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1 Bandeira (1886-1968) foi lido por M Machado de Assis ¢ sobreviveu a Guima ries A afirmagio soa como um dis Ho longo i de tempo em que o poeta pernam ucano atuor ileira, Bfetivamente, quando Bandeira publicou seu imeito livro (A Cinza das HI ), Olavo Bila Alphonsus de Guimaraens ainda estavam vivos; jf mn 1966, por ocasiio dos seus 80 anos, quando surgi >, ocortia também a estréia ida), ¢ Paulo Leminski j remos, sintetizando muite mente também com os poetas que estrearam em 193¢ ou se afirmaram ao longo da década, em particul: Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt ¢ Vinicius de Moraes. posteriormente, vieram as relagdes com Joo Cabral de Melo Nero (que Ihe dedicaria A Educagio Pela Pe em 1966) e mesmo com alguns poetas da Geracio de 45. Enfim, acompanhou de perto os movimentos poéticos que despontaram no final da década de especial a pos Esse espago de tempo é tanto dilatado quante dernidade: “Sio Jodo Batista do modernismo”! ou clissico do modernismo” sio caracterizagdes d poeta que parecem considerar essa atuagio, por uni lado embebida nas concepgdes de poesia do séc 19, amente vinculada ao “direito & pesquisa est dos principios bisicos do nosso modernismo, segund. Mario de Andrade Evidentemente, ¢ Manuel Bandeira no d propriedade da poesia d consistisse numa espécie de bazar de estilos, des: nasianismo e/ou neo-simbolismo do inicio até pe modernismo ostensivo de Liberting Houve naturalmente um adensamento na cor cepgio ¢ na pritica de poesia de Manuel Bandeira longo do tempo, mas seria grande equivoco con um poema ouvido por sen pai de um home omforme consta no Itineririo de Pasicgada (195 amental para a boa ¢ 1a pocsi nto da simbolista, visto que estas, ainda > 2 reviven Jos entio a0 Ri m sol ilitar imy >to et Ts : E de notar também : Janeiro, se viu obrigado a p 1904), Mesmo depois da sade ji java para Petropolis (onde esere lugares como Cat levou-o tamb Colegio Ped fopeus (Paul Blu: No plan gestemunha de q 08 di i diretamente resp » levou ao interior do Brasil, em ;panha (MG) ¢ Quixeramobim (CE 20 sanatério de Clavadel (1913-4) reaprendeu o alemio estudado ne pode conhecer alg ard e Charles Picke ir daqui: primeira, a de Bandeir citagio: “Vou-me Embora pra Pasir > Lutador”,"B 10","Cangio do Beco”, “Notut no do Morro do Encanto”, “Palin o Aparen! estamos diante de um poeta ntaneista, cay cr as em estad alum mas a fatu P 0 revela,ao contririg ta aplicado e hci Seria equivocado, portant qui alguma co entre “inspir rigor”, Bandeira ha, como afirmaram Antonio Candido ¢ Gild: lo e Sou nse 5 M 0 post tato infalivel p nir o que hi de poe ireual na € No instant oder di Foi provavelmen iderando essas diva racteristica i articuladas —a de s6 e 1 Ds servido" e luzin m ge tas ~, que o proprio po nino i nles e pobrissimo poeta li inci ment joeta menor”, o que passou a figura mo uma qua sua, un le sign ting3o, ainda que invertide 0 titude humilde, fundamental no poeta, ent 1 Ds, mas hi também uma sabedori: n le circum yack i a maior densidade p nio Jarou (embora num contexto irénico, em Paséngada): “sei, por experiéncia, que no Brasi i igente acaba gostando de mi ad nt res quest vas i ud foram a mente, a iin Op Tal di tu mbém adotada aqui, reto lugio po Je Manuel Bani i alizar mentos principais d a brasilel lo 20, do chamado pré-modernist n foras, junto com os doi poster nporia sentimento de familia”, dio forte em Bandeira (a m: nomento menor de uma obra mai ervagio é de Carlos Drummond de Andrad Mesmo admitir a tal momen joemas do livro foram compostos enn lizado, ndo apenas p mpromiss 19 Jo deles, no entanto, no & cronolégic ordar ai . poeta, mas fa mo nao seri em nenhum livro do poeta ~ 0 que rev 1 porque ja 1 af poemas important \¢io de Bandeira em ondenar seu material mum mente fam! E Desaleni forma coesi ow harménica. O fato nio é sem importin Plenit Bran Alumbram € retoma, de outro angulo, a dialética bandeiriana ent Balada de Santa Maria Egipeiaca”,“Meninos Car lesejo de ordem e“alumbramento”.Desse modo,maisd Rua do Sab 3¢s80","“Noite Mor Jue mero reposit6rio de poemas escritos ao sabor da ins a nba Je temas e de determin: pitagio, o livro busca uma arquitetura virtualmente caps ait poeta dian ngua a realida de enfeixar os diferentes momentos que 0 cor 1 nbora transfigurados, 3 i Leiamos “Epig sctito em 19 a para quer sria desu que rado, por a tetirad: CARNAVAL Dutro sentido da palavra “alumbramento” em Dols outros poemas famosisimos de Ca 1é na erénica “O Aleijadinho”:“As suas igrejas nio idéia, formulada atris, de que se trata de um liveo d iam aquela atmosfera de misticismo quase doenti pesquisa formal: “Debussy” eOs Sapos".O primeira nnio hi nelas nenhum apelo 20 mistrio, nisiderado por Mirio de Andrade (que nio go 23), Bandera associa esses de alum livre de nossa literatura, foi inspirado declarad: amento”, em empregar diretamente a pal no prekidio de Debussy “La Fille aux Cheveux de L O espasmo sexual é para mim um arroubo teligios indicando (ju 10 titulo do livro)o did mipre encontrei Deus no fundo de minhas vol tral de Ba nis laragio cai como uma luva para explicar de ‘Os Sa re aps sua leieura 1 us! Eu vi os c&us! [..]/ Vi... Vi o rast do Senor transformou, segundo Sergio Buarque de Holand: Aas © poema se impe também por trazer embu mais comentados do autor, 0 bisico a retermos aq ta uma concepcio de poesia, ji que a palavra “alum 1 idéia de trabalhar com materiais que ele mest nent” tem ainda uma historia na poética de Bandeia, lesquaifica os cacoetes path: ; menosa virtude de me deixar aliviado de mi Longe d mento”, portanto, torna smo-chave na pot ORITMO DISSOLUTO O titulo do livro seguinte, O Ri wo (1924), F ara C anto para J e foi visto pelo proprio poeta, no Itiner is ma t ‘A mim me pan Di uum livro de transi entre dois momentos de minha poesia Transi¢io para que? Para a afi > de vista do fiando, completa liberdade de movimentos, li Je que che so mesmo chame A“Balaca de Sant dade. A historia da pr toma dilkima salvar-se e encontrar seu destine je santa (Bandeir ou-se liveemente na Jieval da conversio de Maria do Egito) nio podi nsibilidade do poeta, que cantaria anos Jepois na “Ultima Cangio do mulheres? Todas armelita [...]. Es Jo, a Santa Maria Egipefaca das direg antas que povoaram a pos Também em O Ritmo Dissoluto se observa a ap E ele 2, recolhi ag tes fag rigao de personagens humildes, freqiientes em algun f inka gu s mel alhos da maturidade: a "peque E vidas eseuree m nina ¢ ingénua miséria” dos *Meninos Carvoeiro da patina, s “menininhos pobres” na “fe fo artabal dezinho”(*Baldezinhos”); “o filho da lavadeira” (“Na Hoje este gessozinho comer Rua do Sat ante e vive, e ‘9s poemas de diferentes tempos se comunik 1m mais niti brando a profi idade d: N arr ad : a” de Bandeira, tdo sublinhada por crit mi P pa que n s inc ipo, de io Buai Holanda © Prudente de Morais odo que este se impée, inicialmente, como o aut Neto. Desse m nsélito de “Noite Morta” ¢ ico p a da historieta narrada. El Noturno da Mosel: beleza serena de “S. lois dos tr 1s mais longos do poema (0s dk Céu Todo Estre omam os norurnos do pr mere ze), que expressam, ja visual meiro livro ¢ se relacionam guns dos poemas im processo cumulativo, ma s do Bandeira maduro, como “Notur ) processo & o da ruina progress no da Parada Amc ‘Cangio da Parada do Lucas 1 no final dos dois v a palavr oO Not M Encant itina” (a segunda aparigao mais inte a m itos poem: . me juzindo o I siderar 0 a én implicit no mais uma variagi a r.mas de sinal t i nstrutivo, passa m nha antes, A\ jo “Mal sugeria a imagen aneilica e elegiaca dos primeiros tempos 3 poesi: 10; de uma lirica ainda muito subjetiva a ourra, mais foi decisv ager Bastide, tendo em mente ess transfor ia de Bandeira como “um manual d atide dado a0 homem desamparado”, imagem mais 0 renos semelhante 3 usilizada por Yadith Rosenbs LIBERTINAGEM se » Buarque de Holanda, ¢ i Jos estudiosos do poeta. Li nita” de “uma consciéncia irremediavelmente Mi reira se refere a ela como a vite ara deixar seu confinamento”. E acrescenta, atrela