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1 Sentido e formas da participagdo em processos de gestao A participagao, em seu sentido pleno, caracteri- za-se por uma forga de atuago consciente pela qual os membros de uma unidade social reconhecem e assumem seu poder de exercer influéncia na deter- minagio da dinamica dessa unidade, de sua cultura e de seus resultados, poder esse resultante de sua competéncia e vontade de compreender, decidir e agir sobre questées que lhe sio afetas, dando-lhe uni- dade, vigor e direcionamento firme. E nesse senti- do, portanto, que a participago assume uma dimen- sfio politica de construgio de bases de poder pela autoria que constitui 0 auténtico sentido de auto- ridade, a qual, por sua vez, 6 qualificada pela parti-. 2: cipagio, tendo em vista que, pelas intervengées par-~ 3 ticipativas competentes rio trabalho, aumenta a sua competéncia e capacidade de participagao (LIBA- NEO, 2004). Conforme indicado por Marques (1987: 69), “a participagao de todos, nos diferentes nfveis de deci- so e nas sucessivas fases de atividades, é essencial 3 Série Cadernos de Gesto A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA para assegurar o eficiente desempenho da organiza- cio”. No entanto, é importante que a participacao seja entendida como um processo dinamico inte- rativo que vai muito além da tomada de decisio, uma vez que caracterizado pelo interapoio na convivén- cia do cotidiano da gestao educacional, na busca, por seus agentes, da superagio de suas dificuldades e li- mitagées do enfrentamento de seus desafios, do bom cumprimento de sua finalidade social e do desen- volvimento de sua identidade social. Cabe lembrar que toda pessoa tem um poder de influéncia sobre 0 contexto de que faz parte, exer- cendo-o, independentemente de sua consciéncia des- se fato e da direcdo e intengio de sua atividade. To- davia, a falta de consciéncia dessa interferéncia re- sulta em uma falta de consciéncia do poder de par- ticipagio que tém, do que decorrem resultados ne- gativos para a organizagao social e para as proprias pessoas que constituem os contextos de atuagio em educagio. Faltas, omissdes, descuidos incompetén- cia so aspectos que exercem esse poder negativo, res- ponsével por fracassos e involugées. Por conseguinte, a participagao em sentido ple- no é caracterizada pela mobilizagao efetiva dos es- forcos individuais para a superagio de atitudes de acomodagao, de alienagao, de marginalidade, e re- versio desses aspectos pela eliminagio de compor- tamentos individualistas, pela construgao de espiri- to de equipe, visando a efetivagao de objetivos so- (083599 9p sowapey 21:95 | 3s Hewoisa Lick ciais e institucionais que sao adequadamente en- tendidos e assumidos por todos. 1.1. Variagées de significado ¢ alcance da participagdo, de acordo com suas expressées Depreendem-se nas expressdes de entendimen- to sobre participago a ocorréncia de diversos signi- ficados, com abrangéncia e alcance variados, indo desde a simples presenga fisica em um contexto até o assumir responsabilidade por eventos, agGes, situa- gGes e resultados. Em vista disso, é coerente o reco- nhecimento de que, mesmo na vigéncia da admini: tragio cientffica, preconiza-se a pratica da participa- ao, isto é, que em toda e qualquer atividade huma- na, por mais limitado que seja o seu alcance e es- copo, ha a participagao do ser humano, seja seguin- do-a, seja analisando-a, revisando-a ou criticando-a, seja sustentando-a ou determinando seus destinos, mediante 0 exercfcio de ag6es especificas. Na escola, a participagao tem sido evocada em varias circunstancias, das quais destacamos algumas, 31 apenas para exemplificar certas praticas levadas a> ~ efeito sob essa denominagio. Uma das circunstincias escolares mais comuns sobre as quais se demanda a participagio de pro- fessores diz respeito a realizagao de atividades ex- tracurriculares, como, por exemplo, festas juninas, pro- mogoes de campanhas, atividades de campo ou trans- Série Cadernos de