vida, publicar com o próprio nom e um tal texto antiassírio.
528
Naum
C e n a d e u m a d e p o r ta ç ã o . O a n ú n c io d e d e p o r ta ç ã o é f r e q u e n te n o s o r á c u lo s d e ju lg a m e n to .
N a u m 3 m o d ific a a p e rs p e c tiv a e fala d a d e p o r t a ç ã o d o s in im ig o s d e J u d á
529
Os Profetas
3. T EM AS E Q U ES T Õ E S
Por suas descrições muito cruas das desgraças que golpeiam Nínive,
o livro de Naum tem por que desagradar o leitor moderno. Entretanto,
é preciso levar em consideração o fato de que, como no caso do livro
de Abdias ou das longas coleções de oráculos contra as nações presen-
tes nos grandes livros proféticos, a desgraça das nações exprime a fé
na soberania do deus nacional, Yhwh, sobre todo o universo.
Se situamos o livro de Naum na época da dominação neoassíria,
podemos ler ali um virulento manifesto judaico contra um império apa-
rentem ente todo-poderoso. E verdade que a esperança do triunfo vio-
lento é menos chocante quando sai da boca ou da pena dos oprimidos.
530
Naum
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. C om entários
C o g g in s , R. J. IT C , 1985.
E ato n , J. H .T B C , 1961.
E l l ig e r , K. ATD 2 5 ,51964.
K eller , C.-A . CA T 11a, 31992.
R en au d , B. SBi, 1987.
Ro berts, J. J. M. O T L , 1991.
Ru d o lph , W. KAT 13/3, 1971.
S eybo ld , K. ZBK.AT 24/2, 1991.
Sm it h , R. L. W B C 32, 1984.
S pro n k, K. H C O T, 1997.
531
Os Profetas
53 2
CAPÍTULO
19
Habacuc
Jean-Daniel Macchi
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
533
Os Profetas
534
H abacuc
feitas com base no conteúdo da obra que esse personagem pode ser
reconstituído. Assim, as formas de tipo litúrgico presentes no livro
— especialmente o Salmo, a estrutura dialogada da obra e as lamen-
tações — conduziram vários autores a considerar que H abacuc foi
um profeta ligado ao culto ( H u m b e r t ; J e r e m ia s ; W a t t s ; H a a k ).
O ministério de H abacuc é geralm ente situado no contexto do
Reino de Judá pouco antes do exílio. O império assírio — cuja in-
fluência sobre a Síria-Palestina havia diminuído fortem ente durante
o último quarto do século VII — desaparece definitivam ente em
605 para dar lugar à potência babilônia em ergente. Por duas vezes
Jerusalém cai sob os golpes das revoltas babilônias (597 e 587), que
deportam um a parte da população da cidade. Aliás, é bem essa si-
tuação histórica que pressupõe a lenda da qual dá testem unho o
texto grego de Daniel 14,33-39, o qual faz intervir o profeta H abacuc
no quadro do episódio do com bate de Daniel contra o dragão. Trans-
portado por um anjo a Babilônia, o profeta dá de com er a Daniel na
cova dos leões.
H abacuc 1,6 m enciona explicitam ente a vinda dos babilônios
(= caldeus); a maioria dos com entaristas considera, portanto, que é
bem a ascensão ao poder dos babilônios que os dois primeiros capí-
tu b s do livro descrevem e sobre a qual se perguntam .
E ntretanto, a reflexão sobre a justiça social em Judá e o anúncio
do julgamento do povo que o acompanha estão bem presentes no livro.
Ora, esse aspecto da mensagem de H abacuc não é desvinculada da
tradição do profetismo israelita da época real com o conhecida por li-
vros como os de Amós, Oseias ou Jeremias. Consequentem ente, mes-
mo sem chegar a fazer rem ontar todo o desenvolvimento literário ou
parte dele da obra anterior à época neobabilônia (com S e y b o l d e
P a t t e r s o n ), é forçoso admitir que a mensagem entregue por Habacuc
durante a época babilônia tira suas raízes do profetismo da época real
(cf K e l l e r ; L e s c o w ; R o b e r t s o n ; R u d o l p h ). Assim, as lam entações
formuladas ao encontro dos devastadores caldeus, que parecem pres-
supor ao menos o primeiro cerco de Jerusalém, poderíam marcar uma
evolução da teologia do livro no sentido de um a reflexão sobre a am-
biguidade do instrum ento do julgamento divino.
535
Os Profetas
536
Habacuc
537
Os Profetas
3 . T em as e q u e s t õ e s
O livro de H abacuc não deixa de suscitar questões para o pensa-
m ento bíblico. Situado em um m om ento-chave da história de Judá,
o livro procura articular a reflexão do profetism o clássico sobre a jus-
tiça divina sancionando os malvados pela mão dos poderosos estran-
geiros em um contexto no qual esses tiranos com etem exações e pro-
vocam um mal ainda maior que as faltas que supostam ente devem
ser punidas.
A atitude de quem crê é definida nesse contexto de crise pela
expressão proclam ada em 2,4: “o justo vive por sua fidelidade” . Para
o judaísmo, são a fé e a fidelidade atuante do fiel em relação ao seu
Deus e à sua Lei que são aqui exigidas. O cristianismo, sob a influência
do apóstolo Paulo (Rm 1,17; G1 3,11-12), vai fazer desse versículo de
H abacuc um texto central para sua concepção da relação com Deus,
a tradução grega tom ando o term o hebraico “fidelidade”, 'è m è t, por
“fé”, p istis. O fiel é, portanto, cham ado a viver pela fé. Se Paulo
atualiza o tex to de H abacuc identificando o “justo” com aquele que
crê em Jesus Cristo, a diferença de interpretação desse versículo com
o judaísmo, entretanto, não é fundam ental — tan to é verdade que,
para Paulo, crer não é um simples procedim ento da ordem do pensa-
mento, mas supõe um a fidelidade atuante de todos os instantes.
Q uanto ao comentário de Habacuc de Qumran, tam bém ele atualiza
o texto fazendo do “malvado” o sumo sacerdote asmoneu e do “justo” o
m estre de justiça, os romanos sendo chamados a punir o malvado.
Finalmente, o texto desem boca no capítulo 3 em um a expectativa
quase escatológica da vinda de Deus, estabelecendo com força sua
soberania sobre o mundo. Assim, ao lado da fidelidade esperada da
parte do fiel, o livro proclama tam bém a fidelidade de Deus, sem a
qual nada de bom pode ser definitivam ente estabelecido.
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
4.1. C om entários
B aker , D. W. T O T C 23, 1988.
D eissler , A. NEB, 1984.
538
Habacuc
539
CAPÍTULO
20
Sofonias
Jean-Daniel M a c c h i
Ό Senhor não pode fazer nem bem, nem mal” (Sf 1,12). A essa
afirmação de pessoas que se acham livres para agir à vontade, longe
do olhar de um Deus im potente, o livro de Sofonias responde que a
força e a justiça do Deus de Israel se exprimirão de modo inevitável.
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
1,1 Título, que situa a palavra de Yhwh dirigida a Sofonias sob o reinado
de Josias
1,23־ Yhwh suprimirá homens e animais da face da terra
540
Sofonias
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
541
Os Profetas
2.2. O profeta
A genealogia do profeta faz dele um descendente de Ezequias, sem
entretanto que o texto especifique se se trata do soberano judeu. Além
disso, a presença na mesma genealogia de um kushita tem sido enten-
dida às vezes como indício de um a ascendência africana de Sofonias.
Seguindo 1,1, a grande maioria dos exegetas situa todo o livro ou
parte dele no período de Josias. O julgamento proferido contra as
elites judaicas e o sincretismo fazem que Sofonias seja considerado um
precursor da reform a de Josias (R u d o lph ; R en au d ; S z è l e s ; R o ber ts )
e até m esm o um partidário virulento do procedim ento reform ador
em questão (S eyb o ld ; V laard in g erbro eck ; R o bertso n ; S w e e n e y ).
Uma situação posterior à reform a pode igualmente ser considerada
se tom ados por base certas passagens com o aquelas que mencio-
nam os restos de Baal em 1,4 ou os textos triunfalistas que anunciam
a desgraça dos inimigos de Judá no século VII a.C. (2,4-15) e a liber-
14 a
542
Sofonias
2 .3 . Processo redacional
As opiniões divergem quanto ao processo redacional do livro. Se
alguns com entaristas (B e r l in ; R o b e r t s ) unem o processo de cotejo
e de edição do livro ao período josiânico, fazendo de toda a obra um a
produção contem porânea do profeta, um a ampla corrente da exe-
gese bíblica considera que o processo editorial se estende bem além
dessa época.
Assim, a hipótese de um a edição da obra nos meios deuteronom is-
tas no decurso do período exílico tem sido sustentada com frequência
(R y o u ; B e n Z v i ; K r in e t z k i ; S e y b o l d ). Para tan to são evocadas as se-
melhanças entre a terminologia utilizada pelos editores de Sofonias
e o livro do D euteronôm io (para uma lista exemplificativa ver V l a a r -
d in g e r b r o e c k , p. 22-23). Igualmente, os anúncios do julgam ento
543
Os Profetas
3 . T em as e q u e s t õ e s
O conteúdo da obra situa Sofonias na tradição do profetismo pré-
exílico de julgamento. Encontram os aí virulentos ataques contra a
classe dirigente de Judá. As críticas incidem primeiro sobre práticas
cultuais sincréticas (1,4-7), mas integram igualmente questões de jus-
tiça social (3,3-4). Essas censuras desem bocam em anúncios de mal-
dição golpeando a terra. Nesse contexto, o “dia do Senhor” menciona-
do duas vezes no capítulo 1 (v. 7.14) é, como em Amós (5,18-20), um
dia de desgraça e de devastação para o povo de Judá.
Com o em num erosos livros proféticos israelitas, as palavras de
julgamento proferidas contra Judá são acom panhadas, de um lado,
de sentenças de maldição golpeando outras nações e, de outro lado, de
perspectivas de salvação para as nações e especialm ente para uma
Sião restaurada. O s humildes chamados ao arrependim ento e a quem
a salvação é prom etida são colocados em oposição aos poderosos de
Judá, que agem con tra a vontade de Deus.
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
4.1. C om entários
B ak er , D. W .T O T C , 1988.
B erlin , A. AncB 25a, 1994.
Irsigler , H . HThK.AT, 2002.
K eller , C .-A . CA T 11b, 1971.
Renaud, B. Sbi, 1987.
R o b erts , J. J. M. O T L , 1991.
R o b e r t so n , O. P NICOT, 1990.
R u d o lph , W. KAT 13/3, 1975.
S eyb o ld , K. ZBK.AT 24 /2 , 1991.
S m it h , R. L. W B C 32, 1984.
S ze le s , Μ. E. ITC, 1987.
V laarding erbro eck , J. H C O T, 1999.
5 44
Sofonias
4 .2 . E stados da pesquisa
M a s o n , R. Z e p h a n ia h , H a b a k k u k , J o e l. Sheffield, 1994 (O TG u).
S w e e n e y , M. A. Zephaniah: A Paradigm for th e Study o f th e Prophetic
Books. C R : B S 7 (1999) 119-145.
545
CAPÍTULO
21
Ageu
Jean-Daniel M a c c h i
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
A. 1,115־
/, / No segundo ano do reinado de Dario, no sexto mês, no primeiro dia do
mês. Palavra do Senhor por Ageu a Zorobabel e Josué
1,2-11 Exortação para reconstruir a casa do Senhor. A negligência do Templo
explica a penúria que reina na terra (v. 5-11)
1,12-15a O s chefes e o povo entendem a palavra do Senhor. Começam o tra-
balho (15a), no sexto mês, no vigésimo quarto dia
546
Ageu
B. 2,1-9
2,1-2 No ano segundo do reinado de Dario, no sétimo mês, no vigésimo
primeiro dia do mês. Palavra do Senhor por intermédio de Ageu a
Zorobabel, Josué e todo o resto do povo
2,3-9 Estímulo. O estado atual do Templo é lamentável, mas seu esplen-
dor futuro superará o do santuário de Salomão. A prata e o ouro
afluirão das nações, e a paz será estabelecida
A2,10-19 .׳
2,10 No ano segundo de Dario, no nono mês, no vigésimo quarto dia. Palavra
do Senhor aAgeu
2,11-14 Discussão sobre o puro e o impuro. Se o povo é impuro, o que ele
contrói também o é
2,15-19 A negligência do Templo explica a penúria. Mas a partir de hoje o
Senhor vai abençoar.
B2,20-23 .׳
2,20 No vigésimo quarto dia do mês, palavra do Senhor a Ageu pela se-
gunda vez
21,23 A força das nações será aniquilada. Zorobabel é eleito “legis-
lador”
547
Os Profetas
548
Ageu
2 .2 . O profeta
O nom e Ageu deriva de um term o que significa “festa” . Embora
pouco atestado no Antigo Testam ento (nomes próximos em Gn 46,16,
Nm 26,15, lC r 6,15), esse nom e é relativam ente corrente, pois apa-
rece em várias inscrições extrabíblicas.
E de notar que o nome do pai do profeta não é mencionado nem no
livro de Ageu nem quando das m enções do personagem em Esdras
5,1 e 6,14. Por outro lado, Ageu não aparece em nenhum a das listas
de pessoas que voltaram do exílio e não encontram os nenhum a
m enção da volta do exílio nesses oráculos. O profeta insiste, ao con-
trário, em problemas ligados à produção agrícola. Essas observações
deixam pensar que Ageu não fazia parte do grupo dos exilados que
voltaram de Babilônia, e sim que era membro da comunidade que per-
m aneceu em Jerusalém durante o exílio.
C ontrariam ente a muitos outros profetas bíblicos, seus apelos
autoritários e contundentes parecem ter surtido efeito rapidamente,
e a reconstrução do Templo foi lançada.
2 .3 . Processo redacional
A primeira colocação por escrito das palavras de Ageu foi obra de
um discípulo do profeta, que as escreveu provavelmente pouco de-
pois do ministério de seu senhor — de fato, não encontram os nenhu-
ma passagem em “e u ” no conjunto do livro. Em bora certos autores
(M e y e r s ; S m ith ) considerem que a coletânea foi redigida de um a só
vez, num erosos com entaristas distinguem pelo m enos dois estratos
literários (especialmente W o lff e P e t er s e n , na esteira de B euken e
M ason ). De fato, notam os im portantes divergências de estilo e de
conteúdo entre os versículos ligados ao quadro cronológico e os orá-
culos propriam ente ditos.
N a coletânea original, os oráculos de Ageu — cham ado de m en-
sageiro de Yhwh — dirigem-se principalmente ao povo, e o governa-
dor Zorobabel ali figura mais como um dos elem entos do sistema do
que com o o m otor da ação. Se seguimos H. W. Wolfif esse primeiro
rolo atribuído a Ageu pode ter com portado os seguintes versículos:
1,2.4-11; 2,15-19; l,12b-13; 2,3-9*.ll-14.21b-23.
549
Os Profetas
3. T emas e q u estõ es
550
Ageu
4. I n dicaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
A m sler S. CAT 11c, 1981.
,
C h a r y , T SBi, 1969.
P e t e r s e n , D. L. OTL, 1985.
R e d d i t t , P L. NCBC, 1995.
V T 27 (1977) 413-421.
551
CAPÍTULO
22
Zacarias
Arnaud Sérandour
552
Zacarias
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
I. Prólogo (1,16)־
1,1 Sobrescri to datado
1,2-6 Exortação inicial: “Voltai a mim e eu voltarei a vós”, diz o Senhor
553
Os Profetas
5 54
Zacarias
troduz um livrete que com porta sete relatos de visões noturnas que
ocupam o centro da estrutura (1,7-6,15). Um longo epílogo (capítulos
7-8) encerra o conjunto. Cada um a dessas subpartes é identificada
com um a data particular, situada sob o reinado de Dario (1,1; 1,7;
7,1). O tom e o estilo do prólogo e do epílogo pertencem mais à pre-
gação e à liturgia do que à profecia propriam ente dita. Seu caráter
antropológico assem elha essas passagens aos discursos em prosa do
livro de Jerem ias, assim com o de outros livros proféticos.
O prólogo chama a comunidade à conversão, à “volta” para o Deus
nacional e suas palavras, contrariam ente aos “pais”, que, não tendo
escutado, foram enviados ao exílio e entregues à m orte, apesar das
advertências que Deus lhes havia transm itido por interm édio de seus
profetas. A passagem se encerra com a obediência dessa comuni-
dade, contem porânea de Zacarias (1,6).
