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1 Fundamentos de uma anilise de classe neomarxista Erik Olin Wright O conceito de classe tem maiores ambic6es explanatorias no marxismo que em qualquer outra tradicao da teoria social, e isso, por sua vez, co- ca cargas mais pesadas sobre os seus alicerces tedricos. Na sua forma mais biciosa, os marxistas afirmavam que classe — ou conceitos muito proxi- 10s como “modo de produgao” e “base econémica” ~ estd no centro de uma ‘oria geral da historia comumente denominada “materialismo histérico”'. ssa teoria tentou explicar ampla gama de fendmenos sociais numa moldura inificada: tanto a trajetoria temporal das mudangas quanto os conflitos so- is em épocas e lugares especificos, a forma macroinstitucional do Estado © microcosmo das crengas subjetivas individuais, as revolugdes em larga cala e os choques localizados. Express6es como “a luta de classes € 0 mo- da historia” ¢ “o poder executivo do Estado moderno nao passa de uma missio da burguesia” mostram a ambicao de centralidade explicativa do nceito marxista de classe. ‘A maioria dos académicos marxistas de hoje recuou dessa grandiosidade ‘planatoria do materialismo dialético (se nao necessariamente de todas as suas piracdes explicativas). Poucos hoje defendem versdes rigidas do “primado da Jasse”, mas 0 conceito permanece de uma centralidade distintiva da tradi¢ao arxista e € chamado a dar conta de tarefas explanat6rias muito mais arduas em outras tradigoes tedricas. Com efeito, pode-se bem argumentar que isto, nto com uma orientacao voltada para principios normativos radicalmente alitarios, ¢ em grande parte o que define a persistente vitalidade e diferenca tradicao marxista como corpo teérico, especialmente em sociologia. Por essa A exposigdo mais sistematica € rigorosa das concepedes centrais do materialismo historico ¢ a le Cohen (1978). 19 Scanned with CamScanner ‘ de classe” é que define 0 coragjy raza, a meu ver, 0 “marxismo como andlise da sociologia marxista*. ‘3 Atarefa deste capitulo ¢ expor os fundamentos analiticos centrais do concelyy de classe de maneira amplamente consistente com a tradigao marxista. E tately traicoeira, pois entre os autores que se identificam com o marxismo nao hd con. senso sobre qualquer dos conceitos nucleares da andlise de classe. © que defineg tradicdo € mais um apego frouxo 4 importancia da analise de classe para entendey as condicdes do confronto com as opressdes capitalistas, além de uma linguagem adotada nos debates ¢ habilmente definida por Alvin Gouldner como “comunidadg dediscurso”, do que um conjunto preciso de definigdes e propostas. Qualquerar gumento meu sobre os fundamentos tedricos da andlise de classe marxista reflett- ri, portanto, minha posicdo especifica dentro dessa tradicao e nao uma exposigaa autorizada do “marxismo” em geral ou da obra de Karl Marx em particular, Haver duas linhas basicas na andlise: primeiro, a de que o ingrediente que mais nitidamente distingue a conceituagao marxista de classe € 0 conceito de “ex- ploracdo”; segundo, a de que um conceito de classe centrado na ideia de explo- racao da instrumentos teoricamente poderosos para estudar uma gama de pro- blemas na sociedade contemporanea. O objetivo deste capitulo € tomar as duas coisas inteligiveis e — espero — criveis. A Parte I expde o ponto fundamental da analise de classe no marxismo, o que ela visa. Trata-se acima de tudo de esclarecer a agenda normativa a qual se liga a andlise de classe, Na Parte II procederemos cuidadosamente a uma série de esclarecimentos necessarios para emoldurar essa especifica andlise de classe e a ideia de exploracdo. Alguns podem achar a segio um tanto pedante, por vezes parecida com a leitura de um dicionario, mas acho necessaria para mostrar em que se baseiam esses conceitos para serem transparen- tes. A Parte III especifica as pretenses explanatorias centrais da anélise de classe que séo comuns tanto a tradicdo marxista quanto a weberiana. O que seré ttil ao estabelecer a base para discussdo na Parte IV do marco distintivo do conceito marxista que o diferencia dos primos weberianos e ancora as pretensoes teéricas ea agenda mais amplas da andlise de classe marxista. Isso envolverd, sobretudo, a elaboracao do conceito de exploracéo, um dos mecanismos causais cruciais através dos quais o marxismo alega que as relagdes de classe geram efeitos sociais. Por fim, a Parte V mostra de forma suméria 0 que considero as recompensas da andlise de classe de inspiragao marxista. Sore gos eee Sesser a bare (Pexvoee veg ey 2. Para discussdo mais extensa do marxismo como andlise de clase, cf. Burawoy e Wi Wright, Levine e Sober (1993). 3. Ha uma literatura bem vasta tanto de exegese da propria obra de Marx sobre variedades da anzlise de classe dentro da tradi¢do marxista mais amplame Para uma exegese do tratamento que Marx dé ao conceito de classe, cf. Cotreel (1 uma resenha geral das abordagens marxistas alternativas, cf. Wright (1980b). anélise de classe marxista que diferem substancialmente da abordagem delineada j cf. Poulantzas (1975), Carchedi (1977), Resnick e Wolff (1987). 7 1 (2001) 20 Scanned with CamScanner Quadro geral: 0 que € 0 conceito marxista de classe Na sua esséncia, a andlise de classe na tradico marxista esta enraizada num njunto de compromissos normativos com uma forma radical de igualitaris- 0. Historicamente, os marxistas tém sido no geral relutantes em defender de rma sistemitica esses compromissos morais. O préprio Marx achava que falar bre “justia” e “moralidade” era desnecessério e talvez mesmo pernicioso, creditando que ideias sobre moralidade na verdade apenas refletiam condigoes atcriais ¢ interesses dos atores em cena. Em vez de defender 0 socialismo com ase na justica social ou outros principios normativos, Marx preferia simples- ente dizer que o socialismo interessava a classe operdria e era, de qualquer yma, 0 destino historico do capitalismo. No entanto, os textos de Marx esto icpletos de juizo moral, visto ¢ indignacao morais. Mais importante para pro- sitos atuais, a tradicdo marxista da andlise de classe deriva grande parte de Icu impeto caracteristico das ligagdes com uma agenda normativa igualitaria adical. A fim de plenamente compreender os fundamentos tedricos do conceito ic classe na tradicao marxista, é necessario que se esclarega, ainda que de forma reve, essa dimensao normativa. O igualitarismo radical subjacente a andlise marxista de classe pode ser xpresso a partir de trés teses, as quais delinearei de forma suméria, sem ela- jorar qualificagées € acréscimos, uma vez que o propésito aqui € esclarecer carater da agenda da andlise marxista de classe e nao fazer uma defesa da leoria mesma. Tese do Igualitarismo Radical ~ © progresso humano seria amplamente favo- ecido por uma distribuigdo igualitdria radical das condicdes materiais de vida’. A lese € expressa no lema distributivista clissico de Marx — “A cada um segundo jua necessidade, de cada um segundo sua capacidade” — e pelo ideal de uma so- iedade “sem classes”. Assim so distribuidos os recursos materiais nas familias wualitdrias: os filhos que mais precisam recebem mais recursos e todos devem uir como podem nas tarefas necessarias a familia. E assim também que c distribuem os livros nas bibliotecas publicas: a pessoa procura o que precisa, ‘do o que pode adquirir. O igualitarismo radical da tradicdo marxista afirma que desenvolvimento humano em geral seria favorecido se esses princfpios fossem jeneralizados a toda a sociedade’. . A tese do igualitarismo radical tal como exposta aqui nao é, em si mesma, uma tese de justica argumento ¢ de que os seres humanos terdo em geral melhor florescimento sob tais condicoes alitarias do que em condicdes de desigualdade e hierarquia, mas nao estipula que promover I florescimento seja um requisito de justica. Eu acredito que se trata de uma questdo de justiga cial, mas tal crenga nao € necessdria no contexto do aqui exposto. |. O que precisamente se entende por “igualitarismo” e em que bases se justifica como principio jormativo tém sido tema de consideravel discussao, em parte informada pela tradicAo marxista, an Scanned with CamScanner Tese da possibilidade histérica— Nas condigdes de uma economia altamente pro. dutiva torna-se materialmente posstvel organizar a sociedade de tal modo que haja uma distribuigdo sustentdvel radicalmente igualitaria das condicoes materiais de vida, Os prinefpios normativos igualitérios sao vistos na tradi¢lo marxista apenas como reflexo de algum valor humano atemporal, embora possam se: igualmente, mas como integrando também um projeto politico pratico. Central arxista ¢, pois, a tentativa de compreender as condicoes nas dem ser traduzidos em pratica social. Aqui a ideia basica é que o igualitarismo radical se torna cada vez mais factivel como princt- pio pratico da organizacao social & medida que aumenta a capacidade produtiva de uma sociedade e diminui a escassez absoluta, Na versdo mais forte desta tese, mente impossiveis de implantar e sustentar até I; as verses mais fracas afirmam um igualitarismo basico das a0 projeto tedrico m: quais esses ideais morais po 08 ideais igualitarios sao estrita que se supere amplamente a escassez material apenas que a alta produtividade torna mais factivel condicoes materiais de vida. Tese anticapitalista - O capitalismo bloqueia a possibilidade de alcancar uma distribuicao radicalmente igualitaria das condicdes materiais de vida. Uma das grandes realizacdes do capitalismo € desenvolver a capacidade produtiva hu- mana a tal ponto que torna o igualitarismo radical necessatio para possibilitar materialmente o florescimento humano, embora o capitalismo também crie ins- tituigdes e relacoes de poder que bloqueiam a conquista efetiva do igualitarismo. Isso cria 0 cenario do grande drama e tragédia do desenvolvimento capitalista: € uum processo que continuamente aumenta as condicdes materiais para expandir © desenvolvimento humano, 20 mesmo tempo em que bloqueia a criagao das condigées sociais para realizar tal potencial. Correntes sociais mais democraticas dentro da tradicéo marxista aceitam a ideia de que o capitalismo é inimigo da igualdade, mas rejeitam a visio de ruptura e mudanca radicais: para elas o capita- lismo pode ser transformado de dentro de maneiras que gradualmente levem na direcao de uma ordem social mais profundamente igualitdria, A realizado plena do ideal igualitario radical pode, claro, ser uma fantasia ut6pica. Mas ainda que a “sociedade sem classes” seja inalcangavel, uma “menor divisdo de classes” pode ser um objetivo politico central, o que também requer desafiar o capitalismo. Cada uma dessas teses € controversa e necessita de extensa defesa, mas aqui vou tratd-las como pressupostos que definem o contexto mais amplo para pen- sar 0 conceito de classe. Seja mais o que for que vise o conceito de classe, na, Para uma visio geral da questio, ef. Swift (2001), Para uma discussio a fundo de uma teoria igualitaria de justiga com sensibilidade marxista, cf. Cohen (1995). 