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Tenge DIANNE} ALQUIMIAS DA ESCRITA: DO ANTIGO REG Iva sho FRANCISCO, SDAPH eons usin Prin de Mages ALQUIMIAS DA ESCRITA ALFABETIZACiO, HISTORIA, NO MUNDO OCIDENTAL DO ANTIGO REGIME ESTUDOS CDAPH HRSIDADESAG FRANCISCO Mul Andee Ln OF¥E le Pe, Ps Cradung Etensbo ino Educa "Apoio a Pesqus em Histria da Educa Sega do DAPI ‘Marsala SM Mariaho (Cordeadbra do CDAPH) Manas Corre Fete Mata Fat Gumars Bueno Moyes Kubin Je Comselo ators ‘es Walesa Mendon Cos Robert emi ay Garce Nines bine Mara Tek Lose Hele MB, Boren ‘isa Lipp tee {asa Mendes de ai Flo Las Felipe Sana ara Maria Chagas de Canatho Zain Bre caTaLoaacio xa ponte Do Mapas. Jusio Pee ‘Algumis da sca abet, hea dssevohimento no mundo osietal do. amigo resime / Tustno Pasi. de Magalies rigaaga Pauisi: Edtora és Universidade So Francisco. 201.216 p. (Coksso Estudos CDAPH, Série isterigrti. TaN aS 65-049 1 Misra da llibtagso PogaliBesl 2 Aboagem tiserngien © antrpoigien 5. Assiatrs amo hago ison. Tl, erepndinis prt: ‘Cote Dmemenios ios Page nid apt -CDAP Ay, So Prancisco de Assis. 218 i oH Exe onion Tanga Pasta SP Era eaphustcamte apo nn bap Ai, palavras ai, patavras, gue estranha potencias a vossat a) A liberdade das almas, «ait com letras se elabora. Edios venenos umanos sis a mais fina retorta Srégil,frdgil como o vidro ‘e mais que 0 ago poderosa! Reis, impérios, poves, tempos, ‘pelo vosso impulso rodam. Cecilia Meiveles SUMARIO Nota de abertura. Sobre o conceito de alfabetizado uma abordagem histriogrifica e antropoligica Historia historiografia da alfabetizagao. Um contributo metodolbgico para a histiria da alfabetizagio = a assinatura como indicador. Historia, alfabetizagio, desenvolvimento, Nota final Bibliogratia| Justino Pereira de Magallies Instituto de Edueagio e Psicologia Universidade do Minho (Campus Universitirio de Gualtar 4710 BRAGA Portugal ‘Tel: 253-60424001 Fax: 253-678987 E-mail: justino@iep.uminho pt NOTA DE ABERTURA © estudo que agora se publica é consttuido por um ceonjunto de eapitulos organizados em torno da problematica da ilfabetizaglo, sua especificidade, usos e piticas. discurso adopta uma matriz problematizante, que, sem fcomprometer a informagdo, visa acentuar as limitagdes do conhecimento historiogrifico sobre varios aspectos em andlise, dlesignadamente para Portugal, © apontar para abordagens sob ‘uma base de complexidade, Apis uma reflexio sobre os conecitos fundamentais, que inelui uma anilise da historiografia dla alfabetizagio, apresenta-se um contributo metodoldgico a partir de uma ‘abordagem interdiseiplinar, com base num lratamento crterioso da assinatura como informagfio historic, ‘A abordagem integrada das quesiGes portuguesas, no mbito de probleméticas mais amplas que perpassam as fronteiras politicas, bem como uma liberdade discursiva no Uratamento do tempo histérico, permitem uma narrativa coerente ‘¢ compreensiva do fenémeno em estudo, sem que se gerem anacronias. I essa margem de liberdade que este texto procura explorar. Texto que necessariamente deixa tanto por resolver, como aquilo que resolve, mas que no oculta a sua pripria condigio, fundamental para a avaliagio da informago produrida Este livro, agora publicado no Brasil, constitui também o esbogo de um plano comparativo da historia da alfabetizagao Portigal-Brasil, Brasil-Portuyal autor SOBRE 0 CONCEITO DE ALFABETIZADO- UMA. -M HISTORIOGRAFICA E ANTROPOLOGICA, 1. A eserta, soba forma de alfabeto, ou de outas expresses tificas, consttui um factor decisivo ma histéria dos povos, das eivilizagdes e da humanidade, ao lado de invengbes como a rod. E porém a. Medernidade © sobretudo nia Contemporancidade que 0 ‘desenvolvimento histérico se evela efectivamente condicionado