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ASPECTOS PONTUAIS DA EXECUCAO EXTRAJUDICIAL NA ALIENACAO FIDUCIARIA DE BENS IMOVEIS INDIVIDUAL ISSUES IN FIDUCIARY OWNERSHIP EXTRAJUDICIAL ENFORCEMENT IN REAL ESTATE Pauto Cesar Batista Dos SANTOS Juiz de Direito Assessor da Corregedoria Geral da Justiga do Tribunal de Justica de S80 Paulo, biénio 2018/2019. Mestrando pela Universidade de Samford/EUA Especializando em Direito Registral e Notarial/EPM ‘Anes 0 omr0: Civil Resumo: O presente artigo tem o objetivo de abordar alguns aspectos sobre a execugdo ex- trajudicial na alienagao fiducidria de bens imo- veis. A alienagdo fiducidria impacta diretamente no direito do devedor fiduciério, no direito do proprietario fiduciante ¢, consequentemente, na economia de todo pais. Por isso, ¢ relevante a discussio acerca da sua execucso extrajudicial, sua natureza juridica, a legislagdo aplicavel ¢ seu impacto no registro de imdvels, esseniciais no direito notarial registral brasileiro. Pavavaas-ciave: Alienacao fiduciaria ~ Bens imé~ veis ~ Natureza juridica ~ Execucdo extrajudicial. Pés-graduado pela Escola Superior do Ministerio Publico Federal, Brastlia/OF. pebsantos@tispjus.br Data do Recebimento: 26.03.2018 Data de Aprovago: 27.03.2018 Ansraact: This article aims to address some aspects of fiduciary ownership extrajudicial enforcement in real estate. The fiduciary ‘ownership in real estate directly impacts the debtor situation, in the right of the fiduciary ‘owner and in the entire economy of a nation. That's the reason why it is relevant to making discussion about the extrajudicial enforcement, it’s legal nature, applicable legislation and it’s impact in real estate registration service, essential in notarial law and Brazilian registra. Kerworos: Fiduciary ownership ~ Real estate ~ Legal nature - Extrajudicial enforcement. Suvi: 1. Introdugao. 2. Propriedade fiduciaria, 3. Execucdo extrajudicial, Intimagao do devedor. 4. Impossibilidade de suspensdo da execug3o administrativamente. 5. Do leildo do imével dado em garantia, 6. Referencias bibliograficas. Swos, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuals da execugao extrajudicial na alienagdo fidueiria de bens imoveis Revista de Direito imobilirio. vol. 84, ano 41. p. 479-494, Sdo Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2018. 480 Revista ve Dinero IMosiuiARio 2018 ® RD/ 84 1. IntrobUcAo A alienacao fiduciaria de bens imoveis, muito embora ja conte com 20 anos de idade, nao foi utilizada como garantia de contratos principais logo no inicio da vigéncia da legislacdo regente. Havia certo receio quanto a sua aplicacao. © franco desuso da hipoteca, contudo, contribuiu para o crescimento da alienacdo fiducidria em garantia, principalmente nos contratos submetidos ao Sistema Financeiro da Habitacdo, passando a ser bastante utilizada pela Caixa Econdmica Federal. Conceitualmente, a alienacao fiducidria ¢ 0 negécio juridico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferéncia ao credor, ou fiduciario, da propriedade resolivel de coisa imével, nos exatos termos do art. 22 da Lei 9.514/97 O contrato de alienacao fiducidria pode ter por objeto também outros direi- tos reais, nao so o direito de propriedade'. Alem disso, a alienacao fiduciaria pode garantir qualquer espécie de obriga- cdo, nao apenas a obrigacao contida num contrato de compra e venda de bem movel ou imovel. Ela tem sido muito utilizada como garantia de contratos de mutuo repre- sentados pelas cédulas, como cédulas de crédito rural, industrial, imobiliério, bancario etc. As relacoes juridicas que vao se estabelecer nos contratos de alienacao fidu- cidria, no que diz respeito ao Direito das Coisas, podem ser divididas em trés momentos principais’. Num primeiro momento, tem-se a criacao da propriedade fiduciaria, de natureza resoliivel, ou seja, a transferencia do patrimonio do devedor para 0 credor. Esse nascimento da propriedade fiduci se dé com 0 registro do tftu- lo na serventia imobiliaria. O segundo momento, ¢ talvez uma das razoes de grande sucesso no uso da garantia fiduciaria, é o desdobramento da posse, quando entao o devedor passa a exercer a posse direta sobre a coisa dada em garantia, ao passo que o credor permanece na posse indireta. . § 1°, do art, 22, da Lei 9.514/97 e item 230, do Capitulo XX, das Normas de Servigo Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiga de Sao Paulo. 2. Eaqui nos referimos ao Direito das Coisas exatamente porque esses momentos relevan- tes na alienacao fiduciaria envolvem tanto Direitos Reais como a propriedade e a Posse. ‘Sus, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execuc&o extrajudicial na alienacao fiduciaria de bens imoveis Revista de Direito Imobiféri, vol. 84. ano 41. p. 479-494, Sdo Paulo: Ed. RT, janjun. 