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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciê ncias Humanas


Departamento de Histó ria
Prof. Dr. Rodrigo Goyena Soares
e-mail: rodrigo.goyenasoares@usp.br
2º semestre 2023 – FLH0829

HISTÓRIA DA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA


HISTORY OF THE B RAZILIAN MIDDLE CLASS

2. Classe média, classes médias


 Leituras obrigatórias: MANN, Michael. Las fuentes del poder social, II. El
desarrollo de las clases y los Estados nacionales, 1760-1914. Madrid: Alianza
Editorial, 1997. Capítulo 16: La nación de la clase media.

 A saída weberiana

 A classe social pela perspectiva do consumo.


 As formas de estar no mundo e a identificação correspondente.
 Há ampla inspiração em Anthony Giddens (1973) e em John H. Goldthorpe (1982),
quando se afirma não haver forçosa correspondência entre a divisão de interesses
econômicos, que gerariam classes, e a formação de identidades comunitárias, que
constituíram o status social.
 Foi nessa brecha que se produziu uma leitura pouco ortodoxa da experiência social de
Thompson, dando menor ênfase à produção e maior, por conseguinte, ao consumo.
 Em outra acepção, preferiram-se as relações distributivas às produtivas.
 O passo seguinte foi compreender a classe média ora como impura,
porque plural em seus marcadores sociais (Mann, 1993), ora como, na
visão de Barbara Weinstein (2012), uma experiência material e um
projeto político e cultural, cuja unidade somente se daria em condições
históricas e discursivas determinadas.

 A proposta de Michael Mann

o A classe média é classe separada das demais, porém impura – como todas as classes.
 Três tipos de relação impactam aos grupos médios:
 Propriedade capitalista.
 Hierarquia nas corporações capitalistas.
 Posição na burocracia do Estado.
 Haveria então 3 frações diferentes de classe média, todas leais ao
espraiamento do capitalismo.
 Pequena burguesia: proprietários de pequenos negócios.
 Empregados “de carreira”: assalariados com possibilidades de
promoção dentro das hierarquias burocráticas e corporativas.
 Profissionais: especialização educacional e atuação em espaço
amparado pelo Estado.
o “Licenciados” pelo Estado.

o Por que essas três frações – classes médias, no plural – foram uma classe média, no
singular?
 Posições diferentes na cadeia produtiva, porém todas as três frações
compartilham de um mesmo tipo de participação no capitalismo – e no
Estado-nação.
 Consumo característico.
 Mobilidade hierárquica.
 Condições de converter renda em investimento, produtivo ou
financeiro.

Notas de aula:
Indicações sobre o fichamento:
1. Introdução
- Contextualização do problema: em que contexto histórico o problema se dá.
- Delimitação do problema: identificar e evidenciar qual o problema enfrentado pelo
historiador
2. Desenvolvimento
- Identificar e explicitar qual ou quais o(s) argumento(s) central (tese) utilizado(s) pelo
autor no texto
- Identificar e explicitar quais os subargumentos (fatos históricos) mobilizados pelo autor
para sustentar o argumento central.
3. Conclusão
- Resgate do argumento central; comprovação de que o argumento central convence;
função passar a mensagem de retomada do argumento central e de demonstração de
como ele funciona.

Objetivo da aula: entender como as classes médias podem ser compreendidas como classe
média.
Apesar de Marx ter se debruçado pouco sobre o tema da classe média, em seus escritos, ele se
mostrava simpático a esse conceito, sobretudo por reconhecer algum potencial revolucionário em
relação a ela. O que de fato existiu, a classe média foi decisiva na Ver. Francesa, por exemplo.
Entretanto, ao longo do tempo, o pensamento marxista vai se distanciando da classe média, pois
percebem que aquilo que tinha sido uma ação revolucionária progressista, passa a ter um
comportamento de blindagem em relação ao movimento de ascensão social de quem estava abaixo
dela. “Quando a classe média passa a porteira, ela a fecha para que ninguém mais passe.”

1848: A partir do momento que a burguesia, na França, assume posições de poder, ela se distancia
do operariado, que havia sido seu aliado no seio da Ver. Francesa, e passa a ser contrária a medidas
inclusivas no que diz respeito à política e economia. Ex: impedem o sufrágio universal masculino.
Por quê? Custo de produção: salário mínimo, indenização por acidente de trabalho, férias
remuneradas... tudo isso é custoso e significa uma diminuição na margem de lucro.

Então, a antipatia à classe média se torna mais expressiva quando essa classe média nitidamente
apoia o golpe de Luís Bonaparte. Isso se dá inclusive com relação à Marx.
A classe média passa a ser entendida como uma classe conservadora, que, via de regra, se posiciona
como favorável à manutenção do status quo.