terior sobre a interi stado de » intimamente experiéncia pessoal e fazer artistic eco pocla ex para ssc desi, pamncobied sse movimento foi simultineo "ao aperfeigoamento E Gireundante”, que o poeta busca conquis Bandeir za a importincia, para ess 1 Jado a0 p ilo que a lite : : ado pela doenca, "s6 se deixa captar de modo Seema ren mediante um recurso & deliberada dissolugio dos com Bandeira,no I firma:“A rua do ( rengSes formais e estéticas, a0 aproveitamento si oético; 0 prosaico,o plebeu, o desarmonios Ao considerar, em Bandeira,a busca de“objetivi- ad liberdade estética” com orosament correlatos”, Sergio Buarque de Holanda situa a obra ado de brasileira © pesquisa ) critico propée, tambén ma Noticia de Jornal” Jt-retoma algumas dessas idéias em leitur na Titado de uma Noticia de Jornal”, a irma:“}é no é 0 ser exclisivamen. si o Ja expressio da pura 3s antes um sujeito ques 20 pécie aso de Ou mios na matéria impura do mundo ntranhar © metal nobr F afastava de fato da esfera oduto do espirito de alguma form: ano” Veja Dai mieira coisa a ser retida desse po ve é Jo, que prop io par ricamente, nao existem linguagens mais afistadas do que 1 poética ¢ a jornalistica. Se na primeira a multiplicagio de sentidos € estrutural, pelo uso conotativo ¢ figurado Ja linguagem, na segunda impera, quase exclusi > univocamente referencial. Hi aqui, portan nierarquia impSe quase naturalmente entre 0 1 ) ¢ 0 simples (0 jornalstico) sma sub h dizer que 0 x0 sera “titado” do simples e, por extensio, o post do referencial, o extraordinirio do mais mundan mesclar ico com o posti proprio vers re & uma das manifestagses mescla, Emit modernista também ao se debrugar sobre a reali brasileira, tendo como foco a existéncia de uma pers. nu ndo por acaso, 0 poema foi publicado rimeira ver, em 1925,no jornal carioca A N que abriu em dezembro daquele ano uma secio I denominada “O Més Modernista”, da qual, a Bandeira, participaram Mario de Andrade ¢ C a¢io modernista, Murilo Mendes (1901-75), ¢ .eu poema dramitico “Bumba Meu Poeta”’ faz 0 poet jornalista: “Faca o favor de chegar. persona grata/ Talvez uns trinta por cento/ do que eta imagin scé que 0 forneceu./ Vo ncassada,/ desastre na lua, 0 qué Outro a fidamental, ainda presente n © case & since pois sind se Hd dof 0 verbo “tira, que relacionado 3 Je si: mas pela mediacio do outta, de modo que hi nica “Pocma Desentranhado” talvez Po 3 ; : ntrodugi0 a0 assunto encialmente lrico adota métodas“objetivantes”, em 3s. E um sujeito que sabe desentrana mm outra passagem, € ainda mais nitida a vi , uuma vez que esta pode ser sur : ) poeta muitas vezes se dlicia em criar poesia, dos materiais« heterodoxos ah s experiéncias a minérios em que ela jaz sepultada: uma noticia pera:numa noticia pokieial dos jornais, numa t ma sc formala de tol Marechal Deodoro,nos anincios da Casa Matia us, por mim, vive mais atento 2 es Poesia de todas 28 escolas, Parnasiana; “Fabrica do numa pagin Falewva 3 mink Como sou adverti esenga do poema char varios a 205 i +a com wm poema desentra fee iosamente relativo ao proprio Bande Subnitrato de bi tirado do retrato feito pelo outre Acido ber Pode-se ver, assim, como o breve “Poema Ti rado de Jornal” contém uma ps tica de alcance enorme: um modo de compor que no caso, é também um modo de revelar a realida de brasileira e exprimir um ponto de vista a ela lacionade. Para encerrat 0 comentirio ao poema, cabe di jue ele apresenta wi sde 0 i P nal”, mas também pel Ds ou ‘odrigo de Freitas); hi dissonancia também nto estético a que ela é submetida. Nesse iiltimo ntido, considere-se 0 contraste ent cio. do poema, quase pura prosa, ¢ 0s versos intermediaric gradagio evidente (inclusive pela seqiiéncia alfabéti progressiva do desregramento, Mas, ironia maios sxto, essa culminancia dionisiaca se en: or mente com a morte da personagem, que adqui assim uma dimensio trigica cap gat f alistico impessoa Cacto” Outro poema de Libertinagem,“O Cacto”, fala igual mente de uma morte, além de também ter como fon te uma realidade jornalistica: em depoimento a Paulo Mendes Campos, Bandeita afirma que 0 poema nas 0s sio, no en to © a estitua de Laocoonte,"‘constrangido pela pente morte crispada de Ugolino e seus descen- are) restos desesperados”, vinculo en P acto ¢ o humano, a introduzem o leitor num univers agénico, de lita dramiitica que se trava no momento ch rte, le conter uma explic naubais, aati a: verso final feracidad vidente, a come 8 apr to e person. ti az ‘i ia do chamado “cavalo de'T m fa dessa oposicio, que teri x iia dos deuses, Na tentativa de aplaci 0 impresio de coi ‘onhece (aqui a tragédia individual se justap inicio. O prin : ‘oletiva) Para 0 poem i itu inal Laocoonte juntamente com os dois filhos (0 verb Ho uma moldura nget”, utilizado por Bandeia, priamente um rtunado sace ambém na pal Je contigtiidade,« ita eve ira, d lo simbdli a prov P m Bandeira, pud Museu do Vatica sper c Ugolino della Gherardesca é person: nite a forma di Alighieri (1265-1321) numa das passag is pun >"Inferno”, Ali,o prépy olino narra come > injustamente de traig trancafia Jonado numa torre com dois fillhos & dois netos ‘caatingas” compdem uma trama sonora em que 0 passou pela dor indizivel de ter de presenciar a mort individual, o regional e o cosmopolita io articulados. infame de cada um deles, antes de haver sucumbido O verso final da primeira parte representa 0 cacto ele proprio (como se pode ler em sta fala “até qu ‘em sua condigao “veridica” no na terra seca do Not péde mais o jejum do que a dor”, que alguns intér deste, mas na terra feraz de Petropolis. No entanto, de pretes léem como uma sugestio de canibalismo, dra- pois do tratamento a que ele foi submetido nos verso: izando ainda mais um quado jé em si horripilante), anteriores, a declaragio mais ou menos objetiva ja ni Ao personificar o cacto, pela anal m7 se sustenta, e o sentido literal ganha contornos assom ‘mas humanos extremos, nos quais nao apenas indivi brosos, Os adjetivos “enorme” e “excepcionais” adqui duos isolados mas também seus descendentes so nv também significago morale a palavra" feracidades’ punidos de modo ter P nodo terrivel, o poeta par cencaminhal (fertilidades) sugere antes algo ameacador pela proxi nos para uma reflexio sobre o trigico, de que o cacto nidade sonora com as “ferocidades” enumeradas antes. seria um simbolo poderoso, ji incrivelmente distant Formidivel” que era, 0 cacto é “abatido" por da “historia veridic fato apenas bizarro. (F um feniémento natural também fabuloso (“um eae mportante observar que, mesmo desconhecendo as furibundo”), Na sua queda, isto é, na sua morte, referénciasa Laocoonte ¢ Ugolino,o leitor tem ose causa enorme estrago no espaco urbano, que Surg mento claro de estar diante de um quadro trigico.) pela primeira ver no poema. Da primeira para a se Mas esa reflexio se desloca, em seguida, das 1 guunda parte, observa-se, portanto, a passagem do ele- éncias atistcas européias (Virgilio, estatuavia cli tado para 0 cotidiano, do primitivo para 0 urbano ¢ sica, Dante) para o Nordeste brasileiro, O deslocaments também do cacto visto isoladamente para a sua rela parece conter uma dupla diregao, Por um lado, incl io com o coletvo, nase ntimidade do sujcto,jé que o Nordes Mas o tatamento transfigurador do cacco vai se origem do proprio poeta um especialista no sen alastrar para 0 relato prosaico da segunda parte, pro: Jo trigico, também ele “abatido” pelo “mau duzindo um efeto tipico da obra de Bandeira.O foco, > da infincia feliz do Recife Por outro por um lado, esti de novo no “humilde cotidiano im projeto maior de nosso mo- visto que este pode conter o drama mais grandioso: nismo de representar e compreender a realidade por outro, esti na propria operagio postica, capaz asileira de que temos virios exemplos em Liber desentranhar daquele cotidiano 0 sublime, No caso, 0 gem: além do j discutido “Poema Tirado de uma eleito foi favorecido pelo fato de 0 proprio aconteci Noticia de Jorial”,hi“Evocacio do Recife" “Belén mento real jé ser em si mesmo extraordinério (om do Pari, Nao Sei Dancar”,""Lenda