2018, Auenacdo Finucidaia oe Bens Imavets - 20 Anos oa Lei 9.514/1997 481 O terceiro momento principal é a consolidacgao da propriedade plena, seja em favor do devedor, com a respectiva quitacdo e implemento da clausula re- solutiva, seja em favor do credor, uma vez consolidada a mora. E qual seria o titulo a ser levado ao registro de imoveis? De uma maneira bem simples, 0 que ¢ levado a registro na alienacao fi- duciaria é exatamente 0 contrato acess6rio de constituicéo de propriedade fiduciaria, ou seja, o instrumento de negocio juridico entabulado entre credor e devedor, que poder ser feito por instrumento ptblico ou particular, com efeitos de escritura publica? O principio da territorialidade, como nao poderia deixar de ser, também esta presente na alienacao fiduciaria, de modo que € competente para registro do contrato de alienacao fiducidria a serventia imobilidria da cireunscrigao do imovel, conforme também 0 art. 23 da Lei 9.514/97*. Algumas vantagens fizeram com que a alienacao fiduciaria em garantia de bens imoveis, finalmente, ganhasse forca. Ao contrario da tao desvirtuada hipoteca, pesa a favor da alienacao fiducia- ria, por exemplo, o fato de o credor fiduciario nao precisar reivindicar qual- quer direito de preferéncia ou sequela em caso de concurso de credores, ja que a propriedade ja é do proprio credor, nao se subordinando, a rigor, a qualquer espécie de crédito privilegiado. Tambem € vantagem, como dito, o fato de o contrato poder ser feito livre- mente por instrumento particular, com efeitos de escritura ptiblica?, indepen- dentemente do valor do imovel, sem se falar no procedimento de execucao extrajudicial, retirando do poder Judiciario as tao custosas interminaveis execucdes € expropriacées. A disciplina da alienacao fiduciaria de bens iméveis, como ja adiantado, é a Lei 9.514/97, com modificagoes trazidas por leis posteriores. De forma supletiva, os principios aplicaveis a alienagao fiduciaria estao no Codigo Civil, no capitulo referente a propriedade fiduciaria (arts. 1.361 a 1.368-B). 3. Art. 38. Os atos contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicagdo, mesmo aqueles que visem a constituicdo, transferencia, modificagdo ou renuincia de direitos reais sobre iméveis, poderao ser celebrados por escritura publica ou por instrumento particular com efeitos de escritura publica, 4. Art, 23. Constitui-se a propriedade fiducidria de coisa imével mediante registro, no competente Registro de Imoveis, do contrato que Ihe serve de titulo 5. Vide também item 235 do Capitulo XX das Normas de Servigo Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justica de Sao Paulo. ‘Stvtos, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execugao extrajudicial na alienacdo fiduciéria de bens imoveis. Revista de Direito Imobilidrio. vol. 84. ano 41. p. 479-494. S80 Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2018, 482 Rewsta pe Diretro IMosiuario 2018 @ RDI 84 Nas Normas de Servico da Corregedoria Geral da Justica de Sao Paulo, a disciplina da alienagao fiduciaria se encontra atualmente nos itens 230 e 262 do Capitulo XX. A Lei 9.514/97, em verdade, regulamentou o Sistema Financeiro Imobilia- rio — SFI, mas a alienacao fiduciaria possui autonomia, aplicando-se fora do ambito do SFI Houve também recentes modificacdes na disciplina legislativa da aliena- cdo fiducidria com 0 advento da Lei 13.465/2017, que disciplinou, alem da propriedade fiduciaria, diversos outros institutos da area dos registros de imoveis. Ha intimeros desafios envolvendo a alienacdo fiduciaria; a maioria deles se da, ao menos no primeiro momento, nos balcdes dos Registros de Iméveis espalhados pelos grandes centros. Entre tantos problemas, podemos citar questées de especializacao do direito de garantia, momento da purgacao da mora, vencimento antecipado da dfvida, existéncia ou nao de novacdo em aditamentos contratuais, indisponibilidade de bens, prazo de caréncia, clausula mandato, prazo para requerimento de averbacao da consolidacao da propriedade e leildo, no caso de inadimplemento do devedor fiduciante, além de tantos outros. 2. PROPRIEDADE FIDUCIARIA A propriedade fiduciaria ¢ resohtivel, ou seja, sujeita a uma condicao reso- lutiva, que é o cumprimento da obrigacao estampada no contrato principal. Como dito, a propriedade fiduciaria nao € absolutamente plena. Quando implementada a referida condicao, ou seja, cumprida a obrigacao, a proprieda- de fiduciatia simplesmente se resolve. Na contagem dos prazos do contrato de alienacao fiduciaria, exclui-se 0 dia do comeco e inclui-se o dia do vencimento. Encerrando-se 0 prazo regu- lamentar em sabado, domingo ou feriado, prorroga-se para o primeiro dia til subsequente®. Em recente decisao da Corregedoria Geral da Justica de Sao Paulo, restou assentado que os prazos no ambito dos servicos extrajudiciais sao contados em dias corridos’. 6. Item 261, do Capitulo XX, das Normas de Servico Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justica de Sao Paulo 7. Vide subitem 19.1, Capitulo XII, do Tomo II, das Normas de Servico. ‘Su05, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execugao extrajudicial na alienagao fiduciaria de bens iméveis. Revista de Direito Imobiliério, vol. 84. ano 41. p. 479-494, So Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2018, Auenacdo FipuciAria d& Bens Imdveis - 20 Anos pa Le 9.514/1997 O Cédigo Civil trata da propriedade fiduciaria dentro do Titulo III como espécie do direito de propriedade, muito embora, em sua esséncia, seja verda- deiro direito real de garantia A propriedade fiduciaria constitui-se, do ponto vista obrigacional, pelo contrato de alienacao fiduciaria e, como direito real, pelo registro do con- trato na matricula do imével dado em garantia. Trata-se de contrato que sera sempre acessorio ao contrato principal em que se constitui a obrigacao garantida. Por se tratar de um contrato tipico, o instrumento da alienagao fiducia- ria em garantia, que sera o titulo apresentado no Registro de Imoveis, devera obrigatoriamente conter as exigéncias do art. 24 da Lei 9.514/97%. E sera esse artigo que ira pautar a qualificacao feita pelo Registrador, que deve