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Uma Biografia Da Depressão - Capítulo 8
Uma Biografia Da Depressão - Capítulo 8
CHRISTIAN DUNKER.
CAPÍTULO 8 – NORMALIZAÇÃO DA DEPRESSÃO
[...] Por volta de 2010, as suspeitas contra o reinado da Depressão começam a se desabrochar.
Há boatos de que seus efeitos colaterais – notadamente, a redução da libido – são, na verdade,
seu princípio ativo. Ou seja, ao diminuir a libido diminuímos, ao mesmo tempo, todos os
conflitos que vem com a libido: desejos insatisfeitos, frustrações e fracassos. Intensidades muito
elevadas são “inibidas” pelos antidepressivos. Nesse sentido, os antidepressivos não seriam de
fato desinibidores, como o álcool, mais ajudariam a pessoa a inibir melhor o desenvolvimento
da angústia no âmbito do eu. Essa espécie de colchão contra dores psíquicas, causadas tanto
pelo “choque de realidade” como pela ativação dos conflitos latentes, protege o sujeito,
reduzindo a sua sensibilidade. Assim como a hiperatividade pode ser tratada por um acelerador
derivado das anfetaminas (Ritalina), a Depressão poderia ser tratada por um verdadeiro
“depressivo” agindo sobre nossa libido, não só no sentido sexual ...
[...] Às vezes parece que estamos parados no “carro da vida” e é a paisagem que se move. Outras
vezes nos movemos tão rápido que nem vemos a paisagem mudar. Há crianças para as quais o
tempo não passa ou adultos tão ocupados que nem se dão conta de que o ano passou, ou pior,
que a vida passou. Cumprir metas e objetivos, obsessão de adultos, nem sempre é proporcional
e relevante diante da simplicidade de nossos sonhos e desejos, do tipo que tínhamos quando
crianças. Vidas em estado permanente de “falta de tempo” frequentemente produzem
sentimento de extravio de si, esvaziamento e solidão. Contudo, vidas programadas, dietéticas e
que cabem no próprio tempo vêm junto com falta de intensidade, tédio e sentimento de
irrelevância.
Freud descreveu duas atitudes opostas diante das exigências da vida: a fuga para a fantasia,
baseada no recolhimento, no devaneio e da retirada da atenção do mundo, e a fuga para a
realidade, baseada no controle, no planejamento e na exteriorização prática dos conflitos. O
trágico dessa aventura é que o mais interessante é também o pior e que quanto mais fugimos
dele, mais ele nos reencontra. Há várias figuras a isso relacionadas: o mal-estar, a angústia, a
morte, o conflito, a solidão a dois. Condição existencial das quais fugimos, mas sem as quais a
qualidade de nossa experiência parece decair, perdendo espessura e intensidade, nos levando
a uma vida em estado de adormecimento em que o conflito e a fuga de desprazer tornam-se o
principal – se não o único – Ideal.
[...] Essa sanfona psicológica sabidamente nos expõe a certos modos típicos de adoecimento
envolvendo o corpo: exaustão permanente e adoecimentos difusos, psoríase e tenossinovites,
doping farmacológico, com ou sem “cobertura” médica, alcoolismo “depressivamente” e
estatística da indiferença ou da desafetação.