Brasileira” et vegetal do deserto, deslocado em terra fet, causador Como 0 poema foi esrito em 1925, poderiamos acres de una perturbacio enorme na cidade, apés ter sido entar que cle ji antecipa uma visio critica da realida abatido por um tufio brasileira, que sera sistematizada na década seguint O tiltimo verso, espécie de epitifio, ez uma ligio Seja como for, “eacto”, “Laocoonte”, “carnaubais de beleza e de intransigéncia, 0 estético © 0 mundo?)). O famosfssimeg cagio do Recife", cuja abertura, com seus nov 105, € das passagens mais artisticamente realizadas do pocta, lembrando uma abertura musical em que os motivos mais solenes e grandiosos ligados 3 cidadk palavra “Recife” é usada sete vezes) sio sucessivamen te descartados até encontrarem repouso no despa mento dos versos finais (“Recife sem mais nad Recife da minha infincia’ © esquema estaria incompleto se nio inch 10s nessa visio panorimica de Libertinagem algus }oemas tanto herméticos quanto sombrios, momen tos talvez em que aquela “luta incessante” para sair d bjetivando-se na expressio simples, encont sticulos intransponiveis, assim como a busca da ex pressio calma diante do naufrigio, Ese negatividade ajudam a compor a inte leza da obra:"Oragio no Saco de M Virgem Maria”, “©. Major”, “Notur Lapa”,"Poema de Finados”,"“O Ultimo turno da Parada Amoriny Esse tiltimo foi desentranhado do insélito com portamento d ‘oronel belga durante a audi Simon Blank, segundo Frede rande afeicio” da vida > coronel, “transportado”, escorregou gritando que estava em presenga de portamento ir melhor resposta a0 apelo mis terioso de razido pela miisica, sugeriu 20 poeta justamente o tema da dificuldade de comu. cago, Aos diil 2 infancia e do profano com o sagrado, o pk pro agrado, o poema acres s problemiticos do adulto com centa imagens em que a impossibilidade de contato predomina:“O telefone tilintou [...] Mas do outro lado nio vinha senio o rumor de um pranto deses agéncias postais estavam fecha- Ao encerrar 0 poema cd na permanéncia da vor do coronel, a situaco de insohubilidade se per tua. O proprio titulo do p uma parada de trem entre Rio d ESTRELA DA MANHA Estrela da Manha foi editado em 1936, quando 0 po- ta completava 50 anos, Bandeira ja era entio um autor consagradissimo, tal de 33 grandes nomes, como Mario de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Sergio volume, saido naquele mesmo ano, Homen Buargue de Holanda e Anibal Machado. (© proprio Bandeira, no Itinen : le Pasirgada, declarou:" Quem juer que queira estudar a minha poesia nio pode O titulo do livro define >mo um dos mais importantes simbolos da F, capaz de reunir uma ampla gama de sentidos. O primeiro deles acionado a propria poesia — Estrela da Vide bi ser traduzido por“ poesia da vida inteira”. Outro sen tido esti ligado 4 imagem da mulher, como se pode ‘observar em diversas passagens da obra, por excelén cia no poema que di nome ao livro agora em pauta, mas também em“ Alumbramento”,""Cangio das Duas indias”,"Cantiga”, “A Estrela e o Anjo” etc. Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza afirmam qu trela “na maioria das vezes parece representar o an: gulo atormentado do amor”, j4 que mostra a inaces: sibilidade deste. Um terceito sentido, mais genérico, nitude, como em""Sob Estrela”, portanto, teria am parece estar ligado a idéia lad © Céu Todo Est plitude simbélica semelhante aquela que se observou wvra “alumbramento’ Ao utilizar a expressio “estrla da mana”, Bandeie napa tio perspicaz na percepgio dos contrasts, talvez tenl pretendido desentranhar, como se estivesse vendo "pe primeira ve2”,o que se encontra encoberto pela expres- gasta: © paradoso de uma estrela brilhar no céu chro, Retirada do uso automitico, a0 ser reavivada pel emogio poética, a expressio adquire um poder insuspeitado de revelagio. Desentranbar o complexo que se encontra oculto no simples & uma das li Aestrel algo puro e novo (“manha”) quanto o de coisa gasta da manha” contém tanto o sentido de Ihar na noite que finda (a propésito, nio deixa de set paradoxal que “estrela da mana e “estrela da tarde sejam sinGnimas, ambas relativas aVénus). Singular, por ae velha, ela parece essa condigio ama da” que Ihe atribui o poema homdnimo, Ainda aqui trela da manha” poder ser relacionada a “alum: bramento”, se acompanharmos a leitura etimolgica de Davi Arrigucci Jr., que observou na palavra a mes- cla entre luz e sombra (“umbra") Essa ambivaléneia permite aborda-la como ima gem podcrosa, capaz de abarcar tanto a “vida que & esar de todas as quedas”, como a poesia mais ara desentranhada do fato corriqueito ou dos luga: res-comuns ~ da mescla, enfim, entre o puro e o im puro. Um simbolo discreto (diério), mas complexo, 4 medida mesma do poeta e de sua “palavra frat. Mesclada € efetivamente a linguagem de Estrela Man m,com o qual forma 0 niicleo modernista da obra do poeta. Considerem-se, dessa perspectiva, os “poe livro ~"O Desmemoriado de Vi- rio Geral”, “Tragédia Brasileira”, "“Conto Cruel” reveladores de uma pesquisa ostensiva de incorpora 20 do prosaico pelo postico, que foi tio fundamental para a estética modernista ¢ de que jé havia pelo me sum exemplo importante em Libertinagem: 0 “No turno da Rua da Lapa’ Mas a exploragio do prosaico convive com a pesquisa da forma breve, como em“O Amor, a Po as Viagens”, “Nietzschiana” e, especialment ma do Beco’ j,numa continuidade direta com a de Liber mas em prosa" di Que importa a paisagem, a Giléria, a bata, a linha do eu vejo é 0 beco, Ao comenti-lo como um'“distico cheio de elipses mentais”,0 proprio poeta revela aqui um modo de com- Por to caracteristico da poesia moderna — 0 da exp sio apenas alusiva e concentrada, que vai exigir do leitor ecepeio ativa. O ponto de partida para a interpretagio do poema parece ser o de compreender a escolha que est nele pressuposta. © que se elege aqui como objeto do olhar é o horizonte mais proximo, ainda que menos ggrandioso, Uma atitude de “poeta menor”, apegado a0 ‘ais imediato, do qual, porém, como estamos insistindo, se pode extrair enorm: -omplexidade "Contrigéo” ‘A mescha no livto se alse lidade aparentemente 2 também para poemas de tona- aniforme, como" Contigo’ Quero banar-me nas dt Quero banar-me nas du Son a mais baisa d Me sinto sordid limpidas Confiei as foras as minhas Iigrimas Rolei de boro pelas cagadas Cobri meu rosto de bofetadas Meu Deus valei-me Vozes da infitncia contai « historia Da vida boa que nunca veio E eu caia ouvindl A regularidade do poema € evidente (0 que mostra que mesmo 0 Bandeira mais modernista ja mais abandonou de t nal). Em cada uma das estrofes, os trés primeitos versos tém nove silabas,¢ o iiltimo, espacialmente deslocado, quatro. O esquema rimico é também regular: os ver- sos do meio de cada estrofe rimam entre si Essa homogeneidade da estrutura contém, no entant estrofe, todos os verbos esto no presente;na seg téenicas da poesia tradicio- ins contrastes fundamentais, Na primeira randa, Je Mav Randa predomina passado; e, na terceira, um sentido de futuro. Esquematicamente, na primeira estrofe temos © verbo “quero” repetido, como expressio de um de~ sejo de putificagio, jf que 0 eu lirico se diz s6rdido” e“baixo”. Na segunda estrofe, sio arroladas manifes~ tages dessa sordidez, cada vez mais intensas, até a ima- gem de autoflagelagao presente no terceiro verso, O desespero atinge 0 pice e, numa espécie de relagio causa-efeito, desencadeia o desejo de morte da estrofe final. Mas esse impulso autodestrutivo aparece envol- to por uma expressio calma, que 6, na verdade, 0 maior contraste do poema. Para compreendé-lo melhor, cabe dizer que © sentido de cada um dos versos da terceira estrofe s6 se completa no seguinte, ao passo que as duas primeiras estrofes apresentam, exclusivamente, versos de sentido completo, adquirindo, por isso mesmo, efeito cumu- lativo, Portanto, temos segmentacio nas duas primei~ tas estrofes € continuidade na iltima, Essa continuidade produz andamento mais sere- no, reforgado por expresiées como “calmo scio”, 20 contririo do que ocorria nas anteriores, em que eta agitado e