observar a especializacao objetiva e subjetiva, aplicavel a qualquer direito real de garantia (art. 1.424 do Cédigo Civil) Tudo isso também esta previsto no item 236, do Capitulo XX, das Normas de Servico Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justica de Sao Paulo. A cor- reta especializacao é uma garantia ao credor, ao devedor € a terceiros. A propriedade fiduciaria, como dito, nao é plena; 0 proprietario fiduciario sequer tem a posse direta sobre o bem. Alias, é obrigatério que o contrato de alienagao fiduciaria permita o uso do bem pelo devedor fiduciante. © Codigo Civil, em seu art. 1.367, manda aplicar a propriedade fiduciaria os mesmos principios gerais dos direitos reais de garantia (1.419 a 1.430) Contudo, quando a Lei geral disser 0 contrario, prevalecera 0 principio da especialidade, devendo ser aplicada a Lei 9.514/97. 3. EXECUCAO EXTRAJUDICIAL. INTIMACAO DO DEVEDOR Como dito anteriormente, uma das grandes vantagens da alienacao fiducid- ria esta na possibilidade de utilizacdo da execugao extrajudicial. 8. Art. 24. O contrato que serve de titulo ao negécio fiduciétio contera: 1 - 0 valor do prin- cipal da divida; Il - 0 prazo e as condicées de reposicao do empréstimo ou do crédito do fiduciario; III - a taxa de juros € os encargos incidentes; IV ~ a clausula de cons- tituicao da propriedade fiduciaria, com a descrigao do imavel objeto da alienacao fiduciaria e a indicagao do titulo e modo de aquisicao; V a clausula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilizacao, por sua conta ¢ risco, do imovel objeto da alienacio fiduciaria; VI — a indicacdo, para efeito de venda em publico leilao, do valor do imovel e dos critérios para a respectiva revisio; VII - a cldusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27. ‘Suios, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execucao extrajudicial na alienacdo fiduciéria de bens imdveis. Revista de Direita Imobilirio. vol. 84. ano 41. p. 479-494, Sao Paulo: Ed, RT, jan -jun. 2018, 483 484 Revista DE DiReiro IMoaiuario 2018 ¢ RDI 84 A execucao da alienacao fiduciaria esta prevista nos arts. 26, 26-A e 27 de Lei 9.514/97, com modificacoes da Lei 13.465/2017, regida também pelas Normas de Servigo Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justia de Sao Paulo. Se a obrigacio objeto do contrato principal for cumprida (em regra, quita- cdo da divida), o registro da propriedade fiduciaria sera cancelado, por averba- cao, e o devedor fiduciante tera direito real a propriedade plena, e nao apenas a um direito pessoal obrigacional. A rigor, o que o Registro de Iméveis averba € 0 cancelamento da alienagao fiduciaria em garantia (direito real imobiliario), e nao exatamente a quitacao da divida em si (direito obrigacional pessoal). A quitacao € 0 pressuposto para © cancelamento da alienacao fiduciaria, mas a quitacdo, por si s6, nao tem na- tureza de direito real imobiliario. Assim, cumprida a obrigacdo, o direito do devedor fiduciante é real, nos ter- mos do art. 1.368-B do Codigo Civil e, por ter natureza real, precisa ser levado a registro junto & matricula do imovel. Se assim nao o for, nao existira direito real de proprietério fiduciario Entrando o devedor em mora, entretanto, o credor ira solicitar a sua notifi- cacdo, para que haja a purgacdo da mora. Protocolado o pedido de intimacao do devedor fiduciante para a purgacao da mora, é muito comum haver dificuldades para a sua localizagao, seja porque ha ocultacao, seja porque, de fato, o escrevente autorizado nao logrou éxito em localiza-lo. As notificagdes sao feitas pelo proprio Registro Imobiliario ou pelo servico de Registro de Titulos e Documentos. Por vezes, o devedor, embora localizado, recusa-se a dar seu ciente, subs- crevendo a intimacao, o que também deverd ser devidamente certificado pelo escrevente autorizado, sendo considerada perfeitamente valida essa intimacao. O subitem 252.4, do Capitulo XX, das Normas de Servico da Corregedoria Geral da Justica, assim dispoe: 252.4. Considerar-se-a intimado o devedor que, encontrado, se recusar a assinar a intimacdo, caso em que o Oficial certificara 0 ocorrido. E, de fato, assim deve ser, j4 que se trata de intimacao realizada por agente que goza de fé publica, com presuncio de veracidade aos fatos devidamente certificados que, se de acordo com o que prescrevem a Lei 9.514/97 e as Normas de Servico da Corregedoria Geral da Justica, nao havera qualquer irre- gularidade a ser reconhecida ‘Shas, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuals da execugdo extrajudicial na alienagao fiduciaria de bens imoveis Revista de Dreito Imobifdrio, vol. 84. no 41. p. 479-494, Sdo Paulo: Ed. RT, jan-iun, 2018, Auenacao Finuciaia dé Bens Imovers - 20 Anos pa Lei 9.514/1997 4. