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07 - Paula Ramos - Artigo Livre. P. 86-105
07 - Paula Ramos - Artigo Livre. P. 86-105
DOI: 10.47209/2675-6862.v.1.n.5.p.86-105.2022
é escrita, mas mantida por meio de mani- para falar sobre nós, nossas resistências,
festações da fala, do canto e da dança. lutas e buscas por direitos legítimos.
Durante muitos anos, poucas pesso- Por isso, durante muito tempo e até
as de terreiro observavam os espaços da mesmo nos dias de hoje, mesmo depois
universidade sob as reflexidades de seus da implementação de cotas e conscienti-
espaços de axé. Na verdade, por conta de zação positiva dos movimentos sociais an-
todo o histórico de exclusão social e racis- tirracistas, sobretudo o movimento negro,
mo institucional, a maioria dos aptos do que fez muitos sacerdotes, sacerdotisas,
candomblé, principalmente os negros, eram e principalmente filhos e filhas de santos
excluídos também do processo educacio- de gerações mais recentes acessar o uni-
nal, e, assim como a maioria do povo preto, verso acadêmico onde fazem de suas vi-
juntamente com sua cultura e tudo que lhe vências fontes de pesquisa, e reforçam em
era atribuído, continuaram a não ter seus inúmeras mobilizações a necessidade de
direitos de inclusão, mesmo depois do 13 trazer mais dos nossos (povo de terreiro) e
de maio de 18882, cuja liberdade foi apenas de conscientizar toda a sociedade de que
formal e sem nenhuma reparação. Por cau- nossas crenças não são inferiores e muito
sa disso, os negros excluídos, os que re- menos “demoníacas”, ainda há um longo
sistiram continuaram a cultuar seus deuses caminho até uma real equidade étnico-ra-
africanos, mas, apenas em guetos e sem a cial, especialmente em face do conserva-
mesma condição de emprego, estudo e/ou dorismo flagrantemente cristão que tomou
qualquer outo tipo de bem-estar social. conta do cenário brasileiro nos últimos
E, como enfatizaram Luca e Campelo quatro anos.
(2007) e Vergolino (1976), a partir de seus Apesar de tudo, muitos dos pesqui-
campos em Belém, e considerando de dé- sadores oriundos de terreiros se tornaram
cadas de Antropologia no Brasil, ainda há famosos e referência para a juventude no
poucos trabalhos sobre e o tema de religi- ciberespaço como, por exemplo, Babá
ões de matriz africana cujo olhar seja de Sidnei Nogueira de Sángò (São Paulo),
dentro para fora, isto é, pesquisas em que ganhador do prêmio Jabuti com o livro In-
o lugar de fala (RIBEIRO, 2020) seja o da- tolerância Religiosa; Babá Rodney William
quele que vive a religiosidade / ancestrali- de Oxossi (São Paulo), autor do livro Apro-
dade do terreiro. priação Cultural; Djamila Ribeiro, filha de
Diferente de outros movimentos Santo de Rodney; Marilu Campelo, antro-
como de mulheres e LGBT+ cujo os inte- póloga e coordenadora do Grupo Estudos
resses pelas pesquisas são daqueles e Afro-Amazônico (GEAM/UFPA), uma das
daquelas que fazem parte da etnografia, pioneiras a pesquisar os Candomblés no
com as religiões de matriz africana é dife- Estado do Pará; Edson Catendê pai de
rente, havendo um qualificador que além santo e advogado; Glauce Santos, profes-
de racial também é de classe. Pode-se sora de artes, mestra em artes, curadora
encontrar mulheres, principalmente bran- e artista de Terreiro, estes últimos perten-
cas e de classe alta na academia (falo em centes à cidade de Belém, dentre outros,
termos puramente quantitativos e não de para além do sacerdotismo, tornaram-se
hegemonia do poder institucional), assim profissionais acadêmicos e levantam seus
como militantes LGBT+. Sobre o povo de ilês para este tipo de conhecimento, pois
terreiros, penso que por causa da vulne- o espaço acadêmico deve ser construído
rabilidade econômica e social que afeta a também por pessoas negras e suas cultu-
população negra e periférica, ainda somos ras, sem nenhum tipo de invisibilidade.
poucos que adentramos nas universidades Dentre um universo cada vez maior
de afro-religiosos intelectuais que ao mes-
mo tempo são militantes, neste trabalho
2. Data oficial da Abolição da escravatura no Brasil.