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Unidade Iv
Unidade Iv
APRESENTAÇÃO
Os conceitos de ideologia, cultura e discurso não podem ser compreendidos separadamente, pois
são conceitos que se entrelaçam, especialmente no campo da Análise do Discurso. Nesta
Unidade de Aprendizagem, você vai compreender de que forma esses conceitos se entrelaçam,
bem como reconhecer os pontos de contato entre eles. Além disso, você identificará como a
noção de cultura entra no quadro teórico da Análise do Discurso.
Bons estudos.
DESAFIO
Você revisa, mas não encontra nenhum erro ortográfico. No entanto, alguma coisa nos sentidos
deste anúncio deixam você desconfortável. Lembrando, então, que muitas vezes aquilo que é
tido como “normal” para um grupo de pessoas não o é para outras, você resolve avisar aos
redatores sobre os possíveis problemas que a campanha pode causar.
Diante da situação, justifique sua posição, argumentando o motivo pelo qual o anúncio não pode
ser aprovado do jeito que está. Crie uma justificativa, baseando-se nos conceitos de cultura,
discurso e ideologia que você conhece.
INFOGRÁFICO
Podemos dizer que a ideologia é o ponto de contato entre a noção de cultura e o discurso. Isso
porque a ideologia produz um efeito de evidência dos sentidos do discurso e a cultura determina,
pela ideologia, os modos de dizer, agir, sentir de um determinado grupo social. Falar em cultura
na perspectiva da Análise do Discurso é pensá-la em sua relação com a produção de sentidos
dos discursos por um sujeito determinado pela ideologia.
Neste infográfico, você poderá visualizar melhor como as noções de cultura, ideologia e
discurso se relacionam entre si e como a Análise do Discurso as concebe.
CONTEÚDO DO LIVRO
No capítulo Ideologia, Cultura e Discurso, do livro Linguística Avançada, você vai compreender
como as noções de ideologia e discurso estão articuladas entre si e quais são os pontos de
contato na noção de cultura com a Análise do Discurso. Você verá que a cultura é um conceito
difícil de ser definido, mas que um breve percurso pelas diferentes definições ajuda a
compreender melhor esse conceito.
Boa leitura!
LINGUÍSTICA
AVANÇADA
Introdução
Os conceitos de ideologia, cultura e discurso não podem ser compreendi-
dos separadamente, pois são conceitos que se entrelaçam, especialmente
no campo da análise do discurso (AD).
Neste texto, você vai compreender de que forma esses conceitos
se entrelaçam, bem como reconhecer os pontos de contato entre eles.
Além disso, você identificará como a noção de cultura entra no quadro
teórico da análise do discurso.
Discurso e ideologia
A noção de discurso, pela ótica da análise do discurso (AD), fundada por
Michel Pêcheux, é fundamental para a compreensão da produção de sentidos.
Se na proposta Pêcheuxtiana o discurso é efeito de sentidos entre locuto-
res, isso se deve a uma ruptura com o modelo de comunicação proposto por
Roman Jakobson, pois a ideia de discurso entre locutores significa que todos
os sujeitos estão envolvidos no processo de produção de sentidos, não apenas
aquele que enuncia.
106 Ideologia, cultura e discurso
https://goo.gl/TKgyf4
Se os discursos são formulados por sujeitos, se constituem por aquilo que os sujeitos
dizem e o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia, é possível afirmar que “[...]
a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos [...]” (ORLANDI,
2012, p. 46). Diante disso, pode-se dizer também que não há discurso sem linguagem
e nem linguagem que não seja atravessada pela ideologia.
Cultura
Você já pensou sobre o que significa cultura? Que tipos de cultura existem?
Apesar de muito se falar em cultura, em geral, pouco se reflete sobre ela.
Muitos autores se debruçaram sobre esse conceito, buscando defini-lo. Veja
algumas visões sobre a cultura.
O que é cultura?
Buscando uma definição da expressão cultura, você irá se deparar com a
proposta de Michel de Certeau (1995 apud ESTEVES, 2013), que traz, entre
outros significados, o de cultura como a percepção ou compreensão de mundo
de determinado meio ou época, bem como os comportamentos, instituições,
ideologias e mitos que compõem e caracterizam uma sociedade.
Para o autor John Lyons (1987, p. 273), a palavra cultura possui vários
sentidos, porém, alguns deles merecem ser destacados. O autor contrasta
duas visões, uma que percebe a cultura como “[...] mais ou menos sinônimo
de civilização e, numa formulação mais antiga e extrema do contraste, oposta
ao barbarismo [...] baseado em uma concepção clássica do que constitui exce-
lência em arte, literatura, maneiras e instituições sociais [...]”. Essa cultura,
segundo o autor, foi revivida pelos humanistas do Renascimento, enfatizada
por pensadores do Iluminismo, do século XVIII, e associado à visão da história
da humanidade como progresso e autodesenvolvimento.
Por outro lado, Lyons (1987, p. 274) ressalta que o termo cultura pode ser
“[...] empregado sem nenhuma implicação de progresso humano uniforme do
barbarismo à civilização e sem nenhum julgamento de valor a priori quanto
à qualidade estética ou intelectual da arte, literatura, das instituições etc. de
uma determinada sociedade.”.