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSAO DA EXECUCAO ADMINISTRATIVAMENTE Imaginemos que o credor fiduciario protocole solicitacao visando a consti- tuicdo do devedor em mora Neste interim, ¢ protocolado pedido de suspensao da constituicdo em mora, tendo em vista a propositura de acoes judiciais discutindo o contrato. Consoante sedimentado pela Corregedoria Geral da Justiga de Sao Paulo, em parecer da lavra do Ilustre Juiz Assessor Luciano Goncalves Paes Leme e aco- Ihido pelo E, Desembargador Pereira Calcas, em demanda em que se pretendia cancelar a averbacao de consolidacao da propriedade pelo credor fiduciario, “nao cabe, aqui, neste ambiente administrativo, fora do processo contencioso, examinar a validade e a eventual abusividade de clausulas contratuais””. Nao é dado ao devedor pleitear, administrativamente, a suspensao da inti- macao para pagamento do débito, do prazo para purgar da mora ou dos efeitos decorrentes da falta de purgacao. Isso porque 0 procedimento extrajudicial previsto na Lei 9.514/97 para a constituigao do devedor em mora e a consolidacao da propriedade em favor do credor fiduciario nado comporta a instauracao de contraditorio entre as partes para a discussao sobre a validade da garantia ea existéncia do débito. Isso nao impede, naturalmente, que 0 devedor proponha as acées que en- tender cabiveis para, em procedimento jurisdicional, com contraditorio e am- pla defesa, discutir cldusulas contratu Alias, € até comum a propositura de agdes de prestacao de contas, posses- sorias ou anulatorias, perante a Justica Estadual ou Federal; nesse tiltimo caso, quando a Caixa Economica Federal for o agente financeiro. Como se sabe, a esfera administrativa tem alcance restrito, nao se prestando para a solucdo de litigio relativo a existéncia de débito ou a validade da garan- tia constituida em favor do credor'®. O pagamento do débito em atraso também deve ser operado no Registro de Iméveis e nao no estabelecimento bancario do credor. 9. Vide Apelacao Civel nos Autos 0006918-55.2016.8.26.0100, Dj 11.10.2016. 10. A Corregedoria Geral da Justica de Sao Paulo ja se manifestou sobre o tema: “Aliena- do fiducidria de bem imével — Devedor que, intimado pelo Sr. Oficial para purgacao da mora, pretende a suspensio do procedimento para debater, administrativamen- te, aspectos da divida - Impossibilidade, 4 mingua de previsio legal - Procedimento previsto pelo art. 26 da Lei 9514/97 que apenas prevé, na esfera extrajudicial, possi- bilidade de purgacao integral da mora — Pretensio de reducao da divida que s6 tem cabimento no ambito judicial — Recurso Desprovido.” (Parecer apresentado pelo MM. ‘Sutos, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execucaa extrajudicial na alienacdo fiduciaria de bens imaveis, Revista de Direito Imobilidrio. vol. 84. ano 41. p. 479-494, So Paulo: Ed, RT, jan.jun. 2018 485 486 Revista ve Dinero Imosirio 2018 @ RDI 84 Primeiramente, verifica-se que o texto da Lei ¢ expresso ao dizer que a pur- gacdo da mora ocorrera no Registro de Iméveis, nao sendo aceito o pagamento, ao menos administrativamente, em local diverso do estabelecido. O art. 327 do Codigo Civil estabelece que o pagamento, no que se inclui a purgacdo da mora, “sera efetuado no domicilio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrario resultar da lei, da natureza da obrigacao ou das circunstancias”. Assim, o § 5°, do art. 26, da Lei Regente, mencionado fixa 0 Registro de Im6veis como o local adequado para os fiduciantes purgarem a mora Assim, o pagamento efetuado em local diverso nao tera o condao de cessar 08 seus efeitos que poderao resultar em consolidacao da propriedade em nome da fiduciaria. 5. Do LeILAO DO IMOVEL DADO EM GARANTIA Uma vez consolidada a propriedade, no caso de inadimplemento absoluto, surge agora uma obrigacao para o credor: ele devera promover o leiléo!! pi- blico para venda do imével, nos 30 dias subsequentes a data da averbacio da consolidacao da propriedade"”. Juiz Assessor da Cortegedoria, Dr. Iberé de Castro Dias, no Recurso Administrativo 1004756-32.2016.8.26.0533, aprovado pelo Exmo. Corregedor Geral da Justica, Des. Pereira Calcas, j. 05.07.2017.) 11. Diz Melhim Chalhub: “O leilao foi eleito pelo legislador como meio de conversao do bem em dinheiro, destinando-se o produto arrecadado ao acertamento de have- res entre as partes, mas nada impede que, em circunstncias especiais, outro meio seja eleito pelas partes para alcancar 0 mesmo objetivo de acertamento de haveres, desde que os interesses do credor ¢ do devedor sejam preservados ¢ que a alter nativa eleita pelas partes nao importe em fraude de execucao ou contra credores [...] Em suma, considerando que sao os proprios antigos prestadores de garantia € a antiga devedora que tém interesse em dispensar a realizacdo do leiléo, porque precisam de maior prazo para obter recursos necessérios & reaquisigao dos imoveis, €, mais, considerando, ainda, o precedente da propria Lei 9.514/1997, que dispensa © leilao na hipstese de dacao em pagamento, nao ha duvida de que ¢ também ad- misstvel outro modo de acertamento de haveres que importe em extingao da df da, desde que com a participagao dos interessados.” (CHALHUB, Melhim Namen Alienacao Fiducidria, Incorporacao Imobilidria ¢ Mercado de Capitais - Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 132/134.) 12. O Oficial do Registro de Imoveis nao tem qualquer obrigacao de controle sobre ele, nos termos do item 259, do Capitulo XX, das Normas de Servico Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justica de Sao Paulo. ‘Shoes, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos vontuais da execugdo extrajudicial na allenapdo fiducidria de bers iméveis, Revista de Direito Imobilirio, vol. 84. ano 41. p. 479-494, Sao Paulo: Ed. FT, jan.