Gestéo A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA versalidade do curriculo, ou outras atividades desse género: “Na minha escola, todos os anos temos espago garantido de participagao: € a ae le festas juninas, uma tradigéo. Todo mundo se dedica, a festa € de todos, a gente se sente unido”, afirmou uma professora, ao ser perguntada sobre as oportu- nidades de participagao em sua escola, nfo se refe- rindo a qualquer outra atividade regular em seu es- tabelecimento de ensino. Outra circunstancia cons- titui-se na tomada de decisées a respeito de proble- ‘mas apontados pela diregéo da escola, cujas solugdes alternativas so sugeridas pela prépria diregio, ser- vindo a assembleia para referendar tais decis6es. Assim se pronunciou uma professora a respeito: “em nossa escola, os momentos de participagio séo para resolver problemas que a diretora ou a Secreta- ria de Educagio desejam resolver. Em geral sabem © que querem, mas fazem reuniao para convencer a gente ou para identificar resisténcias. Mais suede que falamos e no fim todo mundo tem a impresséio de que a decisao foi coletiva”. Essa forma ined da de participagao ¢, aliés, notéria em assemb) leias 32 de professores (nao é privilégio de dirigentes de sis- temas e de escolas), quando so convocados por If- deres de classe para “tirar” mogées de greve que j& foram decididas em um forum externo & assembleia, em vista do que qualquer manifestagio em contri- rio é repudiada de plano e/ou manipulada pelos di- rigentes da assembleia. Neste caso, trata-se, portan- to, de participagao passiva. nso 2p sowapen a19S Hetoisa Lock E importante ressaltar que essas circunstan- cias deixam de caracterizar a participagio efetiva dos professores, uma vez que os mesmos sentem-se usa- dos (e se deixam usar), no primeiro caso como sim- ples mao de obra e, no segundo caso, como avalistas de decisées prévias e exteriores ao grupo. Por outro lado, essa pratica, embora parega oferecer, do ponto de vista de quem a conduz, alguns resultados posi- tivos, do ponto de vista socioeducacional, a médio prazo, produz resultados altamente negativos que de- terioram a cultura organizacional da escola por va- rias razes: a) por destruir qualquer possibilidade de colaboragao benéfica; b) por promover o descrédito nas agGes de diregao e nas pessoas que detém auto- ridade; c) por gerar desconfianga, inseguranga e, ain- da, d) por destruir as sementes e motivagées de par- ticipagao efetiva que existem nas pessoas que, ao se sentirem usadas, passam a negar esse processo e até mesmo sua legitimidade, conforme exemplificado no depoimento de uma professora: “eu ja nfo aguen- ides: so sempre os mesmos que falam; é uma pura perda de tempo, pois tudo continua co- 33 mo sempre, nada muda”. A participagao efetiva na escola pressupde que os professores, coletivamente organizados, discutam e analisem a problemitica pedagégica que viven- ciam em interagdo com a organizagio escolar e que, apartir dessa andlise, determinem caminhos para su- perar as dificuldades que julgarem mais carentes de Série Cadernos de Gestdo og}s29 ap sowsape) 29S A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA atengio e assumam compromisso com a promogio de transformagio nas praticas escolares. Assim, os problemas e situagdes desejados séo apontados pelo préprio grupo, endo apenas pelo diretor da escola ou sua equipe técnico-pedagégica, gerando, dessa for- ma, um sentimento de autoria e de responsabilidade coletivas pelas agdes educacionais, condigio funda- mental para sua efetividade, segundo 0 espfrito de- mocriatico e a pratica da autonomia. Em sala de aula, de acordo com um entendimen- to limitado de participagio, professores indicam sua importncia em relag&o aos alunos, propondo até mes- mo a “avaliagao por participagao”, notoriamente co- nhecida como simples e eventual manifestagao ver- bal indicativa de estarem acompanhando e prestan- do atengo na aula. Nesse caso, cria-se uma cultura de “teatro de participagao”, no qual entram em cena