Assim, a cultura pode ser descrita como conhecimento adquirido social-
mente, ou seja, como o conhecimento que uma pessoa tem em virtude de ser
membro de determinada sociedade. O autor ressalta sobre a palavra conheci-
mento: “[...] tanto o saber fazer algo quanto o saber que algo é ou não assim. Em
segundo lugar, quanto ao conhecimento de proposições, o que conta é o fato
de algo ser considerado verdadeiro, e não a sua veracidade ou falsidade reais
[...]” (LYONS, 1987, p. 274). A partir desses sentidos possíveis para cultura,
poderia se distinguir os traços do homem culto, diferenciando-o do selvagem.
Por outro lado, a partir da visão de Gramsci (apud ESTEVES, 2013), todo
sujeito é um produtor de cultura, porque todo sujeito produz uma atividade
intelectual, qualquer que seja essa atividade.
Ideologia, cultura e discurso 109
Cultura e linguagem
As relações possíveis entre cultura e outros campos também foram propostas
por diferentes autores, com diferentes visões sobre o tema.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Kawachi (2011 apud TERENZI,
2012, p. 100), que destaca a cultura como: “[...] um construto diacrônico que,
em sua abrangência histórica, social e artística, reflete – e/ou contribui para
constituir – a identidade de um grupo [...]”. Portanto, pode-se dizer que a
cultura também pode ser compreendida como um processo evolutivo, no qual
se acompanha as evoluções e mudanças sucessivas que ocorrem socialmente,
seja no âmbito linguístico, em que ocorrem as alterações em que termos são
substituídos por outros, como em demais âmbitos da cultura.
Ainda de acordo com a autora, a palavra cultura pode ser compreendida
como pertencimento a uma comunidade discursiva que compartilha um es-
paço social, uma história e imaginários comuns. Nesse caso, haveria uma
relação estreita entre a cultura e a língua de determinadas comunidades, ou
regiões, no qual a língua pode ser compreendida como um dos veículos para
a “transmissão de cultura”.
John Lyons (1987) afirma que é frequente a correlação entre língua e cultura
exercida em um nível muito geral, e com o pressuposto tácito ou explícito de
que os que falam a mesma língua tem que, necessariamente, compartilhar a
mesma cultura. Para o autor, esse pressuposto é falso com relação a muitas
línguas e muitas culturas, pois os falantes de línguas diferentes não possuem
110 Ideologia, cultura e discurso
a mesma visão de mundo. Para ele, muitos dos conceitos que lidamos são
vinculados à cultura, no sentido de que dependem do conhecimento transmitido
socialmente, tanto prático como propositivo, e variam consideravelmente de
cultura para cultura.
Lyons reforça sua concepção de que a linguagem é tanto um fenômeno
biológico como cultural. Explica que as diferentes línguas tem uma subes-
trutura universal, certamente em gramática e vocabulário e talvez também
em fonologia, e uma superestrutura não universal que não apenas se constrói
sobre tal subestrutura, mas é completamente ligada a ela.
Para o autor, a subestrutura universal é determinada, em parte, pelas facul-
dades cognitivas da mente humana, que são geneticamente transmitidas, ou
seja, o processo de aquisição da linguagem é de tal natureza que a transmissão
de tudo o que é universal em linguagem depende, também, para o seu sucesso,
do processo de transmissão cultural.
“Já a superestrutura não universal nas línguas, trata-se muito mais ob-
viamente de uma questão de transmissão cultural – e em dois sentidos. Não
somente faz parte da competência linguística transmitida de geração em
geração por meio das instituições de determinada sociedade, mas o que é
transmitido é em si um componente importante na cultura daquela sociedade.”
(LYONS, 1987, p. 292).
Dessa forma, Lyons conclui que se a competência em determinada língua
implica a habilidade de produzir e compreender sentenças daquela língua,
então constitui inquestionavelmente parte da cultura: isto é, do conhecimento
social. Afinal, o significado das expressões não é universal e dependente da
cultura. E esse resultado só acontece porque, entre as sociedades, há um grau
maior ou menor de justaposição cultural. Nesse sentido, ele afirma que “[...]
a possibilidade de tradução é uma função do grau de justaposição cultural
[...]” (LYONS, 1987, p. 292).
Para o autor, o aprendizado de uma língua pode e deve ser dirigido a
determinadas finalidades. Uma delas é a de adquirir e de participar tão comple-
tamente quanto for possível de uma cultura diferente daquela em que a pessoa
foi criada. Porém, existirão consequências linguísticas, como o empréstimo
e a tradução por empréstimo.
Ideologia, cultura e discurso 111
https://goo.gl/UeSsTS
Para autores como Esteves (2013) e Leandro Ferreira e Ramos (2016), a cultura no campo
da AD é vista como um lugar de interpretação que, assim como a língua, comporta o
lugar do equívoco. Esta noção funciona, nessa direção, como um lugar de produção de
sentidos que age naturalizando e mascarando as condições de produção. Os sentidos
vão sendo, assim, cristalizados por meio do processo de repetição, levando a falsos
espaços de identificação, legitimando esses sentidos sem necessidade de comprovação.
Leituras recomendadas
BAUMAN, Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
ESTEVES, P. M. Rumo a uma noção de formação cultural na ad. In: SEMINÁRIO DE
ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO, 5., 2011, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre:
UFRGS, 2011. Disponível em: <anaisdosead.com.br/5SEAD/SIMPOSIOS/PhellipeMar-
celDaSilvaEsteves.pdf>. Acesso em: 03 set. 2017.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
OLIVEIRA, E.; ALVES, A. F. Uma análise literária sobre o conceito de cultura. Revista
Brasileira de Educação e Cultura, São Gotardo, n. XI, jan.-jun. 2015. Disponível em:
<http://periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura/article/view/200>.