-jun, 2018, Auenacéo Fioucisia 0 BENS Indveis ~ 20 Anos oa Le 9.514/1997 487 Ainda existe intenso debate quanto a possibilidade de purgacao da mora apos a consolidacao da propriedade. Contudo, trata-se de tema que foge ao escopo deste artigo, muito embora mereca ainda minuciosa andlise, especial- mente para que se evite o esvaziamento do sentido legal quanto ao momento- -limite para que ocorra essa purgacao. Consolidada a propriedade, com efeito, nao haveria mais que se falar em purgacdo da mora, j4 que ultrapassados 0 momento previsto em Lei e 0 prazo da notificagao. Contudo, ha diversas decis6es judiciais permitindo essa purgacdo apos a con- solidagao da propriedade, inclusive no ambito do Superior Tribunal de Justica”. A consolidacao da propriedade plena, que antes era ato de registro, agora € objeto de averbacao, por modificagdo dada pela Lei 13.465/2017", feita a 13, Recurso especial. Alienacao fiduciaria de coisa imével. Lei 9.514/1997. Quitacao do dé- bito apés a consolidagao da propriedade em nome do credor fiduciario. Possibilidade. Aplicagao subsidiéria do Decreto-Lei n. 70/1966. Protegio do devedor. Abuso de direi- to. Exercicio em manifesto descompasso com a finalidade. 1. E possivel a quitacao de debito decorrente de contrato de alienacdo fiduciria de bem imével (Lei 9.514/1997), apés a consolidagao da propriedade em nome do credor fiduciario. Precedentes. 2. No ambito da alienacao fiduciaria de iméveis em garantia, 0 contrato nao se extingue por forca da consolidacao da propriedade em nome do credor fiduciario, mas, sim, pela alienacao em leilao publico do bem objeto da alienagao fiduciaria, apos a lavratura do auto de arrematagao. 3. A garantia do direito de quitacao do débito antes da assinatura do auto de arrematacao protege o devedor da onerosidade do meio executivo e garante ao credor a realizacdo de sua legftima expectativa ~ recebimento do débito contratado. 4. Todavia, caracterizada a utilizagao abusiva do direito, diante da utilizagao da ina- dimplencia contratual de forma consciente para ao final cumprir o contrato por forma diversa daquela contratada, frustrando intencionalmente as expectativas do agente fi- nanceiro contratante ¢ do terceiro de boa-fé, que arrematou o imével, afasta-se a inci- dencia dos dispositivos legais mencionados. 5. A propositura de ago de consignacio, sem prévia recusa do recebimento, inviabilizou o oportuno conhecimento da pretensio de pagamento pelo ctedor, ensejando o prosseguimento da alienacao do imével ao arre- matante de boa-fé. 6. Recurso especial nao provido. (STJ, REsp 1.518.085/RS, rel. Min. Marco Aurelio Bellizze, 3* T., j. 12.05.2015, DJe 20.05.2015.) 14. Art. 26. [...] § 7° Decorrido 0 prazo de que trata o § 1° sem a purgac3o da mora, o oficial do compe- tente Registro de Iméveis, certificando esse fato, promoveri a averbagio, na matricula do imével, da consolidacao da propriedade em nome do fiduciario, a vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissio inter vivos e, se for 0 caso, do laudémio. Art. 26-A. Os procedimentos de cobranga, purgacio de mora € consolidacao da pro- priedade fiduciaria relativos as operacées de financiamento habitacional, inclusive as ‘Shuts, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execucdo extrajudicial na alienagdo fiduciaria de bens imoveis. Revista de Direito Imobiirio. vol 84. ano 41. p. 473-494, Sao Pavio: Ed. A, an.-jun. 2018 488 Revista be Dinero ImoaitiArio 2018 ¢ RD/ 84 requerimento do credor fiduciario, com o pagamento do ITBI, nos termos do item 256, do Capitulo XX, das Normas de Servico Extrajudicial da Corregedo- ria Geral de Justiga de Sao Paulo. O leilao, contudo, est dispensado caso a propriedade tenha sido con- solidada por efeito da dacao em pagamento, nos termos do art. 26, § 8°, da Lei 9.514/1997. Também nao havera leilao se o fiduciante quiser retomar o bem, exercendo seu direito de preferéncia, pelo preco correspondente ao valor do saldo deve- dor, mais encargos. E necesséria a intimacao pessoal do devedor fiduciario quanto a ocorréncia do leiléo, conforme vem decidindo reiteradamente 0 Superior Tribunal de Justiga'?. Para ocorréncia do leilao, sera preciso a publicacao de editais, publicados por trés vezes, com antecedéncia de pelo menos dez dias da data designada para o leilao. A publicagao devera ocorrer em jornal de grande circulacao, no foro da situacao do imével, ou, se nao houver, no jornal da comarca mais proxima. O termo “grande circulacao” sempre gera debates na jurisprudéncia, jé que se trata de clausula muito aberta, de dificil delimitacao quanto ao seu real significado. Naturalmente, nao € preciso que seja jornal de renome nacional, ou mesmo estadual, mas deve haver uma tiragem minima que assegure que havera a publicidade, que impoe para amplo conhecimento, sobre o leilao que ira ocorrer. operacdes do Programa Minha Casa, Minha Vida, institufdo pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralizacto de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se as normas especiais estabelecidas neste artigo. § 1° A consolidagao da propriedade em nome do credor fiducidrio sera averbada no registro de iméveis trinta dias apés a expiragio do prazo para purgagao da mora de que trata o § 1° do art, 26 desta Lei. 15. Agravo regimental no recurso especial, Civil e processual civil. Agdo anulatoria de leilao extrajudicial, Lei 9.514/97. Alienacio fiduciaria de coisa imével. Notificacio pessoal do devedor fiduciante, Necessidade. Precedente especifico. Recurso espe- cial parcialmente provido. 1. “No ambito do Decreto-Lei 70/66, a jurisprudencia do Superior Tribunal de Justica ha muito se encontra consolidada no sentido da ne- cessidade de intimacao pessoal do devedor acerca da data da realizacto do leilto extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei 9.514/97.” (REsp 1.447.687/DE rel. Min, Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.08.2014, DJe 08.09.2014.) 