apenas os alunos que imaginam saber 0 que 0s pro- fessores desejam ouvir, uma vez que julgam nao po- derem dizer mais do que, ou diferente do que fora perguntado. Em trabalhos em grupo, observa-se até mesmo a distorgio do sentido de grupo, uma vez que écomum, em vez de utilizar os grupos para promo- ver aaprendizagem coletiva pela socializagio, a par- tir da discussio e do debate de ideias, realizar-se a divisio de atividades e tarefas, para diminuir 0 en- cargo e facilitar 0 trabalho de todos (inclusive o do professor que tem menos trabalhos para ler). Hevoisa Lick Portanto, a observagao, a andlise e a compreen- sito dos processos e das formas de participagiio cons- tituem-se em condigao para que se possa aprimorar esse processo na escola. Como um processo social, apresenta varios desdobramentos e nuances, deman- dando de todos os participantes, e sobretudo de seus Itderes, habilidades especificas e atitudes especiais. 1.2. Formas de participacao A participagio tem sido exercida sob intimeras formas e nuances no contexto escolar, desde a parti- cipagao como manifestagao de vontades individualis- tas, algumas vezes camufladas, até a expressio efeti- va de compromisso social e organizacional, traduzi- da em atuagées concretas e objetivas, voltadas para a realizagéo conjunta de objetivos. Em decorréncia dessa variagdo, o sentido efeti- vo da participago se expressa pela peculiaridade da pritica exercida e seus resultados. Assim é que se pode observar, em diferentes contextos, a pratica di- ferenciada da participagao por sua abrangéncia e seu poder de influéncia. Dessa maneira, a partir do estu- do de formas de participagao, sao identificadas: a) a par ticipagéo como presenga, b) a participagao como ex- pressiio verbal e discussio, c) a participagao como representagio politica, d) a participagsio como toma- da de decisao, e e) a participagao como engajamen- to, conforme a seguir comentadas. Observa-se que essas categorias apresentam diferentes intensidades w a Série Cadernos de Gestio 36 J vezes, porém, como mera conces ‘ogisap ap sowsaped 2129 A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA de envolvimento e compromisso, que vao do com- promisso apenas formal e distanciado ao envolvi- mento pleno e engajado. 1.2.1. Participag&o como presenga Segundo o entendimento da participagao como presenca, é participante quem pertence a um grupo ou organizago, independente de sua atuagio nele, como, por exemplo, quem é membro de uma escola, de um grupo de professores, de associagio de pais e mestres etc. Nesse caso, afiliagao, associagao e es- tar em um ambiente constituem situagdes concebi- das como participagio. Sao, portanto, considerados como participantes de uma turma de alunos aqueles que, sem mesmo terem ou exercerem voz ativa so- bre o que fazem e 0 que acontece com e no grupo como um todo e no desenvolvimento das aulas, es- tao fisicamente presentes em suas atividades. Essa participag’io pode, muitas vezes, ocorrer por obrigatoriedade, por eventualidade ou por necessi- dade e no por intengio e vontade prépria. Outras . Essas circuns- tancias sfio expressas em casos como, por exemplo, de alunos que vio para a escola por obrigagio, por determinagio de seus pais, sem entenderem 0 senti- do dessa necessidade em sua vida e que, durante 0 processo educacional, nao tém seus interesses pré- prios e motivaciio despertados para 0 mesmo; no Hetoisa Lick caso de professores e funciondrios que encaram seu trabalho meramente como emprego do qual escapa- riam caso tivessem outra alternativa; de pais em Asso- ciagio de Pais e Mestres ou Conselhos Escolares de existéncia apenas formal, nos quais atuam limitan- do-se a solicitagdes da diregio da escola, de forma reativa. Devido a atuagao passiva e de inércia adotada, as pessoas fazem parte, mas nio so participantes ati- vos, pois nao atuam conscientemente para construir arealidade de que fazem parte. Vale lembrar, no en- tanto, que mesmo sem essa consciéncia e sem essa intengio, produzem seus efeitos