6. As objecdes a essas teses s4o bem conhecidas. Contra a tese do iguali i : : igualitarismo radical sto Aequenl apresentados dois tipos de argumentos: primeiro, mesmo que seja verdade q a igualdade promova 0 desenvolvimento humano, a redistribuiclo de recursos necessA 2 Scanned with CamScanner hilise marxista ele pretende facilitar a compreensao das condi¢des para a busca sa agenda normativa. O que significa que 0 conceito precisa estar ligado a ma teoria do capitalismo, nao apenas A nogao de desigualdade, e que deve ser paz de desempenhar um papel no esclarecimento de dilemas ¢ possibilidades Jc alternativas igualitarias as instituigdes existentes. Voltemo-nos agora a elaboracdo dos componentes conceituais com os quais Jossamos construir um conceito de classe adequado a essa agenda. Componentes conceituais da andlise de classe A palavra “classe” € usada com conotagdes substantiva e adjetiva. Como jubstantivo é que figura, por exemplo, na pergunta: “Em que classe vocé acha jue se inclui?” E na possivel resposta: “Na classe operaria”. Com conotagao idjetiva ela modifica uma série de conceitos: relagdes de classe, estrutura de lasse, situacdo de classe, formacao de classe, interesses de classe, conflito le classe, consciéncia de classe. Em geral, como ficara claro da andlise que legue, eu acho que o termo “classe” é usado de forma muito mais produtiva om um sentido adjetivo. Com efeito, acho que em geral as pessoas falam elip- ficamente quando usam a palavra como substantivo. Uma expresso como “a lasse operaria”, por exemplo, é com frequencia apenas uma formula simplifi- ada de expresso mais pesada como “situagéo operaria nas relacoes capitalistas le classe” ou, talvez, “organizagées coletivas da classe operaria nos conflitos de lasse”. De qualquer forma, vou usar o termo sobretudo com conotacao adjetiva apenas o termo genérico “classe” quando me referir a0 campo conceitual geral 0 qual se situam os termos mais especificos. Para assentar os alicerces da andlise marxista de classe, portanto, precisamos ler claro o que entendemos por esse “adjetivo”. Aqui os conceitos nucleares sao lacoes de classe e estrutura de classe. Outras expressdes do menu conceitual da ndlise de classe — conflito de classe, interesses de classe, formacao de classe e lonsciéncia de classe — derivam o seu significado das ligacdes com aqueles con- eitos nucleares. O que nao quer dizer que para todos os problemas da andlise le classe o essencial sejam os conceitos de classe puramente estruturais. Pode wualdade material € injusta, uma vez que priva algumas pessoas de vantagens materiais que las conquistaram corretamente; ¢ segundo, longe de criar condicoes para um florescimento do jotencial humano, a igualdade material radical geraria passividade, preguica e uniformidade, ‘ontraa tese da possibilidade historica muitas pessoasargumentam que altos niveis de produtividade [condmica s6 podem ser mantidos se as pessoas tiverem estimulos materias significativos para Westir tanto em termos de capital quanto de capacidade. Qualquer passo importante rumo & uualdade material radical seria portanto insustentavel, uma vez que levaria ao declinio da pr6pria bundancia material, Por fim, os criticos argumentam contra a tese anticapitalista que, embora ssa ser verdade que o capitalismo bloqueia passos radicais rumo a igualdade das condigées ateriais de vida, nao bloqueia de fato o desenvolvimento humano; ao contrério, 0 capitalismo ferece aos individuos a maxima oportunidade de fazer de suas vidas 0 que quiserem. 2B Scanned with CamScanner acontecer certamente, por exemplo, ao se tentar explicar variacoes de politi de estado entre as sociedades capitalistas no tempo € no espaco, que as variaco na formagao ¢ uta de classes se mostrem mais importantes que as diferencas _ propriamente na estrutura de classe. Mas ainda assim a compreensio das re- lacées ¢ estrutura de classe esta na base conceitual da andlise e é, portanto, a questo que enfocaremos aqui. t A seguir examinaremos oito conjuntos de questdes conceituais: 1) 0 concei- to de relagdes sociais de producao; 2) a ideia de relacdes de classe como forma especifica das relagdes sociais de producdo; 3) 0 significado de “variacdes” nas_ telagdes de classe; 4) o problema da complexidade das relacdes de classe; 5) 0 significado de uma “posigao” dentro das relagoes de classe; 6) a complexidade de definir posigdes de classe; 7) a diferenca entre micro e macroniveis da ané-| lise de classe; 8) “atuagao” de classe. Embora, como um todo, esses problemas conceituais sejam especialmente relevantes na elaboracao do conceito de classe dentro da tradicéo marxista, muitos serao igualmente importantes em outras agendas da andllise de classe. Relacées sociais de produgao Qualquer sistema de producio requer o emprego de uma gama de bens, re- cursos ou fatores de produgao: maquinas, ferramentas, terra, matérias-primas, mao de obra, capacitacao, informacao e assim por diante. Essa implementagao pode ser descrita em termos técnicos como uma fungao de producao — tantos aportes de diferentes tipos so combinados num processo especifico para uma producdo especifica. Essa € a maneira tipica de um economista pensar os siste- mas de produgao. O uso de recursos pode também ser descrito em termos de _ relacées sociais: as pessoas que participam na producao tém diferentes tipos de direitos e poderes sobre os recursos ¢ os resultados de sua utilizacdo’. A maneira efetiva como os fatores so combinados e usados na producao depende tanto de como esses direitos e poderes s4o exercidos quanto dos aspectos estritamente técnicos de uma funcdo produtiva. A soma total desses direitos e poderes cons- titui as “relacdes sociais de producao”. E importante ter em mente que esses direitos e poderes sobre os recursos $10 atributos das relagdes sociais, no descrigdes propriamente do relacionamento 7. Por “poder” sobre os recursos produtivos entendo o controle ¢fetivo do uso ¢ disposicao desses recursos. O termo “direitos” dé a ideia adicional de que os poderes sto vistos como legitim¢ ¢ impostos pelo Estado. A expressio “direitos de propriedade” significa, pois, “poder efetiv sobre o uso da propriedade garantido pelo Estado”. Na maioria dos contextos em um sistet estavel de relacdes de producdo ha intima conexio entre direitos ¢ poderes, mas as pe: podem ter um controle efetivo e duravel sobre recursos sem que esse controle seja reconheci legalmente como direito de propriedade, De qualquer forma, para a maior parte da anil Proposta aqui ndo sera necessario enfatizar a distingao entre direitos ¢ poderes, de modo Usarei em geral os termos num pat. a Scanned with CamScanner pessoas com as coisas: ter direitos e poderes quanto a terra, por exemplo, ne os relacionamentos sociais de uma pessoa com outras quanto ao uso terra ¢ a apropriagao dos frutos do seu uso produtivo. Isso significa que as des de poder envolvidas nas relacdes sociais de producio dizem respeito Imanciras como as atividades das pessoas so reguladas ¢ controladas, nio nas a distribuicao de uma série de coisas valiosas. Relacdes de classe como uma forma das relagées de producao Quando os direitos ¢ poderes das pessoas sobre os recursos produtivos so tribuidos de forma desigual - quando algumas pessoas tm mais direitos/ deres que outras sobre determinados recursos produtivos — essas relagdes po- m ser descritas como relagdes de classe. O contraste fundamental nas socieda- 's capitalistas, por exemplo, é entre os proprietarios dos meios de producao € detentores da forga de trabalho, “posse” que descreve direitos e poderes sobre recurso empregado na produgao. Os direitos e poderes em questio nao sao definidos em fungao da proprie- de ou controle de coisas em geral, mas apenas de recursos ou bens enquanto npregados na producao. Um capitalista nao é simplesmente alguém que possui iquinas, mas alguém que possui maquinas ¢ as utiliza num processo produ- , contratando detentores da forca de trabalho para usar essas maquinas e rigindo o processo pelo qual elas sao usadas para produzir coisas, aproprian- -se por fim dos lucros gerados pelo seu uso. Um colecionador de maquinas Ho é, em virtude exclusivamente dessa posse, um capitalista. Para haver uma lacao de classe € portanto suficiente a existéncia de direitos e poderes siguais em relagao a simples propriedade de um recurso. Deve também haver ireitos ¢ poderes desiguais quanto apropriacao dos resultados do uso desse curso. Em geral isso implica apropriar-se da renda gerada pelo emprego do curso em questao. Variacées nas relacées de classe Em certos usos do termo “classe” faz pouco sentido falar de.tipos qualita- vamente diferentes de relacdes de classe. As classes s4o simplesmente identi- adas a algumas categorias universais, genéricas, como “possuidores” e “des- ssuidos”. Pode ainda haver, naturalmente, variagdo quantitativa—a defasagem tre ricos e pobres pode variar tanto quanto a distribui¢do da populacdo nessas tegorias. Mas nao hd espaco tedrico para variacdo qualitativa na natureza das lagdes de classe. Uma das ideias centrais na tradigéo marxista € de que ha muitos tipos de lagdes de classe, e assinalar em que se assenta essa variacao é de importan- iia fundamental. A ideia basica € de que diferentes tipos de relacées de classe Scanned with CamScanner sao definidos pelos tipos de direitos e poderes incorporados nas relagdes producdo. Considerem, por exemplo, trés tipos de relagdes de classe que sat com frequeéncia distinguidos na tradigao marxista: escravagismo, feudalismo capitalismo. Nas relagdes de escravidao, dizer que um escravo “pertence” au dono € especificar uma gama de direitos e poderes que 0 senhor de escravc tem sobre um recurso especifico usado na produgao: as pessoas. Num. extremo, o senhor tem virtualmente direitos absolutos de propriedade sol escravo. No capitalismo, ao contrario, a propriedade sobre pessoas € proibic As pessoas tém permissao no capitalismo de possuir terra capital, mas proibidas de exercer posse sobre outras. Esta é uma das grandes Tealizagoes do capitalismo: o sistema alcancou uma distribuicao radicalmente igualitaria. desse bem especifico, cada um possuindo wma unidade da forca de trabalho, ‘ou seja, apenas a si mesmo. nay i Dessa maneira, 0 que € comumente chamado “feudalismo” pode ser vist como uma sociedade na qual os senhores feudais ¢ os servos tém direitos de propriedade conjuntos sobre 0 trabalho do servo. A descricao convencional de feudalismo é uma sociedade na qual os camponeses (servos) so forcados a trabalhar parte da semana na terra do senhor e livres para trabalhar 0 resto d semana na terra sobre a qual tém algum titulo de uso. Essa obrigacao de traba- Ihar parte da semana na terra do senhor significa, com efeito, que 0 senhor tem direitos de propriedade sobre 0 servo sob a forma de direito de usar o trabalho) do servo certa parte do tempo. Tal propriedade menos absoluta que'a ‘do se- nhor de escravos — dai a expressdo “posse conjunta” do servo pelo senhor feudal ¢ 0 proprio servo. Quando um servo foge das terras para a cidade tentando es. capar a essas obrigacoes, 0 senhor tem o direito de ir buscd-lo e trazé-lo de volta a forca. Com