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Ideologia, cultura e discurso

APRESENTAÇÃO

Os conceitos de ideologia, cultura e discurso não podem ser compreendidos separadamente, pois
são conceitos que se entrelaçam, especialmente no campo da Análise do Discurso. Nesta
Unidade de Aprendizagem, você vai compreender de que forma esses conceitos se entrelaçam,
bem como reconhecer os pontos de contato entre eles. Além disso, você identificará como a
noção de cultura entra no quadro teórico da Análise do Discurso.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer os conceitos de ideologia, cultura e discurso.


• Estabelecer pontos de contato entre as noções de ideologia, cultura e discurso.
• Identificar a noção de cultura no âmbito da Análise do Discurso.

DESAFIO

A noção de discurso é fundamental para a compreensão da produção de sentidos em diversos


campos. Juntamente a ela, considera-se que a cultura é um lugar de produção de sentidos que
age naturalizando sentidos que vão sendo cristalizados através do processo de repetição, levando
a falsos espaços de identificação, legitimando alguns sentidos sem necessidade de comprovação.
Muitas vezes, certos preconceitos são tão repetidos em uma sociedade ou em um determinado
grupo que acabam sendo naturalizados e tidos como "culturais". Assim, os sujeitos nem
percebem quando estão reproduzindo esses discursos, acreditando que é a única forma de falar,
agir, vestir. Agora que você já sabe um pouco sobre a forma como a cultura determina
comportamentos, que tal realizar um desafio prático sobre o tema?
Você é o revisor de textos de uma agência de publicidade digital. No Dia da Mulher, os
redatores pedem a você que revise um anúncio que será publicado nas redes sociais:

Você revisa, mas não encontra nenhum erro ortográfico. No entanto, alguma coisa nos sentidos
deste anúncio deixam você desconfortável. Lembrando, então, que muitas vezes aquilo que é
tido como “normal” para um grupo de pessoas não o é para outras, você resolve avisar aos
redatores sobre os possíveis problemas que a campanha pode causar.

Diante da situação, justifique sua posição, argumentando o motivo pelo qual o anúncio não pode
ser aprovado do jeito que está. Crie uma justificativa, baseando-se nos conceitos de cultura,
discurso e ideologia que você conhece.

INFOGRÁFICO

Podemos dizer que a ideologia é o ponto de contato entre a noção de cultura e o discurso. Isso
porque a ideologia produz um efeito de evidência dos sentidos do discurso e a cultura determina,
pela ideologia, os modos de dizer, agir, sentir de um determinado grupo social. Falar em cultura
na perspectiva da Análise do Discurso é pensá-la em sua relação com a produção de sentidos
dos discursos por um sujeito determinado pela ideologia.

Neste infográfico, você poderá visualizar melhor como as noções de cultura, ideologia e
discurso se relacionam entre si e como a Análise do Discurso as concebe.
CONTEÚDO DO LIVRO

No capítulo Ideologia, Cultura e Discurso, do livro Linguística Avançada, você vai compreender
como as noções de ideologia e discurso estão articuladas entre si e quais são os pontos de
contato na noção de cultura com a Análise do Discurso. Você verá que a cultura é um conceito
difícil de ser definido, mas que um breve percurso pelas diferentes definições ajuda a
compreender melhor esse conceito.

Boa leitura!
LINGUÍSTICA
AVANÇADA

Debbie Mello Noble


Priscilla Rodrigues Simões
Laís Virgínia Alves Medeiros
Ideologia, cultura e discurso
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer os conceitos de ideologia, cultura e discurso.


 Estabelecer pontos de contato entre as noções de ideologia, cultura
e discurso.
 Identificar a noção de cultura no âmbito da análise do discurso.

Introdução
Os conceitos de ideologia, cultura e discurso não podem ser compreendi-
dos separadamente, pois são conceitos que se entrelaçam, especialmente
no campo da análise do discurso (AD).
Neste texto, você vai compreender de que forma esses conceitos
se entrelaçam, bem como reconhecer os pontos de contato entre eles.
Além disso, você identificará como a noção de cultura entra no quadro
teórico da análise do discurso.

Discurso e ideologia
A noção de discurso, pela ótica da análise do discurso (AD), fundada por
Michel Pêcheux, é fundamental para a compreensão da produção de sentidos.
Se na proposta Pêcheuxtiana o discurso é efeito de sentidos entre locuto-
res, isso se deve a uma ruptura com o modelo de comunicação proposto por
Roman Jakobson, pois a ideia de discurso entre locutores significa que todos
os sujeitos estão envolvidos no processo de produção de sentidos, não apenas
aquele que enuncia.
106 Ideologia, cultura e discurso

Neste link ou código, você poderá assistir um vídeo


no qual José Simão da Silva Sobrinho (2015) fala sobre
o conceito de discurso.

https://goo.gl/TKgyf4

Para Leandro Ferreira (2005), o discurso não é somente o objeto teórico


da AD, ele é um objeto histórico-sociológico, que se produz socialmente
por meio de sua materialidade, que é a língua. Ele é uma prática social cuja
regularidade pode ser compreendida a partir da análise dos processos de sua
produção. No entanto, Leandro Ferreira destaca que o discurso, como prática
social, não se confunde com a noção de fala (parole) proposta por Ferdinand
de Saussure (2006).
Essa impossibilidade de relação entre esses conceitos é também abordada
por Orlandi (2012):

O discurso não corresponde à noção de fala, pois não se trata de opô-lo


à língua como sendo esta um sistema, onde tudo se mantém, com sua
natureza social e suas constantes, sendo o discurso, como a fala, apenas uma
sua ocorrência casual, individual, realização de um sistema, fato-histórico,
a-sistemático, com suas variáveis, etc. O discurso tem sua regularidade, tem
seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o
histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao
produto [...] A língua é assim condição de possibilidade do discurso.

Para Orlandi (2012), o discurso é o lugar de encontro da língua com a


ideologia, no qual é possível compreender como a língua produz sentidos,
uma vez que estes são determinados pelas formações discursivas (FD) com
as quais os sujeitos se identificam.
É por este motivo que você não pode compreender o discurso apartado
da ideologia: se a língua é a materialidade do discurso, é possível dizer que o
discurso é a materialidade da ideologia, o que se dá por meio das FD.
A ideologia, para Marx e Engels, seria um sistema de ideias ou represen-
tações, separado das condições materiais, ou seja, uma separação entre o que
Ideologia, cultura e discurso 107

é próprio do intelecto daquilo que é manual (BRANDÃO, 2004). Assim, ela é


um instrumento que faz com que as ideias da classe dominante passem a ser
ideias de todos pela dominação de classe.
Segundo Chauí (1980), a ideologia se organiza em um sistema de normas ou
regras que indicam à sociedade o que pensar, como pensar, o que deve valorizar,
sentir e fazer. Para a autora (CHAUI, 1980, p. 113), “[...] o discurso ideológico é
aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar,
o dizer e o ser [...]”. A ideologia seria, então, aquilo que produz um apagamento
da história no discurso, dando a impressão de ser um discurso neutro.
Assim, podemos afirmar que os sentidos de um discurso sempre são deter-
minados ideologicamente, pois, conforme Orlandi (2012, p. 43), há um “traço
ideológico” presente nos discursos e “[...] o estudo do discurso explicita a maneira
como linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca [...]”.

Se os discursos são formulados por sujeitos, se constituem por aquilo que os sujeitos
dizem e o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia, é possível afirmar que “[...]
a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos [...]” (ORLANDI,
2012, p. 46). Diante disso, pode-se dizer também que não há discurso sem linguagem
e nem linguagem que não seja atravessada pela ideologia.

Pêcheux (1990, p. 160) afirma que é a ideologia que determina “o que é e o


que deve ser”, fornecendo as “[...] evidências que fazem com que uma palavra
ou enunciado queiram dizer o que realmente dizem e que mascaram, assim,
sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chama de o caráter material
do sentido das palavras e enunciados [...]”. Portanto, os sentidos dos discursos
não existem em si mesmos, eles são determinados pelas posições ideológicas
de quem produz e do processo sócio-histórico em que se inserem, ou seja,
os discursos têm seus sentidos determinados pelas posições que sustentam
aqueles que os empregam, adquirindo sentido pelas formações ideológicas
em que essas posições se inscrevem.
Para Pêcheux e Fuchs (1997, p. 166), “[...] cada formação ideológica cons-
titui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem
‘individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente
a posições de classes em conflito umas com as outras [...]”.
108 Ideologia, cultura e discurso

Cultura
Você já pensou sobre o que significa cultura? Que tipos de cultura existem?
Apesar de muito se falar em cultura, em geral, pouco se reflete sobre ela.
Muitos autores se debruçaram sobre esse conceito, buscando defini-lo. Veja
algumas visões sobre a cultura.

O que é cultura?
Buscando uma definição da expressão cultura, você irá se deparar com a
proposta de Michel de Certeau (1995 apud ESTEVES, 2013), que traz, entre
outros significados, o de cultura como a percepção ou compreensão de mundo
de determinado meio ou época, bem como os comportamentos, instituições,
ideologias e mitos que compõem e caracterizam uma sociedade.
Para o autor John Lyons (1987, p. 273), a palavra cultura possui vários
sentidos, porém, alguns deles merecem ser destacados. O autor contrasta
duas visões, uma que percebe a cultura como “[...] mais ou menos sinônimo
de civilização e, numa formulação mais antiga e extrema do contraste, oposta
ao barbarismo [...] baseado em uma concepção clássica do que constitui exce-
lência em arte, literatura, maneiras e instituições sociais [...]”. Essa cultura,
segundo o autor, foi revivida pelos humanistas do Renascimento, enfatizada
por pensadores do Iluminismo, do século XVIII, e associado à visão da história
da humanidade como progresso e autodesenvolvimento.
Por outro lado, Lyons (1987, p. 274) ressalta que o termo cultura pode ser
“[...] empregado sem nenhuma implicação de progresso humano uniforme do
barbarismo à civilização e sem nenhum julgamento de valor a priori quanto
à qualidade estética ou intelectual da arte, literatura, das instituições etc. de
uma determinada sociedade.”.
Assim, a cultura pode ser descrita como conhecimento adquirido social-
mente, ou seja, como o conhecimento que uma pessoa tem em virtude de ser
membro de determinada sociedade. O autor ressalta sobre a palavra conheci-
mento: “[...] tanto o saber fazer algo quanto o saber que algo é ou não assim. Em
segundo lugar, quanto ao conhecimento de proposições, o que conta é o fato
de algo ser considerado verdadeiro, e não a sua veracidade ou falsidade reais
[...]” (LYONS, 1987, p. 274). A partir desses sentidos possíveis para cultura,
poderia se distinguir os traços do homem culto, diferenciando-o do selvagem.
Por outro lado, a partir da visão de Gramsci (apud ESTEVES, 2013), todo
sujeito é um produtor de cultura, porque todo sujeito produz uma atividade
intelectual, qualquer que seja essa atividade.
Ideologia, cultura e discurso 109

No campo da AD, a cultura é pensada como lugar de interpretação, como


você verá adiante. Atente para a questão histórica que perpassa a noção de
cultura:

Muitos dos significados atribuídos à cultura atualmente surgem no final


do séc. XVII e início do séc. XIX quando esta palavra passa a ser utilizada
com mais frequência com a criação do Estado-nação moderno, o qual se
constitui com o processo de industrialização e a necessidade de proteger
o mercado de um determinado território. Nesta estrutura, os papéis
tradicionais já não dão conta de manter a sociedade unida, apela-se,
então, à cultura, no sentido de estabelecer aspectos comuns a um povo,
tais como linguagem, valores, costumes, que servissem para criar uma
unidade social e estabelecer um laço com sua nação. O Estado-nação
significa a ligação entre a política e a cultura, entre o geopolítico e o
étnico. (RAMOS, 2015, p. 1).