pola ‘serita: numa primeira fase nas suas bases mais elementares ~ ler, ‘escrever€ contar - e progressivamente num maior grau de exigénc {quanto a saberes © competéncias comunicacionais - linguist watemicas, feenol6gieas. A Teitura, a eserita © a contagem, que \Jurante séeulos constturam uma questo pnoseoligica, convertem-se ‘numa questio hstérica,sociolégica e politica. O que durante séculos cconstituiu uma excepylo eum beneficio, convertese numa rneessidade basica da comunicagio © do conesimeato ©. sua auséncia & uma ameaga para o desenvolvimento histérico. O que durante séeulos foi privilégio de grupos sociaisminoritrios, cconverteuse num direto e numa obrigago universtis, pelo que, em Finais do séeulo XIX, toda a populagdo autsctone dos Estados da Europa de Norte © a populaeao branca dos Estados Unidos da ‘América, em idade escolar, estavam totalmente alfahetizadas,estando ser implementadas estratégias pata alfabetizaydo da populagio dulta, Nos Paises da Europa de Sul, a situagéo era menos regular. No decurso do século XX, sobretudo apss a Segunda Guerra Mundial, 05, «stados nacionais € os préprios organisios intemacionaistém feito da alfabetizagdo_ um dos. seus principais campos de sensibilizagio € ago, O analfabetismo constitu um dos males @ combater, uma vez ‘que. conceito de desenvolvimento que subjaz aos perfodoshistricos dla Modernidade eda Contemporaneidade € incompativel com stuagSes generalizadas de auséncia de aesso & cultura esrita Por meados do século XX, a UNESCO comesava a chamar a stengdo para 0 elevado mero de membros da humanidade que se fevelava ineapaz de ler © escrever ina mensagem simples do ° quotidiano, critcio hisico que adoptava para traduzir a siuayio de snalfabeto,correspondendo nao apenas 20 que ado sabia ler, eserever € fontar, mas também aiguele que, podendo ter adgurido estas capactaes, no se revelava capa de aplic-asdiariamente (Glewismoy." Para além de um analfabetsmo bisico, as questes passavam colo a situar-se num critrio de funeionaldade, dada a existéncia de assimetrias bisicas na capacidade de representagio © de acgto de ‘determinados sectors sociopofissionas. Era junto das mulheres que © fenimeno se rovelava mais grave, ao nivel da iniciaedo, afectando soletudo 0s pases subdesenvolvidos eos estatos mas desfavorecios, ao nivel do ilerismo funcional, incluindo sectores que haviam sido tscoarizados. © iletrismo traduzia, nestascircunstneia,situapies de Teregularidade goradas pela propria escolrizaglo, ou por uma ma assimilgio da cultura escolar, ou por uma incapacidade desta para ‘etdideitamenteservir as necessidades do qutidiano. Os estos com Vista definir © medir o ilerismo funcional revelam que este tend @ umentar com a idade © com 0 absixamento do rendimento ezonémico. Todavia, como definir € como preveni situagdes deiletrismo? ‘Analfabetismo e ierismo constitvem duas situagdes geradas ‘num mesmo fenémeno de incapacidade de utilizagdo da cultura cscrita, mas tm origens diferentes ¢ a resposta pedagégiea também ‘nfo € nevessariamente a mesma, As situagdes de iletrisme. nao traduzem uma auséncia de escola, mas uma regressio nas capacidades litericitas,originada, ov por uma desadequagdo da cultura escolar, ou or wma insuficiente assimilagao da mesma. A leitura esti cada vez mais presente na sociedade ‘contemporanea, quer como requsito cultural, funcional e profissional, quer no plano socioligico. Ainda ‘que a informitca trazn consigo uma determinada banalizago da Jeitrs, com ela também aumentaram eapacidade de circulagao da rita ea necessidade da sua utilizagio.” As situagSes de iletrismo tm hoje uma repercussio pessoal, familiar e social de extrema gravida posto que consttuem uma ameaga para © acesso a0 proprio ‘mercado