Acesso em: 03 set. 2017.
VALIM, T.; FERREIRA, M. C. L. Para além de rituais e costumes: o que podemos dizer
sobre a noção de cultura em análise do discurso? Revista Estudos da Língua(gem),
Vitória da Conquista, v. 14, n. 2, p. 139-154, dez. 2016.
DICA DO PROFESSOR
Nesta Dica do Professor, veja a proposta, de Phellipe Marcel Esteves, de uma formação cultural
no âmbito da Análise do Discurso.
EXERCÍCIOS
1) Sobre a noção de discurso e sua relação com a ideologia, é possível afirmar que:
C) Podemos afirmar que o discurso equivale à noção de fala proposta por Ferdinand de
Saussure.
D) As formações discursivas são o local onde discurso e ideologia podem ser vistos apartados.
A) Os sentidos de um discurso são determinados pelos sujeitos, que decidem o que querem
dizer.
D) Os discursos têm seus sentidos determinados pelas posições ideológicas que sustentam
aqueles que os empregam, adquirindo sentido pelas formações discursivas.
E) Cada sujeito escolhe a posição ideológica que ocupará e, a partir dela, os discursos
adquirem sentido.
A) John Lyons afirma que não há relação entre cultura, língua e linguagem.
B) John Lyons afirma que os que falam a mesma língua têm que, necessariamente,
compartilhar a mesma cultura.
A) Muitos dos significados atribuídos à cultura atualmente surgem no final do século XX,
quando esta palavra passa a ser utilizada com mais frequência.
B) Seria errôneo dizer que a cultura tem a ver com pertencimento a uma comunidade.
E) Na perspectiva discursiva, é pela ideologia que o sujeito se identifica com a cultura, que
estabelece o que pode/deve ser pensado, vestido, usado.
E) Para a AD, a cultura é justificativa para a naturalização do que é pensado, vestido, usado,
sentido, cheirado, experimentado.
NA PRÁTICA
Como ponto de contato entre a noção de cultura e a Análise do Discurso está a noção de
ideologia, uma vez que não há cultura fora dela. Se o indivíduo é interpelado em sujeito pela
ideologia, é também por meio dela que ele se identifica com determinada Formação Discursiva,
que vai determinar o que pode e deve ser dito. Nesse sentido, a noção de Formação Cultural é
proposta no âmbito da Análise do Discurso, estabelecendo o que pode/deve ser pensado,
vestido, usado, sentido, cheirado, experimentado.
Qual é o significado de uma marca? Uma marca é determinada por um nome escrito, uma
palavra, uma imagem ou um desenho. Mas nada disso é escolhido aleatoriamente. Uma marca
busca se beneficiar de diversos recursos imagéticos ou verbais para fortalecer sua imagem na
mente do consumidor, a fim de ser facilmente reconhecida e lembrada.
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SAIBA MAIS
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:
Marcas discursivas do sujeito
APRESENTAÇÃO
Para tratar sobre marcas discursivas do sujeito, deve-se observar que a categoria de sujeito, nas
teorias linguísticas, é elaborada por uma teoria específica, a Análise de Discurso, pois é esta a
linha de estudos que atenta para o papel constitutivo do sujeito em relação aos discursos que
circulam socialmente. Sujeito e sentido constituem-se juntos, conforme Pêcheux, pois só é
possível interpretar a partir da materialidade discursiva, ou seja, no momento em que um
discurso é produzido.
Na teoria discursiva não há como afirmar a neutralidade de um sujeito em relação ao que diz,
pois sempre restarão marcas discursivas que determinam a posição do sujeito em relação ao que
ele diz. Também não há como se pensar em total controle do sujeito sobre aquilo que diz, pois
essa linha de estudos também trabalha com um sujeito dotado de inconsciente, ou seja, não
totalmente consciente de tudo o que faz e diz.
Outra noção que não pode ser pensada a partir dessa teoria é a liberdade do sujeito, pois o
sujeito sempre fala de um lugar social específico que determina sua filiação ideológica. Desse
modo, sempre há marcas que podem ser intradiscursivamente ou interdiscursivamente
relacionadas ao sujeito, marcas essas que serão encontradas na materialidade do discurso.
Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer alguns exemplos de como analisar
discursos em busca das marcas discursivas do sujeito.
Bons estudos.
Solicite para que os alunos assistam ao vídeo da Campanha Criança e Adolescentes, veiculado
pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e publicado em 23 de
fevereiro de 2017, e expliquem como se dá o jogo entre as "formações imaginárias" nesse
gênero discursivo, de que modo o lugar definido para o consumidor de determinado produto é
materialmente marcado no discurso publicitário.
INFOGRÁFICO
Clique no infográfico para saber quais são e onde estão as marcas discursivas no poema.
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CONTEÚDO DO LIVRO
Pode-se dizer que buscar as marcas discursivas do sujeito em uma discursividade específica é
fazer uma análise do modo como quem produz um discurso está se posicionando em relação
àquilo que é dito/escrito.