Cultura e linguagem
As relações possíveis entre cultura e outros campos também foram propostas
por diferentes autores, com diferentes visões sobre o tema.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Kawachi (2011 apud TERENZI,
2012, p. 100), que destaca a cultura como: “[...] um construto diacrônico que,
em sua abrangência histórica, social e artística, reflete – e/ou contribui para
constituir – a identidade de um grupo [...]”. Portanto, pode-se dizer que a
cultura também pode ser compreendida como um processo evolutivo, no qual
se acompanha as evoluções e mudanças sucessivas que ocorrem socialmente,
seja no âmbito linguístico, em que ocorrem as alterações em que termos são
substituídos por outros, como em demais âmbitos da cultura.
Ainda de acordo com a autora, a palavra cultura pode ser compreendida
como pertencimento a uma comunidade discursiva que compartilha um es-
paço social, uma história e imaginários comuns. Nesse caso, haveria uma
relação estreita entre a cultura e a língua de determinadas comunidades, ou
regiões, no qual a língua pode ser compreendida como um dos veículos para
a “transmissão de cultura”.
John Lyons (1987) afirma que é frequente a correlação entre língua e cultura
exercida em um nível muito geral, e com o pressuposto tácito ou explícito de
que os que falam a mesma língua tem que, necessariamente, compartilhar a
mesma cultura. Para o autor, esse pressuposto é falso com relação a muitas
línguas e muitas culturas, pois os falantes de línguas diferentes não possuem
110 Ideologia, cultura e discurso

a mesma visão de mundo. Para ele, muitos dos conceitos que lidamos são
vinculados à cultura, no sentido de que dependem do conhecimento transmitido
socialmente, tanto prático como propositivo, e variam consideravelmente de
cultura para cultura.
Lyons reforça sua concepção de que a linguagem é tanto um fenômeno
biológico como cultural. Explica que as diferentes línguas tem uma subes-
trutura universal, certamente em gramática e vocabulário e talvez também
em fonologia, e uma superestrutura não universal que não apenas se constrói
sobre tal subestrutura, mas é completamente ligada a ela.
Para o autor, a subestrutura universal é determinada, em parte, pelas facul-
dades cognitivas da mente humana, que são geneticamente transmitidas, ou
seja, o processo de aquisição da linguagem é de tal natureza que a transmissão
de tudo o que é universal em linguagem depende, também, para o seu sucesso,
do processo de transmissão cultural.
“Já a superestrutura não universal nas línguas, trata-se muito mais ob-
viamente de uma questão de transmissão cultural – e em dois sentidos. Não
somente faz parte da competência linguística transmitida de geração em
geração por meio das instituições de determinada sociedade, mas o que é
transmitido é em si um componente importante na cultura daquela sociedade.”
(LYONS, 1987, p. 292).
Dessa forma, Lyons conclui que se a competência em determinada língua
implica a habilidade de produzir e compreender sentenças daquela língua,
então constitui inquestionavelmente parte da cultura: isto é, do conhecimento
social. Afinal, o significado das expressões não é universal e dependente da
cultura. E esse resultado só acontece porque, entre as sociedades, há um grau
maior ou menor de justaposição cultural. Nesse sentido, ele afirma que “[...]
a possibilidade de tradução é uma função do grau de justaposição cultural
[...]” (LYONS, 1987, p. 292).
Para o autor, o aprendizado de uma língua pode e deve ser dirigido a
determinadas finalidades. Uma delas é a de adquirir e de participar tão comple-
tamente quanto for possível de uma cultura diferente daquela em que a pessoa
foi criada. Porém, existirão consequências linguísticas, como o empréstimo
e a tradução por empréstimo.
Ideologia, cultura e discurso 111

A tradução de uma língua para outra depende da


finalidade para a qual determinada tradução é pla-
nejada, bem como do conhecimento da situação por
parte daqueles que a utilizarão. A impossibilidade de
equivalência entre termos de uma língua para outra
na tradução é abordada por Glaucia Henge (2015) no
artigo “Discutindo a (in)equivalência: um exercício
de análise”, disponível no link ou no código a seguir:

https://goo.gl/UeSsTS

Cultura na análise do discurso


Como ponto de contato entre a noção de cultura e a AD, podemos pensar
na noção de ideologia, uma vez que não há cultura fora dela. Se o indivíduo
é interpelado em sujeito pela ideologia, é também por meio dela que ele se
identifica com determinada formação discursiva (FD). Nesse sentido, Esteves
(2013) afirma que como na FD, é pela ideologia que o sujeito se identifica com
a cultura, que estabelece o que pode/deve ser pensado, vestido, usado, sentido,
cheirado, experimentado, etc.
É assim, então, que você pode diferenciar a noção de cultura na AD e em outras
vertentes teóricas: se a cultura aparece, comumente, como justificativa para a
naturalização do que é pensado, vestido, usado, sentido, cheirado, experimentado,
na AD, isso é desnaturalizado, uma vez que todos esses saberes são histórica e
ideologicamente constituídos, sendo regulados pelas formações culturais.
Esteves (2013, p. 73) afirma que: “Em vez de se reproduzirem enunciados
prévios em uma combinação psíquica camaleônica ou papagaiesca, a cultura
estabelece os discursos prévios que vão ou não ser repetidos, em uma sobre-
posição com a formação ideológica.”. Esse efeito de evidência dos saberes que
se dá na cultura é o mesmo que ocorre com a língua e os sentidos.
Toma-se um sentido de uma palavra ou expressão como transparente e da
mesma forma toma-se algo como cultural. Porém, é revelando as condições
de produção da cultura e dos discursos sobre ela que a AD torna-se um campo
produtivo para pensá-la.
Segundo Pêcheux, essa seria uma das razões pela qual uma única língua
pode constituir várias culturas; por exemplo, no Brasil, falamos o português
112 Ideologia, cultura e discurso

brasileiro, mas as diferenças culturais que trespassam os estados brasileiros


são inegáveis. Isso porque a língua é a base dos processos discursivos.
Lévi-Strauss sugere que os traços referenciáveis de uma cultura são múl-
tiplos e podem ser comuns entre culturas estrangeiras ou demarcar o seu
afastamento. Dessa forma, falar em cultura na perspectiva da AD é pensá-la
em sua relação com a produção de sentido por um sujeito determinado pela
ideologia e afetado pelo inconsciente. A relação do sujeito com suas condi-
ções de existência é da ordem do imaginário, a qual é sempre mediada pelo
simbólico. Embora se acredite livre para fazer escolhas, o sujeito não o é,
portanto, não tem como escapar das determinações da formação social na
qual está inserido e da cultura que lhe é constitutiva.
É na sua concepção de mundo, na maneira como percebe os fenômenos
a sua volta que se pode observar o funcionamento da cultura, por meio de
práticas, rituais e saberes que naturalizam o que é constitutivamente múltiplo,
pois conforme nos mostra a categoria da contradição, os opostos coexistem
simultaneamente, permitindo que os sentidos possam sempre ser outros.
Desse modo, uma formação cultural estaria regulando o que pode e deve ser
praticado em uma determinada formação social.

Para autores como Esteves (2013) e Leandro Ferreira e Ramos (2016), a cultura no campo
da AD é vista como um lugar de interpretação que, assim como a língua, comporta o
lugar do equívoco. Esta noção funciona, nessa direção, como um lugar de produção de
sentidos que age naturalizando e mascarando as condições de produção. Os sentidos
vão sendo, assim, cristalizados por meio do processo de repetição, levando a falsos
espaços de identificação, legitimando esses sentidos sem necessidade de comprovação.

No entanto, os autores ressaltam que essas normas e preceitos reguladores


da cultura não são fixos ou imutáveis e deixam-se capturar pelas brechas
e furos, o que dá à cultura a possibilidade do novo, adquirindo um caráter
dinâmico e abrindo espaço para ressignificação.
Nessa direção, Esteves (2014) propõe falar de cultura imaginária (nor-
matizada, imposta, sem espaço para falha ou para o equívoco) em oposição à
cultura fluída, como aquela que foge à regulamentação, que está sujeita ao
equívoco e que conclui que uma prática cultural pode ser outra.
Ideologia, cultura e discurso 113

Ramos (2015) entende a cultura como resultado de um processo em cons-


tante transformação, que não pode ser analisado separado dos movimentos
históricos e sociais que a envolvem. Dessa forma, a cultura não trata apenas
da reprodução, mas também da transformação, com espaços para criticidade
e interpretação.
Conforme Leandro Ferreira e Ramos (2016), é possível pensar que a cultura
funciona como um mecanismo ideológico, produzindo efeito de evidência que
leva à estabilização do sentido, uma vez que a ideologia só existe em práticas
sociais inscritas em instituições concretas e que tais práticas são reguladas pelos
rituais nos quais se inscrevem na existência material de um aparelho ideológico.
Para Leandro Ferreira (2011, p. 61), “[...] as posições que os sujeitos ocupam
em uma dada formação cultural condicionam as condições de produção dis-
cursivas, definindo o lugar por eles ocupados no discurso. Ao funcionamento
dessas formações culturais estariam estreitamente associadas as formações
sociais e ideológicas [...]” conforme você pode visualizar na Figura 1.

Figura 1. Formação cultural.

Assim, é possível compreender que sujeitos de culturas diferentes são iden-


tificados por uma série de características, como modo de agir, vestir, caminhar,
se portar, oriundos de discursos que são parte da rede do interdiscurso. Esses
discursos chegam ao sujeito por meio de uma memória que não é cognitiva,
mas discursiva, sendo, então, reconhecidos como a única maneira possível e
aceita de agir, vestir, caminhar e se portar, tornando “o que se pode e deve
fazer” como algo naturalizado.
Ideologia, cultura e discurso 115

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2004.


CHAUI, M. S. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. (Coleção Primeiros Passos,
13).
ESTEVES, P. M. S. A viabilidade de um conceito de formação cultural. In: INDURSKY,
F.; FERREIRA, M. C. L.; MITTMANN, S. (Org.). O acontecimento do discurso no Brasil.
Campinas: Mercado de Letras, 2013.
ESTEVES, P. M. S. O que se pode e se deve comer: uma leitura discursiva sobre o sujeito
e alimentação nas enciclopédias brasileiras. 2014. Tese (Doutorado)–Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2014.
FERREIRA, M. C. L. Linguagem, ideologia e psicanálise. Estudos da Linguagem, Vitória
da Conquista, n. 1, p. 69-75, jun. 2005.
FERREIRA, M. C. L. O lugar do social e da cultura numa dimensão discursiva. In: IN-
DURSKY, F.; MITTMANN, S.; FERREIRA, M. C. L. (Org.). Memória e história na/da análise
do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011.
HENGE, G. S. Discutindo a (in)equivalência: um exercício de análise. TradTerm, São
Paulo, v. 25, p. 39-59, ago. 2015. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/tradterm/
article/view/103043>. Acesso em: 04 set. 2017.
LYONS, J. Língua(gem) e Linguística. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
116 Ideologia, cultura e discurso

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2012.


PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos,
Campinas, n. 19, p. 7-24, jul.-dez. 1990.
PÊCHEUX, M. Língua, linguagens, discurso. In: PÊCHEUX, M. Análise de discurso. 3. ed.
Campinas: Pontes, 2012. p. 121-129.
PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e
perspectivas (1975). In: GADET, F.; HAK, T.; MARIANI, B. S. C. Por uma análise automática
do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: UNICAMP,
1997. p.163-252.
RAMOS, T. V. Para além de rituais e costumes: o que podemos dizer sobre a noção
de cultura em análise do discurso? In: SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO
DISCURSO, 7., 2015, Recife. Anais... Recife: SEAD, 2015.
RAMOS VALIM, T.; FERREIRA, M. C. L. Para além de rituais e costumes: o que podemos
dizer sobre a noção de cultura em análise do discurso? Revista Estudos da Língua(gem),
Vitória da Conquista v. 14, n. 2, p. 139-154, dez. 2016.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
SILVA SOBRINHO, J. S. Discurso. Niterói: UFFTube, 2015. Disponível em: <http://uff-
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TERENZI, D. O filme rio: um estudo linguístico-cultural considerando o Inglês e o
português. RevLet, v. 04, n. 01, jan./jul. 2012.

