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■ GRADUA�AO

Fenômenos de
Transporte
DR. RODRIGO ORGEDA
ESP. HENRYCK CESAR MASSAO HUNGARO YOSHI
Fenômenos de
Transporte
Professor Dr. Rodrigo Orgeda
Professor Esp. Henryck Cesar
Massao Hungaro Yoshi
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor e
Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos
Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William
Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de
Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente
da Mantenedora Cláudio Ferdinandi.
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a
Distância; YOSHI, Henryck Cesar Massao Hungaro; ORGEDA,
NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Rodrigo.
Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James
Fenômenos de Transporte. Henryck Cesar Massao Hungaro Prestes e Tiago Stachon; Diretoria de Graduação
Yoshi; Rodrigo Orgeda. e Pós-graduação Kátia Coelho; Diretoria de
Maringá-PR.: Unicesumar, 2020. Reimpressão, 2021.
368 p.
Permanência Leonardo Spaine; Diretoria de
“Graduação - Híbridos”. Design Educacional Débora Leite; Head de
Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza
1. Fenomeno. 2. Transporte . 3. Química 4. EaD. I. Título.
Filho; Head de Metodologias Ativas Thuinie Daros;
ISBN 978-85-459-2113-4 Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie
CDD - 22 ed. 541.3 Fukushima; Gerência de Projetos Especiais Daniel
CIP - NBR 12899 - AACR/2
F. Hey; Gerência de Produção de Conteúdos
Diogo Ribeiro Garcia; Gerência de Curadoria
Impresso por: Carolina Abdalla Normann de Freitas; Supervisão
do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de
Almeida Toledo; Supervisão de Projetos Especiais
Yasminn Talyta Tavares Zagonel; Projeto
Gráfico José Jhonny Coelho e Thayla Guimarães
Cripaldi; Fotos Shutterstock
Coordenador de Conteúdo Fabio Augusto Genti-
line e Crislaine Rodrigues Galan.
Designer Educacional Janaina de Souza Pontes e
NEAD - Núcleo de Educação a Distância e Amanda Peçanha dos Santos.
Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação Revisão Textual Cintia Prezoto Ferreira e Erica
CEP 87050-900 - Maringá - Paraná Fernanda Ortega.
unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Editoração Lavígnia da Silva Santos.
Ilustração Welington Vainer Satin de Oliveira e
Natalia de Souza Scalassara.
Realidade Aumentada Maicon Douglas Curriel,
Thiago Marçal Surmani, Matheus Alexander de Oli-
veira Guandalini e Kleber Ribeiro da Silva.
PALAVRA DO REITOR

Em um mundo global e dinâmico, nós trabalha-


mos com princípios éticos e profissionalismo, não
somente para oferecer uma educação de qualida-
de, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão
integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-
-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emo-
cional e espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois
cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos
mais de 100 mil estudantes espalhados em todo
o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá,
Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de
300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de
graduação e pós-graduação. Produzimos e revi-
samos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil
exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo
MEC como uma instituição de excelência, com
IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os
10 maiores grupos educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos
educadores soluções inteligentes para as ne-
cessidades de todos. Para continuar relevante, a
instituição de educação precisa ter pelo menos
três virtudes: inovação, coragem e compromisso
com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para
os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as
quais visam reunir o melhor do ensino presencial
e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Co-
munidade do Conhecimento.
Essa é a característica principal pela qual a
Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alu-
nos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é
importante destacar aqui que não estamos falando
mais daquele conhecimento estático, repetitivo,
local e elitizado, mas de um conhecimento dinâ-
mico, renovável em minutos, atemporal, global,
democratizado, transformado pelas tecnologias
digitais e virtuais.
De fato, as tecnologias de informação e comu-
nicação têm nos aproximado cada vez mais de
pessoas, lugares, informações, da educação por
meio da conectividade via internet, do acesso
wireless em diferentes lugares e da mobilidade
dos celulares.
As redes sociais, os sites, blogs e os tablets ace-
leraram a informação e a produção do conheci-
mento, que não reconhece mais fuso horário e
atravessa oceanos em segundos.
A apropriação dessa nova forma de conhecer
transformou-se hoje em um dos principais fatores de
agregação de valor, de superação das desigualdades,
propagação de trabalho qualificado e de bem-estar.
Logo, como agente social, convido você a saber
cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e
usar a tecnologia que temos e que está disponível.
Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg
modificou toda uma cultura e forma de conhecer,
as tecnologias atuais e suas novas ferramentas,
equipamentos e aplicações estão mudando a nossa
cultura e transformando a todos nós. Então, prio-
rizar o conhecimento hoje, por meio da Educação
a Distância (EAD), significa possibilitar o contato
com ambientes cativantes, ricos em informações
e interatividade. É um processo desafiador, que
ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores
oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida
sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que
a EAD da Unicesumar se propõe a fazer.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você
está iniciando um processo de transformação,
pois quando investimos em nossa formação, seja
ela pessoal ou profissional, nos transformamos e,
consequentemente, transformamos também a so-
ciedade na qual estamos inseridos. De que forma
o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabe-
lecendo mudanças capazes de alcançar um nível
de desenvolvimento compatível com os desafios
que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o
Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompa-
nhará durante todo este processo, pois conforme
Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na
transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem
dialógica e encontram-se integrados à proposta
pedagógica, contribuindo no processo educa-
cional, complementando sua formação profis-
sional, desenvolvendo competências e habilida-
des, e aplicando conceitos teóricos em situação
de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como
principal objetivo “provocar uma aproximação
entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita
o desenvolvimento da autonomia em busca dos
conhecimentos necessários para a sua formação
pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de
crescimento e construção do conhecimento deve
ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos
pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar
lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Stu-
deo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendiza-
gem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas
ao vivo e participe das discussões. Além disso,
lembre-se que existe uma equipe de professores e
tutores que se encontra disponível para sanar suas
dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de apren-
dizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquili-
dade e segurança sua trajetória acadêmica.
APRESENTAÇÃO

Caro(a) aluno(a), este livro iniciará seus estudos acerca dos chamados fenô-
menos de transporte, disciplina fundamental para a maioria dos cursos de
engenharia, uma vez que busca explicar como a transferência de momento
(mecânica dos fluidos), de calor e de massa acontecem na natureza. Este
entendimento permite desenvolver processos e equipamentos para diversas
aplicações, mas, mais do que isso, desenvolverá a habilidade de observar e
analisar os fenômenos da natureza.
Suponha que você, buscando concentrar-se melhor na leitura deste livro,
resolva preparar uma xícara de chá. Para isso, você precisará de água, a qual
é fornecida até a sua casa através de longos sistemas de abastecimento que
contam com tubulações, bombas, válvulas e caixas d’água. Entender quais
são as energias associadas ao escoamento de um fluido (neste caso, o fluido
é a água) é um clássico problema de mecânica dos fluidos.
Após colocar a água em um recipiente, será necessário aquecê-la. Isto pode
ser feito de diferentes maneiras, mas consiste, essencialmente, em adicio-
nar energia à água, até alcançar a temperatura desejada – um problema de
transferência de calor. Por fim, resta apenas colocar o saquinho de chá junto
da água, iniciando um processo de infusão – moléculas que dão aroma e
sabor saem das ervas do chá e são transportadas para a água. Tal processo
está relacionado à transferência de massa.
Você poderia então se perguntar: que potência seria necessária para
que a bomba seja capaz de escoar a água da estação de tratamento até
as torneiras de casa? Haverá diferença se você fizer o chá em um dia
mais frio ou em um dia mais quente? Quanto tempo levará até que a
infusão esteja completa? Quanto o chá terá esfriado por estar exposto
ao ambiente? O estudo dos fenômenos de transporte procura responder
a perguntas como essas, estando presente desde situações mais simples
do cotidiano até aplicações complexas por estar inseparavelmente li-
gado à natureza.
O objetivo deste livro é dar um enfoque prático à disciplina de Fenô-
menos de Transporte, apontando os caminhos que você, futuro Enge-
nheiro(a), deverá seguir caso necessite se aprofundar em qualquer um
dos assuntos aqui abordados. Assim, aproveite o processo de aprendi-
zagem e entenda que só não gostamos daquilo que sabemos pouco.
Siga o fluxo de leitura mesmo que naquele momento você não tenha
entendido algum termo. Lá na frente, ele fará sentido. E se mesmo lá
na frente você não entender? Não hesite em buscar outras fontes. Saber
pesquisar é uma das competências que esperamos de um profissional de
Engenharia. Quando tudo se conectar na sua mente, você comprovará
que o conhecimento é realmente libertador!
CURRÍCULO DOS PROFESSORES

Dr. Rodrigo Orgeda


Doutor em Engenharia Química pela UEM, em 2017, na qual trabalhou com simulação e oti-
mização de processos, conceito de biorrefinaria e análise integrada, considerando aspectos
econômicos e ambientais em destilarias de etanol. Mestre em Engenharia Química (2013) na
área de desenvolvimento de novos processos. Possui graduação em Engenharia de Alimentos
(2010) e em Engenharia Química (2014) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Foi
um dos candidatos aprovados, dentre alunos de diversos países, para participar do estágio
de pesquisa do programa Mitacs Globalink, sob a supervisão de membros do corpo docente
da Universidade de Guelph, no Canadá. Parte de sua pesquisa de doutorado foi realizada
na Universidade Rovira i Virgili, na Espanha. Atualmente, trabalha como professor formador
e conteudista dos cursos híbridos de Engenharia da Unicesumar, roteirizando práticas com
metodologias ativas de aprendizagem em disciplinas técnicas e de gestão.
Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/3174430075612030

Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi


Especialista em Gestão Industrial e Negócios pela Universidade Estadual de Londrina (2019).
Graduado com láurea acadêmica em Engenharia Química pela Universidade Estadual de
Maringá (2018). Foi membro bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET – MEC/SESu) de
2014 a 2017. Atualmente, é mestrando em Engenharia Química pela Universidade Estadual
de Maringá, atuando principalmente na área de síntese e otimização de processos por meio
de modelagem e simulação.
Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/1729734963906608
Introdução aos
Fenômenos
de Transporte

13

Introdução à
Mecânica
dos Fluidos

61

Pressão e Estática
dos Fluidos

97
Introdução à
Cinemática
Transferência
dos Fluidos
de Calor

137 257

Equação da
Trocadores
Energia no
de Calor
Regime Permanente

169 297

Introdução à
Escoamento em
Transferência
Condutos Forçados
de Massa

209 331
113 Manômetro de Bourdon
188 Bombas e turbinas na equação da energia
219 Escoamento dos fluidos
281 Efeito do isolamento em tubos cilíndricos
304 Trocadores de calor de tubo e casco

Utilize o aplicativo
Unicesumar Experience
para visualizar a
Realidade Aumentada.
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Introdução aos
Fenômenos
de Transporte

PLANO DE ESTUDOS

Conceitos Fundamentais

Definindo os Fenômenos
Balanço Material
de Transporte

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Definir o que são os fenômenos de transporte: transfe- de transporte, como conversão de unidades e fração
rência de momento (mecânica dos fluidos), calor e massa. mássica.
• Estruturar os conceitos básicos necessários para li- • Estudar o conceito de balanço material, abordando estraté-
dar com os problemas relacionados aos fenômenos gias de resolução e aplicações, como reciclo, bypass e purga.
Definindo
os Fenômenos
de Transporte

Iniciaremos a apresentação dos conceitos desta


disciplina com uma notícia boa: os três fenômenos
de transporte são estudados de forma conjunta,
pois sua natureza é muito parecida, sendo, às
vezes, até matematicamente similares (modelos
matemáticos semelhantes para problemas análo-
gos). Isso quer dizer que, entendendo o conceito
de um dos fenômenos, não será difícil entender
o conceito dos outros. Um ponto fundamental
neste aspecto são as chamadas leis de conservação.
Leis de Conservação: definem que uma propriedade de um sistema isolado não varia
ao longo do tempo. Em outras palavras: a propriedade não se cria, nem é destruída.
Dessa forma, para cada relação de conservação, há uma equação de balanço que
é obedecida pelo sistema. Três dessas leis serão individualmente abordadas nos
capítulos a seguir (veja o Quadro 1).
Fonte: adaptado de Welty, Rorrer e Foster (2017).

Quadro 1 - Leis de conservação e suas equações correspondentes

Lei Equação
Lei da Conservação da Massa Equação da Continuidade
Segunda Lei de Newton Teorema do Momento
Primeira Lei da Termodinâmica Equação da Energia
Fonte: adaptado de Welty, Rorrer e Foster (2017).

As leis de conservação são mais facilmente entendidas observando a forma genérica


das equações de balanço:

Taxa de Entrada  Taxa de Saí da  Taxa de Acúmulo 


   
 no sistema   no sistema   no sistema 

Exemplificando: imagine que o sistema em questão seja uma pia de cozinha. Ao abrir
a torneira, você permite uma entrada de água no sistema. A água que desce pelo ralo,
por sua vez, é a saída de água do sistema. Se você tampar o ralo, você fecha a saída
do sistema, de modo que a pia começa a encher – este é o acúmulo do sistema. Esta
situação ilustra a lei de conservação da massa.
Evidentemente, estamos desconsiderando outras possíveis saídas ou entradas de
água (como a evaporação da água para a atmosfera), mas o intuito aqui é observar a
natureza das leis de conservação: tudo que entra no sistema, ou sai, ou fica. Apesar de
soar como um conceito bastante simples ou, até mesmo, óbvio, as leis de conservação
são instrumentos essenciais para o entendimento dos fenômenos de transporte.

UNIDADE 1 15
Uma segunda observação fundamental acerca dos fenômenos de transporte é:
se há um desequilíbrio de uma propriedade em um meio, a natureza tende a redis-
tribuí-la, até que um equilíbrio seja estabelecido – a esta tendência é dado o nome
de força motriz, frequentemente descrita no contexto dos fenômenos de transporte
como os “gradientes”:
• Mecânica dos Fluidos: gradiente de momento.
• Transferência de Calor: gradiente de temperatura.
• Transferência de Massa: gradiente de concentração.

Caso o significado de “gradiente” ainda seja estranho a você, observe a Figura 1:

Figura 1 - Gradiente de temperatura

O objeto em questão, semelhante a um cilindro metálico, tem duas extremidades, e a


sua cor está representada de acordo com a temperatura em cada ponto do objeto. A
parte azul está a uma temperatura menor, enquanto a parte avermelhada está a uma
temperatura maior. A variação de temperatura ao longo da superfície é gradativa,
aumentando da extremidade azul até a extremidade vermelha. Esta variação gradativa
é o chamado gradiente de temperatura. Os gradientes de momento e concentração
funcionam de maneira análoga.

16 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Neste exemplo, a tendência da natureza é fazer com que a temperatura da super-
fície fique uniforme, transferindo energia da parte mais quente para a parte mais fria
(considerando apenas a superfície, sem nenhuma interferência externa, promovendo
o seu aquecimento ou resfriamento). Isto acontece molécula a molécula, por meio
dos movimentos aleatórios e colisões entre elas – um processo de difusão molecular,
que pode ser descrito por equações. A Tabela 1 compara as equações para as três
propriedades em estudo.
Tabela 1 – Equações unidimensionais para os fenômenos de difusão

Propriedade Lei Equação


Momento Lei de Newton da Viscosidade dv

dy
Calor Lei de Fourier da Condução Térmi- dT
ca q  
dy
Massa Lei de Fick da Difusão dC
JA   DAB
dy

Fonte: adaptada de Hauke (2008).

Neste momento, é importante que você note a semelhança entre as equações


apresentadas na Tabela 1. Este é um exemplo do que foi dito no início: “modelos
matemáticos semelhantes para problemas análogos”. Estão sendo aqui apresen-
tadas apenas para ilustrar esta relação e serão detalhadas nos capítulos a seguir.

Até aqui, você esteve apenas conhecendo o que são os chamados fenômenos de trans-
porte e de que maneira os observamos na natureza. A partir de agora, iniciaremos
um estudo mais direcionado à definição de alguns conceitos básicos para entender e
interpretar os problemas que você irá encontrar durante todo o curso. Aproveitaremos
esta primeira unidade para tratar com mais rigor os chamados balanços materiais,
conhecimento que irá ajudar você a se familiarizar com o uso das leis de conservação.

UNIDADE 1 17
Conceitos
Fundamentais

Agora, revisaremos alguns conceitos que você cer-


tamente já teve algum contato quando estudou
disciplinas básicas de química e física. O objetivo é
fazer isto da forma mais objetiva e direta possível,
para que você possa progredir no estudo dos fe-
nômenos de transporte com tranquilidade. Além
disso, aproveite para se acostumar com alguns dos
muitos termos e notações que serão utilizados até
o fim deste material – literaturas e idiomas dife-
rentes frequentemente utilizam símbolos distintos
para os mesmos parâmetros (como “m” ou “w”
para massa, por exemplo).

18 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Dimensões e Unidades de Medida

Quando se trata de problemas de engenharia, a resposta dificilmente será apenas um


número – ela geralmente será um número acompanhado de uma unidade de medi-
da. Por exemplo: “a altura é de 9 metros”. Esta é uma resposta apropriada. Por outro
lado, ao dizer “a altura é de 9”, você não define a sua unidade de medida, portanto,
é uma resposta incompleta. Poderiam ser 9 centímetros, 9 metros ou, até mesmo, 9
quilômetros.
Uma habilidade fundamental para um engenheiro é ter noção das grandezas que
está trabalhando. Isto permite identificar quando algum valor parece errado e ajuda
a fazer comparações entre situações distintas. Mais ainda, saber trabalhar com as di-
mensões ajuda a interpretar o problema e muitas das grandezas físicas fundamentais
para a engenharia.
O primeiro passo para uma clara compreensão deste tópico é definir a diferença
entre dimensão e unidade de medida.

Dimensão: refere-se à grandeza física em questão, como distância/altura, veloci-


dade, temperatura e tempo.
Unidade de medida: refere-se à forma de expressar as dimensões, como metros
(para a distância/altura), quilômetros por hora (velocidade), graus Celsius (tempe-
ratura) e segundos (tempo).
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

Ao longo deste material, usaremos preferencialmente as unidades do Sistema Inter-


nacional de Unidades (SI): metro (m) para distância, quilograma (kg) para massa,
segundo (s) para tempo, Kelvin (K) para temperatura e mol (mol) para a quantidade
de matéria. Possíveis exceções estarão presentes apenas quando importantes.
Você observará que os cálculos apresentados frequentemente terão os números
acompanhados de suas unidades. É altamente recomendado que você passe a fazer
o mesmo, para que tenha uma melhor compreensão das operações e variáveis que
estiver trabalhando. Vejamos o exemplo a seguir:

UNIDADE 1 19
1 EXEMPLO Temos os seguintes fatores de conversão: uma milha são 5280 pés; um pé são 12
polegadas; uma polegada são 2,54 centímetros. Sabendo que a altura do Everest é de,
aproximadamente, 5,49 milhas, converta este valor para metros.

Solução:

Um método organizado e eficiente de converter unidades é multiplicar o número de


unidade conhecida (no caso, 5,498 milhas) pelos fatores de conversão necessários
(milha-pés, pé-polegadas, polegada-centímetros e, é claro, centímetros-metro). Para
melhor visualização, separaremos cada fator de conversão por uma barra vertical,
que você pode entender como um operador de multiplicação ou parênteses. Observe:
5, 498 milhas 5280 pés
= 29029, 44 pés
1 milha

29029, 44 pés 12 polegadas


= 348353, 28 polegadas
1 pé

348353, 28 polegadas 2, 54 cm 884817, 33 cm 1 m


  8848 m
1 polegada 100 cm

Note que cada uma destas “frações” é igual a um: se uma milha equivale a 5280 pés,
a divisão de 5280 pés por uma milha é igual a um. Isto comprova que não estamos
alterando a altura (dimensão) do Monte Everest, apenas convertendo-a entre dife-
rentes unidades de medida.
Uma maneira prática de acompanhar se você está fazendo as conversões adequadas é
escrever todas as conversões em uma única expressão e “cortar” as unidades que se “cance-
lam”, da mesma forma que provavelmente fez quando estudou matemática e física básicas:

5, 498 milhas 5280 pés 12 polegadas 2, 54 cm 1m


≈ 8848 m
1 milha 1 pé 1 polegada 100 cm

Você pode estar se perguntando: todos estes cálculos não poderiam ter sido resolvidos
por uma série de regra de três? A pergunta é fantástica e significa que seu raciocínio
está no caminho certo! Apesar de podermos utilizar uma série de regra de três para
chegarmos no mesmo resultado, a maneira prática apresentada anteriormente nos
ajuda a visualizar como as unidades irão se cancelar e qual será nossa unidade final.
Acredite, isso será muito útil em cálculos mais complexos, pois será um indicador
para saber se o resultado está correto. Dessa forma, os demais exemplos e problemas
presentes neste material serão preferencialmente resolvidos dessa maneira.

20 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Este exemplo teve por objetivo demonstrar o trabalho com dimensões e unida-
des de medida, por meio de um problema de conversão de unidades. Contudo,
note que o método descrito pode parecer problemático ao trabalhar com tem-
peraturas, pois suas diferentes unidades não estão relacionadas por fatores de
conversão, mas sim por equações. Assim, o correto é avaliar a variação de tem-
peratura: uma variação de 1 °C equivale a uma variação de 1,8 °F, por exemplo.

Frações Mássicas e Molares

Na prática, ao tratar de processos, é fundamentalmente importante conhecer os


componentes que estão presentes em cada uma de suas etapas. Mais do que isso,
frequentemente encontraremos mais de um componente no processo, na forma de
misturas e soluções. Conhecer as proporções em que cada componente se apresenta
permite uma melhor compreensão do sistema, levando a melhores soluções para
possíveis problemas. Para descrever estas proporções, utilizamos as chamadas frações
molares e as frações mássicas.

Fração mássica: a massa de uma substância dividida pela massa total de todos os
componentes da mistura (ou solução) em que ela está presente.
massa de A
fração mássica do componente A  ( x A ) 
massa total
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

Vamos iniciar com um exemplo simples sobre fração mássica de uma solução com
dois componentes.

UNIDADE 1 21
2 EXEMPLO Uma solução contém os componentes A e B, sendo 360 g de A e 700 g de B. Qual é a
composição mássica desta solução?

Solução:
massa de A  360 g 
fração mássica do componente A  x A     0, 34
massa total  360 g  700 g 

massa de B  700 g 
fração mássica do componente B  xB     0, 66
massa total  360 g  700 g 

Conhecendo a fração mássica do componente A, podemos utilizar outra maneira


para determinar a fração mássica do componente B.
x A  xB  1
xB  1  x A  1  0, 34  0, 66

É fundamental notar que a somatória das frações mássicas ou molares deve


sempre ser igual a 1, ou seja, a somatória das porcentagens deve ser igual a 100%.
Matematicamente, para n componentes:
n
 xn  x1  x2  ...  xn1  xn  1
i 1

Uma vez compreendido o conceito de fração mássica, fica fácil entender o conceito
de fração molar, pois são bastante semelhantes.

Fração molar: o número de mols de uma substância dividido pelo número total
de mols da mistura (ou solução) em que ela está presente.
mols de A
fração molar do componente A  y A 
mols totais
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

22 Introdução aos Fenômenos de Transporte


3 EXEMPLO Qual é a composição molar de uma solução que contém os componentes A, B e C
com 1 mol, 5 mols e 3 mols, respectivamente?

Solução:
mols de A  1 mol 
fração molar do componente A  y A     0, 11
mols totais  1 mol  5 mols  3 mols 

mols de B  5 mols 
fração molar do componente B  yB     0, 55
mols totais  1 mol  5 mols  3 mols 

mols de C  3 mols 
fração molar do componente C  yC     0, 33
mols totais  1 mol  5 mols  3 mols 

y A  yB  yC  1

Um tipo de cálculo importante consiste na conversão da fração mássica de uma


solução para fração molar ou o contrário. Para que possamos realizar tal conversão,
faz-se necessário uma informação adicional sobre a massa molar dos componentes
presentes na solução. Além disso, precisamos saber que o número de mols (n) pode
ser determinado pela razão entre a massa do composto (m) e sua massa molar (MM):

m
n=
MM

4 EXEMPLO A tabela a seguir mostra os dados de fração mássica e massa molar de cada composto
presente em uma solução. Dessa forma, calcule a composição molar sabendo que a
solução possui uma massa total de 100 g.

Solução:
Composto Massa Molar (g/gmol) Fração Mássica
A 50 0,20
B 40 0,30
C 20 0,45
D 25 0,05
Total - 1

UNIDADE 1 23
Para o composto A, temos que:
massa de A
xA =
massa total

massa de A = x A . massa total

massa
= de A 0=
, 2 . 100 20 g

Em posse dos valores de massa e massa molar do composto A, podemos facilmente


determinar o número de mols desse composto.
mA 20 g
nA
= = = 0, 40 mols
MM A 50 g

Utilizando o mesmo raciocínio para os outros compostos, chegamos ao seguinte


resultado:
Massa Molar Fração Número de
Composto Massa (g)
(g/gmol) Mássica mols (mols)
A 50 0,20 20 0,40
B 40 0,30 30 0,75
C 20 0,45 45 2,25
D 25 0,05 5 0,20
Total - 1 100 3,60

Finalmente, podemos calcular a fração molar do composto A na solução.


mols de A 0, 40 mols
=yA = = 0, 111
mols totais 3, 6 mols

Fazendo o mesmo cálculo para os outros compostos, obtemos a composição molar


da solução.
Massa Molar Fração Número de Fração
Composto Massa (g)
(g/gmol) Mássica mols (mols) molar
A 50 0,20 20 0,40 0,111
B 40 0,30 30 0,75 0,208
C 20 0,45 45 2,25 0,625
D 25 0,05 5 0,20 0,056
Total - 1 100 3,60 1

24 Introdução aos Fenômenos de Transporte


O objetivo é que você tenha entendido o raciocínio para realizar a conversão, e não
memorizado os passos. Para isso, faça a seguinte pergunta para si mesmo: eu consigo
converter de fração molar para fração mássica? Se a resposta for positiva, você está
no caminho certo! Caso seja negativa, aconselho a analisar o exercício novamente.
Quando estiver trabalhando com soluções e misturas, há também a ideia de “massa
molar média da mistura”, que nada mais é do que uma média ponderada das massas
molares dos componentes, como na equação a seguir:

Massa total da mistura


Massa molar da mistura =
N úmero de mols total da mistura
Massa do Compponente 1 + ... + Massa do Componente n
Massa molar da mistura =
Mols do Componente 1 + ... + Mols do componente n
m1  m2  ...  mn1  mn
MM mistura 
n1  n2  ...  nn1  nn

Sabendo que:
m
n  n . MM  m
MM
Temos que:

n1MM 1  n2 MM 2  ...  nn1MM n1  nn MM n


MM mistura 
n1  n2  ...  nn1  nn

Veja que, se conhecemos a composição da mistura, podemos lançar mão de uma base
de cálculo arbitrária para calcular a massa molar média da mistura. Tente calcular este
valor para a mistura do exemplo anterior. O resultado procurado é de 27,78 g/mol,
que também poderia ser calculado simplesmente dividindo a massa da mistura pelo
número de mols (afinal, esta é a definição da qual partimos para o desenvolvimento
da última equação).
Ao longo deste material, a composição de gases sempre será assumida como dada
em base molar, a menos que seja especificado o contrário. Da mesma maneira, a
composição de líquidos e sólidos será assumida como dada em base mássica, como
é geralmente usada na indústria, a menos que seja especificado o contrário.

UNIDADE 1 25
Balanço
Material

A partir daqui, iremos começar a aplicar as leis


de conservação discutidas no início da unidade,
partindo do princípio de conservação da massa:
a matéria não é nem criada, nem destruída. O
assunto será tratado com certa profundidade, po-
rém, por ser um tópico de caráter introdutório, as-
pectos mais complexos não serão abordados (por
exemplo, sistemas envolvendo reações químicas
e outros que demandem o uso de métodos de
cálculo numérico).

26 Introdução aos Fenômenos de Transporte


A descoberta do princípio de conservação da massa é atribuída ao cientista francês
Antoine Laurent Lavoisier, nascido no dia 26 de agosto de 1743, em Paris. Vindo de
uma família rica, desde jovem estudou em instituições reconhecidas pelo ensino
da ciência. Em 1771, casou-se com Marie Anne Pierrette Paulze, na época com 14
anos. Mesmo jovem, Madame Lavoisier auxiliou em publicações com suas notáveis
habilidades linguísticas e artísticas. Lavoisier publicou seu livro Tratado Elementar
de Química em 1789, ano que deu início à revolução francesa. Devido aos seus
envolvimentos com o estado, o cientista foi guilhotinado em 8 de maio de 1794.
Fonte: adaptado de Partington (1943).

Balanços materiais permitem uma melhor compreensão acerca de um processo,


como uma indústria, por exemplo. Na essência, é semelhante à contabilidade, mas
no lugar de dinheiro, usa-se matéria. Cálculos de balanço material são indispensáveis
para se compreender problemas de fenômenos de transporte, tanto simples quanto
complexos, e são sempre baseados na forma geral das equações de balanço. Assim,
para a matéria:
Taxa de Entrada de   Taxa de Saí da de  Taxa de Acúmulo de 
   
 Mat éria no sistema   Mat éria no sistema   Mat éria no sistema 

Sistemas

Vamos começar por um exemplo: considere um tanque contendo 100 kg de água,


como o da figura a seguir:

100 kg H2O

Figura 2 - Sistema fechado


Fonte: os autores.

UNIDADE 1 27
No contexto da engenharia, é comum o uso da palavra “sistema” para se referir a uma
parte arbitrária do processo que você deseja analisar. Dessa forma, nosso sistema, aqui,
coincide com o próprio tanque. É também usual se referir às “fronteiras do sistema”,
linhas imaginárias (que podem coincidir com partes dos equipamentos e processos)
que dão forma ao seu sistema.
Ainda, um sistema pode ser dito aberto ou fechado: aberto, se existe matéria
entrando ou saindo do sistema; fechado, se a matéria não entra nem sai do sistema.
Nosso tanque é, portanto, um sistema fechado.
Nesse caso, se aplicarmos a equação de balanço material para nosso sistema,
teremos:
00  0

Este resultado é, evidentemente, uma conclusão lógica simples. Se não entra nem sai
água do tanque, não haverá variação na quantidade de água dentro dele. Em outras
palavras, a taxa de acúmulo de matéria do sistema é nula.
Agora, suponha que este tanque faz parte de um processo industrial, que despeja
dentro dele 50 kg de água por hora. Deste mesmo tanque, são também retirados 50 kg
de água por hora.
Fronteira
do sistema

50 kg H2O/h 50 kg H2O/h

100 kg H2O

Figura 3 - Sistema aberto


Fonte: os autores.

Pela definição dada anteriormente, nosso tanque agora é um sistema aberto, pois
existe matéria cruzando a fronteira do sistema. Ao aplicar novamente a equação de
balanço material, temos:
kg H 2O kg H 2O
50  50 0
h h

Como a vazão de entrada é igual à de saída, o acúmulo de água no sistema ainda é nulo.
Sistemas nestas condições podem ser chamados de sistemas em estado estacionário.

28 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Em processos no estado estacionário, parâmetros como temperatura, pressão,
massa e vazão (entrada ou saída) permanecem constantes. Além disso, o processo
pode também ser dito contínuo.

Sistema em Estado Estacionário (Regime Permanente):


• As condições do sistema permanecem inalteradas ao longo do tempo.
• As correntes de entrada e saída permanecem inalteradas com o tempo.
Processo Contínuo: aquele em que a matéria entra ou sai do sistema sem inter-
rupções.
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

Na sua maioria, os problemas abordados ao longo desta disciplina serão processos


contínuos em estado estacionário, por serem naturalmente mais simples e objetivos
no sentido de aprendizagem. Contudo, é importante observar que, no mundo real,
não existe processo perfeitamente contínuo ou estacionário – as condições mudam
ao longo do tempo, às vezes até mesmo por ação de forças que não somos capazes de
controlar (clima, por exemplo). A natureza é essencialmente dinâmica, e o máximo
que se pode fazer é se aproximar de uma condição estacionária.
Entretanto, você poderia propor a seguinte situação: e se a taxa de entrada de
água no tanque fosse reduzida para 20 kg/h? Suponha a seguinte condição inicial
para o sistema:
Fronteira
do sistema

20 kg H2O/h 50 kg H2O/h

100 kg H2O

Figura 4 - Sistema aberto com acúmulo


Fonte: os autores.

UNIDADE 1 29
É fácil concluir que, se sai mais água do que entra, a quantidade de água no tanque
diminuirá com o tempo. Na equação de balanço:
kg H 2O kg H 2O kg H 2O
20  50  30
h h h
Isto é, a taxa de acúmulo de água no sistema é de -30 kg H₂O por hora. Observe que,
no contexto de balanços materiais, é comum o uso da palavra “acúmulo” tanto para
valores positivos (que elevariam o nível de água do tanque) quanto negativos (que
diminuem o nível de água no tanque). Com essa informação, você poderia, então,
responder a seguinte pergunta: quanto tempo levará até que a quantidade de água
no interior do tanque seja de 40 kg?
Vamos começar identificando a variação de água no interior do tanque:

Quantidade Final de  Quantidade Inicial de  Quantidade de á gua que 


   
 á gua no tanque   á gua no tanque   entra ou sai do sistema 

40 kg H 2O  100 kg H 2O  60 kg H 2O

Para atingir uma quantidade de 40 kg de água dentro do tanque, deve-se retirar 60 kg.
Por definição, temos que:

Massa
Vaz ão M ássica =
Tempo

Observe que a taxa de acúmulo de água do sistema é, evidentemente, uma vazão, pois
tem dimensões de massa por tempo (estudaremos mais detalhadamente o conceito
de vazão na Unidade 4). Podemos, portanto, aplicar a equação da seguinte forma:
kg H 2O - 60 kg H 2O
-30 =
h Tempo

60 kg H 2O h
Tempo 
30 kg H 2O

Tempo = 2 h

Evidentemente, não é absurdo chegar a esta conclusão sem fazer quaisquer contas
no papel. Se existem 100 kg de água dentro de um tanque, do qual são removidos 30
kg de água por hora (taxa de acúmulo negativa), o tempo necessário para que haja
apenas 40 kg de água no tanque (remover 60 kg) é de 2 horas. Problemas de balanço
material são resolvidos de maneira puramente lógica: não se trata de decorar equações,
mas sim de ter habilidade em analisar o problema e saber como abordá-lo.

30 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Sistemas como este último, em que a quantidade de água no sistema varia ao longo
do tempo, podem ser chamados de sistemas em estado não estacionário.

Sistema em Estado Não Estacionário (Regime Transiente ou Variado):


• Nem todas as condições do sistema permanecem inalteradas ao longo do
tempo.
• As correntes de entrada e saída podem variar com o tempo.
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

Agora que você compreende os princípios dos balanços materiais, iremos aprimorar
as suas capacidades analíticas estudando processos mais complexos, com múltiplos
componentes, etapas e correntes de processo.

Sistemas com Múltiplos Componentes

Imagine que estamos trabalhando com uma solução com concentração de 50% em
massa de soda cáustica (NaOH em H₂O). Isto significa que em 1000 kg de solução
há 500 kg de soda e 500 kg de água. Uma corrente de processo entra em um tanque,
enquanto outra sai deste mesmo tanque, como na figura a seguir:
Fronteira
do sistema

100 kg solução/h 100 kg solução/h


1000 kg
solução
Comp. Fração Más. Comp. Fração Más.
Água 0,50 Água 0,50
Soda 0,50 Soda 0,50

Figura 5 - Sistema aberto de balanço multicomponente


Fonte: os autores.

UNIDADE 1 31
Observe que se trata de um sistema aberto em regime estacionário. Poderíamos
analisar o sistema da seguinte forma:
• Dentro do tanque: 1000 kg de solução
• 500 kg de água + 500 kg de soda
• Entra no tanque: 100 kg de solução por hora
• 50 kg de água por hora + 50 kg de soda por hora
• Sai do tanque: 100 kg de solução por hora
• 50 kg de água por hora + 50 kg de soda por hora

É importante evidenciar estas informações, pois quando trabalharmos com múltiplos


componentes, abordaremos os balanços materiais por duas perspectivas: o balanço
global e os balanços por componente.
O balanço global considera inteiramente todas as correntes que entram e saem
do sistema. Dessa forma, na equação:
Taxa de Entrada de   Taxa de Saí da de  Taxa de Acúmulo de 
   
 Mat éria no sistema   Mat éria no sistema   Mat éria no sistema 

kg solução kg solução
100  100 0
h h
Evidentemente, estando em estado estacionário, a taxa de acúmulo é nula (a massa
de solução dentro do tanque permanece a mesma ao longo do tempo).
O balanço por componente, por outro lado, considera apenas o componente em análise
para todas as correntes. Por exemplo, fazendo o balanço material para a água, teremos:

Taxa de Entrada de  Taxa de Saída de  Taxa de Acúmulo de 


   
 Água no sistema   Água no sistema   Água no sistema 
kg água kg água
50  50 0
h h
Da mesma forma, para a soda:
Taxa de Entrada de  Taxa de Saída de  Taxa de Acúmulo de 
   
 Soda no sistema   Soda no sistema   Soda no sistema 

kg soda kg soda
50  50 0
h h
Este é um raciocínio bastante valioso para solucionar problemas de balanço material.
Observe o exemplo a seguir, em que passamos a trabalhar com mais de um compo-
nente e mais de duas correntes.

32 Introdução aos Fenômenos de Transporte


5 EXEMPLO Em certa etapa de um processo industrial de balas e biscoitos, duas correntes contendo
uma solução de açúcar (sacarose) em água devem ser misturadas. Para isto, elas são
despejadas em um tanque de mistura que apresenta uma única saída, conforme mostra
a figura a seguir. Conhecendo as correntes de entrada, admitindo que a mistura seja
homogênea e que o processo opera em regime estacionário, qual a fração mássica de
sacarose na corrente de saída?

A B

30 kg solução/min 50 kg solução/min

40% Sacarose 15% Sacarose


60% Água 85% Água

SAÍDA
C

Solução:

Como conhecemos as correntes de entrada, podemos descrevê-las da seguinte ma-


neira:
• Corrente A: 30 kg solução/min
• 12 kg sacarose/min + 18 kg água/min
• Corrente B: 50 kg solução/min
• 7,5 kg sacarose/min + 42,5 kg água/min

Podemos, então, fazer o balanço global:

 Entradas de   Saíd as de   Acúmulo de 


   
Solução no sistema  Solução no sistema  Solução no sistema 

As entradas são as correntes A e B, enquanto a única saída é a corrente C, e não há


acúmulo no sistema (regime estacionário). Dessa forma:

UNIDADE 1 33
A B -C  0

kg solução kg solução
30 + 50 -C=0
min min
kg solução
C = 80
min

Agora, fazendo o balanço material para a sacarose:

Sacarose em A + Sacarose em B - Sacarose em C = 0

Sendo xsac,i a fração mássica de sacarose na corrente “i”, podemos escrever esta equação
da seguinte forma:
xsac, A . A  xsac, B . B - xsac,C . C  0

kg sacarose kg solução kg sacarose kg solução


0,40 30 +0,15 50 - xsac,C . C = 0
kg solução min kg soluçção min

kg sacarose kg sacarose kg sacarose


xsac,C . C  12  7, 5  19, 5
min min min
Como já calculamos o valor da vazão mássica da corrente C, temos que:
kg sacarose min
xsac,C = 19, 5
min 80 kg solução

kg sacarose
xsac,C = 0, 2437
kg solução

Isto é, a concentração de sacarose na corrente de saída é de 24,37% em massa. Note


que, sem fazer o balanço material para a água, podemos concluir que a fração mássica
de água na corrente de saída é de 75,625% – afinal, estamos trabalhando apenas com
açúcar e água. Esta ideia tem fundamento no conceito de “graus de liberdade”, que
talvez você se lembre das suas disciplinas de álgebra linear. Exploraremos esta ideia
melhor no tópico seguinte, em que será desenvolvida uma estratégia para solucionar
problemas de balanço material.

34 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Como já mencionado, não trataremos situações envolvendo reações químicas
no escopo deste material. Contudo, é importante observar que, nesses casos, os
balanços por componente ficam mais complexos, uma vez que o componente que
entra não, necessariamente, sai com a mesma forma – eles podem ser “consumi-
dos”, enquanto novas espécies químicas podem ser “geradas”.

Estratégias para Resolução de Problemas

Himmelblau e Riggs (2003) sugerem uma estratégia de 10 passos para a resolução


de problemas de balanço material:
1. Leia e entenda o problema em questão.
2. Faça um esboço do processo e especifique a fronteira do sistema.
3. Anote todas as informações conhecidas no seu diagrama do processo, como
vazões, composições e outras relações úteis. Atribua símbolos para os valores
que você não conhecer.
4. Obtenha quaisquer informações necessárias para solucionar o problema que
esteja faltando.
5. Adote uma base de cálculo (arbitrária), se necessário.
6. Determine o número de variáveis desconhecidas.
7. Determine o número de equações independentes e analise os graus de liber-
dade do problema.
8. Escreva as equações a serem resolvidas em termos das variáveis conhecidas
e desconhecidas.
9. Resolva as equações e responda o que foi solicitado pelo problema.
10. Confira suas respostas.

Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.


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UNIDADE 1 35
Na prática, você não é obrigado a seguir estes passos à risca nem os decorar, mas
abordar os problemas de maneira ordenada e analítica ajuda a identificar possíveis
pontos fracos, aprimorando suas habilidades de interpretação e resolução. Faremos,
agora, um exemplo com uma complexidade maior aplicando esta estratégia.

6 EXEMPLO Duas correntes de processo, F1 e F2, são misturadas. A corrente resultante (W) é então
direcionada para uma segunda etapa, que visa a purificação de um dos componentes,
obtendo, assim, duas correntes de produto, P1 e P2. Conhecendo as informações a
seguir, qual a vazão e a composição da corrente F1? As composições estão dadas em
quantidades mássicas.
• Corrente F2:
• Vazão: metade de F1
• Composição: 80% A, 20% B
• Corrente P1:
• Vazão: 1200 kg/h
• Composição: 60% A, 40% B
• Corrente P2:
• Vazão: 300 kg/h
• Composição: 5% B, 95% C

Solução:

Passo 1: o problema é simples – conhecemos as saídas, queremos conhecer as entra-


das. Estamos trabalhando com três componentes (A, B e C), cinco correntes (F1, F2,
W, P1 e P2) e duas etapas (E1 e E2). A etapa E1 une as correntes F1 e F2, formando a
corrente W. Em seguida, a etapa E2 separa a corrente W nas correntes P1 e P2.

Passo 2: esboços podem, geralmente, ser feitos de forma bastante simples por meio de
diagramas de blocos, em que as setas são as correntes de processo e os blocos são as etapas.

F1 P1

W
E1 E2

F2 P2

36 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Quanto à fronteira do sistema, note que esta pode ser estabelecida de três diferentes
formas: apenas o sistema 1, ou apenas o sistema 2, ou então analisar o processo de
forma global. Veja o esquema a seguir:
F1 P1

Fronteira do
Sistema 2
W
E1 E2
Fronteira do
Sistema 1

Fronteira do
F2 Sistema Global P2

• Fronteira do Sistema 1:
• Correntes de entrada: F1 e F2
• Corrente de saída: W
• Fronteira do Sistema 2:
• Corrente de entrada: W
• Correntes de saída: P1 e P2
• Fronteira do Sistema Global:
• Correntes de entrada: F1 e F2
• Corrente de saída: P1 e P2

Note que a escolha de um sistema não invalida o outro – muito pelo contrário, talvez
seja necessário estabelecer diferentes fronteiras até se obter os resultados procurados,
os quais devem validar todos os sistemas possíveis de serem estabelecidos. Do con-
trário, o princípio da conservação da massa não seria obedecido, indicando alguma
falha ou ineficiência do processo.

Passo 3: adicionamos os valores conhecidos ao esboço.


F1 = ? P1 = 1200 kg/h
xA, F1 = ? xA, P1 = 60%
xB, F1 = ? xB, P1 = 40%
xC, F1 = ? W=?
xA, W = ?
xB, W = ?
xC, W = ?
E1 E2

F2 = F1/2 P2 = 300 kg/h


xA, F2 = 80% xB, P2 = 5%
xB, F2 = 20% xC, P2 = 95%

UNIDADE 1 37
Passo 4: a princípio, nenhuma informação parece faltar, pois não estamos preocu-
pados com quem são os componentes A, B ou C, nem com o que são, na prática, as
etapas E1 e E2. Estamos preocupados apenas com valores de vazão e composição,
então estas informações deverão ser suficientes.

Passo 5: como o problema já nos forneceu valores de vazão, não precisamos adotar
uma base de cálculo. Caso o enunciado fosse “a vazão de P1 é quatro vezes a de P2”,
poderíamos adotar um valor arbitrário para a vazão P2, e com ela chegaríamos às
mesmas composições em todas as correntes. Contudo, a vazão de F1 mudaria para
cada base de cálculo adotada.

Passo 6: nossas variáveis desconhecidas são as vazões e composições das correntes


F1 e W, totalizando 8 variáveis desconhecidas.

Passo 7: para determinar o número de equações independentes, faremos os balanços


nos sistemas e usaremos as relações fornecidas. Uma informação que facilita a análise
é que, ao escrever as equações dos balanços para cada componente, uma delas sempre
será dependente das demais.
• Na etapa E1:
F1  F 2  W
x A, F 1 . F1  x A, F 2 . F 2  x A,W . W
xB , F 1 . F1  xB , F 2 . F 2  xB ,W . W
xC , F 1 . F1  xC , F 2 . F 2  xC ,W . W
x A, F 1  xB , F 1  xC , F 1  1
x A,W  xB ,W  xC ,W  1

Nestas equações, temos as oito variáveis desconhecidas, junto de cinco equações


independentes. Elas não são, portanto, suficientes para determinarmos todas as
variáveis desconhecidas.
• Na etapa E2:
W  P1  P2
x A,W . W  x A, P1 . P1  x A, P 2 . P2
xB ,W . W  xB , P1 . P1  xB , P 2 . P2
xC ,W . W  xC , P1 . P1  xC , P 2 . P2
x A,W  xB ,W  xC ,W  1

Aqui, temos quatro das variáveis desconhecidas (referentes à corrente W), junto de
quatro equações independentes. Como nosso número de equações é igual ao número
de incógnitas, o sistema é possível e determinado (graus de liberdade iguais a zero).

38 Introdução aos Fenômenos de Transporte


• Global:
F1  F 2  P1  P2
x A, F 1 . F1  x A, F 2 . F 2  x A, P1 . P1  x A, P 2 . P2
xB , F 1 . F1  xB , F 2 . F 2  xB , P1 . P1  xB , P 2 . P2
xC , F 1 . F 1  xC , F 2 . F 2  xC , P1 . P1  xC , P 2 . P2
x A, F 1  xB , F 1  xC , F 1  1

Observe que, para o balanço global, todas as variáveis referentes à corrente interme-
diária W não estão presentes. Temos apenas as quatro variáveis desconhecidas para a
corrente F1, junto de quatro equações independentes. Isto é, como o problema solicita
apenas a caracterização da corrente F1, podemos utilizar este sistema para que não
precisemos trabalhar com a corrente intermediária W.

Passo 8: usando as equações para o sistema global (exceto uma das equações de ba-
lanço por componentes, por ser dependente das demais) e substituindo as variáveis
conhecidas.
F1
F1 1200 300
2

F1
x A, F 1 . F1 0, 80 . 0, 60 . 1200 0, 00 . 300
2

F1
xB , F1 . F1 0, 20 . 0, 40 . 1200 0, 05 . 300
2

x A, F 1 xB , F 1 xC , F 1 1

Passo 9: simplificando e resolvendo as equações, chegamos aos valores solicitados


pelo problema – vazão e composições da corrente F1.
3
F1  1500  F1  1000 kg / h
2

( x A, F 1  0, 40) . F1  720
( x A, F 1  0, 40) . 1000  720  x A, F 1  0, 320

( xB , F 1  0, 10) . F1  495
( xB , F 1  0, 10) . 1000  495  xB , F 1  0, 395

X C , F 1  1  X A, F 1  X B , F 1
X C , F 1  1  0, 32  0, 395  X C , F 1  0, 285

UNIDADE 1 39
Passo 10: podemos conferir o resultado com a equação de balanço para o compo-
nente C, que não utilizamos.

xC , F 1 . F1  xC , F 2 . F 2  xC , P1 . P1  xC , P 2 . P2
1000
0, 285 . 1000  0 .  0 . 1200  0, 95 . 300
2
285  285

Note que o fato de o componente C estar presente somente em uma corrente de


entrada e uma corrente de saída (no sistema global) facilita consideravelmente o
problema, pois tudo o que estava saindo de C na corrente P2 estava entrando no
sistema por meio da corrente F1.
Para praticar, você pode retornar aos balanços por etapas e caracterizar a corrente
W. Conseguiu chegar aos seguintes resultados: vazão de 1500 kg/h, sendo 48% A,
33% B e 19% C?

Reciclo, Bypass e Purga

Neste tópico final, abordaremos brevemente três aspectos importantes quando tra-
tamos dos balanços materiais em termos de aplicação industrial. Essencialmente, são
manobras realizadas nas correntes de processo que permitem seu funcionamento
de maneira eficiente, contínua e controlável. Os balanços materiais entram com o
papel de mensurar estas manobras e passam a ter um nível de complexidade maior.

Reciclo: corrente do processo que é alimentada em uma etapa anterior àquela que
a originou (veja Figura 6).
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

Reciclo

Alimentação Processo 1 Processo 2 Produto

Figura 6 - Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo reciclo


Fonte: os autores.

40 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Em processos envolvendo reação química, o uso de reciclo pode aumentar a conver-
são alcançada pelos reatores, retornando os reagentes não consumidos ao processo
e garantindo que eles sejam transformados no produto desejado. Em operações de
separação, como destilação ou filtração, o reciclo pode ser utilizado com uma ideia
semelhante: aumentar a eficiência do processo e servir para manter alguma corrente
dentro das suas especificações.
Vejamos, a seguir, um exemplo de operação com uso de reciclos.

7 EXEMPLO Deseja-se concentrar uma corrente (F) contendo uma solução de 10% Hidróxido de
Sódio (NaOH) em água por meio de um processo integrado de evaporação, cristaliza-
ção e filtragem. Para atingir maior eficiência no processo, a corrente líquida que passa
pelo filtro é retornada na forma de reciclo (R). O diagrama a seguir ilustra o processo
e apresenta as concentrações em cada corrente. Qual a razão entre as vazões R e P?
R
50% NaOH
50% H2O

E
30% NaOH
70% H2O
Processo
F A P
10% NaOH 96% NaOH
90% H2O 4% H2O

W
100% H2O

Passos 1, 2, 3 e 4: o diagrama fornecido pelo problema já é o resultado dos primeiros


passos.