Na prática de análise discursiva, costuma-se perguntar: Como foi possível que determinado
discurso viesse a ser produzido? Especificamente busca-se saber: quem produziu esse discurso e
qual sua posição em relação ao tema tratado? A quem foi dirigido esse discurso e por quê? Em
que condições sociais e históricas esse discurso foi produzido? Qual é a relação entre esse
discurso e a formação ideológica dominante da sociedade na qual ele circula? Essas e muitas
outras questões podem ser feitas de uma perspectiva discursiva, dependendo da investigação que
o analista pretende produzir sobre um discurso tomado como objeto.
Para conhecer, mais leia o capítulo Marcas discursivas do sujeito, do livro Linguística
Avançada.
Boa leitura.
LINGUÍSTICA
AVANÇADA
Debbie Mello
Noble
Priscilla Rodrigues
Simões
Laís Virginia Alves
Medeiros
Revisão técnica:
ISBN 978-85-9502-144-0
CDU 81’33
Introdução
Para tratar deste tema, você deve observar que a categoria de sujeito, nas
teorias linguísticas, é elaborada por uma teoria específica, a Análise de
Discurso (AD) – ela é a linha de estudos que atenta para o papel constitu-
tivo do sujeito em relação aos discursos que circulam socialmente. Sujeito
e sentido constituem-se juntos, conforme Pêcheux, pois só é possível
interpretar a partir da materialidade discursiva, ou seja, no momento em
que um discurso é produzido. Na teoria discursiva não há como afirmar a
neutralidade de um sujeito em relação ao que diz, pois sempre restarão
marcas discursivas que determinam a posição do sujeito em relação ao
que ele diz. Também não há como se pensar em total controle do sujeito
sobre aquilo que diz, pois a AD também trabalha com um sujeito dotado
de inconsciente, ou seja, não totalmente consciente de tudo o que faz e diz.
Outra noção que não pode ser pensada a partir dessa teoria é a liber-
dade do sujeito, pois o sujeito sempre fala de um lugar social específico
que determina sua filiação ideológica. Desse modo, sempre há marcas
que podem ser intradiscursivamente ou interdiscursivamente relacio-
nadas ao sujeito, marcas essas que serão encontradas na materialidade
do discurso. Neste texto, você vai conhecer alguns exemplos de como
analisar discursos em busca das marcas discursivas do sujeito.
118 Marcas discursivas do sujeito
Henry (1997) diz que sujeito e sentido constituem-se mutuamente, indicando, assim,
que o sentido não está no sujeito, mas na relação entre o discurso do sujeito e outros
discursos oriundos da formação discursiva (FD) com a qual o sujeito se identifica. Essa
identificação está presente no jogo dos imaginários, processo em que o sujeito atribui
a si e ao seu interlocutor o lugar social que cada um ocupa em relação à sociedade
em que estão inseridos. Não há, portanto, um sujeito intencional que decide sobre
seus atos de forma livre e individual, mas um sujeito constituído no corpo social, que
age de acordo com a ideologia que o determina.
diante da reação de Cebolinha que foi contrária àquela esperada por ela. Em
vez de lamentar a possível “perda” de Mônica para outro menino, lamenta
pelo suposto menino, demonstrando que ele sequer pensava na possibilidade
de ocupar a posição de namorado de Mônica, até mesmo porque revela em seu
discurso que essa seria uma condição que o deixaria “tliste”. A frustração da
personagem é tão evidente que ela sequer responde a Cebolinha, o que pode
indicar que a reação dele foi totalmente inesperada em relação ao sentido que
Mônica pretendia produzir com seu dizer, isto é, provocar ciúmes no amigo.
Nessa breve análise foi explicitado um dos modos de funcionamento do jogo
dos imaginários, a partir do qual o sujeito enuncia produzindo projeções de
seu interlocutor que nem sempre correspondem ao esperado, como aconteceu
com a personagem Mônica. Conclui-se, assim, que não há determinação do
sujeito sobre o sentido de seu dizer, pois ainda que possa ser formulado de
acordo com o suposto sentido que se pretende produzir, não há garantias que
o efeito de sentido produzido corresponda àquele idealizado pelo sujeito que
enuncia. A produção de sentido de um discurso depende sempre do outro que
o interpreta, e não somente daquele que o profere.
Marcas discursivas
Pode-se dizer que buscar as marcas discursivas do sujeito em uma discursivi-
dade específica é fazer uma análise do modo como quem produz um discurso
está se posicionando em relação àquilo que é dito/escrito. Na prática de análise
discursiva, costuma-se perguntar: como foi possível que determinado discurso
viesse a ser produzido? Especificamente, busca-se saber quem produziu esse
discurso e qual sua posição em relação ao tema tratado, a quem foi dirigido
este discurso e por quê, em que condições sociais e históricas este discurso
foi produzido e qual é a relação entre este discurso e a formação ideológica
dominante da sociedade na qual ele circula.
Essas e muitas outras questões podem ser feitas de uma perspectiva discur-
siva, dependendo da investigação que o analista pretende produzir sobre um
discurso tomado como objeto. Você deve lembrar que cada analista só pode
analisar aquilo que lhe inquieta ou motiva enquanto sujeito e, por isso, um
mesmo discurso analisado por diferentes sujeitos (com diferentes perguntas
e motivações) também pode ser interpretado de maneiras distintas. Nessa
teoria, não há nem o primado do sujeito nem o primado do sentido, isto é,
nem o sujeito e nem as linguagens são determinantes para a produção de um
sentido exato, ou correto, tudo depende do ponto de vista de quem empreende
Marcas discursivas do sujeito 121
a análise e das leituras que esse sujeito será capaz de mobilizar sobre o objeto
discursivo. Sobre a relação entre sujeito e sentido, lemos em Henry (1997, p.