Leituras recomendadas
BAUMAN, Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
ESTEVES, P. M. Rumo a uma noção de formação cultural na ad. In: SEMINÁRIO DE
ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO, 5., 2011, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre:
UFRGS, 2011. Disponível em: <anaisdosead.com.br/5SEAD/SIMPOSIOS/PhellipeMar-
celDaSilvaEsteves.pdf>. Acesso em: 03 set. 2017.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
OLIVEIRA, E.; ALVES, A. F. Uma análise literária sobre o conceito de cultura. Revista
Brasileira de Educação e Cultura, São Gotardo, n. XI, jan.-jun. 2015. Disponível em:
<http://periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura/article/view/200>.
Acesso em: 03 set. 2017.
VALIM, T.; FERREIRA, M. C. L. Para além de rituais e costumes: o que podemos dizer
sobre a noção de cultura em análise do discurso? Revista Estudos da Língua(gem),
Vitória da Conquista, v. 14, n. 2, p. 139-154, dez. 2016.
DICA DO PROFESSOR

Nesta Dica do Professor, veja a proposta, de Phellipe Marcel Esteves, de uma formação cultural
no âmbito da Análise do Discurso.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

EXERCÍCIOS

1) Sobre a noção de discurso e sua relação com a ideologia, é possível afirmar que:

A) O discurso é o objeto da Análise do Discurso e sua materialidade é a ideologia.

B) O discurso é o lugar de encontro da língua com a ideologia.

C) Podemos afirmar que o discurso equivale à noção de fala proposta por Ferdinand de
Saussure.

D) As formações discursivas são o local onde discurso e ideologia podem ser vistos apartados.

E) Se a língua é a materialidade da ideologia, é possível dizer que o discurso é a


materialidade da língua.

2) Como os sentidos se relacionam com a noção de ideologia e discurso?

A) Os sentidos de um discurso são determinados pelos sujeitos, que decidem o que querem
dizer.

B) A ideologia produz uma elucidação dos sentidos de um discurso.


C) O discurso organiza-se em um sistema de regras que indica à sociedade os sentidos das
frases e expressões.

D) Os discursos têm seus sentidos determinados pelas posições ideológicas que sustentam
aqueles que os empregam, adquirindo sentido pelas formações discursivas.

E) Cada sujeito escolhe a posição ideológica que ocupará e, a partir dela, os discursos
adquirem sentido.

3) Considerando as relações entre cultura e linguagem, assinale a alternativa em que a


afirmação esteja CORRETA:

A) John Lyons afirma que não há relação entre cultura, língua e linguagem.

B) John Lyons afirma que os que falam a mesma língua têm que, necessariamente,
compartilhar a mesma cultura.

C) Lyons afirma que o significado das expressões é universal e independente da cultura.

D) Para Lyons, a competência em determinada língua não implica necessariamente na


habilidade de produzir e compreender sentenças daquela língua, não constituindo parte da
cultura.

E) Para Lyons, o processo de aquisição da linguagem é de tal natureza que a transmissão de


tudo o que é universal em linguagem depende, também, para o seu sucesso, do processo de
transmissão cultural.

4) Sobre as diferentes definições do conceito de cultura, é CORRETO afirmar que:

A) Muitos dos significados atribuídos à cultura atualmente surgem no final do século XX,
quando esta palavra passa a ser utilizada com mais frequência.
B) Seria errôneo dizer que a cultura tem a ver com pertencimento a uma comunidade.

C) No entendimento da Análise do Discurso, a cultura é o conhecimento adquirido pelo


homem, que o distingue de um selvagem.

D) Na visão de Gramsci, somente os sujeitos que produzem uma atividade intelectual


reconhecida são produtores de cultura.

E) Na perspectiva discursiva, é pela ideologia que o sujeito se identifica com a cultura, que
estabelece o que pode/deve ser pensado, vestido, usado.

5) Sobre a perspectiva da Análise do Discurso em relação à cultura, assinale a


alternativa CORRETA:

A) Na perspectiva da AD, não há relação entre a cultura, a língua e os sentidos.

B) Falar de cultura na perspectiva da AD é pensá-la em sua relação com a produção de


sentido por um sujeito determinado pela ideologia e afetado pelo inconsciente.

C) O discurso é o ponto de contato entre a cultura e a Análise do Discurso.

D) Para Pêcheux, os que falam a mesma língua compartilham, necessariamente, a mesma


cultura.

E) Para a AD, a cultura é justificativa para a naturalização do que é pensado, vestido, usado,
sentido, cheirado, experimentado.

NA PRÁTICA

Como ponto de contato entre a noção de cultura e a Análise do Discurso está a noção de
ideologia, uma vez que não há cultura fora dela. Se o indivíduo é interpelado em sujeito pela
ideologia, é também por meio dela que ele se identifica com determinada Formação Discursiva,
que vai determinar o que pode e deve ser dito. Nesse sentido, a noção de Formação Cultural é
proposta no âmbito da Análise do Discurso, estabelecendo o que pode/deve ser pensado,
vestido, usado, sentido, cheirado, experimentado.

Qual é o significado de uma marca? Uma marca é determinada por um nome escrito, uma
palavra, uma imagem ou um desenho. Mas nada disso é escolhido aleatoriamente. Uma marca
busca se beneficiar de diversos recursos imagéticos ou verbais para fortalecer sua imagem na
mente do consumidor, a fim de ser facilmente reconhecida e lembrada.
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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:
Marcas discursivas do sujeito

APRESENTAÇÃO

Para tratar sobre marcas discursivas do sujeito, deve-se observar que a categoria de sujeito, nas
teorias linguísticas, é elaborada por uma teoria específica, a Análise de Discurso, pois é esta a
linha de estudos que atenta para o papel constitutivo do sujeito em relação aos discursos que
circulam socialmente. Sujeito e sentido constituem-se juntos, conforme Pêcheux, pois só é
possível interpretar a partir da materialidade discursiva, ou seja, no momento em que um
discurso é produzido.

Na teoria discursiva não há como afirmar a neutralidade de um sujeito em relação ao que diz,
pois sempre restarão marcas discursivas que determinam a posição do sujeito em relação ao que
ele diz. Também não há como se pensar em total controle do sujeito sobre aquilo que diz, pois
essa linha de estudos também trabalha com um sujeito dotado de inconsciente, ou seja, não
totalmente consciente de tudo o que faz e diz.

Outra noção que não pode ser pensada a partir dessa teoria é a liberdade do sujeito, pois o
sujeito sempre fala de um lugar social específico que determina sua filiação ideológica. Desse
modo, sempre há marcas que podem ser intradiscursivamente ou interdiscursivamente
relacionadas ao sujeito, marcas essas que serão encontradas na materialidade do discurso.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer alguns exemplos de como analisar
discursos em busca das marcas discursivas do sujeito.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer a implicação da noção de sujeito e sentido, na teoria do discurso, para a


análise das marcas discursivas.
• Analisar o funcionamento das formações imaginárias de Pêcheux (1997) em análises
discursivas de exemplos.
• Identificar marcas do posicionamento do sujeito em relação à determinada formação
discursiva.
DESAFIO

Pêcheux vai buscar, na teoria lacaniana do imaginário, fundamento para descrever o


funcionamento da produção de sentido sobre os discursos. Ele afirma (1997, p. 82): o que
funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar
que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e
do lugar do outro. Neste jogo das formações imaginárias, o sujeito é levado a acreditar que o
que diz é seu, ou seja, que é senhor do seu próprio dizer, assim, ele é levado a ocupar o seu lugar
em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social. A ideia de liberdade,
portanto, trata-se de uma "ilusão" necessária para que o sujeito não perceba seu assujeitamento
ideológico.

Você está ministrando aulas de Análise de Discurso, no curso de publicidade e propaganda, e


tem que explicar como funciona a teoria das formações imaginárias na formulação de um
anúncio.

Solicite para que os alunos assistam ao vídeo da Campanha Criança e Adolescentes, veiculado
pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e publicado em 23 de
fevereiro de 2017, e expliquem como se dá o jogo entre as "formações imaginárias" nesse
gênero discursivo, de que modo o lugar definido para o consumidor de determinado produto é
materialmente marcado no discurso publicitário.

Clique e veja o vídeo para realizar a sua análise.

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INFOGRÁFICO

No poema "Limpeza pública”, de Luís Fernando Veríssimo, pode-se perceber o posicionamento


do sujeito através das marcas discursivas que atualizam a posição-sujeito de quem produziu esse
texto. Você pode notar, ao longo do poema, marcas discursivas, ou seja, palavras, expressões,
afirmações que indicam o posicionamento do sujeito do discurso quanto ao conteúdo desse
dizer. O poeta fala da poesia, em seu poema, do fazer poético, portanto, trata daquilo que lhe é
mais próximo: sua própria escrita, tecendo comentários elogiosos ao seu fazer.

Clique no infográfico para saber quais são e onde estão as marcas discursivas no poema.
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CONTEÚDO DO LIVRO

Pode-se dizer que buscar as marcas discursivas do sujeito em uma discursividade específica é
fazer uma análise do modo como quem produz um discurso está se posicionando em relação
àquilo que é dito/escrito.

Na prática de análise discursiva, costuma-se perguntar: Como foi possível que determinado
discurso viesse a ser produzido? Especificamente busca-se saber: quem produziu esse discurso e
qual sua posição em relação ao tema tratado? A quem foi dirigido esse discurso e por quê? Em
que condições sociais e históricas esse discurso foi produzido? Qual é a relação entre esse
discurso e a formação ideológica dominante da sociedade na qual ele circula? Essas e muitas
outras questões podem ser feitas de uma perspectiva discursiva, dependendo da investigação que
o analista pretende produzir sobre um discurso tomado como objeto.

Para conhecer, mais leia o capítulo Marcas discursivas do sujeito, do livro Linguística
Avançada.

Boa leitura.
LINGUÍSTICA
AVANÇADA

Debbie Mello
Noble
Priscilla Rodrigues
Simões
Laís Virginia Alves
Medeiros
Revisão técnica:

Laís Virginia Alves Medeiros


Mestra em Letras – Estudos da Linguagem:
Teorias do Texto e do Discurso
Bacharela em Letras – Habilitação Tradutora:
Português e Francês

N747l Noble, Debbie Mello.


Linguística avançada / Debbie Mello Noble, Priscilla
Rodrigues Simões, Laís Virginia Alves Medeiros ; revisão
técnica: Laís Virginia Alves Medeiros. – Porto Alegre :
SAGAH, 2017.
146 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-144-0

1. Linguística avançada. I. Simões, Priscilla Rodrigues.


II. Medeiros, Laís Virginia Alves. III. Título.

CDU 81’33

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094


Marcas discursivas
do sujeito
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a implicação da noção de sujeito e sentido, na teoria do


discurso, para a análise das marcas discursivas.
 Analisar o funcionamento das formações imaginárias de Pêcheux
(1997) em análises discursivas de exemplos.
 Identificar marcas do posicionamento do sujeito em relação à deter-
minada formação discursiva.

Introdução
Para tratar deste tema, você deve observar que a categoria de sujeito, nas
teorias linguísticas, é elaborada por uma teoria específica, a Análise de
Discurso (AD) – ela é a linha de estudos que atenta para o papel constitu-
tivo do sujeito em relação aos discursos que circulam socialmente. Sujeito
e sentido constituem-se juntos, conforme Pêcheux, pois só é possível
interpretar a partir da materialidade discursiva, ou seja, no momento em
que um discurso é produzido. Na teoria discursiva não há como afirmar a
neutralidade de um sujeito em relação ao que diz, pois sempre restarão
marcas discursivas que determinam a posição do sujeito em relação ao
que ele diz. Também não há como se pensar em total controle do sujeito
sobre aquilo que diz, pois a AD também trabalha com um sujeito dotado
de inconsciente, ou seja, não totalmente consciente de tudo o que faz e diz.
Outra noção que não pode ser pensada a partir dessa teoria é a liber-
dade do sujeito, pois o sujeito sempre fala de um lugar social específico
que determina sua filiação ideológica. Desse modo, sempre há marcas
que podem ser intradiscursivamente ou interdiscursivamente relacio-
nadas ao sujeito, marcas essas que serão encontradas na materialidade
do discurso. Neste texto, você vai conhecer alguns exemplos de como
analisar discursos em busca das marcas discursivas do sujeito.
118 Marcas discursivas do sujeito

Sujeito e sentido na análise de discurso


A noção de sujeito na análise de discurso, proposta por Pêcheux, trata-se de
um lugar determinado na estrutura de uma formação social, ou seja, a categoria
do sujeito só existe no âmbito social. Pêcheux (1997, p. 164), ao propor “[...]
uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica) [...]”, lembra-nos de
que o sujeito é também dotado de inconsciente. Essa característica faz com
que ele atue sob duas ilusões: ser a fonte de seu dizer e ser responsável pelo
que diz, isto é, todo o sujeito imagina que o que diz se origina em si mesmo
(pela sua vontade de dizer algo) e que somente a ele pode ser imputada a
responsabilidade pelo seu dizer. No entanto, sob a perspectiva discursiva,
não há sujeitos autônomos que fazem escolhas de acordo com sua vontade, a
determinação da vontade é pura ilusão, pois todo o sujeito está submetido à
ordem ideológica e ao inconsciente.