efeito, ao fugir o servo rouba algo que pertence ao senhor feudal: 08 direitos a parte do seu trabalho®. Assim como um dono de industria ‘no ca- pitalismo teria 0 direito de acionar a policia para recuperar maquinas roubadas da fabrica pelos operarios, o senhor feudal tem o direito de usar a coerc4o para recuperar mao de obra roubada ao feudo pelo servo. O problema da complexidade nas relades concretas de classe Muito da ret6rica da andlise de classe, especialmente na tradicao marxista, caracteriza as relagdes de classe em termos bem fortes, simplificados, polariza- dos. As lutas de classe so retratadas como batalhas entre a burguesia e 0 prole- tariado, entre senhores feudais e servos, entre senhores e escravos. Essa imagem 8. A expresso comum para descrever o direito dos senhores de trazer a fora os camponeses de volta ao feudo é de que o camponés esta “amarrado A terra” por obrigagdes feudais. Uma vez qui o'eixo dessa ligacdo forcada a terra sto os direitos do senhor sobre o trabalho do servo (ou pe ‘menos aos frutos do trabalho sob a forma de arrendamento), 0 contetido da relacao de cl: realmente estd centrado nos direitos e poderes de propriedade sobre a mao de obra. 26 Scanned with CamScanner plificada capta, num nivel abstrato, algo fundamental sobre a natureza das des de classe: clas de fato generalizam, como veremos, antagonismos de sresses subjacentes aos conilitos abertos. Mas a imagem polarizada é também {voca, pois nas sociedades concretas situadas no tempo e no espaco as rela~ 5s de classe nunca sao tao simples, Uma das tarefas da andlise de classe ¢ dar cisio A complexidade e explorar suas ramificagdes. Dois tipos de complexidade sAo especialmente importantes. Primeiro, na fioria das sociedades diferentes tipos de relacdes de classe coexistem e se in- ligam de varias maneiras’. No sul dos Estados Unidos antes da Guerra Ci- |, por exemplo, coexistiam relacdes de classe escravagistas ¢ capitalistas. A namica € as contradigdes espectficas dessa sociedade decorriam da mancira mo se combinavam distintos princfpios de relacdes de classe. Certos tipos de foura de parceria nos Estados Unidos no inicio do século XX continham ele- ntos surpreendentes de feudalismo, também combinados de forma complexa jm relacoes capitalistas. Se quisermos descrever a propriedade burocratica de tado sobre os meios de producao como um tipo distinto de relagdo de classe, io muitas sociedades capitalistas avancadas de hoje combinam o capitalismo m relagdes de classe estatais. Entender plenamente as relacdes de classe das ciedades efetivas requer, entao, identificar as maneitas como se combinam. ferentes formas de relagdes de classe. Segundo, como ja vimos em nossa breve discussio do feudalismo, os direi- Js e poderes que as pessoas podem ter sobre dado recurso so na verdade feixes mplexos de direitos e poderes, nao simples direitos de propriedade unidimen- nais. Quando as pessoas pensam nas variedades de direitos e poderes sobre krios fatores de producao, é comum tratar esses direitos e poderes como tendo a estrutura bindria simples: ou voce possui uma coisa ou nao. No uso coti- ano e corriqueiro do termo, “posse” parece ter este cardter absoluto: se possuo livro, posso fazer dele 0 que quiser, inclusive queimé-lo, usi-lo para escorar porta, desfazer-me dele, vendé-lo, e assim por diante, Na verdade, mesmo posse de coisas comuns é muito mais complexa que isso. Alguns dos direitos poderes sio detidos pelo “dono” e alguns por outras pessoas ou agentes cole- os. Considere-se, por exemplo, as maquinas numa fabrica capitalista, Em lin- agem convencional, elas “pertencem’” aos capitalistas donos da empresa, uma 2 que as adquiriram, podem vende-las, usd-las para gerar lucto, ¢ assim por iante. Mas isso nao significa que os capitalistas tem direitos poderes totais absolutos sobre 0 uso dessas maquinas. Podem apenas coloca-las em funcio- “Anticulagto dos modos de produgio” é uma expresso técnica frequentemente usada para crever uma situagio em que formas distintas de relagoes de classe cocxistem em diferentes ‘dades de produgao. Tipicamente em tais situacdes a articulagao toma a forma de relagoes de Foca entre os distintos tipos de relagdes de classe. No sul dos Estados Unidos antes da Guerra vil havia escravagismo nas {azendas ¢ capitalismo nas {abricas. As plantacoes forneciam 0 god as fabricas eas fabricas forneciam 0 maquinario agricola as fazendas. 2 Scanned with CamScanner _-* namento, por exemplo, se as maquinas se ajustarem a certos regulamel seguranca ¢ antipoluigao impostos pelo Estado. Se a fabrica opera num social altamente sindicalizado, pode ser que o capitalista seja forgado a cor apenas trabalhadores sindicalizados para operar as maquinas. Com efeit os regulamentos estatais sobre as maquinas quanto as restricdes sindi mercado de trabalho significam que algumas dimensdes dos direitos de prop dade das maquinas foram wansferidos do capitalista para um agente coletij Isso quer dizer que os direitos absolutos de propriedade capitalista dos meios produgao foram ao menos parcialmente “socializados””. : Os seguintes tipos de complexidade perpassam o capitalism contempora neo: resiri¢des governamentais sobre praticas nos locais de trabalho, represen.) tacdes sindicais nos conselhos de administracao, esquemas de decisao conjunt opcdes acionarias para os empregados, delegacao de poderes a hierarquias ge: tenciais etc. Tudo isso sio maneiras variadas pelas quais se decompoem e redi tribuem os poderes e direitos de propriedade incorporados na ideia de “ sobre os meios de producao”. bsg Tal redistribuicdo de direitos e poderes constitui uma forma de variacao ni relagdes de classe, Esses sistemas de direitos e poderes redistribuidos miudai as relagées de classe para modalidades consideravelmente afastadas da simpl abstracio de relagdes perfeitamente polarizadas. O que ndo quer dizer que as te" lagées de classe deixam de ser capitalistas — pois o poder basico sobre a alocacao} de capital e o comando dos lucros permanecem, apesar dessas modificacdes, sob o controle privado dos capitalistas —, mas significa que as estruturas capitalistas de classe podem variar consideravelmente dependendo das formas espectficas! com que esses direitos e poderes sao rompidos, distribuidos e recombinados. Um dos objetivos da andlise de classe é compreender as consequéncias des- sas formas de variacao das relacées de classe. Tal’ complexidade, no’ entanto, € complexidade na forma das relacdes de’classe, nao algum outro tipo de telagdo social, uma vez que as relacdes sociais em questéo continuam sendo constituidas pelos direitos e poderes desiguais das péssoas sobre bens eco- nomicamente relevantes. Situacées de classe i Grande parte do debate sociolégico sobre classe vem a ser na pratica um deba-; te sobre 0 inventario optimal das situacdes de classe — ou expressdes equivalentes,, 10. Isso pode ser também descrito como uma situacdo na qual as relagdes capitalistas e socialist de classe se interpenetram. Se a articulacdo de diferentes relagdes de classe se refere a uma situacio nna qual distintas relaces de classe existem em diferentes unidades de produgdo ¢ entao interag através de relacdes externas, a interpenetracao de diferentes relagdes de classe é uma situacdo qual a distribuicio de direitos e poderes sobre os bens dentro de uma tinica unidade de prod combina aspectos de dois tipos distintos de relagdes de classe. Scanned with CamScanner 10 “categorias de classe” — mais do que sobre relacées de classe como tais. Em medida isso ocorre porque muito da pesquisa empirica, sobretudo quantita- gira em torno de dados aplicados a individuos, tornando-se assim importante pacidade de situar os individuos dentro da estrutura social. No caso da andlise asse, isso implica atribuir-lhes um lugar dentro das relagdes de classe. Por Ja questo pritica, qualquer exercicio desse tipo requer que se decida quais {crios vao ser empregados para distinguir as diferentes situacdes de classe antas” categorias de classe serio geradas utilizando-se esses critérios. Nao ha nada errado em usar dessa maneira 0 conceito de classe em pes- ‘a. Mas, a0 menos na tradi¢io marxista, é importante nao perder de vista 0 de que as “situagdes de classe” designam as posicées sociais ocupadas por iividuos dentro de um tipo especifico de relacao social que sao as relagdes de ssc; nao simplesmente/ um /atributo pessoal atomizado, A premissa por tras ideia de relagdes sociais é de que quando as pessoas cuidam de suas vidas mundo, quando fazem opcées e atuam de variadas maneiras, suas agdes S40 s’ematicamente estruturadas por suas relacdes com outras pessoas que estao bem fazendo opgées e agindo!. “Relacdo social” é uma forma de falar so- a qualidade interativa inerentemente estruturada da aco humana. No caso ecifico das relagdes de classe, 0s direitos e poderes que as pessoas tém sobre ursos produtivos é que sao importantes para a qualidade interativa estruturada acao humana. Falar sobre uma “situagao” dentro de uma relacdo de classe lento, situar os individuos dentro desses padrdes estruturados de interacdo. Complexidade nas situacaes de classe A primeira vista pode parecer que o problema de especificar situagdes de sse é bem simples. Primeiro vocé define 0 conceito de relagdes de classe e en- voce deduz dessas relacdes o inventario das situagdes de classe. No capitalis- lo, a relacao fundamental de classe é a relacdo capital/trabalho, e isso determina ‘as situagdes de classe, a dos capitalistas e a dos trabalhadores. Como na nossa discussao do problema da complexidade nas proprias rela- Jes de classe, para alguns problemas pode ser suficiente distinguir apenas duas ruagdes de classe nas sociedades capitalistas. Mas para muitas perguntas que possa fazer e em cujas respostas figura o problema das situacdes de classe, |. Dizer que as pessoas fazem escolhas ¢ agem em relagdes estruturadas com outros individuos ¢ também optam e agem deixa aberta a melhor maneira de teorizar a escolha € a aco. Nao implicagao, por exemplo, de que as.escolhas slo feitas com base em algum processo de ;ximizacio racional ou mesmo que todas as agdes so opgdes conscientes. Também nao esta iplicado, como gostariam de argumentar 0s individualistas metodoldgicos, que a explicacao dos 1cessos sociais possa ser reduzida a atributos dos individuos que optam e atuam. As proprias lacoes podem ser explicativas. O conceito de relagao social usado aqui, portanto, nao implica a teoria da opcao racional ou versdes reducionistas do individualismo metodol6gico. 29 Scanned with CamScanner Re » esse modelo bindrio simples pode ser lamentavelmente inadequado. Se ¢ mos entender a formacdo da experiéncia subjetiva das pessoas no trabalho dilemas enfrentados pelos representantes sindicais nas fabricas, a tendencia pessoas de formar diversos tipos de coalizio nos conflitos politicos ou a: pectiva de se ter uma vida materialmente confortavel, é improvavel que defi cada um como capitalista ou trabalhador dentro de um modelo polarizado relacoes de classe nos diga tudo 0 que queremos saber. Dada essa inadequagio explicativa do modelo bindrio de localizacao, frentamos dois tipos de opeao basicos. Uma alternativa € manter o mo simples de “duas classes” ¢ entio acrescentar andlise complexidades que na sao tratadas como tais na mera localizacao de classe. Assim, por exemplo, pa entender a formacdo da experiéncia subjetiva das pessoas no trabalho, pod mos introduzir um conjunto de varidveis concretas relativas as condicdes d trabalho que so relevantes para entender essa experiéncia espectfica ~ g de autonomia, proximidade das instancias de supervisio, niveis de respo bilidade, complexidade cognitiva das tarefas, demandas fisicas, perspectivas dé promogio etc. Essas varidveis seriam entao tratadas como fontes de variacdo n experiéncia de pessoas que ocupam posicdes da classe trabalhadora dentro da relagdes de classe, posicdes definidas nos termos binarios simples do model A outra opgao é ver algumas dessas varidveis nas “condigées de trabalho” como variagées efetivas nas formas concretas de localizacao das pessoas dentro das re- lagées de classe. O grau de autoridade que um empregado tem sobre outros, po exemplo, pode ser visto como reflexo de uma forma especifica de distribuicao de direitos e poderes no processo de producao. 