139-140) que:
O sentido, portanto, como efeito ideológico, não seria originado por um ato
individual de utilização da língua por um sujeito para expressar determinado
sentido que lhe convém. A interpretação de um texto, de palavras, ou imagens
utilizadas por um sujeito na formulação de seu discurso será feita por outro
sujeito, que, neste processo de produção de sentido, deve perceber a relação
mantida entre esse discurso com outros textos, palavras ou discursos que
com ele dialogam e que podem estar, ou não, inseridos na mesma formação
discursiva (FD).
Nos estudos enunciativos, fala-se sobre a “função responsiva” do discurso,
para indicar que todo o discurso está inserido em uma cadeia de discursos
que o antecederam e que ajudam a situar um discurso em relação ao sentido
que sobre ele pode, ou deve ser produzido. Na teoria do discurso, esse fun-
cionamento é teorizado por meio da noção de ordem do discurso, que seria
uma continuidade de discursos que se encadeiam sem um limite final ou
início definido.
Se pensarmos nos variados gêneros discursivos (orais, escritos e não ver-
bais), é possível lembrar que eles têm uma estrutura própria que já indica seu
modo de interpretação. Uma notícia de jornal, por exemplo, responde a um
padrão que determina o tipo de linguagem, as informações e o modo narrativo
que serão empregados em sua formulação, pois são previamente determinados
(social e historicamente). Assim, também ocorre com uma receita médica,
cujo texto deverá versar sobre a prescrição e a posologia de determinado
medicamento, utilizado como tratamento de um problema de saúde específico
e para um sujeito específico. O texto narrativo, o poema, a carta, a piada, o
recibo, o artigo científico e tantos outros gêneros de discursos trazem, em sua
122 Marcas discursivas do sujeito
Figura 2. Magali.
Fonte: Sousa (2012, p. 19).
Na tirinha, que intitulamos Magali, temos uma ação que é marcada pela
expressão facial da personagem Mônica, desde o primeiro quadrinho, que passa
de tranquila para preocupada e, depois, surpresa. No terceiro quadro, Mônica
revela verbalmente sua angústia à Magali – que permanece serena ao longo
de todos os quadros. Não só o que Mônica diz em seu discurso, mas também
o modo como ela diz, com expressão de surpresa, indicam que ela atua sobre
o pré-construído de que Magali não é capaz de passar dois quadrinhos sem
comer. Essa expectativa de Mônica se deve à característica mais marcante
da personagem Magali, que é ser uma menina comilona e, por isso, aparecer
comendo nos quadrinhos é uma regularidade que reforça essa característica.
O humor, entretanto, não se dá a partir da frustração da expectativa de Mônica
pela atitude de Magali nos dois primeiros quadrinhos, ao contrário, no mesmo
momento em que Mônica expressa sua aflição, Magali aparece comendo um
sanduíche, confirmando a expectativa da amiga e levando o leitor a reconhecer
a marca característica de Magali nas histórias da Turma da Mônica: estar
sempre comendo.
Marcas discursivas do sujeito 123
Figura 3. Cascão.
Fonte: Sousa (2012, p. 56).
Figura 4. Mônica.
Fonte: Sousa (2012, p. 51).
https://goo.gl/PgLjok
https://goo.gl/3ZPqkg
Não existe uma categoria única que pode assumir a função de marca discursiva – ela
pode ser tanto um verbo ou um adjetivo como uma imagem, de acordo com os
exemplos analisados.
https://goo.gl/J8PYC7
Marcas discursivas do sujeito 129
BABO, L. História do Brasil. [S.l.: s.n.], 1934. Música. Disponível em: <https://www.va-
galume.com.br/lamartine-babo/historia-do-brasil-marchacarnaval.html>. Acesso
em: 31 ago. 2017.
BENITZ, J. A. Game of Thrones para adultos. São Paulo: Observatório da Imprensa, 2017.
Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/dilemas-contemporaneos/
game-of-thrones-para-adultos/>. Acesso em: 21 ago. 2017.
CAMINHA, P. V. A carta de Caminha. Rio de Janeiro: Educação Pública, 1500. Disponível
em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0015.html>.
Acesso em: 31 ago. 2017.
HENRY, P. Os fundamentos teóricos da “Análise Automática do Discurso” de Michel
Pêcheux (1969). In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do
discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: UNICAMP,
1997.
INDURSKY, F. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, F.; MITTMANN, S.; FER-
REIRA, M. C. L. (Org.). Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado
de Letras, 2011. p. 67-89.
MEIRELLES, V. Primeira missa no Brasil. 1861. 1 original de arte. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/09/primeira-missa.jpg>.
Acesso em: 31 ago. 2017.
ORLANDI, E. P. Textualidade e discursividade. In: ORLANDI, E. P. Análise de discurso:
princípios e procedimentos. 4. ed. Campinas: Pontes, 2002.
PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, F.; HAK, T.; MARIANI,
B. S. C. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux. 3. ed. Campinas: UNICAMP, 1997.
PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, P. et al. Papel da memória. 4. ed. Cam-
pinas: Pontes, 2015.