Henry (1997) diz que sujeito e sentido constituem-se mutuamente, indicando, assim,
que o sentido não está no sujeito, mas na relação entre o discurso do sujeito e outros
discursos oriundos da formação discursiva (FD) com a qual o sujeito se identifica. Essa
identificação está presente no jogo dos imaginários, processo em que o sujeito atribui
a si e ao seu interlocutor o lugar social que cada um ocupa em relação à sociedade
em que estão inseridos. Não há, portanto, um sujeito intencional que decide sobre
seus atos de forma livre e individual, mas um sujeito constituído no corpo social, que
age de acordo com a ideologia que o determina.

Segundo Orlandi (2002, p. 49), o sujeito do discurso tem essa peculiaridade


de, ao mesmo tempo, ser sujeito de e estar sujeito a. Ao dizer que o sujeito é
sujeito de a autora está se referindo ao desejo inconsciente que o constitui, e
estar sujeito a representa a submissão desse sujeito à ideologia através de sua
relação constitutiva com a língua e com a história, pois ele “[...] é afetado por
elas [...]” ao produzir sentidos. Assim, nessa teoria, não temos nem a hipertrofia
do sujeito, caracterizada por concepções que consideram o sujeito centrado,
inteiro; nem sua completa submissão, pois ele não é só reprodutor de sentidos
na medida em que é capaz de alterar sentidos e produzir o novo.
Marcas discursivas do sujeito 119

As “formações imaginárias” em Pêcheux


Pêcheux (1997, p. 82) vai buscar na teoria lacaniana do imaginário fundamento
para descrever o funcionamento da produção de sentido sobre os discursos,
ele afirma: “[...] o que funciona nos processos discursivos é uma série de
formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um
a si e ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do
outro [...]”. Neste jogo das formações imaginárias (conforme você pode ver
na Figura 1), o sujeito é levado a acreditar que o que diz é seu, ou seja, que
é senhor do seu próprio dizer. Assim, ele é levado a ocupar o seu lugar em
um dos grupos ou classes de uma determinada formação social. A ideia de
liberdade, portanto, trata-se de uma “ilusão” necessária para que o sujeito não
perceba seu assujeitamento ideológico.

Figura 1. Jogo dos imaginários.


Fonte: Sousa (2012, p. 64).

Na tirinha da Turma da Mônica, apresentada na Figura1, você pode ver


como se dá o jogo dos imaginários que Pêcheux elabora para mostrar como
o sujeito sempre enuncia a partir da imagem projetada do seu interlocutor.
No primeiro quadrinho da tira, a personagem Mônica parece estar feliz, pois
expressa um sorriso e, também, um pouco envergonhada devido ao que tem
a dizer para o personagem Cebolinha. Podemos entender que essa atitude,
bem como a escolha das palavras “certas” para formular seu discurso nessa
situação, se sustentam na expectativa de Mônica sobre a possibilidade de
Cebolinha sentir ciúmes dela, caso ela namorasse com outro garoto, pois, no
seu imaginário, Cebolinha poderia ocupar a posição de namorado dela.
No entanto, no segundo quadro da tirinha, a expressão facial de Mônica
muda totalmente para uma expressão de frustração ou indignação, que se dá
120 Marcas discursivas do sujeito

diante da reação de Cebolinha que foi contrária àquela esperada por ela. Em
vez de lamentar a possível “perda” de Mônica para outro menino, lamenta
pelo suposto menino, demonstrando que ele sequer pensava na possibilidade
de ocupar a posição de namorado de Mônica, até mesmo porque revela em seu
discurso que essa seria uma condição que o deixaria “tliste”. A frustração da
personagem é tão evidente que ela sequer responde a Cebolinha, o que pode
indicar que a reação dele foi totalmente inesperada em relação ao sentido que
Mônica pretendia produzir com seu dizer, isto é, provocar ciúmes no amigo.
Nessa breve análise foi explicitado um dos modos de funcionamento do jogo
dos imaginários, a partir do qual o sujeito enuncia produzindo projeções de
seu interlocutor que nem sempre correspondem ao esperado, como aconteceu
com a personagem Mônica. Conclui-se, assim, que não há determinação do
sujeito sobre o sentido de seu dizer, pois ainda que possa ser formulado de
acordo com o suposto sentido que se pretende produzir, não há garantias que
o efeito de sentido produzido corresponda àquele idealizado pelo sujeito que
enuncia. A produção de sentido de um discurso depende sempre do outro que
o interpreta, e não somente daquele que o profere.

Marcas discursivas
Pode-se dizer que buscar as marcas discursivas do sujeito em uma discursivi-
dade específica é fazer uma análise do modo como quem produz um discurso
está se posicionando em relação àquilo que é dito/escrito. Na prática de análise
discursiva, costuma-se perguntar: como foi possível que determinado discurso
viesse a ser produzido? Especificamente, busca-se saber quem produziu esse
discurso e qual sua posição em relação ao tema tratado, a quem foi dirigido
este discurso e por quê, em que condições sociais e históricas este discurso
foi produzido e qual é a relação entre este discurso e a formação ideológica
dominante da sociedade na qual ele circula.
Essas e muitas outras questões podem ser feitas de uma perspectiva discur-
siva, dependendo da investigação que o analista pretende produzir sobre um
discurso tomado como objeto. Você deve lembrar que cada analista só pode
analisar aquilo que lhe inquieta ou motiva enquanto sujeito e, por isso, um
mesmo discurso analisado por diferentes sujeitos (com diferentes perguntas
e motivações) também pode ser interpretado de maneiras distintas. Nessa
teoria, não há nem o primado do sujeito nem o primado do sentido, isto é,
nem o sujeito e nem as linguagens são determinantes para a produção de um
sentido exato, ou correto, tudo depende do ponto de vista de quem empreende
Marcas discursivas do sujeito 121

a análise e das leituras que esse sujeito será capaz de mobilizar sobre o objeto
discursivo. Sobre a relação entre sujeito e sentido, lemos em Henry (1997, p.
139-140) que:

Enunciar que a apropriação do conceito [...] implica uma noção de forma-


-sujeito equivale a fazer do sentido um efeito ao mesmo tempo ideológico
e subjetivo. Considerar assim o sentido indica que ele não pode estar
relacionado com a forma-sujeito “indivíduo-sujeito”, ser procurado nas
palavras, no texto ou no discurso de um indivíduo, mas na relação desse
texto [...] com outros textos, outras palavras, outros discursos, relação na
qual esse sentido se constitui enquanto efeito ideológico. Ao mesmo
tempo, essas relações com outros textos [...] não se dão com quaisquer
textos.

O sentido, portanto, como efeito ideológico, não seria originado por um ato
individual de utilização da língua por um sujeito para expressar determinado
sentido que lhe convém. A interpretação de um texto, de palavras, ou imagens
utilizadas por um sujeito na formulação de seu discurso será feita por outro
sujeito, que, neste processo de produção de sentido, deve perceber a relação
mantida entre esse discurso com outros textos, palavras ou discursos que
com ele dialogam e que podem estar, ou não, inseridos na mesma formação
discursiva (FD).
Nos estudos enunciativos, fala-se sobre a “função responsiva” do discurso,
para indicar que todo o discurso está inserido em uma cadeia de discursos
que o antecederam e que ajudam a situar um discurso em relação ao sentido
que sobre ele pode, ou deve ser produzido. Na teoria do discurso, esse fun-
cionamento é teorizado por meio da noção de ordem do discurso, que seria
uma continuidade de discursos que se encadeiam sem um limite final ou
início definido.
Se pensarmos nos variados gêneros discursivos (orais, escritos e não ver-
bais), é possível lembrar que eles têm uma estrutura própria que já indica seu
modo de interpretação. Uma notícia de jornal, por exemplo, responde a um
padrão que determina o tipo de linguagem, as informações e o modo narrativo
que serão empregados em sua formulação, pois são previamente determinados
(social e historicamente). Assim, também ocorre com uma receita médica,
cujo texto deverá versar sobre a prescrição e a posologia de determinado
medicamento, utilizado como tratamento de um problema de saúde específico
e para um sujeito específico. O texto narrativo, o poema, a carta, a piada, o
recibo, o artigo científico e tantos outros gêneros de discursos trazem, em sua
122 Marcas discursivas do sujeito

estrutura, marcas que situam o sujeito, tanto sobre o modo de apresentação


ao qual deve obedecer sua formulação como ao modo de interpretação mais
apropriado para determinado gênero de discurso.
Observe a tirinhas da Turma da Mônica, nas Figuras 2, 3 e 4, e relembre
o que leu até aqui sobre as marcas discursivas do sujeito.

Figura 2. Magali.
Fonte: Sousa (2012, p. 19).

Na tirinha, que intitulamos Magali, temos uma ação que é marcada pela
expressão facial da personagem Mônica, desde o primeiro quadrinho, que passa
de tranquila para preocupada e, depois, surpresa. No terceiro quadro, Mônica
revela verbalmente sua angústia à Magali – que permanece serena ao longo
de todos os quadros. Não só o que Mônica diz em seu discurso, mas também
o modo como ela diz, com expressão de surpresa, indicam que ela atua sobre
o pré-construído de que Magali não é capaz de passar dois quadrinhos sem
comer. Essa expectativa de Mônica se deve à característica mais marcante
da personagem Magali, que é ser uma menina comilona e, por isso, aparecer
comendo nos quadrinhos é uma regularidade que reforça essa característica.
O humor, entretanto, não se dá a partir da frustração da expectativa de Mônica
pela atitude de Magali nos dois primeiros quadrinhos, ao contrário, no mesmo
momento em que Mônica expressa sua aflição, Magali aparece comendo um
sanduíche, confirmando a expectativa da amiga e levando o leitor a reconhecer
a marca característica de Magali nas histórias da Turma da Mônica: estar
sempre comendo.
Marcas discursivas do sujeito 123

Figura 3. Cascão.
Fonte: Sousa (2012, p. 56).

Na Figura 3, que intitulamos Cascão, as amigas Mônica e Magali imaginam


à qual raça de cachorro gostariam de pertencer, caso fossem cachorros. Ao
verem o personagem Cebolinha, elas supõem jocosamente também uma raça
para ele, a partir da identificação com seu cabelo. No entanto, ao se referirem
ao Cascão, não expressam verbalmente a raça que elas estavam atribuindo a
esse personagem, pois, a partir da atitude de Cascão (que aparece mexendo
em uma lixeira) tanto as amigas como o leitor podem interpretar que a raça
atribuída ao Cascão seria a de vira-lata (expressão comumente utilizada para
se referir a animais sem uma raça definida). Note que essa interpretação só
é possível por meio do reconhecimento de uma regularidade discursiva do
personagem Cascão, que é a aversão à água.

Figura 4. Mônica.
Fonte: Sousa (2012, p. 51).