angustiado, tendo em vista a crescente nega tividade das imagens. © poema parece encaminhar-se do desespero 4 calma (embora calma mortifera). Ese movimento tem apoio também no jogo so- noro dos detalhes. Um enorme agrupamento de vogais na terceira estrofe produz rimas internas e assonancias (contai a/e eu caia; boa/ouvindo-a), induzindo, junta- mente com o andamento mais distendido,a uma leit ta embaladora. Pode-se dizer que esse segmento, que evoca justamente “as vozes da int uma cangao de ninar ou um'"a Mas 0 repouso sugerido & certamente mesclado e guarda tanto um sentido de pureza, resgatado da primei- cece Cece eter bg Eee Ma 39 12 infincia,como um desejo autopunitivo de morte, pela cexperiéneia da degradagio, Essa ambivaléncia também se encontra na mistura de tempes, pois o sentido de fi- tuto (“e eu caia”),jé observado, se relaciona ao passado mais recuado (“vozes da infincia”). (Numa visio mais amarga, poderiamos especular que, entre ainfincia per- dida ea morte desejada,a vida transcorreu “como wm tinel”, conforme se diz em “Profundamente”) Tal- ver a conjungio se dé no tom de apaziguamento de toda a estrofe final. Assim, © poema, novo confronto do poeta com 0 “mau destino”, nio se resolve no. impubo puramente autodestrutivo, que este aparece inextricavelmente misturado 3 alusio ao repouso seneno da crianga, como se Ié em “calmo seio/ Da eternidade”. Na crdnica intitulada “Minha Mie” ~ mie cujo apelido era "Santinha”-, Bandeira transcreve um tre ‘cho, a ela referente, do poema"*Os Nomes” (Opus 10}: “Santinha nunca foi para mim o diminutivo de San- ta./ Nem Santa nunca foi para mim a mulher sem pecado./ Santinha eram dois olhos mfopes, quatto in- Cisivos claros flor da boca./ Era a intuigio ripida, 0 medo de tudo, um certo modo de dizer "Meu Deus, valei-me™.Ao evocar a expressio identificada 4 mie em seguida ao momento de maior desespero (“cobri meu rosto de bofetadas”),0 poeta prepara a atmosfera terna e pacificadora da diltima estrofe, que vem ate- rnuar a tonalidade angustiada até entio exclusiva A bela“Oragio a Nossa Senhora da Boa Morte” (também em versos medidos, sempre de nove sflabas) acompanha © poema anterior em sua visio da morte como aparente solugao, mas existe aqui algo apenas subentendido em Contrigio”:a ironia. Os pedidos 3s santas, supostamente modestos (“Pedia apenas mais alegria”), si0 sistematicamente negados. As reagdes a esas negativas aproximamese do comico (“As santas 0 Nana onde sio impassiveis/ Como as mulheres que me engana~ ram” ou “Fui despachado de mio vazias"), sobretudo porque expdem o individuo em seu desammparo mais mundano. Observe-se, a esse respeito, como 0 poema comega pelo tratamento fntimo a uma das santas ~ “Teresinha”, que, nio atendendo aos apelos do pocta em suas agruras cotidianas, volta a ser uma distante “Santa Teresa” O final € negativo, mas & preciso observar que 0 desejo de morte (“boa morte”) advém, como no Poeina anterior, da vontade frustrada da'*vida boa”, Nesse sentido, paradoxalmente, a morte esti submetida a um principio vita, ainda que problemitico. A propésito, 0 ‘que 0 sujcito lirico espera da morte é“o que na vida procurot sempre”, Em cartaa Mario de Andrade (14/4/ 1931), Bandeira faz o seguinte comentirio sobre a““Ora- io a Nossa Senhora da Boa Morte”, certamente tam= bém muito adequado para"*Contrigio”: “Rezci de fato com 0 mais puro desejo de morrer como quem adot- mece docemente de fadiga”. A expressio ambigua en- tre morbidez ¢ suavidade é apanhada em cheio na resposta do amigo: "[A ‘Oragio’] é deliciosa de como: didade no sofrimento”” *CangGo das Duas Indias" e Outros Poemas ©utros poemas do livro também tém a morte como tema principal:“Boca de Forno” (ao qual poderiamos associar a figura do pai afeito 3s brincadeiras verbais que ele chamava de"éperas”) ¢ o célebre “Momento num Café”, que talvez contenha a imprecagio mais violenta de Bandeira contra a vida:“A vida é uma agitagio feroz ¢ sem finalidade/ A vida € eraigio" (re~ tomada no “Soneto Inglés n® 2”, do livro seguinte, Lira dos Cingient’Anos —"a vida/ Nio vale a pena ea dor de ser vivida”). Nesse sentido, 0 poema apresenta bering fade datas 6 pouco daquela “comodidade no sofrimento”,expon- do uma visio certamente mais amarga. ‘Ao lado da morte, 0 erotismo é outro tema cen- tral do livro e ocorre em alguns de seus poemas mais famosos: “Estrela da Manha”, "Cangio das Duas In- dias”, Filha do Rei,"A Estrela ¢ 0 Anjo”.""Canti- gA”, 20 associar 0 desejo de morte ao desejo erdtico, identificados ambos 4 “estrela dala”, € um dos poe- ‘mas-chave do livro:""Queto ser feliz/ Quero me afo~ gar". As imagens eréticas em Bandeira sio das mais intensas na poesia brasileira. Os versos “ibis nio poder ais” e “Do maravilhoso pente” (respectivamente, em io das Duas Indias” e “A Filha do Rei”) sio reveladores disso, Nos outros livros, ha diversas referén- cias diretas ao sexo feminino, como em Agua-forte” (Em meio do pente,/ A concha bivalve”) eA Ninf (“O ruivo, rato iséscele perfeito”). No poema “Cangio das Duas indias”, analisado por Antonio Candido ¢ Gilda de Mello e Souza, hi tum verso, muito famoso ¢ comentado, revelador do engenho do poeta Sirtes sereias Medéias ‘Uma das maiores surpresas do poema é a de efetuar a articulagio entre os elementos maritimos (os nove primeiros versos) ¢ as reféréncias 20 sexo feminino (os Cinco iiltimos). Como ele termina com o verso “Oh, inacessiveis praias”, as duas vertentes convergem para o sentido de irrealizagSo ou de frustragio da aventura empreenida (maritima e er6tica). O verso em ques- tio é justamente aquele que efetua a transigio entre 6 dois sistemas de imagens. Nesse sentido, para reto- ‘mar uma expressio de Antonio Candido, ut n ‘outro contexto, © verso “Sirtes sereias Medéias” € a “dobradiga" do poema, e, como tal, abe a ele articu- lar intimamente os elementos das duas partes © engenho consiste aqui na escolha da palavra “sirtes" rata e exata,jé que, pelo sentido, diz respeito A série maritima (“baneo movedigo de arcia”) e, pela sonoridade, lembra nomes femnininos, os quais vem Associada na seqiiéncia do verso, Por sua vez, “s » hibrido entre o maritimo e 0 fe inino, a0 passo que "Medéias” ji se emancipa da imagética do mar e amuneia o final erético do poe ma. Dessa forma, aos riscos de navegagao sio asso. iadas imagens femninin 8 traigociras e fuanestas, numa conjuga¢o que potencializa a impossibilidade de ambas para o sujeito Tirico. Rond6 dos Cavalinhos” é outro importante ¢ um livro escrito sob o signo da mescla, Em Principio, trata-se de um poema tipicamente de “cit uunstincia”. Sabe-se que foi escrito depois de um al- mogo, ocorrido no hipédromo da Gavea, em 1935, Por ocasiio da despedida de Alfonso Reyes, grande escritor e intelectual mexicano, que tinha sido embai. xador do seu pais no Brasil Mas, como sempre em Bandeira, 0 trivial serve como abertura para outras reflexdes, que, nesse poe ma, vio desde as histéricas (a guerra da Abissinia, in vadida pela Itiia de Mussolini,e as“ politicagens” locais) is estéticas (“Meu Deus, a poe ‘mas (o pesar pela despedida do amigo e, novamente, o tema do“mal-amado":0 amor nio correspondido pela Esmeralda” do poema Nesse sentido, o acontecimento objetivo ~ 0 al- le despedida em meio a uma cortida de ca tratado como se contivesse algo maior por detris das aparéncias. Isto &, todos os fatos passam a ter, para além da superficie imediata, um sentido profundo, ¢ tiberiagn sad at adquirem duplicidade, como se pode ver nos contras- tes que o poema sistematicamente estabelece. © tas evidente deles pode ser observado na passagem repetida —“o sol tio claro Ié fora/ E em minh’alma — anoitecendo!”, que propa entre o dentro (escuro) ¢ 0 fora (claridade). Mas ou tras contradieSes se acumulam, como observou Anto- nio Candido, em sua anilise do poema: “b Joucura”; "um bom que vai/maus que ficam”; “pais prepotente/paises submissos”; “politiqueiros ativos poesia perecendo’ : Segundo © mesmo crtico, ess “estrutura con traditéria” do poema esti presidida pelo distico ini ial, que teaparece em todas as estrofes, como convém A