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Diaspora judaica: os judeus em Minas Gerais’ Jélia Calvo** Resumo A presenga judaica na ocupacio de Minas Gerais constitu tema da produgaohistérica brasileira da segunda metade do século XX. elemento judaico desponta como part cipante das povoagdes mineiras desde o século XVI através da figura do cristio-novo, 1 judew convertide em Portugal em consequéncia da imposicao do Estado aInquisigio. 0 ctistao-novo, importante na formacio da estrutura econdmica, politica, social € cultural dos arraias evilas, ajudou a construr a feigdo da sociedade e a identidade Palavras-chave: Judcus; Minas Gerais; Didspora; Cristtos-novos; Identidade. Minas Gerais, no seu processo histérico e social, contou com a presenga de diversos grupos étnicos ¢ culturais. Cada qual, constituido na sua propria singularidade e expresso, compartilhou da elaboragao e construgao da iden- tidade mineira, artigo aqui apresentado trata da participagao de um grupo muito sig- nificativo para a composigio das Minas, ja que esteve presente desde a ocupa- ‘Gao da regido, ainda no século XVII: 0 judeu convertido, o cristio-novo. A reflexao sobre a presenga judaica em Minas Gerais, entretanto, deve centrar-se na propria discussio do que é judeu. Zenner (1998) define judeu como uma identidade étnica. Diferentemen- te de protestantes e catélicos, que podem ser referidos como ex-catélicos, 0 judeu nao se tornaex-judeu. arte dvses ntudos foi desenvolvida no proeto “Ctistios-novos na Estrada Real: subsiios para um oteeo interpretativo", do Instituto HstéricoIsraelita Mineiro, com financiamento da Fapemig. rofessorada Pontificia Universidade Calica de Minas Gerais, do Centro Universititio de Belo Horizon tee pesquisadora do Instituto Histrico Isralita Mineiro ‘Gaerne Hira, Blo Horinonte, «8, 1, p88, 1 sr, 2007 Outro ponto importante sobre os judeus em Minas Gerais é a sua situa- sao diasp6rica: apesar da diversidade fisica, cultural elingdistica,! continua- vam compreendendo-se como judeus. Com o iluminismo moderno, o judew da diaspora organiza a sua identidade entre dois pilares: a tradigao, ligada & doutrina religiosa, e a modernidade, vinculada & insergao e aculturacao da grande massa judaica dispersa pelos continentes. A questio da identidade, e particularmente o problema da identidade judaica (ou ‘bem: 0 que éserjudeu?), épassivel de interpretagio como sendo um dos confitos ‘que emergem do triunfo da era do Huminismo (Elightnment, Aufklarung), de sita- -agoes dileméticas entre tradigao e modernidade. (ZIMMERMANN, 1998, p.93) Judeu éconsiderado um “povo" ligado ao sentimento, ora de nagao, ora de grupo étnico, ¢ tem sua identidade construida na diéspora,? quando dei xou a Palestina, espalhou-se pelo mundo e passou a viver nas regides do Me- diterrneo e Europa central. (O judaismo nao pode ser relegado somente ao plano religioso, é um modo de vida, implica a propria identidade que localiza e indica o lugar de cada judeu no mundo.’ Pela halacha (lei judaica), o judeu ja nasce judeu quando filho de mae judia, aquela que se torna responsavel por Ihe repassar 0s valores judaicos ainda no ambito familiar. Ser judeu é uma identidade que o faz sentir-se como alguém que sabe quem é, conhece sua origem e compartilha com seu grupo momentos de fé e posturas de vida. judeu dos primeiros tempos de Brasil e de Minas Gerais tem outra base conceitual: o marranismo. Convertidos no processo moderno da alianga entre Igreja e Estado, os judeus ibéricos, denominados marranos apdsa con versio, dispersaram-se pela Europa, préximo ao Mar Mediterraneo e muitos vieram viver no Brasil. A conversio dos judeus portugueses ao cristianismo e nao sua expulsdo, como no caso espanhol, levou A criagao de uma outra categoria: 0 cristio-novo, "jude da Europa cena crow um dialeto proprio, préximo ao alemao, denominado iiche, 0s judeus «ds peninsula brie ed egiao meditrranicafalavam uma lingua préxima ao espanhol, cham ladino, » Movimento de dspersioinicindo no séeulo TC, durante « dominasio romana na Palestina » Pata Michel Matfesoli,cm Tempor dae trio (1987), 0 judeu representa muito bem essa nogao de povo ‘com identidade propia, “Os deus eram th expressivos numericamente em Portugal quem alguns momentos, poreugulstornou- se sind de judeu. 