You are on page 1of 4

A imagem: entre o real e o ilusório (?

A palavra “imagem” tem suas raízes na palavra latina “imago” que significa
representação, forma, imitação ou aparência. Portanto, qualquer que seja o problema da
imagem ele é fundamentalmente um problema representacional, ou seja, a imagem, que
é um tipo de representação, não pode ser tratada se não tratarmos antes do que seja uma
representação e seu status ontológico. Para tal, irei me ater a analisar a questão da
imagem, das representações, em Platão e Aristóteles.

a) Platão
É na alegoria da caverna que Platão sintetiza de modo magistral sua visão
filosófica, em geral, e a respeito do conhecimento humano em particular. O texto pode
ser encontrado no livro VII da República e foi alvo de diversos estudos e comentários
durante os anos. Para rememorarmos, no, assim chamado, mito da caverna, pessoas
estão sentadas no chão, no interior de uma caverna, presas pelos pés e pescoços, de
modo que não consigam virá-lo, e são obrigadas a olhar apenas para frente. Essas
pessoas nasceram e foram criadas exatamente dessa forma, dentro da caverna. Por
detrás delas há uma chama que, ao se fazer passar objetos em sua frente, com sua
luminosidade, projeta as sombras destes objetos na parede da caverna para a qual os
prisioneiros estão olhando. Eles consideram, então, as imagens como a realidade em si e
até mesmo nomeiam os objetos que veem (o que eles veem, na verdade, são as sombras
dos objetos projetadas pela luz da chama). Após descrever esse cenário, Platão, através
de Sócrates, faz os seus interlocutores, Glauco e Adimanto, pensarem nas consequências
de se forçar a um desses prisioneiros a abandonar a caverna, forçando-o a ver as coisas,
a natureza, como elas são, e não como são projetadas. Na analogia, devemos buscar ver
as coisas não como são representadas no mundo sensível, mas sim suas ideias, no
mundo não sensível. Entretanto, a ideia das coisas é mais real1 do que as coisas como
são representadas, mas disso não se segue que as representações sejam falsas.

1
CF: PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000, p. 319-
322. 515d: “Como achas que responderia a quem lhe afirmasse que tudo o que ele vira até ali não passava
de brinquedo e que somente agora, por estar mais próxima da realidade, e ter o rosto voltado para o que é
mais real é que ele via com maior exatidão” (grifo meu).
Em resumo, é esse mesmo o panorama da filosofia platônica no que diz respeito
ao conhecimento e às coisas conhecidas. Tudo que temos aqui no mundo sensível, para
usar a terminologia do filósofo, é uma mimese: cópia, imitação das ideias das coisas –
que é o que há de mais real. Dito de outro modo:

A caverna é o nosso mundo visível; a luz da fogueira em seu interior é o sol; a subida
da caverna em direção ao mundo exterior é a ascensão da alma à esfera inteligível; o
sol é a forma do Bem; os olhos, a inteligência; a visão, o conhecimento, e os objetos
visíveis fora da caverna são as Formas platônicas, o verdadeiro objeto do
conhecimento.2

Nota-se, nessa brevíssima exposição da visão platônica, que, embora as coisas


que vemos sejam apenas representações do que é real, não significa que elas sejam
falsas ou ilusórias3. Absolutamente. Ao contrário, embora não sejam a realidade, são
uma parte da realidade: a parte representacional do que é real e tem algum grau de
realidade. Agora, é claro que, dentro dessa perspectiva, as pessoas podem cometer o
engano de tomar a aparência pela realidade (pelas ideias). Entretanto, isso não diz tanto
a respeito das coisas, das representações, quanto da falibilidade do conhecimento ou do
julgamento humano. Não é um problema de ontologia, mas de epistemologia.

b) Aristóteles
Em Aristóteles temos um conceito basilar na questão de como pensamos sobre
as coisas: são as categorias. De modo bem simples, segundo Aristóteles, o Ser se deiz
de muitos modos4 e as categorias são os modos pelos quais o ser se diz. Essas categorias
são: quantidade, qualidade, relação, lugar, data, posição, posse, ação, e passividade.
Se quisermos pôr num exemplo, podemos dizer de um homem que ele mede 1,70m. O
termo “homem”, nesse caso, é a substância da qual se diz (se predica) que tem 1,70m de
altura. Esse predicado é indicativo de uma quantidade e seria enquadrado nessa
categoria. Ou seja, as nove categorias se referem a todos os possíveis predicados que
uma coisa pode ter. Podemos chamar a substância também de uma categoria (a primeira