no contexto de que fazem parte e que resultam comumente como nega- tivos, contribuindo para a inércia, 0 comodismo e a passividade do grupo, por meio de agio nao orienta- da para a superagao de limitagoes e dificuldades ou enfrentamento de desafios. Identifica-se que a sim- ples presenga de uma pessoa em um ambiente, com expressdes nao verbais de apatia e indiferenga coma dimensio sociocultural de sua realidade, exerce im- pacto negativo no mesmo. Evidencia-se, pois, d significagéio inadequada e falsa de participagao, nesse entendimento, que con- sidera a presenga fisica, o estar presente, como 0 bastante para que a pessoa seja considerada parti- cipante. Deixa-se de considerar que o termo em si pressupée, além de fazer parte de, a agio efetiva de 2 Ss Série Cadernos de Gestdo 2 e of A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA contribuigio para o desenvolvimento da organizagao ou unidade social. Verifica-se nas escolas, no entanto, um certo res sentimento em relagio ao comportamento passivo, embora ele seja muito disseminado e frequente, cs forme depoimento de uma professora: “nas poss reunides, que nao sio muitas, a grande maioria ea calada. Sao sempre as mesmas pessoas que falam, ea maioria s6 fica olhando, até mesmo com indiferengs ‘Nao esto nem ai. No fim a gente toma’ deciséo, ms nao acontece nada, porque as pessoas nfio se envol- yeram, Muitas vezes até dizem: quem dew a ideia que faa”. 1.2.2. Participagdo como expressdo verbal ¢ discussdo de ideias £ muito frequente interpretar o envolvimento de pessoas na discussio de ideias, como um indicador de sua participagio em relagio & questo em causa. Acportunidade que é dada as pessoas de expres- 4 Embora no depoimento tena sido possivel identficar wr Fos, Sentimento contra as pessoas que mio se manifestam, € possivel sugerir que tais situagdes acontecem no apenas Dorgue algun os i partic também porque ymodam e no participam, mas tas domi apt, deta de da apa decent ar 7 la lentifica- pagao de mais pessoas. Por outro lado, i uma faa Ae abit ds cordenaso da eo om orks arc s rolando am ‘io da maior parte de seus membros, contro manifesta I que tendem a falar com frequéncia ¢ eriando opo rtnkades atinmulos aos demais a oferecerem suas idefas e opinioes. x9 sp sume 5 | Hetoisa Lick sarem suas opinides, de falarem, de debaterem, de discutirem sobre ideias e pontos de vista — enfim, 0 uso da liberdade de expressiio -, é considerada como espago democratico de participagao e, portanto, a grande evidéncia de participagio. Porém, a atenta observagio do que acontece no contexto educacio- nal pode demonstrar um espirito totalmente diver- so. Isso porque nao é incomum perceber, como indicado anteriormente, escolas em que as decisées tomadas por sua diregéo tém no espago de reunides de professores 0 objetivo de referendar decisdes tomadas, constituindo-se, desse modo, em processo de falsa democracia e participagiio, conforme indi- cado por uma professora: “participar dessas reu- nides é pura perda de tempo. A gente sabe que é sé falagéio, que é pura enganagdo. A decisio ja esté to- mada, é facil perceber isso pelo jeito que a reunifio é conduzida. No fim a gente est se enganando”. Tra- ta-se, no entanto, de uma situagao aceita e avalizada por omissdes e expressées subliminares e até mes- mo explicitas de reforgo. Arespeito de reuniées promovidas na escola, seja_39 com professores, com pais ou com alunos, com o ob- jetivo de discutir situagées, verifica-se com frequén- cia que a reuniao é considerada boa quando o nivel de “falagao” é clevado, ¢ os “participantes” ficam até satisfeitos pela oportunidade que tém de se fazerem ouvir, conforme julgam estar ocorrendo: “Sei que nao adianta nada, mas pelo menos a gente tem opor- Série Cadernos de Gestdo A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA tunidade de conversar todos juntos, de saber 0 que nossos colegas pensam, e até de saber quem sfio aque- les que ficam na deles. Deveria haver mais reu- nides e n6s deverfamos aprender a