4 No meu trabalho de andlise optei pela segunda estratégia, tentando incorpo: rar diretamente no relato das situagdes de classe uma consideravel complexida- de. E 0 faco, espero, nao na teimosa crenca de querer montar nossos conceitos: de classe de tal forma que a pura situagao de classe explique o maximo posstvel, mas porque acredito que muitas dessas complexidades o sao da maneira con- creta pela qual direitos e poderes sobre os recursos ¢ atividades econdmicos se distribuem nas situagdes dentro das relagées de classe. A técnica ¢ introduzir a complexidade na andlise das situagoes de classe de forma sistematica e rigorosa, em vez de encara-la como casual e cadtica. O qu significa tentar perceber os principios pelos quais é gerada a complexidade entdo especificar as implicagées desses princfpios para 0 problema da localiza Gao das pessoas dentro de relacdes de classe. Cinco fontes dessa complexidade parecem especialmente importantes na andlise de classe: ste isenzaer dco e pods do lee das arbe ek oe Nee ae poderes do feixe das relacoes de classe. as ised Bescay ae waleag das pessoas individualmente em situag6 z iplas posicdes de classe ao mesmo tempo. Scanned with CamScanner 3) A complexidade dos aspectos temporais das situagdes de classe: carreira versus posi¢ao. 4) Camadas ou estratos dentro das relagdes. 5) Familias e relacdes de classe. Desemaranhar direitos ¢ poderes. Se os direitos e poderes ligados as relagdes iclasse sdo realmente feixes complexos de direitos e poderes que se podem ‘ompor, entao eles so em potencial parcialmente desemaranhaveis do feixe organizaveis de maneiras complexas. Isso pode gerar situagdes de classe a me referi como “posigdes contraditorias dentro das relagdes de classe”. gerentes de empresas, por exemplo, podem ser vistos como funcionarios exercem alguns dos poderes do capital - contratar e demitir empregados, ar decisdes sobre novas tecnologias e mudan¢as nos processos de trabalho = € nesse sentido ocupam a posicao do capitalista nas relacoes de classe. Ir outro lado, em geral no podem vender uma fabrica ¢ reverter o valor de s bens em beneficio proprio, podendo também ser demitidos de seus cargos los donos estiverem insatisfeitos com eles — ¢, nesse sentido, ocupam posi¢ao ifabalhadores dentro das relagdes de classe. O pressuposto por tras dessa ratégia analitica para entender o carater de classe dos gerentes €, entdo, que dro especifico de direitos ¢ poderes sobre os recursos produtivos que se am combinados em determinada posicao define um conjunto de processos sais reais e significativos. Outro candidato a uma espécie de “situacdo contraditéria de classe” esta maneira como certas habilidades credenciais conferem a seus possuidores eitos ¢ poderes efetivos sobre muitos aspectos do seu trabalho!®. Isso € par- ularmente verdadeiro no caso de|profissionais empregados'cujoycontrole das foprias condigdes de trabalho constitui uma forma distinta de relagao com hus empregadores. Mas aspectos dessas relagdes de emprego dotadas de poder 1bém caracterizam muitas fungdes profissionais altamente especializadas"*. Para o desenvolvimento desse conceito, cf. Wright (1985, cap. 2) e Wright etal. (1989, cap. 1). . 0 controle sobre as condigdes de trabalho constitui uma redistribuigao de direitos e poderes relagdes capital-trabalho na medida em que os empregadores ndo tém mais a capacidade de igi efetivamente a atividade laboral desses empregados e sto forcados a oferecer-Ihes contratos Tongo prazo razoavelmente seguros e com o que John Goldthorpe chamou de “perspectivas de :mios”, No caso extremo, como Philippe Van Parijs argumenta em Wright etal. (1989, cap. 6), $0 praticamente equivale a dat aos empregados algo parecido com direitos de propriedade sobre Jus empregos. John Goldthorpe descreve esse tipo de relacao de trabalho como uma relacao de rvico, para distingui-la da relagdo salarial comum de trabalho que caracteriza as pessoas em sigdes da classe trabalhadora Formulei de varias maneiras ¢ em diversos momentos a qualidade dessas posicdes numa ltuagdo contraditoria de classe. Num trabalho inicial (WRIGHT, 1978) chamei essas pessoas de smpregados semiautonomos”, ressaltando o controle que tinham sobre as condigdes de trabalho, a Scanned with CamScanner Localizagao das pessoas em situacdes de classe. O8 Widividuos podem ter trabalhos situados diferentemente dentro das relacdes sociais de producao: guém pode ser um executivo ou operirio numa empresa e trabalhar como au nomo em outra atividade. Essa pessoa na verdade encontra-se em duas situagd, de élasse-ao- mesmo tempo, Um operario de fabrica que trabalha também co} carpinteiro autnomo situa-se nas relagdes de classe de modo mais comple} que outro nao o faz. Alémidissoyalgumas pessoas em situagao/de'classe o raria numa empresa capitalista podem também possuir acdes (seja da pro empresa em que trabalham, seja de outras) € assim ocupar, ainda que de fo limitada, também uma posigdo capitalista, Empregados de uma companhia q tenha um Plano de Participacdo Acionaria efetivo nao deixam por isso de “p tencer” a classe operaria nas relagées capitalistas, mas ja no estao meram nessa posicao: ocupam simultaneamente duas situacdes de classe. Temporalidade das situacdes. Alguns/empregos si0\ parte de\trajetorias carreira, sequéncias ordenadas de mudangas de trabalho ao longo do tempo, n: quais ha uma razoavel probabilidade de que © carater de classe das ocupaco v4 mudandos Em algumas organizacoes de trabalho, por exemplo, a maiori dos que ocupam posi¢des gerenciais comecam em posicdes nao diretivas, may jé com a expectativa de galgar cargos de comando apés uma espécie de aprendi: zado de base, com subsequentes promocoes pelas hierarquias de gestao. Ainda que possam por um tempo trabalhar lado a lado com os empregados comun: suas “fungdes” so, desde o inicio, ligadas a carreiras gerenciais. Por que isso importa para compreender o carater de classe de tais atividades? Importa por que tanto os interesses quanto a experiencia das pessoas que as exercem sao sig- nificativamente afetados pelo futuro provavel associado ao seu tipo de trabalho. Isso significa que a localizacao de pessoas nessas condicées dentro das telagées) de classe tem o que se poderia chamar de complexidade temporal. Além disso, uma vez que o futuro é sempre incerto, a dimensao temporal das situagdes de) Classe também significa que a posicdo de uma pessoa nas relacoes de classe pode ter certo grau de indeterminacao ou incerteza temporal. Estratos e situacoes de classe. Se as situacdes de classe so definidas pelos direitos e poderes que as pessoas tém sobre os recursos produtivos ¢ as ativi- dades econémicas, entdo outra fonte de complexidade dentro das situacoes de classe esta na quantidade de recursos e no escopo das atividades que es- ses direitos e poderes controlam. Hajcapitalistas que possuem e controlam vasta quantidade de capital e empregam milhares de trabalhadores em todo, 0 mundo, mas ha capitalistas que empregam pequeno ntimero de pessoas ig ee Prsteio (WRIGHT, 1985, 1997) referi-me a elas como “especialistas”, ressaltand\ le do conhecimento e credencit i is v y fillaua & placa ea maneira como isso afetava sua relac’o com 2 Scanned with CamScanner n unico lugar. Uns € outros sio “capitalistas” em termos de relagdes de \ducdo, mas ha uma diferenca enorme no poder que detém. Entre pessoas adas na classe trabalhadora variam as habilitacdes ¢ a correspondente acidade de mercado”, ott seja, de aspiragao salarial pelo trabalho. Se s habilitacdes sio bastante escassas no mercado, elas podem até exigit componente de “renda” no salario. Tafito 0s trabalhadores qualificados nto OS sem especializagdo ocupam posigdes na classe trabalhadora na ida em que nao controlam meios de produgao ¢ tém que vender sua ‘a de trabalho para obter os meios de subsisténcia, mas entre eles varia juuantidade de um recurso especifico, que € a habilitagao. Tais variagoes antitativas entre pessoas numa situacao de classe semelhante podem ser ‘tidas como diferentes estratos. Familias ¢ situacdes de classe. As pessoas estao ligadas a relagdes de classe apenas por seu proprio envolvimento direto no controle e uso de recursos dutivos, mas também por varios outros tipos de relagdes sociais, especial- nte-as de familia’e parentesco, A razio pela qual nos interessa a “situacdo” classe de uma pessoa é que acreditamos que através de varios mecanismos experiéncias, interesses e escolhas serdo moldados pela maneira como suas Jas fazem intersecdo com as relagoes de classe. Se vocé é casada com um capi- sta, independente do que vocé mesma faca na vida, seus interesses ¢ opcdes Hi a0/ menos parcialmente condicionados por ess¢ fato. E tal fato é um fato Isua “situacdo”. Essa dimensao particular do problema das situagdes de classe le ser definida como “situagdes mediadas dentro das relacoes de classe”. situacdes mediadas sio especialmente importantes para entender a situacao classe de criangas, aposentados, donas de casa e cOnjuges que dividem 0 tento da casa, As situacdes mediadas acrescentam interessantes complexida- a andlise de classe em casos nos quais a situacao direta de classe - 0 modo no a pessoa se insere nas relagdes de classe através do seu trabalho - difere sua situacdo mediada de classe. E 0 caso, por exemplo, de uma digitadora trabalha num escritorio e é casada com um executivo de empresa. A medida fe aumentam a proporgao de mulheres casadas com empregos assalariados e lempo que passam na forca de trabalho, a existéncia desses “lares de classe ta”, como sao as vezes chamados, torna-se uma forma mais marcante de plexidade nas situacdes de classe'®. Esses tipos de complexidade para definir as situagdes de classe tornam proble- ilicas certas formas corriqueiras de falar sobre classe. Com frequéncia as pessoas CE. Wright, 1997, cap. 10. Na década de 1980, praticamente 1/3 dos lares mantidos pelos dois conjuges nos Estados jdos poderia ser classificado como de familias de classe mista, o que quer dizer que 12% da jpulagdo adulta vivia em tais domictlios. 