forma adotada do rond6.A partir da anilise do ri mo ~ deslizante, em relagio 20s cavalos (também hu: maize elo minntvo“enalinos")«deopada pelas pausas fortes, em relagio aos homens (também animalizados pela expressio “cavaldes”) ~, Antonio Candido observa que hi uma reversibilidade irénica entre os atributos dos homens e dos animais: estes sio delicados, aqueles, butais A forma rond6 adquire, assim, uma funcionali dade essencial no poema, pois é adequada para expri- mir a simultanei aque se acha oculto por detris das aparéncias. ide de fatos, permitindo revelar 0 LIRA DOS CINQUENT‘ANOS ivro Lina dos Cingiient’Anos foi editado primeira vez em 1940, no volume P Ao lado de Libertinagem ¢ Es parte mais densa, em termos de qualidade estética, de ‘oda a obra poética de Bandeira agui a presenga marcante de formas fix Como vimos, estas no foram abandonadas de todo, mas amente muito submetidas 3 pesquisa do ver- e. Proliferam no apenas os versos medidos, mas formas poéticas da tradi¢io: seis sonetos (sendo dois “in ou ter composto apé meses de estudo das cangdes de amor medievais portu. guesas), uma cantiga paralelistica ao modo das cantigas uma balada, HA até mesmo um "Desafio’ ra dos cantadores do Not te,alé de outros poemas que, pelo titulo, podem se ‘Acalanto”, “Testamento” ¢ cinco “Cangies Num prt que © poeta estaria abandonando as conquistas moder 1940,na Aca- a de Letras seria outro sintoma desse iro instante,o leitor poderia imaginar nistas.O ingresso, naquele mesmo ano. smia Bras retrocesso” a uma mentalidade tradicionalista, Mas mos que, em Bandeira, essas compartimentagdes & angues entre o moderno e o tradicional sio inécuas. Ao lado dos poemas mencionados acima, o livro con tém utros,como"O Martelo”,"Magi",“Agua-Forte” €”’Belo Belo”, que aprofundam a diego modernista A Lina dos Cingitent’ Anos pode ser encarada, por- de formas e de técnicas, em que o poeta é senhor de seus meios de expressio € conhecedor da poesia de to- dos os tempos. Nesse sentido, o titulo dialoga, contras Alvares de Azevedo (Lira dos 1 aqui foi possivel a consolidagio de uma poética ou a nte, com 0 famoso livro de outro poeta tisico, Anos, 1853), j& que conquista paciente da maturidade artistica Leiamos com vagar um dos grandes poemas do livro ¢ de toda a obra poética do autor,“O Martel que nos permitir’ proceder a uma espécie de sintese As rodas rangem na cure dos trithos Mai wi do meu naufiigio O mete quarto resume o p CH casas que h Do jardin do convento Vem o pio da coruj Doce como Sei que amanha qu Ouvinei 0 martelo do fereiro Bater con citico de centezas. de pombe, » acondar ‘O Martelo” é um poema que se impoe inicial: mente pela presenga de ruidos. Ele come¢a pelo ranger as rodas nos trilhos e se encerra pelo barulho do mar telo do ferreiro contra a bigorna; entre ambos, ouve-se a,um “pio de coruja”. Essa presenga de ruidos ins. ‘aura, portanto, uma organizagio muito simétrica, até pela ve, no meio. Também nos extremes, © andamento é mais veloz, enquanto no meio é mais pausado, Em ter nos musicais, poderiamos traduzir essa estrutura pela seqiiéncia allegro-adagio-allegro. Essa homogeneidade guarda, no entanto, uma dissonineia fundamental atureza dos sons: estridente, nos extremos, sta O primeito rufdo é de natureza negativa, reforga— da pelo advérbio“inexoravelmente” jisolado no segun- do verso: Tudo leva a crer que tal ruido esteja se referindo vel do tempo, personalizado aqui de modo abstrato © maquinal (“rodas”). A hipétese pa- rece correta, pois o que se segue a0s dois primeitos indoo das pela parece sair vitorioso, pois a adversativa “mas” denota resisten- versos se refere a “naufrigio" ¢ a “passado”, su confronto do eu lirico com as perdas acarret passage do tempo. Desse confionto, aliés, ¢ cia do sujeito (como ji tinhamos visto em “Geso”) ¢ sua capacidade de “silvar” e “resumir” as coi.as mais essenciais do fluxo inexoravel. Outro contraponto esti na proliferagio de pronomes e adjetivos pessoais (“eu”, “meu”, sem contar os subentendidos) que contrastam com a impessoalidade da abertura do poema, Ji © segundo ruido sugere, a0 contririo, algc positivo, positividade esta realgada pela expressi ela atuagio do fer ia, inicialment ‘cintico de certezas” € também reiro, que vem agora trazer & estri maquinal, uma dimensio humana, Visto desse modo, dois sons de natureza semelhante :mmssinal contririo—um negativo e outro positive ~ abren e fecham 0 poema, A semelhanga tio patente entre oF cextremos ajuda a sublinhar os contrastes entre o trigico de primeiro allegro ¢ a positividade quase triunfal do titimo. Mas essa auté positivo s6 foi possivel gracas 3 passagem pelo espace do aconchego interno. A presenga dos ruidos explicit tica metamorfose do negativo en a situagio do eu lirico: fechado no interior do quarto que é um espaco fundamental na poesia de Bandeira ~ tum equivalente da intimi agai clos sons nesse espaco reservado é sinal da permeabilidade le do poeta. A pene cessencial deste a0 que se passa no exterior No “cerne”, tanto do poema como do espage interior do poeta, ha uma passagem decisiva: 0“ pio a \gourento, é devidamente filtrad pelos ouvidos e soa“ doce como um arrulho de pom ba’. Manuel Bandeira, com sua costumeira habilidade artesanal, propde um cruzamento entre os sons dos dois pissaros, de maneira a associar “pio” a pomba” ¢ “conuja” a “arrulho”, preparando ¢ motivando a assi- milagio do negativo pelo positive, Trata-se, portanto, de um trabalho de detalhe que reproduz ¢ confirma 0 que ocorre no conjunto do poema. O que pensar de um poema inteiramente con posto com 0 propésito de transformar uma coisa em seu oposto, mais especificamente o sombrio em lumi- oso ~ um som noturno no som diurno da atividad do ferreiro,o canto noturno da coraja no canto diur no da pomba? Transformar a noite em dia é atividad tol aa nea, mas da qual 0 poeta parece ter extraido um processo de composicio. Aqui, talvez a grande n em do natural para o artistico, isto &, para o artificial e humana, pela mediago do labor do ferreiro. O instrume que também di titulo a0 poema, surge entio como de tamorfose consista na 0 deste fio 3 fatalidade ou 4 inércia natural. Que""O Martelo” seja um poema sobre o te disso niio ha diivida. Mas o tempo, tuma poténcia implacivel e exterior, pelo ritmo do trabalho humano. 0 do ferreiro, somos lanca jumana humilde (“os elementos mais cotidianos”), € & po, 1e irrompe como no final donsado ‘omo esse trabalho & dos da metafisica para a escala que © estético e o social se entrelacam. Bsteticamen vitoriosa ¢ virtuosistica de como o trabalho da arte, anilogo ao trabalho da forja, pode extrait 0 positive das perdas (“Mas eu salvei do meu mauthigio"), trans formar a matéria bruta em utensilio ~a natureza em respeito, Francisco de Assis Barbosa, o melhor bi6g fo de Bandeira, em uma informagaio preciosa:*O ba tido das tecas da sua maquina de eserever se confundia, Je consiste numa demonstragio muitas vezes, com 0 martelo do ferreiro ecoando do fundo do beco e que o acordava todas as manhis”, Socialmente, a identificagio com uma atividade artesanal menor reconduz 0 trabalho artistic 4 di- mensio humana a,em que a tenacidade e a resis cia aparecem como os tinicos valores certos. Sobre “O Martelo”, 0 proprio Manuel Bandeira deixoucnos uma breve nota no Itnero de Pasqgada, na qual afirma que é um de seus poucos poemas em que esti presente a “emogio social”. A expressio ésignifica- tiva ¢ jf revela a sintese do intimo com o genérico, de monstrando como a sabedoria mais recSndita e preciosa eee Detiads cing ” do individuio singular pode reconhecer-s¢e jus tum bem comum. Nesse sentido,“O Martelo” ¢ um dos grandes exemplos da“palavrafiaterna’”na obra de Bandeits. Se em"O Martelo”a organizagio do poema pro- vinha essencialmente do didlogo com a miisica, no famosissimo Magi" o arranjo acusa forte diélogo com 2 pintura, constituindo-se como “natureza-morta’ Por wm lado te vejo como um seio mucho Pelo outro um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordio [placentirio Es vermelha como o amor divine Deniro de tiem pequenas pevides