SIMÕES, P. R. O deslizamento de sentido no funk ostentação. In: FLORES, G. G. B.; NECKEL,
N. R. M.; GALLO, S. M. L. Discurso, cultura e mídia: pesquisas em rede. Palhoça: Unisul, 2015.
p. 115-124. Disponível em: <http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/
linguagem/pesquisa/Discurso%20cultura%20e%20midia2.pdf>. Acesso em: 01 ago.
2017.
SOUSA, M. Mônica está de férias! Porto Alegre: L&PM, 2012.
UBERTI. Primeira árvore (manipulação sobre pintura de Victor Meirelles). In: VASQUES, E.
Catálogo da exposição Humores Nunca Dantes Navegados: O Descobrimento segundo os
cartunistas do Sul do Brasil. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2000.
VERÍSSIMO, L. F. O gigolô das palavras. Porto Alegre: L&PM, 1982. (Novaleitura, 8).
130 Marcas discursivas do sujeito
Leituras recomendadas
HAROCHE, C. Análise crítica dos fundamentos da forma sujeito (de direito). In: HARO-
CHE, C. Fazer dizer, querer dizer. São Paulo: Hucitec, 1992.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio (1975). Campinas:
UNICAMP, 1997.
SIMÕES, P. R. A noção de trabalho representada pela imagem e interpretada pela pala-
vra. 2007. 167 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/10183/14984>. Acesso em: 30 ago. 2017.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR
Neste vídeo, você vai ver uma análise das marcas discursivas do sujeito em um artigo de
opinião. A partir de um excerto do artigo “Cena de sangue num bar”, de Álvaro Pereira Júnior,
são identificadas algumas marcas discursivas que sublinham o posicionamento do autor do
artigo quanto ao tema tratado em seu texto.
EXERCÍCIOS
A) Aversão à água.
E) Grande apetite.
C) Grande apetite.
E) Aversão à água.
A) Contrário.
B) Favorável.
C) Imparcial.
D) Neutro.
E) Indiferente.
B) D. Winnicott.
C) M. Klein.
D) C. G. Jung.
E) J. Lacan.
5) "Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras
seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria
tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um
marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, temores e obséquios ele
consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos,
etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática
precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda." (Luís Fernando
Veríssimo, em "O gigolô das palavras". Porto Alegre: L&PM, 1982.)
A) Imparcial.
B) Favorável.
C) Contrário.
D) Indiferente.
E) Indeciso.
NA PRÁTICA
As marcas discursivas do sujeito podem ser encontradas em todos os gêneros do discurso, elas
podem ser verbais ou não verbais, pois assim como os signos linguísticos, as formas, as cores e
as imagens podem também auxiliar na interpretação de determinado material simbólico.
SAIBA MAIS
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:
Saiba mais sobre as marcas discursivas do sujeito na tese de Doutorado sobre Rumor(es) e
Humor(es) na circulação de hashtags do discurso político ordinário no Twitter, de Juliana
da Silveira.
APRESENTAÇÃO
O objetivo da Análise do Discurso, para Eni Orlandi, é compreender como um texto produz
sentidos. Para isso, é preciso perceber o entrecruzamento de importantes conceitos, como o de
sujeito e o de ideologia. Nesta Unidade de Aprendizagem, você verá que as noções de sujeito,
ideologia e sentidos são elaboradas teoricamente na Análise de Discurso de modo distinto
daquele considerado pela Teoria da Enunciação ou pela Linguística Textual. Da mesma forma,
verá que o texto e o contexto são percebidos de maneira diferente por essas teorias.
Bons estudos.
DESAFIO
Um texto nem sempre conta com linguagem verbal, uma imagem pode ser interpretada como
um texto não verbal e ser cheia de possibilidades de sentido. Tendo isso em mente, veja a
imagem a seguir.
Você deve realizar uma breve análise deste texto, observando os elementos externos a que ele
faz referência e buscando compreender como se dá a construção do humor nesse texto.
INFOGRÁFICO
A noção de texto pode ser definida diferentemente, dependendo da abordagem teórica pela qual
a olhamos. Da mesma forma, a noção de contexto é entendida de maneiras diferentes nas
diversas teorias que a estudam. Assim, neste infográfico você vai compreender como a noção de
texto e contexto é percebida em três diferentes teorias: a Linguística Textual, a Teoria da
Enunciação e a Análise do Discurso.
CONTEÚDO DO LIVRO
Você verá que as noções de sujeito, ideologia e sentido são elaboradas teoricamente na Análise
de Discurso, de modo distinto daquele considerado pela Teoria da Enunciação ou pela
Linguística Textual. Da mesma forma, verá que o texto e o contexto são percebidos de maneira
diferente por essas teorias.
Assim, após a leitura do capítulo Sujeito, Ideologia, Texto e Contexto, Sentidos, do livro
Linguística Avançada, será possível compreender como um texto produz sentidos, qual é a
relação de um texto com o discurso, com a ideologia e o sujeito pelo viés da Análise do
Discurso em contraponto a outras teorias dos estudos da linguagem.
Boa leitura.