33 Scanned with CamScanner perguntam quantas classes existem. O trabalho que fiz sobre estrutura de cla por exemplo, foi descrito como um “modelo de doze classes”, por ter constr em parte da pesquisa uma varidvel de classe em doze categorias para estudar coi como consciéncia e mobilidade de classe. No modelo que proponho aqui acho ¢ tipo de questo deslocado. Uma “situagao” de classe nao € “uma classe”, mas u situacao dentro de relagdes. O ntimero dessas situagdes numa analise de estr de classe depende, pois, do nivel de detalhamento necessario ao proposito qu tenha”, Para satisfazer algumas questdes de pesquisa € desejavel diferenciacio lativamente detalhada de situacdes dentro das relacdes de classe, uma vez q formas precisas de conexao a direitos e poderes sobre recursos podem ter import Na minha pesquisa sobre a relagdo entre situagdo € conscién junto de categorias bem ref cia explicativa. classe, por exemplo, senti que seria relevante um conj nadas'®, Para outros problemas pode ser mais reveladora uma descricao grosseirad situagdes dentro das relagées. No meu trabalho sobre 0 problema do compromiss de classe achei que era apropriado um modelo mais simples de duas situacdes classe consistindo apenas de trabalhadores e capitalistas””. Macro e microandlises de classe Aanilise de classe ocupa-se tanto de nfveis macro quanto micro. O conceit basico de macroanilise ¢ a estrutura de classe. A soma total das telacoes de class em dada unidade de andlise pode ser chamada de “estrutura de classe” daquel unidade de andlise. Pode-se falar assim de estrutura de classe de uma empre: de uma cidade, de um pais, talvez do mundo. Tradicionalmente, a nacao-Estadg tem sido a unidade privilegiada de andlise para definicao da estrutura de classe © que se justifica, em parte, pela importancia do Estado como instituicao qui impoe os direitos e poderes centrais sobre os bens que constituem a base das re lagdes de classe. No entanto, dependendo do problema que se investiga, out unidades de andlise podem ser apropriadas. ‘A macroanilise de classe centra-se nos efeitos das estruturas de classe unidade de andlise em que se definem. A andlise de como a mobilidade in ternacional do capital restringe as op¢des politicas dos estados, por exemp! constitui uma macroinvestigacao dos efeitos de um tipo especifico de estrut de classe sobre os estados, A andlise de como a concentragio ou dispersao d propriedade de capital num setor especifico afeta as condigdes para a organizs cdo sindical seria uma macroinvestigacdo da formacao de classe. 17, Minha opinio sobre o problema do “ntimero” das situacdes de classe € muito semelhal as de Erickson e Goldthorpe, que escrevem que “a tinica resposta sensivel [para a questid quantas classes existem] é, acreditamos, ‘tantas quantas seja empiricamente wtil distinguir um proposito analitico especifico” (ERICKSON & GOLDTHORPE, 1993, p.46). 18, Cl. Wright, 1997, cap. 14, 9. CI. Wright, 2000, p. 957-1.002. Scanned with CamScanner A microanilise de classe tenta entender as maneiras como a classe exerce pacto sobre os individuos. Em esséncia é a anilise dos efeitos das situagées de sse sobre varios aspectos das vidas dos individuos. Andlises das estratégias de rcado de trabalho adotadas por operrios ndo qualificados ou dos efeitos das idancas tecnolégicas sobre a consciéncia de classe ou ainda das contribuicées Iiticas de executivos de empresas seriam exemplos de microanalises de classe. Macro e microanilises de classe estao ligadas de maneiras complexas. Por lado, as estruturas de classe nao sao totalidades desincorporadas que geram icrocfeitos independentemente das agdes € opcdes dos individuos: os ma- processos tém microfundacées. Por outro lado, os microprocessos através js quais a posicdo de uma pessoa nas relagdes de classe molda suas opor- idades, consciéncia e acées ocorrem em macrocontextos que afetam pro- damente as maneiras pelas quais operam esses microprocessos: ou seja, 0s icroprocessos sao mediados por macrocontextos. A andlise de classe, como ja andlise sociolégica, procura entender tanto os niveis micro quanto macro as interagdes. “Agencia” de classe As questées que abordamos até aqui foram quase inteiramente de cardter rutural. Isto é, examinamos a natureza das relacoes sociais em que vivem e m as pessoas € como podem ser entendidas em termos de classe, mas nao semos muito sobre a propria acdo. A andlise marxista de classe é, em ultima ancia, sobre as condicées e processos de mudanga social e, portanto, pre- mos de um conjunto de categorias através das quais possamos entender as es das pessoas que reproduzem e transformam essas relagdes sociais. Cinco \ceitos sao particularmente relevantes para esse propésito: interesses de clas- consciéncia de classe, praticas de classe, formagées de classe e luta de classes. « Interesses de classe: SA016s interesses matériais das pessoas decorrenteside Sua situagao dentro das rélagoes!de ‘classes “Interesses materiais” incluem uma série de questdes — padrdes de vida, condigdes de trabalho, nivel de esforco, lazer, seguranca material e outras coisas. Descrever os interesses que as pessoas tém nessas coisas como interesses “de classe” equivale a dizer que as oportunidades e intercambios que as pessoas tém ao perseguir esses interesses so estruturados por suas situacoes de classe. Uma descricao des- ses interesses fornece a ponte tedrica crucial entre a descri¢ao das relacoes de classe e as acdes dos individuos dentro dessas relacoes. * Consciéncia de classe: O conhecimento subjetivo que as pessoas tem dos seus interesses de classe ¢ das condigoes para favorecé-los. * Praticas de classe: As atividades em que se envolvem os individuos, tanto como pessoas separadas quanto como membros de coletividades, na busca dos seus interesses de classe. Scanned with CamScanner * Formacées de classe: As coletividades que as pessoas formam a fim de Gilitar a busca dos interesses de classe. Tais grupos vao desde organiza altamente conscientizadas para favorecer seus interesses, tais como sindi tos, partidos politicos ¢ associagoes de empregados, até formas mais fro de coletividade como as redes e comunidades sociais. * Luta de classes: Conflitos entre praticas individuais ou coletivas na bi de interesses opostos dle classe. Tais conflitos vao desde as estratégias inc duais de trabalhadores no processo laboral para reduzir seu nivel de lal até conflitos entre coletivos altamente organizados de capitalistas e tral Thadores sobre a distribuicao de direitos e poderes no processo de produ Alegacoes explicativas: metatese fundamental da analise de classe ‘A metatese fundamental da andlise de classe é de que alclasse\(iv €, as Jagdes de classe, as situacdes de classe e a estrutura de classe), entendida maneira acima exposta, tem importantes ¢ sistematicas consequéncias nao para a vida dos individuos como para a dinamica das instituigdes. Pode-se diz que “a classe importa” é um Iema. Num nivel microcésmico, realmente té consequéncias na vida das pessoas os fatos de elas venderem ou nao a sua for de trabalho em um mercado de trabalho, terem ou nao o poder de dizer a outros o que fazer no processo de trabalho, possuirem ou nao grande montant de capital ow credenciais de valor legalmente reconhecidas etc. Nownivel macro césmico, ha consequéncias para o funcionamento de varias instituigdes no fal de os direitos sobre o uso € alocagao dos meios produtivos estarem ou nao alt mente concentrados nas maos de uns poucos, assim como no fato de alguns d ses direitos terem sido apropriados pela autoridade pitblica ou se encontra sob controle privado, no fato de existirem ou nao barreiras significativas pat a aquisicao de diversos tipos de bens por pessoas que nao os possuem, € assi por diante. Dizer que “a classe importa”, portanto, é afirmar que a distribuiga de direitos e poderes sobre os recursos produtivos basicos de uma sociedade ten consequéncias importantes e sistematicas para a andlise social tanto no niv macrocésmico quanto microcésmico. No centro dessas alegacdes esta um par relativamente simples de propo: goes sobre os efeitos das relacdes de classe no microcosmo das vidas individuai Proposicao Proposicao 0 que obtém. A primeira proposicao diz respeito, acima de tudo, a distribuigio de re A alegacdo da anilise de classe, portanto, é de que os direitos e poderes que pessoas tem sobre os bens produtivos sio um elemento determinante signifi tivo e sistematico de seus padres de vida;/o que voce tem determina o que O que vocé tem determina o que voce obtém. O que vocé tem determina o que vocé tem que fazer para obt 36 Scanned with CamScanner ¢m. O segundo processo causal diz respeito, sobretudo, a distribuicao das ati- jes Cconomicas. A tese da anilise de classe, mais uma vez, é de que direitos \deres sobre os bens produtiyos sao um elemento determinante sistematico € ificativo das estratégias e priticas adotadas pelas pessoas para adquirir seus imentos, quer tenham que bater perna & procura de emprego, quer tomem isOes sobre investimentos mundo a fora, quer tenham que se preocupar em rar pagamentos parcelados de divida bancéria para manter uma fazenda em ‘dade. O que voce tem determina 0 que vocé tem que fazer para obter 0 que ob- . Outros tipos de consequéncias que estao ligados a classe — comportamentos fitorais, atitudes, formacao de amizades, satide etc. — sao efeitos secundarios ses dois processos primarios. Quando os analistas de classe argumentam, por mplo, que a situacao de classe ajuda a explicar 0 voto, é porque geralmente reditam que a situagao de classe afeta a experiéncia vivida das pessoas no tra- IhG (i. €, as experiéncias geradas pelas atividades de trabalho) e quelisso, por vez, afeta as preferéncias. Nao sao alegacoes triviais. Poderia acontecer, por exemplo, de a distribuigao direitos e poderes dos individuos sobre os recursos produtivos ter relativa- nte pouco a ver com sua renda ou atividades econdmicas. Suponhamos que a -vidéncia social garantisse uma renda basica universal para todos, o suficiente a manter um padrao de vida decente. Em tal sociedade, 0 que as pessoas tivessem seria significativamente, embora nao inteiramente, desligado do que }sstissem. De modo similar, se 0 mundo se tornasse uma espécie de loteria tinua na qual praticamente nado houvesse estabilidade quer numa geracao entre geragdes no que diz respeito a distribuicao de bens, ent4o, mesmo que relacdes com tais bens ainda tivessem uma importancia estdtica para a renda, \deria fazer sentido dizer que a classe nao importaria muito. Ora, suponhamos fe o determinante central do que vocé tem que fazer para obter o que obtém a raca, 0 sexo ou a religido e que a posse de bens economicamente relevan- fosse de importancia marginal para explicar as condigdes ou atividades eco- micas de uma pessoa. De novo, numa sociedade dessas, a classe poderia nao muito explicativa (a ndo ser, claro, que a maneira principal de seu género ou ‘a afetar tais