Na Figura 4, que intitulamos Mônica, a personagem sorridente dirige a


um espelho a reiterada pergunta dos contos de fadas no primeiro quadrinho.
124 Marcas discursivas do sujeito

A resposta do espelho, no segundo quadrinho, leva à mudança de expressão


facial e corporal de Mônica, que parece incomodada com o imaginário do
espelho sobre ela. No entanto, advertindo-a de que “[...] dá azar quebrar espe-
lhos!”, o espelho retoma uma marca da personagem: reagir de forma violenta
sempre que é contrariada. A advertência também indica que a resposta do
espelho não coincidiria com a expectativa de Mônica ao lançar a pergunta.
Ao mesmo tempo, essa resposta, junto à reação de Mônica de não reconhecer
um traço característico de sua subjetividade, a agressividade, geram o efeito
de humor da tirinha.
Note que cada personagem da Turma da Mônica é caracterizado de modo
a se diferenciar dos demais, mas personagens de histórias em quadrinho
não têm uma existência na realidade empírica, sua existência é ficcional,
embora suas marcas discursivas sejam passíveis de serem analisadas, pois há
uma materialização desses personagens e de suas características no plano da
linguagem dos quadrinhos por meio de um discurso que pode ser analisado.
Analisar marcas discursivas do sujeito significa analisar tudo o que é material-
mente produzido para gerar interpretações. Como já foi dito, o sentido de um
discurso depende de um sujeito que o interprete e, assim, com ele estabeleça
uma relação dialógica.

Exemplo de análise das marcas discursivas do


sujeito no artigo A memória na cena do discurso
Indursky (2011), no artigo A memória na cena do discurso, propõe uma análise
discursiva tomando o discurso do descobrimento do Brasil como uma forma-
ção discursiva. A partir do recorte de uma materialidade verbal, a Carta de
Caminha (1500) ao rei de Portugal, informando a respeito do descobrimento
do Brasil; da representação pictórica da Primeira Missa no Brasil na tela
de Victor Meirelles (1861), apresentada na Figura 5, que retoma uma cena
da carta de Caminha; de uma marchinha de carnaval, intitulada História
do Brasil, composta por Lamartine Babo (1934); e de um cartoon de Uberti
(2000), intitulado A Primeira Árvore, que é uma manipulação sobre a pintura
de Meirelles, a autora produz uma análise contrastiva entre as diferentes obras
para explicitar o posicionamento do sujeito em relação ao imaginário sobre o
descobrimento do brasil apresentado em cada uma delas.
Marcas discursivas do sujeito 125

Você encontra a Carta de Caminha no link ou no


código a seguir (CAMINHA, 1500):

https://goo.gl/PgLjok

Figura 5. Primeira missa no Brasil, na tela de Victor Meirelles (1861).


Fonte: Meirelles (1861).

A autora faz sua análise em três tempos. O primeiro deles é a apresentação


da obra de Meirelles (1861), para remeter o primeiro e segundo planos da tela
Primeira missa no Brasil a sequências discursivas de referência recortadas
da Carta de Caminha (1500). Sequências estas que estabelecem um “lugar
de memória”, para que Meirelles pudesse produzir sua paráfrase pictórica da
primeira missa rezada no Brasil por meio de sua tela. Indursky (2011, p. 75) diz
que essa tela representa o imaginário no Brasil sobre a “descoberta”, apresentada
como um discurso que se inscreve no “regime de repetibilidade”, gerando a
regularização de saberes que passaram a fazer parte da “memória coletiva”
(HALLBAWACS, 1950) nacional devido a sua repetição ao longo do tempo.
126 Marcas discursivas do sujeito

Segundo a autora, os livros didáticos consolidaram esse imaginário, pos-


sibilitando o jogo de repetição discursiva, até sua cristalização em redes de
memória atualizadas em redes discursivas de formulações (INDURSKY,
2011, p. 76). No entanto, o sentido não só se repete, ele também se desloca.
Pêcheux (2015), no texto Papel da Memória, diz que a memória não é um espaço
regularizado, mas um espaço móvel de contradição, disjunção e retomadas.
O interessante, como Indursky (2011, p. 77) explicita, é perceber que, mesmo
após 300 anos, um discurso pode se inscrever na mesma formação discursiva
sustentada pela mesma matriz de sentido, produzindo um efeito de retorno,
ainda que as posições-sujeito tenham se alterado ao passar dos tempos.
No segundo tempo da análise, o objeto discursivo analisado é uma marchinha
de carnaval, História do Brasil, composta por Lamartine Babo (1934), na qual
há o retorno do discurso do descobrimento consolidado pelos livros didáticos;
mas, diferentemente destes, a música produz deslizamentos na interpretação do
evento. Ao dizer que “Cabral inventou o Brasil”, em vez de “descobriu o Brasil”,
tradicionalmente repetido em livros didáticos. Babo parece não se inscrever na
mesma posição sujeito de Meirelles quando este produziu sua tela.

No link ou no código a seguir, você pode ouvir a


marcha de carnaval História do Brasil, de Lamartine
Babo (1934):

https://goo.gl/3ZPqkg

A partir da palavra “inventou” (INDURSKY, 2011, p. 78) outros sentidos


podem ser produzidos sobre o evento histórico do descobrimento, além daqueles
possíveis com base no discurso fundador. O discurso ao qual a marchinha remete
é o mesmo e, inclusive, está filiado a mesma formação discursiva, o que surgiu
de novo foi um deslocamento com relação à posição-sujeito frente ao discurso
fundador, gerando, no interior de uma mesma FD (a do discurso do descobri-
mento) duas posições, uma de identificação com o discurso do descobrimento;
e outra de contra identificação com relação a este discurso, questionando os
saberes dominantes da FD do descobrimento (INDURSKY, 2011, p. 79).
Marcas discursivas do sujeito 127

Resumindo, há um efeito de identificação do sujeito com os saberes da FD


do descobrimento, quando tomamos os posicionamentos de sujeito evidenciados
na Carta de Caminha e na tela Primeira missa no Brasil. Essas discursividades,
carta e tela, atuam como pré-construídos desse discurso dominante, o discurso
do colonizador do Brasil, o mesmo reproduzido através dos livros didáticos
nas escolas do país. No entanto, o posicionamento da marchinha de carnaval
questiona os saberes da FD do descobrimento, possibilitando que novas redes
de sentido atravessem o discurso fundador. Assim, percebe-se que o trabalho
da memória pode tanto fazer retornar como emergir novos sentidos.
No terceiro tempo da análise, Indursky apresenta uma nova rede de saberes
a respeito do discurso do descobrimento, a partir de um material que reproduz
a exposição de cartoon em comemoração aos 500 anos do “descobrimento”,
do qual ela recorta um cartoon de Uberti (2000). Nesse cartoon, o autor
renomeia a obra Primeira missa do Brasil, de Meirelles, como A Primeira
Árvore, desencadeando uma nova rede de sentidos que pode se relacionar ao
discurso da devastação das florestas, iniciado pela retirada de madeira para
a produção da cruz da primeira missa.
Uberti fez, além da alteração do título da obra de Meirelles, a introdução
de uma motosserra na cena, a qual aparece na mão de um português, que antes
segurava um chapéu (INDURSKY, 2011, p. 81-82). Nas redes de memória atu-
alizadas pela contradição posta no discurso de Uberti sobre a primeira missa,
emerge a extinção do pau-brasil, a extorsão das riquezas naturais brasileiras,
dos minerais de nosso solo, das nossas florestas e da fauna. Instituir uma nova
rede de sentidos, produz o deslizamento dos saberes do discurso fundador do
colonizador, que faz do “descobrimento” um evento memorável, para um discurso
do brasileiro que conhece as consequências negativas do processo de coloniza-
ção, ou seja, estabelece outra formação discursiva. Segundo Indursky (2011),
essa interpretação do cartunista produz uma tensão, que resulta na desidenti-
ficação dessa posição sujeito com relação à FD do discurso do descobrimento,
identificando-se, a partir dos saberes que mobiliza, com outra memória: aquela
que instaura a ruptura com o discurso regularizado, estabilizado.
A análise de Indursky sobre a substituição do chapéu por uma motosserra
explicita o processo, denominado por Pêcheux (1997) “ponto de encontro
entre uma atualidade e uma memória”, pois no cartoon é proposto um des-
locamento temporal que tira o sujeito português, situado no século XVI,
de cena para trazê-lo ao século XX (ano 2000), apresentando outra FD: a
do discurso pós-colonialista (INDURSKY, 2011, p. 84). Pela atualização
presente da memória do descobrimento, o sujeito reorganiza (questionando;
criticando; polemizando; denunciando) os saberes da FD do discurso do
128 Marcas discursivas do sujeito

descobrimento, propondo outra FD, da qual derivam novas redes de saberes.


Indursky (2011) chama atenção para o caráter heterogêneo da memória que
não corresponde apenas a uma FD, mas aponta para diferentes regiões do
interdiscurso. Assim, é possível que uma memória, por mais regularizada
que seja, faça ecoar saberes não coincidentes.
A autora faz uma retomada dos posicionamentos de sujeito analisados, nas
diferentes materialidades, com relação à FD observada, de modo que a Carta
de Caminha e a tela Primeira missa no Brasil de Meirelles estão em posição
de identificação com a FD do descobrimento. A marchinha de Babo apresenta
uma posição de contra identificação, pois ainda está nessa FD.
No entanto, o cartoon de Uberti instaura uma nova rede de saberes, atuali-
zando a memória do descobrimento, mas reorganizando seus saberes derivando
para outra interpretação, outro efeito de sentido com base na posição sujeito
do brasileiro que não se identifica e nem se contra identifica com a FD do
descobrimento, pois se desidentifica dessa FD, ainda que a retome, para che-
gar a outro recorte do interdiscurso. Indursky (2011, p. 86) resume: “Não dá
para interpretar uma atualidade sem mobilizar a memória.”. A repetibilidade,
portanto, não é da mesma ordem, como explicitou a análise, pois, assim como
promove a regularização dos saberes, possibilita deslocamentos desses saberes,
ou seja, sua desregularização por meio da produção de sentidos outros.

Não existe uma categoria única que pode assumir a função de marca discursiva – ela
pode ser tanto um verbo ou um adjetivo como uma imagem, de acordo com os
exemplos analisados.

Você pode ver outra análise discursiva acessando o


link ou o código a seguir (SIMÕES, 2015):

https://goo.gl/J8PYC7
Marcas discursivas do sujeito 129

BABO, L. História do Brasil. [S.l.: s.n.], 1934. Música. Disponível em: <https://www.va-
galume.com.br/lamartine-babo/historia-do-brasil-marchacarnaval.html>. Acesso
em: 31 ago. 2017.
BENITZ, J. A. Game of Thrones para adultos. São Paulo: Observatório da Imprensa, 2017.
Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/dilemas-contemporaneos/
game-of-thrones-para-adultos/>. Acesso em: 21 ago. 2017.
CAMINHA, P. V. A carta de Caminha. Rio de Janeiro: Educação Pública, 1500. Disponível
em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0015.html>.
Acesso em: 31 ago. 2017.
HENRY, P. Os fundamentos teóricos da “Análise Automática do Discurso” de Michel
Pêcheux (1969). In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do
discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: UNICAMP,
1997.
INDURSKY, F. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, F.; MITTMANN, S.; FER-
REIRA, M. C. L. (Org.). Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado
de Letras, 2011. p. 67-89.
MEIRELLES, V. Primeira missa no Brasil. 1861. 1 original de arte. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/09/primeira-missa.jpg>.
Acesso em: 31 ago. 2017.
ORLANDI, E. P. Textualidade e discursividade. In: ORLANDI, E. P. Análise de discurso:
princípios e procedimentos. 4. ed. Campinas: Pontes, 2002.
PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, F.; HAK, T.; MARIANI,
B. S. C. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux. 3. ed. Campinas: UNICAMP, 1997.
PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, P. et al. Papel da memória. 4. ed. Cam-
pinas: Pontes, 2015.
SIMÕES, P. R. O deslizamento de sentido no funk ostentação. In: FLORES, G. G. B.; NECKEL,
N. R. M.; GALLO, S. M. L. Discurso, cultura e mídia: pesquisas em rede. Palhoça: Unisul, 2015.
p. 115-124. Disponível em: <http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/
linguagem/pesquisa/Discurso%20cultura%20e%20midia2.pdf>. Acesso em: 01 ago.
2017.
SOUSA, M. Mônica está de férias! Porto Alegre: L&PM, 2012.
UBERTI. Primeira árvore (manipulação sobre pintura de Victor Meirelles). In: VASQUES, E.
Catálogo da exposição Humores Nunca Dantes Navegados: O Descobrimento segundo os
cartunistas do Sul do Brasil. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2000.
VERÍSSIMO, L. F. O gigolô das palavras. Porto Alegre: L&PM, 1982. (Novaleitura, 8).
130 Marcas discursivas do sujeito

Leituras recomendadas
HAROCHE, C. Análise crítica dos fundamentos da forma sujeito (de direito). In: HARO-
CHE, C. Fazer dizer, querer dizer. São Paulo: Hucitec, 1992.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio (1975). Campinas:
UNICAMP, 1997.
SIMÕES, P. R. A noção de trabalho representada pela imagem e interpretada pela pala-
vra. 2007. 167 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/10183/14984>. Acesso em: 30 ago. 2017.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

Neste vídeo, você vai ver uma análise das marcas discursivas do sujeito em um artigo de
opinião. A partir de um excerto do artigo “Cena de sangue num bar”, de Álvaro Pereira Júnior,
são identificadas algumas marcas discursivas que sublinham o posicionamento do autor do
artigo quanto ao tema tratado em seu texto.