80 (Gero de tri, Belo Hort, «9, m1, p 3988, 1 se, 2007 assim chamado para diferenciar-se do cristio de nascimento, que gozava de varios privilégios na sociedade lusitana e no desejava partilha-los com os “novos cristaos”. A sociedade ibérica ficou dividida em dois mundos: um visivel e outro secreto. A despeito das leis que proibiam os portugueses cristaos-novos de deixar Portugal, muitos deles vieram clandestinamente paraa América, Esse grupo, em sua relagdo com o Brasil, apresentou singularidades, assim descri- tas por Anita Novinsk ‘Omarranismo foi um fenémeno heterogénco e, em cada regito,o comportamento do marrano era especifco. No Rio de Janeiro, por exemplo,a populagio de origem judaica estava bastante misturada com a sociedade crsta, Eram os cristaos-novos do Rio mais soisticados e educados que do resto do Brasil e tinham aleangado um ppadro mais elevado de vida. © costume de apagar sua origem judaica era muito ‘mais forte no Rio de Janciro que entre os cristaos-novos do norte do Brasil. Mas as ‘perseguigoesinquisitoriais do século XVIII trouxeram muitos de volta o judaismo. Os navos imigrantes de Portugal, apésa descoberta das Minas, também trouxer ‘um florescimento do judalsmo no Brasil. }éna isolada rego da Paraiba, os taba thadorescrstios-novos das grandes plantagdesviviam modestamente.(NOVINSKY, 2001,p.71) A reflexao sobre a presenga judaica em Minas Gerais constitui um dos novos problemas dos quais a historia vai se ocupar com as transformagies paradigmaticas iniciadas na segunda metade do século XX. A historiografia tradicional considera a participagao judaica no processo brasileiro s6 no int- cio do século XX, com a ampliagao da imigracao para o Brasil. Sabe-se hoje que os judeus, a partir do “achamento” do pais, tem marcado sua presenga e dado o seu tom na composigao da sociedade brasileira, Habitos culturais como usar mesa com gavetas, abencoar os filhos, lavar 0 corpo do morto, comer cebola e muitos outros podem ter sua raiz na influéncia judaica. ‘A amplitude do tema: ocupacao das Minas Ger: Aocupagao de Minas Gerais, segundo o Instituto Histérico e Geagefico de S20 Paulo, iniciou-se com o movimento de desbravamento da regiao pelas bandeiras paulistas. ‘Mas, muito antes das bandeiras oficiais (as entradas), jé existiam indicios da presenga de marranos na ocupagao do norte de Minas, Estudiosos do Vale do Jequitinhonha, como Diogo de Vasconscelos, Marcos Fabio Martins de Oliveira, José Maria Alves Cardoso e Luciene Rodrigues da Obra destacam Caderos de Hiri, Belo Horonis, 9, Ul p79-¥8, I sem 2007 vestigios de povoamento do norte de Zoroastro Viana Passos também destaca a presenga de cristaos-novos em Sa- 1as Gerais anteriores ao século XVIIL* bara quando Borba Gato assumiu as lavras de ouro. ‘A presenca de cristdos-novos na ocupacao da regido mineira evidencia~ se nos costumes alimentares, nos rituais de morte, no hébito cotidiano do acender velas, usar mesas com gavetas¢ e no simbolismo e na tradi¢ao, como lendas, superstigdes, medos que marcam o imagindrio de cidades do interior de Minas. (Os cristaos-novos compuseram nas Minas setecentistas um segmento da populagao de homens livres dedicados principalmente as atividades comer- ciais (FERNANDES, 2000). ‘Os caminhos para se chegar as Minas foram muitos, na maioria das vezes picadas abertas na mata, que depois se popularizaram. Os caminhos oficiais levavam a Sao Paulo eao Rio de Janeiro, Podia-se chegar a Sao Paulo por duas vias: transpondo-se a Serra da Mantiqueira ou descendo-se o Rio Tieté. A capital, Rio de Janeiro,’ chegava-se pela rota maritima até Parati (Ca- minho Velho) ou por via terrestre, atravessando campos e cerrados. A via terrestre ou Caminho Novo, da qual um trecho é também conhecido como Estrada Real, construida por solicitagao do governo metropolitano, partia da regido chamada Ressaca, seguia pelo macigo de ligagao entre a Serra da Man- tiqueira e a Serra do Espinhago (pasando pelos municipios de Barbacena, Santos Dumont, Juiz de Fora, Matias Barbosa), descia pelo Rio Paraiba do Sul dai chegava ao mar, continuando por via maritima até a Bafa de Guanabara, onde estava 0 porto do Rio de Janeiro. Alguns desbravadores identificados como cristios-novos