condicdes fosse a localizagao das pessoas em posi¢des de classe Im base em sua raca ou género). O simples fato de haver desigualdades de da ou de dominacdo e subordinacao no trabalho nao é prova de que a classe porta; o que tem que ser mostrado é que os direitos e poderes das pessoas so- fe os bens de produgao tem consequéncias sistematicas sobre esses fenomenos. A analise marxista de classe” Como dissemos acima, nao ha nada exclusivamente marxista nas alegacdes plicativas da anilise de classe. “O que as pessoas obtém” e “o que as pessoas ). Partes desta segao sto extrafdas de Wright, 1997, p. 9-19. a Scanned with CamScanner tem que fazer para obter 0 que obtém” sao formulas que soam como “oport nidades de vida". Os analistas weberianos diriam praticamente a mesma coi E por essa razao que ha uma intima afinidade entre os conceitos marxista weberiano de classe (embora menos afinidade nas molduras teéricas mais plas dentro das quais esses conceitos figuram ou no alcance explanatério que atribui a classe). q © que torna uma analise de classe distintamente marxista € 0 fato de m canismos especificos serem vistos como geradores daqueles dois tipos de cor sequéncias, Nessa analise 0 conceito basico ¢ o de exploracdo. ‘Trata-se do el mento conceitual que ancora o conceito marxista de classe na agenda marxist diferenciada de anilise de classe. A exploracao é um conceito complexo e desafiador. Pretende designar w forma especifica de interdependéncia dos interesses materiais das pessoas, a si ber, uma situacao que satisfaca trés critérios: 1) O principio do bem-estar interdependente inverso. O bem-estar material d exploradores depende de forma causal das privagdes materiais dos explora: dos. Isso significa que os interesses dos atores nessas relagdes nao sao ape; nas diferentes, mas antag6nicos: a realizaco dos interesses dos exploradore impoe danos aos explorados. 2) O principio da exclusdo. Essa interdependéncia inversa de bem-estar ent exploradores e explorados depende da exclusao de acesso dos explorados certos recursos produtivos. 3) O principio da apropriacao. A exclusio gera vantagem material dos ex ploradores porque permite que se apropriem do esforco de trabalho do: explorados. Aexploracao, portanto, € um diagnéstico do processo pelo qual as desigual dades sao geradas pelas desigualdades de direitos ¢ poderes sobre os recursos di producao: as designaldades ocorrem, ao menos em parte, pela maneira como o exploradores, em virtude de seus direitos e poderes exclusivos sobre os recurso: sio capazes de se apropriar do excedente gerado pelo esforco dos explorados. Se os dois primeiros desses princfpios estiverem presentes, mas nao 0 te ceiro, pode ocorrer o que se poderia chamar de opressdo econdmica nao explor toria, mas nao propriamente a exploracdo. Nessa hipotese, € ainda verdade q o bem-estar do grupo privilegiado se faz as custas dos desprivilegiados, rela invertida que se baseia na posse e controle dos recursos econdmicos. Mas nut opressdo nao exploratoria nao ha apropriacao do esforco do trabalho, ou sej transferéncia dos frutos do trabalho de um grupo para outro. A implicagao crucial dessa diferenca entre os dois tipos de desigualda que na opressao econdmica nao exploratoria a categoria social privilegiada precisa propriamente da categoria excluida. Embora o bem-estar de uma ©: 38 Scanned with CamScanner utra dependa do principio da exclusdo, nao ha interdependéncia continua de ‘as atividades. No €aso da exploracao, os exploradores precisam ativamente s explorados: os exploradores dependem do esforco los explorados para des- itar de seu proprio bem-estar, Considere-se, por exemplo, o contraste entre tratamento dos povos indigenas pelos colonizadores europeus na América do rte ec na Africa do Sul. Em ambos os lugares 0 bem-estar dos colonizadores ancos foi garantido por um processo de exclusio de acesso dos povos indige- is terra, O bem-estar dos colonizadores estava dessa forma ligado por uma lacado causal as privagdes dos povos indigenas, ¢ essa relagio causal centra- se no controle dos recursos. Mas os dois casos diferem acentuadamente no he concerne ao terceiro critério. Enquanto na Africa do Sul os colonizadores ‘pendiam de modo significative do esforgo laboral dos povos indigenas, pri- ciro como meeitos ¢ pedes agricolas e depois como trabalhadores nas minas, curopeus que colonizaram a América do Norte nao dependiam do trabalho s natives. O que quer dizer que, quando encontraram resistencia nativa & cclusio de posse territorial, os colonos brancos da América puderam adotar na estratégia de genocidio. Uma terrivel expresso popular americana surgida século XIX reflete essa realidade da opressio econdmica nao exploratoria bre os povos nativos: “indio bom ¢ indio morto”. Nao € casual que inexista presstio equivalente para os trabalhadores: “operdrio bom é operatio morto”. de-se dizer que “o bom trabalhador € 0 trabalhador obediente ¢ conscien- $0”, Mas nao “o trabalhador morto”. A’exploracao, emi certo’sentidoy impose rigacdes ao explorador ¢ o constrange, 0 que se pode ver na comparacao entre estino dos indios norte-americanos ¢ 0 dos povos nativos sul-africano: Essa profunda interdependéncia torna a exploracéo uma forma particu- mente explosiva de relagao social por duas razdes: primeiro, a exploracdo nstitui uma relacdo social que simultaneamente opée os interesses de um po aos de outro e requer sua continua interacao; e, segundo, confere ao po desprivilegiado uma forma real de poder com a qual desafiar os interes- dos exploradores. Este € um ponto importante. A exploracéo depende da Uma das diferengas basicas entre 0 conceito de exploragio apresentado aqui e o que Aage sen sustenta em sua andlise dle classe (cap. 5 deste livro) est na distingao entre opressio exploragdo e sem exploracio, Sorensen rejeita essa distingdo, argumentando em relagio a Inha andlise sobre os colonos europeus na América do Norte, que estes *nitidamente criaram feresses antagOnicos que geraram conflito, de modo que nao fica claro o que se acrescenta pela igéncia de transferit os frutos do trabalho”. O prinefpio da apropriagdo nio importaria se tudo jue focamos ¢ a pura presenca ou auséncia de “interesses antagOnicos”, pois tanto na opressio in exploragao quanto na opressio sem exploracio ha certamente um profundo antagonismo, 4 dinamica do antagonismo é bem diferente nos dois contexts: 0s exploradores dependem ¢ Fcisam dos explorados de uma maneira que no ocorre com os opressores que nao exploram, O Hamento que Sorensen da 4 exploragao nao listingue entre uma situagao na qual a exclusto acesso aos recursos simplesmente impde um prejutzo aos excluidos e uma situagio na qual em-estar da camada privilegiada também depende de continuas interagdes com os exclutdos, 39 Scanned with CamScanner apropriacao do esforco do trabalho. Por serem agentes conscientes € nao r {os seres humanos sempre detém niveis significativos de controle real so seu dispéndio de esforco. A extracio de esforco nas relagdes de explo portanto, sempre problematica ¢ precdria em maior ou menor grau, requ instrumentos institucionais ativos para se reproduzir. Tais instrumento se tornar bem dispendiosos pata os exploradores sob a forma de custos d pervisio, vigilancia, sangoes etc. A capacidade de impor tais custos co uma forma de poder entre os explorados. A exploracao, tal como definida aqui, esta intimamente ligada ao problem da dominacao, isto €, as relacdes sociais nas quais as atividades de uma pe so dirigidas e controladas por outra. A dominacao ocorre, primeiro, no prinet pio da exclusao: “possuir” um recurso da a pessoa o poder de impedir outras di usé-lo. O poder exercido por empregadores de contratar e demitir trabalhadore € 0 exemplo mais claro dessa forma de dominacao. Mas a dominacdo tam! ocorre, na maioria das vezes, em conjunto com o principio da apropriacao, um vez que a apropriacao do esforco do trabalho dos explorados geralmente requet formas diretas de subordinacao, especialmente dentro do processo de trabalho sob a forma de chefia, supervisao, vigilancia, ameacas etc. A exploracao cot binada com a dominacao definem, juntas, os aspectos centrais das interacoes estruturadas dentro das relacdes de classe. Na andlise de classe weberiana, tanto quanto na analise marxista de clas-_ se, 08 direitos e poderes que os individuos tém sobre os bens de producao definem a base material das relacdes de classe. Mas para a andlise de inspira cho weberiana esses direitos e poderes sao primordialmente importantes pela mancira como moldam as oportunidades de vida, sobretudo as oportunidades dentro das trocas de mercado, mais do que o modo como estruturam padroes: de exploracao ¢ dominacao. O controle dos recursos afeta a capacidade de barganha nos processos de troca, ¢ isso por sua vez afeta os resultados dessas_ trocas, em especial a renda. A exploracao ea dominacao nao sao pecas centrais nessa argumentacao. | Isso sugere os contrastes entre as molduras marxista e weberiana de and: lise de classe ilustrados na Figura 1.1. Tanto a andlise marxista de clas: quanto a weberiana diferem acentuadamente de simples descrigdes de cl se em gradacdes nas quais a classe é identificada diretamente segundo d gualdades de renda, uma vez que ambas comecam com o problema das rel ées sociais que determinam o acesso das pessoas aos recursos economic Em certo sentido, portanto, as defini¢des marxista e weberiana de relagé de classe na sociedade capitalista partilham os mesmos critérios operacio basicos, Onde diferem ¢ na elaboracdo e especificagao tedricas das implica desse conjunto comum de critérios: 0 modelo marxista vé duas vias causé sendo sistematicamente geradas por essas relacdes — uma operando atra Scanned with CamScanner 5 trocas de mercado ¢ a outra através do proprio processo de producao -, passo que o modelo weberiano traga apenas uma via causal. E 0 modelo jarxista clabora os mecanismos dessas vias causais em termos de explora- jo c dominacao ¢ também pela capacidade de barganha nas trocas; enquan- ‘0 modelo weberiano lida apenas com o poder de barganha nas trocas. Em to sentido, portanto, a estratégia weberiana de andlise de classe aninha-se modelo marxista. Figura 1.1 Trés modelos de andlise de classe J. Analise de classe simples em gradagdes Cental derecal Confit soba sere aenda oper. — me distibigho tundades ce vida) 1. Analise weberiana de classe Relagdo com os capaci de mer onl ern Contito sobre a enseconémcos — —Peadonasrelagies sobre arenda(opor: «> ditibugao ee roca funda de wa) IL. Analise marxista de classe Ccapacidado dome — me Contin cieensl yp Contto soba (A eatonas rates eres ‘serbugao Relao coms etroca vente bens econdmicns Ng x tt Posigto den dos Console teen ee fags de produto sensed > cotoates trabalho (expragso 0 camino) a Esse aninhar do conceito weberiano de classe na concep¢éo marxista sig- fica que em certos tipos de questées havera pouca diferenga prética entre as ‘ilises marxista e weberiana. E especialmente 0 caso de microquestdes acerca impacto da situacao de classe na vida dos individuos. Assim, por exemplo, quisermos