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EXERCÍCIOS

1) Na Turma da Mônica há uma marca discursiva que remete ao personagem


Cebolinha. Assinale a alternativa em que é apresentada a principal marca subjetiva
desse personagem:

A) Aversão à água.

B) A troca do “r” pelo “l”.

C) O interesse por planos infalíveis.

D) O uso da expressão "sô".

E) Grande apetite.

2) Nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, é reiterada uma marca discursiva


da personagem Mônica, cujo reconhecimento é necessário a fim de que o leitor
entenda o efeito de humor causado pelo coelho que aparece nas historinhas. Assinale
a alternativa em que essa marca subjetiva relacionada ao coelhinho é apresentada:

A) Ter dentes grandes.


B) Usar a força para obter o que deseja.

C) Grande apetite.

D) Trocar o “r” pelo “l”.

E) Aversão à água.

3) No trecho a seguir, extraído de um artigo de opinião, um comentário marca a


posição-sujeito do autor desse artigo quanto ao posicionamento sustentado pelo autor
de um artigo publicado na Folha de São Paulo: "Recentemente, foi publicado um
artigo na Folha de São Paulo chamando, por tabela, de idiota quem gosta de Game of
Thrones. Para desqualificar qualquer um que goste dessa série, recorre a uma obra
intitulada Crônicas Saxônicas, que ele compara e diz ser Game of Thrones para
adultos. Típico de intelectual que quer se mostrar culturalmente superior."

Qual é o posicionamento do autor do trecho em relação à posição sustentada pelo


autor do artigo da Folha de São Paulo a respeito da série Game of Trones?

A) Contrário.

B) Favorável.

C) Imparcial.

D) Neutro.

E) Indiferente.

4) Pêcheux formula a noção de formações imaginárias a partir de um conceito


desenvolvido por qual psicanalista?
A) S. Freud.

B) D. Winnicott.

C) M. Klein.

D) C. G. Jung.

E) J. Lacan.

5) "Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras
seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria
tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um
marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, temores e obséquios ele
consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos,
etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática
precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda." (Luís Fernando
Veríssimo, em "O gigolô das palavras". Porto Alegre: L&PM, 1982.)

Neste trecho, Luís Fernando Veríssimo mostra qual posicionamento quanto à


obediência de regras gramaticais por parte dos escritores? Assinale a alternativa
CORRETA:

A) Imparcial.

B) Favorável.

C) Contrário.

D) Indiferente.
E) Indeciso.

NA PRÁTICA

As marcas discursivas do sujeito podem ser encontradas em todos os gêneros do discurso, elas
podem ser verbais ou não verbais, pois assim como os signos linguísticos, as formas, as cores e
as imagens podem também auxiliar na interpretação de determinado material simbólico.

O gênero publicidade traz, em geral, essas materialidades funcionando de forma conjunta


quando, por meio do uso de signos verbais e/ou não verbais, produz uma narrativa dirigida a
determinado leitor.

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Saiba mais sobre as marcas discursivas do sujeito na tese de Doutorado sobre Rumor(es) e
Humor(es) na circulação de hashtags do discurso político ordinário no Twitter, de Juliana
da Silveira.

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Leia o artigo de Elaine de Moraes Santos sobre A produção de um efeito de copresença


Lula-Dilma no discurso político-midiático de semanários brasileiros em 2010, onde aborda
a questão de pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso (AD) de linha
francesa.

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Argu(meme)ntando Argumentação, discurso digital e modos de dizer


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Sujeito, ideologia, texto e contexto,
sentidos

APRESENTAÇÃO

O objetivo da Análise do Discurso, para Eni Orlandi, é compreender como um texto produz
sentidos. Para isso, é preciso perceber o entrecruzamento de importantes conceitos, como o de
sujeito e o de ideologia. Nesta Unidade de Aprendizagem, você verá que as noções de sujeito,
ideologia e sentidos são elaboradas teoricamente na Análise de Discurso de modo distinto
daquele considerado pela Teoria da Enunciação ou pela Linguística Textual. Da mesma forma,
verá que o texto e o contexto são percebidos de maneira diferente por essas teorias.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer as noções de sujeito, ideologia e sentido nos estudos da Análise de Discurso.


• Identificar as noções de texto e contexto nos estudos da Linguística Textual, da
Enunciação e da Análise do Discurso.
• Relacionar as noções de sujeito, ideologia e texto com a produção de sentidos de um
discurso.

DESAFIO

Um texto nem sempre conta com linguagem verbal, uma imagem pode ser interpretada como
um texto não verbal e ser cheia de possibilidades de sentido. Tendo isso em mente, veja a
imagem a seguir.
Você deve realizar uma breve análise deste texto, observando os elementos externos a que ele
faz referência e buscando compreender como se dá a construção do humor nesse texto.

INFOGRÁFICO

A noção de texto pode ser definida diferentemente, dependendo da abordagem teórica pela qual
a olhamos. Da mesma forma, a noção de contexto é entendida de maneiras diferentes nas
diversas teorias que a estudam. Assim, neste infográfico você vai compreender como a noção de
texto e contexto é percebida em três diferentes teorias: a Linguística Textual, a Teoria da
Enunciação e a Análise do Discurso.
CONTEÚDO DO LIVRO

Você verá que as noções de sujeito, ideologia e sentido são elaboradas teoricamente na Análise
de Discurso, de modo distinto daquele considerado pela Teoria da Enunciação ou pela
Linguística Textual. Da mesma forma, verá que o texto e o contexto são percebidos de maneira
diferente por essas teorias.

Assim, após a leitura do capítulo Sujeito, Ideologia, Texto e Contexto, Sentidos, do livro
Linguística Avançada, será possível compreender como um texto produz sentidos, qual é a
relação de um texto com o discurso, com a ideologia e o sujeito pelo viés da Análise do
Discurso em contraponto a outras teorias dos estudos da linguagem.

Boa leitura.
LINGUÍSTICA
AVANÇADA
Debbie Mello Noble
Priscilla Rodrigues Simões
Laís Virgínia Alves Medeiros
Sujeito, ideologia, texto
e contexto, sentidos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Compreender as noções de sujeito, ideologia e sentido nos estudos


da análise de discurso.
 Identificar as noções de texto e contexto nos estudos da linguística
textual, da enunciação e da análise do discurso.
 Relacionar as noções de sujeito, ideologia e texto com a produção
de sentidos de um discurso.

Introdução
Neste texto, você irá ver como as noções de sujeito, ideologia e sentido
são elaboradas teoricamente na análise de discurso de modo distinto
daquele considerado pela teoria da enunciação ou pela linguística tex-
tual. Da mesma forma, verá que o texto e o contexto são percebidos de
maneira diferente por essas teorias.

Ideologia, sujeito e sentidos


A discussão a respeito da noção de ideologia em análise de discurso (AD) se
dá a partir da noção de interpelação do sujeito – pelo sujeito da ciência, pelo
sujeito da religião e pelo sujeito do estado –, formulada por Althusser na obra
Aparelhos Ideológicos de Estado, originalmente publicada em 1970. Nessa
obra, o autor diz que “[...] a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos [...]”,
pois “[...] só há ideologia pelo sujeito e para os sujeitos [...]” (ALTHUSSER,
1992, p. 93).
Essa interpelação ocorre de forma inconsciente, por mecanismos que
fazem parte da organização social, os aparelhos ideológicos de estado, os
quais produzem um conjunto de valores e crenças ao qual todos os sujeitos
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 133

deveriam se submeter. Essa seria a realidade empírica, a vida real de todos nós,
na qual estão incluídos nossos deveres e direitos de cidadãos. Dessa forma,
todas as ações que julgamos ter origem em nossa força de vontade seriam, na
verdade, imposições das representações ideológicas.
A ideologia “[...] é uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos
com suas condições reais de existência [...]” (ALTHUSSER, 1992, p. 85) e não
uma escolha individual. Essa noção de ideologia concebe a realidade empírica
como uma relação reflexiva de representações, ou seja, a realidade é uma
“ilusão” criada por nós a partir de nosso lugar social. Toda a prática social
ocorre por meio de e sob uma ideologia; e não há ideologia senão através do
sujeito e para o sujeito, visto que todo o sujeito é interpelado pela ideologia.
Althusser diz que a interpelação é o processo de submissão do sujeito à
ordem sócio histórica na qual ele se encontra e que é vasta de perspectivas
ideológicas, que mantêm entre si relações de consenso, dissenso, intertextu-
alidade, interdiscursividade e atuam no processo de constituição dos sujeitos
e dos sentidos. Situa-se a noção de sujeito juntamente com a de sentido, pois
esses dois elementos se produzem como efeitos na teoria do discurso, pois são
produzidos como efeitos ideológicos. Conforme o autor, todas as evidências
que fazem uma palavra designar uma coisa ou possuir um significado, sob a
ilusão de transparência e da literalidade, tratam-se de um efeito ideológico:
“[...] a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e até aí não há problema – é
um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar.” (ALTHUSSER, 1992, p.
94). As relações constituídas em uma sociedade não são arbitrárias, há sempre
uma filiação a determinada perspectiva ideológica que regula não só o que se
faz em determinada sociedade, mas também como se faz para estar inserido
no lugar social “adequado” em relação ao modelo dominante.
O funcionamento da ideologia se dá pela criação da ilusão de verdade dos
fatos, impedindo a percepção das assimetrias entre o discurso e os efeitos de
sentido sobre ele produzidos. Sobre a noção de formação ideológica, Pêcheux
(1988) diz que é constituída por um complexo de atitudes e representações que
se organiza a partir de inúmeras formações discursivas (FD), que mantêm
entre si relações diversas de antagonismo, aliança e, até mesmo, dominação.
A partir da noção de ideologia, Pêcheux formula a formação discursiva,
a fim de dar conta da repartição e organização dos discursos com relação à
instância ideológica. Assim, as formações discursivas representam diferentes
formas de relação do sujeito com as formações ideológicas (FI) que atuam
no contexto histórico-social, regulando o que pode ou não ser dito a partir
de uma conjuntura determinada. O ponto essencial da noção de formação
discursiva, de acordo com Pêcheux, é que ela não atua somente na natureza
134 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos

dos termos empregados, mas, sobretudo, na forma sintática da combinação


desses termos, por exemplo, o valor das conjunções, advérbios e adjetivos e
suas funções diversas nos enunciados em que aparecem. O autor, então, con-
cebe duas noções distintas para pensar o discursivo: a formação ideológica e
a formação discursiva , sendo que a principal distinção entre elas é o fato de
que podemos ter várias FDs representando uma formação ideológica. Podemos
também dizer que a noção de FI rompe com a possibilidade de existência de
um sentido literal, dado a priori, às palavras, aos enunciados, ou a um texto
(em sua forma verbal e não verbal), pois o sentido produzido sempre será
determinado a partir da ideologia que interpela o sujeito interpretante.
A interpelação ideológica atravessa a constituição do sujeito e do sentido. As
tomadas de posição do sujeito se fazem de acordo com sua inserção em determinada
formação ideológica, via formação discursiva, assim, seu discurso estará sempre
partindo de algum viés da ideologia que o interpela. Pêcheux diz que a ideologia
fornece as evidências de sentido único, que mascaram “[...] o caráter material do
sentido das palavras e dos enunciados [...]” (PÊCHEUX, 1988, p. 160), fazendo o
sujeito não perceber esse processo. Certos sentidos constituídos de acordo com
determinada interpelação/identificação podem ser questionados e um sentido pode
tornar-se outro. Segundo Pêcheux (1988, p. 160): “[...] as palavras, expressões [...]
mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam
[...]”, posições estas que devem ser entendidas como lugares determinados na
estrutura social. Esse processo representa a fragmentação e a dispersão do sentido
que impede sua estabilização. O sentido, portanto, pode ser analisado a partir dos
processos que o constituem e, também, daqueles que o deslocam.