Q uanto às visões, dizem mais respeito ao gênero profético. Seu
estilo lembra, em particular, os relatos de visões conservados nos li-
vros de Amós e Jeremias. Sua execução clássica, todavia, não exclui
inovações. Especialmente o papel devolvido ao interlocutor celeste
do profeta anuncia o gênero apocalíptico, que florescerá na literatura
judaica da época helenística e depois romana. No plano literário, o
livrete das visões estabelece dessa maneira um a primeira ponte entre
profecia e apocalíptica, que a segunda parte do livro prolonga e ter-
mina (capítulos 9-14). O s sete relatos de visões noturnas (oito se in-
cluído aí o relato do capítulo 3, que, apesar de sua introdução, “o
Senhor me fez ver”, continua de fato o discurso do intermediário ce-
leste iniciado em 2 ,10; ver L e s c o w ) são compostos segundo uma estru-
tura concêntrica e simétrica. Construídos em espelho, esses relatos
constituem um ciclo visionário. O s relatos inicial (cavaleiros, 1,8-15),
central (candelabro ladeado com duas oliveiras, 4,1-14) e final (os
carros, 6,1-8) rem etem uns aos outros e estão colocados sob os aus-
pícios da cor e da luz. Também os quatro relatos intermediários (chifres
dispersos pelos ferreiros, 2,1-4; o cordel celeste de agrimensor para
medir Jerusalém , 2,5-9; a maldição que voa, 5,1-4; a Impiedade no
alqueire, 5,5-11) se correspondem evocando a renovação do espaço
e do tem po em torno de Jerusalém e do Templo reconstruído em seu
555
Os Profetas
556
Zacarias
557
Os Profetas
558
Zacarias
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
A crítica distingue no interior do livro vários elem entos secunda-
riam ente articulados entre si. Uma primeira divisão delimita duas, até
mesmo três partes atribuídas a diversos autores, respectivam ente
chamados Proto-Zacarias (capítulos 1-8), Dêutero-Zacarias (capítulos
9-14) eatélrito-Z acarias (capítulos 12-14). Q uanto ao Proto-Zacarias,
o caráter secundário do prólogo e do epílogo m anifesta-se pelo estilo
559
Os Profetas
560
Zacarias
561
Os Profetas
562
Zacarias
3. T emas e q u estõ es
563
Os Profetas
564
Zacarias
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
A msler, S., L acoque , A. CAT lie, 1981.
C hary , T SBi, 1969.
H anhart , R. BK.AT 14/7, 1990-1998.
M eyers , C. L , M eyers , E. M. AneB 25B, 1987; AneB 25C, 1993.
Redditt , P L. NCBC, 1995.
Reventlow , H. ATD 25/2, 1993.
565
Os Profetas
566
Zacarias
567
CAPÍTULO
23
Malaquias
Innocent Himbaza
568
Malaquias
569
Os Profetas
570
Malaquias
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
571
Os Profetas
3. T emas e q u estõ es
572
Malaquias
573
Os Profetas
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
C hary , T SBi, 1969.
H ill , A. E. AncB 25D, 1998.
van H oonacker , A. EtB, 1908.
M itch ell , H. G., S mith , J. Μ. P, B ewer , J. A. ICC, 1912.
Robinson, T H., H orst , E HAT 14, 1954.
R eventlow , H. ATD 25/2, 1993.
R udolph, W. KAT 13/4, 1976.
V erhoef , PA . NICOT 1987.
V uilleumier, R. CAT lie, 1981.
574
Malaquias
F isc h er , J. A . N o t e s o n t h e L ite r a r y F o r m a n d M e s s a g e o f M a la c h i. C B Q
3 4 (1 9 7 2 ) 3 1 5 -3 2 0 .
G lazier - M c D o n a l d , B. M a la c h i: T h e D iv in e M e s se n g e r. A t l a n t a ( G a ) , 1 9 8 7 .
H ugenberger, G . P M a r r ia g e a s C o v e n a n t: A S t u d y o f B ib lic a l L a w a n d
E th ic s G o v e r n in g M a rria g e D e v e lo p e d fr o m t h e P e r s p e c tiv e o f M a -
la c h i . L e i d e n , 1 9 9 4 ( V T S 7 ) .
K r i e g , M . M u t m a fiu n g e n ü b e r M a le a c h i. E in e M o n o g r a p h ie . Z u r i c h , 1 9 9 2
( A T h A N T 8 0 ).
W eyde, K. W . P r o p h e c y a n d T e a c h in g P r o p h e tic A u th o r i ty : F o r m P r o b l e m s
a n d t h e U s e o f T r a d i t i o n s in t h e B o o k o f M a l a c h i . B e r l i n / N e w Y o rk ,
2 0 0 0 (B Z A W 2 8 8 ).
575
parle
Os Escritos
A terceira parte da Bíblia hebraica, que denominamos com fre-
quência na tradição cristã os “Hagiógrafos”, tem contornos m enos
nítidos que aT orá e os Nebiim. Isso já aparece no título hebraico dessa
coleção, Ketubim, que significa simplesmente os “Escritos” . De fato,
encontram os nesse conjunto gêneros literários m uito diferentes: es-
critos de sabedoria; provérbios e ensinam entos (Provérbios), relatos
(Jó), reflexões filosóficas (C oélet [Eclesiastes]); cânticos religiosos e
profanos (Salmos, Lam entações, C ântico dos C ânticos); rom ances
e novelas (Ester, Rute, Daniel 1-6); historiografias (Crônicas, Esdras e
Neemias) e, finalmente, um escrito apocalíptico (Daniel 7-12). De certa
forma, os Ketubim constituem assim um a verdadeira condensação
da literatura judaica da época helenística.
O s Escritos só foram definitivamente estabelecidos como terceira
parte da Bíblia hebraica no início do século II de nossa era (para mais
detalhes, ver o capítulo desta introdução sobre o cânon). N a época,
sua canonização estava ligada à necessidade de redefinir a identidade
do judaísmo depois da destruição doTemplo de Jerusalém pelos roma-
nos no ano 70, mas tam bém diante do cristianismo, que reivindicava
ser o “verdadeiro Israel” . A fixação dos Ketubim implicava, além disso,
a exclusão de diferentes livros aparentem ente suspeitos por diferentes
razões. Alguns desses livros não podiam dissimular sua colocação por
578
Os Escritos
Essa ordem se abre e term ina por um livro que tem por heroína
uma mulher: o Cântico dos Cânticos e as Lamentações, livros poéticos,
enquadram C oélet, o qual se encontra, dessa maneira, no centro
dessa coleção.
Regra geral, os Ketubim são concluídos pelas Crônicas. A posição
final deste livro, contudo, é curiosa. Com efeito, em todos os manuscri-
tos em que Crônicas e Esdras-Neemias são postos juntos, 1-2 Crônicas
579
ANTIGO TESTAMENTO - história, escritora e teologia
580
CAPÍTULO
1
Salmos
Martin Rose
1. Devemos tomar cada salmo como uma unidade distinta, principal base da
exegese?
2. Devemos ampliar a comparação interpretativa aos salmos de mesmo gene-
ro literário?
3. Que impacto têm para a exegese as coleções nas quais os diferentes salmos
são incluídos?
4. A coletânea canônica dos salmos propõe critérios para a interpretação?
5. Devemos entender as cinco partes do Saltério em analogia com os cinco
livros da Torá?
581
Os Escritos
582
Salmos
583
Os Escritos
G u n k e l , B e g r i c h , Einleitung
Gêneros Exemplos típicos
in die Psalmen, 1933
Hinos Salmos 150; 148; 147; 145 § 2, p. 32-94
Súplicas nacionais Salmos 79; 83; 80; 44 §4, p. 117-139
Súplicas individuais Salmos 13; 54; 88; 3 §6, p. 172-265
Ações de graças Salmos 30; 66,13 ss. § 7, p . 265-292
individuais
5 84
Salmos
585
Os Escritos
586
Salmos
3. As C O LE Ç Õ E S
587
Os Escritos
588
Salmos
589
Os Escritos
Salmo 51 (“quando o profeta Natan foi ter com ele...”) => 2Sm 12,1
Salmo 52 (“quando Doeg veio anunciar a Saul...”) ■=>lSm21,8;22,9
Salmo 54 (“quando os zifitas vieram dizer a Saul...”) <=>lSm23,19
Salmo 56 (“quando os filisteus se apoderaram dele em Gat”) ■=> lSm2l,11-13
Salmo 57 (“quando ele fugia de Saul, na caverna...”) ■=>lSm22,l-2
(ou 24,1-9)
Salmo 59 (“quando Saul mandou guardar a casa...”) ISm 19,11-17
Salmo 60 ("quando David combatia os arameus...”) ■=>2Sm 8,13
Salmo 63 ("quando ele estava no deserto de Judá”) => ISm 23,14
590
Salmos
Salmos de A saf
“Saltério eloísta”
591
Os Escritos
592
Salmos
593
Os Escritos
de Deus que está “próxim o” (ver tam bém M t 3,2; 4,17a par.). “O
Senhor reina” (SI 93,1; 96,10; 97,1; 99,1): a form a verbal em hebraico
não exprime um estado, mas sim um a atividade — ela quer afirmar
o dinamismo ligado à fé no Senhor com o rei e juiz.
No texto massorético, nenhum dos salmos dessa coleção dos Sal-
mos 90-99 é intitulado “Salmo de Davi” . O Salmo 90, o primeiro
desse grupo, traz o título “O ração de Moisés, o hom em de Deus” .
Assim, o interesse principal se deslocou: Davi não é mais o primeiro
salmista, mas de agora em diante é um célebre predecessor na pessoa
de Moisés, que teria inaugurado esse gênero de literatura sagrada.
O utros salmos de origens diversas foram acrescentados em anexo
(no grupo SI 100-118), provavelmente em m om entos diferentes. Em
sua maioria m anifestam o m esm o louvor entusiasta, resum ido ainda
em um “Aleluia” (= “Louvai o Senhor!”) inicial ou final.
No entanto, não foi exclusivam ente em um contexto litúrgico de
louvor que os salmos foram utilizados, mas tam bém no do ensino. E
preciso supor a existência de escolas sapienciais que se ocuparam da
transm issão da herança religiosa, histórica e ética do Antigo Israel.
Mas ao m esm o tem po essas escolas exerceram um a reflexão sobre a
tradição, com o objetivo de considerar os impactos da herança para
um a situação nova e atual. N essa perspectiva, não apenas se trans-
mitiu, por exemplo, o Saltério sob a form a recebida, m as tam bém
criaram-se textos novos. Para essa “salmografia sapiencial” é preciso
m encionar especialm ente o novo quadro colocado em torno do Sal-
tério já existente: ou seja, os Salmos 1 e 119.
“Saltério sapiencial"
594
Salmos
595
Os Escritos
596
Salmos
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Os Escritos
5. A D IV ISÃ O EM C IN C O PARTES
598
Salmos
Livro Doxologia
I. Salmos 1-41 >=׳41,14
II. Salmos 42-72 >=־72,18 + 19
III. Salmos 73-89 => 89,53
IV. Salmos 90-106 Φ 106,48
V. Salmos 107-150 =i> 145-150 (?)
6 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
6,1. Comentários
B eaucamp, E. Le Psautier. Paris, 1976, 1979. 2 v.
599
Os Escritos
600
CAPÍTULO
2
Jó
Ernst Axel Knauf &- Philippe Guillaume
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
601
Os Escritos
602
Jó
603
Os Escritos
T e rc e iro d e b a te (2 1 -2 7 )
21 Jó: Será de um homem que eu me queixo? O s celerados prosperam
e morrem felizes.
22 Elifaz: É para seu próprio benefício que o homem deve ser sábio.
Jó, tu desprezaste os pobres, assim como seu criador.
23 Jó: Se ao menos eu pudesse ir até ele para defender minha causa. O
mundo está repleto de injustiça.
25 Bildad: Com o o homem, esse verme, seria justo contra Deus?
26-27 Jó: O poder do Criador é inconcebível. Pela vida do Deus que me
nega justiça, eu sustentaria até o fim minha inocência.
28 Interlúdio: esse discurso sobre a sabedoria atribuído a Jó deveria ser
colocado na boca do “coro” . Ele resume o conjunto do que foi dito
até então: onde encontrar a sabedoria?
L a m e n t a ç ã o d e J ó e m o n ó lo g o d e E lih u ( 2 9 - 3 7 )
29-31 Jó: Sustento não ter culpa e lanço um desafio ao Poderoso em vez
de lhe pedir ajuda!
32,1-5 Interlúdio: os amigos se calam. Então entra em cena o jovem Elihu,
furioso com os mais velhos que admitem, implicitamente, a culpa-
bilidade de Deus.
32-33 Io monólogo de Elihu: Esperava que a sabedoria dos mais velhos refu-
tasse Jó, mas ei-los silenciosos. Devo eu mesmo me encarregar disso:
Jó não é inocente. Que ele discirna em sua desgraça a censura divina.
34 2o monólogo: Ao acusar Deus de lhe negar justiça, Jó prova sua culpa.
Ao seu erro, ele acrescenta a revolta e consegue lançar a perplexidade
entre nós!
35 3o monólogo: Tu te dizes mais justo do que Deus? Ele não se digna
responder a tais insanidades!
36-37 4o monólogo: H á empedernidos, que Ele não reergue. Aceite seu
castigo sem revolta, pois tu não poderás pagá-lo. Celebre o Senhor
do outono, o Senhor do inverno e o Senhor do verão!
D e b a t e d e J ó c o m o S e n h o r ( 3 8 —4 2 )
38,1-40,2 Yhwh: Sou com petente para criar o que é bom e aquilo que escapa
do entendim ento e do embargo do homem.
40,3-5 Jó: Tapo minha boca, falei uma vez, não direi mais nada.
40.6- 41 Yhwh: Sou com petente para defender minha criação contra o caos
que a ameaça.
42,1-6 Jó: Renuncio à “teologia” estando consolado (jogo com o duplo
sentido de n-h-m).
E p ílo g o ( 4 2 ,7 - 1 7 ) : v e r e d i c t o d iv in o
42.7- 9 Yhwh: Jó falou bem! Q ue ele interceda em favor de seus amigos
que erraram!
42.8- 17 Jó se torna ainda mais rico do que antes. Gera sete filhos e três filhas.
Estas são nomeadas e recebem posses (em contradição com aTorá),
em vez de ser simples posses como em 1,18.
604
Jó
O rei persa como “senhor dos animais". Esse conceito está subjacente
ao discurso divino em Jó 38-39
605
Os Escritos
60 6
Jó
607
Os Escritos
608
Jó
609
Os Escritos
3. T emas e q u estõ es
610
sários para a aquisição de uma independência econômica e social. Jó
deve se desfazer da ilusão narcisista que consiste em crer que tudo
aquilo que lhe acontece foi especialmente preparado por Deus em pessoa.
O s discursos divinos se opõem a essa fantasia: “N ão te esquecí, meu
caro Jó, mas por um instante tive outras coisas mais im portantes de
que me ocupar”. Portanto, o sofrimento faz parte da condição humana.
A leitura canônica: podemos ler e entender Jó com o o sexto livro da
Torá. Segundo a teoria rabínica do cânon formulado n o lalm ude (baba
Bathra 14b-15a), “Moisés escreveu seus livros [a lo rá ] e J ó ”. Nessa
perspectiva, Jó pode ser entendido como comentário d a lo rá . Ele espe-
cifica, por exemplo, o papel do caos no âmago da criação e corrige a
exclusão das mulheres da herança (ver igualmente Nm 27). Jó é igual-
m ente um “anti-M oisés”, e sua vida lembra a de A braão tal qual é
apresentada pelo docum ento sacerdotal (P) no livro do Gênesis.
A leitura política: o livro de Jó pode ser interpretado como um pro-
testo contra as leituras autorizadas da Bíblia. Ele é a voz da oposição,
a contestação liberal e racional do deuteronomismo que teve acesso ao
poder sob Neemias e quem sabe tam bém sob Esdras. Ocupar-se dos
pobres é um a coisa (Jó afirma tê-lo feito a vida inteira, c f 29,12-17;
31,13-34), servir-se dos pobres em lutas de poder é outra coisa, como
foi o caso de Neemias e dos amigos de Jó (cada vez os pobres ficaram
mais pobres). A leitura opressora da tradição por seus amigos, Jó opõe
sua própria experiência, sua própria reflexão e sua leitura subversiva
das tradições. O texto de Isaías 41,20, que contém um louvor ao deus
da história, é citado em Jó 12,9 na perspectiva de justificar um a abor-
dagem empírica e crítica da realidade, uma espécie de teologia natural.
Essa passagem prefigura os capítulos 38-39, que explicam ao leitor
que Jó teve razão de rejeitar a autoridade de seus amigos. N ada é mais
suspeito que um a ideologia que prom ete um mundo sem sofrimento.
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
C lines , D. J. W BC 17, 1989.
D horme, E. EtB, 1926.