Passo 5: por praticidade ao trabalhar com porcentagens, adotaremos a base de cál-


culo de F = 100 kg/h.

Passo 6: nossas variáveis desconhecidas são as vazões P, R, E e W.

Passo 7: mais de um sistema pode ser avaliado. Aqui, faremos em dois deles: no ponto
em que o reciclo é adicionado à alimentação (ponto A) e o global.

Passo 8: assim, teremos as seguintes equações:

UNIDADE 1 41
• No ponto A:

FRE
xNaOH , F . F  xNaOH , R . R  xNaOH , E . E
x H 2O , F . F  x H 2O , R . R  x H 2O , E . E

• Global:
F  P W
xNaOH , F . F  xNaOH , P . P  xNaOH ,W . W
xH 2O, F . F  xH 2O, P . P  xH 2O,W . W

Em ambos os casos, temos duas variáveis desconhecidas e duas equações indepen-


dentes. Portanto, temos graus de liberdade zero em ambas.

Passo 9: resolvendo as equações, chegamos nas respostas desejadas.


• No ponto A:
FRE
100  R  E  R  E  100

xNaOH , F . F  xNaOH , R . R  xNaOH , E . E


0,10 . 100  0, 50 . R  0, 30 . E
10  0, 50 . ( E  100)  0, 30 . E
10  0, 50 E  50  0, 30 . E
E  200 kg / h  R  100 kg / h

Utilizando só o balanço por componente do hidróxido de sódio no ponto A foi


suficiente para encontrar uma das variáveis desejadas (R). Caso tivéssemos usado
o balanço por componente da água, chegaríamos no mesmo resultado. Se quiser,
pode conferir. Aliás, você já deve ter percebido que este é um assunto que demanda
curiosidade e exercita o raciocínio lógico.
• Global:
F  P W
100  P  W

xNaOH , F . F  xNaOH , P . P  xNaOH ,W . W


0, 10 . 100  0, 96 . P  0 . W
P  10, 42 kg / h  W  89, 58 kg / h

42 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Assim:

R 100 kg / h
  9, 60
P 10, 42 kg / h

Passo 10: podemos conferir os resultados obtidos verificando as duas equações


dependentes não utilizadas.
x H 2O , F . F  x H 2O , R . R  x H 2O , E . E
0, 90 . 100  0.50 . 100  0, 70 . 200
140  140

xH 2O, F . F  xH 2O, P . P  xH 2O,W . W


0, 90 . 100  0, 04. 10, 42  1, 00 . 89, 58
90  90
Um exercício interessante é repetir este balanço, mas sem a utilização de um reciclo: se
quiséssemos obter exatamente o mesmo produto P (em vazão e composição), consi-
derando que a razão R/P é mantida (R/P ≈ 9,60), qual seria a alimentação necessária?

R
50% NaOH
50% H2O

R/P ≈ 9,60
F
10% NaOH Processo
90% H2O P = 10,42 kg/h
96% NaOH
4% H2O

W
100% H2O

Temos o balanço material global e por componente:

F W  R  P
xNaOH , F . F  xNaOH ,W . W  xNaOH , R . R  xNaOH , P . P
xH 2O, F . F  xH 2O,W . W  xH 2O, R . R  xH 2O, P . P

UNIDADE 1 43
Resolvendo as duas primeiras equações com os valores conhecidos, e utilizando a
relação R/P ≈ 9,60:
F W  R  P
F  W  9, 60 . P  P
F  W  10, 60 . 10, 42  F  W  110, 452

xNaOH , F . F  xNaOH ,W . W  xNaOH , R . R  xNaOH , P . P


0, 10 . F  0 . W  0, 50 . 9, 60 . P  0, 96 . P
0,, 10 . F  5, 76 . P  0,10 . F  60, 0192
F  600, 192 kg / h  W  489, 74 kg / h
R  100, 032 kg / h

Como você pode observar, para obter a mesma quantidade de produto, o processo
sem reciclo exigiria uma alimentação seis vezes maior devido às perdas pela corrente
R, que não foi reaproveitada. A indústria sempre irá buscar minimizar o desperdício.

Bypass: corrente do processo que pula uma ou mais etapas de um processo,


unindo-se novamente em um estágio posterior. Pode ser usada, por exemplo, para
controlar a composição de saída de uma etapa (Figura 7).
Purga: corrente retirada do processo com o objetivo de remover inertes (substân-
cias que não reagem quimicamente) e materiais indesejados, os quais poderiam
se acumular no sistema pelo uso de correntes de reciclo (Figura 8).
Fonte: adaptado de Himmelblau e Riggs (2003).

Bypass

Alimentação Processo Produto

Figura 7 - Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo bypass


Fonte: os autores.

44 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Reciclo
Purga

Alimentação Processo Separador Produto

Figura 8 – Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo bypass


Fonte: os autores.

8 EXEMPLO Certo processo industrial é alimentado por uma corrente composta de 30% compo-
nente X e 70% componente Y. O processo é responsável por remover apenas com-
ponente Y, e a corrente de saída precisa sair com 80% de X e 20% de Y para atender
às especificações de operação dos equipamentos. Contudo, um cliente solicita um
produto contendo 60% X e 40% Y. Para atender a este pedido, o engenheiro de pro-
cessos sugere o uso de uma corrente de bypass, conforme o diagrama a seguir. Calcule
a razão entre as vazões B e F que deve ser utilizada para atender ao pedido.
B

F E P
30% X Processo 60% X
70% Y 1 S 2 40% Y
80% X
20% Y

W
100% Y
Solução:

Passos 1, 2, 3 e 4: o diagrama apresentado contém as informações necessárias.


Observe que, no ponto 1, a corrente de alimentação se divide entre as correntes B e
E – esta divisão é puramente física, ou seja, presume-se que as composições são as
mesmas em ambas as correntes, diferenciando apenas em suas vazões. No ponto 2,
a corrente de bypass retorna unindo-se à saída do processo (corrente S), formando
o produto P na composição desejada.

Passo 5: adotaremos a base de cálculo de F = 100 kg/h.

Passo 6: como definimos um valor para F, as variáveis desconhecidas são agora as


vazões B, E, W, S e P.

UNIDADE 1 45
Passo 7: os quatro principais sistemas que devemos prestar atenção são os pontos 1
e 2, o processo e o sistema global.
Para o sistema global, temos as seguintes equações:

F  P W
x X , F . F  x X , P . P  x X ,W . W
xY , F . F  xY , P . P  xY ,W . W

Aqui temos duas variáveis desconhecidas e duas equações independentes. Dessa


forma, conseguiremos determinar os valores de vazão para P e W.
Conhecido o valor de P, faz sentido analisar o ponto 2 como segundo sistema.
Para ele, temos as equações:
BS  P
x X , B . B  x X ,S . S  x X , P . P
xY , B . B  xY ,S . S  xY , P . P

Portanto, teremos apenas duas variáveis desconhecidas (B e S) e duas equações


independentes. Com isso, podemos determinar B e calcular a resposta pedida pelo
problema. Traçar a estratégia correta para a resolução de um balanço é uma questão
clássica para o engenheiro na indústria.

Passos 8 e 9: como proposto, vamos começar resolvendo as equações do sistema global.


F  P W
100  P  W

x X , F . F  x X , P . P  x X ,W . W
0, 30 . 100  0, 60 . P  0, 00 . W
P  50 kg / h  W  50 kg / h
Agora, para as equações do ponto 2:
BS  P
B  S  50  B  50  S

x X , B . B  x X ,S . S  x X , P . P
0, 30 . B  0, 80 . S  0, 60 . 50
0, 30 . (50  S )  0, 80 . S  30
15  0, 30 . S  0, 80 . S  30
0, 50 . S  15
S  30 kg / h  B  20 kg / h

Portando, a razão B/F = 0,20.

46 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Passo 10: apesar de não ser de extrema necessidade, você poderia conferir o seu
resultado verificando que os valores obtidos são válidos para calcular a vazão da
corrente E (80 kg/h). Em seguida, ao fazer o balanço no processo, você observará
que as equações são válidas.

9 EXEMPLO Certo processo para a formação de água a partir dos gases hidrogênio (H2) e oxigênio
(O2) foi implantado. Uma corrente (F), contendo ambos os componentes, é alimentada
a um reator. Em seguida, a corrente de saída passa por um condensador, que remove
água líquida do processo como produto.
Para evitar a perda de material, procurou-se utilizar os gases remanescentes (que
não reagiram) como uma corrente de reciclo do processo. Contudo, ao testar a nova
configuração, observou-se que os níveis de argônio (Ar) – que é um gás inerte – no
processo começaram a subir. Isto aconteceu porque a corrente contendo hidrogênio
e oxigênio apresentava, também, baixos traços do gás. Como forma de solucionar o
problema, você, engenheiro de processos, sugere utilizar uma corrente de purga (P).
Considerando o diagrama a seguir, qual deve ser a razão entre as vazões P e F, se a
concentração de argônio na corrente de reciclo não pode ser superior a 7,5%?
Reciclo
P
92,5% H2 e O2
7,5% Ar

F Reator Condensador W
99,7% H2 e O2 100% Água
0,3% Ar
Passos 1 a 4: o diagrama nos fornece todas as informações necessárias para analisar
o problema. Note que, apesar de envolver um reator, o problema não está preocupado
com a reação química, de modo que ela não será necessária. Além disso, é importante
observar que o reciclo possui a mesma composição da purga, apesar de não estar
especificado.

Passo 5: como estamos interessados principalmente nas correntes F e P, definiremos


como base de cálculo o valor de F = 100 kg/h.

Passo 6: observe que os dados fornecidos são, essencialmente, as composições de


entrada e saída do sistema global. Portanto, intuitivamente, parece fazer sentido
analisá-lo. Assim, temos duas variáveis desconhecidas: P e W.

UNIDADE 1 47
Passo 7: note que não conhecemos as composições de H2 e O2 separadamente.
Contudo, se fizermos o balanço global e o balanço por componente para o argônio,
teremos duas equações independentes:
F  P W
x Ar , F . F  x Ar , P . P  x Ar ,W . W

Logo, se temos duas equações independentes e duas variáveis desconhecidas, a solução


do nosso problema é possível e determinada (grau de liberdade = 0).

Passos 8, 9 e 10: substituindo os valores conhecidos e resolvendo as duas equações


do balanço global, podemos calcular o valor pedido pelo problema.

100  P  W
0, 003 . 100  0, 075 . P  0, 000 . W

P  4 kg / h  W  96 kg / h

P 4
  0,004  4%
F 100

Isto é, para manter a concentração de argônio no reciclo igual a 7,5%, deve-se purgar
uma vazão equivalente a 4% da vazão de alimentação.
Com isso, terminamos nossa introdução aos balanços materiais. Como você
pode ter notado, apesar de não demandarem cálculos sofisticados, os balanços de
massa trabalham fortes habilidades de interpretação do problema, análise crítica e
organização. Aprimorar estas qualidades facilitará o seu estudo dos fenômenos de
transporte, que começaremos propriamente na unidade a seguir.

48 Introdução aos Fenômenos de Transporte


Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Um processo precisa produzir 300 libras de uma solução a 10% em massa de


cloreto de potássio (KCl) em água. Para isso, deve-se misturar uma solução a 0,9%
do sal e o próprio sal puro seco. Quais devem ser as quantidades misturadas?
Apresente a resposta em quilogramas (1 kg ≈ 2,205 lb).

2. Deseja-se produzir 1000 kg/h de uma solução de soda cáustica, com concentra-
ção molar de 14,89%. Devido ao alto calor de dissolução da soda em água, este
processo deve ser feito em duas etapas, de modo que parte da água alimentada
siga por uma corrente de bypass e retorne no tanque de diluição. Considerando
o diagrama a seguir, calcule a razão entre as vazões mássicas das correntes E
e B. As porcentagens são todas molares. Considere que MMNaOH = 40 g/mol,
MMH2O = 18 g/mol.

B=?

Água de 31,03%
Alimentação E=? NaOH Solução Produto
Tanque de Tanque de
Dissolução Diluição
F=? P = 1000 kg/h
100% H2O 14,89% NaOH

Soda Cáustica

S=?
100% NaOH

49
3. A dessalinização da água do mar e de águas salobras é comum em países de-
sérticos ou com pouca disponibilidade de água potável, como no Oriente Médio
e na África. A dessalinização de água pode ser realizada por meio de processos
de osmose reversa. Admitindo que estão presentes apenas sal e água e consi-
derando a figura a seguir, determine:
a) A vazão de água do mar necessária para alimentar o processo (F).
b) A vazão de salmoura removida (W).
c) A porcentagem da salmoura que sai das células de osmose reversa e é reciclada.

Reciclo de Salmoura
R=?

E
Água do Mar 4,0% Sal Células de S Salmoura Removida
F=? Osmose W=?
3,1% Sal Reversa 5,25% Sal

Água Dessalinizada
P = 2000 kg/h
0,05% Sal

50
LIVRO

Engenharia Química – Princípios e Cálculos 8ª Edição


Autor: David M. Himmelblau e James B. Riggs
Editora: LTC Editora – GEN | Grupo Editorial Nacional
Sinopse: uma obra consagrada pela excelente fundamentação de habilidades
e conhecimentos básicos no contexto da engenharia química. Seu principal
objeto de estudo são os balanços de massa e de energia, mas trata também da
descrição de gases, vapores, líquidos e sólidos e diagramas de fases.
Comentário: as duas primeiras partes deste livro abordam os assuntos desta
primeira unidade de maneira bastante extensiva, com vários exemplos aplicados.
Além disso, são trabalhados os balanços materiais envolvendo reações quími-
cas, caso o aluno tenha a curiosidade e deseje aprender mais sobre processos
químicos industriais.

51
HAUKE, G. An introduction to fluid mechanics and transport phenomena. 1. ed. Holanda: Springer
Netherlands, 2008.

HIMMELBLAU, D. M.; RIGGS, J. B. Engenharia química – princípios e cálculos. 7. ed. São Paulo: Editora
LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2003.

PARTINGTON, J. R. Antoine Laurent Lavoisier, 1743-1794. Nature, [S.l.], v. 152, p. 207-208, ago. 1943.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

52
1. O processo descrito pode ser resumido pelo diagrama:

M
100% KCI

F P = 300 lb
0,9% KCI 10% KCI
99,1% H2O 90% H2O

Fazendo o balanço do processo, temos as equações:

F M  P
xKCl , F . F  xKCl ,M . M  xKCl , P . P
x H 2O , F . F  x H 2O , M . M  x H 2O , P . P

Temos duas variáveis desconhecidas e duas equações independentes. Substituindo os valores conhecidos e
resolvendo as equações:

F  M  300  M  300  F
0, 009 . F  1 . M  0, 10 . 300
0, 009 . F  (300  F )  30
0, 991 . F  270
F  272, 45 lb  M  27, 55 lb

Por fim, convertendo os resultados em quilogramas:

272, 45 lb 1 kg
F  123, 56 kg
2, 205 lb
27, 55 lb 1 kg
M  12, 49 kg
2, 205 lb

53
2. O diagrama contém todas as informações que conhecemos sobre o problema. Contudo, as composições
das correntes de solução foram dadas em frações molares. Como estamos mais interessados em trabalhar
com valores mássicos, calcularemos inicialmente as composições mássicas.

Para a corrente P, temos, em base molar, 14,89% NaOH e, portanto, 85,11% H2O. Assumindo a base de cálculo
de 100 mol de solução P, podemos calcular a massa molar da solução P da seguinte forma:

n1MM 1  n2 MM 2  ...  nn1MM n1  nn MM n


MM mistura 
n1  n2  ...  nn1  nn
nNaOH MM NaOH  nH 2O MM H 2O
MM P 
100 mol

Veja que, como conhecemos a composição molar para a base de cálculo empregada, teremos 14,89 mols de
NaOH e 85,11 mols de H2O:

14, 89 mol . MM NaOH  85, 11 mol . MM H 2O


MM P 
100 mol

Substituindo as massas molares:

g g
14, 89 mol . 40  85, 11 mol . 40
MM P  mol mol
100 mol
MM P  21, 2758 g / mol
Este valor pode ser utilizado para converter a vazão mássica em molar:

Pmássica 1000 kg 1 mol 47000 mol


Pmolar   
MM P 1h 21, 2758 g h

54
Como conhecemos as frações molares, temos as seguintes vazões por componente na corrente de produto:

mol mol
PNaOH ,molar  0, 1489 . 47000  7000
h h
mol mol
PH 2O,molar  0, 8511 . 47000  40000
h h
Convertendo estes valores em vazões mássicas:

mol g kg
PNaOH ,mássica 7000
= = . 40 280
h mol h
mol g kg
PH 2O,mássica = 40000 . 18 = 720
h mol h
Isto é, a corrente de produto P possui 28% NaOH e 72% H2O em massa. Agora, podemos fazer o balanço no
sistema global, em termos das vazões mássicas:

F S  P
xNaOH , F . F  xNaOH ,S . S  xNaOH , P . P
x H 2O , F . F  x H 2O , S . S  x H 2O , P . P
Temos duas incógnitas (F e S) e duas equações independentes. Além disso, como F e S são correntes puras, a
solução é bastante simples:

0 . F  1 . S  0, 28 . 1000
S  280 kg / h

1 . F  0 . S  0, 72 . 1000
F  720 kg / h

55
Agora, como conhecemos F, podemos fazer o balanço no tanque de dissolução, do qual sai a corrente interme-
diária I. Como não se sabe a composição e vazão mássica desta corrente, faz-se o balanço material em termos
molares. Teremos o sistema:

ES  I
X NaOH , E . E  X NaOH ,S . S  X NaOH , I . I
X H 2O , E . E  X H 2O , S . S  X H 2O , I . I
Podemos calcular a vazão molar de S:

kg mol mol
=S 280
= 7000
h 40 g h

Substituindo os valores conhecidos nas duas primeiras equações do sistema, temos:

E  7000  I
0 . E  1 . 7000  0, 3103 . I

mol
7000  0, 3103 . I  I  22558, 81
h
mol
E  I  7000  E  15558, 81
h

Observe que também podemos calcular a vazão mássica de E, por ser uma corrente de água pura:

mol g kg
E  15558, 81 18  280
h mol h
Fazendo o balanço no ponto em que a corrente F se divide, temos:

F  BE
kg kg
720  B  280
h h
kg
B  440
h

56
Assim, podemos enfim calcular a razão pedida pelo problema:

E 280
  63, 63%
B 440
3. O diagrama nos fornece todas as composições das correntes e a vazão de água dessalinizada que deve ser
atingida. Dessa forma, as únicas variáveis desconhecidas são as demais vazões.

Fazendo o balanço global, temos as equações:

F  P W
xSal , F . F  xSal , P . P  xSal ,W . W
xH 2O, F . F  xH 2O, P . P  xH 2O,W . W
Portanto, temos duas equações independentes e duas variáveis desconhecidas (F e W). Resolvendo estas
equações com os valores conhecidos, teremos:

F  2000  W
0, 031 . F  0, 0005 . 2000  0, 0525 . W
0, 031 . (2000  W )  1  0, 0525 . W
62  0, 031 . W  1  0, 0525 . W
W  2837, 21 kg / h  F  4837, 21 kg / h

57
Com isso, chegamos às respostas pedidas nos itens (a) e (b).

Em seguida, para chegar à porcentagem da salmoura que é reciclada, precisamos definir sua vazão. Para isto,
faremos um balanço no ponto em que o reciclo se une à alimentação do sistema, formando a corrente resul-
tante que entra na célula de osmose (E) com concentração de 4,0% em sal:
FRE
xSal , F . F  xSal , R . R  xSal , E . E
x H 2O , F . F  x H 2O , R . R  x H 2O , E . E

Como agora conhecemos F, temos novamente duas equações independentes e apenas duas variáveis desco-
nhecidas (R e E). Logo:

4837, 21  R  E
0, 031 . 4837, 21  0, 0525 . R  0, 04 . E
149, 95  0, 0525 . R  193, 49  0, 04 . R
R  3483, 2 kg / h  E  8320, 41 kg / h
Agora, precisamos apenas saber a vazão de saída de salmoura do processo (S). Ela pode ser obtida fazendo
o balanço nas células de osmose reversa ou, até mesmo, no ponto que se divide entre o reciclo e a salmoura
removida:

E  PS
8320, 41  2000  S
S  6320, 41 kg / h

S  R W
S  3483, 2  2837, 21
S  6320, 41 kg / h

Finalmente, podemos calcular a resposta pedida no terceiro item:

R 3483, 2
  55, 11%
S 6320, 41

58
59
60
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Introdução à Mecânica
dos Fluidos

PLANO DE ESTUDOS

Propriedades dos Fluidos

Definindo os Fluidos Análise Dimensional

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Introduzir o estudo da mecânica dos fluidos por meio • Estudar a teoria matemática da análise dimensional, apre-
da conceptualização dos fluidos, seguida da definição da sentando sua aplicação na mecânica dos fluidos e os nú-
tensão de cisalhamento. meros adimensionais.
• Definir os conceitos de viscosidade absoluta (dinâmica),
massa específica, peso específico e viscosidade cinemática.
Definindo
os Fluidos

Em suas aulas de física, muito provavelmente,


você estudou assuntos relacionados aos chama-
dos fluidos, como o conceito de pressão e a Lei de
Pascal, por exemplo. No contexto dos fenômenos
de transporte, a mecânica dos fluidos busca levar
este estudo adiante, explicando o comportamen-
to físico dos fluidos e as leis que o regem. Ela é,
portanto, uma ciência fundamental em diversas
vertentes da engenharia, pois possui aplicação
prática a muitas situações, como escoamentos em
tubulações, pressões em barragens, deslocamento
de fluidos e, até mesmo, aerodinâmica (afinal, o
próprio ar atmosférico é um fluido).
Podemos afirmar que a mecânica dos fluidos é uma das ciências básicas mais
fundamentais para os engenheiros. A palavra “mecânica” remete ao estudo do com-
portamento de sistemas submetidos a uma ou mais forças. A palavra “fluido”, por
outro lado, pode ser um pouco mais difícil de se definir. Vamos começar por uma
definição mais elementar: fluido é uma substância que, ao ser colocada em um reci-
piente, assume o formato do recipiente, não possuindo forma própria. Baseado nesta
definição, podemos, então, concluir que líquidos e gases são fluidos, diferentemente
dos sólidos, como ilustra a Figura 1:

Superfície livre

Sólido Líquido Gás


Fluidos
Figura 1 - Comparação entre fluidos e sólidos em um recipiente
Fonte: Brunetti (2008, p. 1).

É importante observar que, enquanto os gases ocupam todo o recipiente, os líquidos


podem apresentar uma superfície livre caso o recipiente não esteja completamente
cheio.
Apesar de esta ser uma definição suficiente para dizer se uma substância é um
fluido ou não, a mecânica dos fluidos faz mais sentido se partirmos de uma defi-
nição um pouco mais abstrata: fluido é qualquer substância capaz de fluir. Para
desenvolvermos melhor esta ideia, descreveremos a observação prática chamada de
“experiência das duas placas”.
Considere um sólido de material qualquer, preso entre duas placas planas, uma
inferior e uma superior. É então exercida uma força sobre a placa tangencial ao sólido,
na direção do plano da placa, como na Figura 2a. Mantendo a força constante, o que
se observa é que o sólido é deformado de maneira angular até certo limite, no qual
as tensões internas equilibram a força externa aplicada, atingindo uma condição de
equilíbrio estático (Figura 2b).

UNIDADE 2 63
Ft = c te Ft = c te

(a) (b)
Figura 2 - Experiência das duas placas para um sólido
Fonte: Brunetti (2008, p. 2).

Dessa forma, podemos dizer que: ao aplicar uma força tangencial constante a um
sólido, ele se deforma angularmente até atingir uma nova posição de equilíbrio
estático.
Agora, vejamos o que acontece com um fluido submetido a esta mesma expe-
riência. Imagine que seja possível acompanhar cada unidade de fluido ao longo do
experimento. Para facilitar a visualização, denominaremos o volume de ABCD, cada
letra correspondendo a uma extremidade (Figura 3a).
Ao aplicar a força tangencial à placa superior, ela passa a se deslocar a uma veloci-
dade v. O que se observa é que os pontos do fluido em contato com a placa superior
(lado AD) adquirem esta mesma velocidade v, enquanto os pontos do fluido em
contato com a placa inferior (lado BC) ficam parados junto dela (veja a Figura 3b).
Surge, portanto, o princípio da aderência: quando em contato com uma superfície
sólida, os pontos de um fluido aderem-se aos pontos desta superfície.
Dessa forma, se a força tangencial for mantida sobre a placa superior, movendo-a
à velocidade v, as partículas de fluido em contato também se moverão à velocidade v,
na mesma direção e sentido. Isto significa que a condição de equilíbrio estático não
será atingida, de modo que o volume de fluido poderá se deformar continuamente
(veja a Figura 3c).

Ft = c te Ft = c te
A D A D A D

B C B C B C

(a) (b) (c)


Figura 3 - Experiência das duas placas para um fluido
Fonte: Brunetti (2008, p. 2).

64 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Essa experiência permite, portanto, diferenciar sólidos de fluidos sob a perspectiva da
mecânica dos fluidos: quando submetidos a forças tangenciais, sólidos se deformam
limitadamente, enquanto fluidos podem se deformar continuamente sem alcançar
um novo equilíbrio estático. Nossa definição final de fluido será então:

Fluido: substância que se deforma continuamente quando submetida à ação de


uma força tangencial constante qualquer.
Fonte: adaptado de Brunetti (2008).

Apesar de parecer exagero chegar a esta definição, você verá, em capítulos futuros,
que o princípio da aderência é fundamental para compreender certos conceitos,
como o de camada limite, que é essencial no estudo tanto da mecânica dos fluidos
quanto dos demais fenômenos de transporte. Outra observação importante pode ser
feita com relação à experiência de duas placas. Para tanto, é necessário antes definir
o conceito de tensão de cisalhamento.

Tensão de Cisalhamento – Lei de Newton


da Viscosidade

Considere uma superfície de área A, sobre a qual é aplicada uma força F . Podemos
decompor esta força na sua componente tangencial (Ft ) e na sua componente normal
à superfície (Fn ), como mostra a Figura 4. Nesta unidade, discutiremos sobre a com-
ponente tangencial e, na próxima, analisaremos a componente normal.

Fn

F
A
Ft

Figura 4 - Ação de uma força sobre uma superfície e suas componentes normal e tangencial
Fonte: Brunetti (2008, p. 3).

UNIDADE 2 65
A tensão de cisalhamento é definida como a razão entre o módulo da componente
tangencial da força e a área da superfície em que é aplicada:

Ft
t=
A

Portanto, é a força tangencial por unidade de área, sendo dada, geralmente, em N/m²
(SI), kgf/m² ou dina/cm².
Voltando à experiência de duas placas, note que, no caso dos fluidos, ao exercer
a força tangencial sobre a placa, ela passa a ser acelerada da velocidade nula até uma
velocidade finita, v0, que permanece constante ao longo do experimento. Isto é, a partir
de um determinado momento, não há mais aceleração. Pela segunda Lei de Newton
da dinâmica, isto significa que a resultante das forças deve ser nula (condição de
equilíbrio dinâmico). Como não existem outras forças externas atuando no sistema,
conclui-se que a força aplicada na placa é equilibrada por forças internas do fluido.
Para entender estas forças internas, podemos recorrer ao princípio da aderência.
Na experiência, a camada de fluido junto à superfície superior move-se à velocidade
v0, enquanto a camada de fluido junto à superfície inferior terá velocidade nula. As
camadas intermediárias, por sua vez, passam a se mover conforme um gradiente de
velocidades, indo de zero (na placa inferior) até v0 (na placa superior), como mostra
a Figura 5a.
v0 Ft
A v v0
v1 v1
v2   
(v1 é maior
v2 que v2)
Diagrama
y de velocidades
B

(a) (b)
v + dv
v
y + dy
y

(c)
Figura 5 - Gradiente de velocidade e tensões de cisalhamento entre as camadas de fluido na expe-
riência de duas placas
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

66 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Este deslizamento entre camadas (por estarem em velocidades diferentes) faz com
que elas exerçam forças tangenciais umas sobre as outras, criando tensões de cisa-
lhamento (veja a Figura 5(b)), equilibrando a força externa Ft, e fazendo com que a
placa superior fique com a velocidade constante v0. Newton evidenciou que, para a
grande maioria dos fluidos, a tensão de cisalhamento é proporcional ao gradiente
de velocidade (variação da velocidade v na coordenada y – veja a Figura 5(c)). Ma-
tematicamente, podemos escrever esta afirmação da seguinte forma:

dv τ
τα ou = cte.
dy dv
dy

Esta é a chamada lei de Newton da viscosidade. Fluidos que obedecem esta relação
são chamados de fluidos newtonianos, como água, ar e óleos, por exemplo. Fluidos
não newtonianos não serão trabalhados, pois são de menor interesse geral e pode
ser bastante difícil descrever seu comportamento.

Sir Isaac Newton (4 de janeiro de 1643 – 31 de março de 1727) foi um físico e ma-
temático inglês reconhecido como o ícone da revolução científica do século XVII.
A descoberta da decomposição da luz branca, suas três leis da mecânica clássica,
a lei da gravitação universal e suas contribuições no desenvolvimento do cálculo
diferencial e integral são consideradas como alguns de seus principais trabalhos.
Fonte: Westfall (2018, on-line)1.

UNIDADE 2 67
Propriedades
dos Fluidos

Vamos, agora, discutir algumas propriedades


bastante importantes para a análise dos fluidos e
escoamentos. A primeira delas é encontrada no
tópico que você acabou de estudar: a lei de New-
ton da viscosidade; mas afinal, você saberia definir
o que é a viscosidade?

68 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Quando um objeto sólido desliza em relação a outro, observamos o surgimento
de uma força na superfície de contato, na direção oposta ao movimento – a chamada
força de atrito. De forma análoga, quando um fluido se movimenta em relação a um
sólido ou a outro fluido, observa-se que também existe uma resistência ao movimento.
A propriedade que representa esta resistência é a viscosidade. Naturalmente, existem
fluidos com maiores ou menores viscosidades, afinal, é muito mais fácil correr ao ar
livre (onde estamos imersos em ar, um fluido) do que em uma piscina cheia de água.
Como vimos, para fluidos newtonianos, a tensão de cisalhamento é proporcional
ao gradiente de velocidade. A constante de proporcionalidade é justamente a visco-
sidade dinâmica ou absoluta (m) do fluido:

τ dv
 cte.  τ µ
dv dy
dy

No SI, três formas comuns de expressar as unidades de viscosidade são: kg/(m.s),


N.s/m² ou Pa.s (em que Pa é a unidade de pressão, pascal). Outra unidade comum
é o poise (P), equivalente a 0,1 Pa.s, sendo também frequentemente utilizado como
centipoise (cP, um centésimo de poise). A viscosidade da água a 20 ºC é de 1 cP, por
isso a unidade serve como uma referência conveniente.
De forma prática, podemos dizer que a viscosidade é a propriedade que representa
a dificuldade de o fluido escoar. Ela surge em nível microscópico, devido à coesão
das moléculas e os choques entre elas. Por causa disso, ela é também variável com a
temperatura. Você pode verificar este fenômeno fazendo a seguinte comparação: o
óleo de cozinha espalha melhor antes ou depois de aquecê-lo? Em líquidos, o aumento
da temperatura reduz a viscosidade, enquanto nos gases, o aumento da temperatura
aumenta a viscosidade.
A seguir, analisaremos um exemplo para nos apropriar melhor do assunto que
estamos discutindo. Muitos dos exemplos abordados no livro são utilizados para que
possamos, também, aprender conceitos novos. Por isso, não se preocupe se, neste
momento, você não conseguir desenvolvê-lo sozinho. Às vezes a teoria é melhor
compreendida quando utilizamos um exemplo prático, não é mesmo?

UNIDADE 2 69
1 EXEMPLO É necessário substituir o lubrificante do pistão de certo equipamento. Você sabe que
o pistão é cilíndrico, com massa de 500 g, diâmetro de 15 cm e altura de 6 cm. Ele
trabalha dentro de um cilindro com 15,1 centímetros de diâmetro e deve cair com
a velocidade constante de 1,4 m/s. Qual deve ser a viscosidade do lubrificante para
atender a estas condições de operação? Considere uma aceleração da gravidade de
10 m/s².

Solução:

Para facilitar a visualização, podemos fazer um esboço do problema:

Dc = 15,1 cm

Dp = 15,0 cm
h = 6 cm


Lubrificante
Força Peso (P)

Para que o pistão caia à velocidade constante, é necessário que ele esteja em equilíbrio
dinâmico: há movimento, mas não há aceleração. Pela segunda lei de Newton, temos:
 
F  m.a 0
Aqui, duas forças estão atuando: o próprio peso do pistão (P) e a força da tensão de ci-
salhamento (Ft), que é a resistência do lubrificante ao movimento. Assim, em módulo:

Ft = P

Lembre-se que, pela definição de tensão de cisalhamento:

Ft
t=
A

Ft = t . A

70 Introdução à Mecânica dos Fluidos


A tensão de cisalhamento ( t ) pode ser avaliada por meio da lei de Newton da
viscosidade, enquanto a área em questão é a área lateral do pistão. Lembre-se que o
pistão é um cilindro, cuja área lateral é calculada pelo produto da sua circunferência
e seu comprimento. Logo:
dv
=τ µ= ; A π . Dp . h
dy

 dv 
Ft  τ . A   µ  . (π . D p . h)  P
 dy 

Note que, para calcularmos a viscosidade por meio desta equação, é necessário ava-
liarmos o gradiente de velocidades de alguma maneira. O procedimento rigoroso e
de resultado mais preciso seria empregar coordenadas polares para resolver a integral.
Entretanto, em algumas situações, é possível simplificar o gradiente de velocidade,
assumindo a variação de velocidade como linear. Observe o diagrama a seguir:

y dv
v2
dy
dy v1


Nesta representação, uma variação dy na direção do eixo y corresponde a uma va-


riação dv na velocidade. Contudo, quando a distância (ε) entre as superfícies for
relativamente pequena, é razoável considerar que esta variação é linear, como na
figura a seguir:

y v0
dv
dy


UNIDADE 2 71
Assim, podemos simplificar a lei de Newton para a seguinte forma:

v0
τ =µ
ε

Retornando ao exemplo, note que a distância ε da parede do cilindro ao pistão é


correspondente a:
Dc  D p
e  0, 05 cm
2

Esta é uma distância razoavelmente pequena para considerarmos um gradiente de


velocidade linear. Assim:
 v0 
 µ ε  . (π . D p . h )  P
 

A força peso do pistão é dada por:


P = m .g

Portanto, isolando a viscosidade e admitindo uma aceleração da gravidade de 10 m/s²,


chegamos ao resultado desejado:

m. g .ε
µ
v0 . π . D p . h
(0, 500 kg ) . (10 m / s ²) . (0, 0005 m)
µ
(1, 4 m / s ) . (3, 14) . (0, 15 m) . (0, 06 m)
kg .m². s
µ  6, 32 . 102
s ².m3

kg .m
A unidade base de Newton é N = . Assim, temos que:
s2

N .s
  6, 32 . 10 2
m2

Apenas para fins comparativos, o resultado mais preciso para este problema (não consi-
derando o gradiente de velocidade linear) seria de, aproximadamente, 6,29.10-2 N.s/m².
Isso indica um erro de 0,48%, que pode ser admitido como desprezível, comprovando
a viabilidade da simplificação feita.

72 Introdução à Mecânica dos Fluidos


A viscosidade é uma das características mais importantes no momento de escolher
o melhor óleo lubrificante para um carro. Na prática, o produto precisa ser viscoso o
suficiente para criar uma película protetora entre as partes do motor, mas não pode
ser tão viscoso a ponto de oferecer muita resistência ao movimento das peças, exigir
mais força para ser bombeado e fluir lentamente pelo motor. Os menos viscosos
circulam com mais facilidade, permitindo uma lubrificação mais rápida e que alcança
cada centímetro das peças. Essa excelente fluidez faz com que nenhuma parte se
desgaste mais do que outra, diminuindo a necessidade de pequenas manutenções.
Fonte: Stabelini ([2019], on-line)2.

As próximas propriedades que iremos abordar são relativamente simples, mas seus
nomes podem causar certas confusões. Para evitar que isso ocorra, iremos caracteri-
zar: densidade, massa específica e peso específico. Nos seus estudos, os fluidos serão
admitidos como meios contínuos e homogêneos, ou seja: as propriedades em cada
ponto do fluido coincidem com as suas propriedades médias. Com isso em mente,
vamos começar diferenciando densidade de massa específica.
Considere um corpo de massa ( m ) e volume total ( V ), seja ele maciço ou oco.
É possível definir, matematicamente, a densidade desse corpo por meio da seguinte
relação:

m
d=
V

Caso o corpo analisado seja maciço e homogêneo ou caso a parte oca seja descon-
siderada, a densidade é chamada de massa específica (ρ). Em geral, depende da
temperatura e da pressão, sendo característica do fluido. No SI, a unidade é kg/m³.

m
r=
V

É também comum chamar a massa específica de “densidade absoluta”. Contudo, al-


guns materiais utilizam o termo “densidade” de forma mais genérica, referindo-se a
corpos e objetos, em vez de substâncias específicas. Isso pode gerar dúvidas quando
os objetos forem maciços ou ocos, por isso, será evitado ao longo deste material.

UNIDADE 2 73
Por sua vez, o peso específico (γ) segue uma lógica semelhante: é o peso (P) por
unidade de volume (V). No SI, a unidade é N/m³, sendo comum também encontrá-la
dada em kgf/m³:
P
g=
V

Como o peso é o produto da massa com a aceleração da gravidade, ou seja, P = m.g ,


é possível traçar uma relação entre peso específico e massa específica:

m.g
γ γ ρ.g
V

Para líquidos, estas duas propriedades são essencialmente constantes, pois podem ser
consideradas substâncias incompressíveis, ou seja, uma variação na pressão não varia
o seu volume. Para gases, os efeitos da pressão não podem ser desprezados. Vejamos,
agora, um exemplo para esclarecer o que acabamos de estudar.

2 EXEMPLO Você possui duas esferas, uma maciça e uma oca, feitas de um único e mesmo material.
Conhecendo suas massas e volumes, calcule a massa específica e o peso específico
deste material, e a densidade de cada esfera.

Esfera A Esfera B
Maciça Oca
Volume: 3 cm³ Volume: 5 cm³
Massa: 9 g Volume vazio: 2 cm³
Massa: 9 g

Solução:

Ambas as esferas são do mesmo material. Calculando a massa específica do material


para a esfera A, temos:

mA 9g
=
rA == 3= g / cm³ 3000 kg / m³
VA 3 cm³

74 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Ao fazer o mesmo para a esfera B, devemos nos atentar a utilizar apenas o volume
de material, ou seja, descontando a parte oca. Dessa forma:
mB 9g
rB    3 g / cm³  3000 kg / m3
VB ,total  VB ,vazio (5 cm³  2 cm³)

De fato, se o material de ambas as esferas é o mesmo, a massa específica deve ser a


mesma. Considerando uma aceleração da gravidade de 10 m/s², podemos avaliar o
peso específico facilmente:

kg m N
= . g 3000
γ ρ= 10 =
2
= 30000 3
30
m³ s m
Agora, calculando a densidade da esfera A:

mA 9g g kg
d=
A = = 3
3= 3
3000 3
VA 3 cm cm m

Note que este resultado é igual à massa específica do material. Isto faz sentido pois
ela é maciça. Por outro lado, ao calcularmos a densidade da esfera B, veremos que,
apesar de ter massa e volume de material idênticos ao da esfera A, o fato dela ser oca
faz com que sua densidade seja menor:
mB 9g g kg
=dB = = 3
1,=
8 3 1800 3
VB ,total 5 cm cm m

Sabendo o que é viscosidade dinâmica/absoluta e a massa específica, podemos defi-


nir a chamada viscosidade cinemática ( n ), obtida pela razão entre a viscosidade
absoluta e a massa específica:

µ
ν=
ρ

No SI, sua unidade é m²/s. Existe também outra unidade utilizada com frequência, o
stoke (St), equivalente a cm²/s, sendo também frequentemente utilizado o centistoke
(cSt). Este é um parâmetro importante para a mecânica dos fluidos, sendo também
chamado de “difusividade de momento”.
Por fim, conhecidas estas propriedades, é importante definirmos dois conceitos
fundamentais para o restante de seu estudo:

UNIDADE 2 75
Fluido ideal: aquele cuja viscosidade é nula, sem
perdas de energia por atrito e sendo também in-
compressível. Naturalmente, não existem fluidos
ideais, mas às vezes este conceito é utilizado em
problemas de mecânica dos fluidos.
Escoamento incompressível: escoamento de
fluido, em que seu volume não varia ao modificar
a pressão. Em geral, os escoamentos podem ser
considerados incompressíveis, pois ou o fluido
é um líquido ou as velocidades em questão são
baixas.
Fonte: adaptado de Çengel e Cimbala (2015).

A seguir, abordaremos a técnica de análise dimen-


sional, importante para compreender as variáveis
e grandezas fisicamente. Demonstraremos o seu
uso com as propriedades que você acabou de es-
tudar neste tópico.

76 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Análise
Dimensional

Muitos casos da engenharia na vida real não são


viáveis de serem resolvidos de forma puramente
analítica, seja porque não conhecemos ou não
conseguimos resolver as equações ou, ainda, por-
que a quantidade de variáveis é muito grande. Por
isso, às vezes, a experimentação é o único méto-
do que permite produzir modelos matemáticos
capazes de descrever os fenômenos observados.
Contudo, experimentos exigem tempo e dinheiro,
sendo fundamental projetá-los de maneira en-
xuta, em que seus resultados são aproveitados de
forma eficiente. A análise dimensional surge para
alcançar esta eficiência, racionalizando a pesquisa
e reduzindo custos e tempo.

UNIDADE 2 77
Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

Os três principais propósitos da análise dimensional são:


• Desenvolver modelos matemáticos capazes de descrever o fenômeno em estudo.
• Elaborar parâmetros adimensionais (sem dimensão) que facilitam a interpre-
tação de resultados experimentais e o design de experimentos.
• Prever semelhanças entre parâmetros e fenômenos.

O objetivo aqui não é desenvolver matematicamente as estratégias de análise dimen-


sional, mas fornecer formas de utilização prática deste assunto. Para isso, começaremos
com o conceito de equações dimensionais.

Equações Dimensionais

Na descrição de fenômenos físicos, encontramos diversos tipos de grandezas diferentes,


por exemplo: força, aceleração, velocidade, energia, tempo e espaço. Como você bem sabe,
cada uma destas grandezas é dada por dimensões e unidades diferentes. Contudo, ao ana-
lisá-las, podemos identificar que elas não são todas independentes entre si, uma vez que
estão relacionadas por leis físicas e definições. Assim, podemos reduzir este conjunto de
grandezas para apenas três grandezas independentes, a partir das quais podem ser obtidas
todas as outras, sendo chamadas de base completa da Mecânica.
Por exemplo, a grandeza “velocidade” nada mais é do que uma combinação das
grandezas “espaço” e “tempo”. Afinal, se um corpo percorre 20 metros (espaço) em 5
segundos (tempo), podemos dizer que ele está se movendo a 4 metros por segundo
(velocidade). Assim, a grandeza “velocidade” depende das grandezas independentes
“espaço” e “tempo”.
As grandezas utilizadas como independentes podem ser escolhidas conforme a conve-
niência, mas, em geral, costumam ser: força, comprimento e tempo (base FLT). Esta será
a base adotada ao longo deste material, mas fique atento, pois não é tão raro encontrar
materiais que utilizem a base MLT: massa, comprimento e tempo. As demais grandezas
que não fazem parte da sua base completa são denominadas grandezas derivadas.

78 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Estabelecidos estes conceitos, podemos então definir o que são as chamadas
equações dimensionais.

Equação dimensional: equação monômia (ou seja, de um único termo) que relaciona
uma grandeza derivada com a base completa.
Fonte: Brunetti (2008).

Agora, vamos explorar o uso da análise dimensional por meio das propriedades dos
fluidos que estudamos anteriormente.

3 EXEMPLO Escreva a equação dimensional da viscosidade cinemática na base FLT.

Solução:

Sabemos que a viscosidade cinemática é dada pela razão entre a viscosidade dinâmica
e a massa específica:

µ
ν=
ρ

É necessário, inicialmente, analisar as dimensões destas duas propriedades. A massa


específica, por definição, é a razão entre massa e volume:

m
r=
V

Note que estamos trabalhando com a base FLT: força, comprimento e tempo. Isso
significa que a massa é uma de suas grandezas derivadas e deve ser escrita em função
das grandezas fundamentais. A lei física que consegue expressar a massa nessa base
é a segunda lei de Newton:

F
F  m.a  m
a

UNIDADE 2 79
A força (F) é uma de nossas grandezas fundamentais. Portanto, ao analisar sua di-
mensão, temos que [F] = F. A aceleração (a), por outro lado, tem unidades de compri-
mento dividido por tempo ao quadrado, como m/s², por exemplo. Suas dimensões
são, portanto: [a] = L/T² = LT-2. Assim:

F [F ] F FT 2
m  [ m]   2
  FT 2 L1
a [a ] LT L

De forma semelhante, sabemos da geometria que volume (V) tem dimensões de


comprimento ao cubo, ou seja: [V] = L³. Combinando [m] e [V], temos para a massa
específica:
[m] FT 2 L1
[r ]   3
 FT 2 L4
[V ] L

Resta agora verificar as dimensões da viscosidade absoluta. Pela lei de Newton da


viscosidade, temos:

dv τ
τ µ  µ
dy dv
dy

Como definimos anteriormente, a tensão de cisalhamento é:

Ft
t=
A

A força tangencial (Ft) é, evidentemente, uma força, portanto, uma grandeza funda-
mental: [Ft] = F. Por sua vez, da geometria sabemos que a área (A) tem dimensões de
comprimento ao quadrado: [A] = L². Combinando-as, temos, então:

[ Ft ] F
[t ]   2  FL2
[ A] L

 
O gradiente de velocidade dv dy também pode ser analisado da mesma maneira:
são variações de velocidade (comprimento/tempo) por variações de posição (com-
primento). Assim:

 dv  [v] LT 1 1
 dy   [ y ]  L  T
 

80 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Portanto, as dimensões da viscosidade absoluta são:

[τ ] FL2
[µ ]   1
 FL2T
 dv  T
 dy 

Finalmente, combinando a viscosidade absoluta e a massa específica, podemos es-


crever a equação dimensional da viscosidade cinemática na base FLT, que é o que
desejamos:

[µ] FL2T
[ν ]   2 4
 F 0 L2T 1  L2T 1
[ρ ] FT L

O nome viscosidade “cinemática” é devido ao fato de suas dimensões não envolve-


rem força, apenas comprimento e tempo – as próprias grandezas fundamentais da
cinemática, suficientes para relacionar todas as grandezas derivadas deste campo
da física. Outros, como termodinâmica e eletromagnetismo, podem demandar mais
do que três grandezas fundamentais.

Números Adimensionais

No estudo dos fenômenos de transporte, é comum nos depararmos com alguns nú-
meros que, apesar de possuírem grande significado prático e físico, não apresentam
unidades. São os chamados números adimensionais, que independem de todas as
grandezas fundamentais e costumam ser indicados pela letra grega π.
Para melhor ilustrar como eles funcionam, vamos começar por um dos números
adimensionais mais fundamentais e conhecidos da mecânica dos fluidos: o número
de Reynolds (Re).
ρ.v. D v. D
=Re =
µ ν

Em que ρ é a massa específica do fluido, v é a velocidade do escoamento, D é o


diâmetro da tubulação, µ é a viscosidade absoluta do fluido e n (letra grega) é a
viscosidade cinemática.

UNIDADE 2 81
Façamos, inicialmente, a análise dimensional desta equação. Nos exemplos ante-
riores, verificamos que [r ]  FT 2 L4 e [  ]  FL2T . Além disso, v é uma velocidade
e D é um comprimento, então: [v]  LT 1 e [ D] = L . Combinando-os na forma do
número de Reynolds, teremos:

[ρ ] .[v] .[ D] FT 2 L4 . LT 1 . L
[Re]    2
 F 0T 0 L0
[µ ] FL T
Como todos os expoentes são iguais a zero, conclui-se que o número de Reynolds
independe das grandezas fundamentais força, comprimento e tempo. Assim, por
definição, é um número adimensional.
As utilidades do número de Reynolds serão mais bem discutidas nas unidades a
seguir, mas já vale mencionar de antemão que seu principal uso é na caracterização
de escoamentos de fluidos, como laminares ou turbulentos, sendo de grande impor-
tância tanto na mecânica dos fluidos quanto nos processos de transferência de calor
e massa. Dessa forma, o número de Reynolds demonstra que este comportamento
do escoamento depende de um conjunto de grandezas e não delas individualmente.
Afinal, de onde surgem os números adimensionais e como eles têm tamanha
significância? Neste material, você será poupado das raízes matemáticas rigorosas
e exaustivas que existem por trás destes números, como o chamado Teorema Pi de
Buckingham, utilizado na concepção de um número adimensional para um certo
fenômeno. Em vez disso, faremos uma apresentação qualitativa em que seja mais fácil
compreender o papel dos números adimensionais.
Brunetti (2008) sugere o seguinte exemplo: imagine que você deseja determinar
a força F de resistência ao avanço de uma esfera lisa mergulhada em um fluido. Tal
força costuma ser chamada de força de arrasto ou arraste.
Experimentalmente, observa-se que esta força é uma função de variáveis, como
o diâmetro ( D ) e a velocidade ( v ) da esfera, e a massa específica ( r ) e viscosidade
( µ ) do fluido. Isto é:

F = f ( D , v, ρ , µ )

v
D ρ, μ
F

Figura 6 - Representação do experimento para estudo da força de arraste


Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

82 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Considere, agora, que você gostaria de testar, pelo menos, cinco valores distintos
para cada variável. Isto seria o equivalente a 625 pontos experimentais (D, v, ρ, m),
ou seja, por assim dizer, o experimento seria realizado 625 vezes. Da sua vivência
com disciplinas experimentais, você deve ter noção que isto demandaria um grande
tempo e possivelmente muitos recursos. Este número iria ainda mais longe se fossem
consideradas mais variáveis ou se tentássemos mais valores para cada uma.
Além disso, há ainda outro problema fundamental: como você faria a representação
gráfica de seus resultados? Se, por exemplo, inicialmente você optasse por fixar ρ e µ , você
poderia construir um diagrama FxD com diferentes curvas para as diferentes velocidades,
como representado na Figura 7.
F
vn v2
v1

ρ1, μ1
D
Figura 7 - Diagrama FxD para diferentes velocidades com massa específica e viscosidade constantes
Fonte: Brunetti (2008, p. 145).