de trabalho ea sobrevivéncia, ‘Como se mede oiletrismo? Que estratégias pedagéyicas para sua superagao? Nas iltimas décadastéa-se multplicado as batrias 0 de testes © questionarios com vista & avaliagdo e a explicagio dos Fendmenos de iletrismo, incidindo em duas dimensbes fandamentis as (ineapacidades de pritica da leita e da escrita, as especifieidades Finguistieas de cada lina, Haveré uma racionalidede bisicn difernciada entre estratos sociais que utilizam a escrita e estratos sociais que a no utlizam? Seri que, na esteia de Jack Goody, se poderiadmitir uma racionalidade bisica que responde &s solictagdes quotidianas? Sera possivel demonstrar a existencia de niveis diferenciados de acgd0? Niveis difereneiados de acgdo entre o homem e a mulher? Entre lurhanos © rurais? A admiti-se uma racionalidade que responde 4s solictagdes do quotdiano, qual a relagao com a alfabetizacho? ‘Seré que 0 comportamento literéito de uma determinada populasdo vata em consondncia com os desempenkos profissionals © ‘admnisteativos? Quais os mabets de alfabetizago e qual estratira demogrifiea, econimica e social de base mais favorivel ao desenvolvimento. de processos _alfabetizadores? —Continuidades ‘escontinuidade? Quem, como. quando acedem 0s membros de uma ‘comunidade a um nivel bisico de alfabetisme? 2. A alfobetiagio, enquano fendmeno cultura, imegrase uma problemen plobal que. envolve és. nopScs bisics represettpto. pritica, apropiaglo (Charter, 1988. b: 27). No contexto da cultura esrta, a nogio de representagio implica uma "proximago&evolugfo dos cigs linguistics, uma aproximacdo 8 trajetéria histriea da conversio. a esrito, atayds de registos rnmeménicos, sentencias e outos de srande part dos sistemas de Pensumente,organizagd. administagde. comunicaglo, acy, bem come dos sistemas cientifieo e epstemoligico. © pratica, no seu sentido mais ampl, fora @investizalor uma ariculao etica e :nalaiva ene as dimensoes projects ea su efetivap0, mando tam alengdo quer a relagdo entre os contexos e as manifestagdes comportameniais e expectativas. de grupos social © culturalmente tiferenciaden, quer a unjetiiahnrien de genta de necesidades € de valorao aspen Ieriitas.” Por fm, hi gue considerar & topo de apropriagB =o tempo dos sits - qu tau paca © ‘evjo conhecimento envolve uma articulagiodifereni “lteracia", enguanto aproximagio © inserga0 mais ou menos consciente na dinimiea historic da cultura eserita e alfabetizagao como processo de ensinolaprendizagem, com vista a uma pritca e a ‘uma participaeao com propriedade nas decisdesindividuaise grupas, ‘mediante uso integrado das prticas da letura eda eserita. ‘A nogio de apropriagio, aniculada com a de representagbo © aprendizagem, permite uma pradagio de niveis (estidias) de alfabetizapo, por um lado, ¢ uma aproximagao a priticas alterna subsiidrias da letra eda eserita, quer por parte dos individs, quer or parte dos grupos e comunidades humarss. A nogdo de apeopriago fenvolve um conheciment dos processes de tansfeéncia de capacidades © conhecimentos para as situagdes do quotdiano. A aniculagao deste ts niveis de abordagem eo reconhesimento de meios estruturados para iniciagdo e acesso 4 cultura escrita alfbetizagio, nomeadamente a escoatizapio, geram situagoes ambjguas de anslise. O conceito de alfabetizagao € historicamente evolutva ¢socialmentedifereniado, Como se caacterizam os estos de alfabetizagao? E 0s de escolarizaga0? Ha diferenciagdes bisicas, tendo em atengio 0s eonceitos e os procesas de alfabetizagto e de cscolarizagao, quer de uma forma genérica, quer relativamente 3s inferéncias a retiar,comparando-os numa mesma populasio, pois que Ihes subjazem distntas luieas de aprendizazem, como se refi “Tense definido o alfabetizado coino