O marxismo, então, classifica a classe média como classe operária e essa categoria só existiria,
então, para o atenuar os conflitos de classes, visto que, nesses termos, a classe média significaria uma
possibilidade ascensão social vendida como maneira de docilizar a luta de classes.

O passo seguinte, ainda no Marxismo, dado por Poulantzas é negar a inexistência da classe média e
dizer que, sim, ela existe, porém é impura. Impura, aqui no sentido de ser ampla e contraditória, de
modo que sua principal marca é reunir características tanto de burguesia quanto de proletariado.

Saída Weberiana: não enxergar a partir da produção (ou seja, do lugar que cada indivíduo ocupa na
cadeia produtiva), mas sim entender como se faz a classe a partir do consumo. Isso é chave porque
o consumo permite acesso a determinados espaços, pessoas e vivências que geram uma
identificação característica da classe média.
A situação de classe de um proprietário dono de uma loja de cimentos é muito parecida com a de
um funcionário público brasileiro que não produz, mas trabalha na embaixada brasileira na
Alemanha, por exemplo. Ou seja, mesmo as posições de classe sendo diferentes, muitas vezes, a
situação de classe é semelhante. Ou seja, apesar de possuírem ofícios diferentes – um pequeno
burguês é um funcionário público --, a margem salarial é tão próxima que faz com que ambos
tenham uma vivência muito parecida, os caracterizando como classe média.

Para Weber, a situação de classe é o fundamental, pois ela produz determinadas oportunidades de
vida.
Weber, tal qual Marx, parte da produção (posição de classe), mas entende a situação de classe como
preponderante. Em suma: a posição de classe permite acessar uma determinada renda e esta, por
sua vez, produz determinadas oportunidades de vida que caracterizam a classe média.

Outro conceito: status social. Mesmo a situação de classe (regida pela renda) sendo semelhante,
indivíduos podem ter status sociais diferentes de acordo com a posição de classe (ocupação) que
possuem. Na França, por exemplo, apesar de um professor possuir uma renda próxima de um
taxista, o primeiro ostenta um status social que o segundo não pode fazer.
Por que isso ocorre? Porque a percepção que os indivíduos têm do professor é diferente da
percepção que têm do taxista. A figura do professor – pelo menos na França, no Brasil não funciona
tanto – é marcada por um matiz de conhecimento que o distingue do taxista. E por quê? Porque o
professor vai à ópera e o taxista não; o professor consome uma cultura erudita e o taxista, uma
popular. Ou seja, o primeiro possui um capital simbólico/ cultural (que não é o salarial) que o
segundo não; e isso faz com que o professor tenha um status social de maior prestígio que o taxista.

Para Bourdieu, existe uma transmissão geracional do capital cultural. Quem é mais provável de ser
um embaixador, o filho do professor universitário ou do taxista? Notadamente, o do professor, pois
ele tem acesso a um capital cultural que o filho do taxista não tem.

Em suma: em que pese uma situação de classe, o status dessa situação de classe pode variar.
-- > Até que ponto isso pode complicar a delimitação da classe média? Afinal, se pensamos a classe
média nesses termos, sua definição se complica ainda mais. Afinal, se encontramos alguma unidade
pela renda, há a heterogeneidade pelo status. Assim, fica muito difícil colocar tudo no mesmo saco.
P que implica um outro problema: até que ponto essas especificidades podem dificultar a adoção de
um projeto político comum à classe média, por exemplo; será que o taxista vota igual ao professor?
Em 2010, a classe média votou no Lula? Ela vota tanto no PT quanto no PSDB. Nas manifestações de
2016, a classe média estava dos dois lados, defendendo ou condenando o golpe.
-- > Então, se complica a delimitação de classe média. Fica difícil falar de classe média e não de
classes médias.

Barbara Weinstein (2012): Uma primeira saída para começar a encontrar unidade nas classes sociais
como um todo – afinal, a classe popular também é plural. O metalúrgico do ABC não é o mesmo que
o motoboy e o trabalhador de telemarketing -- é pensar a partir de determinados momentos
históricos de transformação social. É nos momentos de ruptura, não de permanência, que as classes
e seus projetos aparecem mais. Proposta da Bárbara: encontrar nos momentos de transformações
sociais os projetos das classes. Aí, nessa chave, a classe média aparece assim, no singular, não no
plural.
Problema 1: visão muito acontecimental: onde está a classe média nos outros momentos?