Ainda seguindo nosso exemplo, observe quantos dos seus resultados seriam con-
templados por este diagrama:
• 1 valor de massa específica (r ) .
• 1 valor de viscosidade ( µ ) .
• 5 valores de diâmetro ( D) .
• 5 valores de velocidade (v) .

Isto é, um único diagrama destes contemplaria apenas 25 dos seus 625 resultados:
cinco curvas, uma para cada velocidade, cada uma com cinco pontos para cada um
dos diâmetros testados. Isto significa que seriam necessários 25 diagramas diferentes
para representar todos os resultados, basicamente formando uma matriz ρ (linhas)
x µ (colunas), em que cada elemento da matriz é um diagrama.

UNIDADE 2 83
F F
vn v2 vn v2
v1 v1
μ variável
ρ fixo
ρ1, μ1 ρ1, μ n
D D

ρ variável ρ variável
μ fixo μ fixo
F F
vn v2 vn v2
v1 v1
μ variável

ρ n , μ1 ρ fixo ρ n, μ n
D D
Figura 8 - Matriz de diagramas FxD para avaliação da força de arraste em diferentes diâmetros, velo-
cidades, massas específicas e viscosidades
Fonte: Brunetti (2008, p. 145).

Como se isto tudo já não fosse exaustivo o bastante, reflita acerca de duas últimas
perguntas: seria viável tentar identificar e descrever o comportamento desejado tendo
que observar e analisar 625 diagramas diferentes simultaneamente? Se o número de
variáveis ou de valores testados para cada uma fosse reduzido, visando simplificar o
experimento e a análise, será que os resultados seriam realmente bons e suficientes
para descrever um fenômeno físico rigorosamente?
Vamos verificar como os números adimensionais podem simplificar este experi-
mento. Considere os seguintes números:
F ρvD
= π1 = 2 2
e π2
ρv D µ

Note que π2 é justamente o número de Reynolds. Caso queira praticar, você pode
fazer a análise dimensional de π1 para verificar se ele é mesmo adimensional. O im-
portante neste momento é que você perceba que p1 e p2 , juntos, contemplam as
quatro variáveis em estudo ( D, v, ρ, µ) .
Agora, voltemos para o experimento. Se utilizarmos uma única esfera de diâme-
tro D e um único fluido de massa específica r e viscosidade µ , pode-se variar a

84 Introdução à Mecânica dos Fluidos


velocidade v e medir a força F . Isto é, teremos pares ( F , v) para um trio ( D, ρ , µ)
fixo. Note que, se você conhece todos estes cinco valores em cada ponto experimen-
tal, você pode também avaliar p1 e p2 em cada um destes pontos. Assim, você po-
deria organizar a seguinte tabela:
Tabela 1 - Resultados para o experimento da força de arraste variando a velocidade

Ponto F v D ρ  π1 π2

µ
F1 ρv1 D
1 F1 v1 D r π1,1 = π2,1 =
2
ρv D12 µ

µ
F2 ρv2 D
2 F2 v2 D r π1,2 = π2,2 =
2
ρv D22 µ

µ
F3 ρv3 D
3 F3 v3 D r π1,3 = π2,3 =
2
ρv D32 µ

µ
F4 ρv4 D
4 F4 v4 D r π1,4 = π2,4 =
2
ρv D42 µ
F5 ρv5 D
5 F5 v5 D r µ π1,5 = 2
π2,5 =
ρv D52 µ
Fonte: os autores.

Além disso, ambos os números adimensionais contêm a velocidade, que é o parâmetro


que foi variado. Assim, é possível afirmar que para cada π1 existe um π2 correspon-
dente, sendo possível construir o diagrama π1 x π2:

π1 = F
ρv²D²

(80; 1,6)
1,6
(200; 0,5)
0,5 ρvD
π2 =
80 200 µ
Figura 9 - Diagrama hipotético π1 x π2
Fonte: os autores.

Agora, é importante que você compreenda a seguinte afirmação: os pontos desta


curva dependem do conjunto (ρ , v, D, µ, F ) e não de seus valores individuais. Isto
significa que o experimento foi genérico, e os resultados são válidos para outras

UNIDADE 2 85
esferas de diâmetros diferentes ou outros fluidos com massas específicas e viscosi-
dades diferentes. Por exemplo, o ponto (200; 0,5), na Figura 9, é válido para qualquer
conjunto (ρ , v, D, µ, F ) , desde que:

F ρvD
=π1 = 0, 5 e =
π2 = 200
ρv 2 D 2 µ

Dessa forma, a curva contempla todas as infinitas combinações de valores das cin-
co variáveis, sendo capaz de descrever o fenômeno em estudo com versatilidade e
economizando tempo e recursos. Diagramas como este são chamados de diagramas
universais do fenômeno. Vamos fixar esta ideia por meio de um exemplo quantitativo.

4 EXEMPLO Você possui um óleo cuja massa específica é 930 kg/m³ e a viscosidade dinâmica é de
5,81x10-2 N.s/m². Se uma esfera de 1 centímetro de diâmetro se desloca neste fluido
à velocidade de 0,5 m/s, qual a força de arrasto sobre ela? Considere o diagrama
hipotético da Figura 9.

Solução:

Os parâmetros que conhecemos são suficientes para calcular o número adimensional


π2:
kg m
930 3 . 0, 5 . 0, 01 m
ρvD m s
π2    80
µ 2 N . s
5, 81.10
m2
Pelo diagrama da Figura 9, quando π2 = 80, temos que π1 = 1,6. Assim, é possível
calcular F:

2
F kg  m 2
π1   F  π1. ρv2 D2  1, 6 . 930 .  0, 5  .  0, 01 m   3, 72 . 102 N
ρv 2 D 2 m³  s

Como você deve ter notado, os números adimensionais podem facilitar bastante o
estudo de leis e fenômenos físicos. Assim como o número de Reynolds, alguns núme-
ros que aparecem com certa frequência nos fenômenos de transporte recebem nomes
próprios, como os números de Mach, Euler, Fourier, Biot, Nusselt, Prandtl, Schmidt,
Sherwood e muitos outros. Uma vez que este material é de natureza introdutória, eles
não serão todos abordados, mas caso você procure conhecê-los, certamente sua visão
analítica acerca dos fenômenos de transporte ficará mais aguçada.

86 Introdução à Mecânica dos Fluidos


Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Duas placas planas paralelas estão posicionadas a uma distância ε = 3 mm. O


espaço entre elas é preenchido com um óleo de viscosidade cinemática de ν =
0,2 St e massa específica ρ = 850 kg/m³. A placa inferior fica imóvel, enquanto
a placa superior passa a se mover horizontalmente com velocidade v0 = 3 m/s.
Qual a tensão de cisalhamento agindo sobre o óleo?

v0 = 3 m/s

3 mm

2. Uma película de óleo de 2,5 mm foi colocada sobre uma superfície plana inclinada
em 45°. Em seguida, uma placa quadrada, com peso de 30 N e 1 metro de lado,
foi colocada para deslizar sobre este plano. Observou-se que, ao longo de sua
descida, a placa atingiu a velocidade de 4,2 m/s, que se manteve constante até
o final do deslocamento. Qual a viscosidade dinâmica do óleo?

2,5 mm

4,2 m/s 30 N

45°

87
3. Sendo a pressão (p) em um ponto qualquer de um líquido em repouso dada
pela equação:

p =r.g .h

Em que ρ é a massa específica, g é a aceleração da gravidade e h é a profundidade


do ponto em relação à superfície livre do líquido. Escreva a equação dimensional
da pressão na base FLT.

4. Deseja-se determinar a viscosidade cinemática do metanol a 20 °C. Sabe-se que,


nesta temperatura, a massa específica deste fluido é de 788,4 kg/m³. Experimen-
talmente, você observou que, quando uma esfera de 1 centímetro de diâmetro
se desloca no metanol à velocidade de 1,49x10-2 m/s, a força de arrasto sobre a
esfera era de 8,75x10-6 N. Dessa forma, qual a viscosidade cinemática do meta-
nol? Considere, de maneira hipotética, que o diagrama da Figura 9 seja válido.

88
LIVRO

Mecânica dos Fluidos


Autor: Franco Brunetti
Editora: Pearson Prentice Hall
Sinopse: livro que se destaca por tratar a mecânica dos fluidos de maneira
bastante didática e prática, por vezes evitando explorar as raízes matemáticas
dos conceitos em prol de desenvolver no leitor a habilidade de usá-los. O con-
teúdo é organizado de maneira que o aluno se acostume mais facilmente com
a disciplina, em grau crescente de dificuldade e realismo.
Comentário: este livro é uma das principais referências utilizadas neste material.
Nesta unidade, tratamos de forma compacta e introdutória os conteúdos dos
capítulos 1 e 6. De forma semelhante, as unidades futuras contemplarão também
os conteúdos dos capítulos 2 e 7. Recomenda-se que o aluno, futuramente, faça
a leitura do capítulo 8, que trata de instrumentação para medidas das proprie-
dades dos fluidos e escoamentos, mas que, para uma boa compreensão, exige
alguns conceitos que ainda serão estudados nas próximas unidades.

89
BRUNETTI, F. Mecânica dos Fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3. ed. Brasil: AMGH Edi-
tora, 2015.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹Em: https://www.britannica.com/biography/Isaac-Newton. Acesso em: 02 out. 2019.

²Em: https://blog.texaco.com.br/havoline/viscosidade-do-oleo/. Acesso em: 02 out. 2019.

90
1. O problema pode ser resolvido utilizando a lei de Newton da viscosidade:

τ dv
 cte.  τ µ
dv dy
dy
Por conveniência, como a distância ε é relativamente pequena, é razoável considerar um gradiente de velocidade
linear, conforme indicado na figura. Neste caso, podemos simplificar a expressão para a forma:

v0
τ =µ
ε
Para utilizar esta equação, precisamos da viscosidade dinâmica do óleo, que pode ser calculada a partir da
viscosidade cinemática e da massa específica, que foram fornecidas. Convertendo em unidades do SI:

1 cm² / s 104 m2 m2
n  0, 2 St  2 . 105
1 St 1 cm² s

Calculando a viscosidade dinâmica:

µ
ν  µ  ρ .ν
ρ
kg 5 m2 kg N .s
µ  850 . 2 . 10  1, 7 . 102  1, 7 . 102 2
m3 s m.s m

Então, a tensão de cisalhamento pode ser encontrada:

 N . s  3 m / s 
t   1, 7 . 102 2 
 m  3 . 103 m  
t  17 N / m2

91
2. A viscosidade dinâmica pode ser encontrada por meio da avaliação da tensão de cisalhamento que atua
sobre a placa. O primeiro passo é realizar o balanço de forças, decompondo a força peso (P) em uma com-
ponente normal (Pn) e uma tangente (Pt) à superfície inclinada, e indicando a força que impõe resistência
ao movimento da placa (Ft):

Ft

Pn
P

45° Pt

Se a velocidade da placa estava constante, significa que a aceleração na direção do deslocamento era nula.
Portanto, pela segunda lei de Newton (F = m.a), a força resultante (FR) nessa direção também será nula, ou seja:

FR  Pt  Ft  0
Pt  Ft

Como conhecemos G, a geometria nos possibilita determinar Gt, pois o ângulo interno  deve ser justamente
a inclinação da superfície, 45°:

Pt
sen q 
P
Pt  P . sen q
Pt  (30 N ) . sen 45  Pt  21, 21 N
Portanto:

Pt  Ft  Ft  21, 21 N

Agora, pela definição de tensão de cisalhamento ( t ), temos:

Ft
t=
A

92
Observe que a força Ft está atuando sobre toda a superfície inferior da placa, a qual está em contato com a
película de óleo. Dessa forma, como é uma placa quadrada de um metro de lado, a área em questão será:

A= l 2= (1 m)2 = 1 m2

Como conhecemos Ft e A, podemos determinar t:

Ft 21, 21 N N
=
t = 2
= 21, 21 2
A 1m m
Em posse deste valor, podemos alcançar o objetivo da questão utilizando a lei de Newton da viscosidade:

dv
τ =µ
dy

Precisamos, agora, determinar, de alguma maneira, o gradiente de velocidades. Note que a distância da placa
à superfície (ε) é justamente a espessura da película: 2,5 mm. Por ser uma espessura pequena (afinal, é uma
película), é razoável considerar um gradiente de velocidades linear. Assim:

dv dy ε
τ µ  µ  τ.  τ.
dy dv v0

 N   2, 5 . 10 3 m 
   21, 21 2  .  
 m   4, 2 m / s 
N .s
  1, 26 . 10 2
m2
3. Nos Exemplos 3 e 4 desta unidade, já foi demonstrado que as dimensões da massa específica na base FLT
são:

[m] FT 2 L1
[r ]   3
 FT 2 L4
[V ] L
Além disso, sabemos que g é a aceleração da gravidade e, portanto, possui dimensões de comprimento por
tempo ao quadrado, como apresentado no Exemplo 4:

L
[g]  2
 LT 2
T

93
A última variável que resta, h, representa a profundidade do ponto. Logo, sua dimensão deve ser unicamente
de comprimento:

[ h] = L

Com estes três parâmetros, podemos fazer a análise dimensional da pressão conforme a equação enunciada:

[ p ]  [r ] .[ g ] .[h]  FT 2 L4 . LT 2 . L  FL2

De fato, este resultado faz sentido, pois significa “força por unidade de área”, sendo compatível com unidades
típicas de pressão como N/m² (ou Pa).

4. Conhecemos a massa específica (ρ) do metanol, o diâmetro (D) da esfera utilizada, a velocidade (v) e a força
de arrasto (F) observadas no experimento. Considerando válido o diagrama hipotético da Figura 9, dois
números adimensionais são importantes:
F ρvD
=π1 = 2 2
e π2
ρv D µ

As informações que possuímos são suficientes para avaliar π1:

F 8, 75.106 N
π1    0, 50
ρv 2 D 2 2
kg  m
 
2
788, 4 3 .  1, 49.102  . 102 m
m  s
Pela Figura 9, temos que quando π1 = 0,5, π2 = 200. Conhecendo este valor, é possível utilizar a equação de π2
para determinar a viscosidade absoluta do metanol:

kg m
788, 4 . 1, 49.102 . 0, 01 m
ρvD ρvD m 3 s kg
π2   µ   5, 87.104
µ π2 200 m.s

kg 1N N .s
µ  5, 87.104  5, 87.104 
m . s 1 kg . m m
2
s
Cuidado, o exercício ainda não acabou! Foi solicitada a viscosidade cinemática e não a absoluta (dinâmica).
Assim, para concluir a questão, basta dividir este último resultado pela massa específica:

N .s
5, 87.104 2
ν
µ
 m2  7, 45.107 m
ρ kg s
788, 4 3
m

94
95
96
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Pressão e Estática
dos Fluidos

PLANO DE ESTUDOS

Escalas e Unidades
Empuxo
de Pressão

Pressão Medidores de Pressão

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Resgatar o estudo da pressão por meio da sua definição, • Apresentar os principais instrumentos empregados para
do Teorema de Stevin, da Lei de Pascal e do conceito de a medição de pressões em diferentes situações.
carga de pressão. • Revisar a definição de empuxo.
• Determinar os diferentes referenciais físicos existentes
para a medição da pressão e as principais unidades de
medida empregadas.
Pressão

Se você está cursando uma disciplina de fenô-


menos de transporte, é de se esperar que esteja
familiarizado com algumas definições básicas de
física, por exemplo pressão. Por via das dúvidas,
vamos relembrar este conceito, que é um dos mais
importantes para a mecânica dos fluidos: pressão
é a força normal exercida por um fluido por uni-
dade de área. Repare que estamos falando apenas
de líquidos e gases – geralmente, a “pressão” em
corpos rígidos é chamada de tensão mecânica.
Sendo FN a força normal que atua numa superfície de área A , a pressão p é
avaliada pela equação:
FN
p=
A

Uma vez que a pressão é definida como força sobre área, sua dimensão é de força
por comprimento ao quadrado.
No SI, define-se então a unidade de medida Pascal (Pa):

[ FN ] F N
[ p]     Pa
[ A] L2 m²

Assim, imagine dois recipientes, submetidos à mesma força, mas de dimensões dis-
tintas.

10 N 10 N

p1 A1 = 5 cm² p2
A2 = 2 cm²
(a) (b)
Figura 1 - Recipientes distintos submetidos a forças semelhantes
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Evidentemente, a pressão em cada recipiente será diferente:

F1 10 N 10 N N
p1     20000  20000 Pa
A1 5 cm2 5.104 m2 m2

F2 10 N 10 N N
p2   2
 4 2
 50000 2  50000 Pa
A2 2 cm 2.10 m m
É importante notar que, enquanto no capítulo anterior nos interessamos pelas forças
tangenciais (para definir a tensão de cisalhamento), neste capítulo o nosso foco será
nas forças normais sobre o fluido. Por isso, será importante sempre ter em mente
o chamado “plano horizontal de referência” (PHR) que, basicamente, é um plano
horizontal arbitrário que marca a altura z = 0 de um sistema. Veja a figura a seguir:

UNIDADE 3 99
(3)
1m
(2)

10 m

(1) B
2m
(0)
PHR
Figura 2 - Sistema de tubulações indicando o plano horizontal de referência
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).
Para o PHR identificado na figura, teremos:
• Altura da cota (0): z0 = 0 m.
• Altura da cota (1): z1 = 2 m.
• Altura da cota (2): z2 = 2 m + 10 m = 12 m.
• Altura da cota (3): z3 = 2 m + 10 m + 1 m = 13 m.

Esta será frequentemente uma de inúmeras considerações e hipóteses que serão


adotadas a partir desta unidade para que seja possível analisar e solucionar os pro-
blemas. Ao longo das unidades e dos exemplos trabalhados, você verá que estas são
ferramentas práticas e eficientes.

Lei de Pascal

A unidade de pressão no SI descrita anteriormente, Pascal (Pa), é uma homenagem


ao matemático e físico francês Blaise Pascal (1623–1662). De fato, uma de suas prin-
cipais contribuições à física foi a chamada Lei de Pascal, enunciada da seguinte forma:
a pressão aplicada num ponto de um fluido confinado em repouso transmite-se
integralmente a todos os pontos do fluido. Isto é uma consequência do fato de que a
pressão em um fluido permanece constante na direção horizontal. Para ilustrar este
fenômeno, observe o seguinte esquema:

100 Pressão e Estática dos Fluidos


10 N

1 2 1 2
A = 5 m²
3 3
4 4
(a) (b)
Figura 3 - Experimento evidenciando a Lei de Pascal
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Em (a), o recipiente apresenta uma superfície livre à atmosfera. Suponha que as


pressões em cada um dos pontos seja:

= N m2 ; p2 2=
p1 2= N m2 ; p3 4=
N m2 ; p4 5 N m2

Em (b), o fluido no recipiente é então submetido a uma força, que corresponde à


pressão de:

F 10 N N
p
= = 2
=2 2
A 5m m

Assim, as pressões nos pontos indicados passam a ser incrementadas deste valor:
p1 = 4 N/m²; p2 = 4 N/m²; p3 = 6 N/m²; p4 = 7 N/m²
Por fim, note que em ambos os casos as pressões nos pontos 1 e 2, aparentemente
no mesmo nível (linha horizontal), são iguais.
Além desta importante definição para a estática dos fluidos, Pascal também ob-
servou que, uma vez que a pressão aplicada a um fluido é proporcional à superfície
(área), seria possível conectar cilindros de áreas distintas, de modo que o menor
poderia ser utilizado para exercer uma força superior no maior. Assim, um objeto
pesado poderia ser levantado empregando uma força inferior. O exemplo a seguir
ilustra este mecanismo.

UNIDADE 3 101
1 EXEMPLO Em uma oficina, é necessário fazer reparos em um carro de uma tonelada. A manuten-
ção deve ser feita na parte inferior do veículo e, para facilitar o trabalho do mecânico,
deseja-se elevar o carro. Uma ferramenta que pode ser empregada para esta tarefa
é o chamado elevador hidráulico, cujo funcionamento é baseado justamente na lei
de Pascal. Supondo que, para levantar o veículo em questão, uma pessoa aplica uma
força de 1000 N no macaco hidráulico, cujo pistão menor apresenta área de 10 cm²,
qual é a área do pistão maior?

Solução:

Podemos ilustrar o problema da seguinte maneira:


F2 = p2A2

F1 = p1A1

A1 A2
1 p1 p2 2

Figura 4 - Representação esquemática de um elevador hidráulico


Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 61).

É razoável considerar que os pistões estão no mesmo nível, pois o efeito de pequenas
diferenças de altura é desprezível, especialmente em grandes pressões. Assim, temos
que:
p1 = p2

Pela definição de pressão, podemos escrever:

F1 F2
=
A1 A2

102 Pressão e Estática dos Fluidos


Conhecemos três destes quatro parâmetros: F1 é a força aplicada pela pessoa, A1 é a
área do pistão menor, e F2 deve ser, pelo menos, o peso do carro, para que o pistão seja
capaz de movimentá-lo. Assim, considerando uma aceleração da gravidade de 10 m/s²:

m
1000 kg . 10
1000 N s2 N 10000 N
2
  100 2

10 cm A2 cm A2

A2 = 100 cm2

A razão entre áreas A2/A1 é chamada de ganho mecânico ideal do elevador hidráulico.
Esta denominação também pode ser entendida como: a razão entre a força exercida
por um mecanismo e a força aplicada sobre ele. Neste caso, por exemplo, A2/A1 = 10,
de modo que um objeto de 10000 N de peso pode ser levantado com uma força de
apenas 1000 N.

Teorema de Stevin e Carga de Pressão

Outra importante ferramenta da estática dos fluidos que você já pode ter estudado
em suas aulas de física é o Teorema de Stevin. O matemático holandês Simon Stevin
(1548–1620) observou que, enquanto a pressão em um fluido em repouso é inde-
pendente da forma ou seção transversal do recipiente (sendo também constante na
direção horizontal), ela varia com a distância vertical. Stevin publicou este princípio
em 1586, e seu teorema pode ser enunciado da seguinte forma: a diferença de pressão
entre dois pontos de um fluido em repouso é igual ao produto do peso específico do
fluido pela diferença de cotas dos dois pontos.
Este teorema pode ser escrito como a seguinte equação, sendo z as distâncias
verticais em relação ao plano horizontal de referência e g o peso específico:

Dp γ=
= . Dz (ρ . g ) . Dz

Note que você talvez já esteja acostumado, de suas aulas de física, a utilizar esta relação
na seguinte forma:

p =r.g .h

Por exemplo, sendo um recipiente aberto para a atmosfera com certo volume de
fluido em repouso, pode-se esboçar o seguinte esquema:

UNIDADE 3 103
p1 = patm
1

2 p2 = patm + pgh

Figura 5 - Representação verificando o Teorema de Stevin


Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 70).

Se utilizarmos a equação do Teorema de Stevin à risca, teremos:


Dp  γ . Dz  (ρ . g ) . Dz
 p2  p1   ρ . g .  z2  z1 
 p2  p1   ρ . g .  h  0 
 p2  p1   ρ . g . h
De fato, o resultado faz sentido: enquanto a pressão na superfície do fluido é somente
a pressão atmosférica, no ponto 2 ela é acrescida do peso da coluna de fluido. Você
pode comparar esta situação com uma piscina, por exemplo: ao mergulhar, a água
que está acima de você faz peso sobre o seu corpo. Dessa forma, quanto mais fundo
você mergulhar, maior é a pressão sobre o seu corpo, pois maior será a quantidade de
água sobre ele. É por isto que, às vezes, encontramos dispositivos, tais como relógios,
que são ditos “à prova d’água” ou “resistentes a água” até uma determinada pressão
ou profundidade.

Observe que o plano horizontal de referência pode ser entendido como a super-
fície do fluido. Neste caso, você poderia argumentar que a cota “h” teria um valor
negativo, afinal, estaria abaixo do “zero” de referência. Contudo, se este valor fosse
negativo, a equação indicaria que a pressão no ponto 2 seria menor que no ponto
1, o que sabemos não ser verdade. Assim, para garantir resultados corretos, é im-
portante sempre analisar se o valor obtido faz sentido.

104 Pressão e Estática dos Fluidos


É também comum encontrar a pressão sendo descrita por um parâmetro chamado
de “carga de pressão”, dado em unidade de comprimento. De forma simples, você
pode entender que a carga de pressão é o parâmetro h em:
p p
p  ρ . g.h  γ .h  h 
ρ.g γ

Evidentemente, para que o conceito de carga de pressão faça sentido, deve-se co-
nhecer a massa específica (ou o peso específico) do fluido em questão. Entretanto,
por que este parâmetro é importante a ponto de ser conveniente dar um nome mais
particular a ele?
Imagine uma tubulação pela qual escoa um líquido de peso específico γ sob uma
pressão p (Figura 6a). Agora, considere que seja feito um orifício na parte superior
deste tubo, ao qual é ligado uma nova tubulação. Se a pressão p for maior que a
pressão externa, parte do líquido vai subir por esta nova tubulação até alcançar uma
altura h (veja a Figura 6b).

h
γ p γ p
(a) (b)
Figura 6 - Representação esquemática da carga de pressão em tubulações
Fonte: Brunetti (2008, p. 23).

Para que esta coluna de líquido fique em repouso, ela deverá equilibrar justamente
a pressão P da tubulação, ou seja:

ptubo = g líquido . hcoluna


Isto é, a altura h é a própria carga de pressão da pressão p. Com isso, você pode con-
cluir que uma pressão qualquer p pode ser associada a uma altura h de fluido, dada
p
por , chamada de carga de pressão.
g

UNIDADE 3 105
Escalas e
Unidades de Pressão

Agora que conhecemos os principais conceitos e


definições relacionados à pressão, fundamentais
para o estudo da estática dos fluidos, é hora de
aprimorar suas habilidades técnicas, compreen-
dendo como a pressão é medida e quais as prin-
cipais unidades que você poderá encontrar tanto
em outros livros quanto em sua vida profissional.

Escalas de Pressão

Um ponto que frequentemente gera bastante con-


fusão é compreender que há duas referências para
as medidas de pressão, classificando-as como: pres-
sões absolutas ou pressões manométricas (também
chamadas de pressões efetivas). Para facilitar a com-
preensão, primeiro entenda a seguinte afirmação: a
maioria dos aparelhos de medição de pressão (os
chamados “manômetros”) são calibrados para regis-
trar valores nulos (zero) quando abertos à atmosfera.
Em outras palavras, eles adotam a pressão atmos-
férica como seu valor nulo de referência. Assim, as
pressões medidas nestes aparelhos são as chamadas
pressões manométricas.

106 Pressão e Estática dos Fluidos


Por outro lado, você sabe que, na prática, a pressão atmosférica não é nula, afinal
de contas, a pressão ambiente varia até mesmo de acordo com a altitude. Então, para
que as medições façam sentido, o valor nulo de referência adotado é o vácuo (ou zero
absoluto), e por isso são chamadas de pressões absolutas.
Em resumo, de forma simples: se é medida em relação ao vácuo, é pressão absoluta;
se é medida em relação à pressão atmosférica, é pressão manométrica. Se a pressão
medida é menor que a atmosférica, é comum dizer que existe um “vácuo”, apesar de
que o termo mais apropriado seria “depressão”. Estas definições são demonstradas no
esquema a seguir, para duas pressões hipotéticas p1 e p2, em que pabs é a pressão abso-
luta, pman é a pressão manométrica, patm é a pressão atmosférica e pvácuo é a depressão:
p2

pman
patm
pvácuo pabs
p1
patm patm
pabs
Vácuo Vácuo
pabs= 0
absoluto absoluto
Figura 7 - Esquema indicando as diferenças entre as escalas de pressão
Fonte: adaptada de Çengel e Cimbala (2015).
Acompanhando pela Figura 7, note que podemos escrever as seguintes equações. Para p1:

pvácuo  patm  pabs


Para p2:
pman  pabs  patm

Observe, ainda, que as pressões de vácuo são, basicamente, pressões manométricas


negativas. Assim, apesar de os parâmetros das equações anteriores serem quantidades
positivas, é possível falar sobre pressões negativas. Por exemplo, imagine que deseja-
mos calcular a pressão manométrica de p1. Como pabs,1 < patm, temos:

pman,1  pabs ,1  patm  0

UNIDADE 3 107
Logo, se multiplicarmos esta equação por (-1), o valor será positivo:

 pman,1   pabs ,1  patm  0

E, se compararmos com a equação da pressão de vácuo em p1 apresentada anterior-


mente, podemos observar que:

pvácuo,1   pman,1  patm  pabs ,1  0

Dito isto, é importante que você entenda que, para ser capaz de compreender e tra-
balhar com pressão na vida profissional, em vez de tentar decorar equações lógicas,
é muito mais valioso e eficiente que você compreenda os referenciais utilizados nas
duas escalas. Mesmo que estas ideias ainda estejam nebulosas, um pouco de prática
certamente fará com que você se acostume rapidamente.

Unidades de Pressão

Antes de praticarmos, vamos apenas tratar ainda de mais um tópico importante:


unidades de pressão. Como já mencionado, no SI, a unidade é o N/m², equivalente ao
Pascal (Pa). Além disso, sabemos que as pressões podem também ser descritas como
cargas de pressão, as quais apresentam unidades de comprimento. Vejamos algumas
das principais unidades empregadas e seus fatores de conversão:
a) Unidades de Pressão:
Essencialmente, são aquelas baseadas na razão força/área, apresentando dimensão
de força por comprimento ao quadrado, como: N/m² = Pa, kgf/cm², kgf/m² e lb/pol²
(equivalente ao inglês psi, pounds per square inches). Os fatores de conversão são:
1 kgf/cm² = 104 kgf/m² = 9,8.104 Pa = 14,2 psi
b) Unidades de Carga de Pressão:
Como já discutimos, são aquelas que correspondem à altura de uma coluna de
determinado fluido, sendo os mais comuns o mercúrio (por ser um líquido pesado)
e a água. Como já vimos, estas unidades são convenientes, pois nos permitem dizer
imediatamente a que altura uma certa pressão é capaz de elevar um fluido. As uni-
dades mais típicas são: mmHg (milímetros de coluna de mercúrio) e mca (metros
de coluna d’água). Para seu uso, é importante saber que:

g água = 10000 N / m3
g Hg = 136000 N / m3

108 Pressão e Estática dos Fluidos


Os fatores de conversão, com relação ao Pascal, são:
101325 Pa = 760 mmHg = 10,33 mca
Por fim, vale mencionar duas exceções: a unidade atmosfera (atm), que por de-
finição é a pressão capaz de elevar uma coluna de 760 mm de mercúrio, e o bar, que
equivale a, exatamente, 100 000 Pascals (105 Pa). Com isso, temos os seguintes fatores
de conversão:
1 atm = 760 mmHg = 1,01 bar = 101325 Pa = 10332,27 kgf/m² = 14,7 psi = 10,33 mca
Vamos, agora, trabalhar alguns exemplos para que você se familiarize com as
escalas e unidades de pressão que trabalhamos neste tópico.

2 EXEMPLO Um manômetro indica a pressão de 7 psi. Ainda na escala manométrica, converta este
valor para as unidades mmHg e atm. Depois, converta este valor para as unidades
Pa e mca, mas na escala absoluta. Considere a pressão atmosférica patm = 101325 Pa.

Solução:

A pressão indicada pelo manômetro está na escala manométrica, como o nome


sugere. Assim, para atender à primeira parte do problema, basta utilizar os fatores
de conversão conhecidos.
Primeiramente, convertendo de psi para mmHg:

760 mmHg
7 psi = 361, 91 mmHg
14, 7 psi

Depois, convertendo para atm:

1 atm
7 psi = 0, 48 atm
14, 7 psi

Em seguida, devemos fazer novas conversões, mas agora na escala absoluta. Para isso,
devemos lembrar que a pressão absoluta pode ser avaliada por:

pabs  pman  patm

UNIDADE 3 109
Naturalmente, para que a soma faça sentido, a pressão manométrica e a pressão
atmosférica devem estar nas mesmas unidades. Como a primeira unidade pedida
é o Pa – a mesma unidade da pressão atmosférica dada – é conveniente converter a
pressão manométrica:

101325 Pa
7 psi = 48250 Pa
14, 7 psi

Agora, passando para a escala absoluta:

pabs  48250 Pa  101325 Pa  149575 Pa


Fazendo o mesmo processo, mas agora para mca:

10, 33 mca
7 psi = 4, 92 mca
14, 7 psi

Convertendo a pressão atmosférica para mca:

10, 33 mca
101325 Pa = 10, 33 mca
101325 Pa

E, então, na escala absoluta:

pabs  4, 92 mca  10, 33 mca  15, 25 mca


É importante notar que poderíamos ter convertido diretamente o valor da pressão
absoluta de Pa para mca:

10, 33 mca
149575 Pa = 15, 25 mca
101325 Pa

Como os fatores de conversão estão listados com até 2 decimais, alguns dos resultados
podem variar ligeiramente em relação aos valores reais.

110 Pressão e Estática dos Fluidos


Medidores
de Pressão

Vejamos, agora, alguns dos principais instrumen-


tos capazes de medir pressões. Como estaremos
mais focados em compreender os diferentes
princípios de funcionamento, é natural que aqui
eles pareçam de grande simplicidade, enquan-
to instrumentos comerciais poderão apresentar
tecnologias mais sofisticadas e complexas, mas
pautadas nestes mesmos princípios.

Barômetro

O barômetro é um dispositivo utilizado para me-


dir a pressão atmosférica – por causa disto, ela
também é chamada, às vezes, de pressão baro-
métrica. Tal instrumento consiste basicamente
em um tubo cheio de líquido invertido em uma
vasilha cheia do mesmo líquido e aberta à atmos-
fera (veja na Figura 8).

UNIDADE 3 111
vácuo
γ
h Patm
0
A

Figura 8 - Representação de um barômetro básico


Fonte: Brunetti (2008, p. 26).

Observe que parte do conteúdo do tubo permanecerá nele, na forma de uma coluna de
líquido. Talvez isto não pareça intuitivo, mas podemos dar uma explicação física com
base nos tópicos que estudamos durante esta unidade. Primeiro, note que enquanto
a vasilha está aberta à atmosfera, o tubo está fechado. Isto significa que a pressão
atmosférica atua na superfície do líquido da vasilha, mas não atua na superfície da
coluna de líquido no tubo. Em segundo lugar, lembre-se que, pelo Teorema de Stevin,
a pressão no ponto 0 deve ser igual à pressão no ponto A. Isto é:

p0 = p A
Agora, note que a pressão em A é a própria pressão atmosférica, enquanto a pressão
em 0 é justamente a pressão causada pela coluna de líquido no tubo. Assim:

p0  glíq . h ; p A  patm  patm  glíq . h

Em posse de um barômetro, se conhecermos o peso específico γ do líquido empre-


gado, podemos medir a altura h da coluna de líquido no tubo, e com isto calcular
a pressão atmosférica. Geralmente, o líquido utilizado é o mercúrio, por apresentar
peso específico elevado, de modo que a altura da coluna possa ser menor, facilitando a
construção do dispositivo. A criação do barômetro é atribuída ao italiano Evangelista
Torricelli (1608–1647) e, por isso, a unidade mmHg é também chamada de “torr”.

Manômetro de Bourdon

Outro dispositivo mecânico utilizado para a medição de pressões são os chamados


manômetros de Bourdon, denominados assim em referência ao engenheiro e inventor
francês Eugene Bourdon (1808–1884). Seu funcionamento é baseado na deformação

112 Pressão e Estática dos Fluidos


de um tubo de metal oco quando submetido à pressão medida. A extremidade do
tubo, então, movimenta-se, ligada a um sistema de alavancas e um ponteiro, que indica
a pressão analogicamente em um mostrador, devidamente calibrado.

Sistema de
Tubo ampliação
metálico

Tomada
de pressão
Fluido à pressão p
Figura 9 - Representação esquemática do funcionamento de um manômetro de Bourdon
Fonte: Brunetti (2008, p. 26).

Figura 10 - Manômetro de Bourdon e diferentes Manômetro de Bourdon


tipos de tubos empregados

Piezômetro (Coluna Piezométrica)

O piezômetro é um instrumento que mede a carga de pressão, sendo de construção


muito simples: apenas um tubo de vidro ligado ao reservatório que se deseja medir
a pressão. Dessa forma, como no barômetro, é necessário conhecer o peso específico
do fluido.

UNIDADE 3 113
h = p/γ

Figura 11 - Representação esquemática de um piezômetro


Fonte: Brunetti (2008, p. 27).

Seu uso, contudo, tem algumas limitações. Por exemplo, ele só funciona para pressões
manométricas positivas: se houver uma depressão, o ar entra no reservatório, em vez
de uma coluna de líquido subir. Em segundo lugar, não funciona para gases, pois
obviamente eles escapariam sem formar uma coluna. Por fim, ele é útil somente para
pequenas pressões: se forem muito elevadas, as colunas podem ser muito grandes e,
diferentemente do barômetro, não é possível simplesmente escolher usar o mercúrio.

Tubo em U

É possível fazer uma pequena alteração para corrigir o problema do piezômetro de


não conseguir medir depressões. Tais dispositivos são então os chamados tubos em U,
cujo nome remete à sua forma. Neles, utiliza-se um fluido manométrico: um segundo
fluido, cujas propriedades são melhores para utilização em manômetros – em geral,
escolhe-se o mercúrio. Veja a Figura 12:

Gás h

1 2

Figura 12 – Representação esquemática de um manômetro de tubo em U


Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 61).

O princípio é o mesmo do piezômetro: mede-a carga de pressão. Outra vantagem


deste tipo de manômetro é a possibilidade de medir a pressão de gases, pois o fluido
manométrico impede que eles escapem. Vejamos um exemplo.

114 Pressão e Estática dos Fluidos


3 EXEMPLO Deseja-se avaliar a pressão em um reservatório de gás. Para isto, um manômetro de
tubo em U é acoplado, cujo fluido manométrico é o mercúrio (γHg = 1,36.10⁵ N/m³).
Se a pressão atmosférica no local é de 90 kPa, e considerando o esquema a seguir,
determine a pressão desejada nas escalas absoluta e manométrica.

patm = 90 kPa

p=? h = 65 cm

PHR
A B

Solução:

Sabemos que, por estarem na mesma linha horizontal do mesmo fluido, as pressões
nos pontos A e B são iguais. Podemos desprezar a pequena coluna de gás acima do
ponto A, o que é razoável, pois o peso específico de gases é pequeno. Assim, a única
pressão que precisamos considerar é a do próprio reservatório. No ponto B, como o
tubo está aberto para atmosfera, temos a ação da pressão atmosférica e do peso da
coluna de fluido manométrico. Colocando estas informações em equações, temos:

pA  p
pB  patm  pcoluna  patm  g Hg . h
p A  pB  p  patm  g Hg . h

Com isso, fica fácil resolver o problema:

 N 
p  90 kPa   1, 36 . 105 3  . (0, 65 m)
 m 
p  178400 Pa
Repare que esta é a pressão do reservatório na escala absoluta. Para verificar na escala
manométrica, basta desconsiderar a pressão atmosférica:

 N 
p   1, 36 . 105 3  . (0, 65 m)
 m 
p  88400 Pa

UNIDADE 3 115
Os manômetros de tubo em U podem também ter uma configuração diferente: os
chamados manômetros diferenciais, os quais são ligados a dois reservatórios, em vez
de serem abertos para a atmosfera. No tópico a seguir, veremos como abordar estes
manômetros matematicamente.

A B

A B

Figura 13 - Representação esquemática dos manômetros diferenciais


Fonte: Brunetti (2008, p. 28).

Equação Manométrica

Denomina-se equação manométrica aquela que permite determinar a pressão de


um reservatório ou a diferença de pressão entre dois reservatórios. Aqui, estaremos
particularmente interessados no seu estudo aplicado aos manômetros diferenciais.
Considere a figura a seguir:

pA γA
γB
pB

h1
γM h3 h4
h2
Figura 14 - Esquema genérico para a elaboração da equação manométrica de manômetros diferenciais
Fonte: Brunetti (2008, p. 28).

Considerando o que você estudou sobre o Teorema de Stevin e a Lei de Pascal, ire-
mos avaliar a pressão na parte mais baixa do tubo (indicado pela linha sublinhada
inferior), do lado esquerdo ( pe ) e do lado direito ( pd ). No lado esquerdo, temos
que considerar: a pressão no reservatório A ( p A ), a pressão causada pela coluna de
fluido A (cuja altura é h1 − h2 ) e a pressão causada pela coluna de fluido manométrico
(altura h2 ). Assim, podemos escrever a equação:

116 Pressão e Estática dos Fluidos


pe  p A  g A .  h1  h2   g M . h2

De forma semelhante, para o lado direito, temos: a pressão no reservatório B ( pB ),


a pressão causada pela coluna de fluido B (de altura h4 − h3 ) e a pressão da coluna
de fluido manométrico (altura h3 ). Dessa forma:

pd  pB  g B .  h4  h3   g M . h3

Se o sistema está em equilíbrio, por estarem no mesmo nível (direção horizontal),


sabemos que ambas pressões devem ser iguais. Portanto:

p A  g A .  h1  h2   g M . h2  pB  g B .  h4  h3   g M . h3

Agora, vamos analisar como esta equação pode ser utilizada. Primeiramente, é de se
esperar que você conheça os pesos específicos dos três fluidos. Em segundo lugar,
se você está olhando para o manômetro, deve ser capaz de medir as alturas de cada
coluna. Com isso, os únicos dois parâmetros que você provavelmente não conhece
são as pressões nos reservatórios ( p A e pB ). Dessa forma, como mencionado no
início, você pode utilizar a equação manométrica para avaliar a diferença de pressão
entre os reservatórios:
p A  pB  g B .  h4  h3   g M . (h3  h2 )  g A .  h1  h2 

E, evidentemente, se você já conhecer a pressão de um dos reservatórios, será possível


determinar a pressão do outro.

Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.


Para acessar, use seu leitor de QR Code.

Existe também uma regra prática que pode facilitar seu uso da equação manométrica.
Observe, na equação anterior, que cada peso específico sempre multiplica a altura da
sua respectiva coluna. Agora, considere a figura a seguir:

UNIDADE 3 117
pA γ1 γ4
γ6

pB

h1 h6
h4
h3 h5

h2
γ3
γ5
γ2

Figura 15 - Representação de um manômetro genérico


Fonte: Brunetti (2008, p. 29).
É importante que as alturas sejam marcadas sempre na interface entre dois fluidos
do manômetro. A regra funciona da seguinte forma: começando pela esquerda, so-
ma-se à pressão p A as pressões das colunas descendentes e subtrai-se as pressões das
colunas ascendentes. Isto é, “tudo que está descendo soma, e tudo que está subindo
subtrai”. Veja o esquema anterior simplificado da seguinte maneira:
pA

pB

+ h1
– h6
+ h4
– h3 – h5
+ h2

Figura 16 - Representação simplificada de um manômetro


Fonte: Brunetti (2008, p. 29).
Aplicando a regra, podemos escrever:
p A  g1 . h1  g2 . h2  g3 . h3  g 4 . h4  g5 . h5  g6 . h6  pB

A escolha de usar esta regra ou de igualar as pressões do lado esquerdo e direito pode
ficar a seu critério. Vejamos alguns exemplos para colocar estes conceitos em prática.

118 Pressão e Estática dos Fluidos


4 EXEMPLO Considere o manômetro diferencial esquematizado a seguir. O fluido A é óleo, o
fluido B é água e o fluido manométrico é mercúrio. Calcule a diferença de pressão
entre os reservatórios, sabendo que h1 = 15 cm, h2 = 40 cm, h3 = 40 cm, h4 = 10 cm.
Dados: γH₂O = 10000 N/m³; γHg = 136000 N/m³; γóleo = 8000 N/m³.

A
h1
B
h2 h3

h4

Solução:

Como estamos comparando as pressões entre dois reservatórios por meio de um


manômetro diferencial, utilizaremos a equação manométrica para responder ao que
é solicitado. Tendo como referência o nível mais baixo da tubulação (indicada na
figura pela linha pontilhada inferior de h4), podemos escrever as seguintes equações
para o lado esquerdo e o lado direito do tubo:

pe  p A  góleo . h1  g Hg .  h2  h4 
pd  pB  g H 2O . h3  g Hg . h4

Como você bem sabe, se o sistema está em equilíbrio, ambas pressões devem ser
iguais. Igualando-as e remanejando a equação para que a diferença ( p A − pB ) fique
isolada, temos:

p A  pB  g H 2O . h3  g Hg . h4  góleo . h1  g Hg .  h2  h4 
p A  pB  g H 2O . h3  góleo . h1  g Hg . h2

Uma vez que todos os parâmetros do membro direito da equação são conhecidos,
basta substituir os valores e calcular a diferença:

N N N
p A  pB  10000 3
. 0, 40 m  8000 3
. 0, 15 m  136000 . 0, 40 m
m m m3
p A  pB  51600 Pa  51, 6 kPa

Então, o problema está resolvido: a pressão no reservatório A é 51,6 kPa menor do


que a pressão no reservatório B.

UNIDADE 3 119
Poderíamos também aplicar a regra da equação manométrica para chegar à mesma
equação facilmente:

p A  góleo . h1  g Hg . h2  g H 2O . h3  pB
p A  pB  g H 2O . h3  góleo . h1  g Hg . h2

5 EXEMPLO Considerando o esquema da figura a seguir, determine a pressão indicada pelo manômetro.
Em posse deste valor, calcule a força que age na parede superior interna do reservatório.

pM
Área do topo = 20 m²

10 cm γ0 = 8.000 N/m³ patm


Ar

20 cm Óleo γH2O= 10.000 N/m³

35 cm Água 30°
110 cm

Solução:

Apesar de talvez não parecer intuitivo, o problema pode ser solucionado utilizando
a equação manométrica. É conveniente adotar a linha pontilhada como referência
(afinal, é com relação a ela que conhecemos as dimensões do sistema). Do lado es-
querdo, teremos:
pe  pM  g Ar . hAr  go . ho  g H 2O . hH 2O

Do lado direito:
pd  patm  g H 2O . L . sen 30 º

Mais uma vez, como você já deve estar acostumado, por estarem no mesmo nível, a
pressão do lado esquerdo deve ser igual à do lado direito. Com isso, podemos isolar
o parâmetro que desejamos descobrir.
pM  g Ar . hAr  go . ho  g H 2O . hH 2O  Patm  g H 2O . L . sen 30 º
pM  patm  g H 2O . L . sen 30 º g Ar . hAr  go . ho  g H 2O . hH 2O

Veja que também poderíamos ter usado a regra da equação manométrica neste caso:

pM  g Ar . hAr  go . ho  g H 2O . hH 2O  g H 2O . L . sen 30  patm

120 Pressão e Estática dos Fluidos


Agora, lembre-se que, já mencionamos que para solucionar problemas de fenômenos
de transporte, é comum termos de fazer algumas considerações. Aqui, faremos duas:
1. O peso específico do ar é tão pequeno que podemos desprezar a pressão
causada pela sua coluna.
2. O manômetro mede pressão manométrica e, portanto, está calibrado para
indicar 0 para a pressão atmosférica. Assim, pode-se anular este termo na
equação.

Com essas considerações, podemos simplificar a equação para a forma:

pM  g H 2O . L . sen 30 º go . ho  g H 2O . hH 2O
Agora, podemos substituir os valores (pois conhecemos todos) e chegar ao resultado
procurado:

 N   N   N 
pM   10000 3  . 1, 1 m  . 0, 5   8000 3  .  0, 20 m    10000 3  .  0, 35 m 
 m   m   m 
N
pM  400 2
m

Com este resultado, é fácil calcular a força na parede do reservatório. Pela definição
de pressão, temos que:
Ftopo  pM . A
 N 
Ftopo   400 2  . 20 m2  8000 N
 m 

Até aqui, estudamos somente medidores de pressão analógicos tradicionais e


importantes no contexto da mecânica dos fluidos. Existem também sensores mais
modernos, como os transdutores de pressão, que convertem os efeitos da pressão
em algum efeito elétrico, como mudanças na tensão, resistência ou capacitância,
por meio da deformação de um diafragma ou do efeito piezoelétrico (capacidade
de uma substância cristalina gerar tensão elétrica quando sujeita à pressão mecâni-
ca). Em geral, são mais compactos e rápidos, podendo ser também mais sensíveis,
confiáveis e precisos.
Fonte: adaptado de Çengel e Cimbala (2015).

UNIDADE 3 121
Empuxo

Veremos, agora, um último tópico que, particular-


mente, já se distancia um pouco dos conceitos de
pressão que foram estudados nesta unidade, mas
que é bastante importante para compreender o
funcionamento de alguns mecanismos. Trata-se,
novamente, de um conceito que você já pode ter
estudado nas aulas de física: o empuxo.

122 Pressão e Estática dos Fluidos


Este fenômeno está diretamente relacionado com aspectos, tais como flutuabi-
lidade e estabilidade de corpos rígidos em fluidos. Uma observação experimental
bastante importante é que um objeto parece mais leve quando imerso em um líquido
do que no ar. De fato, se você pesasse o objeto dentro da água (com uma balança
à prova d’água), o peso indicado seria menor. Tal observação sugere que um fluido
exerce uma força vertical para cima em corpos imersos nele. A esta força, damos o
nome de empuxo.
Aqui, estaremos mais interessados no uso deste conceito do que no desenvolvimen-
to e análise das forças envolvidas. Para isso, partiremos do Princípio de Arquimedes.

Princípio de Arquimedes: quando um corpo está total ou parcialmente imerso


em um fluido, uma força vertical (chamada empuxo) age nele de baixo para cima,
equivalente ao peso do volume de fluido deslocado.
Fonte: adaptado de Brunetti (2008).