Os Escritos
612
Jó
613
CAPITULO
3
Provérbios
Alain Buehlmann
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l i v r o
Seção Título
I. 1,1-9,18 Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel
II. 10,1-22,16 Provérbios de Salomão
III. 22,17-24,22 [palavras dos sábios]
IV. 24,23-24 Estes também são [oriundos] dos sábios
614
Provérbios
615
Os Escritos
616
Provérbios
em três seções distintas: uma passagem em que ela justifica sua vo-
cação enunciativa, seu direito à tomada da palavra legítima (8,4-11);
outra em que se apresenta como instrutora da ordem social (8,12-21);
e a última, em que ela celebra sua participação, ao lado de Yhwh, na
instituição da ordem cósmica (8,22-31).
c) O capítulo 9 é conclusivo: a descrição da Sabedoria (9,1-3) é
formulada não mais no presente genérico (yiqtol-qote/; cf 1,20-21 e
8,1-3), mas no passado retrospectivo (qatal). Provérbios 9 é composto
de três unidades (9,1-6; 9,7-12 e 9,13-18), que correspondem aos três
“caminhos” sapienciais distinguidos em 2,9-11; 2,12-15; 2,16-19. Pro-
vérbios LXX acentua essa tripartição aduzindo duas glosas depois do
versículo 12 e do versículo 18, contendo as imagens do caos desértico
(9.12A-C) e do caos aquático (9.18A-D). O capítulo 9 deixa a última
617
Os Escritos
618
Provérbios
619
Os Escritos
620
Provérbios
a) A forma literária
Os enunciados das seções II, IV, V, VII e IX estão afetados, com
raras exceções, por uma modalidade assertiva. Admitem as coisas
como sendo verdadeiras e afirmam algo sobre o mundo como ele é;
constituem, geralmente, unidades discretas. Em contrapartida, nas
seções I, III, VI e VIII domina a modalidade imperativa; os dísticos
são ali reunidos em sequências centradas na figura do destinatário.
Com o intuito de realizar uma primeira triagem no material de Provér-
bios para determinar a antiguidade relativa de suas diferentes partes,
os exegetas discutiram longamente essa diferença interna ao livro.
Alguns deles postularam a anterioridade dos enunciados assertivos
(Aussagewort) de forma simples sobre os enunciados imperativos
(Mahnwort) de forma mais elaborada. Essa hipótese diacrônica foi
(mais ou menos) abandonada quando se percebeu que as duas for-
mas sempre coexistiram nas tradições sapienciais próximo-orientais
antigas (Egito, Mesopotamia; cf W hybray 1995).
621
Os Escritos
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Provérbios
623
Os Escritos
3. T emas e q u estõ es
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Provérbios
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Os Escritos
626
Provérbios
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
B a r u c q , A. Sbi, 1964.
C l if f o r d , R. J. OTL, 1999.
Fox, Μ. V. AncB I8A, 2000.
L e l ie v r e , A., M a il l o t , A. LeDiv Commentaires 8, 2000.
M c K a n e , W. OTL, 1970.
M e in h o l d , A. ZBK.AT 16.1, 1991.
W h y b r a y , R. N. NCBC, 1994.
627
Os Escritos
628
CAPÍTULO
4
Rute
Corinne Lanoir
Esse pequeno livro de quatro capítulos faz parte dos clássicos bí-
blicos. Uma mulher que renuncia a tudo para seguir sua sogra e so-
breviver em condições difíceis, um a história que com eça mal, mas
em que tudo é bom quando term ina bem, e tudo em um quadro
cam pestre ritm ado pelas estações e pelas colheitas — eis o que se
pode ler agradavelm ente com o um a pausa rom ântica e charm osa.
E ntretanto, as tram as desse livro estão relacionadas com um a reali-
dade muito mais conflituosa do que parece, e a figura de Rute, a moa-
bita, é bem mais rica e provavelmente mais polêmica do que pode
fazer crer o retrato de um a nora-m odelo e obediente. 1
629
Os Escritos
1.1- 5 E m ig ra ç ã o d a f a m ília a M o a b
1, 6-22 O c a m in h o d e re g re s s o d a s m u lh e re s p a r a B e t-L e h e m
2.1- 2 R3 u t e c o m e ç a a r e s p i g a r n o s c a m p o s d e B ô a z
3.1- 1 8N o o m i e n v ia R u t e p a r a p a s s a r a n o i t e n a e ir a d e B ô a z
4.1- 1 2B ô a z n e g o c i a s e u c a s a m e n t o e f a z R u t e e n t r a r e m s u a casa
4,13-17 N a s c i m e n t o d e u m filh o , O b e d
4,18-22 R e c o n s t i t u i ç ã o d a g e n e a lo g i a f a m ilia r a t é D av i
I O s q u e m o r r e r a m a n t e s d a a ç ã o p rin c ip a l
R u te — O r p á
A s m u lh e re s d e B e t-L e h e m
II N o o m i — R u te
B ô a z — S e rv id o re s
B ôaz-R ute
B ô a z — S e rv id o re s
N o o m i — R u te
630
Rute
III. N o o m i — R u te
B ôaz-R ute
N o o m i — R u te
IV B ô a z — p a r e n te p ró x im o a n ô n im o
A s m u lh e re s d e B e t-L e h e m
O s q u e n a s c e r a m d e p o is d a a ç ã o p rin c ip a l
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
631
Os Escritos
632
Rute
633
Os Escritos
daí mais tarde para ser colocado entre os Escritos, ou se, ao contrário,
pertencia na origem aos Megillot (TM), de onde foi deslocado depois
para ser introduzido entre os livros históricos. N enhum indício per-
mite, contudo, determ inar claram ente a resposta a esse problema.
C om o quer que seja, é certam ente mais interessante situar essa mo-
bilidade e explorar suas razões do que procurar estabelecer qual é a
tradição mais antiga. Talvez estejam os aqui diante de duas tradições
bem estabelecidas, correspondentes, com toda verossimilhança, a lei-
turas e utilizações diferentes do texto.
3. T emas e q u estõ es
63 4
Rute
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
F ischer, I. H T h K.AT, 2001.
F revel, C. NSK.AT 6, 1992.
H ertzberg, H. W. ATD 9, 1985.
635
Os Escritos
636
CAPÍTULO
5
Cântico dos Cânticos
Christoph Uehlinger
637
Os Escritos
63 8
Cântico dos Cânticos
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Os Escritos
64 0
Cântico dos Cânticos
641
Os Escritos
1,1 Título
642
Cântico dos Cânticos
2 . O r ig em e f o r m a ç ã o
2 . 1. D atação e form ação, dossiê com paratista
A datação da obra só pode se apoiar em alguns indícios linguísticos
(Fox) e em considerações mais gerais: enquanto um vocábulo empres-
tado do grego (’appiryôn em 3,9, de phoreion, “palanquim”) e outro
do persa (pardes em 4,13, d e p a ri-d a id a m , “jardim, paraíso”) apontam
para um term inus a n te quem non no século V a.C., a coroação do
casado (3,11) parece desconhecida antes da época helenística. A
presença de numerosos aramaísmos, tendendo para o hebraico da
M ishnah, bem como certo parentesco de ambiente com os elementos
simposiastas do livro de Coélet fazem inclinar a balança para o século
643
Os Escritos
644
Cântico dos Cânticos
temente, os que mais se parecem com eles (cf Fox); alguns paralelos
surpreendentes podem até fazer crer em uma dependência literária.
Ora, os textos egípcios (para os quais a obra de M ath ieu é doravante
a referência) são essencialmente de nosso conhecimento pelos papi-
ros e óstracos da época dos Ramsés (séculos XIII e XII a.C.). Podemos
postular a existência no Egito de uma tradição contínua até a época
ptolemaica, mas os elos são esparsos (um canto de admiração dedi-
cado a uma sacerdotisa de Hator do século VII a.C., a tradição dos
“harpistas” que acompanham symposia e casamentos, alguns arreba-
tamentos amorosos em inscrições biográficas tardias ou o louvor de
Asenat no romance judeu-egípcio José eAsenat, 18,9-10) e não permi-
tem especificar a data de um eventual empréstimo. O. Keel se pro-
nunciou pela época de Ezequias (cf Pr 25,1 e a retomada da sabedoria
de Amenêmope em Pr 22,17-23,11). Porém, os contatos com o Egito
foram também frequentes nos séculos IV e III a.C. Pelo fato de os
textos arameus do Egito ignorarem, na ocasião, o gênero, não sabe-
mos sob qual forma específica letrados judeus puderam ter acesso
então ao repertório egípcio.
O corpus mais importante de poesia amorosa conservado pela tradi-
ção cuneiforme (os cantos de Dumuzi e de Inana; cf S efati) remonta
ao fim do século III e inícios do século II a.C. Devemos evitar, portanto,
qualquer aproximação temerária. No entanto, a produção de cânticos
de amor nunca parou no mundo próximo-oriental, como testemunha,
entre outros, um repertório médio-assírio que menciona não menos
de 55 títulos. Em alguns poemas do Cântico dos Cânticos, a bem-
amada aparece quase como uma figura divina, associada em uma lin-
guagem quase mítica a animais como a pantera ou o leão, a montanhas
inacessíveis ou ainda a astros. Esses motivos teomorfos (por exem-
pio, 1,13.16; 3,6; 4,8; 6,10) refletem uma antiga tradição siro-mesopo-
tâmica: descobrem-se no pano de fundo hinos a deusas tais como
Ishtar ou Tashmetum, textos que celebram amores propriamente
divinos (cf N issinen ), na ocasião encenados com a ajuda de está-
tuas de culto, quando não textos que descrevem estátuas verdadeiras
(cf, por exemplo, 5,14-15). Pode-se entender com facilidade a afi-
nidade dos gêneros, tanto mais que os hinos são, com frequência,
64 5
Os Escritos
64 6
Cântico dos Cânticos
647
Os Escritos
64 8
Cântico dos Cânticos
mulheres. Se, certam ente, não se pode excluir essa hipótese, ao me-
nos para um a parte dos poem as (ver as cantoras m encionadas em
2Sm 19,36; Ecl 2,8; 2C r 35,25; Esd 2,65 = N e 7,67), deve-se subli-
nhar seu caráter especulativo. E verdade que a voz feminina é pre-
ponderante nesses cânticos; isso, porém, não prova nada. Notam os,
por outro lado, que, contrariamente às aparências, o Cântico dos Cân-
ticos nunca chega a um a relação realm ente igualitária entre os sexos,
até m esm o no amor: a mulher pode ser “noiva” ou “irm ã”, mas o
hom em nunca é cham ado de “noivo” ou “irm ão” ; os dois podem ser
“árvore” da qual se experim enta o fruto, mas apenas ela será “jar-
dim” e tão só ela se oferecerá (7,11-14); o hom em pode sucumbir à
sedução, porém nunca será “doente de am or”, ao contrário da mulher
(2,5-5,8); as “filhas de Jerusalém ” não têm um correspondente mas-
culino (os irmãos nunca são os parceiros de um diálogo, e os guardas
revelam -se confidentes medíocres) — detalhes que parecem indicar
que se trata realm ente, na grande maioria, de poem as escritos por
hom ens para hom ens... Essa poesia am orosa sem pre explora os li-
mites do quadro patriarcal... e os transcende, com o se tem dito, até
eliminar daí a figura do pai.3
3. T emas e q u estõ es
649
Os Escritos
650
Cântico dos Cânticos
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
G a r b in i, G. Cântico dei cantici: texto, traduzione, note e commento. Brescia,
1992 (Bíblica 2).
Keel, O. ZBK.AT 18, 1992 = LeDiv Commentaires 6, 1997.
M üller , H .-PA T D 16/1, 1992.
651
Os Escritos
C arr , D. M. The Erotic W ord : Sexuality, Spirituality, and the Bible. Oxford/
N ew York, 2003.
D o rsey D. A. Literary Structuring in the Song o f Songs. J S O T 46 (1990)
,
81-96.
Fox, Μ. V. Love, Passion, and Perception in Israelite and Egyptian Love
Poetry. JB L 102 (1983) 219-228.
H e i n e v e t t e r , H . - J . “Kom m nun, m ein Liebster, Dein Garten ru ft D ich!” . Das
(SH CA N E 15).
N is s in e n , M. Love Lyrics o f Nabü andTasmetu: An Assyrian SongofSongs?
In: D M., K o t t s i e p e r , I. (Hrsg.). “U nd M ose schrieb dieses Lied
ie t r ic h ,
652
CAPÍTULO
6
Alain Buehlmann
1.1 Título
1.2 Sumário do livro
653
Os Escritos
654
Coélet
655
Os Escritos
/. 4. Outros procedimentos
Alguns exegetas renunciam a identificar um a estrutura global,
reconhecendo que há um a coerência tem ática, estilística e m étodo-
lógica no interior do livro (Fox; W h y b r a y ) ; outros ainda consideram
que o livro é o resultado de um processo de form ação diacrônica e
tentam retraçar suas etapas ( P o d e c h a r t ; R o s e ) .
A despeito dos esforços feitos pela pesquisa exegética para deter-
minar a existência, a não existência ou a existência parcial de uma
estrutura global de C oélet e para eventualm ente defini-la, nenhum a
proposição é objeto de consenso atualm ente.
656
Coélet
657
Os Escritos
658
Coélet
3. T emas e q u estõ es
659
Os Escritos
66 0
Coélet
4. I ndicaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
Fox, Μ. V. Qohelet and his Contradictions. Sheffield, 1989 (JSOTS 71).
C renshaw , J. L. OTL, 1988.
K rúcer , T. BK.ATXIX (Sonderband), 2000.
661
Os Escritos
L o h f in k N. NEB.AT, 1980.
,
662
Coélet
663
CAPÍTULO
7
Lamentações
Christoph Uehlinger
664
Lamentações
66 5
Os Escritos
666
Lamentações
667
Os Escritos
Cada um dos cinco poemas distingue-se por uma tem ática particular:
1. N o capítulo I, o tem a recorrente é a ausência de um consolador
(v. 2b.9b. 16b. 17a.2!a) para aquela que é descrita com o um a viúva
violentada e aviltada, privada de seus filhos, desprezada e abusada por
seus adversários. O s passantes (v. 12) e os povos do mundo todo (v. 18)
são convidados a medir a imensidade dessa dor, sem que possam, eles
próprios, trazer alguma consolação, a qual só podería vir do Senhor
(cf os gritos d e ‘‘Vê, Senhor!”: v. 9.11.20): se ele golpeou Jerusalém por
suas faltas, deveria de agora em diante fazer o mesmo com os inimigos
por causa de seus crimes (v. 21-22). O capítulo descreve um primeiro
itinerário de Sião diante do sofrimento: dos gemidos sem palavra à
anam nese dolorosa de seu pecado (v. 5b.8a.14.18a.20b.22b), da inter-
pelação dos passantes à de Deus. Lam entações 1 supõe um vínculo
necessário entre a enorm idade da catástrofe e a do pecado de Jerusa-
lém e de seus habitantes.
2. O capítulo 2 acentua a ação do Senhor é realm ente ele — e
não apenas um inimigo hum ano — que aniquila Jerusalém no dia de
sua cólera, atacando, destruindo e assassinando como um adversário
(v. 4-5, c f Jr 12,7; 30,14); ele se desgostou da cidade, de seu santuário,
de suas festas, bem com o de seus reis, sacerdotes e profetas. O que
sucedeu é a m anifestação de um a vontade divina (v. 171). O autor da
agressão, contudo, não é a causa disso: Jerusalém se fez enganar
pelos profetas (um tem a caro aos livros de Jerem ias e Isaias). Se quer
esperar um retorno, ela deve implorar ao Senhor, lembrando o exagero
668
Lamentações
669
Os Escritos
670
Lamentações
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Os Escritos
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Lamentações
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Os Escritos
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Lamentações
675
Os Escritos
3. T emas e q u estõ es
676
Lamentações
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
B erges , U. HThK.AT, 2002.
B erlin , A. OTL, 2002.
Dobbs-A llsopp, F W. Interpretation, 2002.
D roin, J. M. Le Livre des Lamentations. Genève, 1995.
G ordis, R. The Song of Songs and Lamentations. New York, 1974.
H illers , R. D. AncB 7A, 21992.
Kaiser , O. ATD 16,2,4I992, p. 291-386.
R enkema , J. HCOT, 1998.
677
Os Escritos
Neukirchen-VIuyn, 1990.
(Mi), 1988.2v.
M lC H A L O W S K l, P The Lamentation over the Destruction o f Sumer and Ur.
678
Lamentações
67 9
CAPÍTULO
8
Ester
Jean-Daniel Macchi
680
Ester
681
Os Escritos
682
Ester
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
683
Os Escritos
684
Ester
dos antissem itas, nem o tem a do caráter irrevogável das leis persas.
O Proto-E ster em ana com toda verossimilhança de um grupo judeu
instalado em diáspora no período persa ou no com eço do período
helenístico. O olhar lançado ao m undo persa e a possibilidade para
judeus de viver em paz em um reino estrangeiro são claram ente me-
nos negativos do que no TM . A ideologia do Proto-E ster não está
m uito distante da do rom ance de José, um livro cujos paralelos com
Ester são num erosos e no qual aparece igualmente a ideia de que,
apesar das dificuldades inegáveis, um judeu pode prosperar no estran-
geiro e ser apoiado pelo soberano local.