2, Agravo regimental desprovido, (STJ, AgRg no REsp 1367704/RS, rel, Min, Paulo de Tarso Sanseverino, 3* T., j. 04,08,2015, DJe 13.08.2015.) ‘aus, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuals da execugao extrajudicial na alienagao fiduciaria de bens imBveis. Revista de Direito Imobifiério, vol. 84. ano 41. p. 473-494, Sdo Paulo: Ed. RT, jan.-un. 2018, ‘Auenacdo FiouciARia D& Bens Imdvers - 20 Anos oa Le 9.514/1997 489 Também jé houve hipotese em que se publicaram editais em jornal do domicilio do devedor, mas nao no local do imével, o que nao atendia ao co- mando legal, que impoe a publicagao na situagao do imovel, nada impedindo que se faca, também, no domicilio do devedor, mas nao apenas nele. A Corregedoria Geral da Justica de Sao Paulo ja decidiu que pequenos ertos materiais em editais de leilao, que tenham sido corrigidos posteriormente ou que nao comprometam a perfeita identificagao do imovel, nao serao motivo bastante para se obstar a averbacdo dos editais de leiles negativos, referentes ao procedimento de consolidacao da propriedade fiduciaria. Tais equivocos seriam, por exemplo, pequenas imprecisdes quanto & metra- gem, especialmente se constar do edital que se trata de perimetro aproximado, ou erro material quanto a quadra, visto que os demais dados estariam corretos, nao gerando impugnagao e nenhum prejuizo aos interessados'”. A previsio legal do leilao ¢, a rigor, em beneficio do devedor fiduciante, para que seja vedado 0 maléfico pacto comissorio, nao admitindo a Lei que o credor fique com o imovel sem antes tentar vendé-lo em leilao!”. Também o leilao ¢ impositivo em beneficio do devedor fiduciante, para que ele tenha oportunidade de readquirir 0 imével do antigo credor fiduciante, podendo, inclusive, exercer seu direito de preferéncia, com as alteragdes da Lei 13.465/2017". 16. Processo CG 175465/2013, parecer da Juiza Ana Luiza Villa Nova, aprovado pelo E. Corregedor Hamilton Elliot Akel. 17. 088°, do art, 26, da Lei 9.514/97, dispensa o leilao, caso haja termo de quitagao da divida entregue ao devedor. O termo de quitacao, assim, tem natureza meramente declaratoria, ja que a quitacao em si ja transfere ao devedor fiduciante a proprieda- de plena, 18. Art. 26-A. Os procedimentos de cobranca, purgacao de mora e consolidagao da proprie- dade fiduciaria relativos as operagdes de financiamento habitacional, inclusive as ope- rages do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituido pela Lei 11.97, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralizagao de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se as normas especiais estabelecidas neste artigo. |..] 8 2° B. Apés a averbacto da consolidacao da propriedade fiduciaria no patrimonio do credor fiduciario e até a data da realizacao do segundo leilao, ¢ assegurado ao devedlor fiduciante o direito de preferencia para adquirit imovel por preco correspondente ao valor da divida, somado aos encargos e despesas de que trata 0 8 2° deste artigo, aos valores cor- respondentes ao imposto sobre transmissato inter vivos ao laudemio, se for o caso, pagos para efeito de consolidacao da propriedade fiducidria no patrimonio do credor fiduciario, € as despesas inerentes ao procedimento de cobranga e leiléo, incumbindo, também, a0 devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributarios e despesas exigiveis para a nova aquisicao do imovel, de que trata este parigrafo, inclusive custas ¢ emolumentos. ‘anos, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execucdo extrajudicial na alienagao fiducidria de bens iméveis. Revista de Direito Imobilidro, vol. 84, ano 41. p. 479-494, Sao Paulo: Ed. RT, jan.-jun, 2018, 490 Revista ve Dinero ImosiuARrio 2018 © RDI 84 Ocorre que, se, no segundo leilao, 0 maior lance oferecido nao for igual ou superior ao valor divida, das despesas, dos prémios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuicdes condominiais, a obrigacao sera considerada extinta e 0 devedor exonerado. O credor tera cinco dias, a contar da data do segundo leilao, para dar quitacao da divida, mediante termo proprio (8 6°, do art. 27, da Lei 9.514/97). Sendo assim, o credor abre leilao para garantir a venda publica do imével, recebendo um preco que seja capaz de quitar a divida e acréscimos e, com 0 saldo remanescente, devolvé-lo ao devedor. Por essa razio, é possivel afirmar que 0 leilao € de interesse primordial também do devedor fiduciante. Devem ser realizados dois leilées. No primeiro, o lance obrigatorio devera ser igual ou superior ao valor do imével para fins de leilao, estabelecido pelas partes quando da contratacao da alienacao fiduciaria’” Para que nao haja discrepancia entre o valor da avaliacdo para fins de leilao € 0 valor real de mercado, esse valor devera ser comparado a avaliacao para fins do ITBI calculado quando da consolidacao da propriedade, prevalecendo, em qualquer caso, maior dos dois, conforme redacao dada pela Lei 13.465/2017”. A avaliacao, seja como for, devera ser a mais préxima do preco de mercado, para evitar prejuizos tanto ao credor como ao devedor, ja que nao dificultaria a venda do imével ou, no caso de preco de avaliacao muito baixo, nao reduziria muito a diferenca a favor do fiduciante, prejudicando também o fiduciario. Frustrado o primeiro leilao, vira 0 segundo Neste, o maior lance oferecido poderd ser inferior ao valor da avaliacéo do imével, mas tera que alcancar no minimo o valor da divida e demais consecta- rios constantes do art. 27, § 2°, da Lei regente. A Lei 13.465/2017 garante, até a data do segundo leilao, o direito de prefe- réncia do devedor fiduciante para adquirir o imovel por preco correspondente ao valor da divida, somado aos encargos e despesas. 