Em posse deste enunciado, podemos escrever:

= f . g . Vdeslocado γ f . Vdeslocado
E ρ=

Em que “E” é o empuxo, “ρf” e “γf” são a massa e o peso específicos do fluido, “g” é a
aceleração da gravidade e “Vdeslocado” é o volume de fluido deslocado. Caso esta última
variável pareça confusa, entenda-a como: “volume do corpo rígido que está submerso”.
Assim, se o sólido estiver completamente imerso no fluido, por exemplo, temos que:

Vdeslocado = Vcorpo

UNIDADE 3 123
Como mencionado, o empuxo é particularmente importante para estabelecer a condição
de flutuação de um corpo. Considere a figura a seguir, em que P é o peso do corpo:

Figura 17 - Forças atuando em um corpo rígido imerso em fluido


Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Veja que, como apontado no início desta unidade, nosso foco está em forças verticais.
Fazendo o balanço destas duas forças, podemos afirmar que, para que o corpo flutue:

E≥P

Utilizando a definição de empuxo e de força peso, podemos desenvolver ambos os


termos deste critério:
g f . Vdeslocado ≥ gcorpo . Vcorpo

Se o corpo for totalmente submerso, Vcorpo = Vdeslocado, o critério de flutuabilidade será:

g f ≥ gcorpo

O matemático grego Arquimedes, que viveu, aproximadamente, de 287 a 212 a.C.,


é também reconhecido como o autor da expressão “Eureka!”. A lenda diz que ele
estava tomando banho quando percebeu que poderia determinar a densidade da
coroa do rei submergindo-a em água e medindo o volume deslocado. Com isso,
poderia confirmar se ela era feita de ouro puro ou não. Os relatos são de que ele
saiu correndo pelado pelas ruas gritando “Eureka!”, exclamação que ficou famosa
mundialmente e que hoje significa algo como “Descobri!”.
Fonte: adaptado de Leslie (2004).

Vamos, agora, trabalhar um exemplo que mostra como o empuxo é importante até
mesmo em tarefas simples de engenharia.

124 Pressão e Estática dos Fluidos


6 EXEMPLO Em um projeto de construção civil submarina, um guindaste é utilizado para levar
grandes blocos de concreto até o mar. Durante a operação, surge a suspeita de que
um dos blocos está fora dos padrões exigidos. Como engenheiro, você sabe que, caso
a massa específica do bloco esteja na faixa de 2100 a 2300 kg/m³, o bloco estará de
acordo com as especificações necessárias. As únicas informações à sua disposição
são a massa específica da água do mar (ρmar = 1040 kg/m³), a tensão na corda do
guindaste segurando o bloco dentro da água (FT,água = 6,5 kN) e o volume do bloco
(V = 0,64 m³). Adotando a aceleração da gravidade como g = 10 m/s², qual sua ava-
liação sobre o bloco?

Solução:

Para facilitar a visualização, o primeiro passo pode ser fazer o esboço do problema.
Considere a situação em que o bloco está sendo levantado pelo guindaste na água:

FT, Água

Água

Agora, é importante ter seu objetivo bastante claro: desejamos verificar se a massa
específica do bloco está na faixa de 2100 a 2300 kg/m³. Observe que, se conhecemos
o volume do corpo, este parâmetro pode ser utilizado para calcular a força peso P:

=P m=
bloco . g (rbloco . Vbloco ) . g

Assim, se conseguirmos calcular a força peso, será possível resolver o problema.


Como conhecemos a massa específica da água do mar e a tensão da corda quando
o bloco está submerso, temos informações suficientes para chegar até a força peso.
Fazendo o balanço de forças na direção vertical:

Força Resultante na Dir eção Vertical = For ças para Cima - For ças para Baixo

UNIDADE 3 125
Para o sistema em equilíbrio:

For ça Resultante na Direção Vertical = 0


For ças para Baixo  For ças para Cima

E então:

P  E  FT ,água

Além disso, pelo princípio de Arquimedes:

P  r f . g . Vdeslocado  FT ,água

Como o bloco está completamente submerso, Vdeslocado = Vbloco. Podemos então subs-
tituir todos os parâmetros:

kg m
P  1040 3
. 10 2
. 0, 64 m3  6500 N
m s
P  6656 N  6500 N
P  13156 N

Agora, retornando à definição da força peso:

P 13156 N
=
rbloco =
Vbloco . g 0, 64 m³ . 10 m / s ²
kg
rbloco = 2055, 63

Dessa forma, podemos concluir que o bloco está, de fato, fora das especificações
exigidas. Outro detalhe importante de se observar neste exemplo é o aparente efeito
“redutor de peso” do empuxo: no ar, todo o peso do bloco estaria na forma de tração
na corda, enquanto na água a tração caiu para menos da metade.

126 Pressão e Estática dos Fluidos


Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Um pistão vertical cilíndrico opera acoplado a uma mola. Um manômetro é utili-


zado para verificar a pressão no gás que fica contido neste pistão. Considerando
os parâmetros apresentados na figura a seguir, determine a pressão absoluta
do gás e a massa do pistão. Adote a aceleração da gravidade como 10 m/s².

p atm = 98 kPa
p man = 16 kPa 50 N

m=?

A = 50 cm²

p=?

127
2. Considere o manômetro da figura a seguir. Sendo o fluido A um óleo e B um
fluido manométrico de pesos específicos γóleo = 8800 N/m³ e γfluido = 120000 N/
m³, determine a pressão p1 na escala manométrica.

P1
A 25 cm
18 cm
10 cm
B

3. Um tubo em U é conectado a um tanque que contém diferentes fluidos. Determi-


ne a pressão manométrica no manômetro A, considerando os pesos específicos
e as alturas das colunas de cada um dos fluidos indicados na figura a seguir.
Qual a altura necessária de uma coluna de água para que ela cause uma pressão
equivalente à indicada no manômetro A?

A
80 cm Óleo
8500 N/m³

40 cm Água
10000 N/m³ 120 cm
Glicerina
60 cm 12600 N/m³

20 cm

128
WEB

Animação desenvolvida pelo TED-Ed que conta a história do barômetro e como


ele funciona. Conteúdo em inglês, mas o vídeo apresenta legendas em portu-
guês disponíveis.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

WEB

Animação desenvolvida pelo TED-Ed que vai mais longe na história de Arquime-
des e comenta a lei da flutuabilidade. Conteúdo em inglês, mas o vídeo apresenta
legendas em português disponíveis.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

129
BRUNETTI, F. Mecânica dos Fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3. ed. Brasil: AMGH Editora,
2015.

LESLIE, M. The First Eureka Moment. Science, [S.l.], v. 305, n. 5688, p. 1219, ago. 2004. Disponível em:
http://science.sciencemag.org/content/sci/305/5688/1219.5.full.pdf. Acesso em: 3 out. 2019.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

130
1. O exercício pede dois resultados: a pressão absoluta no gás e a massa do pistão. O primeiro destes pode
ser facilmente avaliado:

pabs  pman  Patm


pabs  16 kPa  98 kPa  114 kPa

Agora, para calcular a massa do pistão, deve-se partir da definição de pressão:

F
p  F  p. A
A
Como já conhecemos a área, é necessário avaliar as forças atuando sobre o gás. Para isso, você poderia usar
tanto a escala absoluta quanto a manométrica – por conveniência, utilizaremos a escala manométrica. Temos
duas forças para analisar: a força exercida pela mola (Fmola) e a força peso (P):

F   Fmola  P   Fmola  m pistão . g


Fmola  m pistão . g  pman . A

Isolando o termo que desejamos determinar (a massa do pistão) e substituindo os valores de cada parâmetro:

pman . A  Fmola
m pistão 
g
16000 Pa . 0, 005 m²  50 N
m pistão 
10 m / s ²
m pistão  3 kg

2. Para resolver este exercício, usamos a equação manométrica, adotando como plano horizontal de referência
a parte mais baixa do manômetro. A pressão do lado esquerdo pode ser equacionada por:

pe  p A  góleo . hóleo  g fluido . h fluido,1


pe  p A  góleo . (h fluido,2  h fluido,1 )  g fluido . h fluido,1

Do lado direito:

pd  patm  g fluido . h fluido,3

131
Se o sistema está em equilíbrio, é válido:

p A  góleo . (h fluido,2  h fluido,1 )  g fluido . h fluido,1  patm  g fluido . h fluido,3


p A  patm  g fluido . h fluido,3  góleo . (h fluido,2  h fluido,1 )  g fluido . h fluido,1
p A  patm  g fluido . (h fluido,3  h fluido,1 )  góleo . (h fluido,2  h fluido,1 )

Esta mesma equação poderia ser alcançada utilizando a regra da equação manométrica:

p A  góleo . (h fluido,2  h fluido,1 )  g fluido . (h fluido,3  h fluido,1 )  patm


p A  patm  g fluido . (h fluido,3  h fluido,1 )  góleo . (h fluido,2  h fluido,1 )

Como estamos na escala manométrica, podemos desconsiderar o termo referente à pressão atmosférica.
Substituindo os valores na equação:

N N
p A  120000 . (0, 25 m  0, 10 m)  8800 . (0, 18 m  0, 10 m)
m³ m³
p A  17296 Pa  17, 30 kPa

3. Este exercício pode ser resolvido utilizando o conceito de equação manométrica. O usual seria utilizar como
plano horizontal de referência o fundo do manômetro (a parte inferior do tubo na horizontal), contudo,
pela configuração da figura, é conveniente utilizar outro plano: a interface água-glicerina no tanque. Veja
o novo esquema:

A
80 cm Óleo
8500 N/m³

Água 60 cm
40 cm
10000 N/m³

PHR

132
Esta aparente “simplificação” é válida porque, na prática, abaixo deste segmento do sistema, as colunas de
glicerina são iguais de ambos os lados, logo, elas se anulariam na equação manométrica. Equacionando as
pressões do lado esquerdo, temos:

pe  patm  góleo . hóleo  g água . hágua

Do lado direito:
pd  p A  g glicerina . hglicerina
Igualando ambas e isolando o termo solicitado pelo problema, pA:

p A  patm  góleo . hóleo  g água . hágua  g glicerina . hglicerina

A regra da equação manométrica ainda pode ser aplicada, e levaria a esta mesma equação.

Como estamos interessados na pressão manométrica, podemos desconsiderar a pressão atmosférica da equa-
ção. Com isso, basta substituir os valores dos pesos específicos e das alturas de cada coluna:

N N N
p A  8500 . 0, 8 m  10000 . 0, 4 m  12600 . 0, 6 m
m³ m³ m³
p A  3240 Pa

Por fim, o exercício solicita a altura necessária para que uma coluna de água causasse esta mesma pressão. Na
prática, isso pode ser entendido como converter o resultado para alguma unidade apropriada, como metros
de coluna d’água:

10, 33 mca
=p A 3240
= Pa 0, 33 mca
101325 Pa

Veja que o mesmo resultado seria obtido utilizando o Teorema de Stevin:

pA 3240 Pa
h=
'
água =
g água 10000 N

hágua
'
= 0, 324 mca

A pequena diferença observada é decorrente de aproximações no peso específico da água devido à acelera-
ção da gravidade empregada (10 m/s² em vez de um valor mais rigoroso, como 9,8 m/s²). Como observação
final, sugere-se que você experimente resolver este exercício novamente, mas adotando a parte mais baixa do
manômetro como plano horizontal de referência. Isto facilitará a compreensão da estratégia que foi utilizada
nesta resolução.

133
134
135
136
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Cinemática dos Fluidos

PLANO DE ESTUDOS

Vazão e a Equação
da Continuidade

Caracterização
do Escoamento

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Revisitar os conceitos de regime permanente e transien- • Trabalhar com a lei de conservação da massa para definir
te, apresentando as definições de escoamento laminar, a equação da continuidade para o escoamento de fluidos
turbulento e unidimensional. em regime permanente.
Caracterização
do Escoamento

Na Unidade 1, introduzimos conceitos impor-


tantes, como os regimes permanente e transiente,
sistemas, leis de conservação e vazão. Na Unidade
2, definimos a viscosidade, característica funda-
mental dos fluidos, e apontamos ligeiramente os
conceitos de fluido ideal, escoamento incompres-
sível e do número de Reynolds. Na Unidade 3,
trabalhamos os tópicos referentes à estática dos
fluidos, ou seja, os aspectos importantes de serem
analisados nos fluidos quando estão em repouso.
Agora, iremos aprimorar estes conhecimentos ob-
servando nosso novo objeto de estudo: o movi-
mento dos fluidos, frequentemente chamado de
escoamento.
Os problemas de mecânica dos fluidos po-
dem ser muito diversos, e por isso é conveniente
classificá-los com respeito às suas caraterísticas
para que possam ser estudados conforme sua se-
melhança. A seguir, você estudará algumas das
principais classificações de problemas envolvendo
escoamento.
Viscoso ou Não Viscoso

Anteriormente, você estudou que a viscosidade é a propriedade que representa a


resistência do fluido ao movimento. Em líquidos, a viscosidade é resultado das forças
coesivas entre as moléculas, enquanto em gases ela é causada pelas colisões entre as
moléculas. Ademais, vimos que a viscosidade nula é uma das condições necessárias
para um fluido ser considerado ideal. Esta é uma aproximação útil, pois em diversos
escoamentos existem regiões em que as forças viscosas são pequenas se comparadas
às forças inerciais e de pressão, podendo ser consideradas desprezíveis. Nestas situa-
ções, pode-se ignorar os efeitos viscosos para simplificar a análise do escoamento
sem perda considerável de precisão. É válido lembrar que, na prática, não existe fluido
com viscosidade nula.
Dessa forma, o escoamento pode ser dito:
• Viscoso: se os efeitos viscosos são significantes.
• Não viscoso (invíscido): se os efeitos viscosos podem ser desprezados.

Por exemplo, lembre-se do princípio da aderência: quando em contato com uma


superfície sólida, os pontos de um fluido aderem-se aos pontos desta superfície.
Isto significa que a região do escoamento próxima a uma superfície sólida (como a
parede de um tubo, por exemplo) é onde os efeitos viscosos estão mais acentuados
(veja a Figura 1). Esta ideia será melhor abordada na Unidade 6, quando tratarmos
da chamada camada limite.
Escoamento Uniforme

v0 v(y) Região
não viscosa

Região viscosa

Superfície Sólida
Figura 1 - Perfil de velocidade v(y) de um escoamento uniforme sobre uma superfície sólida
Fonte: os autores.

UNIDADE 4 139
Interno ou Externo

Um escoamento pode ser dito interno ou externo de acordo com o local onde ele
acontece: dentro de um conduto ou sobre uma superfície. Caso a palavra “conduto”
soe estranha aos seus ouvidos, ela se refere a qualquer estrutura sólida destinada
ao transporte de fluidos, como tubulações. Dessa forma, as definições são bastante
simples – o escoamento pode ser dito:
• Interno: se o fluido escoa cercado por superfícies sólidas (como dentro de tubos).
• Externo: se o fluido escoa sobre superfícies, como placas, esferas ou, até mes-
mo, por fora de tubos.

Além disso, pode-se ainda dizer que os condutos são livres (ou abertos), se o fluido
em movimento apresenta uma superfície livre (Figura 2b), ou forçados, quando o
fluido preenche o conduto completamente sem apresentar superfície livre (Figura 2a).

Superfície
Superfície livre
livre

(a) (b)
Figura 2 - Comparação entre condutos forçados (a) e condutos livres (b)
Fonte: Brunetti (2008, p. 164).

Compressível ou Incompressível

O conceito de escoamento incompressível foi estabelecido na Unidade 2. Lembran-


do: um escoamento é dito incompressível quando seu volume (ou densidade) não
varia com a pressão. Assim como no caso dos escoamentos não viscosos, esta é uma
aproximação: na prática, todo fluido apresenta alguma compressibilidade, mas nos
casos em que ela é pequena o suficiente para ser desprezada, pode-se considerar
que a densidade do fluido é constante – em geral, isto é verdade para os líquidos. A
incompressibilidade é o segundo critério necessário para a condição de fluido ideal.

140 Cinemática dos Fluidos


Por outro lado, gases são altamente compressíveis, sendo importante considerar as
variações de densidade observadas em escoamentos gasosos com altas velocidades,
como na análise de espaçonaves e foguetes, por exemplo. Nesses casos, a velocidade
do escoamento é frequentemente descrita por meio do número de Mach, um número
adimensional, definido pela expressão:

v Velocidade do Escoamento
Ma= =
c Velocidade do Som

O Número de Mach (Ma) é medida adimensional da velocidade, definida como a razão


entre a velocidade do escoamento e a velocidade do som (346 m/s em ar nas condições
ambiente de temperatura e pressão). O escoamento é dito sônico quando Ma = 1, subsônico
quando Ma < 1, supersônico quando Ma > 1 e hipersônico quando Ma >> 1.
O número de Mach pode ser utilizado como parâmetro para avaliar se é razoável
aproximar um escoamento gasoso como incompressível. Geralmente, para Ma < 0,3,
as variações de densidade observadas são inferiores a 5%, podendo ser aproximado
como incompressível. Assim, em condições ambientes, a compressibilidade pode ser
desprezada em velocidades inferiores a cerca de 100 m/s.

Natural ou Forçado

Outra classificação diz respeito à origem do escoamento. Se o fluido começa a escoar


devido à ação externa, como uma bomba ou um ventilador, ele é dito forçado. Em
contrapartida, se o movimento do fluido acontece por causas naturais, como a convec-
ção (movimento ascendente ou descendente devido à diferença de densidade dentro
do próprio fluido, especialmente por diferenças de temperatura), ele é dito natural.

Permanente ou Transiente

Na Unidade 1, conceituamos o estado estacionário (regime permanente) e o estado


não estacionário (regime transiente) para os sistemas. Para os escoamentos, estas
classificações terão significados análogos – o escoamento pode ser dito em regime:
• Permanente: as condições em todos os pontos do escoamento permanecem
constantes ao longo do tempo (mas podem variar entre os pontos).
• Não Permanente (ou Transiente): as condições em um ou mais pontos do
escoamento variam ao longo do tempo.
A Figura 3a apresenta um reservatório de grandes dimensões. Isso significa que,
apesar de haver uma descarga do fluido, o nível do reservatório não varia de maneira

UNIDADE 4 141
significativa com o tempo, podendo ser considerado regime permanente. A Figura
3b mostra um reservatório em que o nível varia sensivelmente com o tempo, pois a
seção transversal é relativamente pequena comparada à descarga do fluido, caracte-
rizando um regime transiente.

t1
NC
Nível variável
t2 (regime variado)

Reservatório de t3
grandes dimensões
(regime permanente) t1
(a) (b) t3
t2

Figura 3 - Comparação entre regime permanente (a) e regime transiente (b)


Fonte: Brunetti (2008, p. 68).

Repare que, na prática, os processos e escoamentos sempre terão alguma variação


ao longo do tempo, por menor que seja. Com isso, pode-se entender como condi-
ções de regime permanente aquelas observadas em média ao longo do tempo (que
se espera serem próximas das condições de operação planejadas). Uma das tarefas
fundamentais de um engenheiro é determinar se um problema pode ser analisado
aproximando-o para regime permanente ou se é necessário avaliar as variações ob-
servadas ao longo do tempo.
É importante observar que, apesar de o termo “transiente” ser frequentemente
utilizado no lugar de “não permanente”, o mais apropriado é utilizar “transiente”
para escoamentos que ainda estão se desenvolvendo. Por exemplo, ao dar partida
em um carro, leva algum tempo para que o motor aqueça até suas condições de
operação – este intervalo de transição é, como o nome sugere, transiente. Quando
devidamente preparado, o motor pode passar a operar em condições constantes –
regime permanente.

Laminar ou Turbulento

Você certamente já notou que, ao abrir ligeiramente uma torneira, o fluxo é bastante
suave e ordenado (Figura 4). Este tipo de escoamento é chamado de laminar, carac-
terizado pelo movimento suave entre as partículas de fluido em camadas (“lâminas”).
Fluidos de viscosidade alta em baixas velocidades costumam escoar desta forma.

142 Cinemática dos Fluidos


Figura 4 - Escoamento laminar

Por outro lado, se você abrir ainda mais a torneira, a velocidade e a vazão de água
aumentam e o escoamento passa a ser mais desordenado. De fato, se você coletar
esta água em um copo, verá que a formação de bolhas é muito mais intensa (Figura
5). Este tipo de escoamento é chamado de turbulento, sendo comum em fluidos de
baixa viscosidade em altas velocidades.

Figura 5 - Escoamento turbulento

UNIDADE 4 143
Quando as condições de escoamento estão entre o laminar e o turbulento, diz-se
que o escoamento está em regime de transição. O regime laminar ou turbulento
afeta consideravelmente diversos processos envolvendo fluidos, como a potência
necessária para bombeamento ou a transferência de calor, por exemplo. Dessa forma,
surge a necessidade de um parâmetro capaz de determinar se um escoamento será
laminar ou turbulento. Este parâmetro é o número de Reynolds, que você conheceu
na Unidade 2, definido pela seguinte relação:

For ças Inerciais ρ . v . D v . D


=Re = =
For ças Viscosas µ ν

Em que ρ é a massa específica do fluido, v é a velocidade do escoamento, D é o diâme-


tro da tubulação, μ é a viscosidade absoluta do fluido e n é a viscosidade cinemática.

Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.


Para acessar, use seu leitor de QR Code.

Osborne Reynolds (1842-1912) foi o engenheiro britânico que observou a existência


destes regimes de escoamento por meio do seguinte experimento: injetou corante em
um tubo de vidro onde escoava um fluido, em diferentes velocidades. Para pequenas
velocidades, o corante seguia o escoamento de forma ordenada (laminar, Figura 6a).
Após passar um valor crítico de velocidade, o movimento do corante passava a ser
bastante desordenado (turbulento, Figura 6b).

Corante Corante

vméd vméd

Injeção de Corante Injeção de Corante


(a) (b)
Figura 6 - Experimento de Reynolds
Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 279).

144 Cinemática dos Fluidos


Observa-se que a turbulência promove uma mistura intensa no fluido, aumentando a
transferência de momento entre as partículas, resultando no aumento do atrito com as
superfícies, o que demanda maior potência de bombeamento para deslocar o fluido.
Reynolds observou que o regime do escoamento dependia principalmente da
razão entre as forças inerciais e as forças viscosas do fluido – o número de Reynolds.
Para água em tubos cilíndricos, os seguintes limites são geralmente admitidos:
• Re < 2000: escoamento laminar
• 2000 < Re < 2400: escoamento de transição
• Re > 2400: escoamento turbulento

Por fim, é importante apontar que, em geral, o regime turbulento pode ser admitido
como permanente, mesmo sendo caracterizado por flutuações na velocidade. Isto é
razoável, pois as velocidades ficarão sempre em torno de um valor médio (Figura 7).
De fato, alguns aparelhos sequer são capazes de indicar as flutuações com elevada
precisão.

v
Valor médio indicado
pelo aparelho medidor
Flutuações de velocidade

Tempo
Figura 7 - Flutuações na velocidade de um escoamento turbulento ao longo do tempo
Fonte: Brunetti (2008, p. 69).

Unidimensional, Bidimensional
ou Tridimensional

Uma das principais formas de descrever um escoamento é por meio de seu gradiente
de velocidades. Podemos dizer que ele é uni-, bi- ou tridimensional se a velocidade
varia com uma, duas ou três dimensões, respectivamente. Por exemplo: o escoamento
é unidimensional quando precisamos de apenas uma coordenada para descrever
sua velocidade, como na Figura 8, em que a velocidade depende apenas da posição
x, ou seja, v = f(x).

UNIDADE 4 145
v1
v2

(1) (2)

x1 x2 x
Figura 8 - Escoamento unidimensional
Fonte: Brunetti (2008, p. 71).

Se a velocidade também varia de acordo com a posição y, ela é dita bidimensional


(v = f(x,y)):

y1 v1

(2)
(1)
v = ƒ(x, y)

x1 x2 x
Figura 9 - Escoamento bidimensional
Fonte: Brunetti (2008, p. 71).

Ou, ainda, pode variar nas três dimensões (v = f ( x, y, z )) :

z
y

v = ƒ(x, y, z)

Figura 10 - Escoamento tridimensional


Fonte: Brunetti (2008, p. 71).

146 Cinemática dos Fluidos


Naturalmente, quanto mais dimensões forem consideradas, maior será a complexi-
dade da análise. Em geral, procure sempre que possível descrever o escoamento de
forma unidimensional, por conveniência, adotando uma velocidade média na seção
(trataremos desta aproximação no próximo tópico).

É comum encontrar o escoamento sendo descrito como “uniforme”, que pode causar
certa confusão ao comparar bibliografias e traduções diferentes. Por “uniforme”,
entenda: sem variação com a posição em uma determinada região. O escoamento
da Figura 8, por exemplo, pode ser dito: “uniforme na seção”, pois não varia com
as posições y ou z para cada seção na posição x.

Trajetória e Linha de Corrente

Por fim, como estamos interessados em caracterizar o movimento do fluido (escoa-


mento), é fundamental saber descrever a direção deste. Assim, surgem os conceitos
de trajetória e linha de corrente.
A trajetória é simplesmente o conjunto dos pontos ocupados por uma partícula
em instantes sucessivos. Por exemplo, se registrássemos a posição de um corpo flu-
tuando ao longo do escoamento, poderíamos ter uma trajetória correspondente à
linha pontilhada da figura a seguir:

Flutuante

t0
t1 tn
t2
Figura 11 - Trajetória de um corpo flutuante ao longo de um escoamento
Fonte: Brunetti (2008, p. 70).

A linha de corrente, por sua vez, é a curva tangente aos vetores da velocidade em
diferentes pontos no mesmo instante, servindo como indicador da direção do es-
coamento naquele instante. Por exemplo, na Figura 12, as linhas pretas são as linhas
de corrente para um escoamento bidimensional:

UNIDADE 4 147
5

3
y
2

-1
0 1 2 3 4 5
x
Figura 12 - Linhas de corrente para um escoamento bidimensional
Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 111).
É possível desenvolver expressões algébricas para descrever as linhas de corrente a
partir da sua definição, mas isto está fora do escopo deste material. O interesse aqui
é que você compreenda como visualizar o movimento do fluido: se medirmos a
velocidade em diferentes pontos do escoamento, podemos determinar as linhas de
corrente, que coincidem geometricamente com as trajetórias no regime permanente.

Existem diversas formas e técnicas para visualizar o escoamento, muitas das quais
são particularmente importantes para o desenvolvimento de soluções numéricas
para problemas de escoamento. A simulação numérica destas soluções é chamada
de fluidodinâmica computacional (CFD) e transforma números em imagens, provi-
denciando ao engenheiro uma perspectiva privilegiada do escoamento. Algumas
técnicas modernas de análise do movimento de partículas em fluidos envolvem
também métodos ópticos como a velocimetria por imagem de partículas (PIV), grá-
ficos de sombras, fotografia schlieren e interferometria. Isso é importante porque
a mente humana é capaz de processar rapidamente uma quantidade enorme de
informações visuais em vez de apenas listar dados quantitativos.
Fonte: adaptado de Çengel e Cimbala (2015).

148 Cinemática dos Fluidos


Vazão e a Equação
da Continuidade

Agora que você sabe identificar as principais


características de um escoamento, o passo se-
guinte é quantificá-lo quanto à vazão de fluido.
De forma análoga ao desenvolvido na Unidade
1, utilizaremos o conceito de vazão para então
aplicar o princípio de conservação da massa aos
escoamentos. O resultado será a chamada equação
da continuidade.

UNIDADE 4 149
Vazão e Velocidade Média

Utilizamos a ideia de “vazão” na Unidade 1, mas sem dar atenção particular a ela.
No contexto da mecânica dos fluidos, podemos entender esta expressão da seguinte
forma: a quantidade de massa de fluido que atravessa uma determinada seção do
escoamento por unidade de tempo. Por esta definição, sendo Qm o símbolo utilizado
para representar a vazão mássica, m para massa e t para tempo, pode-se escrever

Massa
Vazão Mássica =
Tempo
m
Qm =
t
1
Como [Qm ]  MT , unidades típicas para a vazão mássica são kg/h e o lb/h, por
exemplo. Também é bastante comum pensar na vazão em termos do volume de fluido:
Volume
Vazão Volumétrica =
Tempo
V
Q=
t

Neste caso, [Q] = L³T-1, de modo que várias unidades são comuns: m³/s, m³/h, l/s, l/h,
ft³/s. É importante observar que estas duas vazões se relacionam da seguinte maneira:

Qm = r . Q

Então, se, por exemplo, um chuveiro aberto gasta 150 litros de água durante um
banho de 15 minutos, podemos dizer que a vazão é de 10 litros de água por minuto.
Adotando a massa específica da água como 1000 kg/m³, isto corresponde à vazão
mássica de 10 kg/min:

Qm = r . Q
1000 kg 1 m3 l kg
=Qm = 3 1000 l
. 10 10
1m min min

150 Cinemática dos Fluidos


1 EXEMPLO Uma mangueira é utilizada para encher de água uma piscina com capacidade de
12.000 litros. Sabendo que o tempo necessário para preenchê-la completamente foi
de 40 minutos, qual a vazão da mangueira em volume e em massa? Apresente a res-
posta em unidades do SI e considere ρH2O = 1000 kg/m³.

Solução:

Se a mangueira é a única fonte de água enchendo a piscina, podemos determinar a


vazão de água com base na definição:

Volume 12000 l l
Vazão Volumétrica
= = = 300
Tempo 40 min min
l
Q = 300
min

Agora, para atender à solicitação do enunciado, é necessário converter as unidades


para o SI:
l 1 m3 1 min m³
Q  300  5 . 103
min 1000 l 60 s s

Conhecida a vazão volumétrica, pode-se calcular a vazão mássica:

m³ kg kg
Qm  5 . 103 1000 3  5
s m s

Observe que, na definição dada para a vazão, é mencionada uma determinada seção
do escoamento. Esta ideia é importante, pois possibilita relacionar a vazão em volu-
me com a velocidade do fluido. Imagine um fluido em movimento dentro de uma
tubulação, em que atravessa a seção de área A no tempo t = 0, deslocando-se uma
distância s em um intervalo de tempo t, como na Figura 13:
A
γ

t=0

A
γ

s t

Figura 13 - Vazão volumétrica de fluido em escoamento uniforme


Fonte: Brunetti (2008, p. 72).

UNIDADE 4 151
Agora, atente-se à seguinte afirmação: o volume (V) de fluido que atravessou a seção
de área A no intervalo de tempo t é equivalente ao volume do cilindro de altura s e
área da base A. Assim, temos matematicamente que:

V = s. A

Pela definição de vazão volumétrica:

V s. A
Q= =
t t

Utilizando a definição de velocidade (v = s/t), podemos escrever, ainda, que:

Q =v. A

Em que v é a velocidade do escoamento.


Contudo, é fundamental observar que este raciocínio só faz sentido se estivermos
considerando um perfil de velocidades uniforme na seção. Como já foi mencionado
anteriormente, em situações práticas, o escoamento dificilmente será uniforme, mas
é possível adotar uma velocidade média na seção para abordar o problema como se
ele fosse, de fato, uniforme.
Veja, por exemplo, a Figura 14:

A
v

dA

Figura 14 - Vazão volumétrica de fluido em escoamento tridimensional


Fonte: Brunetti (2008, p. 73).

152 Cinemática dos Fluidos


A velocidade (v) é diferente em cada ponto da seção (dA). A vazão (dQ) em cada um
destes pontos pode ser escrita como:

dQ = v . dA

Então, a vazão na seção de área A pode ser avaliada por meio da integral:

Q   v dA
A

Agora, vamos considerar a seguinte definição para a velocidade média (vm): uma
velocidade uniforme que, substituindo a velocidade real, resulta na mesma vazão
por meio da seção:

Q   v dA  vm . A
A

Esta expressão pode ser arranjada conforme a devida definição de velocidade média
na seção:

1
A A
vm  v dA

Isto é, em problemas em que o perfil de velocidades real (vreal) é variado, podemos


adotar uma velocidade média (vm) uniforme na seção, que resulta na mesma vazão
volumétrica (Q) por meio da seção (veja a Figura 15). Vejamos agora um exemplo
para fixar os conceitos abordados.

vm vreal

Figura 15 - Perfil de velocidades (vreal) e velocidade uniforme média na seção (vm) que resultam em
vazões volumétricas equivalentes por meio da seção
Fonte: Brunetti (2008, p. 73).

UNIDADE 4 153
2 EXEMPLO Um óleo (ρ = 850 kg/m³) escoa em uma tubulação que apresenta seções de tamanhos
diferentes: A1 = 30 cm² e A2 = 18 cm². Se a velocidade média na seção (1) é de v1 =
6 m/s, determine as vazões em volume, em massa e a velocidade média na seção (2)
em unidades do SI.

Solução:
(1)
(2)
v1

Inicialmente, é conveniente já converter as áreas conhecidas para o SI:

A1  30 cm2  30 . 104 m2
A2  18 cm2  18 . 104 m2
Como a velocidade média na seção (1) é fornecida, é possível calcular a vazão vo-
lumétrica:
m
Q  v1 . A1  6 . 30 . 104 m2
s
2 m3
Q  1, 8 . 10
s

Agora, como conhecemos a massa específica do óleo, podemos utilizá-la para calcular
a vazão em massa:

kg 2 m3 kg
Qm  r . Q  850 . 1, 8 . 10  15, 30
m3 s s

Para calcular a velocidade média na seção (2), é necessário recorrer a um conceito


que você estudou na Unidade 1: no regime permanente, tudo que entra no sistema
tem de sair. Aqui, você pode entender a seção (1) como a entrada e a seção (2) como
a saída do sistema. Isto é, a vazão de óleo que entra na seção (1) sai pela seção (2).
Se a massa específica do óleo, uma substância líquida, não varia consideravelmente
com a diminuição da área da seção, podemos afirmar que é um fluido incompressível.
Assim, temos que:
Q1 = Q2
v1 . A1 = v2 . A2
A1
v2 = v1 .
A2

154 Cinemática dos Fluidos


E com isso, a velocidade média na seção (2) pode ser avaliada:

m 30 . 104 m2 m
v2  6 . 4 2
 10
s 18 . 10 m s

Caso esta última etapa não tenha sido tão clara para você, não se preocupe: na ver-
dade esta ideia será melhor desenvolvida a seguir, conhecendo a famosa equação da
continuidade.

Equação da Continuidade
em Regime Permanente

Considere o escoamento de um fluido por um tubo, com formato e dimensões ge-


néricas (Figura 16). Este tubo será o sistema que analisaremos a seguir.

Q m2

A2
m
v

Q m1 A1

Figura 16 - Representação esquemática de um tubo de corrente genérico


Fonte Brunetti (2008, p. 75).

Na seção (1), de área A1, há uma vazão mássica de entrada Qm1. Na seção (2), de área
A2, há uma vazão mássica de saída Qm2. Em regime permanente, as propriedades em
cada ponto do fluido são constantes ao longo do tempo. Além disso, pelo princípio
de conservação da massa, sabemos que Qm1 = Qm2 (do contrário, em algum ponto no
interior do tubo haveria redução ou acúmulo de massa).
A chamada equação da continuidade para um fluido qualquer em regime perma-
nente é simplesmente esta relação, que, como vimos, pode ser escrita das seguintes
formas:
= m2 ou r1 . Q1 r2 . Q2 ou r1 . v1 . A1 = r2 . v2 . A2
Qm1 Q=

Ainda, se o fluido for incompressível (ρ1 = ρ2):


= m2 ou Q1 Q2 ou v1 . A1 = v2 . A2
Qm1 Q=

UNIDADE 4 155
Por mais que este conceito talvez pareça simples demais para tanta ênfase, não o
subestime: ele é fundamentalmente necessário para solução de diversos problemas
de mecânica dos fluidos. Vejamos um exemplo a seguir.

3 EXEMPLO Os tubos de Venturi são aparatos utilizados para medir a velocidade do escoamento
por meio da variação de pressão. Para tanto, eles apresentam uma seção larga e depois
outra mais estreita, como na figura a seguir. Um gás escoa em regime permanente
por este trecho de tubulação e, devido à sua compressibilidade, apresenta diferentes
massas específicas na entrada (ρe = 5 kg/m³) e na garganta (ρG = 10 kg/m³). Sendo
Ae = 30 cm², AG = 10 cm² e ve = 40 m/s, qual a velocidade média do escoamento na
garganta do tubo de Venturi?

Venturi
Garganta
AG

Ae

Solução:

Em regime permanente, pelo princípio de conservação da massa, temos a equação


da continuidade:

= m2 ou r1 . Q1 r2 . Q2 ou r1 . v1 . A1 = r2 . v2 . A2
Qm1 Q=

Como o fluido em questão é compressível, não podemos fazer as simplificações com


as massas específicas. Então, temos:

re . ve . Ae = rG . vG . AG

Isolando o termo que desejamos avaliar, basta substituir os valores conhecidos para
chegar à resposta:
re Ae
vG = ve .
rG AG
kg
5 3 30 cm2
m
vG = 40 . m
s 10 kg 10 cm2
m3
m
vG = 60
s

156 Cinemática dos Fluidos


Note que é intuitivo concluir que, ao comparar duas seções diferentes da tubulação
de um mesmo escoamento, as velocidades médias e as áreas são inversamente pro-
porcionais. Isto é, na garganta do tubo de Venturi, a velocidade é maior, pois a área
é menor. Você possivelmente já observou isso em seus experimentos de infância,
apertando uma mangueira ou obstruindo uma torneira para que o jato de água saísse
mais “forte” (rápido).
Além disso, tome um instante para lembrar que estamos no regime permanente:
as condições em todos os pontos do escoamento permanecem constantes ao longo
do tempo, mas podem variar entre os pontos! Aqui tivemos um bom exemplo disto: a
massa específica na entrada era de 5 kg/m³, constante ao longo do tempo, enquanto a
massa específica na garganta era de 10 kg/m³, também constante ao longo do tempo.
Por fim, é importantíssimo mencionar que nem sempre haverá apenas uma entrada
e uma saída de fluido. Podemos generalizar a equação da continuidade como a soma
das vazões de entrada (“e”) e a soma das vazões de saída (“s”):

 Qm  Qm
e s

E, de forma análoga, se o fluido for incompressível e homogêneo (ou seja, se não


forem misturadas substâncias diferentes que sejam compressíveis ou que alterem as
massas específicas presentes):

 Q  Q
e s

Com isto, podemos concluir mais uma etapa no seu estudo dos fenômenos de trans-
porte. Nesta unidade, você estudou os escoamentos (fluidos em movimento), como
caracterizá-los e como aplicar o princípio de conservação da massa a eles. O próximo
passo será aplicar o princípio de conservação da energia, que nos levará a mais uma
das equações fundamentais da mecânica dos fluidos.

UNIDADE 4 157
Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Um tanque cilíndrico completamente cheio de água, com altura de 5 metros,


leva 2.000 segundos para ser completamente esvaziado. Ele é descarregado
por um tubo cuja vazão é de 50 litros/segundo, constante ao longo de todo o
processo. Determine a área ocupada por este tanque e a velocidade de descida
da superfície livre da água no tanque. Este processo opera em regime perma-
nente ou transiente?

2. Ar entra em um difusor à velocidade de 200 m/s, como na figura a seguir. A área


da seção de entrada é de 20 cm², enquanto a área da seção de saída é de 50
cm². Sabendo que a massa específica do ar na entrada e na saída é de 1,2 kg/m³
e 1,5 kg/m³, respectivamente, determine as vazões em volume e em massa e a
velocidade média na saída. Avalie, também, o escoamento em ambas as seções
de acordo com o número de Mach. Considere a velocidade do som de 346 m/s.

(2)

(1)
Ar
v1 = 200 m/s Difusor

158
3. Uma tubulação direciona água para dois reservatórios, ambos cúbicos, como
representado na figura a seguir. O reservatório (1) leva 100 segundos para ser
completamente preenchido, enquanto o reservatório (2) leva 180 segundos.
Sabendo que a velocidade média do escoamento na seção (A) é de 1,25 m/s,
determine o diâmetro da tubulação nesta mesma seção. Avalie o escoamento
nessa seção de acordo com o número de Reynolds (considere ρH₂O = 1000 kg/
m³ e μH₂O = 1,00 x 10-3 Pa.s).

(A) vA = 1,25 m/s


(2) 4m

6m
(1)

159
WEB

Animação desenvolvida pelo TED-Ed que aborda o número de Mach, os estron-


dos sônicos e os efeitos físicos por trás destes fenômenos. Conteúdo em inglês,
com legendas disponíveis em português.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

WEB

O Monge e o Executivo
Vídeo do canal SciShow, que trata dos desafios da aviação com relação aos voos
supersônicos e hipersônicos. Disponível apenas em inglês.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

160
BRUNETTI, F. Mecânica dos Fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3. ed. Brasil: AMGH
Editora, 2015.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

161
1. Para encontrar a área do tanque, basta unir os conceitos de vazão e de geometria. Note que a única vazão
presente no sistema é justamente a corrente que descarrega o tanque, que permanece constante durante
todo o processo. Convertendo-a para unidades do SI, temos:

l 1 m3 m3
Q  50  5 . 102
s 1000 l s

Agora, lembre-se da própria definição de vazão volumétrica: quantidade de volume por unidade de tempo. Se
conhecemos a vazão e o tempo necessário para esvaziar completamente o tanque, é fácil calcular o volume total:

Vtanque total
Q  Vtanque total  Q . tdescarga total
tdescarga total
m3
Vtanque total  5 . 102 . 2000 s
s
Vtanque total  100 m3

Da geometria, o volume de um cilindro pode ser calculado pelo produto da área da base com a sua altura. Então:

Vcilindro
Vcilindro  Abase . h  Abase 
h
100 m3
Abase   20 m2
5m
Uma vez que a vazão de saída é constante, a velocidade de descida da superfície livre da água no tanque, por
sua vez, pode ser calculada utilizando a altura total do tanque e o tempo necessário para que ele esvazie com-
pletamente:
• No tempo t = 0 s, o tanque está completamente cheio (altura da superfície livre da água: 5 m).

• No tempo t = 2.000 s, o tanque está completamente vazio (altura da superfície livre da água: 0 m).

Pela definição tradicional de velocidade:

variação na posição
velocidade=
intervalo de tempo
0 m  5m
vsuperf í cie livre 
2000 s
m
vsuperf í cie livre  0, 0025
s

162
Naturalmente, o sinal negativo indica que a superfície livre está descendo (afinal, o tanque está sendo descar-
regado). Este mesmo resultado também poderia ser alcançado utilizando a área do tanque que calculamos
anteriormente:

vaz ão volumétrica Q
velocidade= 
área da base Abase
m3
5 . 102
vsup erf í cie livre  s  0, 0025 m
2 s
20 m

Esta operação faz sentido, pois considerando fluido incompressível, o volume de água que sai pela tubulação
deve ser o volume de água que diminui no tanque. Dividindo pela área da base do tanque, sabemos a altura
de coluna de água que é diminuída no tanque por unidade de tempo. Novamente, o sinal negativo indica que
a água está saindo do tanque. Se o tanque passasse a ser alimentado por uma corrente de vazão maior que a
da corrente de descarga, a água passaria a acumular no tanque, ou seja, a altura da superfície livre iria subir
(ou, se completamente cheio, o tanque começaria a transbordar).
Por fim, devemos afirmar que este processo opera, por natureza, em regime transiente. Afinal, mesmo que a
vazão de saída seja constante, o conteúdo de água no tanque está variando com o tempo. Dessa forma, um
ponto do tanque em que t = 0 s existe água, em t = 2.000 s não teria nada, pois o tanque teria sido completa-
mente descarregado.
2. O ar entra no difusor em alta velocidade e deseja-se avaliar as vazões e velocidades do escoamento neste
sistema. Admitindo condição de regime permanente, é possível resolver este problema por meio da equa-
ção da continuidade. Como o fluido em questão é compressível:

= m2 ou r1 . Q1 r2 . Q2 ou r1 . v1 . A1 = r2 . v2 . A2
Qm1 Q=

Uma vez que a velocidade na entrada é conhecida, é conveniente determinar as vazões nesta seção. Para a
vazão volumétrica:

Q v. A
m 104 m2 m3
Q1  200 . 20 cm2  0, 4
s 1 cm2 s

Com isso, é fácil determinar a vazão mássica:

Qm  r . Q  Qm1  r1 . Q1
kg m3
Qm1  1, 2 . 0, 4
m3 s
kg
Qm1  0, 48
s

163
Novamente, pela equação da continuidade, sabemos que:
kg
Qm1  Qm2  Qm2  0, 48
s
Assim, podemos fazer o processo inverso para chegar à vazão volumétrica e à velocidade média na seção de saída:

Qm2
Q2 
r2
kg
0, 48
s m3
Q2   Q2  0, 32
kg s
1, 5 3
m

Q2
v2 
A2
m3
0, 32
s m
v2  4 2
 v2  64
10 m s
50 cm2
1 cm2
Por fim, devemos avaliar o escoamento conforme o número de Mach, que é definido como:

v Velocidade do Escoamento
Ma= =
c Velocidade do Som

Para a velocidade do som de 346 m/s, chegamos aos seguintes valores na entrada e saída do difusor, respec-
tivamente:
m
200
v1 s = 0, 578
Ma=
1 =
c 346 m
s
m
64
v2 s = 0, 185
Ma=
2 =
c 346 m
s

Como Ma < 1 em ambos os casos, podemos dizer que o escoamento é subsônico em ambas as seções.

164
3. Este problema pode ser resolvido utilizando a equação da continuidade. Conhecemos as dimensões dos
tanques, o tempo necessário para enchê-los e a velocidade na seção (A). O objetivo é encontrar o diâmetro
da tubulação nesta mesma seção. Para isso, o primeiro passo será avaliar o volume dos reservatórios (1)
e (2). Como são cúbicos, temos:

Vcubo = l 3
Vtanque
= =
1 (6 m)3 216 m3
Vtanque
= 4 m)3 64 m3
2 (=

Agora, baseado na definição de vazão, como conhecemos o tempo necessário para enchê-los completamente,
podemos determinar a vazão de alimentação em cada tanque:

Vtanque total
Q=
tcarga total
Vtanque1 216 m3 m3
=Q1 = = 2, 16
tcarga total 1 1000 s s
Vtanque 2 64 m3 m3
=Q2 = = 0, 36
tcarga total 2 180 s s

Conhecidas estas vazões, podemos aplicar a equação da continuidade para calcular a vazão volumétrica na
seção (A). Note que o sistema apresenta uma entrada e duas saídas. Com a condição de fluido incompressível
e homogêneo ao longo da tubulação, teremos:

 Q  Q
e s
QA  Q1  Q2
m3 m3
QA  2, 16  0, 36
s s
m3
QA  2, 52
s

165
Em posse deste resultado, como conhecemos a velocidade média do escoamento na seção (A), é possível avaliar
a área da tubulação nesta seção:

Q
Q v. A  A
v
m3
2, 52
Q s  2, 02 m2
AA  A 
vA m
1, 25
s
Agora, considerando um tubo de seção circular, é possível calcular o diâmetro da tubulação:

2
D 4A
A  p .   D
2 p
4 . 2, 02 m2
DA   1, 60 m
3, 14
Por fim, pede-se uma avaliação do escoamento conforme o número de Reynolds. Para calculá-lo, temos a
equação:

For ças Inerciais ρ . v . D v . D


=Re = =
For ças Viscosas µ ν
Utilizando os valores fornecidos de massa específica, viscosidade e velocidade média do escoamento e o diâ-
metro que foi calculado para a seção:

kg m
1000 3
. 1, 25 . 1, 60 m
m s
Re  3
 2 . 106
1, 00 . 10 Pa . s

Escoamentos com números de Reynolds nesta ordem de grandeza são turbulentos.

166
167
168
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Equação da Energia
no Regime Permanente

PLANO DE ESTUDOS

Equação de Bernoulli Bombas e Turbinas na


Equação da Energia

Balanço de Energia Medida da Velocidade Equação da Energia


com Tubo de Pitot para Fluidos Reais

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Estudar o conceito de balanço de energia, definindo a • Analisar os efeitos da presença de máquinas que realizam
terminologia empregada, conceitos e unidades. trabalho na equação da energia.
• Definir a equação de Bernoulli a partir da análise das ener- • Examinar a equação da energia sem a hipótese de fluido
gias mecânicas associadas a um fluido em escoamento. ideal, desenvolvendo o conceito de perda de carga.
• Tratar do princípio de funcionamento da instrumentação
para a medição de velocidade dos fluidos.
Balanço
de Energia

Na Unidade 1, vimos o conceito de balanço ma-


terial e também as leis de conservação, em que
foi mencionado que propriedades, como massa
e energia de um sistema (isolado), não variam ao
longo do tempo. Na unidade anterior, aplicamos
esta ideia de conservação de massa ao escoamento.
Agora, é hora de conhecermos os balanços de
energia e de analisar o escoamento sob esta nova
perspectiva.
Aqui, iremos trabalhar com duas equações
principais: a equação da energia propriamente
dita (que representa o enunciado da conservação
de energia) e a famosa equação de Bernoulli (que
analisa as energias associadas ao escoamento por
meio de hipóteses simplificadoras). No contexto
da mecânica dos fluidos, a primeira importante
observação a ser feita é quanto à relação entre
energia mecânica e energia térmica – a conversão
de energia mecânica em energia térmica se dá por
meio de efeitos viscosos (atrito), significando uma
perda de energia mecânica.
Com isso em mente, o primeiro passo é você conhecer o enunciado do princípio
de conservação da energia: a primeira lei da termodinâmica. Durante um processo,
para um sistema isolado, a energia não pode ser criada nem destruída, apenas trans-
formada. Um sistema fechado, por sua vez, pode perder ou ganhar energia do meio
que o envolve. Assim, é razoável escrever:

dE
E entra  E sai  sistema
dt

Em que E entra é a taxa de energia que entra no sistema, E sai é a taxa de energia que
dEsistema
sai do sistema e é a taxa de variação de energia total do sistema. No regime
dt
permanente, a variação no tempo será nula e, então:

E entra  E sai  0
E
entra  Esai

A energia de um sistema fechado (ou seja, de massa fixa) pode variar por meio de
dois mecanismos: a transferência de calor (energia térmica, Q) e a transferência de
trabalho (energia mecânica, W). Assim, escrevendo os termos na forma de taxas
(grandeza por unidade de tempo), temos:

dE
Q  W  sistema
dt

Em que Q é a taxa de transferência de calor (positiva quando calor é adicionado ao


sistema pelo meio que o envolve) e W é a taxa de transferência de trabalho (positi-
va quando trabalho é realizado pelo meio sobre o sistema). Esta é a primeira lei da
termodinâmica.

A literatura diverge bastante com relação ao sinal do trabalho na equação da pri-


meira lei da termodinâmica. Com o sinal negativo, você deve interpretar o parâme-
tro W como “trabalho realizado pelo sistema sobre o meio”. Isto pode ser confuso
no começo, mas com um pouco de prática, você rapidamente se familiarizará com
este raciocínio.