Palpita a vida prodigiosa Iyfinitamente E quedas tao simples Ao lado de wm talher Nuon quarto pobre de hotel. © movimento do poema é o de observar seu objeto de diferentes Angulos: pelos lados (os dois pri- meiros versos), no todo (terceiro verso), por dentro (do quarto ao sexto verso) e na relagio com © am- Biente (os trés versos finais). Dito de outro modo, a maga ¢ vista isoladamente nos seis primeiros versos, numa interiorizacio progressiva, ¢, se amplia para o lugar em que ela esta situada. Os dois primeitos versos ji propoem uma ximagio abrupta entre dois principios contririos ~ um relacionado § morte ou a0 definhamento (“seio mur- cho”), outro 4 vida ou ao nascimento (“cordio pla centirio”). A abertura indica, portanto, um assunto siibito, o foco Manel Rass grave, embora extraido de algo inesperado para tanto ~a observagio “objetiva” de uma simples maci. No‘“cemne” do poema, exatamente como ocorrera €m"O Martelo”,0 assombro é ainda maior; 0 mais di minuto — as “pevides” — & capaz de conter o mais gran. dioso: a vida prodigiosa palpitando infinitamente. A escola de "pevides”, de modo semelhante ao que ocor. era com “sirtes”, & de uma enorme felicidade. Caso 0 poeta tivesse utilizado 0 sinénimo usual “sementes” (que tem, de resto, 0 mesmo ni teria sido certamente outro. Restaria o sentido geral do Pequeno que contém o grande, masa palavra"*pevides” traz ciffada em seu interior a propria palavra vida", além de relacionar-se sonoramente, de modo inext civel, com varios vocébulos centris do trecho: peque- has, palpita,prodigiosa, Afora essa cordilheira de pés,em ‘especial no quase onomatopsico “palpita”, que sustenta © sentido de pulsacZo da vida, remos ainda 0 jogo de timbres da vogal /i/, que recebe quatro acentos fortes ', pevides, palpia, vida, sem contat os acentos secundi- ries em “prodigiosa”e“infinitamente”. Isolada, esa dil- tima palavra parece exigir ainda um leitura quase sgranulada,em que as silabas sio lentamente escandids, B in as aleuras, emibora estejamos também no ambito das coisas minimas. C poema se encerra justamente reconduzindo a“mag um cenétio humilde (“Num quarto pobre de ho: tel"), de modo a enfatizar que o mais elevado pode estar contido no mais baixo. Nesse sentido, Davi Arrigueci Jr.,no livro tantas vezes aqui citado, denomina “Do Sublime Oculto” seu ensaio sobre “Maga”, considerando 0 poema um dos grandes exemplos do “estilo humilde” do poet AA propésito de ocultamento, embora talvez em ou tra chave,“Agua-Forte” & um dos poemas mais curiosos nero de silabas), 0 efeito sgivel que estamos aqui DeLiads cians se dade 3 de Manuel Bandeira, O ttlo, ldo isoladamente,sugere ‘nova relagio da poesia coma pintura assim como o pri- meiro verso ~“O preto no branco”~ pode sugerir uma abertura metalingiistica (a tinta sobre a pagina). Mas a leitura dis imagens nio deixa dividastata-se, para eto ‘mara formulagao de Ledo Ivo em sua extensa anise do poem, da representagdo de “um sexo feminino em fa cionamento menstrual”. Nesse sentido, é um poema de linhagem mallarmaica (Bandeira escreveu um longo en- saio sobre Mallarmé), em que seu objeto € apenas aludide, Testamento” & outro belo e importante poema do livro,e talvez sejaa passagem de toda a obra de Ban- deira em que a condicio de “poeta menor” aparece formulada da maneira mais reveladora. O verso "Sou poeta menor, perdoai!”,encontra sua explicago na es- trofe final “Nio faco wersos de guerta/ Nio fico por- que no sei”, A data do poema, que o autor fez questio dde manter (25 de janeiro de 1943),explicita o contexto hisworico: o final da batalha de Stalingrado, momento decisivo da Segunda Guerta Mundial, sobre a. qual Drummond escreveu tm poema famoso,admirado pelo proprio Bandeira. A autodesignacio “poeta menor Portanto,se explicaria por uma espécie de inaptidio de indeira para a tonalidade épica, para a qual ele tinha jo no periodo, Mas vimos que o seu “enga foi menos consistente, embora sempre sido cob jamento roposto a partir de um espaco interior. BELO BELO O titulo Belo Belo (1948) vincula-se a dois poemas homé- nimos: um do livo anterior e outro do proprio livro em questio. A duplicagio € curios edi o que pensar, Anto- nnio Candido e Gilda de Mello ¢ Sousa considerany-na exemplar de um “interminivel contaponto”,na obra de Bandeira, entre “a atitude de serenidade melancélica ¢ 0 sentimento de evolta impotente”. Asim,o primeiro"Belo Belo” apresenta um"sereno conformismo”, jé o segundo, Nesse sentido, o contraste entre 0s dois poemas seria revelador de uma das tenses da poesia de Ban- dleira mais investigadas aqui. Vista como combate a0 tino”, tantas vezes © poeta conseguiu impr mir 3 expressio poética uma afirmagio da vida, mes- mo no “naufi 0$ outros momentos, porém, os obsticulos se impuseram, e os poemas dei xam antes entrever um sentido amargo. Mas aa sundo poema esta também heia de humor. A expressio “Belo Belo”, retirad: nargura do sey de uma cangio popular, ¢ muito afirmativa e ecoa en quero” de presenga obsessiva. Os desejos, por todos inacessfveis,e a sua frustraco, inevitével; dk que cles se transformam, também pela rima toante em “lero-lero”. A palavra “zero”, iltima do poem: ompleta a cadeia sonora, que é também de um pro- fesivo esvaziamento da positividade inicial (“belo Jo” > “quer quero” > “lero-lero” > zero”) Marcante é a seqiiéncia que contém os desejos Quer0 0 moreno Trata-se de uma colagem improvivel de mulhe res (0“moreno” e a“brancura”...). As rimas cruzadas Estela/Bela” e“Elisa/Adalgisa” reforgam a alte DeLindo igi Anv acd Tne 25 insoliivel desse querer, Nao hi escolha possivel, nem, »,0 tepouso do desejo. Dois pocmas muito breves de Belo Belo = “A Realidade e a Imagem” e “O Bicho” ~ foram ex elo, para onde se mudara traidos da nova “pais seu apartamento no C nos anos 40,Se na moradia anterior havia 0 hi agora um “pitio” entre edificios, lugar de imun dicie, que levow o poeta a reclamar a dois prefeitos do Rio de Janeiro em alguns de seus “versos de Os dois poemas pare que um é quase fenomenologico,em sua proposta des m ser inconciliéveis, visto critiva, a0 passo que 0 outro apresenta a expressdo cru da miséria, sendo. um dos poemas mais famosos de Bandeira em termos de mogio social As diferengas, contudo, se dissolverio em parte se considerarmos que os poemas se assemelham em ‘A Rea. sem”,o proprio poeta afirmou ser“uma sua aproximagio objetiva da realidade. Sobre lidade e a Im transposigio da realidade sem inventar nada, sem fingit’ nada, Poema que & uma simples reprodugio por imitagio”."* Sobre “O Bicho”, Joio Cabral de Melo Neto, em carta a Bandeira (17/2/1948), afir ma: "Nao sei quantos poetas no mundo sio capazes de tirar poesia de um ‘fito’, como vocé fiz. Fato que voce comunica sem qualquer jogo formal, sem qualquer palavra especial: antes, pelo contririo: como que querendo anular qualquer feito auténo: mo dos mi (6/7/1951), Cabral volta a elog reta e dura” de “O Bicho’ jos de expressio”, Em outro momento 1 Manuel one Os dois poemas, portanto,sio exemplares de uma conviceio essencial em Manucl Bandeita, tantas vezes aqui realgadaza de que existe uma poesia “errante” nas manifestages mais heterogéneas do cotidiano, que po: dem ser“desentranhad: expressio mais despoja~ da e objetiva Em “Infancia”, tlkimo poema do livro, 0 poeta e debruga sobre um de seus temas fundamentais. No inicio do Itieniri de Pasérgada, Bandeira afirma enfa- ticamente:“Dos seis aos dez anos, nesses quatto anos de residéncia no Recife, minha mito~ logia”. No poema emt questio, © poeta recua até as primeitas reminiscéncias, em PetrOpolis, 20s trés anos de idade, e a idéia da “mitologia pessoal”, associada 4 infincia, encontra outra expressio forte om de= anos vim para o Rio, onhecia a vida ent suas verdades essenciais. Estava maduro para 0 sofrimento E para a poesia! © poema tem muito interesse também pela técnica associativa, em que 0 eixo cronolégico ape nas emoldura o fluxo vertiginoso da meméria, que se constitu, como afirmou Yadith Rosenbaum, na “colagem de destrocos de um mundo magico pe dido”. Nesse sentido, 0 poema pode ser associado