A redação m assorética endurece claram ente o tom . O com bate
contra os inimigos dos judeus torna-se algo muito mais violento, e é
pelas arm as que esse conflito acaba por se resolver. Essa redação po-
deria em anar de um período e de um meio em que as tensões com o
império dom inante se tornaram mais im portantes e em que conflitos
étnicos explícitos se desenvolviam. Podemos pensar no período hele-
nístico tardio, por exemplo no contexto das tensões ligadas à revolta
dos M acabeus. Essa conclusão parece coroborada pelo fato de que o
dia 13 do mês de adar é mencionado como o dia que celebra a m orte de
Nicanor (o inimigo de Judas Macabeu) em 1 M acabeus 7,49 e 2 Ma-
cabeus 15,36, e que essa data corresponde precisam ente à data do
m assacre dos inimigos dos judeus na redação m assorética de Ester.
E ntretanto, a hipótese sugerida acima continua discutida. Alguns
autores defendem datações nitidam ente mais antigas, tan to d o T M
com o do TA, e postulam até a anterioridade do TM sobre as duas
traduções gregas (cf J o b e s ) .
Resta nos perguntarm os se sob sua form a original o livro de Ester
não é o fruto da reunião de vários relatos anteriores. Enquanto às
vezes se sustentou a existência de relatos independentes ligados um
a Ester e o outro a Mordekai, R. Kossman sustenta que três relatos
independentes estiveram na origem da primeira versão de Ester: uma
história de Vashti, um relato de conflito entre um sábio e um orgulho-
so — relato presente sobretudo no capítulo 6 (M ordekai/Haman) — ,
bem com o um relato implicando H am an, Mordekai e a rainha (capí-
tu b s 3-5 e 7). Finalmente, sublinhemos que o próprio nom e dos pro-
685
Os Escritos
3. T EMAS E QUESTÕES
O livro de Ester nem sempre teve boa acolhida nos meios cristãos.
Seu caráter a um só tem po violento e nacionalista muitas vezes foi
criticado. N o entanto é preciso notar que, além desse aspecto, esse
livro levanta questões teológicas ao m esm o tem po fundam entais e
atuais sobre a legitimidade da violência e dos meios utilizados para se
defender. A questão do lugar dos judeus em um m undo dominado
por estrangeiros, em particular, é fortem ente desenvolvida no livro
de Ester. O s judeus são chamados a se com prom eter no respeito de
sua identidade no m undo que os cerca ou, com o Ester faz no começo
do livro — aconselhada por Mordekai — , têm interesse, ao contrário,
em ocultar sua identidade? As relações com os não judeus são ne-
cessariam ente fundadas sobre relações de força?
Além disso, o lugar de Deus no livro é uma questão difícil. O TM não
menciona em nenhum m om ento sua obra, nem menciona práticas reli-
giosas estritam ente judaicas. Sublinhemos que o jejum (4,15-17) não é
uma prática específica da piedade judaica. Podemos nos perguntar se
essa ausência de Deus noT M não é o resultado de uma técnica literária
deliberada do autor. O leitor podería assim ser chamado a discernir a
mão de Deus por trás dos acontecimentos que podem, certam ente, ser
fruto do acaso. Assim, o socorro vindo de outro lugar, que Mordekai
evoca em 4,14, podería fazer alusão à ação divina. Esse tipo de técnica
literária não deixa de lembrar o romance de José, em que, igualmente,
Deus é muito raram ente mencionado ao longo do relato antes que José
acabe por interpretar teologicamente os acontecimentos (Gn 45,5).
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
B ardtke , Η. KAT 17/4-5, 1963.
686
Ester
687
CAPÍTULO
9
Daniel
J a c q u e s V erm eylen
T o m e m o s a o b ra e m su a fo rm a m a s s o ré tic a . D o p o n to d e v ista da
u tiliz a ç ã o d a s línguas, p o d e m o s d istin g u ir a í tr ê s seç õ es:
68 8
D a n ie l
689
Os Escritos
690
Daniel
691
Os Escritos
692
Daniel
693
Os Escritos
c o m fo rç a d e ta lh e s d o re in a d o d o p ró p rio rei, m a s o a u to r n ã o co n h e-
c e a in d a a s c irc u n s tâ n c ia s d e s u a m o rte . O a u to r d a s v isõ es é tam b ém
c e rta m e n te o d o livro c o m o p o d e m o s lê-lo ain d a hoje; ap e n a s alguns
re to q u e s fo ra m ali a c r e s c e n ta d o s d ep o is.
D u as s e ç õ e s a p r e s e n ta m c a ra c te rís tic a s p a rtic u la re s. N a visão do
Filho d o H o m e m (cap ítu lo 7), as a lu sõ e s a A n tío c o 1p a re c e m p e rte n -
c e r a u m e s tr a to lite rário s e c u n d á rio (v. 8 .1 1 .2 0 b -2 2 .2 4 b -2 5 ); dife-
re n te m e n te d o s seg u in tes, e s s e c a p ítu lo te m v ínculos ex plícitos com
os c a p ítu lo s 1-6: e s tá redigido e m a ra m a ic o , r e in te r p r e te o m otivo
d as q u a tro fo rça s m aléficas (cap ítu lo 2), e a m e ta m o rfo s e d o prim eiro
anim al (7 ,4 ) p a re c e fa z e r re fe rê n c ia a o c a p ítu lo 4. P o r o u tro lado,
p a re c e q u e a o ra ç ã o d e D aniel (9 ,4b-19) fo rm a u m e le m e n to origi-
n a lm e n te in d e p e n d e n te .
694
Daniel
2 .3 . A fo rm a ç ã o do livro
N a b a se d a p rim eira m e ta d e d o livro e n c o n tra m o s re la to s in d ep en -
d e n te s e m língua a ram aica , q u e p u d e ra m circular so b u m a fo rm a oral
o u e sc rita n a d iá sp o ra babilônica. E sse re la to s fo ram logo dep o is re a -
g ru p a d o s p a ra fo rm a r u m a c o letâ n ea. E m b o ra a e sse resp eito só se pos-
sam p ro p o r h ip ó teses, e sse p ro c e sso p ô d e c o m p o rta r v árias e ta p a s:
1. C o n s titu iç ã o (n a é p o c a p ersa?) d e u m p e q u e n o c o n ju n to c o m -
p o r ta n d o o s ca p ítu lo s 4 a 6, q u e a p r e s e n ta m c a ra c te rís tic a s
p a rtic u la re s n a LX X a n tig a .
2. N a é p o c a h elen ístic a , a c ré s c im o d o s o n h o d a e s tá tu a (capítulo
2), q u e já fala d a d o m in a ç ã o g re g a s o b re o O rie n te P ró x im o
(q u a rto im p é rio ). T alv ez a s d o x o lo g ias (2 ,2 0 -2 3 ; 3 ,3 1 -3 3 ; 4,31-
32; 6 ,2 7 -2 8 ), q u e n ã o e n c o n tr a m o s n e m n o c a p ítu lo 1 n e m n os
c a p ítu lo s 7 -1 2 , te n h a m sido in tro d u z id a s n e s s e m o m e n to .
3. E m u m a te rc e ira e ta p a , a c ré s c im o d o c a p ítu lo 1, d o ca p ítu lo 3
e d e u m a fo rm a p rim itiv a d o c a p ítu lo 7. A h istó ria d a e d u c a ç ã o
d o s jo v e n s n a c o r te d e B abilônia p re p a ra o s c a p ítu lo s 2 (D aniel
in te rp re ta visões e sonhos), 3 (os trê s com panheiros), 4 (Daniel in-
t e r p r e t a so n h o s), 5 (os u ten sílio s d o T em plo) e 6 (referên cia s
a o re in o d e C iro, 1,21; 6 ,2 9 ), p o ré m a in d a n ã o o s ca p ítu lo s 8 a
12; e n tr e ta n to , o re la to já fa z e c o à re c u s a d e aplicar a s m ed id as
im p o s ta s p o r A n tío c o IV e m m a té ria a lim e n ta r (c f lM c 5 ,6 2 -
6 3 ; 2 M c 5 ,2 7 ; 6 ,7 -8 ; v e r ta m b é m o s m á rtire s d e E leazar,
2 M c 6,18-31, e d o s s e te irm ão s, 2 M c 7).
4. N o â m a g o d a crise m a c a b e ia , c e r ta m e n te n o d e c u rs o d o a n o
164, m a s a n te s d o a n ú n c io d a m o r te d e A n tío co , a o b ra re c e b e u
su a fo rm a final: o liv reto a ra m a ic o foi c o m p le ta d o p elas v isões
d o s c a p ítu lo s 8 -1 2 ; n e s s a o c a s iã o o p rim eiro c a p ítu lo foi tra d u -
zid o e m h e b ra ic o e o c o n ju n to p ô d e s e r re v isa d o e m fu n ç ã o d a
s itu a ç ã o n o v a. Ú ltim o s re to q u e s p u d e ra m s e r in tro d u z id o s d e -
pois d a re s o lu ç ã o d a crise (ver, p o r ex e m p lo , 12,11-12).
695
Os Escritos
3. T emas e q u estõ es
3 . 1. A s origens da apocalíptica
L igada a u m a é p o c a d e crise g rave, a “a p o c a líp tic a ” é u m g ên e ro
literário q u e c o m u n ic a u m a re v e la ç ã o d o s m isté rio s o u d o s seg red o s
d e D eus so b re a h istó ria d o m u n d o e, esp e c ialm e n te, so b re seu ac ab a-
m e n to . E o te m p o d o Fim , d o qual o livro d e D aniel fala in c e ssa n te -
m e n te (7 ,2 6 ; 8,17.19; 9 ,2 0 -2 7 ; 10,14; 11,10; 12,4.9.[13]; v e r ta m b é m
2 ,2 8 ). E ssa re v e la ç ã o é fe ita e sp e c ia lm e n te p o r m eio d e so n h o s o u de
v isõ es fa n tá s tic a s , q u e a n u n c ia m se m p re , d e u m m o d o o u d e o u tro ,
a v itó ria d e D e u s s o b re a s p o tê n c ia s d o M al. O p ro c e d im e n to da
p se u d o n ím ia — o u tr a c a ra c te rís tic a d o s a p o c a lip ses — é utilizado
c o m e s te o b jetiv o : a trib u ir a s v isõ es a u m sáb io d o p a ssa d o p e rm ite
n ã o só d a r a o livro u m a g ra n d e a u to rid a d e e c o n fe rir a o se u en sin a-
m e n to u m a lc a n c e trad ic io n a l, m a s ta m b é m a b a rc a r a h istó ria por
um lo n g o p erío d o , a n u n c ia n d o s e u fim : o a n ú n c io d e u m a série de
696
Daniel
697
Os Escritos
3 .3 . A ressurreição individual
E s c rito s c o m o E ze q u iel 37 (visão d a s o s s a d a s re sse q u id a s) d u -
r a n te m u ito te m p o fa la ra m d e u m a re s s u rre iç ã o n a c io n a l. Daniel
12,2-3.13 é a p rim e ira c o n firm a ç ã o d e u m a c r e n ç a n a re ssu rre iç ã o
individual; c e r ta m e n t e ela se im p ô s p e la n e c e s s id a d e d e co n ciliar o
fa to d o m a rtírio c o m a te o lo g ia d a re trib u iç ã o .
4 . I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. C om entários
Bauer , D. NSK.AT 22, 1996.
C ollins , J. J. Hermeneia, 1993.
D elcor , M. Sbi, 1971.
G oldingay, J. E. WBC 30, 1989.
698
Daniel
4 .2 . E stados da pesquisa
A surmendi, J. M. El libro de Daniel en la investigation reciente. EstB 55
(1997) 509-540.
C ollins, J. J. C urrent Issues in the Study o f Daniel. In: C ollins, J. J.,
F lint , R W. (ed.). The Book o f Daniel·. Composition and Reception.
Leiden, 2001, v. 1, p. 1-15 (VTS 81/1) (a obra inteira propõe um amplo
panorama da pesquisa atual).
van der W oude, A. S. (ed.). The Book o f Daniel in the Light o f New Findings.
Leuven, 1993 (BEThL 106).
699
Os Escritos
700
CAPÍTULO
10
Esdras-Neemias
Philippe Abadie
701
Os Escritos
702
Esdras-Neemias
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
Várias questões m erecem esclarecim ento, a com eçar por saber
se esses dois livros podem ser lidos com o um a “unidade” .
De um cânon ao outro, a tradição textual do livro é complexa.
Assim, ao lado do livro canônico hebraico — cham ado de 2 Esdras
ou Esdras B na Septuaginta (LXX) — , a tradição alexandrina contém
um tex to de natureza m uito diferente: 1 Esdras ou Esdras A , que
retom a a Vulgata latina na terceira posição (= 3 Esdras). Trata-se de
um a obra litúrgica bastante tardia (E sken azi), que insere a obra de
restauração entre a Páscoa celebrada sob Josias (2Cr 35) e a festa
das Tendas, que acom panha a promulgação da Lei por Esdras (Ne 8).
A retom ada desse material bíblico é acom panhada da criação de epi-
sódios próprios, como a história das três páginas de Dario. Mas o
olhar fica centrado no Templo hierosolimita e no culto, o que explica
a ausência de qualquer m enção à atividade de Neemias. A esse livro
tom ado do cânon grego a Vulgata acrescenta um a última obra, o
apocalipse judaico de 4 Esdras, cujo essencial foi escrito depois da
ruína do Templo em 70 d.C., antes de ser inserido em um a reescrita
cristã. Um breve esquem a esclarece tal complexidade:
Neemias 2 Esdras
3 Esdras (= 1 Esdras LXX)
4 Esdras (apocalipse)
703
Os Escritos
* em hebraico
— édito de Ciro (1,2-4);
— inventário dos utensílios do Templo (1,9-11);
— lista dos deportados (2,1-70)
* em aram aico
— cartas (4,6.7);
— carta de Rehum ao rei A rtaxerxes (4,8-16) e resposta do rei (4,17-22);
— carta de Tatnai ao rei Dario (5,6-17);
— memorando de Ciro (6,3-5) e resposta do rei (6,6-12)
70 4
Esdras-N eemias
705
Os Escritos
706
Esdras-Neemias
Relato em “ eu”
1.1- 2,20 Missão de Neemias e chegada a Jerusalém; primeiras oposições
3,33-7,5 Reconstrução da muralha, apesar das oposições
12,31 -43 Dedicação da muralha
13,4-31 “Segunda” missão de Neemias, alguns anos mais tarde
Relato em “ ele”
3.1-32 Lista dos voluntários para a reconstrução
11.1-2 Repovoamento de Jerusalém
12,27-30 Descrição do cortejo que acompanha a dedicação da muralha
12,44-47 Descrição da “época ideal”
13.1-3 Introdução deuteronômica à “segunda missão” de Neemias
707
Os Escritos
3 . T em as e q u estõ es
70 8
Esdras-Neemias
709
Os Escritos
710
Esdras-Neemias
1. R u p t u r a d o s c a s a m e n t o s m is to s
p o r E s d r a s no quadro litúrgico
do “Templo”, Esdras 9-10
2. R e s ta u ra ç ã o d a m u ra lh a p o r
N e e m ia s , Neemias 2-3/6
3 . L e i t u r a s o l e n e d a L ei p o r E s d r a s
no quadro litúrgico da "Festa das
Tendas", Neemias 8
4 . D e d ic a ç ã o d a m u ra lh a p o r
N e e m ia s , Neemias 12,27-47
5. R u p t u r a d o s c a s a m e n t o s m is to s
p o r N e e m i a s no quadro litúrgico
do sabbat, Neemias 13
711
Os Escritos
4. I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
Blen kinsopp, J. O T L , 1989.
C lines, D. J. N CBC, 1992.
G unneweg, A. H . J. KAT 19/1, 1985; 19/2, 1987.
M ichaeli, F CA T 16, 1967.
M yeers, J. M. AncB 14, 1965.
W illia m so n , H . C. M. W B C 16, 1985.
4 .2 . E stados da pesquisa
A ba die, P Le livre d ’Esdras et de Néhémie. Paris, 1996 (CEv 95).
Ke l l e r m a n n , U. N ehem iah: Quellen, Uberlieferungen und Geschichte.
Berlin, 1966.
Noth, M. Uberlieferunggeschichtliche Studien. Halle, 1943 = The Chronicler’s
History. Sheffield, 1987 (JS O T S 50).
der S m it t e n , W. X Esra: Quellen, Uberlieferung und Geschichte. Assen, 1973.