LINGUÍSTICA
AVANÇADA
Debbie Mello Noble
Priscilla Rodrigues Simões
Laís Virgínia Alves Medeiros
Sujeito, ideologia, texto
e contexto, sentidos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
Neste texto, você irá ver como as noções de sujeito, ideologia e sentido
são elaboradas teoricamente na análise de discurso de modo distinto
daquele considerado pela teoria da enunciação ou pela linguística tex-
tual. Da mesma forma, verá que o texto e o contexto são percebidos de
maneira diferente por essas teorias.
deveriam se submeter. Essa seria a realidade empírica, a vida real de todos nós,
na qual estão incluídos nossos deveres e direitos de cidadãos. Dessa forma,
todas as ações que julgamos ter origem em nossa força de vontade seriam, na
verdade, imposições das representações ideológicas.
A ideologia “[...] é uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos
com suas condições reais de existência [...]” (ALTHUSSER, 1992, p. 85) e não
uma escolha individual. Essa noção de ideologia concebe a realidade empírica
como uma relação reflexiva de representações, ou seja, a realidade é uma
“ilusão” criada por nós a partir de nosso lugar social. Toda a prática social
ocorre por meio de e sob uma ideologia; e não há ideologia senão através do
sujeito e para o sujeito, visto que todo o sujeito é interpelado pela ideologia.
Althusser diz que a interpelação é o processo de submissão do sujeito à
ordem sócio histórica na qual ele se encontra e que é vasta de perspectivas
ideológicas, que mantêm entre si relações de consenso, dissenso, intertextu-
alidade, interdiscursividade e atuam no processo de constituição dos sujeitos
e dos sentidos. Situa-se a noção de sujeito juntamente com a de sentido, pois
esses dois elementos se produzem como efeitos na teoria do discurso, pois são
produzidos como efeitos ideológicos. Conforme o autor, todas as evidências
que fazem uma palavra designar uma coisa ou possuir um significado, sob a
ilusão de transparência e da literalidade, tratam-se de um efeito ideológico:
“[...] a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e até aí não há problema – é
um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar.” (ALTHUSSER, 1992, p.
94). As relações constituídas em uma sociedade não são arbitrárias, há sempre
uma filiação a determinada perspectiva ideológica que regula não só o que se
faz em determinada sociedade, mas também como se faz para estar inserido
no lugar social “adequado” em relação ao modelo dominante.
O funcionamento da ideologia se dá pela criação da ilusão de verdade dos
fatos, impedindo a percepção das assimetrias entre o discurso e os efeitos de
sentido sobre ele produzidos. Sobre a noção de formação ideológica, Pêcheux
(1988) diz que é constituída por um complexo de atitudes e representações que
se organiza a partir de inúmeras formações discursivas (FD), que mantêm
entre si relações diversas de antagonismo, aliança e, até mesmo, dominação.
A partir da noção de ideologia, Pêcheux formula a formação discursiva,
a fim de dar conta da repartição e organização dos discursos com relação à
instância ideológica. Assim, as formações discursivas representam diferentes
formas de relação do sujeito com as formações ideológicas (FI) que atuam
no contexto histórico-social, regulando o que pode ou não ser dito a partir
de uma conjuntura determinada. O ponto essencial da noção de formação
discursiva, de acordo com Pêcheux, é que ela não atua somente na natureza
134 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos
Por ser social, o sujeito está inserido em uma ordem histórica e com ela se relaciona,
seja por meio da identificação, pela contraidentificação ou através da desidentificação
diante dessa ordem. Portanto, não temos um sujeito intencional que decide sobre
seus atos de forma livre e individual, nesta teoria, mas um sujeito constituído no corpo
social, que age de acordo com a ideologia que o determina e o constitui. Apesar de ser
determinado, entretanto, o sujeito também pode transformar, pode construir sentidos
a partir daqueles que lhe são dados a priori pela interpretação.
Pêcheux (1988, p. 173) diz que o sujeito é afetado por dois tipos de esque-
cimento. O esquecimento nº 1 – “[...] o sujeito-falante não pode, por definição,
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 135
Texto e contexto
Freda Indursky (2010, p. 52) ressalta que a grande contribuição da linguística textual
é a ultrapassagem das fronteiras do estudo da frase e de ter constituído um novo
objeto de análise, o texto.
Para Guimarães, as relações internas têm tanta importância quanto as relações externas.
Isso difere o entendimento da teoria da enunciação daquele proposto pela linguística
textual, que considerava o contexto como apartado do texto, apenas como um apoio
na compreensão dos sentidos. Dessa forma, você pode compreender que um texto
não tem sentido, no ponto de vista da enunciação, se for considerado fora de seu
contexto e de sua situação de enunciação.
Texto e discurso
O texto, como objeto empírico, possui começo, meio e fim, mas do ponto de
vista da AD, pode ser tomado como um objeto linguístico-histórico, uma
unidade que se estabelece pela historicidade enquanto unidade de sentido
(ORLANDI, 2010).
Assim, ele será, como o discurso, incompleto. Também não será visto
como uma unidade fechada, mas como unidade de análise, podendo ser con-
siderado uma unidade inteira. Ele estabelece relação com outros textos, com
as condições de sua produção, com sua exterioridade, que lhe é constitutiva.
O texto não coincide com o discurso, ele é a materialidade pela qual é
possível ter acesso ao discurso.
Você pode perceber que esse modo de compreender o texto difere das outras
teorias que você viu anteriormente (linguística textual e enunciação). Com a
noção de contexto, isso também ocorre. A AD entende que o contexto não é
algo exterior ao texto, mas sim algo que coincide com ele, está imbricado nele.
Por essa razão, dizemos que a exterioridade é constitutiva em AD.