usar melhor esse espago”. A participacdo com essas caracteristicas 6, por- tanto, muitas vezes limitada. E facil observar que ela nio passa, com muita frequéncia, de simples verba- lizagao de opinides, de apresentagao de ideias, de descrigio de experiéncias pessoais e de fatos obser- vados, sem se promover 0 avango num processo com- partilhado de entendimento sobre as questoes dis- cutidas e de tomada de decisao para o enfrentamen- to de desafios e superacao de limitagdes, que corres- ponda também ao compartilhamento de poder e de responsabilidade por sua realizagio. Nem mesmo ocorre um melhor entendimento sobre as opiniées em torno das questées debatidas quando nio acon- tece 0 esforco pela interagio das ideias e opinides, de maneira a se compreender de forma mais apro- fandada e alargada as questdes em debate. Verifi- ca-se também que as discussdes se encerram nelas mesmas quando no hé 0 esforco de sistematizagio dos diferentes aspectos tratados, das conclusdes prin- cipais alcangadas e das decisbes tomadas. £ posstvel observar, em tais reunides, que se ma- nifestam situagdes de tensdo e conflito sem que, no entanto, se dé atengao a elas, o que seria necessério para compreendé-las e resolvé-las, de modo que nao og3sag ap sousapey °3| & Hetoisa Liick interfiram nas agdes que devem ser adotadas poste- riormente. A efetiva interagdo participativa, para além do discurso, do conhecimento de como as pessoas pen- sam e da oportunidade de se fazerem ouvir, pressu- pée a interagéo de pontos de vista, de ideias e de concepgées. Isto 6, s6 se torna efetiva essa discussio quando associada a um esforgo de diélogo efetivo que permite a compreensao abrangente da realida- de e das pessoas em sua construgio. 1.2.3. Participagdo como representacdo A representagio é considerada como uma forma significativa de participagao: nossas ideias, nossas ex- pectativas, nossos valores, nossos direitos sao mari: festados e levados em consideragao por meio de um representante acolhido como pessoa capaz de tradu- zi-los em um contexto organizado para esse fim. Essa concepgio é necessaria em grupos sociais grandes que nao permitem a participacao direta de todos, e se efetiva pela instituigéo de organizagdes formais em que o carfter representativo € garantido pelo _41_ voto. Nas escolas, essas organizagées sio os conse- Ihos escolares, associagées de pais e mestres, gré- mios estudantis ou similares, constitufdos por repre- sentantes escolhidos mediante 0 voto. Essa situagdo constitui-se em um princfpio de gest&éo democriatica definido no artigo 14, inciso IT, da Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional (9.394/96). Série Cadernos de Gestéo 42 ons 2p sun | A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA Essa forma de participagao é, portanto, tipicamen- te praticada nas sociedades e organizagbes democré- ticas. Ela pode, no entanto, ser expressa como um ar- remedo de participagao e como uma falsa democra- cia, Isso porque, considerando o sentido classico de democracia como o governo do povo, pelo povo e para 0 povo, participar nao significa simplesmente delegar a alguém poderes para agir em seu nome, desresponsabilizando-se pelo apoio e acompanha- mento ao seu trabalho. Ela implica trabalhar com a pessoa na consecugao das propostas definidas e as- sumir sua parte de responsabilidade pelos resulta- dos desejados. Uma situagio revela os problemas do entendi- mento distorcido da participagio limitada ao voto, conforme relatado por uma professora: “um grupo de professores reuniu-se para discutir a organizagao de sua escola, seus problemas e perspectivas para a sua superagio. A partir dessa discussio, decidiram que iriam influenciar na eleigao da nova diregao da escola. Conclufram que uma delas deveria candida- tar-se, o que veio a ocorrer. Todo o grupo empenhou-se em realizar a divulgagao da proposta de gestio que construfram em conjunto. Finalmente, a diretora foi eleita, com a maioria dos votos. Iniciada sua gestéo, pretendeu colocar em pratica