Por ser social, o sujeito está inserido em uma ordem histórica e com ela se relaciona,
seja por meio da identificação, pela contraidentificação ou através da desidentificação
diante dessa ordem. Portanto, não temos um sujeito intencional que decide sobre
seus atos de forma livre e individual, nesta teoria, mas um sujeito constituído no corpo
social, que age de acordo com a ideologia que o determina e o constitui. Apesar de ser
determinado, entretanto, o sujeito também pode transformar, pode construir sentidos
a partir daqueles que lhe são dados a priori pela interpretação.

Pêcheux (1988, p. 173) diz que o sujeito é afetado por dois tipos de esque-
cimento. O esquecimento nº 1 – “[...] o sujeito-falante não pode, por definição,
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 135

se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina [...]” – se dá ao


nível inconsciente quando o sujeito aceita determinada sequência linguística
e recusa outra, a fim de produzir determinados sentidos aceitáveis pela forma-
-sujeito que regula os dizeres possíveis no interior de uma formação discursiva.
No entanto, ele acredita que seu enunciado é a única forma clara e evidente
de dizer o que deseja, desse modo, o funcionamento desse esquecimento
no discurso ocorre ao nível da constituição, ou seja, do interdiscurso, no
momento em que o sujeito seleciona as palavras, as expressões, o tom a ser
usado, a fim de que seu discurso atinja o objetivo desejado (pedir, questionar,
afirmar, ordenar, arguir, ironizar) ao menos em seu imaginário.
O esquecimento nº 2 é, segundo Pêcheux (1988, p. 173), aquele “[...] pelo qual
todo sujeito-falante ‘seleciona’ no interior da formação discursiva que o domina
[...] um enunciado, forma ou sequência, e não outro, que, no entanto, está no
campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva considerada.”.
Essa modalidade de esquecimento se caracteriza pela seleção daquilo
que o sujeito “quer dizer” e do que “não quer dizer”. O funcionamento desse
esquecimento se dá em nível pré-consciente, oferecendo ao sujeito a ilusão
de que seu discurso reflete o conhecimento objetivo que ele tem da realidade,
ou seja, de que é senhor de sua palavra, origem e fonte de sentido. O segundo
esquecimento opera ao nível da formulação, ou seja, do intradiscurso, quando
o dizer é materializado em linguagem e, por isso, pode ser analisado a partir
da sua organização sintática, pois ela é um dos dispositivos materiais que
funcionam como lugar de observação das marcas dos processos conscientes
e inconscientes do sujeito do discurso.
136 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos

Sobre o viés etimológico do termo sujeito


O termo “sujeito” conduz-nos à ambiguidade na teoria do discurso, pois recebe tanto o
sentido de livre e responsável como o passivo e submisso às determinações da ideologia
e do inconsciente. O que leva os analistas a questionarem, como faz Haroche (1992, p.
178) “[...] esta ‘ficção’ de liberdade e de vontade do sujeito: o indivíduo é determinado,
mas, para agir, ele deve ter a ilusão de ser livre mesmo quando se submete [...]”. Sob
essa mesma ilusão, os sujeitos consideram-se livres para exercer sua vontade, mesmo
quando sua filiação à determinada perspectiva ideológica está marcada nos discursos
que ele produz.
Segundo Haroche (1992, p. 158): “[...] o sentido primeiro de “sujeito” (surgido no século
XII) significa: ‘submetido à autoridade soberana’”. Sujeição aparece igualmente na mesma
época; no século XV, são derivadas as palavras “assujeitar” e depois “assujeitamento”. Bloch
e Wartburg nos revelam também que o termo “sujeito”, significando no início “que é
subordinado”, toma, a partir do século XVI, o sentido de “matéria, causa, motivo” e, enfim,
de “pessoa que é motivo de algo, pessoa considerada em suas aptidões.”.

Texto e contexto

Breve percurso pela noção de texto


Quando se fala em texto, há uma dificuldade em defini-lo, o que, no entender
de Eduardo Guimarães (1995) advém de uma impossibilidade na evidência
de seu significado. Isso se explica, para Indursky (2010), em razão de um
pré-construído que circula sobre o texto, de que todo mundo sabe o que ele é.
Assim, é necessário realizar uma volta ao tempo para compreender como
o texto era entendido e realizar um percurso sobre essa noção tão importante
para os estudos linguísticos.
Indursky (2010) chama a atenção para o fato de o texto ser tomado como
central nos estudos da linguagem na Antiguidade, destacando os trabalhos
de Quintiliano e outros, que abordavam a arte de bem falar e bem escrever,
que passava pela abordagem do texto.
No entanto, ao longo da história dos estudos linguísticos, o estudo do texto
foi declinando, em detrimento do estudo das línguas neolatinas, bem como do
surgimento das novas gramáticas, que tinham por objetivo estabelecer novas
línguas, fixando regras para elas.
O foco passa a ser a fixação das regras gramaticais, ignorando o texto como
uma unidade e passando a percebê-lo como encadeamento de um conjunto de
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 137

frases e períodos, o que levou à percepção do texto como um objeto empírico,


o qual não precisa ser teorizado, uma vez que “todo mundo sabe o que é”.
A partir dos estudos de Noam Chomsky, a frase passa a ser o centro dos
estudos linguísticos, considerando o elemento frasal como seu contexto. Indur-
sky aponta para um distanciamento da prática e do uso da língua, fixando-se
os estudos no sistema linguístico.
Somente a partir de Hjelmslev, nos anos de 1940, há o surgimento do texto
como um novo objeto de estudo. O autor entende que é necessário um estudo
da linguagem no qual esteja inserido o texto, de qualquer língua, em qualquer
momento. Ele olha para o texto ainda como algo inserido nos estudos da língua,
como uma extensão, mas abandona o olhar do senso comum.
Nos anos de 1950 e 1960, Indursky (2010, p. 43) ressalta o surgimento de
uma dupla inquietação:

1. Como pensar, teoricamente, o que está além da frase?


2. Um texto é uma simples soma de frases?

Essas inquietações deram espaço a novas formas de estudo, pois enquanto


alguns linguistas preocupavam-se com algo próximo a uma sintaxe do texto,
outros se questionavam acerca da significação, do contexto situacional e do
sujeito falante. Assim, a autora aponta para o nascimento de dois diferentes
objetos: o texto e o discurso e, com eles, várias perspectivas teóricas.
A primeira delas é a linguística textual, a qual surgiu com uma fase
denominada transfrástica, ou seja, buscava entender as regularidades que
transcendiam as frases, sem abandoná-las. Assim, texto era uma sequência
coerente de frases.
A linguística textual se dedica ao estudo do texto, unidade formal re-
sultante de uma manifestação oral ou escrita produzida por um locutor em
um contexto. O produtor de um texto é um sujeito da intenção, aquele que
tem o poder de usar a língua para dizer o que deseja. Ao interlocutor basta,
então, seguir as pistas dos elementos linguísticos sintagmatizados para
compreender o sentido que o texto tem, ou seja, aquele mesmo que o seu
autor desejou transmitir.
Você verá que a análise de textos, nessa teoria, está relacionada à remissão
de itens linguísticos ao seu contexto imediato, seja no âmbito de um texto
ou no da intertextualidade. Aquilo que foge à relação intralinguística, no
processo de produção dos sentidos, é designado formalmente como um
mecanismo determinado pela própria língua: metáfora, hipérbole, antítese,
paradoxo, eufemismo, ironia, entre outras “figuras de linguagem” que con-
138 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos

tribuem para a interpretação de um texto, embora a tentativa de contenção


da polissemia se mostre, muitas vezes, ineficiente para o processo de in-
terpretação textual.
Posteriormente, passou-se a buscar uma gramática do texto, ou seja, o
entendimento do texto por meio de sua descrição e de sua totalidade. Nesse
momento, ocorre uma transferência dos conhecimentos adquiridos sobre a
frase para o âmbito do texto.
A linguística textual, atualmente, caracteriza-se pelo processamento
do texto, percebendo que “[...] não há como dar conta de uma estrutura
profunda do texto, que esteja na base de todo e qualquer texto [...]” (IN-
DURSKY, 2010, p. 45). Assim, passam a considerar em seus estudos o
contexto pragmático, pelo qual fariam associações para ampliar a com-
preensão do texto.

Freda Indursky (2010, p. 52) ressalta que a grande contribuição da linguística textual
é a ultrapassagem das fronteiras do estudo da frase e de ter constituído um novo
objeto de análise, o texto.

Texto e contexto na enunciação


A partir da teoria da enunciação, o texto pode ser visto como equivalente ao
enunciado. A teoria da enunciação afasta-se da noção de língua, enquanto
somente um sistema, e passa a considerar também, segundo Indursky, as
relações externas a esse sistema.
Assim, a frase dá lugar ao estudo da enunciação, conforme aponta Indursky
(2010), considerando elementos externos, como o locutor (aquele que fala) e o
interlocutor (aquele a quem se dirige), além do tempo e do espaço da enunciação.
Dessa maneira, o contexto, na teoria da enunciação, seria o aqui, o agora,
o enunciador e o enunciatário da situação de enunciação. O texto, por sua vez,
ultrapassa seus limites internos, passando a exterioridade a ser considerada
parte integrante dele.
Eduardo Guimarães (1995) propõe que o texto seja considerado como uma
operação enunciativa, propondo que os elementos coesivos sejam relacionados
à exterioridade do texto, submetendo-o à interpretação.
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 139

Para Guimarães, as relações internas têm tanta importância quanto as relações externas.
Isso difere o entendimento da teoria da enunciação daquele proposto pela linguística
textual, que considerava o contexto como apartado do texto, apenas como um apoio
na compreensão dos sentidos. Dessa forma, você pode compreender que um texto
não tem sentido, no ponto de vista da enunciação, se for considerado fora de seu
contexto e de sua situação de enunciação.

Assim, é possível afirmar que, para a teoria da enunciação, “[...] é possível


pensar o texto como uma rede de relações semântico-textuais que espera por
interpretação [...]” (INDURSKY, 2010, p. 56).

Texto, ideologia, sujeito e produção de sentidos

Texto e discurso
O texto, como objeto empírico, possui começo, meio e fim, mas do ponto de
vista da AD, pode ser tomado como um objeto linguístico-histórico, uma
unidade que se estabelece pela historicidade enquanto unidade de sentido
(ORLANDI, 2010).
Assim, ele será, como o discurso, incompleto. Também não será visto
como uma unidade fechada, mas como unidade de análise, podendo ser con-
siderado uma unidade inteira. Ele estabelece relação com outros textos, com
as condições de sua produção, com sua exterioridade, que lhe é constitutiva.
O texto não coincide com o discurso, ele é a materialidade pela qual é
possível ter acesso ao discurso.
Você pode perceber que esse modo de compreender o texto difere das outras
teorias que você viu anteriormente (linguística textual e enunciação). Com a
noção de contexto, isso também ocorre. A AD entende que o contexto não é
algo exterior ao texto, mas sim algo que coincide com ele, está imbricado nele.
Por essa razão, dizemos que a exterioridade é constitutiva em AD.
Orlandi (1996, p. 56) afirma que o “[...] objetivo da AD é compreender como
um texto funciona, como ele produz sentidos, sendo ele concebido enquanto
objeto linguístico-histórico [...]”. A autora estabelece uma diferenciação entre a
história em um texto e a historicidade, como você pode observar no Quadro 1.
140 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos

Quadro 1. Diferenciação entre a história em um texto e a historicidade.