teriam entrado por Sao Paulo, junto com as expedigdes oficiais, mas uma parte significativa| teria entrado por Sabaré, chegando as Minas pela via interiorana, acompa- nhando o Rio Sao Francisco e depois o Rio das Velha Gongalves Salvador (1992) destacaa presenca dos cristios-novos no século XVII, localizados “preferencialmente nas capitanias de cima; mas, agora, no » Segundo a hstoriografia tradicional, o norte de Minas comegou ase ocupado quando da decadéncta da exploragao aurea no século XVILL * Acreita-se que serviam para esconder a comida especial do dia-a-di ow das festasjudaca. *0 Caminho Novo aberto por Garcia Paes, criou condigdes para que o Rio de Jancico se firmasse como capital, faciltando o povoamento de Minas Gerais promovenda o desvio dos lcros de Sto Paulo e 0 ‘escoamento do our pelo porto do Rio de Jancico, a ‘Cademos de Hist, Bole Hoveontes 8, mW vem 2007 Rio de Janeiro e nas Minas” (1992, p. 17). Sua origem, segundo o autor, eram a Beira e o Ninho, principalmente Braga, Porto, Lamego e Viana. Fernandes (2000, p. 89) levanta uma documentacao que mostra que a maioria dos cristaos-novos veio da Bahia e se concentrou nos hoje municipios de Serro Frio, Sabar4, Pitangui, Ouro Preto, Mariana, no caminho entre Mi- nas Gerais, Rio Grande do Norte Bahia. O autor observa, entretanto, que os cristdos-novos estavam espalhados por todo 0 territério mineiro, principal- mente nas estradas e entradas das vilas. Salvador cita também o caminho da Bahia como preferencial: (© roteiro da Bahia, embora mais complexo, era mais fil que 0s outros acima escrtos,¢ poristo muito feqientado, inclusive pelos mercadoresde Pernambuco, Houve, no comeco, diversos trihas e estrada, mas em 1730, 0 governo procurou red todos a um s6 com 0 objetivo de eliminar os contrabandos,o que obteve apenas em parte, © caminho oficial saia de Salvador em direga0 a0 local denomina- do Franqueira, de onde se poderia ir ao arraial Matias Cardoso, ex-companheiro de Ferma Dias Pais, estabelecido como fazenda de criagi0 no alto Sio Francisco, e dali se chegava as Minas. Ou, entio, tomando em Franqueira o ramo da esquerda, navegasse pelo Rio Verde até o araial do Borba, jé proximo as Minas do Rio das ‘Velhas, (SALVADOR, 1992, p.27) (apud FERNANDES, 2000) ja havia indicado o caminho da Bahia como mais confortavel e facil. Esse caminho era identificado por “caminho dos emboabas”, em oposigao ao caminho dos paulistas. Outro aspecto apontado por Antonil que reforga a participagao dos cris- ‘ios-novos na ocupacao do territério mineiro é a inexisténcia de capelas nos primeiros arraiais. As localidades fundadas por cristaos-velhos tinham como uma das primeiras construgdes a igreja, mesmo pequena e mal acabada. A auséncia delas indica que, inicialmente, os cristdos-novos buscavam regides mais afastadas, como freguesias moveis. Lima Jr., Gongalves Salvador e Fernandes citam a presenga dos “passado- res” para auxiliar os cristios-novos, emigrados de Portugal e Espanha, atrans- poras fronteiras. Fernandes cita também a publicagao, no estrangeiro, de roteiros organiza dos para os cristios-novos que necessitassem fugir de suas terras para atingir as. minas de ouro e diamantes (entre eles o Itinerdrio Geogréfico, publicado em Sevilha, em 1732, por Francisco Torres de Brito, contendo roteiros e pontos de pouso para cristdos-novos que quisessem fugir da Inquisi¢ao espanhola). Os percursos e itinerdrios, clandestinos ou oficiais, atestam que os cris- taos-novos migraram para as Minas, local aparentemente mais seguro que as = alert de Miia, Belo Horoae, «9,8 10, pO, regides do Nordeste e que ofereceria condigdes de recebé-los. Havia uma di- ferenga marcante entre os colonos de origem judaica e os demais: enquanto ‘0s demais tinham a intengio de explorar para depois retornar a Portugal, os cristaos-novos, com seu perfil desenraizado, nao tinham intengao de voltar. Pelo contrério, viram no Brasil-colénia a oportunidade de construir raizes, de criar uma identidade prépria: vinham para ficar.