a proposta definida, mas passou a sofrer resisténcias até mesmo de cole- gas mais préximos”. Sugere-se, a partir da situagio relatada, terem os professores julgado que bastaria ‘Hevoisa Lick eleger a diretora e que, ao fazé-lo, delegaram to- talmente a ela a responsabilidade de realizagio das propostas definidas, deixando-a sozinha na realiza- cao de seu trabalho’. Atitude semelhante tem orientado as formas de es- colha de dirigentes de escolas em varios sistemas edu- cacionais onde os diretores sao eleitos. Por meio dela, professores ¢ funcionarios da escola, alunos e pais de alunos recebem o direito de manifestar sua opiniao so- bre quem melhor teria condigées de promover a ges- tao escolar, elegendo-o(a) pelo voto, porém sem adotar a correspondente responsabilidade do dever de sus- tentagao do trabalho desejado e necessario. E valido, portanto, destacar que a eleigio de di- retores, praticada por varios sistemas de ensino, por si s6 no garante uma vivéncia democratica partici- pativa, na escola. Isto 6, a democratizagio da escola, conforme indicado por Prais (1990), uma vez. que dis- sociada de uma pritica de participagao plena, restrin- ge-se a simples substituigio de pessoas no poder, ou legitimagio de sua permanéncia, sem entrar no mé- rito da forma de atuagdo democritica. Trata-se, por- tanto, de um processo que demanda estudos amplos 5. Esta situagao 6, aliés, muito comum em nossa sociedade, na qual identificamos a cultura de reclamar dos governos instituidos ¢ politicos eleitos sem, no entanto, reclamar de todos nés que ne- les votamos ou que deixamos de acompanhar o seu trabalho e co- rar resultados. » & Série Cadernos de Gestéo 44 A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA e sistematicos, a fim de se identificar seus efeitos so- bre a escola e que resultados tem promovido, no sentido de melhorar a qualidade do ensino e promo- ver o maior envolvimento e comprometimento da comunidade escolar com essa qualidade. 1.2.4. Participagao como tomada de decisto Participar implica compartilhar poder, vale di- zer, implica compartilhar responsabilidades por de- cisées tomadas em conjunto como uma coletividade eo enfrentamento dos desafios de promogio de avan- gos, no sentido da melhoria continua e transforma- Ges necessérias. Observa-se que aumentam, dentro da escola, os momentos em que se tomam, em conjunto, decisdes a respeito do encaminhamento de quest6es even- tuais ou do seu diaa dia. Registra-se a ocorréncia de reunides para discutir, por exemplo, como seré or- ganizado um determinado evento e quem assumira quais responsabilidades a respeito do mesmo, em substituigio & antiga pratica de alguém definir as At questoes e atribuir responsabilidades, segundo o seu ogisag ap sowapey a9 julgamento. Essa pratica tem sido, no entanto, muito mais as- sociada & preocupagao com a solugio de problemas definidos anteriormente pelo dirigente da escola e sobre os quais os demais membros da comunidade escolar deixam de ser envolvidos na anélise de seu Hevoisa Lick significado e desdobramentos. Nao se discute, mui- tas vezes, por exemplo, qual o papel de todos e de cada um na vida da escola, qual o significado pedagé- gico e social das solugdes apontadas na deciséo; que outros encaminhamentos poderiam ser adotados de modo a obter resultados mais significativos. Portanto, sem tais questionamentos, ¢ 0 compromisso com 0 encaminhamento de agdes transformadoras, pode-se sugerir que a tomada de decisio fica circunscrita ¢ li- mitada apenas a questdes operacionais, ao que fazer, endo ao significado das questées em si, condigio fun- damental para que as pessoas envolvidas se apropri- em das ideias orientadoras das agGes e, ao realiza- rem-na, o fagam a partir da compreensio a respeito do que as ages representariam e quais as implica- des quanto ao seu impacto sobre os processos so- ciais e educacionais da escola. Uma tal situagao de- mandaria atitudes de transparéncia, abertura e flexi- bilidade, fundamentais a gestio democritica. Identifica-se