explicar como a situagio de classe afeta os padrées de vida das ssoas, nao ha nenhuma razao para 0 conceito de situagio de classe usado na indlise diferir entre uma abordagem marxista e outra weberiana, Ambas tratam relacdo social com os bens geradores de renda, especialmente o capital e as jualificacoes de trabalho, como essencial a definicdo das situagdes de classe”. . Claro, os critérios operacionais adotados podem diferir entre dois analistas confrontados 1m as inevitaveis dificuldades de fazer opcdes pragmaticas. Pex., tanto na abordagem da andlise le classe de John Goldthorpe quanto na minha, os grandes capitalistas, os executivos de a Scanned with CamScanner Naturalmente, qualquer weberiano pode incluir uma anélise da explo da dominacao com base nas relacoes de classe em qualquer investigacao gica especifica. Um dos atrativos da moldura analitica weberiana € sua tota missividade quanto a inclusio de processos causais extras. Tal incluso adicio no entanto, representa importacao de temas marxistas para o modelo web que por si mesmo nao da importancia especifica a essas questdes. Frank fez em um de seus livros conhecida piada sobre a teoria das classes: “Dent cada neomarxista ha um weberiano lutando para escapar”. O argumento sentado aqui sugere uma proposicao complementar, qual seja: “Dentro de ca esquerdista neoweberiano hi um marxistalutando para permanecer escondido A recompensa: Quais as vantagens da andlise marxista de classe? Exploracéo ¢ dominacdo sto termos normativos carregados. Descrever a relagdes de classe dessa maneira ¢ afirmar a critica igualitarista dessas relacdes, Isso € atraente para alguém comprometido com a visdo radicalmente igualita da tradigao marxista, mas claro que nem todo mundo interessado no estudo da classes na sociedade capitalista aceita o igualitarismo radical da agenda norma: tiva marxista. E se alguém acredita que as transformacdes emancipatorias do capitalismo, por mais atraentes que sejam do ponto de vista moral, nao passant de fantasias utdpicas? Ou, mais criticamente ainda, e se alguém acredita que capitalismo nao € especialmente opressivo? Se alguém rejeita a importancia d agenda normativa marxista, isso necessariamente implica também uma com- pleta rejeicao da conceituacdo marxista de classe? Acho que nao. Ha uma série de razées pelas quais elaborar 0 conceito de classe em termos de exploracao e dominacao tem recompensas tesricas para além da agenda normativa especifica da andlise marxista de classe: 1) Conexdo entre troca e produgao. A logica marxista da andlise de classe afirma a intima conexao entre a maneira pela qual as relagées sociais sao organizadas dentro do processo de troca e a maneira como o sao dentro do processo de produgao. Trata-se de um ponto substantivo, no de definicdo: corporagdes € 0s profissionais de “alta graduacdo” ocupam diferentes posicdes nas relagd de classe porque diferem quanto aos tipos de recursos que controlam e a natureza das relagoes emprego em que se situam. Mas ele e eu dierimos nas nossas opcdes operacionais sobre co ttratar essas categorias em nosso trabalho empfrico: enquanto eu mantenho essas tres categor separadas como tipos distintos de situagdes de classe, Goldthorpe funde-as numa classe I mi hheterogenea por razdes essencialmente de cardter pragmatico, Isso ocorre fundamentalmente porque meu trabalho baseia-se na tradicéo marxista ¢ o dele tem ligagao mais proxima co Uadigdo weberiana, uma vez que ambas as tradigdes encaram professores ¢ capitalistas ocupando distintas situagdes de classe. Diferimos por um julgamento pragmatico sobre of € importante manter intima congruéncia operacional com categorias abstratas ¢ onde nao Goldthorpe sente que para as questdes que deseja abordar ha de qualquer forma tao pou capitalistas propriamente ditos em suas amostragens que nao se perde grande coisa em fundis com profissionais muma tinica categoria de classe. 2 Scanned with CamScanner as relagdes sociais que organizam os direitos ¢ poderes dos individuos sobre ‘os recursos produtivos moldam sistematicamente a posico que ocupam tanto nas relacdes de troca quanto no proprio processo de producao. Isso nao significa, é claro, que nao haja variacao independente de troca ¢ produ- cao, mas implica que tal variacdo seja estruturada pelas relacoes de classe, 2) Conflito. Uma das alegagdes padrao sobre a andi ta de classe € que ela coloca o conflito em primeiro plano nas relagdes de classe. Com efcito, maneira convencional de descrever 0 marxismo nos manuais de so- ciologia € vé-lo como uma variedade da “Teoria do Conflito”. Tal carac- terizagao, no entanto, nao € precisa o bastante, pois o conflito é também certamente um aspecto destacado da visio webcriana de classe. O aspecto diferencial da concepcao marxista de relacdes de classe, nesses termos, no ¢ simplesmente o fato de que da proeminéncia ao conflito de classe, mas 0 de que compreende 0 conflito como sendo gerado por caracteristicas ine- rentes a essas relacoes e nao por simples fatores contingentes. A exploracao define uma estrutura de interesses antag6nicos interdependentes na qual a satisfacao dos interesses dos exploradores depende da sua capacidade de impor prejuizos aos explorados. Trata-se de um antagonismo de interesses mais forte do que a simples competicao e que subscreve a maxima marxista prevendo que todo sistema de classe sera montado no conflito. 3) Poder. No préprio corac4o da construcéo marxista da andlise de classe esté no apenas 0 pressuposto de que relacdes de classe geram interesses profundamente antagonicos, mas o de que clas também dao as pessoas em posicdes de classe subordinadas formas de poder com as quais lutar por scus interesses. Como ja observamos, uma vez que a exploragao repousa na extra- cao do esforco de trabalho e uma vez que as pessoas sempre detém alguma medida de controle sobre seu proprio esforco, elas sempre confrontam os exploradores com a capacidade que tém de resistir 4 exploraco”. Isso se reflete nas complexas contraestratégias que as classes exploradoras silo for- cadas a adotar com a elaboracdo de instrumentos de vigilancia, supervisio, monitoramento e sancao. E apenas em fungdo dessa capacidade inerente de resisténcia — forma de poder social fundada nas interdependéncias da explo- ragdo — que as classes exploradoras sao forcadas a dedicar parte dos seus re- cursos a garantir a propria capacidade de se apropriar do esforco do trabalho. 4) Coercao e consentimento. A andlise marxista de classe contém os rudi- mentos do que se poderia chamar uma teoria endégena da formagio do . Importante notar que no ¢ preciso aceitar as implicagbes normativas do conceito de -xploragao” para reconhecer o problema da “extracao do esforco de trabalho”. E um dos temas nirais em discussbes sobre problemas do agente principal em abordagens organizacionais de stos de transagdo. Para discussio especifica de classe ¢ exploragdo em questdes de agente cipal, ef. Bowles e Gint a Scanned with CamScanner “4 consentimento. 0 argumento € basicamente 0 seguinte: a extracao do forco do trabalho em sistemas de exploragao € dispendioso para as cl exploradoras devido a capacidade inerente das pessoas de resistir a pr pria exploracao. Sistemas de exploracao baseados puramente na coer tendem com frequéncia a ser menos cficientes porque, sob muitas con goes, € bem facil para os tabalhadores evitar um desempenho, diligent do esforco laboral. As classes exploradoras terao portanto a tendéncia buscar maneiras de reduzir esses custos. Uma das maneiras de reduzir custos fixos com a extracao do esforco do trabalho ¢ fazer coisas que pr voquem o consentimento ativo dos explorados. Isso vai desde 0 desenvol. vimento de mercados internos de trabalho que fortalecem a identificaca € fidelidade dos trabalhadores as empresas em que trabalham até a defe de ideologias que proclamam a conveniéncia pratica ¢ moral de institui- oes capitalistas. Tais praticas para produzir consentimento, no entanto, t@m também custos ligados a elas, de forma que os sistemas de explora. ¢4o podem ser vistos como envolvendo sempre compromissos entre coer- cdo e consentimento como mecanismos para extrait o esforco de trabalho, Esse argumento implica uma previsao especifica do tipo de ideologias que provavelmente emergirao sob condigées de exploracéo de classe ou de opressao sem exploracdo. Nesta nao ha dependéncia do grupo opressor em relacdo a extracao do esforco de trabalho dos oprimidos e, assim, ha muito menos necessidade de provocar seu consentimento ativo; reacoes puramen- te repressivas a resisténcia — incluindo uma repressdo genocida em certas situacées hist6ricas — sao portanto factiveis. O problema ideolégico central em tal situacao ser provavelmente o dos escruipulos morais dentro do gru- po opressor, de modo que é provavel que surjam ideologias para justificar essa repressao para o pressor, mas nao para 0 oprimido. “Indio bom € 0 indio morto” foi um lema fabricado para os ouvidos do colono branco, nao do nativo americano, Nas relagées de exploracao, por outro lado, uma vez: que ai se faz necesséria a cooperacao do explorado, é mais provavel que as ideologias atentem ao problema de criar consentimento, sendo assim pres- sionadas a incorporar de uma maneira ou de outra os interesses do grupo explorado. 5) Andlise histdrico-comparativa. Na concepcio original, a andlise marxista de classe era parte integrante de uma teoria radical da trajetoria historica da estrutura de época da mudanca social. Mas, mesmo que se rejeite o ma terialismo historico, a estratégia marxista de andlise de classe com base exploragéo fornece um rico cardapio de conceitos para a anélise histori e comparativa. Diferentes tipos de relacées de classe s4o definidos pele mecanismos especificos através dos quais se realiza a exploracdo e tais dif Tengas por sua vez implicam diferentes problemas enfrentados pelas class exploradoras para a reproducao de seus privilégios de classe e diferent Scanned with CamScanner oportunidades para a resistencia das classes exploradas. Variagdes nesses mecanismos ¢ nas maneiras especificas em que sio combinados em socieda- des concretas fornecem um roteiro analiticamente poderoso para a pesquisa comparativa. Tudo isso sao razdes pelas quais um conceito de classe baseado na ligagao ttre relacdes sociais de produgao, de um lado, ¢ exploragao ¢ dominacao, de tro, deve ser de interesse socioldgico. A recompensa mais fundamental desses ndamentos conceituais, no entanto, é a maneira como infundem uma critica ral a analise de classe. A caracterizagao dos mecanismos subjacentes as re- ‘des de classe em termos de exploragdo ¢ dominagao focaliza a atencao nas plicagdes morais da analise de classe. Exploracao ¢ dominagao identificam mo essas relagdes sdo opressivas ¢ produzem danos, nio simplesmente desi- aldades. A analise de classe pode, portanto, funcionar nao apenas como parte uma teoria cientifica sobre interesses ¢ conflitos, mas também como parte de na teoria emancipatoria de alternativas ¢ justica social. Mesmo que o socialis- Jo csteja fora da agenda histérica, a ideia de confrontar a légica