UNIDADE 5 171
Esta equação, apesar de carregar muito significado físico, não é exatamente convenien-
te para aplicação prática direta no estudo da mecânica dos fluidos. Por outro lado, ela
serve como ponto de partida teórico fundamental para desenvolver raciocínios que
terão maior prontidão para a solução de problemas. Aqui, o termo de transferência
de calor tratará essencialmente das perdas de energia mecânica, enquanto os efeitos
de trabalho serão analisados conforme os tipos de energias mecânicas associadas a
um fluido, apresentadas a seguir.

Energia Potencial ( EP )

Este é um conceito que você certamente aprendeu em aulas de física. A energia potencial de
um sistema é a medida do seu potencial de realizar trabalho ( EP = W ). Mecanicamente,
ela é apresentada na sua forma gravitacional. Sabendo que, por definição:
Trabalho = For ça x Deslocamento

Considerando um sistema de peso P = mg , cujo centro de gravidade está localizado a


uma altura z em relação ao plano horizontal de referência (PHR) considerado, temos:

CG

z P = mg
PHR
Figura 1 - Representação esquemática para avaliação da energia potencial gravitacional
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Assim, como EP = W :

W = mg . z = mgz
E P = mgz

Estaremos interessados principalmente nas diferenças de energias potenciais de um


ponto a outro do fluido. Dessa forma, o PHR geralmente será adotado, por conve-
niência, no nível de um dos pontos que estão sendo comparados.

172 Equação da Energia no Regime Permanente


Energia Cinética ( EC )

Outro conceito que você também viu em física é que a energia cinética é aquela
associada ao movimento (nesta disciplina, estudaremos o movimento dos fluidos).
Considere um sistema de massa m e velocidade v, como o da figura a seguir:

v
CG
m

Figura 2 - Representação esquemática para avaliação da energia cinética


Fonte: Brunetti (2008, p. 86).

A energia cinética associada a este movimento pode ser avaliada pela equação:
mv2
EC =
2

Energia de Pressão ( EPr )

De forma semelhante à energia potencial, é também possível analisar o trabalho


potencial das forças de pressão presentes em um escoamento de fluido. Por exemplo,
considere o elemento infinitesimal de fluido representado pela figura a seguir:

ds
dt
p
dV
A
F = p.A
Figura 3 - Representação esquemática para avaliação da energia de pressão
Fonte: Brunetti (2008, p. 86).

UNIDADE 5 173
Se a pressão p for uniforme na seção de área A, e
considerando a definição de pressão, temos que
F = p . A . Agora, se pela ação desta força F o flui-
do percorre uma distância ds em um intervalo
de tempo dt, surge o seguinte termo de trabalho:
Trabalho = For ça x Deslocamento
ds p . A ds = p . dV
dW F=
=

Por definição, temos que dEPr = dW, e, portanto:


dEPr = p dV

Integrando:
EPr   p dV
V

Energia Mecânica Total do


Fluido (EM)

Podemos entender a energia mecânica total de um


sistema de fluido como a somatória das energias
associadas a ele, excluindo-se as energias térmi-
cas e mantendo apenas as causadas por efeitos
mecânicos. Assim:
EM  EP  EC  EPr
mv2
EM  mgz    p dV
2 V

Com estes conceitos definidos, podemos partir


para a famosa equação de Bernoulli.

174 Equação da Energia no Regime Permanente


Equação
de Bernoulli

A equação de Bernoulli é, essencialmente, um


balanço de energia entre dois pontos de um
escoamento, que faz uso de diversas hipóteses
simplificadoras para facilitar a interpretação dos
problemas. Naturalmente, simplificar o proble-
ma tende a produzir resultados cada vez mais
distantes da realidade, por isso, a importância
desta equação se dá por dois aspectos: primeiro,
apresenta grande significado conceitual sobre o
escoamento de um fluido; e segundo, serve como
etapa inicial para a elaboração de uma equação
geral da energia mais rigorosa e detalhada.

UNIDADE 5 175
Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

Seis hipóteses devem ser consideradas:


a) Condição de regime permanente.
b) Fluido ideal (viscosidade nula e, consequentemente, sem perdas por atrito).
c) Fluido incompressível.
d) Sem troca de calor.
e) Sem trabalho de eixo, ou seja, sem bombas, turbinas, ventiladores ou outros
dispositivos que realizem trabalho (positivo ou negativo) no sistema.
f) Propriedades uniformes nas seções do escoamento.

Como mencionado, a equação de Bernoulli compara dois pontos do escoamento.


Assim, para facilitar a visualização, considere o esquema a seguir, em que será consi-
derado um trecho infinitesimal do escoamento em duas seções distintas:

p2 (2)
dm1 v2

p1 (1)
v1
dV2
dm2
dt
z1 dV1 z2
PHR

Figura 4 - Representação esquemática de um elemento infinitesimal do escoamento


Fonte: Brunetti (2008, p. 87).

176 Equação da Energia no Regime Permanente


Primeiramente, vamos escrever a equação da energia mecânica, na forma infinitesi-
mal, para ambas as seções:

dm1v12
dEM 1  dm1 gz1   p1dV1
2
dm2 v22
dEM 2  dm2 gz2   p2 dV2
2
Agora, considerando as hipóteses descritas anteriormente, note que as hipóteses (b),
(d) e (e) juntas significam que não é retirada nem fornecida energia ao fluido. Assim,
para que a condição de regime permanente seja válida, o sistema deve obedecer à
relação:

E entra  E sai  0
E
entra  Esai

Observe que a entrada do sistema é a seção 1, enquanto a saída é a seção 2. Dessa


forma, podemos igualar as energias mecânicas dEM 1 e dEM 2 :

dEM 1  dEM 2
dm1v12 dm v2
dm1 gz1   p1dV1  dm2 gz2  2 2  p2 dV2
2 2
Esta equação pode ser simplificada utilizando a definição de massa específica, que
pode ser escrita da seguinte forma:
dm dm
r  dV 
dV r

Assim, substituindo dV1 e dV2:

dm1v12 dm1 dm2 v22 dm


dm1 gz1   p1  dm2 gz2   p2 2
2 r1 2 r2
Como estamos considerando a hipótese de fluido incompressível, temos que ρ1 =
ρ2. Além disso, como estamos em regime permanente, você sabe que o princípio
de conservação da massa também deve ser válido. Assim, sabemos que dm1 = dm2.
Simplificando:

v12 p1 v2 p
gz1    gz2  2  2
2 r 2 r

UNIDADE 5 177
Na prática, esta já é a tão aguardada equação de Bernoulli. Por fim, as últimas simpli-
ficações desta equação podem ser feitas de duas maneiras. A primeira é multiplicando
a equação por ρ:

rv12 rv22
r gz1   p1  r gz2   p2
2 2

A segunda simplificação consiste em dividir a equação de Bernoulli por g e utilizar


a relação do peso específico γ = ρ g :

v12 p1 v22 p2
z1    z2  
2g g 2g g

Qualquer uma destas três últimas formas são usos válidos da equação de Bernoulli.
A importância destas simplificações distintas reside na interpretação de cada termo.
Quanto à última simplificação da Equação de Bernoulli (que será a simplificação
utilizada neste livro), os termos podem ser interpretados como “cargas” (assim como
estudado na Unidade 3), pois possuem dimensão de comprimento.
• z é a carga de elevação; representa a energia potencial do fluido.
v2
• 2 g é a carga de velocidade, que corresponde à altura necessária para que um
fluido atinja a velocidade v durante uma queda livre sem atrito.
p
• é a carga de pressão que, conforme estudado na Unidade 3, equivale à altura
g
de coluna de fluido necessária para produzir a pressão estática p.

Assim, pode-se afirmar que a equação de Bernoulli nesta forma calcula a carga total
(H) do escoamento, a qual é constante ao longo de uma linha de corrente, conside-
rando as hipóteses simplificadoras pertinentes.

v2 p
z   H  constante (ao longo de uma linha de corrente)
2g g

É importante também que você note que estes termos correspondem à energia por
unidade de peso. Por exemplo:

mgz EP [E ]
z   [ z]  P  L
mg P [ P]
v2 p
Caso se interesse, faça a análise dimensional dos termos e , seguindo o mesmo
2g g
raciocínio: você deseja chegar na razão energia/peso. Naturalmente, a análise dimen-
sional te confirmará que os termos possuem dimensão de comprimento.

178 Equação da Energia no Regime Permanente


Apesar de ser matematicamente simples e de estar sujeita a diversas simplificações,
a Equação de Bernoulli não deve ser subestimada! Ela é uma ferramenta bastante
eficiente e seus resultados podem ser úteis na prática para avaliações rápidas ou como
estimativas iniciais. Contudo, fique atento: os problemas mais complexos exigem
expertise do aluno em saber como abordá-los, quais pontos devem ser analisados e
o que pode ser abstraído do sistema em estudo. Por isso, o próximo passo é colocar
as mãos à obra!

1 EXEMPLO Um manômetro diferencial, cujo fluido manométrico é mercúrio (γHg = 136000 N/


m³), é acoplado a um tubo de Venturi, em que a água (γH₂O = 10000 N/m³) escoa uni-
formemente em regime permanente, sob condições de fluido ideal e sem ganho ou
perda de energia. Considerando a figura a seguir, se a seção (1) tem 30 cm² e a seção
(2) tem 15 cm², qual a vazão de água escoando por este tubo? Adote g = 9,8 m/s².
(1)
(2)
H2O

H2O
h = 18 cm Hg
H2O

Solução:

Primeiramente, observe que as condições enunciadas permitem o uso da equação


de Bernoulli. Em segundo lugar, foque no objetivo do problema: desejamos calcular
a vazão do escoamento. A equação de Bernoulli por si só não trabalha com vazões
diretamente; contudo, um dos parâmetros dela é a velocidade do escoamento, que
pode ser usada para calcular a vazão.
Assim, sendo a equação de Bernoulli entre os pontos 1 e 2:

v12 p1 v2 p
z1    z2  2  2
2g g 2g g

Observe que, independentemente do plano horizontal de referência que você definir,


os pontos 1 e 2 estão à mesma altura z. Isto é, z1 = z2:

v12 p1 v22 p2 v2  v2 p  p2
    2 1  1
2g g 2g g 2g g

UNIDADE 5 179
Como não conhecemos nenhuma das velocidades ou pressões, é necessário recorrer
a outras equações para resolver o problema. Podemos usar a equação manométrica
para avaliar a diferença de pressão p1 – p2. Partindo do ponto 1 e indo para o ponto
2 por meio da equação manométrica:

p1  g H 2O . h  g Hg . h  p2
p1  p2  g Hg . h  g H 2O . h
N
p1  p2  (136000  10000) . 0, 18 m
m3
N
p1  p2  22680
m2

Isto resolve duas das quatro incógnitas da equação de Bernoulli. Assim, é necessário
mais uma equação para resolver o problema. Você tem algum palpite de qual seria?
Se você pensou na equação da continuidade, acertou! Para as seções 1 e 2, como o
escoamento é incompressível, a equação da continuidade pode ser escrita na forma
volumétrica:

Q1  Q2
A2
v1 A1  v2 A2  v1  v2 .
A1
15 cm2 v2
v1  v2 . 
30 cm2 2

180 Equação da Energia no Regime Permanente


Substituindo os resultados da equação manométrica e da equação da continuidade
na equação de Bernoulli, podemos determinar as velocidades do escoamento em
ambas as seções:

2
v22  v12 p1  p2 v   p  p2 
  v22   2   2 g .  1 
2g g 2  g 
N
22680
3 2 m m2
v2  2 . 9, 8 2 .
4 s 10000 N
m3
m2
v22  59, 27
s2
m m
v2  7, 70  v1  3, 85
s s

Finalmente, basta voltar este resultado à equação da continuidade que o problema


estará resolvido:

m 2 1 m2 m3
Q1 v=
= 1 . A1 3, 85 . 30 cm = 0, 01155
s 104 cm2 s
m 1 m2 m3
Q2 v=
= 2 . A2 7, 70 . 15 cm2 4 2 = 0, 01155
s 10 cm s
m3 L
Q=
1 Q
=2 0, 01155 = 11, 55
s s

Note que este exemplo abordou três grandes assuntos que você estudou até
aqui: as equações manométricas, da continuidade e de Bernoulli. Isto é comum
nos problemas de mecânica dos fluidos e por isso é importante que você tenha se
apropriado dos conceitos abordados nas unidades anteriores para que não tenha
dificuldades na resolução dos exercícios. Isso irá desenvolver as competências de
visão macro e pensamento analítico, essenciais para o profissional de Engenharia.

UNIDADE 5 181
Medida da Velocidade
com Tubo de Pitot

Os tubos de Pitot são essencialmente pequenos


tubos com sua extremidade aberta alinhada ao
escoamento, dobrados em ângulo reto e geral-
mente acoplados a um piezômetro. Eles permi-
tem mensurar a velocidade do escoamento e são
empregados tanto industrialmente quanto para
medir a velocidade do ar em carros de corrida e
jatos de combate da força aérea. Esta medição é
feita com base justamente nas equações que você
tem estudado até aqui. Vamos verificar isto por
meio de um exemplo.

182 Equação da Energia no Regime Permanente


2 EXEMPLO Água (γ = 10000 N/m³) escoa por um tubo de seção circular, cujo diâmetro é de 8 cm.
Para avaliar a velocidade do escoamento no eixo do tubo, instala-se um tubo de Pitot,
como representado na figura a seguir. Determine a vazão no tubo, considerando escoa-
mento uniforme. Adote g = 10 m/s² e γm = 136000 N/m³.

γ = 104 N/m3

4 cm γm = 1,36 x 105 N/m3

Solução:

Iremos estudar o problema por meio da equação de Bernoulli e da equação mano-


métrica. Considere a representação a seguir:

v γ
(1) (2)

h
γm

O fluido (água) está escoando pela tubulação, da esquerda para a direita, até que em
uma determinada seção da tubulação (linha pontilhada) as partículas se deparam
com a entrada de um tubo de Pitot e um piezômetro conectados entre si pelo fluido
manométrico disposto em um manômetro de tubo em U. Como o piezômetro está
posicionado tangente ao escoamento, ele medirá apenas a pressão estática do fluido.
O tubo de Pitot, por outro lado, está posicionado diretamente no sentido do escoa-
mento do fluido, de modo que as partículas, ao incidirem no ponto (2), perdem toda
sua velocidade, transformando sua energia cinética em efeito de pressão.
Basicamente: enquanto ambos os lados estão sujeitos à pressão estática do escoa-
mento, o fluido manométrico é mais empurrado para baixo no tubo de Pitot, pois
as partículas de fluido perdem sua energia cinética se chocando continuamente no
ponto (2), que por isto é chamado de “ponto de estagnação” ou “ponto de parada”.

UNIDADE 5 183
Como os pontos (1) e (2) estão muito próximos, é razoável considerar que as perdas
de energia entre eles sejam desprezíveis. Assim, assumindo que as demais hipóteses
da equação de Bernoulli são válidas, pode-se escrever:
H1  H 2
v12 p1 v2 p
z1    z2  2  2
2g g 2g g

Repare que, como estamos considerando que os pontos (1) e (2) estão no mesmo
plano horizontal de referência ( z1 = z2 ) e que no ponto de estagnação (2) observa-se
v2 = 0 , a equação fica:
v12 p1 p2
 
2g g g

Lembre-se que o principal intuito de um tubo de Pitot é mensurar a velocidade do


escoamento. Assim, pode-se isolar v1 nesta equação, para chegar à seguinte forma:

 p  p1 
v1  2 g  2 
 g 

Como estão conectados pelo tubo em U, é possível relacionar p1 e p2 por meio da


equação manométrica que, neste caso, é dada por:

p1  g m . h  g . h  p2

Rearranjando esta equação, é possível escrever:


p2  p1  (g m  g ) . h
p2  p1  g m 
  1 . h
g  g 

184 Equação da Energia no Regime Permanente


Substituindo este resultado na equação anterior para a velocidade do escoamento
(v1), temos:
g 
v1  2 g  m  1  . h
 g 

Estas duas equações para v1 são importantes, pois permitem determinar a velocidade
do escoamento no ponto em que o tubo de Pitot está instalado de maneira simples
e rápida, bastando conhecer os fluidos envolvidos e a diferença de pressão causada
pela energia cinética do escoamento.
Em posse disto, é fácil resolver o exemplo em estudo. Verificando v1 :

 N 
 136000 3 
m m  1  . 0, 04 m
v1  2 . 10 2 
s  10000 N 

 m3 
m
v1  3, 17
s

Como estamos considerando escoamento incompressível e uniforme, ou seja, em


que a velocidade do escoamento é a mesma em todos os pontos da seção analisada,
a vazão pode ser facilmente determinada:
2
m  0, 08 m 
Q  3, 17 . 3, 14 .  
s  2 
m3
Q  0, 016
s

UNIDADE 5 185
É importante notar que, se o escoamento não fosse considerado uniforme, o tubo de
Pitot poderia ser utilizado para medir a velocidade em diferentes pontos da seção, para
montar um diagrama de velocidades (como na figura a seguir), o qual poderia ser
utilizado para obter uma nova vazão média mais precisa e condizente com a realidade.

Figura 5 - Diagrama de velocidades de um escoamento em tubo cilíndrico


Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Além disso, é importante mencionar que o tubo de Pitot também pode ser utilizado
para medir a velocidade de fluidos compressíveis, mas os métodos para tanto são
mais rigorosos e não serão tratados neste material.

No dia 01 de junho de 2009, o voo AF 447, que ia do Rio de Janeiro a Paris, caiu
no Oceano Atlântico, matando 228 passageiros e membros da tripulação. Um dos
problemas relatados foi a inconsistência nas medições de velocidade, que ocorreu
devido ao congelamento e obstrução dos tubos de Pitot da aeronave por cristais
de gelo.
Fonte: Laranjeira (2019, on-line)1.

Agora que você conhece a equação de Bernoulli e suas aplicações fundamentada em


diversas hipóteses simplificadoras, é hora de remover uma destas hipóteses, para que
você seja capaz de lidar com uma quantidade ainda maior de problemas cada vez
mais próximos da realidade.

186 Equação da Energia no Regime Permanente


Bombas e Turbinas
na Equação da Energia

Nosso intuito agora será remover a hipótese (d):


“sem trabalho de eixo, ou seja, sem bombas, tur-
binas, ventiladores ou outros dispositivos que rea-
lizem trabalho (positivo ou negativo) no sistema”.
Isto significa que estaremos inserindo máquinas
aos nossos problemas, as quais poderão fornecer
ou retirar energia do escoamento.
O raciocínio a seguir será muito simples: ao
adicionar máquinas ao sistema, devemos acres-
centar um termo na equação de Bernoulli, refe-
rente ao trabalho de eixo realizado ou retirado
pela máquina. Considere o esquema:

(2)

(1)
M
H2

H1
Figura 6 - Representação esquemática de um sistema de
escoamento com máquina
Fonte: Brunetti (2008, p. 91).

UNIDADE 5 187
Se H1 e H2 são as cargas de pressão nas seções 1 e 2, respectivamente,
a equação de Bernoulli (com suas hipóteses simplificadoras, ou seja,
sem a máquina M) traz que:

v2 p
z   H  constante (ao longo de uma linha de corrente)
2g g
H1  H 2

Como mencionado, a presença da máquina irá adicionar ou re-


mover energia do sistema. Iremos, então, incluir esta quantidade
de energia (na forma de carga de pressão) na igualdade acima,
indicando-a por HM:
H1  H M  H 2

Caso a máquina em questão seja uma bomba ou um ventilador, por


exemplo, o termo HM será positivo, pois estas máquinas fornecem
energia para o fluido. Se a máquina for uma turbina, o termo HM
será negativo, pois ela retira energia do fluido. Expandindo os ter-
mos anteriores com a equação de Bernoulli:

v12 p1 v2 p
z1    H M  z2  2  2
2g g 2g g

Antes de aplicar esta nova ideia, é importante que você compreen-


da o conceito destas máquinas de forma apropriada. Como você
sabe, pelo princípio de conservação da energia, a energia fornecida
por uma bomba não surge do nada. Da mesma forma, a energia
retirada por uma turbina não simplesmente desaparece. Ambas
passam por um processo de transformação de energia. Por exemplo,
se estivermos considerando uma bomba que utiliza eletricidade,
estamos transformando energia elétrica em energia mecânica ao
fluido, assim como o processo inverso – uma turbina pode ser usada
para transformar a energia mecânica do fluido em energia elétrica
(como é o caso das usinas hidrelétricas).
Bombas e turbinas na equação da Por causa disso, é razoável a ideia de que tais máquinas possuem
energia um input (entrada) e um output (saída) de energia. Isto nos leva
ao conceito de rendimento ou eficiência total (ηmáq) da máquina.

188 Equação da Energia no Regime Permanente


Eficiência (Rendimento): é a razão entre a potência fornecida e a potência recebida
pela máquina. Naturalmente, deve ser um valor entre 0 e 1. Uma eficiência de 100%
sugere que a conversão de energia foi perfeita, ou seja, sem efeitos de atrito ou
outras irreversibilidades que convertam a energia elétrica ou mecânica em energia
térmica.
Fonte: adaptado de Çengel e Cimbala (2015).

Dessa forma, podemos determinar o rendimento de uma máquina por meio da


seguinte relação:

Energia fornecida pela máquina


hmáq =
Energia recebida pela máquina

Veja que, se pensarmos em uma bomba, podemos escrever:

Pot ência recebida pelo fluido


hB =
Pot ência da bomba

Assim, se uma bomba com potência de 100 kW tem um rendimento de 80%, o fluido
receberá 80 kW.
Para uma turbina, a relação pode ser escrita como:
Pot ência da turbina
hT =
Pot ência cedida pelo fluido

Assim, se uma turbina com potência de 100 kW tem um rendimento de 80%, o fluido
está cedendo 125 kW.

Alguns livros destrincham o rendimento com relação à eficiência mecânica e à efi-


ciência do motor/gerador da máquina. Apesar de importantes, na maior parte do
tempo, você estará preocupado com o rendimento total da máquina e, por isso,
estaremos trabalhando apenas com ele.

UNIDADE 5 189
Utilizaremos a letra N para representar a potência da máquina, seja ela uma bomba
ou turbina. Observe que, ao usar a equação de Bernoulli com o termo HM, que foi
apresentado neste tópico, o resultado estará com dimensões de carga, ou seja, com-
primento. Como geralmente estamos habituados a lidar com potências em unidade
de trabalho (energia) por unidade de tempo, a potência propriamente dita pode ser
avaliada pela equação:
N = g . Q . HM

Em que γ é o peso específico do fluido e Q é a vazão volumétrica. No SI, trabalha-se


com o watt (W = J/s = N.m/s). Outras unidades comuns são o cavalo-vapor (1 CV =
735 W) e o horse power (1 HP = 1,014 CV).
Partiremos agora para um exemplo envolvendo máquinas. É natural que tudo
pareça abstrato apenas no conceito, mas você verá que a prática faz sentido facilmente!

3 EXEMPLO Considere um grande reservatório de água que, ligado a uma máquina e uma tubu-
lação, direciona seu conteúdo para um segundo tanque, a uma vazão de 0,03 m3/s.
Se o sistema está configurado como na figura a seguir e sabendo que a área de seção
da tubulação é de 15 cm², descubra se a máquina em questão é uma bomba ou uma
turbina e, em seguida, determine a sua potência para um rendimento total de 80%.
Adote γH2O = 10000 N/m³ e g = 10 m/s² e considere o fluido incompressível.
(2)
(1)

30 m 20 m

Solução:

Lembre-se sempre que o primeiro passo para resolver problemas de mecânica dos
fluidos é verificar quais hipóteses simplificadoras você precisará adotar para resolver
o problema de forma adequada. Primeiramente, serão consideradas as hipóteses
necessárias para o uso da equação de Bernoulli, com exceção da ausência de uma
máquina, permitindo escrever:

v12 p1 v2 p
z1    H M  z2  2  2
2g g 2g g

190 Equação da Energia no Regime Permanente


Em segundo lugar, serão considerados os pontos (1) e (2) na superfície livre do re-
servatório e na saída da tubulação, respectivamente, como identificado na figura.
Evidentemente, por estar sendo descarregado, o nível do reservatório iria diminuir
ao longo do tempo. Contudo, devido ao seu tamanho (grandes dimensões), é razoá-
vel considerar que, dentro de certo intervalo de tempo, o nível irá variar de forma
desprezível, podendo ser considerado constante. Isso é necessário para a hipótese de
regime permanente. Note que o mesmo raciocínio não é necessário para o segundo
tanque, pois o limite do nosso sistema é a saída da tubulação, que não o inclui. Além
disso, esta consideração de “grandes dimensões” também significa que a velocidade
do fluido em 1 será praticamente nula ( v1 = 0 ).

p1 v2 p
z1   H M  z2  2  2
g 2g g

Veja na figura que as cotas z1 e z2 estão dadas com relação a um plano horizontal
de referência localizado praticamente na base da tubulação (as dimensões do tubo
são pequenas perto das cotas em questão).

p1 v2 p
30 m   H M  20 m  2  2
g 2g g

Como tanto o nível do tanque (1) quanto a saída da tubulação (2) estão abertos para
a atmosfera, ambos os termos de carga de pressão se anulam:

p1  p2  patm  0 (escala efetiva )


v22
30 m  H M  20 m 
2g

Tenha em mente que nosso objetivo com esta equação é determinar HM. Para isso,
v2 pode ser avaliado por meio da equação da Continuidade:

Q
v2 =
A2
m3
0, 03
s m
=v2 = 2
20
0, 0015 m s

UNIDADE 5 191
Com isso, podemos retornar à equação anterior para calcular a carga fornecida
ou removida pela máquina:

2
 m
 20 
s
HM  20 m    30 m
m
2 . 10 2
s
H M  10 m

Este resultado significa que a máquina é responsável por fornecer uma carga de pres-
são equivalente a 10 m ao escoamento. Do contrário, ele não teria energia suficiente
para chegar à saída (2), na velocidade de 20 m/s. Como este valor é positivo (energia
foi fornecida), a máquina em questão é uma bomba.
O passo final é determinar a potência desta bomba – para isso, é necessário, pri-
meiro, converter este valor de carga em potência:

N = g . Q . HM
N m3
=N 10000
= . 0, 03 . 10 m 3000 W
m3 s
Tenha cuidado! Esta é a potência fornecida ao fluido. Para avaliar a potência da
máquina, como solicitado pelo enunciado, é necessário utilizar o seu rendimento:

Pot ência recebida pelo fluido


hB 
Pot ência da bomba
N N
hB   NB 
NB hB
N 3000 W
NB  
hB 0, 80
N B  3, 75 kW

Isto significa que a bomba em questão consome uma potência de 3,75 kW para
acrescentar uma potência de 3 kW ao escoamento.
Como você pode perceber, os exercícios vão se tornando mais extensos à medida
que novos conceitos são integrados, e saber quais hipóteses simplificadoras são ade-
quadas para solucionar o problema é um aspecto vital para o sucesso do seu estudo e
aprimoramento do conhecimento. Contudo, aguente firme, porque o passo seguinte
é remover mais uma das considerações utilizadas na equação de Bernoulli!

192 Equação da Energia no Regime Permanente


Equação da Energia
para Fluidos Reais

Indo direto ao ponto: não iremos mais considerar


o fluido como ideal. Isto significa que os efeitos da
viscosidade (atrito) entram em jogo e precisam ser
equacionados. Contudo, não se desespere, pois se-
rão mantidas as hipóteses de regime permanente,
fluido incompressível, escoamento uniforme na
seção e sem troca de calor com o meio.
O raciocínio é praticamente o mesmo que fize-
mos ao introduzir as máquinas no sistema: iremos
incorporar um único termo à nossa equação, re-
ferente à dissipação de energia devido aos efeitos
viscosos. Considere o sistema a seguir:

H2
(1) (2)

Hp1, 2
H1
Figura 7 - Representação da dissipação de energia em um
escoamento
Fonte: Brunetti (2008, p. 95).

UNIDADE 5 193
Como já vimos, em condições perfeitas, a equação de Bernoulli seria válida:

H1 = H 2

Os efeitos viscosos removem energia do sistema, como indicado pela seta H p1,2 na
Figura 7. Fazendo o balanço de energia, na forma de carga de pressão:
H1  H 2  H p1,2

Por ser essencialmente uma perda de energia do escoamento, o termo H p1,2 é


geralmente chamado de “perda de carga”. Na prática, esta expressão é utilizada para
se referir a diversas perdas de energia do escoamento relacionadas à tubulação, en-
globando outros fatores além do atrito, como curvas e cotovelos na tubulação ou a
presença de válvulas e outros dispositivos.
Dessa forma, a partir da equação de Bernoulli, com a presença de uma máquina
entre (1) e (2), e considerando a dissipação de energia por efeitos viscosos, podemos
escrever a equação da energia:

v12 p1 v2 p
z1    H M  z2  2  2  H p1,2
2g g 2g g

A perda de carga pode ser convertida para a forma de potência dissipada, assim como
fizemos com a potência das máquinas:

N diss = g . Q . H p1,2

4 EXEMPLO Uma bomba de 12 kW e eficiência de 78,5% é utilizada para levar a água de um lago
até um tanque, como na figura a seguir. Se a vazão de operação é de 25 L/s, determine
a perda de carga deste sistema. Adote γH₂O = 9800 N/m³ e g = 9,8 m/s² e considere
que tanto o lago quanto o tanque apresentam grandes dimensões.
(2)
Tanque

30 m

(1)

Lago

194 Equação da Energia no Regime Permanente


Solução:

Este problema envolve a presença de uma máquina no escoamento e perda de carga


na tubulação. Considerando as hipóteses de regime permanente, fluido incompres-
sível, propriedades uniformes na seção e sem troca de calor, podemos usar a equação
da energia na forma:

v12 p1 v2 p
z1    H M  z2  2  2  H p1,2
2g g 2g g

Adotando como ponto (1) a superfície do lago e como ponto (2) a superfície do
tanque, podemos fazer mais algumas considerações. A primeira delas é com relação
às pressões p1 e p2 que, por estarem abertas à atmosfera, podem ser aproximadas
como a própria pressão atmosférica do ambiente:

p1  p2  patm  0
v12 v2
z1   H M  z2  2  H p1,2
2g 2g

Podemos também considerar que as dimensões em questão são grandes o suficiente


para que as variações nos níveis do lago e do tanque sejam desprezíveis, podendo as
alturas z1 e z2 ser consideradas constantes, e as velocidades v1 e v2 nulas:

v1  v2  0
z1  H M  z2  H p1,2

Veja que a cota fornecida na figura é conveniente para adotar como plano horizontal
de referência a superfície do lago, de modo que:

z1  0 ; z2  30 m
H M  (30 m)  H p1,2

UNIDADE 5 195
Agora, é necessário determinar HM. Como conhecemos a potência e a sua eficiência
da bomba, basta determinar primeiro a potência fornecida pela bomba ao fluido e,
então, converter este valor para uma carga:
N
ηB   N  ηB . N B
NB
N  0, 785 . 12 kW  9, 42 kW  9420 W
N
N  γ . Q . HM  HM 
γ .Q
9420 W
HM   38, 45 m
N m3
9800 3 . 0, 025
m s
Retornando na equação da energia, determina-se a perda de carga:
(38, 45 m)  (30 m)  H p1,2
H p1,2  8, 45 m

Em termos de potência dissipada:


N diss  g . Q . H p1,2

N m3
N diss  9800 3 . 0, 025 . 8, 45 m
m s
N diss  2070, 25 W  2, 07 kW
Agora, faremos uma última observação com relação à equação da energia. Assim
como fizemos com a equação da continuidade, também podemos escrever a equa-
ção da energia para situações com mais de uma entrada ou uma saída. O raciocínio
é o mesmo: deve-se fazer a somatória de todas as energias que entram e que saem
e avaliar também a presença de uma (ou mais) máquinas e as perdas de carga. De
forma genérica, considere o sistema a seguir, com n entradas e saídas:
N1e (1s)
(1e) Ndiss N1s
(2e) (2s)
N2e M
N2s

(ne) (ns )
Nne N
Nns
Figura 8 - Representação esquemática de um sistema com múltiplas entradas e saídas
Fonte Brunetti (2008, p. 101).

196 Equação da Energia no Regime Permanente


O índice “e” remete às entradas, e o índice “s” às saídas. Seguindo os princípios de
conservação de energia, como fizemos até o momento, podemos escrever, na forma
de potência (energia por tempo):
  g . Q . H   N    g . Q . H   N diss
e s

Em que:

v2 p
• H    z em cada seção.
2g g

• N = g . Q . H M pode ser positivo (se for uma bomba) ou negativo (se for
uma turbina).
• N diss   g . Q . H P com Q e HP referindo-se a cada trecho do escoamento.

Note-se que, mesmo com múltiplas entradas e saídas, as hipóteses consideradas até
o momento para o desenvolvimento destas equações ainda devem ser válidas.
O objetivo desta unidade é fazer uma análise da energia dos escoamentos em
regime permanente, baseada no princípio da conservação da energia. Em situações
perfeitas, vimos que a equação de Bernoulli é aplicável – contudo, sabemos que a
realidade nunca é perfeita e, por isso, removemos duas importantes simplificações
da equação de Bernoulli em busca de uma equação da energia mais geral.
Com o que vimos até aqui, você já pode avaliar sistemas simples de tubulações e
dizer se uma bomba será necessária ou não para levar o fluido de um ponto a outro,
por exemplo. Poderíamos ir adiante e remover as hipóteses de escoamento uniforme
e fluido incompressível, mas como isto iria além do escopo desta disciplina, os alunos
que despertarem interesse podem recorrer à literatura de referência para encontrar
desenvolvimentos matemáticos mais rigorosos em busca de uma equação da energia
geral.
Na próxima unidade, nossos objetos de estudo serão os efeitos causados pela
tubulação no escoamento. Esteja bem preparado e com o conteúdo visto até aqui
bastante esclarecido, pois ele será vital para a continuação do seu aprendizado!

UNIDADE 5 197
Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Um grande tanque, cheio de água e aberto para atmosfera, é descarregado por


uma saída próxima ao fundo do tanque. Determine a velocidade de saída da água
se o nível do tanque em relação ao fundo é de 10 metros. Adote g = 9,8 m/s².

10 m z
Água
V2
0
2

2. Tubos convergentes-divergentes podem ser utilizados para produzir vácuo.


Como na figura a seguir, basta utilizar um fluido, tal como água, em uma vazão
adequada para que uma depressão seja criada na garganta. Considerando a
hipótese de fluido ideal e sem perda de carga, qual deve ser o diâmetro da gar-
ganta (2) para que uma vazão de 8 kg/s produza uma depressão equivalente a
250 mmHg na câmara? Dados: D1 = 12 cm; ρH2O = 1000 kg/m³; ρHg = 13600 kg/
m³; g = 10 m/s².

CÂMARA

Patm
H2O

(1) (2)

198
3. Certa turbina de uma usina hidrelétrica é capaz de produzir 60 MW de energia
elétrica, com uma eficiência total de 80%. A movimentação desta turbina é
feita com a captação de água localizada em um nível superior (1) que é então
direcionada para um nível inferior (2), sendo ambos grandes corpos d’água.
Considerando os dados da figura a seguir, calcule a perda de carga associada
ao processo. Adote ρH2O = 1000 kg/m³; g = 9,8 m/s².

Q = 120 m3/s
100 m
Hp1,2 = ?

Turbina 2

η Turbina = 80%

199
WEB

Animação desenvolvida pelo TED-Ed que trata de como a energia se comporta


na natureza e de como ela se conserva. Conteúdo em inglês, com legendas
disponíveis em português.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

WEB

Vídeo desenvolvido pelo Portal Aeronáutico Trem de Pouso que explica o funcio-
namento do tubo de pitot e do sistema pitot-estático em aeronaves. Conteúdo
em português.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

200
BRUNETTI, F. Mecânica dos Fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3. ed. Brasil: AMGH
Editora, 2015.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

REFERÊNCIA ON-LINE

¹Em: https://aeromagazine.uol.com.br/artigo/conclusoes-sobre-o-voo-af447_4304.html. Acesso em: 07 out. 2019.

201
1. Considerando que as hipóteses simplificadoras necessárias para o uso da equação de Bernoulli são válidas,
e de que o tanque tem dimensões grandes o suficientes para considerar que z1 seja constante e que v1 = 0:

v12 p1 v2 p
z1    z2  2  2
2g g 2g g
p1 v2 p
z1   z2  2  2
g 2g g
Como tanto o tanque quanto o tubo de descarga estão abertos para a atmosfera, temos que p1 = p2 = patm = 0
(escala efetiva) e, portanto:

v22
z1  z2 
2g
Adotando o fundo do tanque como plano horizontal de referência e considerando que a distância do tubo de
descarga ao fundo é desprezível, temos que z1 = 10 m e z2 = 0 m. Então, basta substituir estes valores na equação
e resolver para a velocidade de descarga:

v22
10 m  0 m 
m
2 . 9, 8
s2
m2
196 2
 v22
s
m
v2  14
s
2. Considerando que o problema atende às hipóteses simplificadoras da equação de Bernoulli (regime per-
manente, fluido ideal, ausência de máquina, sem troca de calor e escoamento uniforme), é possível utilizar
a equação entre a saída do tubo (1) e a garganta (2):

v12 p1 v2 p
z1    z2  2  2
2g g 2g g

202
Independentemente do plano horizontal de referência adotado, os centros das seções (1) e (2) estarão locali-
zados à mesma altura z1 = z2. Assim:

v12 p1 v22 p2
  
2g g 2g g
Sabemos que (1) está aberta para o ambiente, enquanto em (2) deve estar em depressão de 250 mmHg. Como
visto nas unidades anteriores, o conceito de “depressão” indica o quanto a pressão mensurada está abaixo da
pressão atmosférica. Então, pode-se escrever:

p1  patm ; p2  patm  250 mmHg


p1  p2  250 mmHg  0, 250 mHg
v12 p1 v22 p2 p  p2 v22  v12
    1 
2g g 2g g g 2g

Para converter a diferença de pressão (p1 – p2) de mmHg para o SI, pode-se utilizar a relação:

p r.g .h
kg m
p  13600 3
. 10. 0, 250 m
m s2
p  ( p1  p2 )  34000 Pa  34 kPa

Lembrando-se da definição de peso específico e substituindo os valores conhecidos:

γ ρ.g
p  p2
2. 1  v22  v12
ρ
34000 Pa
2.  v22  v12
kg
1000 3
m
m2
v22  v12  68
s2

203
Como é fornecida a vazão mássica de água e o diâmetro da seção (1), considerando que a seção transversal da
tubulação é circular, é possível avaliar v1:
2
D
Qm  ρ . v . A ; A  π .  
2
Q Qm
v m  2
ρ.A D
ρ .π . 
2
kg
8
s m
v1  2
 v1  0, 71
kg  0, 12 m  s
1000 3 . 3, 14 .  
m  2 
Agora, é possível retornar e avaliar v2:

2
 m m2
v22   0, 71   68 2
 s s
m
v2  8, 22
s
Em posse deste resultado, basta retornar na equação utilizada para calcular v1, mas agora para a seção v2:

2
D
Qm  ρ . v . A  ρ . v . π .  
2
kg
8
Qm s
D2  4  4
ρ H 2O . v2 . π kg m
1000 3 . 8, 22 . 3, 14
m s
D2  3, 5 cm

3. O problema em questão pede a perda de carga do processo. Além disso, envolve uma máquina que retira
trabalho do sistema – uma turbina. A equação que contempla todos estes efeitos é a equação da energia
na forma:

v12 p1 v22 p2
z1    H M  z2    H p1,2
2g g 2g g

204
O uso desta equação considera algumas hipóteses, tais como regime permanente, fluido incompressível, es-
coamento uniforme e sem trocas de calor. Por serem dois grandes corpos d’água, pode-se considerar também
que v1 = v2 = 0, com os níveis de água z1 e z2 permanecendo constantes. Além disso, ambos estão abertos para
a atmosfera, de modo que p1 = p2 = patm = 0 (escala efetiva). Dessa forma, a equação simplificada fica:

100 m  H M  0 m  H p1,2

Como o enunciado fornece a energia produzida por esta turbina e sua eficiência mecânica, é possível medir a
potência removida do escoamento:

Potência da turbina N
hT   T
Potência cedida pelo fluido N
60 MW
0, 80   N  75 MW
N

Convertendo este valor na forma de carga:

N N
N  γ . Q . HM  HM  
γ .Q ρ . g .Q
75 . 106 W
HM 
kg m m3
1000 3 . 9, 8 2 . 120
m s s
H M  63, 78 m

Agora, basta retornar este valor à equação da energia para chegar à perda de carga do sistema. Observe que,
por se tratar de uma turbina, a carga HM é removida do escoamento pela turbina. Dessa forma, o termo na
equação deve ser negativo:

100 m  63, 78 m  H p1,2


H p1,2  36, 22 m

205
206
207
208
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Escoamento em
Condutos Forçados

PLANO DE ESTUDOS

Camada Limite Instalações de Recalque

Definições Iniciais Perdas de Carga

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Introduzir o estudo para determinação da perda de carga • Estudar a determinação das perdas de carga distribuídas
e definir os termos: condutos, raio/diâmetro hidráulico e e localizadas.
rugosidade. • Aplicar a equação da energia em sistemas envolvendo
• Desenvolver o conceito de camada limite, partindo da reservatórios, tubos, singularidades e máquinas.
definição do número de Reynolds.
Definições
Iniciais

Na unidade anterior, você estudou os balanços de


energia associados ao escoamento de fluidos em
regime permanente. Naquele momento, partimos
de uma situação em que seis hipóteses simplifica-
doras eram adotadas, resultando na Equação de
Bernoulli. Em seguida, levamos esta equação da
energia para uma forma mais genérica, incluindo
a possibilidade de haver trabalho de eixo no sis-
tema e para situações com fluidos reais (presença
de efeitos viscosos). Podemos combinar estas duas
condições escrevendo a equação da energia na
forma de carga de pressão da seguinte forma:

H1  H M  H 2  H p1,2
Nesta unidade, nosso objetivo geral será aplicar esta equação em instalações hi-
dráulicas, a fim de que você adquira uma visão técnica dos seus aspectos técnicos
fundamentais e desenvolva uma noção inicial do que é necessário para desenvolver
um projeto de tubulação. Para isso, o primeiro passo é definir alguns dos principais
termos a serem usados nesta unidade.
Chamaremos de conduto qualquer estrutura sólida destinada ao transporte de
fluidos (BRUNETTI, 2008). Em outras palavras, condutos são tubulações ou canais
por onde fluidos escoam. Eles podem ser classificados como forçados (quando o
fluido o preenche totalmente) ou livres (quando o fluido apresenta uma superfície
livre). Para melhor ilustrar estas definições, veja a Figura 1, em que (a) representa
um conduto no qual o fluido está em contato com toda a sua parede interna e (b)
apresenta dois condutos livres.

Superfície
Superfície livre
livre

(a) (b)

Figura 1 - Condutos forçados (a) e condutos livres (b)


Fonte: Brunetti (2008, p. 164).

Uma característica fundamental dos condutos é o chamado raio hidráulico, definido


como:
A
RH =
s
Em que “ A ” é a área transversal de escoamento do fluido, e “ s ” é o chamado perímetro
“molhado” que, em outras palavras, é o perímetro da seção em que o fluido está em
contato com a parede do conduto. Além disso, define-se também o chamado “diâmetro
hidráulico” ( DH ), dado por:
DH = 4 RH

A tabela a seguir apresenta os exemplos mais comuns de condutos quanto aos seus
parâmetros A , s , RH e DH . Caso esta definição tenha soado confusa, procure
chegar você mesmo aos parâmetros RH e DH – é uma boa forma de exercitar o
conceito e fixar o conhecimento.

UNIDADE 6 211
Tabela 1 - Principais condutos forçados e seus diâmetros hidráulicos

A σ RH DH
D
πD2 D
πD D
4 4

a 4a a a
a2
a 4

a ab 2ab
ab 2(a + b) 2 (a + b) ( a + b)
b

ab 4 ab
a ab 2a + b
2a + b 2a  b

a a a2 3 a 3 a 3
3a
4 12 3
a

Fonte: Brunetti (2008, p. 164).

Outra característica importante dos condutos que influenciam no escoamento dos


fluidos é a sua rugosidade: pequenas variações de altura na superfície do conduto que
contribuem para a perda de carga. É usual definirmos uma “rugosidade uniforme”,
para fins de simplificação, que é representada pela letra grega ε e possui dimensões
de comprimento. A Figura 2 ilustra este conceito.

ε ε

aspereza

Figura 2 - Representação geométrica da rugosidade em um conduto circular


Fonte: Brunetti (2008, p. 168).

212 Escoamento em Condutos Forçados


Dessa forma, a rugosidade costuma ser dada como uma característica do material do
conduto. Alguns valores considerados comuns estão apresentados na tabela a seguir
para diversos materiais:
Tabela 2 - Valores típicos de rugosidade uniforme para materiais comuns de condutos

Rugosidade (ε)
Material
ft mm

Vidro, plástico 0 0

Concreto 0,003 – 0,03 0,9 - 9

Madeira 0,0016 0,5

Borracha, alisada 0,000033 0,01

Cobre ou latão 0,000005 0,0015

Ferro fundido 0,00085 0,26

Ferro galvanizado 0,0005 0,15

Ferro forjado 0,00015 0,046

Aço inoxidável 0,000007 0,002

Aço comercial 0,00015 0,045

Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 295).

Em geral, o parâmetro de interesse é, na verdade, a chamada rugosidade relativa,


dada pela razão:
DH
Rugosidade Relativa =
e

Feitas estas definições, podemos finalmente introduzir um conceito muito importante


para os fenômenos de transporte em geral: a camada limite.

UNIDADE 6 213
Camada
Limite

Um conceito importantíssimo no estudo da me-


cânica dos fluidos é a chamada camada limite
– essencialmente, a camada de fluido de um es-
coamento que fica junto à superfície sólida. Ve-
remos, a seguir, os aspectos essenciais que regem
este fenômeno, sendo importante até mesmo para
compreender o escoamento do ar nas asas de um
avião.

214 Escoamento em Condutos Forçados


Camada Limite em uma Placa Plana

Mais uma vez, consideremos uma placa plana de pequena espessura, posicionada
paralelamente ao escoamento uniforme de um fluido em regime permanente com
velocidade v0 (Figura 3). A experiência nos mostra que o perfil de velocidade do
escoamento muda ao se encontrar com a placa devido ao princípio da aderência
(discutido na Unidade 2), de modo que a velocidade junto à placa é nula.

seção ao longe
(1) (2) (3)

V0
C
B
A

O x

bordo de ataque bordo de fuga

Figura 3 - Desenvolvimento do escoamento sobre uma placa plana


Fonte: Brunetti (2008, p. 165).

Observe, pela Figura 3, que quanto mais o fluido escoa ao longo da placa (seções 1,
2 e 3), mais o princípio da aderência afeta o perfil de velocidades do escoamento (os
pontos A, B e C indicam a primeira camada de fluido que ainda está na velocidade
original do escoamento, v0 ).
Evidentemente, estão sendo representados apenas os pontos referentes a três
seções do escoamento. Na realidade, para qualquer seção que observarmos sobre a
placa, haverá um primeiro ponto indicando a primeira camada de fluido que ainda
está na velocidade v0 . Se traçarmos uma linha imaginária que passa por todos estes
pontos, podemos dividir o escoamento em duas regiões, como na figura a seguir:

UNIDADE 6 215
seção ao longe
(1) (2) (3)

V0
C
B
A

O x

bordo de ataque bordo de fuga

Figura 4 - Linha conectando todos os primeiros pontos em que a velocidade do escoamento é v0


Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.


Para acessar, use seu leitor de QR Code.

A região acima da linha, chamada de “fluido livre”, é onde o escoamento tem velocida-
de v0 , ou seja, onde ele não é influenciado pela presença da superfície sólida. A região
abaixo da linha, por sua vez, é a chamada camada limite – região do escoamento em
que os efeitos viscosos e variações na velocidade são significantes. De forma mais
simplificada, podemos representar a Figura 4 da seguinte forma:
V0
fluido
livre camada
limite

Figura 5 - Camada limite sobre uma placa plana


Fonte: Brunetti (2008, p. 165).

216 Escoamento em Condutos Forçados


Para este experimento, a observação nos mostra, ainda, que a espessura ℓ é função
do número de Reynolds:

For ças Inerciais ρ . v . D v . D


=Re = =
For ças Viscosas µ ν

Para este caso, pode ser adaptado na forma:


ρ . v0 . x v0 . x
=
Re x =
µ ν

5
Na prática, o que se observa é que, para Re x < 5 x 10 , as forças viscosas na camada
limite são significantes, de modo que o escoamento é laminar, enquanto acima deste
valor o escoamento passa para um comportamento turbulento. Por causa disto, é
comum chamar este valor de “número de Reynolds crítico”:

Recr  5  105

Note que os parâmetros ρ , µ, γ são característicos do fluido, enquanto v0 é carac-


terístico do escoamento. Isto significa que o número de Reynolds atinge seu valor
crítico para um valor de x suficientemente grande (também chamado de “crítico”):

ρ . v0 . xcr
Recr   5  105
µ
µ
xcr  5  105 .
ρ . v0

Além disso, duas observações adicionais podem ser feitas. A primeira é de que a
espessura da camada limite aumenta repentinamente quando ela passa do regime
laminar para o turbulento. A segunda é de que, mesmo após atingir a turbulência,
uma camada de espessura ( d ) muito fina junto à placa ainda se mostra em compor-
tamento laminar, sendo, por vezes, chamada de “subcamada limite laminar”. Todas
estas observações estão representadas na figura a seguir:

UNIDADE 6 217
CL turbulenta

V0
CL laminar

δ
δ

x cr
x subcamada limite
laminar

Figura 6 - Comportamento das camadas limite laminar e turbulenta


Fonte: Brunetti (2008, p. 166).

A camada limite tem implicações importantes em todo o estudo dos fenômenos de


transporte. Aqui, iremos, inicialmente, estudá-la no contexto dos condutos forçados.