que a pratica participativa na toma- da de decisdes em varios estabelecimentos de ensi- no tem gerado uma situagao de falsa democracia, pela qual tudo se decide em reunides com o corpo docente (ou no se decide pela falta de espago para realizar reunides) até sem considerar a relevancia da questao para a realizagao do projeto pedagégico da escola: se uma parede vai ser mudada ou niio, se um professor vai receber permissao para se ausentar de seu trabalho a fim de participar de um encontro pro- - & Série Cadernos de Gestéo - & ‘ogisag ap sowsaped 29S A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA, fissional, se vao utilizar uma parede do corredor para afixar trabalhos escolares, dentre outras questoes. Verifica-se, nessa pratica de se envolver todos para discutir e decidir questées de menor significado e muitas vezes sem as informagées basicas necessa- rias, uma série de aspectos negativos, interligados: a) O gasto do tempo precioso de todos e da ener- gia coletiva para discutir questdes secundarias operacionais, que poderiam ser decididas a par- tir do bom-senso pela pessoa responsivel pela ges- to da unidade social para o que ela recebeu uma delegagao funcional. 1b) O enfraquecimento do poder e da responsabi- lidade de discernimento na tomada de decisao na gestiio escolar. c) A delonga na tomada de decisio colegiada que, por ser morosa, torna-se inoperante e enfraque- cida, quando as questdes a ela relacionadas so urgentes. d) A delonga ¢ hesitagio em assumir decisées mais fundamentais da problemitica educacional — é pos- sivel até mesmo sugerir que o objetivo sublimi- nar de tendéncias a prender-se em questes se- cundarias seja justamente o de evitar responsa- bilidades maiores. e) A criagdo de um clima ficticio de participagio e desgaste desse processo. Hevoisa Lick 1.2.5. Participagao como engajamento O engajamento representa o nivel mais pleno de participagao. Sua pratica envolve o estar presente, o oferecer ideias e opini6es, o expressar 0 pensamen- to, o analisar de forma interativa as situagées, 0 to- mar decisées sobre o encaminhamento de questées, com base em andlises compartilhadas e envolver-se de forma comprometida no encaminhamento e nas agées necessirias e adequadas para a efetivacio das decisdes tomadas. Em suma, participagao como en- gajamento implica envolver-se dinamicamente nos processos sociais e assumir responsabilidade por agir com empenho, competéncia e dedicagio visan- do promover os resultados propostos e desejados. Portanto, é muito mais que adesiio, é empreendedo- rismo comprometido. Participagao, em seu sentido pleno, correspon- de, portanto, a uma atuagio conjunta superadora das expressdes de alienagio e passividade, de um lado, e autoritarismo e centralizagao, de outro, intermedia- dos por cobranga e controle. Conforme indicado na discussao sobre as expres- sées de poder na escola, a separagao entre toma- da de decisio ¢ acdo, entre o pensar e 0 fazer, pro- duz fragmentagao e resultados negativos no proces- so pedagégico e na cultura escolar, de que resulta vi- rem todos a pagar o prego desse resultado, dentre os quais, além da baixa efetividade, o desperdicio de s $ Série Cadernos de Gestio omsan op soupey 2195 | 3 A GESTAO PARTICIPATIVA NA ESCOLA oportunidade de desenvolvimento de competéncia profissional e institucional e autonomia. A qualidade do ensino depende de que as pes- soas afetadas por decisées institucionais exergam o direito de participar desse processo de decisées, as- sim como tenham o dever de agir para implemen- té-las. Em vista dessas questées, a agéo competente do dirigente escolar é a de assumir um sentido de res- ponsabilidade politica, mediante sensibilidade e bom- senso, que Ihe permita discemir a relevancia ea am- plitude da repercussio da tomada de decisio para a escola como uma coletividade, para a qualidade de seu processo educacional e para o sentido de auto- nomia e desenvolvimento de seus profissionais.

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