712
Esdras-Neemias
713
CAPÍTULO
11
1 -2 Crônicas
Philippe Abadie
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
/. 1. E strutura de conjunto
Segundo a Bíblia hebraica, o livro das Crônicas constitui o final da
terceira parte, os Escritos ou K etubim . Alguns manuscritos espanhóis,
entretanto, colocam esse livro à frente dos Escritos, certam ente por-
que sua tônica fortem ente cultuai oferecia uma boa introdução ao livro
dos Salmos que se seguia. Ao contrário, a Septuaginta (LXX) (seguida
por diversas versões: a Vulgata, a Etíope) coloca as Crônicas antes do
livro de Esdras e de Neemias, e os alinha entre os livros históricos sob
o nome de Paralipômenos ou “coisas omitidas”, sendo a ordem então:
Reis, Crônicas, 1 Esdras, 2 Esdras (= Esdras-Neemias).
714
1-2 Crônicas
II. O s reinos de Davi e de Salom ão: Israel em sua unidade (lC r 10-2Cr 9)
A. I Crônicas 10 Um contramodelo: Saul
B. 1Crônicas 11-29 O modelo 1: Davi
C. 2 Crônicas 1-9 O modelo 2: Salomão
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
2.1. N o m e do livro
O nom e hebraico do livro, dibrê h a y y a m ím , ou “palavras/atos dos
dias”, está muito bem traduzido pela designação que lhe dá Jerônim o
em seu Prologus galeatus aos livros de Samuel e dos Reis: C hronicon
totiu s divince historice, “a crônica de toda a história divina”, de onde
decorre a designação corrente ,,Crônicas” .
Ao contrário, seu nome na versão grega da LXX: os Paralipômenos
(״coisas omitidas”) , corresponde mal à realidade. De fato, não se trata
715
Os Escritos
de um a simples retom ada dos livros de Samuel e dos Reis, aos quais
o autor teria acrescentado materiais próprios oriundos de fontes
desconhecidas (ou não utilizadas) por esses livros, e sim de um a obra
original nascida dos meios levíticos do Segundo Templo de Jerusalém
entre 400 e 300 a.C.
A ntes de desenvolver esse ponto, convém examinar brevem ente
as relações que o livro m antém com os de Esdras e Neemias.
716
1-2 Crônicas
717
Os Escritos
718
1-2 Crônicas
719
Os Escritos
Será preciso descer ainda mais baixo (século III a.C.), com o pro-
p õ em T Willi e, especialmente, P W elten com base no estudo técnico
do material militar do livro? C erta prudência nos convida a privilegiar
antes um a data com preendida entre 350 e 300 a.C.
M enos complexa aparece a questão do meio portador do livro.
Uma leitura um tanto aten ta revela o papel im portante reservado
aos levitas, especialm ente aos cantores. Para tom ar apenas alguns
exemplos, sua ausência explica o fracasso da primeira transferência
da arca (lC r 15,2); Davi tam bém os convoca a Jerusalém (15,3 ss.),
e quando a arca chega ao term o de seu itinerário ele lhes confia a
missão de “comemorar, celebrar e louvar o Senhor” diante desse con-
junto sagrado de Israel (16,4 ss.). O s levitas tam bém desem penham
um papel central por ocasião das outras grandes reformas, quer se
trate de instruir Israel sob Josafat (2Cr 19,8 ss.), quer da retom ada
do culto sob Ezequias (2Cr 29-31). 2 Crônicas 11,13-17 não relata
tam bém que sacerdotes e levitas não se deixaram arrastar pelo cisma
que dividiu a terra de Israel em dois reinos rivais? Tantos dados ausen-
tes dos livros de Samuel e Reis que, longe de provir de fontes pró-
prias, são criações do autor e, mais ainda, de seu meio. Voltaremos a
isso adiante ao tratar das questões teológicas do livro.
2 .4 . A s fo n te s do livro
A fonte mais evidente do livro é o próprio texto bíblico, que não
se deve reduzir apenas aos livros de Samuel e Reis. Assim, o conjunto
genealógico 1 Crônicas 1-9 haure largamente nos diferentes livros do
Pentateuco (Gênesis, Êxodo e Núm eros), até m esm o em Josué e
Rute, e a construção sálmica de 1 Crônicas 16 combina os Salmos
96, 105 e 106. Encontram os ainda alusões a Isaías (2Cr 28,16-21),
Jerem ias (2Cr 36,21) e Zacarias (2Cr 16,9).
Muitas vezes, o livro faz referência a escritos “históricos” , como
o “Livro dos Reis de Israel” (2Cr 20,34), as “A tas dos Reis de Israel e
de Ju d á ” (2Cr 33,18) etc., e a escritos “proféticos”, como os “A tos de
Samuei, o vidente” (ICr 29,29), os "Atos do profeta N atan” (lCr 29,29;
2Cr 9,29) etc. O mais das vezes, essas múltiplas referências rem etem
72 0
1-2 Crônicas
721
Os Escritos
3. T em as e q uestões
722
1-2 Crônicas
723
Os Escritos
724
1-2 Crônicas
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
4.1. C om entários
Braun, R. L. WBC 14, 1986.
C o g g in s, R. J. CNEB, 1976.
C u r t i s , E. L , M a d s e n , A. A. ICC, 1910.
D il l a r d , R. B. WBC 15, 1987.
G a l l i n g , K. ATD 12, 1954.
J o h n s t o n e , W. / and 2 Chronicles. Sheffield, 1997 (JSOTS 253-254). 2 v.
J a p h e t , S. OTL, 1993.
M i c h a e l i , E CAT 16, 1967.
M y e r s , J. M. AncB 12-13, 1979-1981.
R u d o l p h , W. HAT 21, 1955.
W illi , T BK.AT 24, 1991.
W i l l i a m s o n , H. G. M. NCBC, 1982.
4 .2 . E stados da pesquisa
A badie, P O ü en est aujourd’hui la recherche sur I’historiographie du Chro-
niste? Trans 1 (1989) 170-176.
725
Os Escritos
(JSOTS 263).
J aphet, S. The Ideology o f the Book o f Chronicles and its Place in Biblical
Throught. Frankfurt a. M., 1989 (BEAT 9).
K a l im i , I. Zur Ceschichtsschreibung des Chronisten: literarisch-historigra-
phische Abweichungen der Chronik von ihren Paralleltexten in den
Samuel-und Kõnigsbüchen. Berlin/New York, 1995 (BZAW 226).
K n o p p e r s , G. N. Images of David in Early Judaism: David as Repentant
Sinner in Chronicles. Bib 76 (1995) 449-470.
____ . Greek Historiography and the Chroniclers History: A Reexamination.
JBL 122 (2003) 627-650.
72 6
1-2 Crônicas
727
LL·
parte ד
Os Livros Deuterocanônicos
729
Uma dezena de obras que não fazem parte dos 39 livros canônicos
da Bíblia hebraica foram a nós transmitidas pela tradução grega da
Septuaginta (LXX), os chamados livros “deuterocanônicos”. Eis sua
lista como podemos encontrá-la, por exemplo, na Tradução ecumênica
da Bíblia e na Bíblia de Jerusalém : Judite, Tobit (Tobias); Io Livro dos
Macabeus, 2o Livro dos Macabeus, Sabedoria de Salomão, Sirácida
(Eclesiástico), Baruc, Epístola de Jeremias, Daniel grego e Ester grego.
A Epístola de Jerem ias constitui o sexto capítulo de Baruc na
Vulgata, assim com o em algumas edições da Bíblia. O s suplem entos
gregos dos livros de Daniel e de Ester são às vezes reunidos no final
desses livros com o “aditam entos” . Q uanto ao livro de Daniel grego,
muitas vezes é especificado o título das quatro seções adicionais: a
“O ração de A zaria”; o “C ânticos dos três jovens”; a “História de
Susana”; e “Bel e o dragão” .
1. D e u m a t r a d iç ã o à o u t r a
730
Os Livros Deuterocanônicos
731
ANTIGO TESTAMENTO - história, escritura e teologia
4. Importância
Sua importância na tradição é evidente: a utilização e o sucesso
desses escritos no meio judaico e cristão, e sua tradução para as lín-
guas antigas (grego, latim, siríaco, copta etc.) favoreceram a existência
de múltiplas recensões desses livros: Sirácida, Daniel grego etc. são
alguns tantos testem unhos da im portância desses escritos.
732
Os Livros Deuterocanônicos
T h ie r r y L e g r a n d
733
CAPÍTULO
1
Ester Grego
Jean-Daniel Macchi
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l i v r o
735
Os Livros Deulerocanônicos
736
Ester Grego
737
Os Livros Deuterocanônicos
2 . O r ig em e f o r m a ç ã o
N as partes com uns com o TM , o texto grego da LXX baseia-se
provavelmente num texto hebraico anterior, próximo d o T M . Ainda
que o tradutor não tenha traduzido palavra por palavra e, às vezes,
tenha arranjado um tan to o original, ficou relativam ente próximo de
sua fonte.
O s acréscimos A , C , D e F foram traduzidos de um original semíti-
co. Seu conteúdo — especialmente o caráter claram ente apocalíptico
dos acréscimos A e F, assim como as problemáticas ligadas à prática
religiosa ortodoxa que encontram os nos acréscimos C e D — convida
a situar tais acréscimos o mais tardar no decurso do século II a.C.
O idioma grego utilizado nos acréscim os B e E é muito literário e
rico em retórica. C ontrasta com o idioma repleto de semitismos que
encontram os alhures no Ester grego. Essas duas passagens foram
sem dúvida redigidas diretam ente em grego e não provêm da m esm a
fonte que as outras quatro. Pode-se ficar tentado a situar essas pas-
sagens no meio judaico de língua grega, talvez em Alexandria.
O p o st-scrip tum que figura no fim do acréscim o F situa o texto no
quarto ano do reinado de Ptolom eu e de Cleópatra. Essa indicação
perm ite situar a publicação do tex to grego da LXX seja em 114 (sob
Ptolom eu VIII) seja em 77 a.C. (sob Ptolom eu XII).
Podemos ver na vontade da LXX de traduzir o texto hebraico e de
completá-lo com acréscimos provenientes de meios diferentes (apo-
calípticos, ortodoxos e judaicos de língua grega) a intenção de produ-
zir um texto-padrão para o conjunto do judaísmo. Sabemos que essa
vontade existe na época da dinastia asmoneia. A elaboração da versão
de Ester da LXX nessa época é corroborada não só pela datação do
p o st-scrip tu m , mas tam bém pelo fato de que este testem unha, em sua
parte final, um a vontade de obter o im p rim a tu r de Jerusalém .
3 . T em as e q u e st õ e s
O s acréscim os gregos são interessantes, pois testem unham um
verdadeiro procedim ento de releitura teológica de um relato que em
sua versão m assorética é quase profano. Enquanto Deus nunca figura
738
Ester Grego
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
M oore, C. A. Additions to Esther. In: F r e e d m a n , D. N. (ed.). Anchor Bible
Dictiormary. N ew York, 1992, v. 2, p. 626-633.
Ver tam bém a bibliografia sobre o livro de Ester.
739
CAPÍTULO
2
Daniel Grego
Innocent H i m b a z a
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv r o
O texto grego acrescentado ao livro de Daniel não constitui um
relato contínuo, mas se com põe de diferentes peças que é melhor
analisar de form a separada. O s acréscim os a Daniel existem em duas
versões, os da Septuaginta (LXX) e os da Teodotion, que apresen-
tam várias divergências. Estas proviríam quer de originais semíticos
740
Daniel Grego
741
Os Livros Deuterocanônicos
7 42
Daniel Grego
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
2.1. D ata, autores e destinatários
O s acréscim os a Daniel foram transm itidos a nós em grego. Con-
tudo, os pesquisadores estão de acordo em dizer que provêm de ori-
ginais semíticos, hebraicos e aram aicos ( M o o r e ; B e n n e t t ; D e l c o r ;
C o l l i n s ) . A única grande objeção concerne à história de Susana.
Em sua carta a Orígenes (§ 4-5), Julius Africanus (século 111) afirma
que essa história foi com posta em grego. Aliás, ele já sublinhava que
certos jogos de palavras só são possíveis em grego. A tualm ente, vá-
rios autores consideram , entretanto, que os tradutores poderíam
criar jogos de palavras ( C o l l i n s ; D e l c o r ).
N ão conhecem os nem os autores, nem o lugar de composição
das diferentes peças. Sua tradução grega provavelmente se deu em
Alexandria ( D a v ie s ).
E difícil datar a oração de Azariá e o hino dos três companheiros.
Com toda verossimilhança, sua composição é mais antiga que a do livro
de Daniel e independente na origem; foi inserida mais tarde nesta cole-
tânea ( B e n n e t t ; M o o r e ; C o l l in s ). O texto em prosa (Dn 3,46-50) foi
composto em aditam ento ao livro de Daniel ( C o l l in s ) . O s três últimos
versículos teriam sido acrescentados para fazer o vínculo com a situa-
ção da fornalha ardente e para dar um fim ao poema (B e n n e t t ).
Alguns pesquisadores datam a história de Susana do fim da época
persa ( M o o r e ). Essa história teria uma origem pagã, e teria em seguida
sido judaizada e posta em relação com Daniel. O utros autores situam
0 relato de Susana no começo do século 1a.C.; teria sido composto por
um fariseu partidário de Simon ben Shetah, que, contrariam ente ao
costum e saduceu dessa época em matéria de julgamentos, pedia o re-
exame dos testem unhos ( B r ü l l ; K a y ). Ibdavia, M. Delcor e H. Engel
rejeitam a hipótese de uma finalidade jurídica do relato de Susana. Del-
cor rejeita igualmente a opinião que data essa história de fins do século
1 d.C e fala simplesmente de uma data posterior à composição do livro
do próprio Daniel; ele vê nesse relato um midrash hagádico de Jeremias
29,21-23. J. J. Collins considera um período que situa entre a época
persa tardia e a época helenística, em qualquer caso não mais tarde que
o século II a.C (ver tam bém F a b r e ).
743
Os Livros Deuterocanônicos
2 .2 . Recepção
C. A. M oore considera que se esses acréscim os não fazem parte
do cânon judaico, não porque suas idéias teológicas e religiosas esta-
riam em desacordo com o tex to canônico, mas sim, de modo mais
verossímil, em razão de certas divergências literárias e tem áticas.
Assim, por exemplo, o fato de que a história de Susana seja dirigida
contra os anciãos do povo é talvez um a razão para sua não canoni-
zação ( M o o r e ; C o l l i n s ) . O s acréscim os gregos a Daniel não são
citados nem por Fílon, nem por Josefo, nem por Aquila, nem pelo
Talmude e não são conhecidos entre os m anuscritos do deserto de
Judá. J. Milik pensou que o ms 4Q551 (4QDanSuz) do século I a.C.
74 4
Daniel Grego
3 . T em as e q u e st õ e s
E interessante notar que nesses acréscimos a Daniel não encontra-
mos nenhum dos tem as apocalípticos encontrados no texto canônico.
A oração de Azariá e o hino dos três companheiros deslocam a
tram a de Daniel 3. Enquanto os 33 versículos do tex to aram aico de
Daniel colocam o acento no rei e sua corte, os 67 versículos do acrés-
cimo grego insistem na fé dos três mártires.
A história de Susana expõe o único modelo feminino de fidelidade
em relação a Deus na literatura daniélica ( M o o r e ) . Ela m ostra igual-
m ente que Deus age e salva. Ele não abandona aqueles que são fiéis
à sua Lei (K a y ; D e l c o r ) . O relato de Susana serve para estabelecer
que Deus havia com eçado a inspirar Daniel desde sua juventude
(K a y ; M o o r e ) , e que ele havia confirmado aos olhos de todo o povo
antes de enfrentar a idolatria babilônia. É igualmente por essa razão
745
Os Livros Deuterocanônicos
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
Edição crítica do texto
Z ie g l e r , J . ( e d .). Septuaginta: VetusTestamentumgrcecum auctoritate Acade-
mice scientiarum Cottingensis editum. Vol 16, pars 2: Susanna. Daniel.
Bel et Draco. G o t t i n g e n , 1 9 5 4 .
4.1. C om entários
V e r o s C o m e n t á r i o s n o a r ti g o s o b r e D a n ie l n e s t e v o lu m e .
B e n n e t t , W . H . T h e P r a y e r o f A z a r i a h a n d t h e S o n g o f t h e T h r e e C h i ld r e n ,
in : C h a r l e s , R . H . ( e d .) . The Apocrypha and Pseudepigrapha o n f the
Old Testament in English with Introductions and Critical and Explanatory
Notes to the Several Books. O x f o r d , 1913; v. 1: Apocrypha, p. 6 2 5 - 6 3 7 .
C o l l in s , J . J . H e r m e n e i a , 1 9 9 3 .
D a v ie s , T W . B e l a n d t h e D r a g o n . In : C h a r l e s , R . H . ( e d .) . The Apocrypha
and Pseudepigrapha o n f the Old Testament in English with Introductions
and Critical and Explanatory Notes to the Several Books. O x fo rd ,
1 9 1 3 ; v. I: Apocrypha, p . 6 5 2 - 6 6 4 .