* Gongalves Salvador (1992) busca nos inventérios asatividades exercidas pe- Jos cristaos-novos: havia alguns sem profissao definida e artesdos. Nas profissoes registradas constam as de mestre de escola, professor de meninos, curtidor de couros, sapateiro, ferreiro, alfaiate, carpinteiro, Hé também os arrendatarios de terra, os que emprestavam dinheiro e os donos de secos e molhados. Segundo Fernandes (2000), os primeiras cristo vas que se fixaram nas Minas desenvolveram atividades secundaria como a “lavoura para ma- nutengio” coma plantagio de milho, feiji0, mandioca e, mais tarde, cana-de- agticar e arroz, Muitos foram comerciantes de ouro e pedras, arrendatarios, proprietirios e posseiros de fazendas, traficantes de escravos. Conhecer a matriz judaica na colonizagao do Brasil importante para co- nhecer a sua hist6ria e compreendera sua formagao étnica. A partir do resgate do passado se fortalece a identidade. A percepeao da origem auxilia a mantera ligagao entre presénte e passado ea compreender o nosso pertencimentoaum grupo, povo ou nago. O passado nos possibilita a localiza¢ao no mundo en- quanto grupo que tem uma hist6ria singular e, portanto, explica a adogao de valores, aspectos culturais, simbolos,ritos e tradigées. Bo que nos faz.compar- tilhar o sentimento de pertencimento e 0 que nos define enquanto ser Na perspectiva oficial, a ocupagio judaica inicia-se com a abertura dos portos as nagdes amigas, em 1808, quando entraram no pais levas de estran- geiros originarios da Europa. A maior ou menor intensidade das migragdes para o Brasil e para as Minas coincide com oaumento do incentivo brasileiro para trairestrangeiros (apoiados, por exemplo, na busca do elemento branco europeu, na metade do século XIX) € também nos fatores externos como as crises diversas e o aumento da diserimina- Gio e perseguigio 0s udeus, evidenciados nos varios pogroms eno holocaust." * Mary Del Priore (1995) aponta que, para os eristios-novos,o Brasil sera como. terra da promissi, + Esterminios programados que ocorreram principalmente na Rsia carina " Genocidio em escala industrial de deus pelo nazismo, durante Segunda Guerra Mundial. aa Gara de Hira, Blo Hatinonte,¥ 9, pa Consideracées finais: a singularidade da presenca judaica em Minas Gerais Desde o sécuilo XVII é possivel constatar povoagoes com indi ipagao dos eri se par- ti tios-novos, Esses marranos inseriram-se socialmente e au- xiliaram na composi¢ao urbana mineira, Com a extragao aurifera em Minas Gerais, muitos elementos, incluindo os de origem judaica (cristaos-novos), foram atrafdos pela possibilidade de enriquecimento répido e conseqiiente insergao soc A constituigdo de irmandades com a participagao de cristaos-novos, por exemplo, éuma forma de ilustrar a busca por enraizar-se, tao importante na modernidade. Era necessério integrar-se e ser aceito pela comunidade maior. Se interessava participar da vida politica, também era preciso manter a iden- tidade. Buscavam-se, assim, formas de adaptagdo que vieram a compor al- guns aspectos da cultura mineira atual. Apés 1702, depois do Regimento do Marqués de Pombal, que determi- nou que as datas de terras passariam a ser conferidas indistintamente a cris- tiios velhos ou novos, verificou-se o comprometimento dos cristaos-novos com aadministragao da regido mineradora. Evidencia-se novamente 0 aspecto moderno do cristio-novo em Minas. A not6ria mobilidade desse segmento da populagao e sua participacao na administragao da capitania indicavam a preocupacio com a inser¢ao social, A participagao em irmandades (que muitas vezes serviam como fachada para a realizagao de cultos judaicos) revela o aspecto subterraneo do cristao- novo eas formas de concretizagao e consolidacio da identidade e do espaco dos elementos de origem judaica na sociedade mineradora. A situagao do cristao-novo em Minas contrapoe-se & das outras regides do Brasil: enquanto no Nordeste 0 judeu convertido vivia escondido, fazen- do ceriménias e tradigdes que os vinculavam a identidade de judeu no ambi- to privado em segredo, Minas desponta para construgao de um espago onde uma vida subterranea, pautada pelo privado e pelo segredo, integrava-se a ‘uma vida piiblica notoria, participante politica e economicamente, e a uma vida social ativa. A ccupagio, densidade demografica, formagao urbana eextensio da capi- tania de Minas Gerais promovem uma sociedade mais dindmica e complexa, ‘mas também mais dificil de fiscalizar, com fronteiras mais porosas e permeé- veis, criando obsticulos aos denunciadores ¢ inquisitores do Santo Oficio. (Gaerne de Hise, Blo Horizonte, 9. 