a “Rugo”, de A Cinza das Hons, em que se Ié: “Li vio os dias da minha infincia/ ~ Imagens rotas que se desmancham” “ingest Tar OPUS 10 Opus 10 foi publicado em 1952 pela editora artesanal Hipocampo, de dois poetas da geracio de 45, Geir Campos e Thiago de Mello, Em carta a Joo Cabral de Melo Neto, Bandeira faz a seguinte consideracio: “Dei-hes [aos editores] uns poemas, quase todos de incia, escritos depois da iltima edigio das Completas. O titulo ser’ Opus 10”. Nessa numeracio, 0 poe sete livros comentados anteriormente, Poenas Tiadu= dos (1945) € Miu do Malungo (1948). © fat € revelador ¢ mostra como Bandeira prezava tanto seus “versos de circunstincia” quanto sua atividade de tradutor, equi- parando-a 4 da propria criagio. ( ‘ros nio serio comentados aqui mengio da importincia que 0 pocta Ihes atrib ‘A visio um tanto rebai pressionar: 0 livro “magrinho” — 0 menor de todos, com apenas 21 poemas~ contém, pelo menos, cinco trabalhos obrigatérios em qualquer antologia do poe: ta:“Boi Morto”,“Cotovia”,“Noturno do Morro do Encanto”, “Consoada” ¢ “Lua Nova” Sotovia” é de uma delicadeza impar, pela sim plicidade cantante com que o poeta retoma tim motivo permanente de sua obra:o lamento pela infincia perdi- da mas subitamente recobrada em outro instante de alumbramento, susctado aqui pelo canto da corovia. A abertura esti em versos livres partir da segunda parte porém, a redondilha maior prevalece. Como 0 poema esti composto na forma de dillogo entre 0 eu lirica e a cotovia, podemos dizer que justamente na segunda parte, que determina a baliza mnétrica e ritmica do texto, Isto é,a fala do poeta, ini- considerou, além dos 0 canto desta, iniciado cialmente solta, pass a afinar-se pelo canto da cotovia, impregnando-se, assim, de uma “naturalidade”. Essa naturalidade é acentuada por algumas intersegdes ex ploradas a fundo pelo poema:a cotovia € o pissaro que anuncia a aurora (além de ser capaz de atingir grandes alruras...), mas“ Aurora” é também o nome de wma das ‘rus da infincia do poeta, é,igualmente, uma imagem sgenérica banal da infincia, utilizada, por exemplo, por Casimiro de Abreu em seu conhecido poema “Meus Oito Anos” de que dois versos io citados literalmente. Mais uma vez, portanto,a dor mais individual e exprestio coletivizada — seja pelo canto do passaro seja pelo canto do poeta mais espontaneista de nosso 10- ‘mantismo, em seus versos mais popularizados. Nio hi aqui nenhuma intengio parddica em re lagio ao sentimentalismo romantico, presente em ou- {0s momentos, por excel em poemas posteriores, como “O Nome etn $i" e'Sa~ télite” Trata-se antes da incorporacio deliberada de uma ternura de toda a gente, capaz, entretanto, de revelar a expressio mais intima, “Boi Morto”,“Noturno do Morro do Encanto” ““Consoada” sio poemas excepcionais em seu tratamen- to de outro tema fundamental do autor: a morte. Mas cada um deles aborda o tema de maneitas muito diferen- ciadas, de modo que a leitura contrastiva pa ras adequada e interessante. Em “Consoada’ nto do pocma é de uma progressiva serenidade: 0 cencontro com a"“indesejada das gentes”,inicialmente f- gurado com angistia € temor, cede lugar a um senti- mento de prontidio espiritual. £ 0 que revelamasimag finais, todas com quatro silabas —"lavrado 0 campo”, casa impa”*a mesa posta”, numa interiorizacio progres- siva do sujeito sobre si mesmo, sugerindo uma concep: Glo da morte como concentragio derradeira das forgas oética”,ou mesmo edi dina’ ase 79 da vida e, portanto, ainda imanente a esta. Para tal familiarizagio com a morte,é decisivo o censrio arcaiz bucélico (proposto, entretanto, por um poeta erin temente urband), {i que nele os ritmos da vida interior podem vincular-se, de modo mais imediato, a0s ritmos ciclicos da natureza, propiciando 0 apaziguamento final Igualmente decisiva €a énfase dada ao trabalho sist tico ¢ mitido,ao qual poderiamos associar 0 priprio fi- zer pottico, como se este consistsse na justificatva de uum destino no confionto com seu término. Ji em “Boi Morto”,a morte é pu © sujeito acha-se antes “dividido, subdividido”..A es- trofe do meio, tio extraordinaria em sua musicalidade, enfatiza esa experigncia da opacidade, sobretudo pela reiteragio do adjetivo “atdnita”, relativo a alma, ja se- parada do corpo, vinculado este, pela rima toante, ac “boi morto” levado pela torrente inexorivel. O poe ima teria sido “desentranhado” da audigio do discc em que o proprio poeta Ié “Evocagao do Recife”. ® agulha teria emperrado justamente na passagem en que se fala do “boi morto”. Assim, a visio infa sombrada das cheias do Nordeste, em si mesma propi: cia a obsessio, encontrou na repeticio me estranha poténcia, que © poema transpée admiravel ente. Ha muita distancia aqui do bucolismo de ‘onsoada”:"Boi Morto” é um poema tipicament« moderno (ainda que composto em versos medidos « relativo a uma cena também nio-urbana), € ndo po caso ele foi aproximado, por Band: :4 ¢ outros leito res, a0 famoso “No Meio do Caminho”, de Carlo Drummond de Andrade.” O*Noturn do Morto do Encanto” figura outra vez morte em sua dimensio estranha: "a morte como segundo Yudith Rosenbaum, em co: cspid da vid: mentirio ao poema, O soneto & dos mais pungentes do autor em termos de expressio da miséria interior, e rele prev 2o encerramento do “Poema de Finados”. A abertura Exe findo de hotel é um fim de mundo” ~ é tam: das mais fiinebres do autor, e a propria palavra postica se problematiaa: “aqui é o silencio que tem vor’ ou “cative canto”, Essa filtima expressio retoma, em perspectiva amarga, o termo “encanto”, determinando a tonalidade sombria de todo o poema. ESTRELA DA TARDE A primeira edigio de Estrela da Tarde é de 1958 e apa- receu no volume F deira, entio editadas pela Aguilar. Mas o livro recebeu das obras completas de Ban— na edigio avulsa de 1963 como da Vida Inteira (1966), ornando-se © mais volumoso do poeta (69 poemas na primeita edigio da Bs a0 todo). Provavelmente, também & o mais irregular; 0 que se compreende, pois abrange um enorme perio: do de producio, pelo menos entre 1952 e 1967 Nio por acaso, aparece aqui algo inédito nos li vros anteriores do poeta:a divisio em partes ~ seis no ‘otal. A primeira delas,inicialmente denominada “Es. rela da Tarde”, contém 40 poemas. A segunda é for mada pelas “Duas Cangdes do Tempo do Bec poemas eroticos, muito freqiientes também na pri ‘meira parte, de que sio exemplos marcantes“A Nini Ad Instar Delphini” “Vita Nuova”. A terceira par te, intitulada “Louvagdes”, no destoaria muito caso tivesse sido incluida nos “versos de circunstincia” de Mafi alingo; por outro lado, revela uma caracte ristica essencial da lirica de Bandeira: a presenga de personagens. Assim, alguns poemas, como “Mais dedicado 4 cantora, podem ser associados a outros em. gue aparecem figuras quer Rodrigues, Tomisia, Rosa) ou figuras femininas (Te reza, Esmeralda, Anténia).A quarta ¢ a quinta parte, ‘Composigdes” ¢ "Ponteios”, reco- as da infincia (Toténio respectivame Them as experiéneias “coneretistas” do poeta. A it ma, que mereceu edigao avulsa, contém a série de seis poemas com o titulo “Preparagio Para a Morte No conjunto, é de observar, ainda, alguns “poe amas de viagem”, jé que Manuel Bandeira retornou i Europa em meados de 1957, mais de 40 anos depois, da estada no sanat6rio de Clavadel.