capitalista da ploracao nao esta. : 4s Scanned with CamScanner 2 Fundamentos de uma analise de classe neoweberiana Richard Bi Introducao No projeto geral da “andlise de classe” grande parte do esforco destina-st a definicao de classe e ao delineamento das fronteiras entre as classes. Assim ¢ necessariamente porque a anilise de classe é “a investigacdo empirica das conse=) quéncias ¢ corolarios da existéncia de uma estrutura de classes definida ex-ante! (BREEN & ROTTMAN 1995b, p. 453). Comecando com uma definicao espect: fica, 0s sociGlogos podem avaliar em que medida questdes como a desigualdaday de oportunidades de vida entre individuos ¢ familias estruturam-se com base nay classe. Essa abordagem difere de outra que conclui sobre uma estrutura de clas: se a partir da distribuicdo empitica da desigualdade social (que Sorensen (2000) rotula como abordagem de “classificagdes nominais”). Na anilise de classe o: fandamentos teéricos do conceito de classe utilizado tém que ficar claros desd 0 inicio, e 0 conceito operacionalizado de modo a permitir 0 teste empirico das afirmagées que forem feitas sobre classe. Se examinarmos as duas principais va riedades da andlise contemporanea de classe ~a saber, a marxista, especialment ligada a obra de Erik Olin Wright e seus associados, ¢ a neoweberiana, ligada a uso do esquema de classe criado por John Goldthorpe — verificamos que aquel: duas necessidades s4o comuns a ambas. Neste capitulo discutirei algumas das questées envolvidas na tentativa fazer uma andlise de classe dentro de uma ampla perspectiva weberiana. Come ¢0 delineando as préprias ideias de Weber sobre classe social, tais como apt sentadas em Economia ¢ sociedade. Isso servira para estabelecer os paramel gerais em que opera a andlise weberiana de classe e indicar os limites e extel de suas ambicées explanatorias. Prossigo discutindo, em termos bem genéri que tipo de operacionalizacao de classe é sugerida pela obra de Weber ¢ tra 46 Scanned with CamScanner 10, 0 esquema de classe de Goldthorpe, amplamente considerado weberiano 1 stia concepgao (p. ex., MARSHALL et al. 1988, p. 14). O capitulo termina im uma discussao de algumas das objecdes que considero fundamentais a uma rdagem neoweberiana da andlise de classe ¢ alguns esclarecimentos sobre 0 je podemos esperar que uma classificacaio neoweberiana explique. Classe social na obra de Max Weber No capitalismo 0 mercado € principal determinante das oportunidades de Ja. Oportunidades de vida podem ser entendidas, na definig¢ao de Giddens, mo “as oportunidades que um individuo tem de desfrutar dos ‘bens’ econd- cos ou culturais socialmente criados que sto tipicos de uma determinada ciedade” (1973, p. 130-131) ou, de maneira mais simples, as oportunidades dos individuos a resultados tidos como raros ¢ valiosos. Weber (1978 1922], p. 302) escreve que “uma situagdo de classe € aquela em que se com- rtilha uma probabilidade tipica de conseguir bens, ter uma posi¢ao na vida ‘neontrar satisfacao interior”: em outras palavras, membros de determinada iss desfrutam de oportunidades de vida comuns a essa situacao. Se é isso ¢ os membros de uma classe tem em comum, o que os coloca nessa posicdo mum? A resposta de Weber € que o mercado distribui as oportunidades de la de acordo com os recursos que os individuos trazem a esse mercado, re- nhecendo que esses recursos podem variar de uma série de maneiras. Além distingao entre donos de propriedades e despossuidos, ha também variacdo gundo as qualificagées particulares ¢ outros bens. O importante, porém, é ie todos esses bens tém valor no contexto de um mercado: dai identificar-se a acdo de classe com a situagdo no mercado. Uma consequéncia do reconhecimento de Weber da diversidade de bens he geram retornos de mercado é uma proliferacio das classes possiveis, que ele ama de “classes econdmicas”. As classes sociais, no entanto, so em niimero luito menor, por se tratar de aglomerados de classes econémicas. Sao formadas (0 simplesmente com base no funcionamento do mercado: outros fatores in- rvém ¢ 0 que Weber destaca para especial atencao ¢ a mobilidade social. “Uma jasse social € formada pela totalidade das posi¢ées de classe, entre as quais a \obilidade individual e de geracées € facil e tipica” (WEBER, 1978 [1922], p. 2), Weber sugere que, por uma razio empirica, quatro grandes classes sociais lem ser identificadas no capitalismo, entre as quais a mobilidade social € rae dificil, mas relativamente comum dentro delas. A primeira distingdo € tre aqueles que detém propriedade ou os meios de produgdo e aqueles que {40 os possuem. Esses dois grupos sd internamente “diferenciados além disso ..| pelo tipo de propriedade [...] € 0 tipo de servicos que podem oferecer no nercado” (WEBER, 1978 [1922], p. 928), resultando quatro classes: os “grupos roprietarios ¢ empresariais dominantes”; a pequeno-burguesia; trabalhadores 7 Scanned with CamScanner com qualificacdes formais (classe média); ¢ os trabalhadores nao qualificad classe operaria, cujo unico bem é sua forca de trabalho. E bem sabido que Weber via a classe apenas como um aspecto da distrib do poder na sociedade, Numa famosa definicao, poder ¢ “a probabilidade d ator dentro de uma relacao social estar em condicao de exercer sua prop tade apesar da resistencia, apesar da base em que repousa essa probabi (WEBER, 1978 [1922], p. 53). E os partidos e grupos de status, junto co classes, sao para Weber os principais fendmenos da distribuicdo de poder n ciedade. A distingao entre eles tem a ver com os diferentes recursos que pode trazer para influenciar a distribuicao das oportunidades de vida. Emt inclusio num e noutro grupo se sobreponha, nenhuma dessas dimensoes ser inteiramente reduzida a outra. Cada uma pode ser base para a acao colet mas, segundo Weber, é mais provavel que esse papel seja preenchido pelos gruy de status ¢ os partidos do que pelas classes. A acdo coletiva € a razdo de serd partidos, enquanto a incluso em um grupo de status esta presente na cons dos individuos provavelmente mais que a inclusdo em uma classe, agindo como base para a aco coletiva. A manifestacdo de “consciéncia de classe” membros de uma classe depende de certos fatores contingentes: esta “ligad condicées culturais em geral [...] e especialmente a transparéncia das relagdes tre causas e consequencias da situagao de classe” (WEBER, 1978 [1922], p. 9: 932). Oportunidades diferentes de vida, associadas a inclusdo numa classe socia nao levam por si mesmas a “acdo de classe”: isso pode ocorrer apenas quando si reconhecidos as “reais condicées € os resultados da situacdo de classe”. Esta resenha dos escritos de Weber sobre classe social serve, com nao meno importancia, para estabelecer certos limites as ambices de uma andlise weberia na de classe. Talvez o mais importante seja nao supor que padrdes de mudandd historica possam ser explicados pela evolugao das relagoes entre as classes, a contrario do que postula o materialismo hist6rico marxista. Nem se supoe que classes estejam necessariamente num conflito total em que os beneficios de w cocorrem (ilegitimamente) as custas da outra. Com efeito, nao ha em Weber qua quer pressuposto de que a classe é a fonte principal de conflito na sociedade capi talista ou de que as classes necessariamente servem como fonte de acao coletiva. foco, ao invés disso, é no mercado como fonte de desigualdades de oportunidad de vida, mas isso nao quer dizer que uma abordagem weberiana considera os a ranjos de mercado como coisa dada. Weber escreve que os proprios mercados formas de acdo social que dependem, para sua existéncia, de outros tipos de acc social, como uma certa ordem legal (WEBER, 1978 [1922], p. 930). Mas, para ei tender como os arranjos de mercado vém a ser 0 que sao, nao se pode simplesmet focalizar as classes e as relacdes entre elas. A evolugao das formas sociais é U Processo complexo que pode ser conduzido por uma ampla variedade de faton gee ism © proprio Weber em Etica protestante ¢ 0 esptrito do capitalismo, onde ideias papel central no desenvolvimento do capitalismo moderno, 1” Scanned with CamScanner Os comentarios de Weber sobre classe so bem fragmentarios: em sua obra to pouco se refere, por exemplo, a questoes de conflito de classe'. Assim, le parecer por vezes mais facil definir uma abordagem weberiana pelo que ela cm vez de por aquilo que é, ¢ quase todo esquema de classes nao reconhe- mente marxista pode ser considerado weberiano. Com efeito, as fronteiras re as versdes marxista e weberiana sdo elas proprias com frequéncia pouco las. Mas, como espero mostrar, ha um elemento que distingue um esquema eriano de classe, o que determina tanto a maneira como devemos construi- quanto de que modo devemos avaliar seu desempenho como fator explica- na anallise de classe. Nao vejo, porém, nenhum mérito em tentar seguir “ao a letra” os escritos de Weber (mesmo supondo que fosse posstvel fazé-lo), forma que a abordagem que esboco aqui e que chamo de neoweberiana pode ser a tinica que as préprias observacées bastante assistematicas de Weber re classe permitiriam gerar. Os objetivos da analise de classe Entendida como projeto geral, a andlise de classe ve a classe como tendo encial para explicar uma ampla gama de resultados e consequéncias. Um ob- vo principal, claro, ¢ examinar a relacdo entre situacdo de classe e oportu jes de vida, mas a andlise de classe raramente se restringe a isso. Comumente Hasse € vista como tendo varias consequéncias possiveis. Por compartilharem a situacao comum de classe, um conjunto de individuos tende a se compor- de maneiras similares: a situacdo de classe é um determinante das condicdes acdo do individuo, podendo-se esperar agdes semelhantes entre aqueles que condigdes similares de acdo (cf. WEBER, 1978 [1922], p. 929). Mas e-se distinguir isso de um comportamento com consciéncia de classe, que ide ocorrer quando, como diz Weber, individuos se tornam conscientes das acdes entre as causas € as consequéncias da situagdo de classe”. Em princfpio, portanto, ndo apenas a variacdo nas oportunidades de vida, s também em toda uma série de acdes, comportamentos, atitudes, valores ¢ im por diante pode ser encarada como algo que a classe pode ajudar a expli- r. Mas a relaco entre as classes e suas implicacdes nao pode simplesmente ser 1 questo empirica: deve haver alguma teoria ou argumento que esclarega por as classes, definidas de determinada maneira, sao relevantes para explicar Cf, Weber, 1978 (1922), p. 302-305. O desenvolvimento de ideias neoweberianas sobre fechamento”, exclusio e usurpacdo de classe, associadas a obra de Parkin (1979) e Murphy 1988), baseia-se muito mais na discuss4o de Weber sobre grupos de status do que sobre classes. le escreve que “nao muito de forma geral pode ser dito sobre os tipos mais espectficos de agonismo entre classes” (1978 [1922], p. 930) - 0 que, para mim, quer dizer que, embora haja nflitos entre classes, eles nao seguem uma forma geral e s40, 20 contrério, condicionados por itcunstancias historicas especificas. 49 Scanned with CamScanner

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