Camada Limite em Condutos

O mesmo comportamento observado para o escoamento sobre uma placa é também


presente para o escoamento em condutos, sendo que a única diferença é que devemos
analisá-lo de forma radial.
Imagine que um fluido livre passa a escoar por uma tubulação. O efeito que se
observa é o mesmo: o princípio da aderência faz as camadas de fluido próximas das
paredes do conduto terem sua velocidade reduzida, e quanto mais o fluido entra na
tubulação, maior é este efeito. Isto acontece progressivamente: atingir o comprimen-
to ( Lh ) em que a camada limite preenche todo o conduto, de modo que o perfil de
velocidades atinge valores constantes – então, diz-se que o escoamento está “dina-
micamente estabelecido”.
Entrada da tubulação
diagrama regime dinamicamente
variável estabelecido

fluido
livre Vmax x

V r R
Região de
escoamento Lh camada limite
irrotacional

Figura 7 - Desenvolvimento da camada limite em condutos forçados


Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

218 Escoamento em Condutos Forçados


Comprimento de Entrada ( Lh): também cha-
mado de comprimento crítico, é aquele que vai
desde a entrada do conduto até a junção das
camadas limites no centro dele. Esta região é
também chamada de “região de entrada”, e a
partir desde comprimento, o escoamento é dito
“completamente desenvolvido” ou “dinamica-
mente estabelecido”.
Fonte: adaptado de Çengel e Cimbala (2015).
Escoamento dos fluidos

Para condutos de seção circular, o escoamento será laminar para:

ρvD
Re   2000
µ

Nestes casos, o perfil de velocidades observado é parabólico, da forma:

  r 2 
v  vmax 1    
  R  

Para o escoamento turbulento ( Re > 2400 ), o regime dinamicamente estabelecido


geralmente apresenta um perfil aproximado da forma:

1
 r 7
v  vmax  1  
 R

Sendo frequentemente chamado de “perfil da lei de potência 1/7”.


Agora que você sabe como o escoamento acontece dentro dos condutos forçados,
é hora de dar o próximo passo no nosso estudo da equação da energia: conhecer as
perdas de carga existentes em instalações hidráulicas.

UNIDADE 6 219
Perdas
de Carga

Como estudamos anteriormente, chamamos de


“perda de carga” as perdas de energia de um escoa-
mento na forma de energia por unidade de peso
do fluido (ou seja, com dimensões de compri-
mento). No contexto das instalações hidráulicas,
é comum estudar a perda de carga separando-a
em dois grupos:
• Perda de Carga Distribuída ( h f ): aquela
que surge devido aos efeitos de atrito ao
longo do escoamento, sendo mais signifi-
cante na presença de trechos relativamente
longos de tubulação.
• Perda de Carga Singular ( hs ): aquelas
que acontecem devido à presença de “sin-
gularidades”, sendo elas válvulas, obstácu-
los, estreitamentos, curvas e cotovelos (mu-
danças de direção) na linha, entre outros.

220 Escoamento em Condutos Forçados


Por exemplo, veja o esquema a seguir:

(0)

(2)

(1)

(3) (4) (6)


(5)
Figura 8 - Representação das perdas de carga em uma instalação hidráulica arbitrária
Fonte: Brunetti (2008, p. 168).

As perdas distribuídas, como o nome sugere, estão distribuídas ao longo de todo


o comprimento da tubulação (1 a 6). As perdas localizadas, por sua vez, estão nos
estreitamentos (1) e (4), nos cotovelos (2) e (3), e na válvula (5).
De forma genérica, podemos representar o termo de perda de carga da equação
da energia ( H p1,2 ) matematicamente como a soma das perdas de carga distribuídas
com as perdas de carga localizadas:

H p1,2   h f   h s

Perda de Carga Distribuída

Assim como feito frequentemente nas unidades anteriores, o estudo das perdas de
carga distribuídas requer que algumas hipóteses sejam estabelecidas. São elas:
a) Regime permanente e fluido incompressível.
b) Condutos longos.
c) Condutos cilíndricos (seção transversal constante).
d) Escoamento dinamicamente estabelecido (completamente desenvolvido).
e) Rugosidade uniforme.
f) Ausência de máquinas (dispositivos que realizam trabalhos).

UNIDADE 6 221
Matematicamente, podemos partir das equações fundamentais que estudamos até o
momento para tentar expressar (e mensurar) a perda de carga distribuída. Da equação
da continuidade, como pela hipótese (c), a seção transversal (área) é constante e, pela
hipótese (a), o fluido é incompressível, temos:
Q1  Q2  v1 A1  v2 A2
A1  A2  v1  v2  cte.

Da equação da energia, com base nas hipóteses descritas, H p1,2 = h f1,2 , e, então, por
definição:

h f1,2  H1  H 2  DH

Sendo:
v2 p
H  z
2g g

Temos:

v12  v22 p1  p2
h f1,2    z1  z2
2g g

Contudo, como as velocidades v1 e v2 são iguais:

p  p 
h f1,2   1  z1    2  z2 
 g   g 

p 
Em que a soma  g  z  é chamada de “carga piezométrica”, pois pode ser medida
 
com o uso de um piezômetro.
Note que nosso objetivo é encontrar uma relação entre a perda de carga distribuída
e o comprimento do conduto. Os próximos passos deste desenvolvimento levam a
equações cujo uso não é conveniente (por exemplo, por exigirem a determinação da
tensão de cisalhamento na parede do conduto, o que é de difícil determinação prá-
tica). Alternativamente, o uso de técnicas de análise dimensional pode levar a uma
dedução mais interessante e com fins práticos mais apropriados.

222 Escoamento em Condutos Forçados


A título de curiosidade, esta dedução parte da consideração de que a perda de carga
é função da massa específica e da viscosidade do fluido, do diâmetro hidráulico, do
comprimento e da rugosidade do conduto, e da velocidade do escoamento. Então,
podemos escrever a função representativa:

γ h f = f (ρ , µ, DH , L, ε, v)

Ao determinar os devidos adimensionais, obtém-se a equação:

L v2
hf = f
DH 2 g

Em que f é o chamado “coeficiente da perda de carga distribuída” (ou “fator de atrito”),


o qual é função do número de Reynolds e da rugosidade relativa:

 D 
f = f  Re, H 
 e 

Nesta equação para a perda de carga distribuída hf, o único parâmetro que não é
diretamente mensurável de forma experimental é justamente o coeficiente da perda
de carga distribuída. Contudo, como ele é função de dois números adimensionais
(note que DH e é adimensional), o coeficiente f pode ser obtido por meio da cons-
trução de um diagrama universal, que pode ser aplicado a qualquer escoamento, de
qualquer fluido, em qualquer conduto (afinal, estamos preocupados apenas com os
números adimensionais, pois são estes que caracterizam o problema).
Diversos estudiosos trabalharam no desenvolvimento deste diagrama, como
Nikuradse e Colebrook, até chegar ao chamado Diagrama de Moody-Rouse (Figura
9). O uso desse diagrama pode ser classificado em três casos:
• 1º Caso: determinar hf, conhecendo L, DH , Q, v, e .
• 2º Caso: determinar Q, conhecendo L, DH , h f , v, e .
• 3º Caso: determinar DH, conhecendo L, Q, h f , v, e .

Apenas trataremos do primeiro caso, pois os demais são mais complexos, podendo
envolver métodos iterativos com o diagrama, além de que o primeiro caso é o mais
importante conceitualmente. Faremos isso a partir de dois exemplos.

UNIDADE 6 223
Figura 9 - Diagrama de Moody-Rouse
Fonte: adaptada de Brunetti (2008) e Çengel e Cimbala (2015).

224 Escoamento em Condutos Forçados


1 EXEMPLO Água a 10 °C (ρ = 999,77 kg/m³, μ = 1,308x10-3 Pa.s) escoa por meio de um fino tubo
horizontal de seção circular (D = 0,3 cm, L = 3 m) continuamente, com velocidade
média de 0,8 m/s. Determine a perda de carga nesta linha. Qual é a queda de pressão
correspondente? Adote g = 9,8 m/s².

Solução:

Estamos considerando condições de operação em regime permanente, sem troca


térmica com o ambiente, fluido incompressível, escoamento completamente de-
senvolvido e sem a presença de máquinas ou singularidades. Com isso em mente,
o primeiro passo é lembrar-se da equação da energia, na forma da perda de carga:

H1  H M  H 2  H p1,2

Queremos determinar o termo H p1,2 . Além disso, das nossas considerações, sabemos
que para este caso podemos escrever:

L v2
H p1= h=
f f
,2
DH 2 g
Observe que conhecemos todos os parâmetros desta equação, exceto pelo coeficien-
te de perda de carga distribuída (f). Para determiná-lo, o passo inicial é calcular o
número de Reynolds:
kg m
999, 77 . 0, 8 . 0, 3 . 102 m
ρ . v . DH m 3 s
Re   3
µ 1, 308 . 10 Pa . s
Re  1834, 44

Para este valor de Reynolds, sabemos que o escoamento é laminar (<2000). Lembre-
-se que, para usar o diagrama de Moody-Rouse, é necessário também conhecer a
rugosidade relativa da tubulação. Entretanto, ao analisarmos o diagrama, é possível
notar que o escoamento laminar (região à esquerda) obedece a equação:
64
f =
Re
Isto significa que, para escoamentos laminares, o fator de atrito é função apenas do
número de Reynolds e independe da rugosidade da tubulação. Com isso, podemos
calculá-lo:
64
= f = 0, 0349
1834, 44

UNIDADE 6 225
Em posse disto, a perda de carga é facilmente calculada:

 
2
L v2 3m 0, 8 m
hf  f  0, 0349 . s
DH 2 g 2
0, 3 . 10 m 2.9, 8 m
s2
h f  1, 14 m

Para converter este valor em queda de pressão, basta multiplicá-lo pelo peso espe-
cífico do fluido:

Dp  γ . h f  ρ . g . h f
kg m
Dp  999, 77 3
. 9, 8 . 1, 14 m
m s2
Dp  11169, 43 N  11, 17 kPa
m2

Atenção! Note que mais uma vez estamos relacionando os conceitos de perda de
carga e queda de pressão. O sentido físico é o mesmo: as forças viscosas atuando
no fluido fazem com que parte da sua energia seja dissipada. Se medíssemos a
carga piezométrica no início e no final da tubulação, a diferença seria justamente
a altura hf.

2 EXEMPLO Considere o escoamento de um óleo (μ/ρ = 6,75.10-6 m²/s) com a velocidade de 3


m/s, por um conduto de seção circular de aço comercial com D = 0,18 m. Determine
a perda de carga por quilômetro de tubulação. Adote g = 10 m/s².

Solução:

Partindo das mesmas hipóteses do exemplo anterior, desejamos resolver a equação:

L v2
hf = f
DH 2 g
Com base nos dados fornecidos, trata-se de um problema do 1º caso para a utilização
do Diagrama de Moody-Rouse. Veja que foram fornecidos a velocidade v do escoa-
mento e o diâmetro hidráulico DH da tubulação (equivalente ao próprio diâmetro

226 Escoamento em Condutos Forçados


D para seções circulares, vide Tabela 1), e a aceleração da gravidade foi definida.
Além disso, como desejamos conhecer a perda de carga distribuída por quilômetro
de tubulação, devemos avaliar a equação com L = 1000 m .
Dessa forma, o único parâmetro que nos resta determinar é o fator de atrito f. Para
isso, o primeiro passo é calcular o número de Reynolds:

m
3 . 0, 18 m
v . DH s
Re  
µ m2
ρ 6, 75 . 106
s
Re  80000

Em seguida, calcula-se a rugosidade relativa. Para isso, na Tabela 2, temos que a ru-
gosidade nominal para o aço comercial é de 0,045 mm. Então:

DH 0, 18 m
  4000
e 0, 045 . 103 m

Agora, basta procurar o ponto do diagrama em que ( Re = 80000 , DH e = 4000 ).


Para compreender como fazer isto, acompanhe pela figura a seguir. Na parte superior do
diagrama, estão linhas do número de Reynolds (na forma de curvas, pois a escala do eixo
não é linear). À direta, o eixo vertical corresponde aos fatores de atrito, dados por linhas
horizontais. Além das curvas de Reynolds e das horizontais de fator de atrito, note que
o diagrama é composto por um conjunto de curvas, cada uma correspondente a uma
rugosidade relativa. O procedimento, então, é o seguinte:
104 Re 8 x 104

f = 0,02
DH /ε = 4000

Re f
Figura 10 - Representação esquemática do Diagrama de Moody
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

UNIDADE 6 227
1. No eixo horizontal superior, encontre a curva referente ao número de Rey-
4
nolds desejado (no caso, Re = 8 x 10 ).
2. Caminhe pela curva do número de Reynolds, saindo do eixo superior até
encontrar a curva do diagrama referente à rugosidade relativa do conduto
em questão (aqui, DH e = 4000 ).
3. A partir desta intersecção da curva do número de Reynolds com a curva da
rugosidade relativa, caminhe na horizontal até o eixo da direita e faça a leitura
do fator de atrito f (para os valores do exemplo, f = 0, 02 ).

Feito isto, basta substituir os valores na equação da perda de carga:

 
2
1000 m 3m
h f  0, 02 . . s  50 m
0, 18 m 2 . 10 m s2

A cada quilômetro de tubulação, a perda de carga será de 50 metros.

Perda de Carga Localizada (Singular)

Na prática, as perdas de carga localizadas são aquelas decorrentes de perturbações


bruscas no escoamento, sendo geralmente causadas nas chamadas “singularidades”
(válvulas, obstáculos, estreitamentos, curvas, cotovelos e outros).
Assim como para as perdas de carga distribuídas, a expressão para o cálculo das
perdas de carga singulares é obtida por meio de análise dimensional e tem forma
análoga:

v2
hs = k s .
2g

Em que ks é o “coeficiente da perda de carga singular”, função do número de Rey-


nolds e das características geométricas da singularidade. Por praticidade, alguns livros
apresentam tabelas de valores de ks para tipos distintos de singularidades, como a
apresentada a seguir.

228 Escoamento em Condutos Forçados


Quadro 1 - Singularidades comuns e seus coeficientes de perda

Singularidade Representação ks

1 _ A1 / A2
A1 (onde v = v1)
A2

A2 >> A1

1
Alagarmento
A1

k s = 0,02 para θ = 20°

k s = 0,04 para θ = 45°


V d θ D
k s = 0,07 para θ = 60°
(expansão gradual; v = v1)

A1 / A2

A1 A2

A1 >> A2
0,5
Estreitamento
A2

k s = 0,30 para d/D = 0,2


k s = 0,25 para d/D = 0,4

D d
k s = 0,15 para d/D = 0,6
θ V
k s = 0,10 para d/D = 0,8
(contração gradual com
θ = 20°; v = v1)

UNIDADE 6 229
Cotovelo 90° 0,9

haste
Válvula de com rosca 0,2
gaveta (totalmente aberta)
gaveta

10
Válvula tipo
globo (totalmente aberta)

Válvula de
0,5
retenção

Fonte: adaptado de Brunetti (2008) e Çengel e Cimbala (2015).

Em geral, assume-se que estes valores são aproximações razoáveis para escoamentos
com número de Reynolds elevados, mas o processo rigoroso e mais adequado é con-
sultar manuais específicos das singularidades em questão ou catálogos de fabricantes.
Há, ainda, um segundo método para determinar as perdas de carga singulares,
chamado de “método dos comprimentos equivalentes”.

Comprimento Equivalente é um comprimento fictício que, para uma tubulação de


seção constante de mesmo diâmetro que a singularidade, produziria uma perda de
carga distribuída equivalente à perda de carga da própria singularidade.
Fonte: adaptado de Brunetti (2008).

230 Escoamento em Condutos Forçados


Em outras palavras, este método calcula hs por meio da equação de hf. O primeiro
passo é igualar ambas:
Leq v2 v2
f = ks .
DH 2 g 2g
DH
Leq = ks .
f

Com isso, pode-se avaliar a perda de carga total do sistema pela soma:

H p1,2   h f   h s

Lreal v2 Leq v2
H p1,2  f f
DH 2 g DH 2 g
( Lreal  Leq ) v2
H p1,2  f
DH 2g

Este é um método conveniente de ser empregado quando o fabricante da singulari-


dade fornece os comprimentos equivalentes de forma tabelada. Vejamos um exemplo
em que empregamos ambos os métodos.

3 EXEMPLO Água (ρ = 1000 kg/m³, μ = 1,308x10-3 Pa.s) escoa por uma tubulação circular de aço
inoxidável com 10 cm de diâmetro, quando passa por uma expansão gradual com Ѳ
= 60° para um diâmetro de 15 cm. Antes da expansão, a velocidade média do escoa-
mento era de 3 m/s, a uma pressão de 140 kPa. Determine a perda de carga devido a
esta singularidade usando o valor tabelado do coeficiente de perda de carga singular.
Qual é a pressão do escoamento após o alargamento? Resolva o problema novamente
usando o valor nominal de comprimento equivalente fornecido pelo fabricante de
Leq = 0,45 m. Admita a aceleração da gravidade g = 9,8 m/s².

1 2
10 cm 15 cm
Água
3m/s
140 kPa

UNIDADE 6 231
Solução:

Iremos resolver o problema primeiramente usando os valores de ks tabelados. Nossas


considerações iniciais são: regime permanente, escoamento incompressível e com-
pletamente desenvolvido, sem trocas de calor ou presença de máquinas.
No Quadro 1, temos que o coeficiente de perda de carga singular para um alar-
gamento gradual com q  60 é de ks = 0, 07 . A perda de carga propriamente dita,
por sua vez, é calculada pela expressão a seguir, em que v = v1 :

v2
hs = k s .
2g

Substituindo os valores conhecidos:

 
2
3m
hs  0, 07 . s  0, 032 m
2 . 9, 8 m
s2
É pedida também a pressão do escoamento na seção 2. Isto pode ser obtido por meio
da equação da energia:
H1  H 2  H p1,2  H 2  hs

p1 v2 p v2
 1  2  2  hs
r . g 2g r . g 2g

Multiplicando a equação por “ r.g ” e isolando a pressão na seção (2), temos que:

(v12  v22 )
p2  p1  r  r . g . hs
2
Para resolver esta equação, é necessário calcular a velocidade v2. Da equação da con-
tinuidade, para escoamento incompressível, temos:

Q1  Q2  v1 A1  v2 A2
A1 D2 (0, 1 m)2 m
v2  v1  12 v1  3
A2 D2 (0, 15 m)2 s
m
v2  1, 33
s

232 Escoamento em Condutos Forçados


Agora, resolvendo para p2:

 m 2
   
2
3  1 33 m
kg  s
,
s   1000 kg . 9, 8 m . 0, 032 m
p2  140000 Pa  1000 3 .  
m  2
 m3 s2
 
p2  143301, 95 Pa  143, 3 kPa

Encontramos a pressão na seção (2) utilizando o primeiro método para perda de


carga singular. Agora, iremos resolver o problema utilizando o segundo método:
comprimento equivalente. Para isso, temos que usar o valor fornecido de Leq pelo
fabricante na equação:
H p1,2   h f   h s

Lreal v2 Leq v2
H p1,2 f f
DH 2 g DH 2 g
( Lreal  Leq ) v2
H p1,2  f
DH 2g
Como estamos trabalhando apenas com a singularidade, podemos assumir Lreal = 0 .
Para resolver esta equação, devemos calcular o número de Reynolds no escoamento:

kg m
. 3 . 0, 1 m
1000
ρvD m 3 s
Re   3
 229357, 8
µ 1, 308 . 10 Pa . s

Isto é, o escoamento é turbulento ( Re > 2400 ). Em seguida, avaliamos a rugosida-


de relativa da tubulação. Como o material é aço inoxidável, da Tabela 2, temos que
e  2 x 106 m . Então:
DH 0, 1 m
  50000
e 2 . 106 m

Em posse destes valores, busca-se o ponto do Diagrama de Moody-Rouse, em que


Re ≈ 2, 3 x 105 e DH e = 50000 . Para estas condições, o ponto encontrado apresenta
f ≈ 0, 0155 . Com isso, é possível avaliar a perda de carga pela expressão anterior:

 
2
Leq v12 0, 45 m 3m
hs  f .  0, 0155 . . s
D1 2 g 0, 1 m 2 . 9, 8 m
s
hs  0, 032 m

UNIDADE 6 233
Que é o mesmo valor obtido pelo método dos
coeficientes de perda de carga singulares tabe-
lados (na realidade, os valores divergem muito
pouco, sendo estas diferenças desprezadas nas
aproximações). Evidentemente, como a perda de
carga é a mesma nos dois casos, o uso da equação
da energia com este último resultado também
trará que p2 ≈ 143, 3 kPa .

Note que, neste exemplo, a pressão do escoa-


mento aumentou ao sofrer a perda de carga, o
que pode parecer incoerente, pois até o momen-
to sempre associamos perdas de carga a quedas
na pressão. Na realidade, este fenômeno está fi-
sicamente correto e acontece devido à conversão
da pressão dinâmica em pressão estática – em
outras palavras, ao perder velocidade na seção
mais larga, a pressão estática aumenta.

234 Escoamento em Condutos Forçados


Instalações
de Recalque

Estamos quase no final de mais uma unidade. Res-


ta apenas mais um passo: combinar os conceitos
que vimos até aqui no estudo das chamadas “insta-
lações de recalque”. De alguma forma, você já deve
ter ouvido falar sobre elas, que nada mais são do
que sistemas compostos por reservatórios, tubos,
máquinas (bombas, turbinas) e singularidades, ou
seja, instalações hidráulicas em que aplicaremos a
equação da energia para determinar parâmetros
fundamentais de projeto.

UNIDADE 6 235
Figura 11 - Descarga de água por tubulações em um reservatório aberto
Em geral, podemos esquematizar uma instalação de recalque de forma genérica da
seguinte forma:

(2)
recalque
registro
globo
(s)
sucção válvula de
B retenção
ze (e)
(1) válvula
de pé

Figura 12 - Representação esquemática de uma instalação de recalque


Fonte: Brunetti (2008, p. 187).

De maneira simples, o sistema é composto por dois reservatórios (um sendo des-
carregado e o outro carregado), uma bomba (responsável por levar o tubo de um
tanque ao outro), a tubulação de sucção (antes da bomba) e a tubulação de recalque
(depois da bomba). Estão representados também válvulas que evitam a entrada de
sedimentos (não permitem que o fluxo de fluido seja invertido) e um registro para
o controle da vazão.

236 Escoamento em Condutos Forçados


Na maior parte dos casos, estaremos interessados em determinar a potência ne-
cessária para o bombeamento de um tanque para o outro, utilizando a equação da
energia e considerando as perdas de carga na linha. Para melhor ilustrar, iremos
direto ao ponto, resolvendo um exemplo de um sistema bem detalhado. Vale a pena
ressaltar que já estamos trabalhando com exemplos bastante próximos da realidade
de um Engenheiro.

4 EXEMPLO Considere o sistema a seguir. Para uma vazão de 0,05 m³/s de água (γ = 10000 N/m³;
ν = 1x10-6 m²/s), determine a potência da bomba (rendimento ηB = 0,75) e a pressão
na entrada dela (seção (e)), para que a pressão p8 = 550 kPa seja mantida constante.
Considere que a tubulação é de aço comercial (ε = 4,5x10-5 m), com seção circular,
sendo os diâmetros da tubulação de sucção DS = 18 cm e da tubulação de recalque
DR = 9 cm. São dados: ks1 = 15; ks2 = ks6 = 0,9; ks3 = ks5 = 10; ks4 = 0,5; ks7 = 1; patm = 101
kPa; g = 10 m/s², pvap,H₂O = 1,96 kPa (absoluta).
P8 ((8)
8)
(1) - válvula de pé com crivo
(2) e (6) - cotovelos 25 m 1m
(6)
(3) e (5) - registros tipo globo
(4) - válvula de retenção (7)
(7) - alargamento brusco

(5)
9m 9m

(4)

(2) (s)
B
(3) (e)
2m
3m
(0)

(1)

UNIDADE 6 237
Solução:

Nosso objetivo é resolver a equação da energia. Partiremos das considerações fun-


damentais de costume: regime permanente, fluido incompressível, escoamento com-
pletamente desenvolvido e sem trocas de calor. Assim, temos:

H 0  H B  H 8  H p0,8

O problema pede a potência da bomba, que pode ser calculada se conhecermos HB.
Os termos H0 e H8 são mais fáceis de avaliar. Considerando pressões manométricas,
lembre-se que:

p v2
H  z
g 2g

Adotando como plano horizontal de referência (PHR) o nível do ponto (0) e baseado
nas nossas considerações, como fizemos nas unidades anteriores (velocidade nula na
superfície, pressão superfície livre, sendo a pressão atmosférica):

0 02
H0   0  0
g 2g
p8 v82 550000 0
H8    z8    (2 m  9 m  1 m)
g 2g 10000 N 2 . 10 m
m3 s2
H 8  67 m

Agora, resta determinar o termo Hp0,8, referente às perdas de carga (distribuídas e


singulares) da instalação. Podemos escrever da seguinte forma:

H p0,8   h f   h s

Como a tubulação de sucção (antes da bomba) apresenta diâmetro diferente da tu-


bulação de recalque (depois da bomba), precisamos avaliá-las separadamente.

H p0,8  H p0,e  H ps ,8

238 Escoamento em Condutos Forçados


Primeiro, quanto à tubulação de sucção:

H p0,e  h f0,e  hs0,e

Temos que:

L v2 v2
=h f f= ; hs k s .
DH 2 g 2g

Assim, o primeiro passo é determinar a velocidade do escoamento para o diâmetro


de sucção, pois ela é necessária para calcular tanto hf quanto hs. Da equação da con-
tinuidade, temos:
2
D 4.Q
Q  v. A  v.p .   v 
2 p . D2
3
4 . 0, 05 m
vS  s  1, 965 m
p . (0, 18 m)2 s

Para avaliar a perda de carga distribuída na seção de sucção, deve-se calcular o nú-
mero de Reynolds do escoamento:
v.D
Re =
n
m
1, 965. 0, 18 m
Re S  s  353700
2
1 . 106 m
s

Agora, avalia-se a rugosidade relativa da tubulação de sucção:

DH 0, 18 m
  4000
e 4, 5 . 105 m

Com o valor do número de Reynolds e da rugosidade relativa, utiliza-se o Diagrama de


Moody-Rouse para encontrar o fator de atrito. Pela leitura, temos que f ≈ 0, 0165 . Po-
demos então calcular cada termo h f da tubulação de sucção. Para clareza, organizaremos
as informações na forma de uma tabela:

UNIDADE 6 239
Perdas de Carga Distribuídas na Sucção

L v2 , com f = 0,0165, DH = 0,18 m, vs = 1,965 m/s, g = 10 m/s²


hf = f
DH 2 g

Trecho De (1) a (2) De (2) a (e)


Comprimento (L) 3m 9m
hf 0,0531 m 0,1593 m

h f0,e 0,2124 m

Feito isso, o passo seguinte é determinar as perdas de carga singulares na sucção.


Também organizaremos o cálculo na forma de tabela:

Perdas de Carga Singulares na Sucção

v2
hs = k s . , com vs = 1,965 m/s, g = 10 m/s²
2g

Singularidade (1) (2) (3)


ks 15 0,9 10
hs 2,8959 m 0,1737 m 1,9306 m

hs0,e 5,0002 m

Exatamente os mesmos passos devem ser realizados para a tubulação de recalque.


Aqui, apresentaremos os resultados resumidamente, mas é recomendado que você
faça os cálculos para praticar, apropriar-se dos conceitos, garantindo, assim, que
consiga determinar as perdas de cargas distribuídas e localizadas por conta própria.

vR  7, 863 m
s
Re R  707670
DH
 2000
e
f  0, 0175

240 Escoamento em Condutos Forçados


Perdas de Cargas Distribuídas no Recalque

L v2
hf = f , com f = 0,0175, DH = 0,09 m, vR = 7,863 m/s, g = 10 m/s²
DH 2 g
Trecho De (s) a (6) De (6) a (7)
Comprimento (L) 9m 25 m
hf 5,4098 m 15,0273 m

h f s,8 20,4371 m

Perdas de Carga Singulares no Recalque

v2
hs = k s . , com vR = 7,863 m/s, g = 10 m/s²
2g

Singularidade (4) (5) (6) (7)

ks 0,5 10 0,9 1
1,5457
hs 30,9134 m 2,7822 m 3,0913 m
m

hss,8 38,3326 m

Enfim, podemos avaliar a perda de carga total do sistema:

H p0,8  H p0,e  H ps ,8  h f0,e  hs0,e  h f s ,8  hss ,8


H p0,8  0, 2124 m  5, 0002 m  20, 4371 m  38, 3326 m
H p0,8  63, 9823 m  64 m

Agora, voltando à equação da energia, basta resolver para HB:

H B  H 8  H p0,8  67 m  64 m
H B  131 m
Para determinar a potência da bomba, usamos a equação estudada na unidade an-
terior, considerando a eficiência ( h B = 0, 75 ):

N m3
10000 . 0, 05 .131 m
γ . Q . HB m3 s
NB  
ηB 0, 75
N  87333, 33 W  87, 33 kW

UNIDADE 6 241
Espere! O exercício ainda não acabou. Ainda nos é pedida a pressão na entrada da
bomba, e este é um ponto importante para desenvolvermos o conceito que será apre-
sentado a seguir. Utilizando a equação da energia entre os pontos (0) e (e):
H 0  H e  H p0,e  H e  h f0,e  hs0,e

Para as considerações que utilizamos, H 0 = 0 , os termos de perda de carga distribuída


e localizada no trecho de (0) a (e) já foram avaliados:

H e  H 0  h f0,e  hs0,e
H e  0  0, 2124 m  5, 0002 m  5, 2126 m

Desmembrando H e e tendo em mente que a velocidade nesta seção é justamente a


velocidade na tubulação de sucção vS , temos:

 
 2 
1 965 m
 ,
s  N
pe   5, 2126 m   2 m  . 10000 3
 2 . 10 m 2  m
 s 
pe  74056, 61 Pa  74, 1 kPa
Em termos de pressão absoluta, como patm = 101 kPa:

pe,abs  pe  patm  26, 9 kPa

Ufa! Enfim resolvemos o problema. Agora, vamos analisar a importância da pressão


absoluta na entrada da bomba. Talvez você tenha reparado, mas o enunciado do
exercício deu uma informação que até agora não havíamos discutido: a pressão de
vapor da água, pvap , H 2O (absoluta). De uma forma científica, pressão de vapor é a
pressão exercida por um vapor quando este está em equilíbrio termodinâmico com
o líquido que lhe deu origem, ou seja, a quantidade de líquido que evapora é a mesma
que se condensa. A importância disto é que nas condições de temperatura em questão,
se a pressão absoluta do fluido caísse até pvap , H 2O (decorrente das perdas de carga,
por exemplo), o fluido começaria a evaporar. A formação de vapor em tubulações e
máquinas hidráulicas leva a um fenômeno chamado de cavitação, muito preocupante
para a engenharia quanto a garantir o bom funcionamento de instalações hidráulicas.

242 Escoamento em Condutos Forçados


A cavitação ocorre quando há bolhas de vapor em tubulações ou máquinas hidráu-
licas, sendo prejudicial para o seu funcionamento. As bolhas, ao alcançarem pontos
de maior pressão, condensam bruscamente e implodem com grande liberação de
energia. Além de causar vibrações intensas, isto acarreta na erosão das paredes
devido ao choque das partículas de líquido, danificando o equipamento e reduzindo
sua vida útil consideravelmente. Estes efeitos combinados fazem, ainda, com que
o rendimento atingido pelas máquinas seja sempre muito baixo, aumentando o
gasto energético.
Fonte: adaptado de Brunetti (2008).

Para evitar que a cavitação aconteça, é necessário garantir que a pressão em todos os
pontos dentro da bomba esteja acima da pressão de vapor. Como forma de fazer isso,
os fabricantes de bombas fornecem um parâmetro denominado NPSH (do inglês
“net positive suscito head”, que pode ser traduzido como “carga de sucção positiva
líquida”). Ele é calculado fazendo a diferença entre a carga de pressão de estagnação
na entrada da bomba e a carga da pressão de vapor:

 p v2  pvap
NPSH     
 g 2g  g
 e

Os valores fornecidos pelos fabricantes são dados em função da vazão, e tratam-se dos
valores mínimos de NPSH que devem ser operados para evitar a cavitação na bomba.
Com isto, terminamos mais uma unidade – a última referente à mecânica dos
fluidos! A partir da Unidade 7, trataremos dos fenômenos de transferência de calor,
também fundamentais para todas as aplicações de engenharia. Aproveite o momento
para respirar e abrir a cabeça para os novos conceitos que estão por vir!

UNIDADE 6 243
Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Considere o trecho de tubulação a seguir, em que (2) é uma válvula de gaveta, (3)
é uma válvula tipo globo e (4) é um cotovelo. O fabricante destas peças fornece
os seguintes comprimentos equivalentes:

D = 10 cm Válvula de gaveta Válvula tipo globo Cotovelo


Leq (m) 0,352 16,94 3,91

O conduto é de ferro galvanizado (ε = 1,5x10-4 m), de seção circular (diâmetro D


= 15 cm), com um comprimento entre (1) e (5) de 20 m. Determine a perda de
carga neste trecho, considerando uma vazão de 18 L/s. Adote ν = 1x10-6 m²/s
e g = 9,8 m/s².
(5)
(4)

(3)

(2)
(1)

Fonte: Brunetti (2008).

244
2. Considere o sistema a seguir.

z1 = ? 1
Estreitamento
Cotovelos
em 90°

D = 6 cm
2 z2 = 8 m
10 m
Válvula de gaveta
totalmente aberta

75 m Alargamento
Fonte: adaptada de Çengel e Cimbala (2015).

O fluido escoando é água a 10 °C (ρ = 999,7 kg/m³; μ = 1,307x10-3 Pa.s), a uma


vazão de 9 litros por segundo. A tubulação é de seção circular, feita em ferro
galvanizado (ε = 1,5x10-4 m). Determine a altura z1. Adote g = 9,8 m/s² e consulte
valores tabelados para os coeficientes de perda das singularidades.

245
3. Considere a instalação de recalque a seguir:

p = 0,3 MPa (9)

2m 2m
(7)
(8)

5m 10 m
(5)
(2) (4)
B (6)
(3)
3m 40 m
(0)

1m
(1)
Fonte: adaptada de Brunetti (2008).

Calcule a potência da bomba B, sabendo que seu rendimento é de 76%, para


uma vazão de 20 L/s. O diâmetro da tubulação de sucção é de 6,5 cm, enquanto
o da tubulação de recalque é 12 cm. As tubulações são todas de seção circular
e ferro fundido (ε = 2,6x10-4 m). São dados: ν = 10-6 m²/s; γ = 104 N/m³; Leq1 = 20
m; Leq2 = 2 m; Leq6 = Leq7 = 1 m; ks5 = 10; ks8 = 1; g = 10 m/s².

246
WEB

Vídeo desenvolvido pelo canal Engenharia & Cia, em que são apresentados os
conceitos de pressão de vapor, cavitação e o seu impacto na vida útil de equi-
pamentos e instalações.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

WEB

Vídeo desenvolvido pelo canal Engenharia & Cia, em que são apresentados os
conceitos relacionados às instalações de recalque.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

WEB

Vídeo desenvolvido pelo canal Smarter Every Day, que faz uma análise de bioe-
ngenharia acerca das lagostas-boxeadoras – crustáceos capazes de dar socos à
velocidade de um tiro calibre .22, que acabam provocando cavitação na água para
quebrar carapaças, conchas e vidros. Áudio em inglês com legendas em inglês.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

247
BRUNETTI, F. Mecânica dos Fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3. ed. Brasil: AMGH
Editora, 2015.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

248
1. Este é um problema típico para cálculo da perda de carga distribuída e da perda de carga localizada pelo
método do comprimento equivalente. Para isto, temos a equação:

( Lreal  Leq ) v2
Hp  f
DH 2g
Avaliando a velocidade:

Q 4.Q 4 . 18 L 1 m3 m
v   s  1, 02
A p.D 2 2
p . (0, 15 m) 1000 L s

Número de Reynolds:

m
1, 02 . 0,15 m
v.D s
Re   2
 153000
n 1 . 106 m
s
Logo, o escoamento é turbulento. Avaliando a rugosidade relativa:

DH 0, 15 m
  1000
e 1, 5 . 104 m

Pelo Diagrama de Moody-Rouse, para estes valores, temos o fator de atrito f = 0,022. Agora, como sabemos que
Lreal = 20 m e que Leq = 0,352 m + 16,94 m + 3,91 m = 21,202 m, basta substituir na equação:

m 2
(20 m  21, 202 m) (1, 02 s )
H p  0, 022 . .
0, 15 m 2 . 9, 8 m 2
s
H p  0, 32 m

2. Feitas as devidas considerações (regime permanente, fluido incompressível, escoamento completamente


desenvolvido, velocidade nula na superfície), faz-se o balanço de energia na forma de cargas:

H1  H 2  H p

249
Em que, baseado nas considerações básicas para o problema:

p v2
H  z
g 2g
patm 02 p 02
H1    z1 ; H 2  atm   z2
g 2g g 2g
patm p
 z1  atm  z2  H p
g g
z1  z2  H p
Como já é dado z2 = 8 m (adotando como PHR o fundo de ambos os reservatórios), deve-se calcular Hp:

H p  h f  hs

Avaliando primeiramente as perdas de carga distribuídas:

L v2
hf = f
DH 2 g

Observe que o desenho indica um comprimento de tubulação L = 10 m + 75 m = 85 m. Para avaliar a velocidade,


usa-se a equação da continuidade para o fluido incompressível:

Q 4.Q 4.9 L 1 m3 m
v   s  3, 18
A p.D 2 2
p . (0, 06 m) 1000 L s

Resta definir f, que é função do número de Reynolds e da rugosidade relativa:

kg m
999, 7 . 3 , 18 . 0, 06 m
ρ.v. D m3 s
Re    145939, 37
µ 1, 307 . 103 Pa . s
DH 0, 06 m
  400
ε 1, 5 . 104 m

Para estes valores, pelo Diagrama de Moody-Rouse: f = 0,027.

250
Então:

m 2
85 m (3, 18 s )
h f  0,027  19, 73 m
0, 06 m 2 . 9, 8 m 2
s
Agora, o próximo passo é calcular as perdas de carga singulares. Utilizando os valores tabelados de ks e orga-
nizando os cálculos em forma de tabela:

Perdas de Cargas Singulares

v2
hs = k s .
2 g , com v = 3,18 m/s, g = 9,8 m/s²
Singularidade Estreitamento Cotovelo Cotovelo Válvula de Alargamento
90° (1) 90° (2) gaveta

ks 0,5 0,9 0,9 0,2 1


hs 0,2580 m 0,4643 m 0,4643 m 0,1032 m 0,5159 m

hs 1,8057 m

Com isso, o problema é resolvido:

H p  19, 73 m  1, 81 m  21, 54 m
z1  8 m  21, 54 m
z1  29, 54 m

251
3. Partindo das considerações fundamentais de costume (regime permanente, fluido incompressível, es-
coamento completamente desenvolvido, sem trocas de calor), objetivo é resolver a equação da energia:

H 0  H B  H 9  H p1,8

p0 v2 p v2
 0  z0  H B  9  9  z9  H p1,8
r . g 2g r . g 2g

Com as devidas considerações feitas:

patm p9,abs
 HB   z9  H p1,8
r.g r.g

Em termos de pressões manométricas:

p9
HB   z9  H p1,8
r.g

O termo referente às perdas de carga é a única incógnita. Como os diâmetros da tubulação de sucção e de
recalque são diferentes, devemos calcular as duas seções separadamente:

H p1,8  H p1,3  H p4 ,8

Para a sucção, as duas singularidades presentes estão expressas em comprimento equivalente. Logo:

( Lreal  Leq ) v2
H p1,3  f
DH 2g
É necessário determinar o fator de atrito f e a velocidade de sucção vR:

4.Q m
v 2
 vS  6, 03
π.D s
v.D
Re S   391766
ν
DH
 250
ε
f  0, 028

252
Então, resolvendo a equação:

(9 m  22 m)  6, 03 s 
2
m
H p1,3  0,028
0, 065 m 2 . 10 m
s2
H p1,3  24, 28 m

Agora, para o recalque, como os cotovelos estão dados em comprimento equivalente e as outras duas singu-
laridades estão dadas pelo seu ks, é conveniente usar a forma combinada:

( Lreal  Leq ) v2 v2
H p4 ,8 f  (ks5  k s8 ) .
DH 2g 2g
 ( Lreal  Leq )  v2
H p4 ,8   f  ks5  k s8  .
 DH  2g
Para isso, é necessário calcular o fator de atrito para o recalque. Partindo da equação da continuidade e pelo
Diagrama de Moody-Rouse:
m
vR  1, 77
s
v.D
Re R   212314, 23
ν
DH
 461, 54
ε
f  0, 025

253
Então:

 1, 77 s 
2
m
 (52 m  2 m)
H p4 ,8  0,025
  10  1 . 
 0, 12 m  2 . 10 m s
H p4 ,8  3, 49 m

Feito isso, podemos somar os dois termos para ter a perda de carga total do sistema:

H p1,8  H p1,3  H p4 ,8  27, 77 m

Com isso, pode-se voltar à equação da energia para determinar HB:

0, 3 . 106 Pa
HB   15 m  27, 77 m
104 N 3
m
H B  72, 77 m
Enfim, pode-se então calcular a potência da bomba, considerando o seu rendimento:

N m3
10000 . 0, 02 .72, 77 m
γ . Q . HB m3 s
=NB =
ηB 0, 76
=N 19150
= W 19, 15 kW

254
255
256
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Introdução à
Transferência de Calor

PLANO DE ESTUDOS

Condução Radiação

Conceitos Fundamentais Convecção

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Definir o que é a transferência de calor e seus principais • Desenvolver o conceito de camada limite térmica por meio
processos: condução, convecção e radiação. do estudo da convecção por meio da definição da Lei de
• Estudar a transferência de calor por difusão por meio da Newton do Resfriamento.
Lei de Fourier da Condução, das definições de condutivida- • Conhecer o mecanismo de radiação térmica com base na
de e difusividade térmicas, e dos conceitos de resistência Lei de Stefan-Boltzmann da Radiação Térmica.
e circuitos térmicos.
Conceitos
Fundamentais

Prezado(a) aluno(a)! Esperamos que você esteja


preparado para mudar o assunto principal dos nos-
sos estudos, pois a partir deste capítulo, iremos sair
da perspectiva da mecânica dos fluidos e adentrar
os conceitos de transferência de calor; mas não se
engane, ambas são partes fundamentais no estudo
dos fenômenos de transporte e muitos de seus efei-
tos são análogos e intrinsecamente relacionados.
O primeiro passo neste estudo é diferenciar os
conceitos de “termodinâmica” e de “transferência
de calor”, duas disciplinas básicas para diversas
engenharias. Esta diferença pode não ser óbvia
para quem está iniciando os estudos nestas áreas,
mas pode ser definida de forma bastante simples
e objetiva.
A termodinâmica está preocupada com a quantidade de calor que um sistema
perde ou recebe ao passar por um processo que o leva de uma condição de equilí-
brio a outra. Assim, em geral, a forma como essa troca de calor acontece não é uma
preocupação. Enquanto isso, a transferência de calor está preocupada especificamente
com a taxa de transferência de calor de um processo, ou seja, qual o tempo que esse
calor leva para ser trocado e quais são os parâmetros que influenciam nesta troca
(por exemplo: aspectos geométricos e propriedades do material).
Observando o mundo desde uma forma casual e até uma perspectiva de engenha-
ria, poderíamos fazer, por exemplo, as seguintes perguntas: quanto tempo levará até
que a água gelada dentro de uma garrafa térmica esfrie à temperatura ambiente? Como
peças de computador podem ser construídas buscando evitar superaquecimento?
Qual a potência necessária para que um aquecedor mantenha uma sala quente num
dia de frio intenso? Como pode ser feito o isolamento térmico desta mesma sala?
Todas estas são perguntas que a transferência de calor está interessada em responder.
Todo fenômeno de transporte acontece devido à existência de uma força motriz e
é mitigado pela presença de uma resistência ao fenômeno. Na mecânica dos fluidos,
vimos que esta força motriz era uma diferença (ou gradiente) de velocidades, muitas
vezes causada por uma diferença de pressão, e a resistência eram os efeitos viscosos
do escoamento. Para a transferência de calor, a força motriz será uma diferença de
temperatura, e a resistência será dada por aspectos geométricos e propriedades do
material (veremos em mais detalhes a seguir).
Observe a Figura 1. Nela, as temperaturas de uma casa são avaliadas usando um
leitor de temperaturas por infravermelho. Isto é útil, por exemplo, para identificar
quais cômodos da casa ficarão mais quentes ou frios em dias comuns.

Figura 1 - Visão térmica em infravermelho de uma casa

UNIDADE 7 259
Numa perspectiva industrial, uma possível preocupação seria a perda de energia em
sistemas de tubulações para o ambiente, por não estarem com isolamento térmico
adequado (veja a Figura 2). Dependendo do processo em questão, isto pode significar
prejuízo à eficiência energética do processo, que por sua vez é traduzido em maior
custo e, portanto, menor lucro.

Figura 2 - Visão térmica de uma tubulação sem o isolamento térmico

O isolamento de tubulações é só um dos muitos problemas de engenharia relacio-


nados à transferência de calor. Por exemplo, diversos equipamentos industriais estão
pautados na troca de energia entre dois meios, como trocadores de calor, aquece-
dores, resfriadores, caldeiras, condensadores, evaporadores e muitos outros. Com
isso, geralmente estaremos preocupados com dois aspectos: qual a troca de calor de
um sistema operando a uma dada diferença de temperatura e quais as dimensões
do sistema para que uma troca de calor especificada os mantenha nas condições de
temperatura desejadas.
Para darmos sequência aos nossos estudos, é preciso primeiro definir uma pro-
priedade da matéria muito importante para a transferência de calor.

260 Introdução à Transferência de Calor


Calor Específico: energia necessária para aumentar a temperatura em um grau de
uma unidade de massa de uma dada substância.
Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 7).

Para facilitar o entendimento deste conceito, imagine o sistema a seguir, em que há


a entrada de 5 kJ de energia. Este sistema é formado por 1 kg de uma substância, a
qual apresenta um calor específico c  5 kJ/  kg.C  . Isto pode ser lido da seguinte
maneira: “para aumentar 1 °C na temperatura de 1 kg de substância, é necessário
fornecer 5 kJ de energia a ela”.

m = 1 kg
∆T = 1 °C
Calor específico = 5 kJ/kg.°C

5 kJ

Figura 3 - Efeito do calor específico na variação de temperatura de uma substância


Fonte: adaptada de Çengel e Ghajar (2012).

É importante mencionar que o calor específico é uma propriedade da matéria que


pode variar de acordo com o seu estado físico e suas condições de temperatura e
pressão. Ainda, é comum nos referirmos a dois tipos de calor específico: ao volume
constante ( cv ) ou à pressão constante ( c p ), sendo o segundo sempre maior que o
primeiro. Para gases ideais, o calor específico depende apenas da temperatura, e a
seguinte equação é válida, em que R é a constante dos gases ideais, 8, 31 J  mol.K  :

c p  cV  R

Para substâncias incompressíveis (sólidos e líquidos), pode-se assumir que ambos os


calores específicos são iguais e, por simplicidade, serão representados pela letra “c”.
Além disso, os calores específicos de substâncias incompressíveis dependem apenas
da temperatura. Assim, quando desejarmos avaliar a energia que deve ser fornecida
para variar a temperatura de sólidos e líquidos, sem que haja mudança de fase, po-
demos utilizar a seguinte equação:
Q  m . c . T  m . c . T2  T1 

UNIDADE 7 261
Em que c é o calor específico médio entre as temperaturas T2 e T1 (por isso, frequen-
temente também pode ser chamado de cméd ), m é a massa da substância e Q é a
quantidade de calor.

Em geral, trabalharemos com a unidade do calor específico no SI: kJ/(kg.K). Contudo,


repare que esta unidade é idêntica a kJ/(kg.°C), uma vez que ΔT(°C) = ΔT(K), ou seja,
uma variação de 1 °C equivale a uma variação de 1 K. Outras unidades comuns são
cal/(g.°C) e Btu/(lbm.°F).

Na equação anterior, note que o termo Q tem dimensão de energia (uma possível
unidade seria o J, por exemplo). No estudo dos fenômenos de transporte, frequente-
mente são usados os termos taxa e fluxo. A “taxa de transferência de calor” é frequen-
temente denotada por Q e tem dimensões de energia por tempo (uma unidade é o
W, por exemplo). O “fluxo de calor”, por sua vez, tem uma definição um pouco menos
intuitiva: é a taxa de transferência de calor por unidade de área, sendo denotada por
q . Este conceito será mais bem explorado e ilustrado nos próximos tópicos.

Q Q
Q  | q 
t A

Além disso, é importante definir também o chamado calor latente que, de forma
simplificada, é a energia necessária para que ocorra uma mudança de fase. Para
substâncias puras, a mudança de fase ocorre a temperaturas constantes e pode-se
usar a equação:
Q = m.L

Em que L é o calor latente referente à mudança de fase em questão, dado em dimen-


sões de energia por unidade de massa.
Definidos estes conceitos, lembre-se de que a lei de conservação da energia deve perma-
necer válida, ou seja, podemos fazer balanços de energia seguindo uma lógica semelhante
ao que fizemos nas Unidades 1 e 5, analisando as entradas, saídas, acúmulos e gerações
de energia que acontecem no sistema. Dito isso, nossa abordagem será mais focada nos
mecanismos de transferência de calor: condução, convecção e radiação.

262 Introdução à Transferência de Calor


Condução

Considere as seguintes situações: ao colocar a


ponta de uma faca de metal no fogo, a extremida-
de oposta também ficará quente após certo tempo;
ao ligar o aquecedor em uma casa durante um dia
frio, o lado interno da parede fica mais quente
do que o lado externo, apesar de a parede toda
esquentar. Ambos os casos são exemplos de con-
dução de calor, em que as partículas com maior
temperatura (maior energia) de uma substância
transferem energia para as partículas vizinhas
com menor temperatura (menos energia).