746
Daniel Grego
4 .2 . E stados da pesquisa
C o l l in s , J. J. C u rren t Issues in th e Study o f Daniel. In: C o l l in s , J. J.,
F l in t , R W. (ed.). The Book o f Daniel: Com position and Reception.
Leiden/Boston/K õln, 2001, v. 1, p. 1-15 (V T S 81/1).
Ko ch , K. Deuterokanonische Zusàtze zum Danielbuch Entstehung und Tex-
tgeschichte. Kevelaer/Neukirchen-Vluyn, 1987; v. 1: Forschungsstand,
Programm, Polyglottensynopse (AOAT 38).
747
CAPÍTULO
Christophe Nihan
748
Judite
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
749
Os Livros Deuterocanônicos
a vitória no Templo durante três meses. O livro term ina com uma
nota sobre o rest o da vida de Judite, ao modo das notas do livro dos
Juizes (16,21-25).
7 50
Judite
751
Os Livros Deuterocanônicos
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
752
Judite
753
Os Livros Deuterocanônicos
75 4
Judite
755
Os Livros Deuterocanônicos
75 6
Judite
757
Os Livros Deuterocanônicos
Moeda de Antíoco IV Epífanes com a inscrição "Rei Antíoco, m anifestação de Deus, vencedor"
75 8
Judite
759
Os Livros Deuterocanônicos
76 0
Judite
761
Os Livros Deuterocanônicos
3. T emas e q u estõ es
762
Judite
763
Os Livros Deuterocanônicos
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. C om entários
E n s l in , M. S., Z e it l in , S. The Book o f Judith. Leiden, 1972 (Jewish Apo-
cryphal Literature Series 7).
M o o r e , C. A. AncB40, 1985.
S 0 U B I G 0 U , L. Le livre de Judith. Paris, 1949.
764
Judite
____ . Artistry and Faith in the Book o f Judith. Chico (Ca), 1983 (SBL DS 70).
D e l c o r , M. Le livre de Judith et 1’époque grecque. Klio 49 (1967) 151-179.
D u b a r l e , A. M. Judith: form es et sens des diverses traditions. Roma, 1966
(AnBib 24).
H a n h a r t , R. Text und Textgeschichte des Buches Judith. Gottingen, 1979
(AAWG.PH 109; MSU 14).
v a n H e n t e n , J. W. Judith as Alternative Leader: A Rereading of Judith
765
CAPÍTULO
4
Tobit
Ernst Axel Knauf
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv ro
Excetuado o prólogo (1,1-2), lò b it está claram ente estruturado
em três partes. I. D u a s situações de crise in d epen dentes, em dois luga-
res diferentes: Tobit fica cego, e Sara, filha de Raguel, é vítima de um
demônio que m ata seus maridos na noite de núpcias (1,3-3,17). 11.
D upla resolução das d u a s situações de crise, colocando em jogo os
mesm os personagens (Rafael, Tobias) e o m esm o rem édio (fígado de
peixe) (4,1-14,1). 111. Epílogo (14,2-15).
766
Tobit
1,1-2 Prólogo
767
Os Livros Deuterocanônicos
III. E p í l o g o ( 1 4 ,2 - 1 5 )
a ’ 14,1-2 Enterro e resumo da vida deTobit depois de ter recuperado a visão
a ” 14,3-11 As últimas palavras de Tobit: Nínive será destruída, pois Naum
(texto curto) ou Jonas (texto longo) anunciaram isso. Jerusalém
será destruída também (cf 13,17-181), porém reconstruída
b ’ 14,12-15 Depois da m orte de sua mãe, Tobias se transfere para Ecbátana
para a casa de Raguel e recebe com alegria a notícia da destruição
de Nínive por Ciáxares e a deportação dos ninivitas
2. O r ig e m e f o r m a ç ã o
768
Tobit
769
Os Livros Deuterocanônicos
3. T emas e questões
770
Tobit
2. Tòbit dem onstra que piedade pode rimar com ironia e gozação.
N esse pequeno livro divertido, Tobit e sua família são a um só tem po
caricatura e propaganda para o judaísmo ortodoxo. Encontram os
nele um a das m arcas características da tradição judaica desde a Anti-
guidade, a saber, a capacidade de pôr no ridículo suas tradições mais
sagradas, sem por isso deixar de aderir a elas e fazer delas o funda-
m ento de sua identidade.
3. A história, apresentada com tan ta seriedade pelos deuterono-
mistas, é reinterpretada para se tornar aqui o depósito de um a galeria
de personagens, datas e cenas abertas a um sem -núm ero de combi-
nações possíveis. A história bíblica e, mais am plam ente, toda a Bíblia
hebraica são alegrem ente chamadas a contribuir: os patriarcas, Jó, os
profetas, Esdras e Neem ias (os K etubim form am um com entário da
Torá e dos Profetas). Poderiamos falar aqui de "exegese narrativa”.
Tobit é um a espécie de gincana bíblica que não se cansa de testar
seus leitores (“adivinhe a quem eu faço alusão!”). Tal é a principal
contribuição d e lo b i t , de Judite e talvez tam bém de Ester e de Jonas,
que sublinham todos que é através das histórias que Deus age (e não
através da História). Em um mundo nem sempre tão engraçado, temos
m uita necessidade de histórias beatas bem narradas, que fazem que
ler a Bíblia seja m enos triste.
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á f ic a s
Edição do texto
W ag n er, C. J. Polyglotte Tobit-Synopse. Griechisch, Lateinisch, Syrisch, H e-
bráisch, Aramáisch: m it einem Index zu den Tobit-Fragm enten vom
Toten Meer. G ottingen, 2003 (MSU 28; A A W G .PH 3,258).
4. /. C om entários
E g o , B. JS H R Z 2, 1999, p. 873-1.007.
F it z m y e r , J. A. Tobit. B erlin/N ew York, 2003 (C om m entaires on Early
Jew ish Literature).
G ro ss, Η . NEB.AT 19, 1987.
Ko e l h o f f e r , C. L. Le livre de Tobit. Strasbourg, 1976.
M o o re, C. A. AncB 40A , 1996.
771
Os Livros Deuterocanônicos
772
CAPÍTULO
5
1 -2 Macabeus
Philippe Abadie
A presentação do corpus
A pesar da designação correntem ente dada, primeiro, segundo
etc., os quatro livros que formam o corpus m acabeu não se seguem
nem pela cronologia, nem pela tem ática.
Assim, o terceiro livro dos M acabeus é o relato legendário do pe-
rigo que sobrevêm aos judeus alexandrinos sob Ptolomeu IV: encerra-
dos no hipódromo para li serem esmagados pelos elefantes enfurecidos,
os judeus serão poupados de maneira milagrosa. Esse relato, próximo
em sua tem ática do livro de Ester, transpõe de fato sob Ptolom eu IV
as dificuldades encontradas em 140-139 a.C. pelos judeus do Egito
por terem apoiado a luta de C leopatra II contra seu irmão e esposo
Ptolom eu VII (145-116 a.C.).
Q uanto ao quarto livro dos M acabeus, que foi falsam ente atribuí-
do a Flávio Josefo, historiador judeu do século I, trata-se de um re-
lato anônimo nascido na Ásia Menor, na época herodiana ou durante
o século 1de nossa era. Paráfrase brilhante de um episódio central do
segundo livro dos M acabeus (2Mc 6-7), faz o elogio do martírio, que
773
Os Livros Deuterocanônicos
Problemas de canonicidade
De redação tardia, o conjunto desse corpus é editado em grego
— ainda que, com toda verossimilhança, 1M acabeus fosse originalmen-
te escrito em hebraico ou em aramaico. "Também não foi conservado
no núm ero dos “livros que mancham as m ãos”, quando foi definido
em Yavné, por volta do fim do século I, o cânon das Escrituras judai-
cas. Essa não era a prática alexandrina anterior, como m ostra o codex
Alexandrinus, o qual tem alta estima por esses livros; nem, sobretudo,
a leitura patrística, que enxerga nos episódios edificantes relatados
em 2 M acabeus a prefiguração do martírio (testem unho) cristão.
O primeiro e o segundo livros dos M acabeus tam bém estão con-
signados em um a lista dos livros bíblicos (cham ada de “d ecreto de
Gelásio”) recebidos no século VI pela Igreja de Roma. Porém, só assu-
mirão seu lugar entre os outros livros “deuterocanônicos” em 1442
(com a bula do papa Eugênio IV), decisão confirm ada pelo Concilio
Vaticano II em sua quarta sessão (8 de abril de 1546). Ao contrário, por
fidelidade ao retorno à veritas hebraica de Lutero, as Igrejas oriundas
da Reforma os rejeitaram do cânon, considerando-os livros deutero-
canônicos e até m esm o “apócrifos” .
Será preciso esperar a Tradução ecum ênica da Bíblia (primeira edição
de 1975) para vê-los figurar em uma Bíblia comum a todas as Igrejas,
sob a designação “livros deuterocanônicos” . Ao contrário, eles não
figuram na “Bíblia Segond”, nem m esm o na nova edição de 2002.
774
1-2 Macabeus
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o pr im e ir o liv r o d o s M a c a b e u s
O livro se apresenta com o a história de um a longa revolta que,
desde a conquista de Alexandre, conduz à instauração de uma realeza
judaica autônom a com João Hircano, o reinado asm oneu (do nome
do ancestral da família). Isso é dizer sua importância para o historiador
do m undo helenístico, além de para o biblista. E, de fato, o livro está
organizado de m aneira cronológica — o que não exclui intenções
mais complexas, ideologicamente orientadas. Um exemplo bastará
para apoiar essa última afirmação: desde o início, o relato constrói
um a oposição fundadora entre a geração de patifes (lM c 1,11), que,
de apostasia em apostasia, faz nascer “dias de grande cólera sobre
Israel” (lM c 1,64), e ag eração de justos, que se levanta com o sacer-
dote M atatias (lM c 2,1-5), cuja m orte suscitará “pesado luto” em
Israel inteiro (lM c 2,70). Além das peripécias complexas que o com-
põem, o relato está muito bem orientado do ponto de vista teológico;
não é um a simples narração histórica — fato que, em contrapartida,
pede um a vigilância crítica da parte do exegeta.
Fundam entalm ente, o livro se abre com um prólogo e segue as
proezas dos três filhos de M atatias, o que lhe confere um a estrutura
relativam ente simples (ver S a u l n i e r ) :
775
Os Livros Deuterocanônicos
776
1-2 Macabeus
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o d o pr im e ir o liv r o d o s M a c a b e u s
O primeiro livro dos M acabeus chegou até nós em grego, mas o
texto original era em língua hebraica ou aramaica, o que testem unha
ainda Jerônim o no século V. C ertam ente o desaparecim ento desse
original deve-se ao fato de que os meios fariseus eram m uito pouco
considerados pela dinastia dos asmoneus. E ntretanto, parece que
esse original existiu no final do século I d.C., pois Flávio Josefo o
utiliza em suas A n tig u id a d e s judaicas.
De quando datar então a tradução grega? C ertam ente do primeiro
quartel do século I a.C ., quando Alexandre Janeu se reconciliou
com os saduceus e os descendentes de Onias IV, refugiados no Egito.
Alexandria parece o lugar mais adequado para essa tradução.
777
Os Livros Deuterocanônicos
3 . T e m a s e q u e s t õ e s d o pr im e ir o liv r o d o s M a c a b e u s
A té m esm o um a leitura superficial do livro perm ite ver bem como
sua escrita assume o modelo dos grandes arquétipos bíblicos, especial-
m ente as façanhas de Josué e de Saul. Assim, a guerra conduzida por
Judas é aproximada da primeira conquista, e a instauração da realeza
asm oneia nos inícios da realeza israelita. A escritura histórica se du-
778
1-2 Macabeus
779
Os Livros Deuterocanônicos
4 . P l a n o e c o n t e ú d o d o s e g u n d o liv ro d o s M a c a b e u s
Como dissemos na introdução, esse “segundo” livro não é em nada
a sequência do “primeiro”, e sim o resumo de uma obra monumental
escrita em cinco livros por Jasão de Cirene (ver o “Prefácio” do abrevia-
dor em 2Mc 2,19-32). De resto, a sequência cronológica está bastante
reduzida com relação a 1 Macabeus, indo das causas imediatas da revol-
ta à vitória de Judas sobre Nicanor, ou seja de 180 a.C. a 160 a.C.
Entre outras sugestões (ver igualmente, por exemplo, A b e l ) , po-
demos propor a seguinte estruturação, inspirada em Saulnier:
Depois de uma espécie de prólogo composto por duas cartas festivais aos
judeus do Egito, a primeira datada de 124 a.C. (2Mc 1,10a), a segunda de 164
a.C. (2Mc 1, IOb-2,18), e de um prefácio do abreviador (2Mc 2,19-23), o próprio
livro com porta três grandes partes, seguidas de um breve epílogo:
Prim eira parte: As causas da revolta (3,1-5,10)
Entre as causas da revolta, o livro não insiste tanto, como I Macabeus, so-
bre os “ímpios” quanto sobre os compromissos dos sumos sacerdotes do Tem-
pio com o poder selêucida. Três figuras se destacam no relato, que são tantos
tipos simbólicos. Em primeiro lugar, Onias, o mediador, cuja santidade se opõe
à traição do tesoureiro do Templo, Simão (3,1-6), sendo o episódio mais mar-
cante o do castigo de Heliodoro, que confiscou os tesouros do santuário (3,7-
40). A segunda figura sacerdotal é a de Jasão, o ímpio, que, aproveitando-se de
uma viagem de seu irmão Onias para a Síria a fim de responder às acusações
levantadas por Simão (4,1-6), se apodera do pontificado e o desvia introdu-
zindo o helenismo em Jerusalém (4,7-22). E o começo de um excesso de que
Jasão será a primeira vítima quando Menelau, o usurpador, o afastar por sua
vez (4,23-38). A partir de então a guerra civil se instala em Jerusalém entre
partidários de Jasão e de Menelau, tendo como fundo o falso boato da m orte
de Antíoco IV Epífanes em uma expedição no Egito (4,39-5,10).
780
1-2 Macabeus
5 . O r ig em e f o r m a ç ã o d o s e g u n d o liv r o d o s M a c a b e u s
Lembremos: escrito em grego, 2 Macabeus é um “resum o” (2,23.26)
da obra em cinco livros de Jasão de Cirene, ou antes, segundo 2,31,
uma adaptação. De Jasão não sabemos nada de exato, a não ser que
deve tratar-se de um judeu letrado da diaspora cirenaica, que m antém
certas relações com Jerusalém e parece muito a par da adminis-
tração selêucida. Q uanto à sua obra original, é difícil fazer um a idéia
dela, pois podem os suspeitar que 2 M acabeus é m enos o resum o do
que uma antologia de textos ligados entre si pelo abreviador, às vezes
de m aneira inábil (como em 13,21 ss.).
781
Os Livros Deuterocanônicos
c. 330 a.C .), Clitarco (c. 305 a.C.) ou Filarco de N aucratis (c. 220
a.C.). Encontramos aí uma mesma busca do efeito dramático, apoiada
em um gosto pelo maravilhoso e pelo prodígio.
De fato, os exemplos são abundantes em 2 M acabeus: cores bar-
rocas do suicídio de Razis (14,37-46); intervenção do maravilhoso no
episódio de Heliodoro (3,24-34); aparições celestes antes dos com-
bates decisivos (11,8-10; 15,12-16) etc. D estaca-se igualmente o tem a
da punição do tirano, aqui Antíoco IV Epífanes em 2 M acabeus 9.
Por contraste, o m esm o episódio aparece consideravelm ente mais
sóbrio em 1 M acabeus 6,8-9.16! Se lhe opom os a m orte — tam bém
tão atrozm ente descrita — dos m ártires, vemos que 2 M acabeus
considera a história m enos de um ponto de vista político do que na
perspectiva do julgam ento retributivo de Deus.
De quando datar a obra? O último acontecim ento relatado em 2
Macabeus é a m orte de Nicanor (fevereiro de 160 a.C.), mas a obra
está precedida de duas cartas festivais dirigidas aos judeus do Egito,
um a datada de 164 a.C. (desenvolvimento parenético sobre a festa de
Dedicação dolem plo: c f l,10b-2,18), a outra de 124 a.C., exortando
os judeus do Egito a manifestar sua fidelidade ao Templo com a celebra-
ção de sua Dedicação: l,l-10a. Devemos concluir daí que um tem po
relativamente longo separa a redação de 2 Macabeus da obra de Jasão
de Cirene, que ela seria anterior à m orte de Judas (maio de 160 a.C.)?