Charles Wight Mills (1959): A classe média estaria quase sempre disponível às outras classes e, em
geral, são mobilizadas pela classe alta. Ela não tem autonomia, não tem consciência de classe, e
acaba sendo instrumentaliazada por uma classe mais organizada que, via de regra, é a classe alta,
que o faz para evitar que a classe média se alinhe a projetos populares. Então, messes termos, a
classe média ainda não emerge como classe autônoma, mas como um grupo heterogêneo que por
não ser organizado, acaba ficando suscetível às demandas de uma classe mais organizada.

 A proposta de Michael Mann


Pensa a classe média de maneira estratificada, mas o faz observando mais sua relação com as outras
classes do que de maneira tabelada como faz o IBGE (em várias faixas salariais).
Se há algo permanente na classe média é que ela é parte de uma estrutura proprietária capitalista,
pois ela emerge, historicamente, das formas como o modo de produção capitalista distribui o
capital. Em que pesa a concentração de capital, a sua distribuição gera uma diversificação das
profissões que dá origem à classe média.
Por que as classes médias existem com maior veemência nas regiões onde o capital é mais
concentrado? Pois essas regiões têm uma capacidade de atração de capital tremenda, fazendo com que
as possibilidades profissionais para atender determinados setores produtivos sejam maiores, que são
justamente as constituidoras da casse média. Ex: Fábrica de sapatos em Manchester precisa fazer com
que eles cheguem no porto de Liverpool para que sejam exportados para a Argentina. Primeiro, é
necessário um agente para fazer com que os sapatos cheguem a Liverpool. Aí surge uma profissão. É
necessário também políticas públicas para fomentar esse negócio, alguém tem que fazer censos, surge
mais uma profissão típica de classe média.
Para ele, a classe média, então, é típica de um modo de produção capitalista. Em modos de produção
estritamente escravistas, não há classe média. Obs: isso não funciona para o Brasil pré-1850,
evidentemente, afinal, havia plena compatibilidade entre escravidão e capitalismo (ex: Inglaterra
importava a rodo o algodão produzido no sul dos EUA com mão de obra escrava).

Nesses termos, as profissões típicas de classe média tenderão a produzir posicionamentos políticos
que defendem a lógica capitalista de concentração de riqueza, caso contrário, ela some. Essas
profissões, porque elas emergem dessa lógica de concentração de riqueza, elas tenderão a produzir
posicionamentos políticos vinculados a essa forma concentrada de geração de riqueza. Caso elas
vão de encontro a este modo de produção, estariam dando um tiro no pé.
Num ambiente assim, a tendência de complexificação da malha societária é enorme.

Segundo ponto, nas profissões típicas de classe média há uma hierarquia nas corporações
capitalistas: profissões típicas que ocupam, dentro da empresa, uma posição hierárquica específica
que, em última instância, os interesses da empresa. Ele não está nem aí se alguém teve um acidente
de trabalho, está ligando para os lucros da empresa pois sua posição dentro dela consiste em
defendê-la. Obs: geralmente, são cargos de liderança, gerência e administração.

Terceiro ponto: posição na burocracia do Estado: do ponto de vista do emprego público, se


localizam em determinados setores da burocracia do Estado. Como age o Estado na reprodução do
modo de produção capitalista? Pela via da história, não da teoria, o Estado é fundamental para a
reprodução do modo de produção capitalista. Ele foi essencial para construir e estabelecer
determinados projetos políticos que, não por acaso, são ótimos a reprodução do capital.
Se assumirmos que o Estado não é imparcial, não é vazio, o Estado é ocupado por alguém? Quem
ocupa as instituições de Estado – as de longa duração, as que sobrepujam a efemeridade dos
governos. Notadamente, os grandes capitais.
Portanto, um funcionário público qualquer faz muito mais do que só carimbar papelada, ele está
contribuindo, no final do dia, para a reprodução da ordem capitalista.

Então, o que melhor caracteriza a classe média é alcançar situações de amparo social que impedem
o seu descenso social. É isto que dá unidade e projeto político a ela. É a constância quanto a
segurança consolidada por meio de uma carreira/licença.

Possível resposta a Barbara Weinstein por esta via: você tem razão, a classe média só surge nesses
momentos porque é exatamente nesses momentos em que ocorreu tamanha transformação social
que sua segurança foi posta em xeque. Momentos de crise geram uma situação tão ríspida que a
segurança garantida à classe média pela carreira é posta em risco. Ex: Por que a classe média, que
apoiou em peso o golpe de 64, se volta contra o regime militar na final de década de 80. Porque a
inflação dos anos 80 é tão alta que ameaça a situação social da classe média.

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