UNIDADE 7 263
Condução Unidimensional
em Regime Permanente

Os exemplos anteriores ilustram a transferência de calor por condução em situa-


ções comuns do cotidiano. Em uma perspectiva de engenharia, elas podem tomar
escalas consideráveis, como a perda de calor pelas paredes de um forno industrial
ou o perfil de temperaturas nas paredes de um equipamento. É importante observar
que a condução acontece em todos os estados da matéria – em sólidos, por meio das
vibrações das moléculas e dos elétrons livres entre elas; em líquidos e gases, por meio
das colisões e difusões dos movimentos aleatórios das moléculas.
Experimentalmente, observa-se que a condução de calor depende de quatro as-
pectos: a diferença de temperatura, a substância, a geometria e a espessura do sistema.
A relação entre estas grandezas foi estudada e estabelecida pela primeira vez por J.
Fourier (1768-1830), matemático e físico francês que desenvolveu a equação que
ficou denominada como Lei de Fourier da Condução Térmica:

dT
Q cond  k . A .
dx

Em que “k” é a chamada condutividade térmica, característica do material, que re-


presenta a capacidade do material de conduzir calor. Por exemplo, em tempera-
tura ambiente, a água apresenta kágua = 0, 607 W (m.K ) , enquanto o ferro tem
k ferro = 80, 2 W (m.K ) . Estes números condizem o que somos capazes de observar
experimentalmente: o ferro é um condutor de calor muito melhor do que a água. Mais
valores de condutividade térmica estão apresentados na tabela a seguir:
Tabela 1 – Condutividade térmica de alguns materiais em temperatura ambiente

Material k W m.K Material k W m.K Material k W m.K

Diamante 2300 Ferro 80,2 Pele humana 0,37

Prata 429 Mercúrio 8,54 Madeira 0,17

Cobre 401 Vidro 0,78 Fibra de vidro 0,043

Ouro 317 Tijolo 0,72 Ar 0,026

Alumínio 237 Água 0,607 Uretano 0,026

Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 20).

264 Introdução à Transferência de Calor


A equação anterior expressa a condução de calor na forma de taxa, em que a área A
é sempre normal à direção da transferência de calor. Para o fluxo, como definimos
anteriormente, ela pode ser escrita como:
dT
qcond  k .
dx

Volte à Tabela 2 da Unidade 1 e observe a semelhança entre os fenômenos da trans-


ferência de momento e a transferência de calor. O gradiente de temperaturas é a
força motriz que causa o fenômeno, e a condutividade térmica é onde o fenômeno
é resistido pelas características do material.

Para melhor ilustrar a Lei de Fourier, vamos para um exemplo!

1 EXEMPLO Considere a parede de um forno industrial feita em tijolo, com 0,20 m de espessura.
O lado interno está a 1150 °C e o lado externo a 900 °C. Sabendo que as dimensões
da parede são 1,5 m (comprimento) por 1,0 m (altura), determine a taxa de calor
perdida através desta parede.

Solução:
Considerando que o sistema em questão opera em regime permanente, que a pa-
rede é perfeitamente plana e de condutividade térmica constante, e que a temperatura
varia só ao longo da sua espessura (ou seja, a transferência de calor é unidimensional;
as temperaturas não variam ao longo da largura e da altura), podemos usar a Lei de
Fourier da condução:
dT
Q cond  k . A .
dx
Quando trabalhamos com a Lei de Newton da Viscosidade, para simplificar a solução
do problema, assumimos que o diagrama de velocidades era linear com a espessura
do escoamento. Aqui, as condições de estado estacionário nos permitem fazer uma
simplificação análoga, admitindo o diagrama de temperatura linear com a espessura
da parede (como esquematizado na Figura 4):

UNIDADE 7 265
T

T1
Q cond,x T(x)

T2
x
∆x
Figura 4 - Representação esquemática da condução de calor unidimensional em regime permanente
Fonte: adaptada de Incropera e Dewitt (2008).

Com isso, podemos escrever a Lei de Fourier na forma:

T
Q cond  k . A .
x

Da Tabela 1, temos que ktijolo = 0, 72 W (m.K ). Como a parede é perfeitamente plana,


podemos calcular a área simplesmente como a área de um retângulo:

A  1, 5 m  . 1, 0 m   1, 5 m2

O problema pode ser esquematizado da seguinte forma:

W = 1,5 m
k = 0,72 W /(m.K) H = 1,0 m
T1 = 1150 K T2 = 900 K Q cond,x

Q cond,x
x Área da parede, A
L = 0,20 m x
L
Figura 5 - Representação esquemática do problema de condução de calor unidimensional em parede plana
Fonte: adaptada de Incropera e Dewitt (2008).

266 Introdução à Transferência de Calor


Então, basta substituir os valores para determinar a taxa de transferência de calor
pela parede:


Q cond   0, 72

W 
m.K 
 
2  1150 C  900 C 
 . 1, 5 m . 
 0, 20 m


Q cond  1350 W

Se quiséssemos conhecer o fluxo de calor, bastaria fazer:

T Q cond 1350 W W
qcond  k .    900
x A 1, 5 m2 m2

Em alguns livros, o uso do sinal negativo na equação às vezes é ocultado, uma vez
que a função dele é meramente indicar o sentido da transferência de calor (sai do
ponto de temperatura mais alta para o ponto de temperatura mais baixa). Aqui, se a
taxa de transferência de calor for positiva significa que a direção da seta representada
no esquema da Figura 5 aponta corretamente a direção do fenômeno (o calor vai da
face interna da parede para a face externa). Esta observação também é válida para as
demais equações dos fenômenos de transporte, como a Lei de Newton da Viscosidade
que você estudou anteriormente.
Além da condutividade térmica, existe outra característica dos materiais que apa-
rece frequentemente no estudo da transferência de calor. É a chamada difusividade
térmica ( a ), definida pela equação:

Condução de Calor k
=α =
Armazenamento de Calor ρ . c p

No SI, a difusividade térmica é expressa em m²/s. O produto r.c p representa a capa-


cidade de armazenamento de calor por unidade de volume do material. Dessa forma,
a difusividade térmica pode ser entendida como a razão entre o calor conduzido e o
calor armazenado por um material – quanto maior, mais o calor se propaga no meio;
quanto menor, mais o calor é absorvido e armazenado pelo material.

Resistência Térmica

As analogias entre os fenômenos de transporte vão além das questões de momento,


calor e massa. Em algum momento de suas aulas de física, você provavelmente estudou
sobre sistemas de resistências elétricas, em que uma diferença de potencial ( V2 − V1 )
promovia o surgimento de uma corrente elétrica (i) através de uma resistência (Re),
como no esquema a seguir:

UNIDADE 7 267
i
V1 V2
Re

A relação entre as grandezas é dada por:

V1  V2
i
Re

Agora, veja a Lei de Fourier da Condução como utilizamos no exemplo do tópico


anterior:
T T T
Q cond  k . A .  k . A. 1 2
x x

Podemos combinar a condutividade térmica do material e as suas características


geométricas na forma de uma chamada resistência térmica (R):

x
Rcond 
k.A

Com isso, a Lei de Fourier fica exatamente semelhante à equação para cálculo da
corrente elétrica:
T T
Q cond  1 2
Rcond

Dessa forma, podemos representar o fenômeno da transferência de calor por con-


dução com o seguinte esquema:
Q cond
T1 T2
R cond

Não somente a representação pode ser feita de forma análoga, mas também os proble-
mas envolvendo sistemas de resistências. Por exemplo, um problema de transferência
de calor envolvendo múltiplas camadas de materiais diferentes pode ser esquemati-
zado como um sistema de resistências em série:

268 Introdução à Transferência de Calor


T1
T2

T3
T4

∆x ∆x ∆x
A B C

kA kB kC

A B C

x
∆x ∆x B ∆x
A C
k .A k k .A
A B .A C
qx
T1 T2 T3 T4

Figura 6 - Circuito térmico para uma parede multicamadas


Fonte: adaptada de Incropera e Dewitt (2008).

A taxa de transferência de calor da parede composta pode ser determinada avaliando a taxa
em cada parede. Assim, os circuitos térmicos podem ser calculados da mesma forma como
os circuitos elétricos. Para a condução em três paredes em série, como a Figura 6, temos:

T T T T T T
Q  1 2  2 3  3 4
Rcond ,1 Rcond ,2 Rcond ,3

Além disso, bem como é feito com circuitos elétricos, é conveniente trabalhar com
um coeficiente global de transferência de calor (U), análogo ao uso de uma resistência
equivalente para os circuitos elétricos:
1 T
U .A | Q  U . A . T 
Rtotal Rtotal

W
Em que U tem unidades como m2 .K (no SI). Nesta unidade, nosso foco estará
mais centrado na resistência total ( Rtotal ), mas o coeficiente global de transferência
de calor será importante na unidade a seguir.

Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.


Para acessar, use seu leitor de QR Code.

UNIDADE 7 269
Definido o conceito de resistência térmica, é fácil compreender o conceito de isolante
térmico: materiais que apresentam elevada resistência térmica, ou seja, são péssimos
condutores (sua condutividade térmica é extremamente baixa). O isolamento térmico
de uma tubulação, por exemplo, é feito revestindo o conduto com um material de
baixa condutividade.

2 EXEMPLO Uma janela de painel duplo é composta de duas placas de vidro separadas por um
espaço de ar estagnado. Este tipo de janelas é popular em climas mais frios, porque
a camada de ar entre os vidros garante uma resistência térmica maior, de modo a
evitar a perda de calor do interior do ambiente para o exterior. Considere o esquema
a seguir, sendo um painel de 1,0 de altura por 1,5 m de largura. Se T1 = 20 °C e T4 =
-10 °C, qual a taxa de transferência de calor por meio desta janela de painel duplo?
Determine também as temperaturas T2 e T3.
Vidro Vidro

Ar

T1 T2
20 °C

T4
T3 10 °C

5 mm 10 mm 5 mm

R1 R2 R3
Solução:
Estamos considerando que o sistema está em regime permanente, de modo que
as temperaturas permaneçam constantes nos valores especificados. Além disso, assu-
me-se que a transferência de calor é unidimensional e que condutividades térmicas
do ar e do vidro são constantes.

270 Introdução à Transferência de Calor


Da Tabela 1, temos: kvidro = 0, 78 W (m.K ) e kar = 0, 026 W (m.K ) .
A área do painel é facilmente calculada:

= , 5 m) . (1, 0 m) 1, 5 m2
A (1=

As resistências R1, R2 e R3 podem ser calculadas individualmente:

x1 5.103 m K C
R1    4, 27.103  4, 27.103

kvidro . A 0, 78 W
m.K 
. 1, 5 m2 W W

x2 10.103 m K C
R2    256, 41.103  256, 41.103

kar . A 0, 026 W
m.K 
. 1, 5 m2 W W

x3 5.103 m K C
R3    4, 27.103  4, 27.103

kvidro . A 0, 78 W
m.K 
. 1, 5 m 2 W W

O sistema pode ser entendido como uma parede multicamadas com resistências em
série. Dessa forma, a resistência total pode ser calculada como a soma das resistências:

C
Rtotal  R1  R2  R3  264, 95 . 103
W

Com isso, a taxa de transferência de calor pode ser determinada:

T 20C  (10C )
Q    113, 23 W
Rtotal 264, 95 . 103 C
W

Para determinar as temperaturas T2 e T3, basta utilizar a taxa de transferência de calor


individualmente em cada resistência. Assim, para a primeira placa de vidro:

T T
Q  1 2  T2  T1  Q . R1
R1
 C 
T2  20C  (113, 23 W ) .  4, 27.103   19, 52C
 W 
Para a camada de ar estagnado:

T T
Q  2 3  T3  T2  Q . R2
R2
 C 
T3  19, 52 C  (113, 23 W ) .  256, 41.103   9, 51 C
 W 

UNIDADE 7 271
Por meio dos cálculos, foi possível observar que a camada de ar atua como isolante,
pois apresenta uma resistência térmica relativamente elevada. Se ela não estivesse
presente, a taxa de transferência de calor seria consideravelmente maior (pois a
resistência seria menor). Caso uma resistência ainda maior fosse necessária, seria
possível até mesmo utilizar janelas de painel triplo. Note que tanto a perda de calor
no inverno quanto o ganho de calor no verão são reduzidos, ou seja, por meio do
isolamento das janelas, os gastos com aquecedores e aparelhos de ar condicionado
podem ser reduzidos, garantindo uma melhor eficiência energética do ambiente.
Conhecidos os problemas de paredes multicamadas em série, é natural imaginar
que uma ideia parecida também seja aplicável a multicamadas em paralelo, como
representado na figura a seguir:

∆xA ∆x B = ∆x C ∆xD
kB B
T1 kA kD T2
kC
A C D

Figura 7 - Parede composta série-paralela


Fonte: adaptada de Incropera e Dewitt (2008).

De fato, tal abordagem existe, mas passa a se tratar de um sistema com escoamento
de calor multidimensional (o que foge do escopo deste material). Dito isso, a hipótese
de condições unidimensionais é frequentemente razoável; conduto, dois diferentes
circuitos térmicos podem ser usados. No primeiro, considera-se que os perfis de
temperatura em B e C sejam iguais, ou seja, as superfícies normais à direção x são
isotérmicas. Assim, o seguinte circuito térmico pode ser representado:

272 Introdução à Transferência de Calor


∆xB
kB . A
2 ∆xD
∆xA
kA .A kD .A
. ∆xC
Qx
T1 k.C . A T2
2

Figura 8 - Primeiro circuito térmico de uma parede composta série-paralela


Fonte: adaptada de Incropera e Dewitt (2008).

No segundo, divide-se a parede horizontalmente de modo a formar duas (ou mais)


séries de resistências em paralelo. Desta forma, faz-se a suposição de que as superfícies
paralelas à direção x sejam adiabáticas (ou seja, não trocam calor na direção vertical,
mantendo o escoamento unidimensional). A representação deste circuito é a seguinte:
∆xA ∆xB ∆xD
kA . A kB . A kD . A
2 2 2

.
Qx T1 T2

∆xA ∆xC ∆xD


kA . A kC . A kD . A
2 2 2
Figura 9 - Segundo circuito térmico de uma parede composta série-paralela
Fonte: adaptada de Incropera e Dewitt (2008).

Os valores obtidos das resistências totais Rtotal dos circuitos das Figuras 8 e 9 são
distintos, sendo que ambos são aproximações. O valor exato está, na verdade, entre
os valores previstos pelos dois casos. Quanto maior for o efeito multidimensional
(ou seja, quanto maior a diferença entre kC e k B ), maior será a diferença entre os
“ Rtotal ” estimados.

UNIDADE 7 273
Convecção

O segundo dos três mecanismos de transferência


de calor que iremos estudar é a chamada con-
vecção, que aborda o fenômeno de troca térmica
por meio do movimento de fluidos com uma su-
perfície sólida. Evidentemente, o escoamento de
fluidos foi o tema central da maioria das unidades
anteriores e por isso estará intrinsecamente pre-
sente neste tópico.
A primeira observação que se faz com relação
ao movimento de fluido é que o seu movimen-
to pode ser natural (o fluido mais quente sobe e
o mais frio desce por diferença de densidades)
ou forçado (mediante o uso de uma bomba ou
ventilador, por exemplo). Assim, classifica-se a
convecção como natural (ou livre) ou forçada.
Além disso, ela também é classificada como exter-
na (escoamento sobre uma superfície) ou interna
(escoamento dentro de um conduto). Ambas as
classificações são justamente semelhantes às que
foram usadas para descrever o escoamento de
fluidos anteriormente.

274 Introdução à Transferência de Calor


Lei de Newton do Resfriamento

Em termos matemáticos, a descrição do fenômeno de convecção apresenta certo


grau de complexidade, pois envolve o movimento do fluido e a própria condução
de calor entre as moléculas. Apesar disso, verifica-se experimentalmente que a taxa
de transferência de calor por convecção pode ser muito bem representada pela sua
equação mais fundamental, a chamada Lei de Newton do Resfriamento:

Q conv  h . A . Ts  T  | qconv  h . Ts  T 

Em que h é denominado “coeficiente de transferência de calor por convecção” (no SI:


W ), A é a área de transferência de calor, Ts é a temperatura da superfície sólida
m 2 .K
e T∞ é a temperatura do fluido longe da superfície (em outras palavras, é a tempera-
tura do fluido sem a interferência da troca térmica com a superfície). Vejamos um
exemplo para ilustrar o uso desta equação.

3 EXEMPLO Um fio elétrico com 1,5 m de comprimento e 3 mm de diâmetro está em uma sala
que é mantida a 15 °C. A passagem de corrente elétrica por esse fio faz com que ele
esquente até uma temperatura de 135 °C na superfície, o que equivale a uma potência
de 75 W. Determine o coeficiente de transferência de calor por convecção entre a
superfície do fio e o ar na sala.

Solução:
Considerando condições de regime permanente e propriedades constantes, po-
demos fazer uma esquematização simples do problema:
T∞ = 15°C
135 °C
i
3 mm
1,5 m

Repare que a potência de 75 W pode ser entendida como uma geração de energia neste
sistema. Nas condições de regime permanente, esta deve ser a taxa de transferência
de energia por convecção que sai do fio para a sala (do contrário, as temperaturas
não estariam constantes/estacionárias).

UNIDADE 7 275
A área superficial do fio é facilmente calculada como a área de um cilindro da
seguinte forma:

A2.p.r .L
 0, 003 m  2 2
A  2.p .  . 1, 5 m  1, 414 . 10 m
 2 
Para determinar o coeficiente, basta utilizar a Lei de Newton do Resfriamento:

Q conv
Q conv  h . A . Ts  T   h 
A . Ts  T 
75 W
h
1, 414 . 10 2
m2 . 135 C  15 C 
W
h  44, 20
m2 .C

Camada Limite Térmica

Evidentemente, a Lei de Newton do Resfriamento é matematicamente bastante


simples. Contudo, a verdadeira complexidade dos problemas de convecção está
em determinar o coeficiente h, que depende de características do escoamento, das
propriedades do fluido, da geometria e da rugosidade da superfície sólida. Por ser
dependente de tantas variáveis, diversos números adimensionais surgem para ten-
tar descrever o fenômeno da convecção – o primeiro deles que mencionaremos é o
número de Nusselt (Nu):

h . LC
Nu =
k

Em que k é a condutividade térmica do fluido e LC é o comprimento característico.


O significado físico do número de Nusselt pode ser mais bem entendido conside-
rando o esquema a seguir, em que uma camada de fluido troca calor por convecção
se estiver em movimento ou por condução se estiver imóvel.

276 Introdução à Transferência de Calor


T2

Camada .
Q L
de fluido

T1
∆T = T2 - T1

Figura 10 - Transferência de calor através de uma camada de fluido


Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 377).

Da Lei de Fourier da Condução e da Lei de Resfriamento de Newton, temos as


equações:

T
Q cond  k . A . | Q conv  h . A . T
L

Dividindo o calor por convecção pelo calor por condução:

Q conv h . A . T h.L
   Nu

Qcond k . A . T k
L

Isto é, o número de Nusselt indica o aumento da transferência de calor como re-


sultado da convecção frente à transferência de calor obtida por condução. Quanto
maior for o número de Nusselt, maior o calor que o fluido trocará com o ambiente
por convecção. É por isso que utilizamos a convecção forçada em nosso cotidiano:
usamos ventiladores para maior resfriamento do ambiente ou mexemos e sopramos
caldos, sopas e bebidas para resfriá-las, por exemplo. A convecção natural também
atua com o mesmo sentido: a sensação térmica em um dia frio com ventos fortes faz
parecer muito mais frio do que realmente está.
O segundo número adimensional que estaremos interessados é o chamado número
de Prandtl, definido como:

µ
difusividade molecular de momento ν ρ µ . cp
Pr = = = =
difusividade molecular t érmica α k k
ρ . cp

Como sua definição sugere, o número de Prandtl compara a difusão de momento com a
difusão térmica. Isto fica mais claro quando nos lembramos de um conceito estudado na
unidade anterior: a camada limite hidrodinâmica, em que vimos que quando um escoa-

UNIDADE 7 277
mento livre passa a escoar sobre uma superfície sólida, começa-se a desenvolver um perfil
de velocidades devido aos efeitos viscosos decorrentes do princípio do não deslizamento.
De maneira análoga, quando um fluido a uma dada temperatura passa a escoar sobre uma
superfície com temperatura diferente, observa-se a formação de um perfil de temperaturas
e, com isto, a chamada camada limite térmica.
Observe o esquema a seguir, que mostra a formação da camada limite térmica em
um escoamento inicialmente uniforme a T∞ , que passa a escoar sobre uma superfí-
cie à temperatura Ts . A espessura da camada limite térmica ( dt ) é definida como a
distância da superfície em que a diferença de temperatura T  Ts  0, 99(T  Ts ) .
Em outras palavras, a camada limite térmica é formada pelos pontos em que a tem-
peratura do escoamento é afetada pela temperatura da placa.
T∞ Escoamento livre T∞

T∞
Camada
limite
δ1
x Ts térmica

Ts + 0,99(T∞ Ts )

Figura 11 - Camada limite térmica sobre uma placa plana ( T  Ts )


Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 383).

Como você pode imaginar, a velocidade do fluido tem forte influência em como esta
camada limite térmica irá se desenvolver e, por consequência, na transferência de
calor por convecção.

Convecção em Circuitos Térmicos

Anteriormente, fizemos o desenvolvimento do conceito de circuitos e resistências


térmicas para a condução do calor. De forma bastante simples, isso pode ser feito
para a convecção, baseando-se na Lei de Newton do Resfriamento:

Q conv  h . A . T  h . A . Ts  T 
1 T T
Rconv   Q conv  s 
h. A Rconv

Com isso, problemas envolvendo paredes planas multicamadas com convecção nas
superfícies podem ser resolvidos como circuitos térmicos com relativa facilidade
(desde que sejam conhecidos os coeficientes de transferência de calor por convecção).

278 Introdução à Transferência de Calor


Quando tratamos apenas da condução, resolvemos o problema da perda de calor
através de uma janela de painel duplo, em que, na verdade, aproximamos a tempe-
ratura das superfícies para as temperaturas dos ambientes (20 °C e -10 °C, interna
e externa). Vejamos o problema agora para a janela de painel único, onde vamos
poder determinar corretamente as temperaturas das superfícies.

4 EXEMPLO Uma janela de painel único tem 1,0 m de altura por 1,5 m de largura e 10 mm de es-
pessura. Em um dia frio, o ambiente interno desta janela é mantido à temperatura de
20 °C, enquanto o ambiente externo está a uma temperatura de -10 °C. Sabendo que os
coeficientes de convecção interno e externo são hi = 12 W/(m².K) e he = 36 W/(m².K),
determine a taxa de transferência de calor e a temperatura das superfícies interna e
externa da janela.

Solução:

Novamente, estamos considerando que o sistema está em regime permanente, de


modo que as temperaturas permaneçam constantes nos valores especificados. Além
disso, assume-se que a transferência de calor é unidimensional e que a condutividade
térmica do vidro é constante. O problema pode ser esquematizado da seguinte forma:

Vidro

20 °C
Ti

Te
10 °C

hi = 12 W he = 36W
m2 . K m2 . K

∆x = 10 mm

Ri Rvidro Re

T∞1 T∞2
Ti Te

UNIDADE 7 279
O primeiro passo é avaliar a área da janela:
= A 1,= 0 m . 1, 5 m 1, 5 m2

Sabendo que kvidro = 0, 78 W (m.K ) (veja na Tabela 1), as resistências térmicas são:

1 1 C
Ri  Rconv,i    5, 56 . 102
hi . A  W  2 W
 12 2  . 1, 5 m
 m .K
x 10 . 103 m C
Rvidro    8, 55 . 103
kvidro . A
0, 78W m . K  . 1, 5 m 2 W

1 1 C
Re  Rconv,e    1, 85 . 102
he . A  W  2 W
 36 2  . 1, 5 m
 m .K

Como estão em série, a resistência total é dada pela soma das resistências, logo:

C
Rtotal  Ri  Rvidro  Re  8, 265 . 102
W

Agora, basta substituir na equação para a taxa de transferência de calor para a resis-
tência total do circuito:
T T T [20  (10)]C
Q   1 2   362, 98 W
Rtotal Rtotal 8, 265 . 102 C W

Em posse disto, é fácil determinar as temperaturas nas superfícies interna e externa.


Para a primeira resistência:

T T
Q  1 i  Ti  T1  Q . Ri
Ri
C
Ti  20 C  362, 98 W . 5, 56 . 102  0, 18 C
W

Para a segunda resistência:

T T
Q  i e  Te  Ti  Q . Rvidro
Rvidro
C
Te  0, 18 C  362, 98 W . 8, 55 . 103  3, 29 C
W

280 Introdução à Transferência de Calor


Veja como estes resultados diferem dos observados no exemplo para o painel duplo.
Evidentemente, no primeiro exemplo, os devidos efeitos de convecção não foram
considerados, contudo, a diferença observada é decorrente principalmente da ausência
da camada de ar estagnado, que atua como isolante. Para a janela de painel único,
apesar de a temperatura da sala ser de 20 °C, a superfície interna está a -0,18 °C, de
modo que, se a umidade do ambiente for suficiente, poderá haver a condensação
sobre a superfície interna do vidro, deixando-o embaçado.
Uma última observação deve ser feita quanto às resistências térmicas e uso de
isolantes térmicos. Imagine que você está fazendo o isolamento de uma tubulação
cilíndrica. Repare que, quanto mais espessa for a camada de isolante em torno da
tubulação, maior será a área superficial exposta aos efeitos de convecção. Isto sugere
a existência do chamado raio crítico de isolamento, definido para um cilindro como:
kisolamento
rcr ,cilindro =
h

Considere o esquema e o diagrama a seguir:

.
Q
k
r1 h
.
Q
r2

.
Qmax
.
Q sem
isolamento
Efeito do isolamento em
tubos cilíndricos

0 r1 rcr = k/h r2

Figura 12 - Efeito do isolamento em tubos cilíndricos


Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 161).

UNIDADE 7 281
Como mostra o gráfico, se r1 < r2 < rcr , a taxa de transferência de calor aumenta
com a adição de isolamento, atingindo um máximo em r2 = rcr , e passa a diminuir
para r2 > rcr . Isto é, até uma dada espessura, usar isolamento estará aumentando a
perda de calor em vez de mitigá-la, pois a convecção será o efeito dominante. Dito
isso, a experiência demonstra, em geral, que o raio crítico será de, no máximo, 1 cm.
Portanto, podemos isolar a maioria das tubulações sem grandes preocupações com a
possibilidade de estarmos, na verdade, aumentando a transferência de calor. A título
de curiosidade, o raio crítico de isolamento para esferas é dado por:

2 . kisolamento
rcr ,esfera =
h

Talvez você já tenha reparado que alguns equipamentos apresentam superfícies


estendidas feitas de materiais altamente condutores (como o alumínio), tais como
radiadores de carro e componentes de computadores. Estas superfícies são cha-
madas aletas e tem como objetivo aumentar a transferência de calor por meio do
aumento da superfície exposta à troca térmica (principalmente por convecção). Esta
estratégia é observada até mesmo na natureza – por exemplo, as placas ósseas
presentes nas costas dos estegossauros serviam como radiadores para resfriamento
do sangue que fluía através delas.
Fonte: adaptado de Çengel e Ghajar (2012).

282 Introdução à Transferência de Calor


Radiação

Finalmente, falta apenas tratarmos sobre o terceiro


mecanismo de transferência de calor: a radiação.
Este mecanismo é particularmente interessante,
pois a energia é transferida na forma de ondas
eletromagnéticas resultantes das mudanças nos
elétrons de átomos ou moléculas. Portanto, ela
não depende de um meio para se propagar – ela
é, afinal, a forma como a energia do Sol chega até
a Terra, após percorrer distâncias planetárias em
condições de vácuo.
Repare que a radiação térmica (ou seja, emiti-
da pela temperatura dos corpos) é diferente das
outras formas de radiação eletromagnética (como
raios X, micro-ondas e ondas de rádio). Todo só-
lido, líquido ou gás que esteja a uma temperatura
superior ao zero absoluto (0 K) emite, absorve ou

UNIDADE 7 283
transmite radiação. A equação que determina a taxa máxima de radiação que pode ser
emitida por uma superfície à temperatura Ts é a chamada Lei de Stefan-Boltzmann
da radiação térmica:
Q rad ,max = s . A . Ts4

8 2 4
Em que s  5, 670  10 W (m .K ) é a constante de Stefan-Boltzmann e Ts é a
temperatura termodinâmica (ou seja, em Kelvin ou Rankine) da superfície.
Na prática, esta radiação máxima é emitida somente por uma superfície idealiza-
da chamada de corpo negro. Para superfícies reais, utiliza-se um parâmetro
e (0 ≤ e ≤ 1) que é chamado de emissividade da superfície. Assim:

Q rad = ε . σ . A . Ts4

Quando estivermos tratando de uma pequena superfície à temperatura Ts comple-


tamente envolvida por uma vizinhança de superfície isotérmica à temperatura Tviz ,
e separadas por um gás que não influencia na radiação (como o ar), a taxa líquida de
transferência de calor por radiação entre essas duas superfícies pode ser determinada
por:
Q rad  ε . σ . A . (Ts4  Tviz
4
)

Na Tabela 2, são apresentadas as emissividades típicas para algumas superfícies.


Tabela 2 - Emissividade de alguns materiais a 300 K

Material ε Material ε Material ε

Alumínio Pele
0,07 Pintura preta 0,98 0,95
em folhas humana

Alumínio
0,82 Pintura branca 0,90 Madeira 0,82-0,92
anodizado

Cobre polido 0,03 Papel branco 0,92-0,97 Terra 0,93-0,96

Pavimento
Ouro polido 0,03 0,85-0,93 Água 0,96
asfáltico

Tijolo
Prata polida 0,02 0,93-0,96 Vegetação 0,92-0,96
vermelho

Aço inoxidável
0,17
polido

Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 28).

284 Introdução à Transferência de Calor


5 EXEMPLO Imagine que em um dia frio de inverno as superfícies interiores das paredes, do piso e
do teto do seu quarto estejam a uma temperatura de 12 °C. De forma semelhante, em
um dia quente de verão, elas estão à temperatura de 28 °C. Apesar destas temperaturas,
em ambos os casos, o interior da sala é mantida na temperatura de 20 °C. Considerando
que a superfície exposta do seu corpo seja de 1,5 m², com uma temperatura de 32 °C,
determine a taxa de transferência de calor por radiação entre você e as superfícies do
seu quarto para ambas as situações.

Solução:
Considerando apenas a troca térmica por radiação, que todas as temperaturas
estão uniformes como descritas e que o corpo se encontra totalmente cercado pelas
superfícies interiores do quarto, basta utilizar a equação da taxa líquida de transfe-
rência de calor por radiação, sendo que o corpo, por estar a uma temperatura maior
(32 °C = 305,15 K), transfere energia para as paredes.
Assim, adotando uma emissividade para a pele humana de 0,95 (conforme Tabela
2), para o dia frio:

Q rad  ε . σ . A . (Ts4  Tviz


4
)

 m .K 
 
Q rad , frio  0, 95 .  5, 670  108 W 2 4  . 1, 5 m2 . (32  273, 15) 4  (12  273, 15) 4  K 4
 
Q rad , frio  166, 39 W

UNIDADE 7 285
Para o dia quente:

Q rad  ε . σ . A . (Ts4  Tviz


4
)

 m .K 
 
Q rad ,quente  0, 95 .  5, 670  108 W 2 4  . 1, 5 m2 . (32  273, 15) 4  (28  273, 15) 4  K 4
 
Q rad ,quente  36, 02 W

A diferença entre estas taxas de transferência demonstra justamente o motivo de


sentirmos frio no inverno mesmo com a temperatura do ambiente controlada como
a de um dia quente no verão: os efeitos de radiação fazem com que a superfície do
nosso corpo perca mais calor para o ambiente em função da temperatura das super-
fícies internas do quarto.
Uma última observação importante deve ser feita quanto à radiação. Por conve-
niência, frequentemente se faz uso de um coeficiente combinado de transferência
de calor (h), mesmo que de maneira implícita, que inclui tanto os efeitos da radiação
quanto o da convecção – ou seja, ao utilizar este coeficiente combinado no cálculo
da taxa de transferência de calor por convecção, os efeitos da radiação já estão con-
tabilizados. É relativamente razoável ignorar a radiação em problemas de convecção
forçada (especialmente se a emissividade da superfície for baixa), mas em problemas
de condução ou convecção natural, a radiação tem participação significativa.
Enfim, terminamos esta unidade sobre os fenômenos da transferência de calor!
As analogias entre os fenômenos começaram a aparecer e ficarão ainda mais nítidas
quando chegarmos em nossa nona e última unidade, em que estudaremos sobre o
fenômeno da transferência de massa. Antes disso, iremos continuar na perspectiva
da transferência de calor, estudando um pouco mais sobre equipamentos de extrema
importância industrial: os trocadores de calor.

286 Introdução à Transferência de Calor


Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. O telhado de uma casa apresenta dimensões 7,5 m x 10,0 m, com 0,30 m de espes-
sura, e consiste basicamente em uma placa plana de concreto (k = 0,8 W/m.K). Este
telhado conta com um sistema de aquecimento elétrico que, ao longo de uma noite
(período de 10 horas), é capaz de manter a temperatura da sua superfície interior
em 18 °C, enquanto a superfície exterior é mantida em 6 °C. Determine a taxa de
perda de calor através do telhado e o custo dessa perda (considere R$ 0,42/kWh).

Telhado de concreto 0,25 m Telhado de concreto 0,30 m


6m 7,5 m
8m 10,0 m

4 °C 6 °C

15 °C 18 °C

Fonte: adaptada de Çengel e Ghajar (2012).

2. Refaça o problema da janela de painel duplo, agora considerando devidamente


os efeitos convectivos no interior e exterior. Considere que os painéis têm 1,0 m
de altura por 1,5 m de largura e estão dispostos como esquematizado a seguir.
Adote kvidro = 0, 78 W (m.K ) e kar = 0, 026 W (m.K ) .
Vidro Vidro

Ar
20 °C
T1 T2
hi = 36 W
m2 . K
hi = 12 W T4
m2 . K T3 10 °C

5 mm 10 mm 5 mm

Ti Ri R1 R2 R3 Re Te

Fonte: adaptada de Çengel e Ghajar (2012).

287
3. Considere a seguinte parede plana composta:
T0
T1 T2 T∞ = 25°C
h = 1000 W/(m2 .K)
isolante q’’

qA = 1,5 x 106W/m3
kA = 75 W/(m.K) A B Água
kB = 120 W/(m.K)
qB = 0 W/m3
LA = 60 mm
LB = 20 mm

No material A, ocorre geração de calor uniforme ( q = 1, 5 x 106 W m3 ) e sua


superfície interna está perfeitamente isolada. A superfície B, que não apresenta
geração de calor, é resfriada por uma corrente de água a 25 °C. Determine as
2
temperaturas T0, T1 e T2. Considere uma área superficial unitária ( A = 1 m ).

288
LIVRO

Transferência de Calor e Massa – Uma Abordagem Prática (4ª Edição)


Autor: Yunus A. Çengel e Afshin J. Ghajar
Editora: McGraw Hill
Sinopse: é uma das obras mais consagradas, tanto como livro-texto básico para
estudantes de graduação em engenharia quanto como referência para enge-
nheiros que já atuam no mercado profissional. Faz uma abordagem extensa
dos fenômenos de transferência de calor e massa, com riqueza de exemplos e
contextualização histórica.
Comentário: é uma das principais referências globais sobre transferência de calor
e massa, que você pode utilizar para se aprofundar no estudo da condução e
convecção, bem como na analogia entre os fenômenos de transporte. Também
conta com diversas tabelas e gráficos de propriedades para uma grande varie-
dade de componentes, com unidades no SI (na versão Brasileira).

289
ÇENGEL, Y. A.; GHAJAR, A. J. Transferência de Calor e Massa: uma abordagem prática. 4. ed. Porto Alegre:
AMGH Editora, 2012.

INCROPERA, F. P.; DEWITT, D. P. Fundamentos de Transferência de Calor e de Massa. 6. ed. Rio de Janeiro:
Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2008.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

290
1. Estamos considerando que o sistema permanece em regime permanente durante o período de 10 horas
descrito, ao longo do qual suas propriedades são constantes e o escoamento de calor é unidimensional.
Trata-se, portanto, de um problema de condução em que há geração de energia (no caso, devido ao sistema
de aquecimento por eletricidade).

Para solucionar o problema, o primeiro passo é avaliar a área de troca do telhado:

= , 5 m . 10, 0 m 75, 0 m2
A 7=

Com isso, como conhecemos também a condutividade térmica do telhado (k = 0,8 W/m.K), sua espessura (0,30 m)
e a diferença de temperatura entre as superfícies interna e externa, pode-se calcular o calor perdido através do
telhado pela Lei de Fourier da Condução Térmica:

T T 
Q  k . A . i e   0, 8
x  m
W 
. K
 2
 . 75, 0 m .


(18  6)C
 0, 30 m 
Q  2400 W  2, 4 kW

Para calcular o custo, precisamos calcular a quantidade de energia em um período de 10 horas. Assim, temos:

Q  Q . t   2, 4 kW  . 10 h 
Q  24 kWh

Logo, o custo correspondente a essa perda é de:

Custo = Quantidade de Energia  . Custo Unit ário da Energia 


Custoo   24 kWh  .  R$0, 42 / kWh 
Custo  R$10, 08

291
2. Como o próprio esquema apresentado sugere, o problema pode ser resolvido por meio da determinação
das resistências térmicas do sistema. Para isso, primeiro, determina-se a área de troca térmica de cada
superfície do painel, dada por:

= , 5 m) . (1, 0 m) 1, 5 m2
A (1=
Em seguida, determinam-se as resistências, sendo Ri e Re resistências de convecção, enquanto R1, R2 e R3 são
resistências de condução. Logo:
x 1
Rcond  | Rconv 
k.A h. A
1 1 C
Ri  Rconv,i    5, 56 . 102
hi . A  W  2 W
 12 2  . 1, 5 m
 m .K
x1 5.103 m K C
R1    4, 27.103  4, 27.103

kvidro . A 0, 78 W
m.K 
. 1, 5 m2 W W

x2 10.103 m K C
R2    256, 41.103  256, 41.103

kar . A 0, 026 W
m.K 
. 1, 5 m 2 W W

x3 5.103 m K C
R3    4, 27.103  4, 27.103

kvidro . A 0, 78 W
m.K 
. 1, 5 m 2 W W

1 1 C
Re  Rconv,e    1, 85 . 102
he . A  W  2 W
 36 2  . 1, 5 m
 m .K

Como todas estas resistências estão em série, a resistência total é:

C
Rtotal  Ri  R1  R2  R3  Re  339, 05 . 103
W

292
Logo, a taxa de transferência de calor pode ser determinada:

Q conv  h . A . Ts  T 

Q gerado  q A . VA  q A . A . LA
 W 
Q gerado   1, 5.106 3  . (1 m2 ) . (6.103 m)  9000 W
 m 
Q gerado  Q conv | q gerado  qconv
Q conv  h . A . Ts  T  | qconv  h . Ts  T 
Q
Q conv  h . A . T2  T   T2  conv  T
h. A
90000 W
T2   25 C  T2  115 C
 W  2
 1000 2  . (1 m )
 m .K 
Conhecendo a taxa, pode-se calcular as temperaturas T1, T2, T3 e T4 fazendo a equação de cada uma das resis-
tências térmicas:

T T
Q  i 1  T1  Ti  Q . Ri
Ri
 C 
T1  20 C  (88, 48 W ) .  5, 56 . 102   15, 08 C
 W 
T T
Q  1 2  T2  T1  Q . R1
R1
 C 
T2  15, 08 C  (88, 48 W ) .  4, 27.103   14, 70 C
 W 
T T
Q  2 3  T3  T2  Q . R2
R2
 C 
T3  14, 70 C  (88, 48 W ) .  256, 41.103   7, 99 C
 W 
T T
Q  3 4  T4  T3  Q . R3
R3
 C 
T4  7, 99 C  (88, 48 W ) .  4, 27.103   8, 37 C
 W 
Estes resultados são muito mais condizentes com o que se espera observar na prática do que com as aproxi-
mações feitas no exemplo original.

293
3. Considere condições de regime estacionário, com propriedades constantes, em que o escoamento de calor
ocorre unidimensionalmente na direção x.

Podemos avaliar o calor total gerado:

Q gerado  q A . VA  q A . A . LA
 W 
Q gerado   1, 5.106 3  . (1 m2 ) . (60.103 m)  90000 W
 m 
Em regime estacionário, as temperaturas devem estar constantes, e o calor gerado no material A deve ser justa-
mente igual ao calor removido pela convecção no material B, uma vez que o outro lado do material A está isolado.

=Q gerado Q=


conv | q gerado qconv

Assim, podemos utilizar a Lei de Newton do Resfriamento para avaliar a temperatura da superfície externa (T2):

Q conv  h . A . Ts  T  | qconv  h . Ts  T 


Q
Q conv  h . A . T2  T   T2  conv  T
h. A
90000 W
T2   25 C  T2  115 C
 W  2
 1000 2  . (1 m )
 m .K 
Conhecendo T2, pode-se determinar T1 por meio da Lei de Fourier da Condução, uma vez que, no regime per-
manente, o calor gerado também deve ser equivalente ao calor conduzido através da camada B:

(T  T ) Q cond . LB
Q cond  k B . A . 1 2  T1   T2
LB kB . A
90000 W . 20 . 103 m
T1   115 C  T1  130 C
 W  2
120   . (1 m )
m.K 
O mesmo pode ser feito com a camada A para determinar T0:

(T  T ) Q cond . LA
Q cond  k A . A . 0 1  T0   T1
LA kA . A
90000 W . 60 . 103 m
T0   130 C  T0  202 C
 W  2
75   . (1 m )
 m . K 

294
295
296
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Trocadores de Calor

PLANO DE ESTUDOS

Transferência de Calor
em Trocadores

Tipos de Trocadores Análise de Trocadores


de Calor de Calor

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Apresentar os diversos tipos de dispositivos e configura- • Abordar os principais aspectos a serem considerados ao
ções de equipamentos de transferência de calor. analisar um trocador de calor.
• Estudar o conceito de média logarítmica das temperaturas
junto do coeficiente global de transferência de calor.
Tipos de Trocadores
de Calor

Prezado(a) aluno(a), agora que você já aprendeu


os fundamentos sobre os fenômenos da transfe-
rência de calor, dedicaremos esta unidade ao es-
tudo dos chamados trocadores de calor – equipa-
mentos utilizados para promover a troca térmica
entre dois fluidos bastante utilizados na indústria.
Perceba que, baseado nesta definição, equipamen-
tos que aquecem uma corrente através de fogo
direto, resistências elétricas e demais processos
são chamados apenas de aquecedores, pois não
envolvem duas correntes de fluidos.
Evidentemente, para que haja troca térmica, é
necessário ter diferença de temperatura entre os
dois fluidos. Assim, um trocador de calor envolve
um fluido quente (aquele que fornece calor) e um
fluido frio (aquele que recebe calor). Apesar de
parecer óbvio, isto tem implicações significantes
no desempenho energético de um processo, pois
o calor pode ser recuperado.
Para deixar este conceito mais claro, imagine a seguinte situação: você possui
duas correntes, A e B. A corrente A está a uma temperatura de 100 °C e precisa ser
resfriada. Paralelamente, a corrente B está a uma temperatura de 30 °C e precisa ser
aquecida. Então, sendo a corrente A o fluido quente e a corrente B o fluido frio, um
trocador de calor pode ser utilizado para recuperar parte da energia da corrente A,
transferindo-a para a corrente B. Esta manobra leva a uma economia de energia no
processo, reduzindo a demanda de correntes de utilidades (água de resfriamento e
vapor de aquecimento, por exemplo).
Note que diversos equipamentos, apesar de serem frequentemente chamados por
outros nomes, são essencialmente trocadores de calor, como os condensadores e re-
fervedores de colunas de destilação, que promovem troca de calor latente, geralmente
utilizando água (fluido frio do condensador) e vapor (fluido quente do refervedor).
Dito isso, nosso foco estará mais direcionado em estudar os trocadores de calor
que promovem troca térmica apenas entre correntes de processo (ou seja: sem o uso
de correntes de utilidades e outros mecanismos, não englobando os equipamentos
mencionados anteriormente), os quais são comercialmente chamados de “trocadores
de calor”, de fato.

Figura 1 - Trocadores de calor em uma refinaria

UNIDADE 8 299
Geralmente, a transferência de calor em trocadores acontece por meio de dois meca-
nismos: pela convecção em cada fluido e pela condução na parede que os separa. Como
estudamos, a área de troca térmica é um aspecto chave neste fenômeno (lembre-se das
equações da Lei de Fourier da Condução e da Lei de Newton do Resfriamento), de
modo que conhecer a configuração estrutural dos trocadores de calor é fundamental
para uma análise do seu funcionamento e desempenho.
Antes de classificarmos os principais tipos de trocadores existentes, vamos tomar
um momento para ponderar o contexto em que nos encontramos. A indústria, no ge-
ral, trabalha com diversos fluidos, cada um com suas propriedades (como viscosidade,
densidade e calor específico). Ainda, cada processo apresenta uma dada finalidade (por
exemplo, para produção alimentícia, química ou farmacêutica), e o engenheiro não deve
estar somente preocupado com o desempenho e lucratividade do processo, mas também
com relação a aspectos, como segurança, viabilidade técnica, necessidade de manutenção
dos equipamentos e muitos outros detalhes intrínsecos a cada indústria.
Com isso em mente, é razoável concluir que diferentes configurações de processos
e equipamentos são criadas para melhor atender necessidades específicas. Natural-
mente, isto também é válido para os trocadores de calor, sendo que sua principal
diferenciação é dada em termos de sua geometria, destacando-se os trocadores dos
tipos: tubo duplo (“double pipe”), casco e tubo (“shell and tube”) e de placas (“plate”).
O modelo mais simples de trocador de calor é o chamado trocador de tubo duplo,
que consiste essencialmente em dois tubos concêntricos (veja a Figura 2), em que um
dos fluidos escoa pelo tubo de diâmetro menor e o outro escoa pelo espaço anular
entre os dois tubos. Geralmente, este tipo de trocador apresenta dois trechos retos
com conexões nas extremidades dos tubos.

Bucha
Curva de retorno Bucha Bucha

Cabeçote de retorno Tê

Figura 2 - Trocador de calor tubo duplo


Fonte: Araújo (2002, p. 7).

Orientando-se pela figura, repare que não há mistura entre os dois fluidos, de modo
que a transferência de calor ocorre através da parede do tubo interno. Esta formação
estrutural em “U” é, às vezes, chamada de “grampo” (em inglês hairpin), e conectando
vários destes em sequência, pode-se alcançar uma área de troca térmica considerável.

300 Trocadores de Calor


Além disso, repare que duas formas de escoamento são possíveis: o escoamento
paralelo, em que ambos os fluidos entram no trocador pela mesma extremidade ou o
escoamento contracorrente, em que os fluidos entram no trocador por extremidades
opostas entre si. Talvez não seja imediatamente intuitivo, mas é crucial perceber que
o desempenho e o funcionamento do trocador serão diferentes para os dois tipos
de escoamento.
Para o escoamento paralelo, as temperaturas dos dois fluidos tendem a se aproxi-
mar e a diferença de temperatura ao longo do trocador diminui significativamente. Por
outro lado, para o escoamento contracorrente, o fluido frio pode sair do equipamento
mais quente do que o próprio fluido quente sai, e as diferenças de temperatura entre os
dois fluidos ao longo do trocador apresentam menor variação. A Figura 3 representa
de forma simplificada estas duas situações. Nos diagramas de temperatura, repare
que a seta nas curvas serve para indicar a direção dos escoamentos.

T T
Flu
ído
que
Fluí nte
do q
uen Flu
te ídof
rio
o
o fri
Fluíd

Frio Frio
sai entra

Quente Quente Quente Quente


entra sai entra sai

Frio Frio
entra sai

(a) Escoamente paralelo (b) Escoamente contracorrente

Figura 3 - Arranjos de escoamento em trocadores de tubo duplo e seus perfis de temperatura associados
Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 630).

UNIDADE 8 301
Os trocadores de tubo duplo se destacam pela sua facilidade de construção, manuten-
ção e ampliação da área de troca térmica, sendo geralmente construídos em dimensões
padronizadas, chegando a ter de 1,5 a 7,5 metros de comprimento, geralmente. Há,
entretanto, outros modelos de trocadores que ocupam menos espaço físico e fornecem
maior área de troca térmica, de modo que os trocadores de tubo duplo costumam
ser economicamente viáveis quando os demais não são interessantes e para áreas de
troca térmica de até 30 m².
Um segundo tipo de trocador de calor, um dos mais comumente encontrado em
indústrias, é o trocador casco e tubo. Como o nome sugere, este tipo de equipamento
de troca térmica possui diversos tubos (até mesmo centenas) colocados paralelamen-
te ao eixo longitudinal de um casco cilíndrico (veja a figura a seguir para facilitar a
visualização). A transferência de calor ocorre através da parede destes tubos, em que
um fluido escoa por dentro deles e o outro percorre o exterior dos tubos ao longo
da casca. É comum classificá-los com relação ao número de “passes” que acontecem
no casco e nos tubos, como na Figura 4:
Entrada do fluído
do lado do casco
Entrada do fluído
do lado do casco
Fluído do lado
Saída
dos tubos
Fluído do
Saída lado dos
tubos
Entrada
Entrada

Saída Saída
(a) Um passe no casco e dois passes nos tubos (b) Dois passes no casco e quatro passes nos tubos

Figura 4 - Diferentes configurações de trocadores de calor casco e tubo


Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 632).

Evidentemente, as representações anteriores são bastante simplistas do ponto de vista


estrutural do equipamento. As extremidades dos tubos são ainda presas aos chama-
dos espelhos (placas perfuradas), em que cada furo corresponde a um tubo do feixe.
Dentro do casco, podem também ser colocadas as chamadas chicanas – placas que são
atravessadas pelos tubos e que servem tanto para direcionar o escoamento do fluido
no casco quanto para dar suporte estrutural aos tubos. Além disso, as chicanas têm
a função de melhorar a transferência de calor entre os fluidos. Veja a figura a seguir:

302 Trocadores de Calor


9 8
5 5
1 4 7 3
6 3 6

2
8 9
1 - Casco ou carcaça 6 - Tampa do carretel
2 - Tubos 7 - Espaçadores de chicanas
3 - Espelho 8 - Bocal (lado tubo)
4 - Chicanas 9 - Bocal (lado casco)
5 - Carretel

Figura 5 – Representação das partes constituintes de um trocador casco e tubos


Fonte: Araújo (2002, p. 16).

O ponto forte deste modelo é que ele pode ser projetado para extensas faixas de pres-
são, temperatura e vazão, podendo alcançar grandes áreas de troca térmica (até acima
de 5000 m²). Em geral, é o modelo de trocador mais versátil e, por isso, a sua popula-
ridade na indústria. Algumas exceções ao seu uso são, por exemplo, em automóveis
e aeronaves, principalmente devido ao tamanho e ao peso destes tipos de trocador.