19. Art. 24. O contrato que serve de titulo ao negocio fiducidrio conters: lL] V1 ~a indicagao, para efeito de venda em publico leilao, do valor do imével e dos critérios para a respectiva revisao; [...] 20. Art. 24. O contrato que serve de titulo ao negécio fiduciario contera |...] Pardgrafo ‘unico. Caso o valor do imével convencionado pelas partes nos termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao utilizado pelo orgao competente como base de calculo para a apuracao do imposto sobre transmissao inter vivos, exigivel por forca da consolidacao da propriedade em nome do credor fiduciario, este ultimo sera 0 valor minimo para efeito de venda do imével no primeiro leilao ‘Shares, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execucdo extrajudicial na alienagBo fiducldria de bens imavels Revista de Direito Imobiléri. vol. 84 ano 41. p. 479-494, Sao Paulo: Ed. RT, jan jun. 2018 Auenacdo Finuciéria o€ Bens Imoveis - 20 Anos pa Let 9.514/1997 491 Frustrado 0 segundo leilao, a divida estar extinta, mas, ainda assim, o cre- dor nao podera dispor absolutamente do bem. A Lei 9.514/97 nao prevé expressamente a obrigatoriedade de o credor fidu- cidrio averbar no Registro de Iméveis os leildes negativos, mas o Capitulo XX das Normas de Servico Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justica de S40 Paulo assim o faz, nos seguintes termos: 260. A averbacdo dos leilbes negativos sera feita a requerimento do credor fiduciario ou de pessoa interessada, instruido com cépias auténticas das pu- blicacdes dos leiloes e dos autos negativos, assinados por leiloeiro oficial.” A consequéncia imediata da ocorréncia do segundo leilao negativo, como dito, é a extincao da divida e a manutengao da propriedade plena na pessoa do credor fiduciario (88 5° ¢ 6°, do art, 27, da Lei 9.514/97), que agora podera alienar o imével por negécio juridico bilateral. Sendo assim, a rigor, a consolidagao da propriedade seria o ultimo ato de natureza eminentemente real imobiliario a ser inscrito no Registro de Im6- veis, jd que a mora ndo purgada se torna absoluta e, consequentemente, ndo poderia mais ser evitada a consolidacao da propriedade em nome do credor fiduciario. Dai em diante, todos os atos subsequentes, tais como ocorréncia ou nao ocorréncia do leilao, nao seriam de natureza real imobiliaria a justificar seu ingresso obrigatorio na matricula do imével como ato de averbacdo. Existem atos que devem ser obrigatoriamente inscritos no registro de imo- veis, pois a Lei 9.514/97 assim determina, como dito, o registro do contrato 21. V, Processo CG 2011/156201, ementado nos seguintes termos: Duvida inversa — Alie~ nagao fiduciaria em garantia — Instauracao do procedimento executério administrati- vo previsto no art. 26 da Lei 9.514/97 ~ Composicao amigavel — Consolidagao do bem em nome da credora fiduciaria ~ Necessidade da realizacao de leilao ~ Configuracao de pacto comiss6rio ~ Recurso nao provido. E. Corregedor Geral de Justiga, Des. José Renato Nalini, Contudo, em decisdo mais recente, a MM" Juiza Corregedora Perma- nente da 1* Vara de Registros Publicos de Sao Paulo, Tania Mara Ahualli, entendeu pela validade do termo de quitacao da divida emitido pelo fiduciario, em razao de acordo entabulado entre as partes no periodo entre a consolidacao da propriedade ea realizacao dos leiloes de venda, “afastando 0 entendimento quanto a obrigatorie~ dade de realizado do leilao, sem possibilidade de quitagao da divida. Nesse caso, credor fiducidrio afirmou que a quitagdo da divida poderia ocorrer até a assinatura do auto de arrematacao, em aplicagdo subsidiaria do Decreto-Lei 70/66, e que o men- cionado acordo nao traria qualquer prejuizo ao devedor ow a terceiros”. Proceso 1043214-93,2015.8.26, DJE 13.08.2015. ‘Sktos, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execugao extrajudicial na allenacdo fiduciaria de bens iméveis, Revista de Direito Imobilirio. vol. 84. ano 41. p. 479-494. Sao Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2018, 492 Revisra ve Direio ImopiuAnio 2018 © RD/ 84 de alienacao fiduciaria na matricula do imével, esse sim indispensavel, por sua natureza constitutiva de propriedade fiduciaria®. Também, nos termos da lei, deve haver a averbacdo de quitagdo da obriga- cdo e 0 cancelamento da alienacdo fiduciaria, ja que isso significa a consolida- ao da propriedade em favor do devedor fiduciante; ou, ao contrario, no caso de descumprimento da obrigacao principal, e, apés intimagao para purgagao de mora, a consolidacao da propriedade plena em nome do credor. A Lei ainda dispoe sobre o registro da dacao em pagamento, se houver, além de averbagao das eventuais cessdes contratuais. A consolidagao da propriedade, da maneira como assim se vé, apenas liqui- da os contratos anteriores, acessorio e principal, mas no consolida, de fato, a propriedade, j4 que nasce, automaticamente, a obrigacdo legal do credor de levar o bem a leilao. Tal obrigacdo, por sua forca, obsta a livre disposicao do bem pelo credor, até que seja superada a fase licitatoria. Ha, em verdade, imposicao normativa ao Registrador, para que ele seja obri- gado a verificar se o credor fiduciario, efetivamente, levou o imovel a leilao, inclusive, zelando pela sua