Orlandi (1996, p. 56) afirma que o “[...] objetivo da AD é compreender como
um texto funciona, como ele produz sentidos, sendo ele concebido enquanto
objeto linguístico-histórico [...]”. A autora estabelece uma diferenciação entre a
história em um texto e a historicidade, como você pode observar no Quadro 1.
140 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos
História Historicidade
Evolução
Complementar Constitutiva
Acontecimento
Produção de sentidos
Como você viu anteriormente, o sentido de um texto se estabelece pelas condi-
ções de sua produção e pela sua exterioridade constitutiva. Indursky (2010, p.
70) ressalta que o sentido não pertence ao texto nem ao sujeito que o produziu,
sendo “[...] resultado da relação entre os sujeitos históricos envolvidos em sua
produção/interpretação [...]”.
As relações de um texto com outros textos possíveis é denominada, na
análise do discurso, de interdiscurso, pois, para Indursky (2010), um texto
é remetido a redes de formulações discursivas em que há a perda da origem
do texto, ou seja, não se sabe mais onde ou quem é a origem de determinado
discurso. O discurso, nesse sentido, está disperso em diversos textos, sendo
relacionado ora com uma, ora com outra formação discursiva, que depende
da filiação de um sujeito.
Assim, o interdiscurso será o lugar dos múltiplos sentidos, de onde o sujeito
“seleciona” (mas não de modo consciente) alguns dizeres e esquece outros,
tomando, portanto, posição em relação às possibilidades de sentido.
Esse movimento é determinado ideologicamente, como você viu anterior-
mente. Para Orlandi (2007, p. 12), é na injunção do sujeito a “dar sentido” e a
significar-se que este se submete à língua, por isso, a questão do sujeito está
tão imbricada a dos efeitos de sentido. Assim, dizer que o sujeito é assujeitado,
significa que a ideologia interpela o indivíduo em sujeito, fazendo com que ele
se submeta à língua, significando-a e significando-se por meio do simbólico
na história (ORLANDI, 2012).
Podemos afirmar que o sujeito é, além de interpelado pela ideologia, atra-
vessado pelo inconsciente, pois “[...] assujeitamento e inconsciente são marcas
decisivas na configuração do que se vai entender por sujeito [...]”, conforme
afirma Ferreira (2007, p. 1). Dessa forma, o sujeito ganha uma posição inter-
valar entre a linguagem, a ideologia e a psicanálise (FERREIRA, 2007), que
são as bases da teoria do discurso, conforme é possível perceber na Figura 1.
142 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos
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Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 145
Você já ouviu falar em Discurso da Escritoralidade? Nesta Dica do Professor, você conhecerá
uma nova maneira de compreender os processos de produção de sentido entre o Discurso da
Escrita e o Discurso da Oralidade.
EXERCÍCIOS
C) A ideologia é uma escolha individual, ou seja, cada indivíduo escolhe qual ideologia irá
aderir.
D) O sujeito não pode ser relacionado aos sentidos de um discurso, pois nunca escolhe o que
vai dizer.
E) A formação discursiva apenas se relaciona com a noção de sujeito, não tendo relação com
a ideologia e com a produção de sentidos de um discurso.
2) Leia atentamente o texto abaixo: “SÍTIO – Vendo. Barbada. Ótima localização. Água
à vontade. Árvores frutíferas. Caça abundante. Um paraíso. Antigos ocupantes
despejados por questões morais. Ideal para casal de mais idade. Negócio de Pai para
filhos. Tratar com Deus.” A partir dos elementos linguísticos deste classificado, é
possível interpretar que existe uma relação presente que contribui para a construção
de sentidos desse texto.
Sobre isso, assinale a alternativa que explica corretamente essa relação:
A) A linguística textual propõe que o sentido do texto se dá ideologicamente, o que pode ser
observado no trecho "tratar com Deus", que demonstra a produção do texto por um sujeito
religioso.
B) O texto traz elementos intertextuais, que remetem ao episódio bíblico em que Adão e Eva
foram expulsos do Paraíso por provarem do fruto proibido.
D) Ao final do classificado temos “Tratar com Deus”, que define QUEM seria o anunciante
desse classificado, ou seja, o enunciador, importante recurso externo proposto pela
linguística textual.
E) A relação observada é com o contexto, ou seja, os elementos do texto que apontam para o
local onde o anúncio foi produzido, como em SÍTIO, dando a entender que se trata de um
local rural.
C) A Análise do Discurso entende que o contexto não é algo exterior ao texto, mas sim algo
que coincide com este, está imbricado nele.
D) A partir dos estudos de Noam Chomsky, o texto ganha papel central nos estudos da
linguagem.
NA PRÁTICA
O sentido de um texto se estabelece pelas condições de sua produção e pela sua exterioridade
constitutiva. Indursky (2010, p. 70) ressalta que o sentido não pertence nem ao texto nem ao
sujeito que o produziu, sendo “resultado da relação entre os sujeitos históricos envolvidos em
sua produção/interpretação”.
Assim, para melhor entendimento dessas noções, será analisado o artigo Identidade sem papel,
onde é preciso destacar as condições de produção do texto, para, então, compreender o processo
de produção de sentido.
SAIBA MAIS
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:
Leia a dissertação de mestrado, Essa língua não me representa: discursos sobre língua e
gênero, de Laís Medeiros, onde é abordada a relação entre língua e gênero.