“Embalo’ “Elegi Mal sem Mudanga” sd0 alguns desses poemas, © dltimo & um sonero composto em de Londres’ Salvador, em trinsito para a Europa, ¢ dialoga com a poesia bartoca de Gregorio de Matos pelo tom e pela técnica, como se Ié logo no hipérbato da abertura Da América infeliz por¢io mais doente/ Brasil,ao te deixar...” Sobre a viagem, Bandeira escreveu também uum “Diirio de Bordo” ineluido no livro de crbnicas Plana de Papel pelo menos o fimoso “O Nome em Si partir de variagdes do nome de Goncalves Dias, poeta admitado ¢ estudado a fundo por Bandeita, Numa créni ca de 1957, sobre a poesia concreta, o poeta escreveu “Bu tinha vontade de compor um poema concreto Gongalves Dias e dissociaria em que partiria do nome 0s dois apelidos e combini-los-ia com outros € forja ria firmas comerciais (Dias Gongalves, S. A., Gongal ves, Dias & Cia, etc.), enfim, faria o diabo, de maneira que ao fim do poema o leitor visse © nome inteita- mente dissociado da imagem do poe © procedimento basico do poema & empre; guns “estranhos dessensibilizantes” (para_usar uma expressio presente no Itineririo de Pasirgada), no caso, propésito de esvaziar o seu objeto de todo efeito poe tico elevado, Na leitura que faz do poema, Haroldo de Campos chama Bandeira desconstelizador”, no sentido de que ele forja uma poesia dessacralizante, a partir da incorporagio de lugares-comuns. Antologia”, escrito em 1965, foi dese nhado fir ma:"Tive a idéia de construir um poema s6 com ver sdacos de versos meus mais conhecidos ou mais marcados da minha sensibilidade, e que a0 mes- mo tempo pudesse funcionar como poema para uma pessoa que nada conhecesse de minha poesia”. E de notar, na composicio do poema, que Ma nuel Bandeira recolheu especialmente versos ou tre hos que representavam a abertura ou 0 fechamento, Ps ral a zes de exemplificar e sintetizar o niicleo de suas d nquietagdes. A Teitura de “Antologia” pode iluminar sim, uma das muitas declarages instigantes de Ban- deira sobre poesia: “Todo grande verso sm poema pmpleto dentro do poem: E importante sublinhar que, nesse poema, Ma nuel Bandeira posicionou-se diante de sua obra como Isior. Fas posio records outros momentos em que or estético dos poemas a se a questio do va eas incorporacas. A propésito, hi outra declaragio preciosa de Bandeira, em carta a Antonio Candido: ‘Sou autor de virias antologias ¢ afinal ainda nio fiz uma aque fose verdadeiramente a minfia antologia, uma antolo gia que fosse ferozmente individual, e q Tevar a clissica ilha. Esta seria em grande p. de estrofes de poemas € (Os poemas de"Preparagio Para a Morte ram o livro e representam também os acordes 10 fara par i de versos isolados diros com que o poeta se despede de nés. Nessa suit 1s motives fiandamentais da obra ¢ evidenciam al de Band hatureza e ao cotidiano, a visio ironicamente trigica da c mesmo uma religiosidade difusa no se trata aqui do adolescente enférmo, mas } r — conffontar a morte com naturalidade e sabedoria, Por outro lado, encerrar a obra dessa maneira € também revelador do cariter “biogrifico” da obra de Bandein Como afirmou Francisco de Assis Bar é1n que atingiu inesperadamente a velh i dade das Hons a0 dertad (© sepredo ests aqui na palavra “transposicio” sde o primeiro poema de A Cin iro verso da Estrela da Tard riéncia pessoal do poeta, embora tenha extraido desta, paradoxalmente, toda a sua forca. A expresso mais in tima encontrou agui uma intersegio coletva, propic. ando a criagio de uma“palavra fiaterna” que € um dos tgrandes legados de nossa lirica de todos os tempos. Primer edigéo de Estrela da Tarde, pelo Livre José Olympio Ealtora (Rio de Janeiro, mai de 1963) jologia tem por base aquela estabelecida pelo 04 Nasce no Recif No R to do Gindsio Nacional (depois, Col o de Janeiro, cursa o Externa: gio Pedro II). Encontro fortuito com Machado de Assis, com quem conversa sobre Camaes, Publicagio do pi primeiro poema, um soneto alexandrino, na pri Man Vai para Sio Paulo, onde se matricula na Escoh Politécnica. Adoece do pulniio no fim Embarca em junho pata a Europa, a fim de tratar-se no sanatorio de Clavadel (de onde retorna em 1914). Organiza seu pri meiro livro, Poemeros Melancélicos, mas es 1916 1917 1918 1919 1920 1921 192: 1924 1930 1936 1937 938 940 Falece a mie Publica seu primeira livro ~ A Ci dde 200 exemplares,custeada pelo autor Falece a irma, que tinha sido sua enfer- meira desde 1904 Publicagio de Camaval,custeada pelo pai (© livro entusiasma a paulista que rolucio modernista Falece © pai, Muda-se pai Curvelo, onde ji morava Ribeiro Couto, Conhece Mirio de Andrade Falece o irmio. Publicagio do volume Poesias, incluindo 1s dois livros anteriores acrescidos de O Ritmo Dissoluto Publicagio de Libertinqgem. Edigio de 500 cexemplares, custeada pelo poeta Publicagio de A Estrela da Manha (47 Bra sil, Por iniciativa dos amigos, sai © livro Homenagem a Manuel Bandeisa, no cingiientenario do poeta. Publicagio, pela Civilizagio Brasileira, das Poesias Exolhidas,selecionadas pelo px também ouvi conselhos ¢ Andrade. Sai a Antolgia dos Po dda Fase Romiintica, Ganha o prémio de poe sia da Sociedade Felipe ’Oliveir: Nomeado professor de literatura do Co: legio Pedro II, Publicagio da Autologia do Pactas Brasileiros da Fase Pan cuia de Ouro Preto. ess0 na Academia Brasileira de Le tras, Primeira publicagio, pela Cia, Cari cexemplares) ¢ Crdnicas da Provincia d coca de Artes Grificas, das Poesias Comple fas, com o acréscimo de Lint dos C giient’Anos. Publicagio de Nogdes de Histéria das Literaturas e, em separata, d 4 Autoria das Cartas Chilenas Deixa o Colégio Pedto II e nomead professor de literatura hispano-ame nna na Faculdade Nacional de Filosofia Nova edigio das Poesias C Publica PoemiasTiad de Guignard Publica Apresentaio da Poesia Br dos Poctas Bisexto 0. Nova edigio das Poe- cimo de Belo B Barcelona por Jodo Cabral de Melo Neto. Nova edigio aum dos (Editora € da dos Poemas Tr Edicio critica das R Tra dos Pelo Autor de Schill Nova edigio das F letas, pela é Olymy Escreve paraa F dia Delia-Larousse wm io em lingua por cde Shakespeare Publicacio do livro de crénicas F Papel. Embarca em julho para a Europ: Visita a Holanda, Lond gressa ao Rio em novembre A Aguilar edita as obras com dois volumes: Poesia (que contém a pr meira edicgdo de Estrela da Tide) e Pros A José Olympio reedita E la da Tank ierescida de muitos poemas. Tiaduz O Caueasiano, de Brecht Primeira publicagio da Estrela da V pela José Olympio, Pela mesma eas: ida por Carlos Drummond de Andrade, crénicas do poeta Falece no Rio de DE MANUEL BANDEIRA ‘obra postica de Manuel Bandeira esti re nida no volume Estrela da Vida Inteira, atualmente publicado pela Editora Nova Fronteira. Pela mesma editora, hi uma Seleta de Prosa, organizada por Jélio Castaion Guin Fes, que reiine boa parte da produgio em prosa do poeta, inchisive o essencial Iinenirio de Paséingada, de que ha também edigao avalsa. Digna de nota ainda & a 2 por Giulia Lanciani (Colegio Archivos, 1998) —, que traz também uma ampla antologia co: nentada da recepgio critica do poet Dois volumes fundamentais, contendo parte da safram recentemente: Cor. & Manuel Bandeira (Sic mnizago de Marcos Anto- inal com E (Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Casa de correspondéncia do ps respondéncia Mério de Paulo: Edusp/IEB, 2000, 01 niio de Moraes) e Ca e Drumm Rui Barbosa, 2001, organizacao de Flora Siissckind) SOBRE MANUEL BANDEIRA Miri de Andrade,"A Poesia em 1930”. Em: Aspats reranura Brasileira, Sio. Paulo: Martins/MEC 1972; p.26-47 Drei Arvigucdi J, Hnldede, Puts e Mone: Poesia cde Manuel Bandeira, Sio Paulo: Companhia das Le- tras, 1991 ."O Humilde Em: Enigna e Comentirio. Sio Paulo: Companhia das Letras, 1987; p. 9-27, ‘A Beleza Humilde e Aspera”. Em: O Cacto e as Ruinas. Sio Paulo; Ed. 34, 2000; p.7-89. Francisco de Assis Barbosa, Manuel Bandeint —100 anos de Poesia. Recife: Pool Editorial, 1988. Sonia Brayner (org.), Manuel Bondeira. Fortuna critica Rio de Janeiro: Civilizacio brasileira, 1980. [Con- tém textos de Jodo Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda, Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Franklin de Oliveira e Haroldo de Cam- pos, entre outros] Antonio Candido, “Carrossel”. Em: Na Sala de Aula Sio Paulo: Atica, 1985; p. 68-80. Antonio Candido ¢ Gilda de Mello ¢ Souza,"Intro dugio". Em: Manuel Bandeira, Estrela da Vida Intei- ra, Rio de Janeiro: Nova Fronteita, 1993: p. Joaquim Francisco Coelho, Manuel Bandeita Pré demnista. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. _, Biopostica de Manuel Bandera, Reecife: Massangana, 198i Julio Castation Guimaries, Manuel Bandeit Llumbramento, Sio Paulo: Brasiliense, 1984. Homenagem a Manuel Bandeira. Rio de Janeito:Tipo- grafia do Jornal do Commercio, 1936, [Hi uma idiano de Manuel Bandeira’ Bewo ¢

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