regularidade, publicidade, preco, ou seja, se os re- quisitos legais e normativos desses leildes foram observados. Assim, embora o vencimento do prazo sem purgagao da mora consolide a propriedade em favor do credor, é a averbagao do segundo leilao negativo que traduz condicdo para que o proprietario possa, finalmente, exercer em sua totali- dade os direitos da propriedade, podendo, destarte, dispor livremente do imével. Se consolidada a propriedade do credor fiduciario, ela sera (ou deveria ser) plena, nos termos do art. 1.228 do Cédigo Civil, e dela dependera apenas 0 vencimento da divida sem a purgacdo da mora, Por fim, outra hipdtese ¢ 0 encerramento da fase do leilao com a arremata- cao do imével por terceiro. Neste caso, nos cinco dias que se seguirem a venda do imovel no leilao, 0 credor entregara ao devedor a importancia que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenizacao de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da divida e das despesas ¢ encargos. Tal fato traduzira reciproca quita- do, nao se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Cédigo Civil. 22, Art. 23 da Lei 9.514/97 e item 231, do Capitulo XX, das Normas de Servigo Extraju- dicial da Corregedoria Geral de Justiga de Sao Paulo, 23, Art, 516, Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempcdo caducard, se a coisa for movel, nao se exercendo nos trés dias, e, se for imovel, nao se exercendo nos ses- senta dias subsequentes a data em que o comprador tiver notificado o vendedor. ‘Sons, Paulo Cesar Batista dos. Aspeetos pontuais da execugho extrajudicial na alienagdo Fducidria de bens imovels, Revista de Direito imabildro. vol. 84. ano 41. p. 479-494, S40 Paulo: Ed R, jan.-jun. 2078 ‘AuenagAo FiouciARia o€ BeNs ImOvels ~ 20 Anos 0A Let 9.514/1997 493 Essa é, inclusive, a redagao do § 4°, do art. 26, da Lei 9.514/97. Pergunta-se: essa quitagdo reciproca seria requisito para a lavratura de es- critura de compra e venda que o antigo credor fiduciario ira entabular com 0 arrematante? As Normas de Servico da Corregedoria Geral da Justiga de Sao Paulo, em seu Capitulo XX, prevé a lavratura dessa escritura: 259.1. Havendo lance vencedor, a transmissio do imovel ao licitante sera feita por meio de registro de contrato de compra ¢ venda, por instrumento publico ou particular, no qual devera figurar, de um lado, como vendedor, 0 antigo credor fiduciario e, de outro, como comprador, o licitante vencedor. A principio, nao havia por que ser considerada a reciproca quitacdo como requisito do instrumento de compra e venda, ja que ela ndo possui qualquer relacdo com o arrematante, tampouco € condi¢ao para que a propriedade do imovel seja alcada a sua plenitude nas maos do antigo credor fiduciario. Assim, 0 registro de imoveis nao poderia obstar o ingresso de titulo aquisi- tivo, exigindo, para tanto, a prova de que o antigo credor fiduciario outorgou a devida quitacdo ao entao devedor fiduciante**. 6. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CARVALHO, Afranio de. Registro de Imoveis: comentarios ao sistema de registro em face da Lei 6.015, de 1973, com as alteragdes da Lei 6.216, de 1975. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977 24, V. precedente do C. Conselho Superior da Magistratura do TJSP: “A controvérsia a ser dirimida relaciona-se ao cumprimento ou nao, pela credora fiduciria, do dever de en- tregar as devedoras fiduciantes, que agora sao credoras, a quantia que sobejou em de- corréncia da arrematacao do imével em leilao publico realizado, em cumprimento ao § 4° do art. 27 da Lei 9.514/97, e também ao dever do registrador fiscalizar tal cumpri- mento, [...] © titulo apresentado a registro foi uma escritura de compra e venda pela qual a Caixa Economica Federal transferiu a arrematante Elza Maria Franjolli Teixeira a titularidade do dominio do imovel. A obrigacdo da Caixa Econdmica Federal, de dar quitagao as devedoras fiduciantes, em razio da arrematagao do bem imével no referido leilao e de prestar contas acerca do valor excedente apurado a ser devolvido, conforme previsto no § 4° do art, 27 da Lei 9.514/97, é de natureza pessoal ¢ restrita as partes deste negécio (alienacao fiduciaria). Nao guarda, pois, nenhuma relacao com o dever da instituicao financeira de transferir a titularidade do dominio a arrematante, 0 que se den por meio da escritura de compra e venda apresentada para registro,” (Apelacgdo TSP 1010103-21.2015.8.26.0100, rel. Des. Xavier de Aquino, j. 09.11.2015.) ‘Sautos, Paulo Cesar Batista dos. Aspectos pontuais da execugdo extrajusicial na allenagto fiduciaria de bens imoveis, Revista de Direito Imobiliro, vol. 84, ano 41. p. 479-494, So Paulo: Ed. RT, jan.-jun, 2018, 494 Revista ve Diretto IMogiuiARio 2018 © RDI 84 CHALHUB, Melhim Namen. Alienacdo Fiducidria, Incorporacdo Imobilidria € Mercado de Capitais — Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. CHALHUB, Melhim Namen. Alienacdo Fiduciaria: Negocio Fiduciario. 5. ed. rey, atual. e ampl. Rio de janeiro: Forense, 2017. COSTA, Sebastido Rodrigues da. Registro de Iméveis: Roteiro Registral Imobilia- rio — Comentarios a Lei 6.015/73. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. FIUZA, Cezar. 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Aspectos pontuais da execugao extrajudicial na alienagao fiduciaria de bens iméveis: Revista de Direito Imobifério, vol. 84. ano 41. p. 479-494. So Paulo: Ed. RT, jan.jun. 2018,

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