E ntretanto, tal conclusão choca-se com várias objeções. Por um
lado, a própria form a dos relatos é muito legendária para que seja
preciso postular um a redação mais próxima dos acontecim entos re-
latados; a redação de 2 M acabeus supõe, ao contrário, um a lenta
elaboração, que integra o maravilhoso à história. Por outro lado, as
cartas festivais puderam circular no Egito independentem ente do
corpo do livro (ver a duplicação da m orte do tirano em 2M c 1,11-17
782
1-2 Macabeus
e 2M c 9). C ertam ente, então, será preciso seguir Saulnier, que data
2 M acabeus do reinado de Alexandre Janeu (103-76 a.C .), quando
os reis-sacerdotes asm oneus reconciliaram-se com os oníadas do
Egito. Sob essa luz, a intercessão celeste do sacerdote Onias 111 em
favor de Judas (15,12-14) tom a todo o seu sentido.
Todavia, não se pode descer muito baixo a datação, pois Fílon de
Alexandria parece conhecer 2 M acabeus, e 4 M acabeus depende
diretam ente dessa obra, com o vimos acima.
6. T e m a s e q u e s t õ e s d o s e g u n d o l iv r o d o s M a ca beu s
783
Os Livros Deuterocanônicos
784
1-2 Macabeus
7. I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
7.1. C om entários
A bel , F M. EtB, 1949.
________ , S tarcky , J. SB (J), 31961.
v o n D obbeler , S. NSK.AT, 1997.
G o l d s t e in , J. A. AncB 41, 1976; AncB 41A, 1983.
H a b ic h t , C. JS H R Z 1 /3 , 1976.
785
Os Livros Deuterocanônicos
786
CAPÍTULO
6
Sabedoria de Salomão
Thierry Legrand
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o liv ro
Pelo título que lhe atribui, “Sabedoria de Salom ão” (Sophia Salô-
m ô n o s ), a tradição m anuscrita grega une a obra ao personagem do
787
Os Livros Deuterocanônicos
788
Sabedoria de Salomão
10,21), se estendería até o papel dela na história (de A dão até Moisés
e a saída do Egito); viria, por fim, a seção final (Sb 11-19) sobre a sorte
dos egípcios e dos israelitas quando do Êxodo.
Nós, contudo, seguimos o primeiro plano, que nos parece o mais
evidente:
789
Os Livros Deuterocanônicos
III. A S a b e d o r i a , c h a v e d a h i s t ó r i a b í b l i c a ( 1 0 - 1 9 )
10,1-21 A Sabedoria conduz a história: exposição de suas obras desde o
primeiro homem até a saída do Egito
11,1-14 O milagre da água no deserto posto em paralelo com o episódio
das águas do Nilo, transformadas em sangue, permite enunciar um
primeiro princípio importante da ação divina: um mesmo elemento
pode ser salvador ou destruidor
11,15-16 O tem a do culto dos animais revela um segundo princípio: o homem
é punido por onde pecou
11,17-12,22 Digressão sobre a natureza da ação divina: sua onipotência do-
minada, sua moderação e sua intenção pedagógica, sua abertura
ao arrependimento. Um exemplo deve servir de ensinamento ao
povo de Israel: o castigo progressivo dos cananeus
12,23-27 Retomada e conclusão a propósito dos egípcios: é porque presta-
ram um culto a animais que foram castigados pelos próprios animais.
A justiça divina se manifestou!
13,1-15,19 Vaidade das religiões pagãs, perigos do culto dos ídolos e gran-
deza de Deus. Algumas formas da idolatria: a adivinhação, as
crenças ligadas à navegação e os ídolos modelados na argila ou na
madeira
16,1-4 Segundo paralelismo: as codornizes como alimento benfazejo
para o povo de Deus, os insetos e as rãs como castigo para os
adoradores de animais
16,5-14 Terceiro paralelismo: lembrança do episódio da serpente de bron-
ze e da salvação oferecida por Deus. Por contraste, os egípcios
são desprovidos de proteção, sem remédio diante das picadas de
insetos que os aterrorizam
16,15-29 Q uarto paralelismo: o que vem do céu serve de correção para
os egípcios (o granizo, o fogo) e de benefício para os israelitas (o
m aná). Deus governa os elementos, e a criação está a serviço de
sua justiça
17,1-18,4 Q uinto paralelismo: as trevas que envolviam os egípcios e os
mantinham em pânico são opostas à luminosidade da coluna de
nuvem, verdadeiro guia para os santos
18,5-25 Sexto paralelismo: a destruição e a m orte para os egípcios, a glo-
rificação e a proteção para os filhos de Deus. Importância do sa-
cerdócio na pessoa de Aarão
19,1-9 Sétimo paralelismo: o endurecim ento e a obstinação dos egípcios
causam seu desaparecimento. Para o povo de Deus, a travessia
do mar Vermelho é o sinal de um novo ponto de partida, uma
nova criação
19,10-21 Síntese final e lembrança de alguns episódios marcantes. O castigo
dos habitantes de Sodoma
19,22 Mensagem de esperança: Deus protege e glorifica
790
Sabedoria de Salomão
2 . O r ig e m e f o r m a ç ã o
2.1. U nidade literária, gênero, a utor e data
A questão da unidade literária da obra foi debatida muitas vezes
nos séculos XIX e XX. Vários críticos acreditaram discernir neste ou
naquele indício literário, estilístico ou lexical vestígios de uma redação
a várias mãos, e até de uma incorporação de fragmentos hebraicos em
um conjunto grego: Sabedoria 1-5 teriam sido escritos em hebraico;
ou ainda os capítulos 11-19 teriam sido redigidos por um autor diferente,
tendo em vista outros adversários que os dos capítulos 1-10.
O s estudos recentes que tratam especialm ente do estilo e das ca-
racterísticas literárias da obra ( R e e s e ; G i l b e r t ) dem onstram a grande
unidade desse livro. C ertam ente a Sabedoria de Salomão contém
um a grande diversidade de estilos e tem as, porém estam os diante
de um a m esm a e única “personalidade” literária. Alguns especialistas
vão além dessa afirmação especificando que a obra talvez não tenha
sido redigida em um a única etapa, e sim que a redação pode ter se
estendido por vários anos ( S k e h a n ) .
A unidade literária e tem ática da Sabedoria de Salomão é notória
quando nos interessam os pelas características da obra:
791
Os Livros Deuterocanônicos
2 . I n f l u ê n c ia s
A unidade do livro e suas qualidades literárias inegáveis fazem dele
uma obra sapiencial de grande originalidade. A obra, contudo, é carac-
terizada por diferentes influências, que é útil destacar. N ão encontra-
mos ali nenhum a citação explícita dos livros canônicos do Antigo
Testam ento, mas o estilo, a fraseologia e o conteúdo de num erosas
linhas rem etem constantem ente aos escritos veterotestam entários
(Gênesis, Isaías, Daniel, Provérbios, Salmos, bem como a literatura
sapiencial de modo geral). N a terceira seção da obra, o tem a do êxodo
e das chagas do Egito é inspirado nos relatos correspondentes nos
livros do Êxodo e Números; além disso, os Salmos 78 e 105-107 eram
792
Sabedoria de Salomão
3 . T em as e q u e st õ e s
Com o muitas vezes na literatura sapiencial, o leitor depara com
um feixe de tem áticas religiosas e teológicas. N a Sabedoria de Saio-
mão, as três seções do livro perm item enunciar três questões impor-
tantes: ética, filosófica e teológica.
A questão ética exprime-se de múltiplas maneiras ao longo da obra,
porém aparece mais claramente nas primeiras seções que tratam da
justiça divina e da sorte reservada aos ímpios e aos justos (Sb 1-5). A vida
do homem é breve e ele pode decidir orientá-la para o desfrute (2,6-9)
e a exploração dos outros (2,10.19-20), porém essa atitude não conduz
a outra coisa senão ao nada e à m orte (3,11-12). A obra distingue aqui,
de modo explícito e quase caricatural, o com portam ento dos maus ( í m -
pios, iníquos, incréus) e o dos justos. O personagem de Henoc, o justo
perfeito arrebatado por Deus (ver Gn 5,24), é muito certam ente o pano
de fundo da descrição admirável do justo em Sabedoria 4,7-20.
793
Os Livros Deuterocanônicos
794
Sabedoria de Salomão
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. C om entários
E n g el , H. NSK.AT 16, 1998.
H übn er , H. ATD A pokryphen 4, 1999.
L a r c h er , C. EtB, 1983-1985.
795
Os Livros Deuterocanônicos
W in s t o n , D. AncB43, 1979.
796
CAPÍTULO
1
Sirácida
Thierry Legrand
797
Os Livros Deuterocanônicos
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o l iv r o
798
Sirácida
II. 16,24-23,27
16,24-18,14 A grandeza de Deus é manifestada através de sua criação e de
sua criatura: o homem. Sua paciência e seu perdão são imensos
1 8 ,1 5 -2 3 ,2 7 E n sin a m en to s, provérbios, m á x im a s
III. 24,1-32,13
24.1-34 Elogio da Sabedoria; seus vínculos com a Lei
2 5 .1 - 32,13 E n sin a m en to s, provérbios, m á x im a s
IV 32,14-42,14
32.14- 33,18 O sábio se apoia na Lei e vive no tem or de Deus. Em sua obra
criadora, Deus ordenou, distinguiu os seres e as coisas. Há a vida
e a morte, o piedoso e o ímpio
3 3 ,1 9 -4 2 ,1 4 E n sin a m e n to s, provérbios, m á x im a s
39,12-35 Hino ao Deus criador, juiz escatológico
V 42,15-50,26
42.15- 43,33 Louvor a Deus e à sua obra criadora. O s astros e os fenômenos
naturais testem unham sua grandeza
4 4 - 5 0 ,2 6 E logio d o s a n te p a ssa d o s
799
Os Livros Deuterocanônicos
2 . O r ig e m e form ação
800
Sirácida
801
Os Livros Deuterocanônicos
c e r t o n ú m e r o d e p o n t o s d e a c o r d o p a r e c e m se d e s e n v o lv e r e n tr e o s
p e s q u is a d o r e s (c £ R ü g e r ; N elso n ; a s ín t e se re c e n t e d e G il b e r t ).
a) O s t e x t o s hebraicos:
— Por volta do ano 190 a.C., provavelmente em Jerusalém, Jesus Ben
Sirac redige em hebraico uma grande instrução de sabedoria, que nos
informa sobre a vida cotidiana, religiosa e espiritual do judaísmo da época
selêucida (ver o elogio do sumo sacerdote Simão em Sr 50,1-21). Esse
primeiro texto hebraico (Hb I) circulou nos meios judaicos palestinos,
onde foi particularmente apreciado. C erto número de indícios literários
permitem pensar que essa primeira versão do Sirácida não foi realizada
em uma única etapa: os capítulos I a 23 (ou 1-24) puderam formar uma
primeira coletânea à qual seriam acrescentadas outras seções e vários
apêndices (talvez Sr 51,1-12 e 51,13-30).
— Entre o século 1a.C. e o século I d.C., o texto hebraico (Hb I) sofreu
várias séries de revisões: algumas acidentais, outras voluntárias (por
exemplo: releituras essenizantes: Sr 3,20; 11,15-16; 15,20cd; 16,15-16;
ver K e a r n s ). Essa nova recensão do texto hebraico é considerada a ver-
são longa hebraica (Hb li). O manuscrito “A” da Geniza do Cairo, bem
como os manuscritos “B” e “C ” , em menor medida, são próximos dessa
segunda recensão Hb II.
b ) A v e r s ã o sir ía c a :
— O Sirácida em siríaco, tal qual nos foi transmitido pela Peshitta, é
certam ente o resultado de um processo complexo de revisões e corre-
ções que se estendeu por vários séculos. Provavelmente, a tradução si-
ríaca foi realizada por um cristão tomando por base um texto hebraico
(Hb II). Todavia, para aum entar a complexidade, essa tradução certa-
m ente foi revisada a partir do texto grego da forma breve (Gr I) e talvez
da forma longa (Gr II).
c) O s t e x t o s gregos:
— Em 132 a.C., o neto de Ben Sirac realiza no Egito uma tradução
grega do Sirácida baseado em um texto hebraico (Hb 1). C ertam ente
ela corresponde ao texto transmitido pelas grandes unciais. Mais ainda
que uma tradução do hebraico, trata-se de uma adaptação helenizada
da mais ampla instrução sapiencial judaica conhecida.
80 2
Sirácida
d) A versão la tin a :
— A Vulgata, que transmite a Vetus latina, parece ser o melhor teste-
munho da forma longa grega (Gr II). Todavia, ela contém certo número
de modificações que revelam, por um lado, uma influência cristã e, por
outro, tentativas de harmonização (cf DE B r u y n e ) em relação ao texto
breve (Gr I).
3 . T em as e q u estõ es
Entre o com eço do século II a.C. e alguns anos antes da revolta
dos M acabeus (167), Jesus, filho de Sirac, testem unha de sua época,
quis codificar e transmitir toda a sua herança sapiencial. Seu objetivo
principal: reafirm ar a força e o interesse do patrimônio espiritual e
religioso de Israel em um a sociedade confrontada com o progresso do
helenismo. Dessa forma, a obra é caracterizada por sua ancoragem
na tradição sapiencial bíblica (Provérbios, Jó, Coélet) e por sua posição
m atizada diante da cultura helenística. No pululamento das questões
tratadas, podem os distinguir três dimensões essenciais, que formam
de certa form a a ossatura teológica dessa instrução: a sabedoria, o
tem or e o papel criador de Deus.
O tem a da sabedoria enquadra (1,1 -20 e 51,13-30), acompanha (por
exem plo4,11-19; 6,18-37; 14,20-15,10; 44,1-15) e p o n tu a a o b ra (Sr 24
803
Os Livros Deuterocanônicos
está no centro do livro). Esse tem a lhe confere m ovim ento e evita a
identificação do Sirácida com um simples thesaurus sobre a sabedoria.
As aproximações operadas entre a sabedoria e vários outros tem as
(oposição à duplicidade, alegria, instrução e criação) perm anecem
muito clássicas (ver Provérbios). Talvez a dupla Sabedoria-Lei esteja
no âmago da obra (19,20 e 24,23 ss.), e revela melhor o pensam ento
original do autor e seu alcance teológico: a melhor expressão da Sabe-
doria, seu ensinamento, é a Lei dada por Moisés. O elogio da Sabedo-
ria (Sr 24) revela até que ponto a Lei, perfeita expressão da Sabedoria
divina, é a herança fundamental e o trunfo maior do povo de Israel.
O tem a do tem or está desenvolvido em algumas passagens-chave
do Sirácida (1,11-20; 2,1-18; 10,9-25; 19,20-24; 25,7-11; 40,26-27), mas
pode tam bém ser encontrado em num erosos outros versículos isola-
dos (6,16-17; 7,31; 25,6; 26,3; 50,29). Esse tem a lembra os vínculos
estreitos que unem a sabedoria ao com portam ento religioso, ao res-
peito e ao am or por Deus: não existe Sabedoria sem tem or de Deus
e não há tem or que não conduza à Sabedoria. A mensagem é clara
tan to para os que desejariam se unir à religião judaica com o para os
que estariam tentados a procurar a Sabedoria alhures.
Tecido de máximas sapienciais, o Sirácida revela uma tram a orien-
tada pelo tem a do papel criador e acom panhador de Deus (kitzein e
seus derivados são frequentes no livro). Notam os, ao lado de num e-
rosas alusões à criação e ao Deus criador (por exemplo: 7,15; 15,14;
16,17; 36,20; 38,14), passagens inteiras consagradas a esse assunto:
804
Sirácida
sua criação, e o com portam ento do homem está orientado para o bem
ou para o mal (33,11.14).
— O louvor de Sirácida 39,12-35 repete incansavelmente a ordem e a boa
disposição da criação. Deus está na origem de tudo, mas ele é sobretudo o
senhor do tempo. A orientação escatológica dessa passagem evoca outros
escritos da literatura intertestamentária (cf Testamento de Levi 3).
— A maneira de introdução à sabedoria dos heróis de Israel (elogio dos
antepassados, Sr 44-50), o hino de Sirácida 42,15-43,33 evoca de ma-
neira sistemática (sol, lua, estrelas, fenôm enos...) a grandeza das obras
da natureza. O leitor é convidado a louvar a Deus por sua obra criadora
e seu papel providencial.
E x c u r s o : “ E lo g io d o s a n t e p a s s a d o s ”
Os capítulos 44 a 50 do Sirácida formam uma seção particular, colocada sob
o título “Elogio dos antepassados” (grego: Umnôs Paterôn; hebraico: sabah ’abõt
‘õlam) . Descobrimos aí um itinerário histórico, único em seu gênero, dos heróis
de Israel: patriarcas, reis, profetas, juizes e sacerdotes. Estes são glorificados
como “homens de bem ” (hebraico: hèsèd, 4 4 ,1.10), dos quais se louva a grande
sabedoria (44,15). Henoc, o patriarca antediluviano, enquadra esse inventário
dos homens ilustres (44,16 e 49,14).