1h, pO-RR sem, 7 as A condigao econdmica privilegiada pela circulagao aurifera possibilita a formagao de um mercado interno significativo, segmentando ainda mais os setores médios da populagao e criando mecanismos para a assimilagio do elemento de origem judaica na capitania: 0 cristao-novo ficou mais longe da situagao de isolamento que caracterizava a economia agroexportadora do Nordeste brasileiro e foi fundamental na construgao da economia minerado- ra. Foi também muito importante no deslocamento do eixo administrativo para o Rio de Janeiro, promovendo a ocupagao eo escoamento do ouro ea entrada de mercadorias por essa cidade. Novinsky (2001) destaca que o volume de bens era uma forma de ingres- s0 dos cristios-novos nas elites locais. No Brasil podia-se “branquear a pele” por meio da riqueza ¢ assim “apagar a mancha” do sangue judeu. Assim, a ocupagdo de Minas Gerais oferecia oportunidade de enriqueci- ‘mento e ascensdo social mais fécil e mais répida que na sociedade agucareira. Osctistaos-novos, espalhados por todo o territ6rio brasileiro eno restante da América, Europa, Asia e Africa, mantinham entre si uma eficiente rede de comunicagao internacional para transages econdmicas, facilitando seu tran- sito econdmico e sua entrada nas Minas. Tinham mais oportunidades porque sua rede se baseava em lagos de confianga familiares. Inseriram-se na econo- mia mineradora e, com a ascensao social promovida pelo sucesso econdmi- co, integraram-se mais a velha cultura crista e foram por cla absorvidos. Em sintese, 0 crist4o-novo, apesar do temor da Inquisi¢ao ainda persis- tir, esteve mais ativo na sociedade mineradora, em concordancia com os ven- tosmodemizantes vindos da Europa. O enraizamento, que localiza, identifica e sistematiza os grupos étnica e culturalmente, facilitado pela auséncia de iso- lamento ¢ de perseguicao constante, promove maior assimilagao. Entretanto, no processo de integracao e assimilacao, o cristio-novo se distancia das raizes que identificam sua origem. Em contrapartida, passa a ‘compor uma sociedade marcada pela religiosidade crista, com a qual nao se identifica nem serd identificado. Mesmo participando socialmente, nao ser integrado, de fato, aos cristios e, portanto, continuard sendo o “diferente” numa sociedade oficialmente crista, A assimilacao vai ao encontro da caracteristica de universalidade do ju- daismo moderno em formagao na Europa, mas ndo enraiza de fato, jé que nao cristaliza a identidade religiosa a que se propde uma modernidade funda- mentalmente doutrinéria. O que acontece com 0s cristaos-novos em Minas ¢ as 9, mT, PION I> em, 2007 tuma constante busca de enraizamento, mas sob formas de adaptagao a socie- dade em formacao. Os cristdios-novos conquistam seu espaco na sociedade e se tornam peca fundamental na construsdo social, econdmica e administrativa. Marcam a consolidagao da cultura mineira, mas permanecem na fronteira, a que, como afirmou Novinsky (1973), continuam na situagao de “homem dividido” (nem reconhecidamente judeu, nem reconhecidamente cristao). Abstract The lewish presence during the settlement of Minas Gerais (a southeast Brazilian State) constitutes the new problems ofthe Brazilian historical production inthe second half of. the 20 century. It appears as a participant of the minciras (inhabitants of Minas Gerais) settlement since the 17 century through the New Christians, ews converted as ‘an imposition fram the state during the Inquisition in Portugal. Lmportant elements in the economic, political, social and cultural development ofthe villages and towns, they helped to build up the mineiros social profile and identity. Key words: The Jews; Minas Gerais; Jewish diaspora; New Christians; Identity. Referéncias CALAINHO, Daniela Buono. Em nome do Santo Oficic: familiares da Inquisicao por- ‘tuguesa no Brasil colonial, Dissertagdo de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, Departa- mento de Histéria, 1992. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito racial no Brasil Coldnia, Sao Paulo: Brasi- liense, 1983, FERNANDES, Neusa. 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