aguele que se iniciow & ulin as bases da leitra ¢ da eserta no seu quotidiano, por vezes também o saber conta pela sistema gafo-numrico. Por analoga com sta defingao, vem una outra que permite tomar extensiva a desipnayio de alfabetzado a todo aguele que domina os riimentos de uma Tinguagem, de um sistema de signos e sew céigolgramstica, ot mesmo de uma tecnolinguagem ~ como € 0 aso da informitien, Uma definigao operacional de alfabetizad, que nio se afasta. da. que vias ‘eres se observa neste este, & apresemtada por Carl Kaestle nos Seguintes termos “literacy means the ability to decode and comprehend waiten language at ecudimentary’ level, that is, the ability’ to look at writen words corresponding to ordinary orl discourse, 10 say’ them, and to understand them” (1985: 13). 2 Fsta detinisdo de alfabetsmo, apesar de elementare bisiea, ‘iyplca uma ruptura com analfabetsma e quando aplicads a uma ‘canidade conereta com um passado histérico ligado a cultura ‘aria, como sucede na yenerafidade do Continente Europeu, forga @ «parago de grupos entre inclusos © nfoinclusos* Separagdo esta tive tende a revelar-se pouco condlizente quer com o desempenho e as ‘sponsabilidades que quotidianamente assumem uns ¢ otros, quer as interacgbes © & comunicabiidade que ligam “funcionalment ‘vs membros de uma comunidade humana. Ou sea, a esta ruptura no eorresponde uma rupturaandloga na. realidade, ao menos na renerafidade dos dominios. Justfea-se deste modo um esforgo de sproximagao entre 2% dias partes do bindmio, por forma a que a ‘epresentagdo do seu nivel de utilizagao da linguagem oral ese seja mais condizente com a sua propria realidade. Ha escaldes intermédos que traduzem nives dterenciados de literaia The categories “Iterate” and “illierate” are nether precise nor mutually exclusive. Some individuals learned to read but then forgot how. Some were Iterate but rarely read. Some perceived themselves 10 be literate but were perceived by oters as ilterate, or vce versa. Furthermore, individuals who were unable 10 read participated in iterate culture by listening to those who could read. The worlds of leracy and ‘oral communication are interpenetrating. (Kaestle, 1985: 13) 1a, no caso portugues, no decurso do Antigo Resime, grupos socioprofissinais que exercem fangies como se de alfabetizados se tratase; € 0 caso de certo tipo de eriados © nepociantes. cujas prosimidade © necessidade de comunicarse sob Iogicas de ftuantifeasao, © de, no quotidiano acompanharem com leirados, o¢ aproxima das logicas da cultura escrta,afectando a sua maneira de pensar e apie. Também, num contexto de pragmatism comunicacional, ¢necessirio questonar o para qué da Finguagem oral € muito especialmente dling CConstivindo um suport, 0 mais expedito da comunicagao humana, poder-se-i perguntar se 0 nivel de alfabetizagao traduz 0 nivel de b ‘comunicagio. Na auséncia de outros meios, a comunicago eserita reveste-se de suiciéncia, Ea mensagem oral? Que relago entre oral e escrito? Fstas diferentes pritieas de comunicagao consituem, no plano histérico, um continuan de comusicabilidade, desde alguém ‘que se limita a receber uma mensagem e confirma a sua presenga, chanceland com uma marca prifea (sila), ou ‘que por ele chancele (a rogo), até aquele que se revela eapaz de produrir mensagens escritas com propriedade ¢ estilo, Sendo. por jeansequncia eapaz de prevere orienar as decisdes do receptor, por tum lado, e de fazer reflectir no texto marcas pessoais, por outro. ‘Como esealdes intermedias surgem os que se referem a0s individvos {que recebem a mensagem com alguna dficincia, ainda que de forma critica © interptetativa, © que thes permite projectar a resposta,

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