¹QUEIRÓS, Antônio José V. de. Os bastidores da caverna de Platão (entrelinhas de uma alegoria). O que
nos faz pensar, n. 24, p. 95-115, out. 2008.
3
No sentido de serem irreais.
4
CLÁSSICOS da Filosofia: Cadernos de Tradução no 14 : Aristóteles Metafísica Livros IV e VI.
Campinas: IFCH/UNICAMP, 2007. P. 1.
categoria, ou a décima). Para nosso filósofo, toda realidade deve ter uma substância, se
não, não seria realidade: seria nada. A substância é a essência da realidade. Portanto,
cada ser (tudo que é) é composto de sua substância e de seus predicados, ou acidentes,
como costumava chamar também. Alguns sapos podem ser grandes ou pequenos,
gordos ou magros, podem ter cores distintas e assim por diante, mas todos são sapos.
Ser sapo é a essência universal encontrada em todos eles. Eles podem distinguir-se com
respeito às categorias particulares ou qualidades, mas há algo que pertence a todos: a
essência de ser sapo (a substância, portanto). Essa distinção aristotélica entre substância
e acidente foi mal utilizada pela Igreja Católica na teoria da transubstanciação dos
elementos da ceia. Segundo essa teoria, o pão e o vinho, no momento da eucaristia,
embora mantenham os acidentes de pão e vinho (cor, forma, gosto, tamanho etc)
mudam sua substância, se tornando o corpo e o sangue de Cristo. Isso envolve um
milagre duplo. Por um lado se tem a substância do corpo e o sangue de Cristo sem os
acidentes do corpo e do sangue. Por outro, se tem os acidentes de pão e vinho sem a
substância do pão e do vinho. Está claro que essa é uma extrapolação da doutrina de
Aristóteles. Nosso filósofo, embora aceite a distinção entre uma substância e seus
acidentes, ele jamais poderia aceitar a separação dessas duas coisas. Ao contrário, para
ele os acidentes de uma substância estão de tal maneira ligados a ela que dela afluem. A
visão de uma maçã sugere a presença de uma macieira, e não de um elefante. Os
acidentes de algo são gerados por sua substância. A título de nota, é isso também que
afirma o filósofo inglês John Locke, quando faz a distinção entre substância e
qualidades e, após isso, entre qualidades primárias e secundárias. As qualidades
primárias servem como o acidente de Aristóteles. São intrínsecas às substâncias, de
modo a ser impossível ter a substância de algo e não ter suas qualidades primárias (em
Locke).
O leitor pode estar se perguntando o que tem isso a ver com o tema de nossa
pesquisa. Essa questão é facilmente respondida. Nossa conclusão dessa análise do
conceito aristotélico de substância indica que, embora possa ser alegado que as imagens,
as representações das coisas, as quais temos acesso, ao são as coisas em si, não sejam a
realidade última, elas não são ilusórias, ao contrário, nos dão uma ideia clara e nítida do
que é real (da essência das coisas). Os acidentes ou as qualidades primárias são as
manifestações externas da substância. Note que isso é mais do que ser uma
representação: é ser uma parte integral da realidade.
Conclusão
Vimos que a imagem, tomada aqui no sentido mais amplo de representação, não, ao
menos não necessariamente, é (ou gera) uma ilusão. Ao contrário, ela é o que torna o
acesso a realidade possível e, com Aristóteles, que também é parte constituinte da
realidade, e não mera representação.

Bibliografia:

QUEIRÓS, Antônio José V. de. Os bastidores da caverna de Platão (entrelinhas de


uma alegoria). O que nos faz pensar, n. 24, p. 95-115, out. 2008.

CLÁSSICOS da Filosofia: Cadernos de Tradução no 14 : Aristóteles Metafísica


Livros IV e VI. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2007. P. 1.

GEISLER, Norman L. e FEINBERG, Paul. Introdução à filosofia – uma perspectiva


cristã. São Paulo: Vida Nova, 1996.
Sproul, R. C. Filosofia para iniciantes; trad. Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova,
2002.
PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA,
2000.

You might also like