História Historicidade

Cronologia Temporalidade interna ao texto

Evolução

Exterior Relação com o externo que


é próprio ao texto

Complementar Constitutiva

Contexto Materialidade histórica

Acontecimento

Fonte: Adaptado de Orlandi (1996).

A historicidade do texto é o modo de produção de sentidos do texto, uma


vez que a história provê a linguagem de sentidos.
Para compreender um texto, do ponto de vista discursivo, é preciso rela-
cionar os diferentes processos de significação que acontecem no texto, que
são função da historicidade (da história, do sujeito e dos sentidos do texto
enquanto discurso).
Nesse sentido, Orlandi (1996) afirma que o ponto de partida de análise de
um texto deve ser sempre o postulado de que o sentido sempre pode ser outro
e o sujeito não tem o controle daquilo que diz.
O texto é entendido como unidade que dá acesso ao discurso: ele é o lugar da
relação com a representação física da linguagem, é o material bruto de análise.
Apresenta também a seguinte proposta de análise:

 Remeter o texto ao discurso.


 Esclarecer as relações dele com as FD, pensando em suas relações
com a ideologia.

Assim, na perspectiva discursiva, “[...] o texto é lugar de jogo dos sen-


tidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade [...]”
(ORLANDI, 1996, p. 61), como você verá a seguir.
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 141

Produção de sentidos
Como você viu anteriormente, o sentido de um texto se estabelece pelas condi-
ções de sua produção e pela sua exterioridade constitutiva. Indursky (2010, p.
70) ressalta que o sentido não pertence ao texto nem ao sujeito que o produziu,
sendo “[...] resultado da relação entre os sujeitos históricos envolvidos em sua
produção/interpretação [...]”.
As relações de um texto com outros textos possíveis é denominada, na
análise do discurso, de interdiscurso, pois, para Indursky (2010), um texto
é remetido a redes de formulações discursivas em que há a perda da origem
do texto, ou seja, não se sabe mais onde ou quem é a origem de determinado
discurso. O discurso, nesse sentido, está disperso em diversos textos, sendo
relacionado ora com uma, ora com outra formação discursiva, que depende
da filiação de um sujeito.
Assim, o interdiscurso será o lugar dos múltiplos sentidos, de onde o sujeito
“seleciona” (mas não de modo consciente) alguns dizeres e esquece outros,
tomando, portanto, posição em relação às possibilidades de sentido.
Esse movimento é determinado ideologicamente, como você viu anterior-
mente. Para Orlandi (2007, p. 12), é na injunção do sujeito a “dar sentido” e a
significar-se que este se submete à língua, por isso, a questão do sujeito está
tão imbricada a dos efeitos de sentido. Assim, dizer que o sujeito é assujeitado,
significa que a ideologia interpela o indivíduo em sujeito, fazendo com que ele
se submeta à língua, significando-a e significando-se por meio do simbólico
na história (ORLANDI, 2012).
Podemos afirmar que o sujeito é, além de interpelado pela ideologia, atra-
vessado pelo inconsciente, pois “[...] assujeitamento e inconsciente são marcas
decisivas na configuração do que se vai entender por sujeito [...]”, conforme
afirma Ferreira (2007, p. 1). Dessa forma, o sujeito ganha uma posição inter-
valar entre a linguagem, a ideologia e a psicanálise (FERREIRA, 2007), que
são as bases da teoria do discurso, conforme é possível perceber na Figura 1.
142 Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos

Figura 1. Posição do sujeito.


Fonte: Noble (2016, p. 45).

A relação entre sujeito e sentidos pode ser mais bem


visualizada no debate sobre linguagem inclusiva na
dissertação de Medeiros (2016), em que é possível
perceber que o sujeito pode (ou não) ser represen-
tado pela língua, podendo o sujeito (ou não) alterar
a língua para que esta o represente. A autora apre-
senta uma análise de discursos a respeito de língua
e gênero, a partir de textos institucionais e debates
on-line sobre o tema. Acesse a dissertação pelo link
ou código a seguir.

https://goo.gl/bQvhEV
Sujeito, ideologia, texto e contexto, sentidos 145

ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal, 1992.


FERREIRA, M.C. L. A trama enfática do sujeito. In: INDURSKY, F.; FERREIRA, M. C. L.
(Org.). Análise do discurso no Brasil: mapeando conceitos, confrontando limites. São
Carlos: Claraluz, 2007.
GUIMARÃES, E. Texto e enunciação. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 63-67, 1995.
HAROCHE, C. Análise crítica dos fundamentos da forma sujeito (de direito). In: HARO-
CHE, C. Fazer dizer, querer dizer. São Paulo: Hucitec, 1992.
INDURSKY, F. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In: ORLANDI,
E. P.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. M. (Org.). Introdução às ciências da linguagem: discurso
e textualidade. 2. ed. Campinas: Pontes, 2010. p. 33-80.
MEDEIROS, L. V. A. Essa língua não me representa: discursos sobre língua e gênero. 2016.
105 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem)–Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/
handle/10183/149540>. Acesso em: 12 set. 2017.
NOBLE, D. M. “Quem mexeu no meu texto?”: língua, poder e autoria nos dizeres sobre
o revisor de textos da publicidade. 2016. 123 f. Dissertação (Mestrado em Estudos
Linguísticos)– Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. Dispo-
nível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149534>. Acesso em: 11 set. 2017.
ORLANDI, E. P. Análise do discurso. In: ORLANDI, E. P.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. M.
(Org.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. 2. ed. Campinas:
Pontes, 2010.
ORLANDI, E. P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 4. ed. Campinas:
Pontes, 2012.
ORLANDI, E. P. O sujeito discursivo contemporâneo: um exemplo. In: INDURSKY, F.;
FERREIRA, M. C. L. (Org.). Análise do discurso no Brasil: mapeando conceitos, confron-
tando limites. São Carlos: Claraluz, 2007. p. 11-20.
ORLANDI, E. P. Texto e discurso. In: ORLANDI, E. P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos
do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio (1975). Campinas:
UNICAMP, 1988.
DICA DO PROFESSOR

Você já ouviu falar em Discurso da Escritoralidade? Nesta Dica do Professor, você conhecerá
uma nova maneira de compreender os processos de produção de sentido entre o Discurso da
Escrita e o Discurso da Oralidade.

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EXERCÍCIOS

1) Sobre os conceitos de ideologia, sujeito e sentidos, assinale a alternativa CORRETA:

A) A produção de sentidos é arbitrária: o sujeito decide o sentido de um discurso.

B) Sujeito e sentido são determinados ideologicamente.

C) A ideologia é uma escolha individual, ou seja, cada indivíduo escolhe qual ideologia irá
aderir.

D) O sujeito não pode ser relacionado aos sentidos de um discurso, pois nunca escolhe o que
vai dizer.

E) A formação discursiva apenas se relaciona com a noção de sujeito, não tendo relação com
a ideologia e com a produção de sentidos de um discurso.

2) Leia atentamente o texto abaixo: “SÍTIO – Vendo. Barbada. Ótima localização. Água
à vontade. Árvores frutíferas. Caça abundante. Um paraíso. Antigos ocupantes
despejados por questões morais. Ideal para casal de mais idade. Negócio de Pai para
filhos. Tratar com Deus.” A partir dos elementos linguísticos deste classificado, é
possível interpretar que existe uma relação presente que contribui para a construção
de sentidos desse texto.
Sobre isso, assinale a alternativa que explica corretamente essa relação:

A) A linguística textual propõe que o sentido do texto se dá ideologicamente, o que pode ser
observado no trecho "tratar com Deus", que demonstra a produção do texto por um sujeito
religioso.

B) O texto traz elementos intertextuais, que remetem ao episódio bíblico em que Adão e Eva
foram expulsos do Paraíso por provarem do fruto proibido.

C) A relação que explica a produção de sentidos nesse texto é a incompletude do texto,


presente nas frases curtas, conforme propõe a linguística textual.

D) Ao final do classificado temos “Tratar com Deus”, que define QUEM seria o anunciante
desse classificado, ou seja, o enunciador, importante recurso externo proposto pela
linguística textual.

E) A relação observada é com o contexto, ou seja, os elementos do texto que apontam para o
local onde o anúncio foi produzido, como em SÍTIO, dando a entender que se trata de um
local rural.

3) Assinale a alternativa CORRETA em relação às teorias do texto:

A) Hjmeslev propõe que os elementos coesivos sejam relacionados à exterioridade do texto,


submetendo-o à interpretação.

B) Pela proposta da Análise do Discurso, entende-se que o produtor de um texto é um sujeito


da intenção, aquele que tem o poder de usar a língua para dizer o que deseja.

C) A Análise do Discurso entende que o contexto não é algo exterior ao texto, mas sim algo
que coincide com este, está imbricado nele.
D) A partir dos estudos de Noam Chomsky, o texto ganha papel central nos estudos da
linguagem.

E) A enunciação propõe que é necessário um estudo da linguagem no qual esteja inserido o


texto.

4) Assinale a alternativa CORRETA em relação às propostas da Teoria da Enunciação:

A) Na Teoria da Enunciação, o texto “é uma ‘representação’ da relação imaginária dos


indivíduos com suas condições reais de existência”.

B) Para a Teoria da Enunciação, o texto ultrapassa seus limites internos, passando a


exterioridade a ser considerada parte integrante dele.

C) As relações externas, na Teoria da Enunciação, não têm tanta importância quanto a


observação das relações internas de um texto.

D) Na Teoria da Enunciação, a frase é considerada a base dos estudos.

E) A Teoria da Enunciação caracteriza-se pelo processamento do texto, percebendo que não


há como dar conta de uma estrutura profunda do texto.

5) Acerca das propostas da Análise do Discurso (AD), assinale a alternativa


CORRETA:

A) Para a AD, o discurso dá acesso aos sentidos de um texto.

B) Para compreender um texto, do ponto de vista discursivo, é preciso ter conhecimento do


sujeito que o produziu.
C) A relação do texto com a história, na AD, é uma relação de cronologia e evolução.

D) As relações de um texto com outros textos possíveis é denominada, na AD, de


interdiscurso.

E) Para a AD, o aqui, o agora, o enunciador e o enunciatário são as condições de produção de


um texto.

NA PRÁTICA

O sentido de um texto se estabelece pelas condições de sua produção e pela sua exterioridade
constitutiva. Indursky (2010, p. 70) ressalta que o sentido não pertence nem ao texto nem ao
sujeito que o produziu, sendo “resultado da relação entre os sujeitos históricos envolvidos em
sua produção/interpretação”.

As relações de um texto com outros textos possíveis é denominada, na Análise do Discurso, de


interdiscurso, pois um texto é remetido a redes de formulações discursivas. O discurso, nesse
sentido, está disperso em diversos textos, sendo relacionado ora com uma, ora com outra
formação discursiva, que depende da filiação de um sujeito.

Assim, para melhor entendimento dessas noções, será analisado o artigo Identidade sem papel,
onde é preciso destacar as condições de produção do texto, para, então, compreender o processo
de produção de sentido.

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

O texto de Ercília Cazarin, Gestos interpretativos na configuração metodológica de uma


FD, apresenta a configuração metodológica de uma FD de forma prática.

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Leia a dissertação de mestrado, Essa língua não me representa: discursos sobre língua e
gênero, de Laís Medeiros, onde é abordada a relação entre língua e gênero.

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Elementos epistemológicos e metodológicos da Análise Sociológica do Discurso: abrindo


possibilidades para os estudos organizacionais

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Especificidade de uma disciplina de interpretação (a análise do discurso no Brasil): alguns


apontamentos

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