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Bárbara Birney: a cartomante sádica das velas de cera vermelha

Nos arredores de um centro urbano açoitado pelo sol, morava uma cartomante misteriosa.
Seus olhos de segredo atraíam tantos quanto passavam por sua modesta tapera que era
tão misteriosa quanto sua moradora. As juremas que se erguiam na paisagem seca
denunciavam a escassez de sua terra numa dicotomia sombria de calor e esperança. A
cartomante distribuía profecias e revelava amores, apontava sucesso e fracasso, enfim, a
sorte.

Num dia quente como todos os outros, surgiu um homem, desesperado por sucesso e
amor, incompreendido. Apostando todas as suas fichas na cartomante.

Bateu-lhe a velha porta timidamente numa hesitação natural de alguém que não
compreende a vida:

- É aqui a casa da vidente?

Bárbara Birney estava tratando algumas plantas nativas da caatinga na produção de


extratos medicinais e, de imediato, largou seus afazeres com uma má vontade de alguém
que não queria levantar das suas plantas para tratar com outro humano que lhe aparecesse
à porta e, numa singular simpatia respondeu-lhe:

- Aqui, na verdade, é a casa da cartomante. Se eu fosse vidente teria saído de casa


antes de você chegar, para evitar o desprazer de sua presença. Diga-me, agora, em
curtas palavras, quantas gotas precisam para revelar a natureza de um homem?

Atordoado, o homem não entendeu a pergunta e ficou espantado com a resposta sutilmente
agressiva.

- eu… eu… não sei que gotas… meu nome é Abaeté, me indicaram seus serviços, eu
só procuro resposta.

A porta rangeu e abriu de leve, do pequeno espaço saltaram os olhos da cartomante que
observou o sujeito de cima à baixo:

- Oooh, perdão, meu belo sujeito! Pelo som de sua voz, achei que fosse um outro
rapaz que anda a me perturbar constantemente, venha, entre para cá, fale-me das
suas angústias.

A figura do homem que se erguia à frente da tapera era de um sujeito de razoável estatura,
olhos pretos gritantes, cabelos amarrados, pele indígena e uma mistura de sobriedade e
desespero que tomava conta de seu semblante.

Abaeté entrou nos aposentos modestos e quentes da cartomante. Bárbara Birney, adquiriu
uma simpatia súbita e ofereceu-lhe uma bebida de chá que estava tirando do fogo de lenha
naquele exato momento.
O homem sentou-se num tamborete, que era tão velho quanto a tapera e cravou os olhos
no contraste entre a beleza da cartomante e o cenário sombrio e misterioso da tapera da
que o cercava. Abaeté, num instante, esqueceu-se até do motivo que o levara até a casa da
cartomente, de tão admirado com sua beleza.

A cartomante era uma jovem mulher, com um vestido de seda caindo abaixo de seus
joelhos, um rosto de traços fortes e intimidadores, sobrancelhas arqueadas e tantos anéis e
colares que Abaeté não foi capaz de contá-los, pois seus olhos não desviavam dos olhos da
jovem cartomante.

Abaeté tomou um gole de sua bebida:

- Cartomante, ando muito angustiado. Sinto que minha vida não está indo a lugar
nenhum. Os anos se passam, amores vêm e desaparecem, minha carreira não
prospera, quero respostas, quero que me dê uma solução, me aponte um saída.

Barbara Birney cruzou as pernas segurando seu baralho entre as mãos enquanto refletia na
figura do homem e suas palavras. Para ela, todos os sujeitos que ali entravam eram
pessoas que buscavam caminhos fáceis na vida e respostas prontas. Após um curto
momento de silêncio…

- Tome mais um gole do seu chá!

O homem bebeu o resto que havia na xícara e colocou-a no chão, perto do tamborete.
Imediatamente começou a sentir um peso em suas pernas, como de alguém que acabou de
acordar. Em poucos segundos seus olhos pesaram… toda a estatura do sujeito não resistiu
as especiarias da cartomante e Abaeté estendeu-se no chão da tapera num sono profundo.

Bárbara Birney levantou-se rapidamente e tratou de preparar o cenário.

Ao acordar, Abaeté percebeu que estava nu e amarrado com as costas para cima sob uma
mesa de madeira na sala da cartomante, com os braços amarrados por baixo do corpo e
uma corda prendendo seu corpo à mesa. Com uma sensação de que estava sonhando ele
balbuciou perguntando o que estava acontecendo e a cartomante não se pronunciou.

Para Bárbara Birney não era mais um sujeito que estava à mesa. Ele se tornara agora um
objeto de manuseio, tal qual suas especiarias. Palavras e movimentos não eram capazes
de despertar a consciência sádica da jovem e bonita cartomante de sobrancelhas
arqueadas.

As plantas nativas da qual falei no início, era uma mistura de raízes psicotrópicas que a
cartomante misturou com cera e corante para fabricação de suas velas vermelhas. A cera
derretida, ao entrar em contato com a pele, dilatava os poros e permitia que a substância
penetrasse o corpo até a corrente sanguínea do sujeito que, por sua vez, alcança seu
cérebro, produzindo sensações de dores e desespero que faziam com o que o sujeito
tivesse alucinações de tanto sofrimento, entre intervalos de lucidez e verdade, delírios e
loucuras.

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