De trinta personagens citados, dez são designados como profetas: Moisés,
Josué, Samuel, Natan, Elias, Eliseu, Isaías, Jeremias, Ezequiel, os profetas me-
nores. Algumas notas proféticas estão ligadas a um período ou/e a uma realeza:
Natan (47,1), Isaías (48,22), Jeremias (49,7). Cada personagem é descrito em
sua individualidade, e o autor se dedica a destacar os fatos espetaculares de sua
vida, por exemplo: Elias e o fogo do céu, sua ascensão num carro (Sr 48,3.9); Josué,
que detém o sol e o curso do tempo (46,4). As notas consagradas a Josué, Samuel,
Elias e Eliseu são especialmente desenvolvidas. Os profetas Isaías, Jeremias e
Ezequiel, bem como os doze profetas menores, são objeto de algumas linhas que
resumem muito sucintamente sua atividade ou sua particularidade.
Nessa pequena história sagrada é preciso notar o importante lugar consa-
grado à função sacerdotal: Aarão e o sumo sacerdote Simão são objeto das
maiores e mais elogiosas notas (cf 45,6-22 e 50,1-21).
4 . I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4.1. Comentários
D u esberg , H ., A uvray, E SB(J), 1953.
D1 L e l l a , A. A., S k e h a n , PW. AB 39, 1987.
S n a i t h , J. C. CNEB, 1974.
S p ic q , C. SB(PC) 6, 1946.
805
Os Livros Deuterocanônicos
806
CAPÍTULO
8
Baruc
Innocent Himbaza
1. P l a n o e c o n t e ú d o d o livro
O livro de Baruc (ou 1 Baruc) é um a pequena coletânea de cinco
capítulos. N a Septuaginta (LXX) está colocado entre Jerem ias e as
Lam entações, enquanto na Vulgata está colocado depois desses dois
livros, e a Epístola de Jerem ias com punha seu sexto capítulo. Entre-
tanto, contrariam ente à Vulgata, convém separar Baruc da Epístola
de Jerem ias. De fato, o livro de Baruc é com o um a janela ab erta
sobre o encam inham ento penitencial do povo. Tal encam inham ento
vai da tom ada de consciência do pecado à esperança de uma consola-
ção e de um a libertação próximas, passando pela aceitação do exílio
807
Os Livros Deuterocanônicos
808
Baruc
A. PARTE EM PROSA
I. Introdução histórica (1,11-14)
1.1-2 Quadro histórico: autor e data
1,3-5 Leitura do livro em um contexto litúrgico em Babilônia
1,6-8 Envio de dinheiro a Jerusalém
1.8-9 Lembrança da restituição dos utensílios em Jerusalém
1.10-14 Para um ato litúrgico em Jerusalém: sacrifícios, oração, leitura do livro
2 . O r ig em e f o r m a ç ã o
2 . 1. D ata, autores e destinatários
C o m o numerosos outros livros do Antigo Testamento, Baruc di-
vide os pesquisadores sobre a questão de seu autor e de sua data (a
esse respeito encontramos um bom estado da pesquisa em B u r k e ).
809
Os Livros Deuterocanônicos
810
Baruc
811
Os Livros Deuterocanônicos
3 . T em as e q u e s t õ e s
Em todas as partes do livro de Baruc a teologia está centrada no
fato de que Deus é o m estre absoluto do destino de Israel. Deus é
justo e poderoso (1,15.19; 2,6; 3,1.32), ele pune o pecado (1,13; 1,18-
2,10.22; 3,10-13; 4,6-8) e é repleto de compaixão (4,5-5,9).
812
Baruc
813
Os Livros Deuterocanônicos
4. I n d ic a ç õ e s b ib l io g r á fic a s
4 . 1. Edições críticas
D ennefeld, L. Isaie, Jérémie, Lamentations, Baruch, Ezéchiel, Daniel. Paris,
1946 (SB[PC] 7).
Z ie g l e r , J. (ed.), Septuaginta: Vetus Testamentum grcecum auctoritate Aca-
demice scientiarum Gottingensis editum. Gottingen, 1957; v. 15: Jeremias,
Baruch. Threni. Epistulce Jeremice.
4.2. Comentários
G e l in , A. SB(J), 1951.
M oore, C. A. AncB 44, 1977, p. 235-316.
S c h r e i n e r , J. NEB.AT 14, 1986.
814
Baruc
815
CAPÍTULO
9
Epístola de Jeremias
Innocent Himbaza
816
Epístola de Jeremias
817
Os Livros Deuterocanônicos
818
Epístola de Jeremias
A epístola de Jerem ias foi conservada em grego. Mas foi com posta
nessa língua? Os que respondiam pela afirmativa ( M a r s h a l l ; T o u z a r d )
consideraram que a epístola de Jerem ias era originária de um meio
judaico helenizado; as cerimônias descritas faziam sobretudo alusão
aos cultos egípcios. A epístola escrita em grego teria então sido ende-
regada aos judeus que moravam no Egito.
E ntretanto, depois que C. J. Ball e W. Naum ann — que escreviam
independentem ente um do outro em 1913 — dem onstraram de modo
m uito convincente a origem semítica da epístola, atualm ente esta-
mos de acordo em reconhecer que a forma grega que nos foi transmi-
tida é uma tradução. Trata-se, pois, de um texto cujo original hebrai-
co não foi conservado. Em favor desse argum ento podemos indicar o
fato de que o versículo 69 depende de Jeremias 10,5 e não das versões
gregas que não têm o mesmo conteúdo ( N a u m a n n ). Alguns erros
devidos à confusão dos term os hebraicos da parte do tradutor são
patentes, como no versículo 71: os ídolos são vestidos de “púrpura e
de m árm ore” , em vez de “púrpura ou bisso [linho fino]”, expressão
bem conhecida em Êxodo 26,1, Lucas 16,19 etc. ( B a l l ; M o o r e ).
As discussões sobre a data de composição da epístola de Jerem ias
caminham junto com a identificação de seu autor. Aqui confrontam -
se duas posições divergentes. Por um lado, segundo L. Dennefeld, não
existe nenhum a razão para contestar essa epístola de Jerem ias, pois
ninguém teria sentido a necessidade de com por um a polêmica tão
detalhada depois da queda do império neobabilônio. N o entanto, a
com paração com o livro de Jerem ias m ostra que existem distancia-
m entos entre as duas obras literárias. O corpo do tex to (v. 7-72) é
de cunho sapiencial. N ão cita nem Israel nem Judá e não fala da lei;
enquanto em Jerem ias ou em Baruc (ver a introdução a esses dois
livros neste m esm o volume) esses assuntos retornam com frequên-
cia. Por outro lado, segundo A. Gelin e a maioria dos autores modernos,
a epístola dataria da época de Alexandre, se tom ado como referência
o versículo 2, que fala de sete gerações de dom inação babilônia. Bali
especifica o núm ero de anos correspondentes: 280 anos depois do
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Os Livros Deuterocanônicos
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Epístola de Jeremias
3. T em as e questões
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Os Livros Deuterocanônicos
4. I n d icaçõ es bibliográficas
4.1. Comentários
D e n n e f e l d , L. SB(PC) 7. Paris, 1946.
G e l in , A. SB(J), 1951.
M o o r e , C. A. AncB 44, 1977, p. 317-358.
S t e c k , O. H ., K r a t z , R. G., K o t t s ie p e r t , 1. ATD Apokryphen 5, 1998.
822
Epístola de Jeremias
and Critical and Explanatory Notes to the Several Books. Oxford, 1913;
v. I: Apocrypha, p. 596-611.
F it z g e r a l d , A. Baruch. In: B r o w n , R. E., F it z m y e r , J. A., M u rph y , R. E. (ed.).
The N ew Jerome Biblical Commentary. London, 1990, p. 567.
L e f ev r e , a ., D e l c o r , M. Les livresdeutérocanoniques. In: C a z e l l e s , H. (éd.).
Introduction à la Bible. Paris, 1973; 1 .11: Introduction critique à I’Ancien
T estam ent, p. 690-691.
N a u m a n n , W. Untersuchungen überden apokryphen Jeremiasbrief. Giessen,
1913 (B ZA W 25).
P ic a r d , J. C. Le continent apocryphe: Essai sur les literatures apocryphes
juive e t chrétienne. Turnhout, 1999 (Instrum enta Patristica XXXVI).
T e d e s c h e , S. Jerem iah, L etter o f In: The Interpreter’s Dictionary o f the Bible.
Nashiville (T n )/N ew York, 1962, col. 822-823.
T o u z a r d , J. Lam e juive au tem ps des perses. RB 13 (1916) 299-341.
823
Quadro Cronológico
1. PRÉ-HISTÓRIA
Paleolítico inferior 400000 Primeiros vestígios comprovados da
presença humana no Oriente Próximo
(Ubeidyeh, próximo ao lago de
Tiberíades)
Cultura aqueuliana
Paleolítico médio 90000 Cultura musteriana (Qafzeh, Kebara)
Paleolítico superior 40000 Culturas aurina e depois natufiana
Neolítico 8500 Surgimento de um hábitat construído
Pré-cerâmica A Agricultura e pastoreio
Pré-cerâmica B Jerico
Com a cerâmica Jerico, M unhatta, Teleilat el-Ghassul
Calcolítico 4300 Surgimento da metalurgia (cobre)
Na Mesopotâmia: Sumer, 3500 Surgimento da escrita cuneiforme
posteriorm ente Acad
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ANTIGO TESTAMENTO - história, escritura e teologia
III. EG ITO -C A N A Ã
Novo Império (1550-1070) 1550 Bronze Recente 1 (1550-1400)
Numerosas campanhas de Tabuletas de Taanak
Tutmés III em Canaã; batalha de
Meguido (por volta de 1480)
1400 Bronze Recente II (1400-1200)
Reinado de Amenófis IV/ Cartas de el-Amarna
Aquenaton (1350-1334)
Em Canaã, cidades-estado
vassalas do Egito
Abdihepa, rei de Jerusalém
Novo império hitita (1450-1090)
Ugarit (= Ras Shamra): tabuletas
alfabéticas (séc. XIV)
Egito (19a dinastia): Sethi I Mito de Baal
(1317-1304).
Ramsésll (1304-1238): 1300
Campanha de Qadesh contra os Presença egípcia em Canaã:
hititas, seguida de posterior esteta de Bet-Shean
aliança com eles
M erneptá (1238-1209): 1250 Moisés no Egito?
esteia do ano 5: vitória sobre
os libianos e sobre um grupo Instalação de diferentes grupos
chamado “Israel em Canaã, sobretudo na região
das colinas
826
Quadro Cronológico
ZIMRI (7 dias)
*
827
ANTIGO TESTAMENTO - historia, escritura e teologia
OMRI (886-875),
construtor de Samaria
828
Quadro Cronológico
829
ANTIGO TESTAMENTO - história, escritura e teologia
830
Quadro Cronológico
500
Xerxes 1(496-464),
derrotado pelos gregos em
Salamina (480)
Artaxerxes 1Mão Longa
(464-424)
450
445-432: NEEMIAS em Jerusalém
Xerxes 11 (423)
Dario 11 (423-404)
Artaxerxes 11 Mnemon 440-400: correspondência com os judeus
(404-359) instalados no Alto-Egito
(papiros de elefantina)
400
Artaxerxes 111 Okhos 350 398 (458?): atividade legislativa de
(359-338) ESDRAS. Rumo à formação daTorá
Arses (338-336)
Dario 111 Codoman (336-331)
Conquistas de Alexandre
Magno: Ásia Menor, Síria,
Egito, Pérsia, até a Índia
83!
ANTIGO TESTAMENTO - historia , escritora e teologia
832
Quadra Cronológico
833
A
Geografia do Levante. Fonte: Jean-Daniel M a c c h i , L es Sa m a rica in s:
Histoire d ’une legende. Labor e t Fides, 1994, p. 178 (Le Monde de la Bible 30)
URARTU \ Cáspio
t Elefantina «λ
O O riente Próximo antigo. Fonte: Jean-Daniel M a c c h i, L es S a m a rita in s: H istoire d ’une legende, Labor e t Fides, 1994, p. 180-181 (Le Monde de la Bible 30)
Fontes iconográficas das ilustrações
Páginas 409, 694, 757: B a u e r , Dieter. Das Buch Daniel, Verlag Katholisches Bibelwerk,
Stuttgart, 1996.
Página 423: Biblical Review 3 (dez. 1997).
Página741: F a b r e , Marle-Louise.Suzanneoulesavatarsd'ummotifbiblique, LHarmattan,
Paris, 2000.
Página 632: F is c h e r , Irmtraud. Rut, Herder, Freiburg-Basel-Wien, 2001.
Páginas 70, 122, 151, 161, 210, 228, 238, 256, 268, 315, 361, 376, 479, 521, 529, 542,
556, 586, 597, 605, 617: K e e l , Othmar. Die Welt der altorientaliscben Bildsym-
bolik u n d dasA lte Testament, Benziger Verlag-Neukirchener Verlag, 1972.
Páginas 406, 453: K e e l , Othmar. Jahwe-Visionen und Siegelkunst, Verlag Katholisches
Bibelwerk, Stuttgart, 1997.
Páginas 496, 640: K e e l , Othmar, S t a u b l i , Thomas (ed.), Les animaux du 6* ״״jour. Les
animaux dans la Bible et dans !’Orient ancient, Editions universitaires de Fri-
bourg-Musée de zoologie de Lausanne, Fribourg, 2002.
Página 221: K r a u s s , Rolf Mo'ise le Pharaon, Ed. Du Rocher, Paris, 2000.
Página 548: L e c o q , Pierre. Les inscriptions de la Perse achéménide, Gallimard, Paris,
1997.
Páginas 834-835 (mapas): M a c c h i , Jean-Daniel. Les Samaritains: Histoire d ’une legende,
Le Monde de la Bible 30, Labor et Fides, 1994.
Página 428: M a r z a h n , Joachim. La Porte d ’lshtar de Babylone. La Voie Processionnelle.
La Fete du Nouvel An à Babylone, Staatliche Museen zu Berlin, Musée du Proche-
Orient, Berlin, 1993.
Página 683: Prigent, Pierre. Limage dans le juda'isme, Labor et Fides, Genève, 1991.
Página 468: Pritchard , James Bennett. Ancient Near East, v. 2, Princeton University
Press, Princeton, 1976.
Página 769: S c h ü n g e l - S t r a u m a n n , Helen. Tobit, Herder, Freiburg-Basel-Wien, 2000.
Página 489: V a n e l , Antoine. Iconographie du dieu de I'orage dans Le Proche-Orient ancien,
Gabalda, Paris, 1965.
836
Glossário
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ANTIGO TESTAMENTO - historia, escritdra e teologia
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Glossário
D o deca p ro p h eto n : Vocábulo grego que designa o conjunto dos livros dos
doze profetas menores, que a tradição antiga considera que formam
um único rolo.
Dtr: Deuteronomista (ver a introdução à história deuteronomista neste
volume).
El: Nome da divindade principal dos panteões da Síria-Palestina. Certos
textos da Bíblia hebraica, contudo, utilizam-no como um nome gené-
rico para designar uma divindade.
E lefantína: Ilha no rio Nilo, em frente a Assuã, que abrigou a partir aproxi-
madamente do fim do século VII uma importante colônia judaica (e
talvez igualmente israelita). Na época persa, a colônia Elefantína cons-
tituía uma das principais comunidades da ►־diáspora judaica. Vários
escritos, entre os quais os numerosos *־óstracos, provenientes dessa
comunidade foram encontrados e nos informam de modo exemplar
sobre diferentes aspectos da diáspora judaica no Egito.
Elohim: Literalmente “deus” ou “deuses”. Esse nome genérico é utilizado
com frequência para designar o Deus de Israel na Bíblia hebraica.
E ntrada no abism o: Expressão utilizada especialmente na análise literária
que designa o procedimento de integrar em uma obra um elemento
que funciona como espelho de toda ela ou mesmo que oferece um
resumo dela sob a forma de prolepse ou de conclusão.
E scatologia: Literalmente “discurso sobre o fim”. A escatologia designa
as especulações ou as esperanças sobre o fim do tempo presente. O
discurso escatológico inclui frequentemente a expectativa da vinda
de uma era de salvação.
Essênios: Judeus membros de comunidades organizadas, de tipo seita, viven-
do em bairros particulares de uma cidade ou vilarejo, ou em um ambiente
de tipo monacal estabelecido no deserto (-» Qumran). Os essênios
caracterizam-se por uma espiritualidade aliada à estrita observância
das regras de pureza, bem como por uma teologia nitidamente dualista.
A comunidade de Qumran estava situada a noroeste do mar Morto,
uns quinze quilômetros ao sul de Jericó. No interior de onze grutas
situadas nas proximidades de um sítio que abrigara um mosteiro essênio,
foi descoberta, em 1947, uma importante biblioteca que continha textos
hebraicos e gregos do Antigo !estamento, escritos apócrifos e escritos
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Glossário
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