Figura 6 - Trocador de calor tipo casco e tubo

UNIDADE 8 303
O terceiro e último tipo de trocador que iremos tratar é o chamado
trocador de calor de placas, utilizados especialmente na indústria
de alimentos pela facilidade de manutenção e limpeza. Estes tro-
cadores consistem, essencialmente, em uma sequência de placas,
com os fluidos escoando intercaladamente entre elas, de modo que
uma camada de fluido frio está trocando calor com duas camadas
de fluido quente, o que leva a uma troca térmica bastante eficiente.
São geralmente utilizados quando os dois fluidos são líquidos em
pressões próximas, destacando-se pela facilidade em aumentar ou
diminuir a área de troca térmica, se necessário (pela adição ou re-
moção de placas). Entretanto, são equipamentos que não suportam
pressões muito altas, quando comparados aos trocadores tubulares.
Trocadores de calor de tubo e casco

Figura 7 - Trocador de calor de placas típico de indústrias de alimentos

304 Trocadores de Calor


Transferência
de Calor
em Trocadores

Conhecidos os principais tipos de trocadores de


calor industriais, iremos, agora, abordar os fun-
damentos dos cálculos de projeto e análise de
trocadores de calor. Note que estaremos particu-
larmente interessados na perspectiva da transfe-
rência de calor, que é nosso objeto de estudo – os
métodos de projeto completo de trocadores de
calor são muito extensos e complexos para serem
abordados aqui, cabendo apenas as disciplinas
mais específicas.

UNIDADE 8 305
Média Logarítmica das Temperaturas

Na unidade anterior, utilizamos a Lei de Fourier da Condução Térmica e a Lei de


Newton do Resfriamento para descrever os fenômenos de condução e convecção,
respectivamente. Lembre-se que as equações que descrevem essas leis são (na forma
integral para a Lei de Fourier):

DT
Q cond  k . A . e Q conv  h . A . Ts  T 
Dx

Como já abordado na unidade anterior, ambos os mecanismos estão baseados em


diferenças de temperatura. Nos trocadores de calor, é importante perceber que esta
diferença de temperatura pode mudar ao longo do equipamento (como foi demons-
trado ao discutir o escoamento em paralelo ou contracorrente – ver Figura 3). Por-
tanto, é evidente que para avaliar a transferência de calor no trocador, é necessário
descrever as diferenças de temperaturas entre os fluidos quente e frio no interior do
trocador de alguma maneira. Para isso, recorremos ao conceito de média logarítmica.
Considera-se, por exemplo, um trocador de calor puramente contracorrente, como
o representado de forma simplificada pela Figura 8.
Tqen Tqsai

Tfsai Tfen
Figura 8 - Trocador de calor com escoamento puramente contracorrente
Fonte: os autores.

O terminal no qual entra a corrente quente e sai a corrente fria aquecida é chamado
terminal quente. Denominando-se q1 a diferença de temperatura entre estas duas
correntes, então, a diferença de temperaturas no terminal quente é dada por:

q1  Tqen  T f sai

No outro extremo do trocador está o terminal frio, no qual entra a corrente fria e sai
a corrente quente resfriada. A diferença de temperaturas entre estas duas correntes,
no terminal frio, será dita q2 , e é dada por:

q2  Tqsai  T fen

306 Trocadores de Calor


A integração entre as equações de projeto se faz de forma que a transferência de calor
esteja relacionada com a média logarítmica das diferenças de temperaturas (MLDT),
a qual é calculada utilizando as diferenças de temperatura nos extremos do trocador
( q1 e q2 ), dada por:
q1  q2
MLDT 
q
ln 1
q2

Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.


Para acessar, use seu leitor de QR Code.

Aqui, definimos MLDT com base no escoamento contracorrente. Exatamente o


mesmo raciocínio poderia ser desenvolvido para o escoamento em paralelo, sendo
diferente somente no cálculo dos termos θ1 e θ2, em que o primeiro será a dife-
rença entre as temperaturas de entrada e o segundo será na saída, para ambos os
fluidos (quente e frio).

Coeficiente Global de Transferência de Calor

Como já foi mencionado, a transferência de calor em trocadores acontece por meio


de dois mecanismos: pela convecção em cada fluido e pela condução na parede que
os separa. Na unidade anterior, você aprendeu a analisar sistemas de troca térmica
por meio da estratégia dos circuitos térmicos. Naquele momento, mencionamos que
é conveniente trabalhar com um coeficiente global de transferência de calor (repre-
sentado pela letra “U”), que junto da área de troca térmica pode ser descrito como a
resistência total do sistema:

1 T
U .A | Q  U . A . T 
Rtotal Rtotal

UNIDADE 8 307
Esta será exatamente a abordagem que utilizaremos com os trocadores de calor.
Veja que a área de troca térmica (A) é um parâmetro característico da estrutura do
equipamento (conforme vimos para os diferentes tipos de trocadores no início desta
unidade). Vamos avaliar, então, o circuito térmico associado a um trocador de tubo
duplo, em que um fluido percorre o interior do tubo e o outro percorre a região
ao redor do tubo. Considere, por exemplo, que no interior do tubo esteja o fluido
quente (por consequência, o fluido frio está percorrendo por fora do tubo). Podemos
representar este circuito como duas resistências de convecção e uma resistência de
condução entre elas (veja a figura e o circuito a seguir):

Fluído
frio

Fluído
quente

Transferência
de calor

Ti
Fluído
frio
Fluído quente
Ai Parede To
A
hi
hO

Ti To
1 Rparede 1
Ri = Ro =
hi . Ai hO . AO

Figura 9 - Circuito térmico associado a um trocador de calor de tubo duplo


Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 633).

Conhecendo também a condutividade térmica do material do tubo (k), o seu com-


primento (L) e os seus diâmetros interno e externo ( Di e Do ), a resistência da parede
será:
D
ln  o 
Di 
R parede  
2.p.k . L

308 Trocadores de Calor


Então, a resistência térmica total é:
D
ln  o 
1 Di  1
Rtotal  Ri  R parede  Ro    
hi . Ai 2 . p . k . L ho . Ao

Agora, utilizando o conceito de coeficiente global de transferência de calor, teremos:

1 1 1 1
U .A  Rtotal    R parede 
Rtotal U . A hi . Ai ho . Ao

Note que, na equação anterior, temos três áreas sendo representadas. É evidente que a área
interna do tubo ( Ai ) é diferente da área externa ( Ao ). Ao mesmo tempo, vimos que a
área “A” é justamente a área de troca térmica característica da estrutura do equipamento;
mas afinal, quem é esta área de troca térmica, Ai ou Ao ? A resposta não é tão intuitiva:
na verdade, o mais sensato é abordar este problema considerando que o trocador de calor
apresenta dois coeficientes globais de troca térmica, U i e U o , numericamente diferentes
entre si, de modo que:

1 1 1
= = = Rtotal
U . A U i . Ai U o . Ao

Dessa forma, se você conhece o coeficiente global de transferência de calor para um


determinado trocador, é fundamental você saber também qual é a área a que ele diz
respeito. Dito isto, poderemos desconsiderar esta diferença em um caso específico:
quando a espessura do tubo for muito pequena (de modo que as áreas Ai e Ao serão
quase as mesmas) e o material do tubo for um excelente condutor de calor. Nestas
condições, a resistência térmica da parede (Rparede) tenderá a zero, podendo ser despre-
zada. Isto simplifica a equação da resistência total do sistema para a seguinte forma:

1 1 1
Rtotal   
U . A hi . Ai ho . Ao
1 1 1
A  Ai  Ao   
U hi ho

Repare que, portanto, neste caso também podemos dizer que:

U ≈ Ui ≈ Uo
Esta é uma aproximação razoável para muitos trocadores de calor. Na tabela a seguir,
são apresentados alguns valores representativos para os coeficientes globais de troca
térmica de trocadores típicos envolvendo diferentes pares de fluidos.

UNIDADE 8 309
Tabela 1 - Valores representativos do coeficiente global de transferência de calor em trocadores de calor

Fluidos de processo U (W/m².K)


Água-água 850 – 1700
Água-óleo 100 – 350
Água-gasolina ou querosene 300 – 1000
Aquecedores de água
1000 – 8500
de alimentação
Vapor-óleo combustível leve 200 – 400
Vapor-óleo combustível pesado 50 – 200
Condensador de vapor 1000 – 6000
Condensador de freon
300 – 1000
(resfriado à água)
Condensador de amônia
800 – 1400
(resfriado à água)
Condensadores de álcool
250 – 700
(resfriados à água)
Gás-gás 10 – 40

Água-ar em tubos aletados 30 – 60 (p/ superfície do lado do ar)


(água nos tubos) 400 – 850 (p/ superfície do lado da água)

Vapor-ar em tubos aletados 30 – 300 (p/ superfície do lado do ar)


(vapor nos tubos) 400 – 4000 (p/ superfície do lado do vapor)
Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 634).
Conhecendo o cálculo de MLDT e o conceito de coeficiente global de transferência de
calor, você já tem recursos suficientes para começar a lidar com problemas envolven-
do trocadores de calor. Antes disso, discutiremos ainda mais um aspecto importante
acerca destes equipamentos: a incrustação – depósitos de materiais indesejáveis nas
superfícies de troca térmica, que acarretam no aumento da resistência à transferência
de calor no equipamento.
Para ilustrar esse efeito, imagine que você tenha um bule que utiliza com fre-
quência para esquentar água. Se não for feita a devida limpeza, é possível identificar
que alguns minerais (como o cálcio) se acumulam sobre as superfícies. O mesmo
ocorre com os trocadores – seja por sedimentação, corrosão, cristalização ou outros
mecanismos – estas camadas de sólidos aumentam a resistência térmica da parede
dos tubos, prejudicando o desempenho do equipamento.

310 Trocadores de Calor


Figura 10 - Incrustação no feixe de um trocador casco e tubo

Em termos matemáticos, podemos entender as camadas de incrustação como termos


adicionais de resistência térmica. Geralmente, utilizamos a letra “f ” para indicar estas
resistências (devido ao termo em inglês para incrustação, “fouling”). Dessa forma,
sendo R f,i e R f,o os chamados fatores de incrustação das superfícies interna e externa,
respectivamente, podemos ajustar a expressão para o cálculo da resistência total da
seguinte forma:
 Do 
1 R f ,i ln  Di  R f ,o 1
Rtotal     
hi . Ai Ai 2.p.k .L Ao ho . Ao

Na tabela a seguir, alguns valores representativos de fatores de incrustação por unidade


de área são apresentados. Evidentemente, estes valores servem apenas como estimativa
para prever os possíveis efeitos na transferência de calor. Tabelas mais completas e
detalhadas podem ser encontradas em manuais mais específicos.
Tabela 2 - Fatores de incrustação representativos por unidade de área

Fluido Rf (m².K/W)
0,0001 (abaixo de 50 °C)
Água (destilada, marinha, fluvial)
0,0002 (acima de 50 °C)
Óleo combustível 0,0009
Vapor 0,0001
Refrigerantes líquidos 0,0002
Refrigerantes gasosos 0,0004
Vapores de álcool 0,0001
Ar 0,0004
Fonte: Çengel e Cimbala (2015, p. 636).

UNIDADE 8 311
Agora que temos nossos conceitos básicos definidos, vamos resolver um exemplo
para ilustrar estes cálculos. Ao longo desta unidade, estaremos sempre considerando
condições de regime permanente, propriedades constantes, com escoamento com-
pletamente desenvolvido e sem perda de carga.

1 EXEMPLO Considere um trocador de calor tubo duplo feito de aço inoxidável (k = 15,1 W/m.K),
cujos tubos possuem um diâmetro interno Di = 1,7 cm e diâmetro externo Do = 2,0 cm.
Sabe-se que os coeficientes de transferência de calor são hi = 750 W/m².K na superfície
interna e ho = 1250 W/m2.K na externa. O fluido quente entra a 110 °C e sai a 70 °C,
enquanto o fluido frio entra a 30 °C e sai a 60 °C, operando em contracorrente. Admi-
tindo os fatores de incrustação Rf,i = 0,0003 m².K/W e Rf,o = 0,0001 m².K/W, determine:
(a) a resistência térmica total do trocador de calor por unidade de comprimento (L = 1
m); (b) os coeficientes globais de transferência de calor Ui e Uo; (c) a média logarítmica
das diferenças de temperatura ao longo do equipamento (MLDT).

Solução:

O primeiro passo é fazer uma representação do sistema:

Fluido frio
Camada externa de incrustação
Parede do tubo

Camada interna de incrustação


Fluido quente
Fluido frio

Fluido quente

Di = 1,7 cm

hi = 750 W
DO = 2,0 cm m2 .K
2
hO = 1250 W Rf ,i = 0,0003 m .K W
m2 .K

m2 .K
Rf ,o = 0,0001 W

312 Trocadores de Calor


Para responder o item (a), basta resolver a equação:

 Do 
1 R f ,i ln  Di  R f ,o 1
Rtotal     
hi . Ai Ai 2.p.k .L Ao ho . Ao

Os únicos parâmetros não conhecidos são as áreas Ai e Ao , que podem ser facilmente
calculadas como a superfície de um cilindro:
Ai  2 . p . Ri . L  p . Di . L  p . (1, 7 . 102 m) . (1 m)  Ai  5, 34 . 102 m2
Ao  2 . p . Ro . L  p . Do . L  p . (2, 0 . 102 m) . (1 m)  Ao  6, 28 . 102 m2

Então, resolvendo a equação:

Rtotal 
1

2
0, 0003 m .K
W 
ln 2, 0
1, 7 
 750 W



m 2 .K 

 . 5, 34 . 102 m2
 5, 34 . 102 m 2
2 . p . 15, 1 W m.K
.1 m 
2
0, 0001 m .K 1 K
 W  Rtotal  0, 0466
 
2 2  1250 W  . 6, 28 . 102 m2 W
6, 28 . 10 m
 
 m 2 .K 

Em posse deste valor, basta recorrer à definição do coeficiente global de transferência


de calor para circuitos térmicos para responder ao item (b):

1 1
U .A  U
Rtotal Rtotal . A
1 1 W
Ui    401, 86
Rtotal . Ai  0, 0466 K
W  . 5, 34 . 10 2
m 2
 m2 . K
1 1 W
Uo    341, 71
Rtotal . Ao 0, 0466 K W  . 6, 28 . 10 2
m2  m2 . K

UNIDADE 8 313
Enfim, para o item (c), precisamos somente das temperaturas de entrada e saída
dos fluidos quente e frio, seguindo a definição de MLDT (note que o trocador está
operando em contracorrente):

q1  q2
q1  Tqen  T f sai | q2  Tqsai  T fen | MLDT 
q
ln 1
q2
q1  (110  60) C  q1  50 C
q2  (70  30) C  q2  40 C
50C  40C
MLDT   MLDT  44, 81 C
50
ln
40

Pronto! Acabamos de calcular alguns dos principais parâmetros acerca de trocadores


de calor. É um bom ponto de partida para aprimorar os seus conhecimentos acerca
desse conceito na engenharia. Como sugestão, procure levar o seu estudo um passo
adiante: refaça este exemplo sem considerar os fatores de incrustação (ou seja, como
se o trocador fosse novo, com R= f,i R=f,o 0 ) e observe a diferença obtida nos coefi-
cientes globais de transferência de calor. Você notará que o impacto das incrustações
é considerável e não pode ser menosprezado.

A essa altura, considerando trocadores de tubo duplo ou de casco e tubo, cabe o


questionamento: se temos um fluido quente e um fluido frio, qual deles deve escoar
pelo interior do tubo? Não existe uma resposta definitiva para esta pergunta, pois
vários aspectos devem ser considerados. Costuma-se, por exemplo, alocar fluidos
corrosivos nos tubos, os quais deverão ser feitos de materiais resistentes à corro-
são (geralmente mais caros). Se fosse colocado no casco, tanto os tubos quanto o
casco estariam sujeitos à corrosão. Outros aspectos, como incrustação, pressão e
turbulência também são chaves para esta decisão.
Fonte: adaptado de Araújo (2002).

314 Trocadores de Calor


Análise de
de Trocadores
de Calor

Vamos, agora, à etapa final do nosso estudo sobre


trocadores de calor. Até então, discutimos o funcio-
namento dos trocadores em seu nível mais funda-
mental, no contexto dos fenômenos de transporte.
Na prática, o engenheiro estará, geralmente, preo-
cupado com duas questões: projetar/selecionar um
trocador capaz de atender a uma determinada de-
manda do processo ou, então, prever as temperaturas
de saída das correntes quente e fria em um trocador
já definido. Este segundo caso é muito comum de
acontecer quando as indústrias já possuírem troca-
dores de calor antigos que podem ser aproveitados
em outra etapa do processo. Saber identificar o tro-
cador de calor que melhor atende a necessidade da
planta é uma tarefa clássica de um engenheiro que
trabalha com processos industriais.

UNIDADE 8 315
Como já foi mencionado, o projeto completo de trocadores de calor é uma ativida-
de bastante complexa. Aqui, iremos discutir o método MLDT de análise de trocadores,
que permite determinar um trocador de forma simples com os conceitos que vimos
até aqui. Acompanhe o desenvolvimento do exemplo a seguir.

2 EXEMPLO Em determinada indústria, um reservatório contém água a 25 °C. Para ser utilizada
no processo, é necessário que ela seja aquecida até 75 °C, com uma vazão de 1,5 kg/s.
O engenheiro opta pelo uso de um aquecedor, que consiste em um trocador de calor
de tubo duplo em contracorrente, em que o fluido quente será vapor superaquecido a
150 °C, disponível a uma vazão de 2 kg/s. O tubo interno possui parede de espessura
muito pequena, de modo que o seu diâmetro (interno e externo) pode ser considera-
do como 2,0 cm. Determine o comprimento necessário para este trocador de calor,
admitindo que para esta aplicação o coeficiente global de transferência de calor é de
1000 W/(m².K). Adote: cágua = 4,18 kJ/(kg.K); cvapor = 2,00 kJ/(kg.K).

Solução:

Primeiramente, note que não conhecemos a temperatura de saída do fluido quente,


informação que é necessária para o cálculo de MLDT. Em seguida, perceba que agora
estamos trabalhando com vazões mássicas, de modo que os calores específicos podem
ser utilizados para calcular a quantidade de calor trocado entre os fluidos. Vimos esta
definição na unidade anterior, dada pela equação (na forma de vazão):

Q  m . c . T  m . c . T2  T1 

Com isso, podemos avaliar o calor que deve ser fornecido ao fluido frio:

Q  m água . cágua . Tágua  1, 5 kg  s  .  4,18 kJ kg.K  . (75C  25C)


Q  313, 5 kJ  313, 5 kW
s

Respeitando a conservação de energia, esta deve ser a taxa de calor cedido pelo fluido
quente. Então, podemos calcular a temperatura de saída do fluido quente conside-
rando que não há mudança de fase:
Q
Q  m . c . T2  T1   Tq ,2   Tq ,1
m vapor . cvapor

Tq ,2 
 313, 5 kW   150C  Tq ,2  71, 6C
 2,, 0 kg
s 
. 2, 00 kJ
kg .K 
316 Trocadores de Calor
Observe que o sinal negativo indica que o calor saiu do fluido quente (a temperatura
de saída tem que ser menor que a de entrada). Agora, o MLDT é facilmente calculado
pela definição. Em contracorrente:
q1  Tqen  T f sai  150C  75C  q1  75C
q2  Tqsai  T fen  71, 6C  25C  q2  46, 6C
q1  q2 75C  46, 6C
MLDT    MLDT  59, 7C
q1 75
ln ln
q2 46, 6

Então, pode-se calcular a área de troca térmica necessária para o trocador com base
no conceito de coeficiente global de transferência de calor:
Q
Q  U . A . T  U . A . MLDT  A 
U . MLDT
313500 W
A  A  5, 25 m2
 1000 W  . 59, 7C
 2 
 m .K 
Por fim, sabemos que se trata de um trocador de calor de tubo duplo. Logo, esta área
A pode ser calculada como a área superficial de um cilindro. Utilizando esta ideia,
podemos chegar ao comprimento do tubo, que é o nosso parâmetro procurado:

A
Ap.D.L  L 
p.D
5, 25 m2
L  L  83, 56 m
p . 0, 02 m

Agora, analise este resultado por um momento: para cumprir a troca térmica desejada,
é necessário que o trocador tenha mais de 80 metros de comprimento, o que é impra-
ticável. Neste caso, trocadores de placas ou de casco e tubo seriam mais adequados.
Como visto, é relativamente fácil fazer estimativas simples acerca dos parâmetros
de um trocador de calor de tubo duplo, devido, principalmente, à sua simplicidade
geométrica, que facilita a descrição da transferência de calor. Até agora, nossa atenção
esteve voltada para os trocadores de escoamento em contracorrente em trocadores
de tubo duplo, mas ideias semelhantes podem ser trabalhadas para os trocadores de
casco e tubo.
Volte à Figura 4, em que mencionamos que os trocadores de casco e tubo são
classificados quanto aos seus “passes”. Vamos, então, definir isto mais claramente: um
passe é o percurso do fluido de um lado a outro do trocador de calor. Se o fluido que
escoa pelo tubo entra através de um bocal, percorre o trocador de ponta a ponta uma

UNIDADE 8 317
única vez e sai pelo outro bocal. Este trocador terá uma passagem ou um passe no
lado do tubo. O mesmo raciocínio vale para o casco, mesmo que o percurso cruze o
feixe várias vezes. Por convenção, um trocador de calor casco e tubo n-m implica n
passagens no casco e m passagens no tubo.
Embora o escoamento puramente contracorrente seja o tipo de escoamento que
apresenta maior eficiência para efeitos de troca térmica, pode ocorrer, no entanto, que
seja interessante utilizar configurações de trocadores de calor nas quais o fluido que
escoa nos tubos possa passar, antes de sair do equipamento, duas vezes no interior
do trocador. Neste caso, o equipamento é chamado trocador 1-2. Ao analisarmos os
perfis de temperatura, podemos compará-lo com um trocador 1-1 pelo diagrama
da figura a seguir:

Trocador 1-1 Trocador 1-2


T T

Tqen Tqen
Tqsai

Tfsai Tfsai
Tqsai

Tfen
Tfen

Comprimento Comprimento

Figura 11 - Perfis de temperatura para um trocador 1-1 e um trocador 1-2


Fonte: os autores.

No primeiro caso, temos o trocador 1-1 em contracorrente. A curva superior repre-


senta a queda de temperatura da corrente quente ao longo do trocador. O inverso
ocorre com a corrente fria, representada na curva inferior. No segundo caso, temos o
trocador 1-2 e duas passagens do fluido frio nos tubos do trocador. Nestas condições,
a corrente fria tem um comportamento diferenciado, sendo acrescida até um valor
intermediário e, posteriormente, a um outro valor mais elevado. A corrente quente
tem um comportamento semelhante ao primeiro caso.
Se houver duas passagens no lado tubo, uma delas estará em paralelo com o fluido do
casco, enquanto a outra estará em contracorrente. Portanto, para o trocador de calor 1-2,
a velocidade do fluido será o dobro da obtida no trocador 1-1. O aumento da velocidade
acarreta aumento do coeficiente de transferência por convecção (h) e do coeficiente
global (U), resultando em menor área de troca e promovendo a redução de incrustação.
Contudo, a perda de carga será maior, o que pode dificultar a configuração da instalação.

318 Trocadores de Calor


Nas situações em que os trocadores de calor apresentam mais de uma passagem
nos tubos, a verdadeira diferença de temperaturas já não é mais calculada razoavel-
mente apenas pelo método MLDT, sendo necessário utilizar um fator de correção
(F) para encontrá-la:
DTreal = F . MLDT

A interpretação física deste fator F é a seguinte: havendo mais de uma passagem nos
tubos, o escoamento é parcialmente contracorrente e parcialmente paralelo. Com
isso, se MLDT é a diferença média de temperatura no escoamento contracorrente (o
mais eficiente em termos de troca térmica), então a diferença média real de tempe-
ratura deve ser menor do que MLDT. Por isso, o valor de F varia de 0 a 1, adotando
um valor mínimo de 0,8 – caso o trocador em estudo apresente valor de F inferior,
seu uso é inviabilizado e busca-se uma configuração melhor, pois utilizar trocadores
com valores de F abaixo de 0,75 pode implicar problemas operacionais no caso de
pequenas variações de temperatura.
O fator de correção F depende da geometria do trocador de calor e das tempe-
raturas de entrada e saída dos fluidos quente e frio. Aqui, não iremos nos preocupar
em mostrar e utilizar estes diagramas, mas eles são relativamente simples e podem
ser encontrados no livro escrito por Kern (1980, p. 649 a 654) ou em conteúdos dis-
ponibilizados pela TEMA (Tubular Exchangers Manufacturer Association).
Dito isso, podemos calcular a taxa de transferência de calor pela seguinte relação:

Q  U . A . Treal  U . A . F . MLDT

Ilustraremos o uso desta equação com nosso último exemplo desta unidade!

3 EXEMPLO Um trocador de casco tubo 2-4 (leia-se: duas passagens no casco e quatro passagens
nos tubos) é utilizado para resfriar um óleo na temperatura de 90 °C para 50 °C, uti-
lizando água como fluido de resfriamento, a qual entra no equipamento a 30 °C e sai
a 60 °C. A espessura da parede do tubo é muito fina, de modo que um único diâmetro
pode ser considerado (D = 1,5 cm). Além disso, o comprimento total do tubo é de 75
m. Para as vazões empregadas, estas condições de temperatura fornecem coeficientes
convectivos de hc = 30 W/m².K para o fluido no casco e ht = 150 W/m².K para o fluido
no interior dos tubos. Determine a taxa de transferência de calor no trocador. Após um
certo tempo de uso, uma incrustação externa com Rf,o = 0,0006 m².K/W é formada.
Qual a nova taxa de transferência de calor? Em ambos os casos, adote F = 0,91.

UNIDADE 8 319
Solução:
Água de
resfriamento
30°C

50°C

Óleo
quente

90°C

60°C

Primeiramente, tenha em mente que nosso objetivo é resolver a equação:

Q = U . A . F . MLDT

Como já nos foi dado F, restam três termos a serem determinados. Começando pela
área, é razoável calculá-la como a superfície de um tubo cilíndrico:

A  p . D . L  p .  0, 015 m  . (75 m)  A  3, 53 m2

Em seguida, como conhecemos todas as temperaturas de operação, podemos calcular


o MLDT:
q1  Tqen  T f sai  90C  60C  q1  30C
q2  Tqsai  T fen  50C  30C  q2  20C
q1  q2 30C  20C
MLDT    MLDT  24, 66C
q1 30
ln ln
q2 20

Então, resta calcular o coeficiente global de troca térmica do trocador. Como a parede
do tubo é muito fina, podemos desprezar a resistência térmica da parede, de modo
que a seguinte equação é válida:

1 1 1 h .h
   U t c
U ht hc ht  hc

Resolvendo, temos:
 150 W  .  30 W 
 2   2 
U  m . K   m . K   U  25 W
 150 W

   30 W
 

 m 2 .K
2 2
 m .K   m .K 

320 Trocadores de Calor


Agora, basta substituir na equação para calcular a taxa de transferência de calor:

 
Q   25 W 2  . 3, 53 m2 . 0, 91 .  24, 66C   Q  1980, 38 W
 m .K 

Feito isso, devemos avaliar o caso com incrustação. Consideraremos que a área e o
MLDT são os mesmos, de modo que a única diferença será no cálculo do coeficiente
global de transferência de calor, em que devemos acrescentar o termo de resistência
da incrustação:

1
1 1 1 1 1 
  Rf   U    Rf  
U ht hc  ht hc 
1
 
 1 m 2 .K 1  W
U   0, 0006    U  24, 63
  150 W 2  W  30 W  m 2 .K
 
 m .K   m 2 .K  

E então:

 
Q   24, 63 W 2  . 3, 53 m2 . 0, 91 .  24, 66C   Q  1951 W
 m .K 

Como esperado, a taxa de transferência de calor diminui devido à presença da in-


crustação. Contudo, esta queda foi relativamente pequena – fato este que ocorre
principalmente devido aos coeficientes de convecção serem relativamente baixos.
Mais uma unidade chega ao fim! Aqui, utilizamos os conhecimentos obtidos na
unidade anterior para conhecer mais sobre os trocadores de calor, equipamentos
importantíssimos para a indústria e para a rotina do engenheiro. Obviamente, um
projeto completo de um trocador de calor iria além da abordagem da transferência
de calor: é importante também avaliar aspectos, tais como as perdas de cargas do
processo, limitações de espaço físico, facilidade de manutenção e limpeza, a natureza
dos fluidos que serão utilizados (quanto à corrosão e incrustação, por exemplo) e, até
mesmo, a distância entre os tubos de um feixe influencia nos coeficientes convectivos
alcançados. Para finalizar nosso estudo dos fenômenos de transporte, iremos dedicar
a última unidade deste material para o estudo da transferência de massa!

UNIDADE 8 321
Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Um experimento em laboratório emprega um trocador de calor duplo tubo


que trabalha com água no tubo interno (temperatura média de 30 °C) e óleo na
região anular (temperatura média de 75 °C). O tubo interno é feito em cobre,
com uma espessura de parede muito fina, de modo que o seu diâmetro pode
ser aproximado para 1,5 cm. Com os dados do experimento, verifica-se que o
número de Nusselt no tubo interno é de, aproximadamente, Nui = 250, e na
região anular é de Nuo = 10. Determine o coeficiente global de troca térmica
deste trocador, sabendo que: kágua = 0,65 W/(m.K) e kóleo = 0,15 W/(m.K).

2. Os condensadores – equipamentos destinados à remoção de calor latente de um


vapor – são, essencialmente, trocadores de calor. Condensadores são utilizados,
por exemplo, em colunas de destilação para a produção de etanol combustível.
Considere o condensador representado na figura a seguir, em que o vapor é
condensado utilizando uma corrente de água como fluido frio. Sabendo que a
área de troca térmica dos tubos é de A = 30 m2 e que o coeficiente global de
transferência de calor para este equipamento é de U = 3500 W/(m2.K), nesse
contexto, determine a vazão mássica necessária de água de refrigeração. São
dados: calor específico da água c = 4,18 kJ/kg.K; calor latente de vaporização da
água L = 2256 kJ/kg.
Vapor
40°C

Água de
resfriamento
15°C

25°C

40°C
Fonte: adaptada de Çengel e Cimbala (2015).

322
3. Um radiador automotivo funciona como um trocador de calor em escoamento
cruzado (ou seja, nem contracorrente nem em paralelo, como no esquema a
seguir), em que os fluidos são água e ar. Esta peça possui 35 tubos cujo diâmetro
interno é de 0,5 cm, cada um com comprimento de 70 cm e distribuídos ao longo
de uma matriz de placas aletadas. Considerando que a vazão mássica de água
(fluido quente) é de 0,5 kg/s, determine o coeficiente global de transferência
de calor deste radiador com relação à superfície interna dos tubos (Ui). Adote
o calor específico da água como 4,18 kJ/kg.K e um fator de correção F = 0,95.
85°C

Ar
25°C
45°C

Água
60°C
Fonte: adaptada de Çengel e Cimbala (2015).

323
LIVRO

Trocadores de Calor
Autor: Everaldo Cesar da Costa Araujo
Editora: Editora da Universidade Federal de São Carlos (EdUFSCar)
Sinopse: essa obra apresenta os fundamentos sobre os tipos e o projeto de
trocadores de calor, focando principalmente nos modelos “casco e tubo”. Serve
como texto de apoio didático sobre o assunto para alunos em nível de graduação
e pós-graduação.
Comentário: escrito com base na experiência de anos ministrando o tópico “Tro-
cadores de Calor” para o curso de Engenharia Química da UFSCar, este material
é utilizado como referência em diversos cursos de engenharia do Brasil, sendo
um excelente recurso escrito originalmente em português para conhecer mais
sobre estes equipamentos fundamentais para a indústria.

324
ARAÚJO, E. C. da C. Trocador de Calor. 1. ed. São Carlos: Editora da Universidade Federal de São Carlos
(EdUFSCar), 2002.

ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3. ed. Brasil: AMGH
Editora, 2015.

KERN, D. Q. Processo de transmissão de calor. Tradução de Horácio Macedo. Rio de Janeiro: Guanabara
Dois, 1980.

325
1. Como a espessura da parede do tubo pode ser desprezada, a seguinte relação é válida:

1 1 1
 
U hi ho

Para determinar os coeficientes convectivos hi e ho, devemos lembrar da definição do número de Nusselt,
apresentado na unidade anterior:

h . LC
Nu =
k
No caso de tubos cilíndricos, o comprimento característico LC é o próprio diâmetro do tubo. Então, podemos
rearranjar a equação para calcular cada coeficiente convectivo, uma vez que conhecemos as condutividades
térmicas dos dois fluidos (kágua e kóleo):

Nu . k
h
D

hi 
Nui . kágua


250 . 0, 65W
m.K   hi  10833, 3W
D 0, 015 m m 2 .K

ho 
W 
Nuo . kóleo 10 . 0, 15 m.K

  ho  100 W
D 0, 015 m m 2 .K

Agora, basta retornar na primeira equação para determinar o coeficiente global de transferência de calor U:

1
 
 1 1 
U   U  99, 1 W
 10833, 3W 100 W  m 2 .K
 
 m 2 .K m 2 .K 

Observa-se que U ≈ ho porque hi >> ho. Isto indica que a troca térmica é limitada pela convecção no casco.

326
2. A resolução deste exercício está pautada na conservação de energia: o calor latente que sai do vapor deve
ser equivalente ao calor sensível adicionado à água de refrigeração. Para quantificar este calor, recorremos
à expressão típica dos trocadores de calor:

Q = U . A . MLDT

O coeficiente global U e a área de troca térmica A foram fornecidos. MLDT pode ser facilmente avaliada pela
sua definição, uma vez que as temperaturas de entrada e saída estão identificadas no desenho:

q1  Tqen  T f sai  40C  25C  q1  15C


q2  Tqsai  T fen  40C  15C  q2  25C
q1  q2 15C  25C
MLDT    MLDT  19, 58C
q1 15
ln ln
q2 25

Com isso, podemos avaliar a taxa de calor trocado:

 
Q   3500 W 2  . 30 m2 . 19, 58C   Q  2056 kW
 m .K 

Pela definição do calor sensível, chega-se à vazão mássica necessária de água de refrigeração:

Q
Q  m . c . T2  T1   m água 

c . T f sai  T fen 
2056 kW
m água   m água  49, 19 kg
 4,18 kJ kg.K  .25C  15C  s

Encontramos a vazão solicitada pelo exercício (aproximadamente 50 kg/s). Caso necessário, poderíamos calcular
também a vazão de vapor utilizando a definição da conservação de energia: o calor latente que sai do vapor
deve ser equivalente ao calor sensível adicionado à água de refrigeração. Assim, temos que:

Q
Q  m . L  m vapor 
L
2056 kW kg
m vapor   m vapor  0, 911
2256 kJ s
kg

327
3. O parâmetro solicitado pelo exercício é o coeficiente global de transferência de calor do radiador com base
na superfície interna dos tubos (Ui). Além disso, como o escoamento não é perfeitamente em contracor-
rente, utiliza-se um fator de correção já fornecido. Com isso, para calcular Ui, devemos usar a equação:

Q = U i . Ai . F . MLDT

Em que a área de troca térmica Ai é calculada com base no diâmetro interno dos tubos. Como são 35 tubos
cilíndricos, esta área pode ser calculada como:

Ai  n . p . Di . L  35 . p . (0, 005 m) . (0, 70 m)


Ai  0, 385 m2
Como conhecemos as temperaturas de entrada e saída de ambos os fluidos, o cálculo de MLDT é imediato:

q1  Tqen  T f sai  85C  45C  q1  40C


q2  Tqsai  T fen  60C  25C  q2  35C
q1  q2 40C  35C
MLDT    MLDT  37, 44C
q1 40
ln ln
q2 35
Resta apenas determinar a taxa de transferência de calor. Para fazer isso, como conhecemos a vazão mássica
de água e o seu calor específico, é razoável afirmar que o calor trocado deve ser igual ao calor removido da
água, fazendo:

  
Q  m . c . Tqent  Tqsai  0, 5 kg
s  .  4,18 kJ kg.C  . 85C  60C 
Q  52, 25 kW  52250 W
Enfim, basta retornar à primeira equação para verificar Ui:

Q 52250 W
Ui  
Ai . F . MLDT  
0, 385 m2 . 0, 95 . 37, 44C

U i  3816, 72 W
m 2 .K

328
329
330
Dr. Rodrigo Orgeda
Esp. Henryck Cesar Massao Hungaro Yoshi

Introdução à
Transferência de Massa

PLANO DE ESTUDOS

Analogia entre os
Difusão Mássica
Fenômenos de Transporte

Conceitos Fundamentais Convecção de Massa

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Definir os conceitos básicos nos quais o fenômeno da • Estudar a transferência de massa entre uma superfície e
transferência de massa está pautado. um fluido em movimento, definindo os devidos números
• Empregar a Lei de Fick da Difusão e as condições de con- adimensionais.
torno envolvidas na análise da transferência de massa • Conhecer como os três fenômenos de transporte estuda-
unidimensional em regime permanente. dos ao longo da disciplina se relacionam.
Conceitos
Fundamentais

Caro(a) aluno(a), enfim chegamos à nossa últi-


ma unidade, em que estudaremos o fenômeno
da transferência de massa! Lembre-se que lá no
início, na Unidade 1, mencionamos os três fe-
nômenos que você estudaria: a transferência de
momento (na forma da mecânica dos fluidos), a
transferência de calor e a transferência de massa.
Ainda, afirmamos que a natureza destes fenôme-
nos é muito parecida, sendo possível empregar
modelos matemáticos análogos para descrevê-los.
Talvez isto ainda não esteja tão evidente para
você, em função de dois fatores: primeiro, por
termos abordado a transferência de momento
por uma perspectiva macroscópica, avaliando os
efeitos das forças associadas ao escoamento de
fluidos; segundo, porque guardamos o estudo das
chamadas analogias entre os fenômenos para o
final deste material, quando você já terá todos os
conceitos essenciais de cada fenômeno delineados
em seu conhecimento, facilitando a visualização
de como estão relacionados.
Para iniciarmos o estudo da transferência de massa, vamos começar com algumas
situações comuns da vida real que ilustram esse fenômeno. Primeiramente, imagine
que você derruba um pouco de água em cima de uma superfície sólida (como na
Figura 1). Sabemos, por questões de vivência e experiência, que eventualmente esta
pequena poça vai secar. Contudo, um observador (que não conhece bem o fenôme-
no da transferência de massa) poderia perguntar: se em condições normais a água
evapora a aproximadamente 100 °C, a água não deveria permanecer líquida sobre
a superfície? De fato, em uma primeira análise, esta pergunta parece fazer completo
sentido, afinal, se a substância não está em seu ponto de ebulição, é de se esperar que
ela não evapore. Então, por que isso acontece?

Figura 1 - Água derramada sobre uma superfície sólida

Para explicar este fenômeno, vamos imaginar mais uma situação. Você pega um copo
e coloca duas colheres de sal dentro dele. Em seguida, você o preenche com água.
Com isso, sabemos que a quantidade de sal no copo vai parecer diminuir, pois parte
dele se dissolverá na água. Se deixarmos o copo em repouso por bastante tempo, ou
se utilizarmos uma colher para mexer e misturar o conteúdo, veremos que ainda mais
do sal “desaparecerá”, ou seja, ficará dissolvido na água (veja a Figura 2).

Água Água
com sal

Sal

a) Antes b) Depois
Figura 2 - Dissolução de sal em água
Fonte: adaptada de Çengel e Ghajar (2012).

UNIDADE 9 333
Isto acontece porque a natureza tende a equilibrar este sistema: como há uma diferença
de concentração, surge um fluxo de sal (fase sólida) para a água (fase líquida), até que
esta fique completamente saturada. Em outras palavras: a diferença de concentração
é a força motriz do fenômeno da transferência de massa. Fazendo um paralelo com
a transferência de calor, deixar o copo em repouso (de modo que o sal vai gradual-
mente se dissolvendo até a água ficar saturada) seria a chamada difusão mássica,
semelhante à condução de calor (o transporte acontece molécula a molécula). Por
outro lado, mexer o conteúdo do copo com o objetivo de misturá-lo é justamente o
transporte convectivo de massa (devido ao movimento do fluido), sendo mais rápido
de atingir o equilíbrio.
Com isso em mente, voltemos ao exemplo da pequena poça de água sobre uma
superfície sólida. Se a temperatura está em condições ambiente, por que a água even-
tualmente evapora? A resposta é semelhante ao que discutimos para o copo de água
com sal: por causa da concentração de água no ar. Se o ar não está saturado de água,
ou seja, úmido como em dias de chuva, a natureza busca o equilíbrio do sistema,
criando um fluxo de água da poça (fase líquida) para o ar (fase gasosa). Caso não
haja movimento do ar em torno da poça, podemos dizer que o processo é difusivo.
Se quisermos acelerar essa evaporação, podemos ligar um ventilador direcionado à
poça – o processo passa a ser então convectivo e, caracteristicamente, mais rápido.
Nestes dois exemplos ilustrativos, é fundamental que você perceba como o fenô-
meno da transferência de massa é análogo à transferência de calor. O exemplo do
copo de água com sal em repouso é equivalente a colocar dois corpos com diferentes
temperaturas em contato – são situações de difusão mássica e condução térmica.
Ligar o ventilador para que a poça evapore mais rápido é equivalente a direcionar
um ventilador a um corpo quente para que ele esfrie mais rápido – são exemplos de
convecção mássica e convecção térmica.
De fato, muitos problemas que envolvem a transferência de calor, no fundo, tam-
bém envolvem questões de transferência de massa. Vamos considerar um terceiro
exemplo ilustrativo: a transpiração em corpos humanos. Dentre suas diversas funções,
é de conhecimento geral que o suor serve para promover a perda de calor (ou seja,
resfriamento do corpo); mas como isso acontece? De maneira relativamente simplista,
podemos entender este problema como uma mistura dos dois exemplos anteriores:
são gotículas de água sobre uma superfície que evaporam para o ar atmosférico
devido à diferença de concentração.

334 Introdução à Transferência de Massa


Figura 3 - Suor do corpo humano

Com isso em mente, baseado no que discutimos até aqui, a transferência de massa
parece evidente: se o ar não está saturado (úmido, chovendo), a água do suor que
está sobre a pele irá evaporar. E quanto à transferência de calor? Na realidade, ela
acontece por meio de uma forma discreta, mas importantíssima: através do calor
latente de vaporização. “Discreta”, porque este é um mecanismo de transferência de
calor que não está pautado, essencialmente, em diferenças de temperatura (lembre-se
que, para substâncias puras em geral, a mudança de fase acontece a temperaturas
constantes). “Importantíssima”, porque é capaz de remover calor do corpo mesmo
quando a temperatura ambiente é maior que a da pele.
Por causa destes aspectos, a transpiração humana não é somente um mecanismo
incrível de regulação de temperatura dos nossos corpos, mas também um excelente
exemplo de como os fenômenos de transporte atuam em conjunto na natureza. Se
quiséssemos, poderíamos ir mais adiante: ficar na frente de um ventilador quando
estamos suados promove um resfriamento intenso do corpo, devido à convecção.
Ainda, quanto maior for a velocidade do ventilador, maior será a vazão mássica de ar
passando sobre o corpo e mais turbulento será o escoamento (lembre-se do número
de Reynolds), amplificando ainda mais os fenômenos de transferência de momento,
calor e massa.

UNIDADE 9 335
O corpo humano perde calor por três mecanismos: condução, irradiação e evapo-
ração do suor. Se o ar ambiente estiver a uma temperatura maior que a da pele
(regulada metabolicamente em torno de 33 °C), a condução e a irradiação irão es-
quentar o corpo em vez de resfriá-lo, de modo que a evaporação do suor passa a
ser a única forma de dissipar o calor gerado pelo metabolismo corporal, regulando
a temperatura corporal interna em torno de 37 °C. A própria pele pode apresentar
diferenças de temperatura consideráveis – em um dia de neve, um homem registrou
as temperaturas de sua pele enquanto subia uma montanha, indicando cerca de
15 °C em seus pés enquanto seu peito estava a 32 °C.
Fonte: adaptado de Farzana (2001, on-line)1.

Estes exemplos devem ser suficientes para você começar a enxergar a transferência
de massa em situações do cotidiano. Como toda área da engenharia, agora que con-
seguimos observar o fenômeno, o passo seguinte é encontrar formas de equacioná-lo.
O objetivo deste material é fazer isso de forma bastante pragmática e introdutória – se
você consultar livros-texto mais tradicionais e específicos de fenômenos de transpor-
te, é comum encontrar uma abordagem muito mais extensa, rígida e minuciosa do
assunto, fazendo balanços de massa em diferentes geometrias, com reações químicas
heterogêneas e homogêneas e, até mesmo, trabalhando sistemas em regime transiente;
mas não se preocupe! Para cumprir com o escopo deste material, o fundamental é
apenas que você esteja bem situado com cálculos de concentração e frações mássicas
e molares, semelhante ao que foi abordado na Unidade 1. Sem mais delongas, vamos
dar sequência ao nosso trabalho!

336 Introdução à Transferência de Massa


Difusão
Mássica

Assim como tínhamos a Lei de Newton da Vis-


cosidade para a transferência de momento e a Lei
de Fourier da Condução para a transferência de
calor, na transferência de massa, teremos a Lei de
Fick da Difusão. Para uma mistura binária, ou seja,
que envolve duas espécies distintas A e B (como
água no ar, por exemplo), a Lei de Fick pode ser
expressa pelas equações:

m dif,A dwA
jdif,A   r . DAB .
A dx
ndif,A dy
jdif,A   C . DAB . A
A dx

UNIDADE 9 337
Em que a primeira está expressa em termos de massa e a segunda em termos do
número de mols. Os parâmetros presentes são:
• jdif,A : fluxo mássico do componente A por difusão – dimensão de massa por
 
unidade de tempo por unidade de área, por exemplo:  kg m2 . s  .
 
• jdif,A : fluxo molar do componente A por difusão – dimensão de mols por
 
unidade de tempo por unidade de área, por exemplo:  mol 2  .
 m . s
• m dif,A e ndif,A : vazões mássica e molar do componente A por difusão – dimen-
 
são de massa por unidade de tempo, por exemplo: kg s , mol s . 
• A : área normal à direção da transferência de massa (conceito análogo ao
desenvolvido na transferência de calor) – dimensões de área: m2 . 
• r : densidade da mistura binária r  r A  rB , com dimensões de massa por
unidade de volume, como por exemplo:  kg 3  .
 m 
• C : concentração molar da mistura binária C  C A  CB , com dimensões de mols
por unidade de volume, como por exemplo:  mol m3  .
• DAB : difusividade mássica (também chamada de coeficiente de difusão) da
espécie A na mistura binária A+B, com dimensões de comprimento ao qua-
2
drado por unidade de tempo, como por exemplo:  m s  .
 
• dwA e dy A : gradientes de fração mássica e molar na direção x, respectivamente,
dx dx
 
cujas unidades podem ser, por exemplo: 1 m .

Caso estes termos não tenham ficado tão claros para você, procure fazer a análise
dimensional de cada equação utilizando as unidades fornecidas. Essencialmente, o
significado físico da Lei de Fick da Difusão é em uma mistura de dois componentes
A e B. Havendo um gradiente de concentração, haverá um movimento das moléculas
dos componentes, da região de maior concentração para a de menor concentração – a
intensidade deste fluxo de massa será proporcional ao próprio gradiente e a constante
de proporcionalidade da equação é a difusividade mássica DAB .

Repare que as dimensões da difusividade mássica (comprimento ao quadrado por


unidade de tempo) são idênticas às dimensões da difusividade térmica (α) e da difu-
sividade de momento (ν), que chamamos anteriormente de viscosidade cinemática.
A unidade do SI para as três grandezas é justamente (m2/s).

338 Introdução à Transferência de Massa


Para as situações em que a densidade ( r ) e a concentração molar (C) da mistura forem
constantes, podemos também escrever as equações da Lei de Fick da Difusão nas formas:
drA
jdif,A   DAB .
dx
dC
jdif,A   DAB . A
dx
Esta simplificação costuma ser razoável para soluções sólidas ou soluções líquidas
bem diluídas. Além disso, é importante deixar claro que estamos tratando apenas da
difusão mássica unidirecional, assim como fizemos anteriormente para a transferência
de calor. Sistemas bidimensionais ou tridimensionais também podem ser estudados
pela Lei de Fick, mas fogem ao escopo desta unidade.
Antes de utilizarmos a Lei de Fick da Difusão em um exemplo, é importante mencionar
que os coeficientes de difusão DAB são geralmente determinados experimentalmente,
para condições bem definidas de temperatura, pressão e composição das misturas. Çengel
e Ghajar (2012) reuniram dados de diferentes trabalhos e obras, que estão sumarizados
nas quatro tabelas a seguir. Em geral, pode-se afirmar que a difusividade aumenta com a
temperatura e que é maior em gases e menor em sólidos. Além disso, em misturas binárias
de gases ideais, a difusividade DAB é igual à difusividade DBA .
Tabela 1 - Coeficientes de difusão binária de alguns gases em ar a 1 atm de pressão
Coeficientes de difusão binária (m2/s × 105)
T (K) O2 CO2 H2 NO
200 0,95 0,74 3,75 0,88

300 1,88 1,57 7,77 1,80


400 5,25 2,63 12,5 3,03
500 4,75 3,85 17,1 4,43
600 6,46 5,37 24,4 6,03
700 8,38 6,84 31,7 7,82
800 10,5 8,57 39,3 9,78
900 12,6 10,5 47,7 11,8
1000 15,2 12,4 56,9 14,1
1200 20,6 16,9 77,7 19,2
1400 26,6 21,7 99,0 24,5
1600 33,2 27,5 125 30,4
1800 40,3 32,8 152 37,0
2000 48,0 39,4 180 44,8
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 802).

UNIDADE 9 339
Tabela 2 - Coeficientes de difusão binária de misturas de gases diluídos a 1 atm

Substâncias T DAB Substâncias T DAB


A B (K) (×10-5 m2/s) A B (K) (×10-5 m2/s)
Ar Acetona 273 1,1 Argônio Nitrogênio 293 1,9
Ar Amônia 298 2,6 Dióxido de Benzeno 318 0,72
Carbono
Ar Benzeno 298 0,88 Dióxido de Hidrogênio 273 5,5
Carbono
Ar Dióxido de 298 1,6 Dióxido de Nitrogênio 293 1,6
Carbono Carbono
Ar Cloro 273 1,2 Dióxido de Oxigênio 273 1,4
Carbono
Ar Etanol 298 1,2 Dióxido de Vapor de 298 1,6
Carbono Água
Ar Éter etílico 298 0,93 Hidrogênio Nitrogênio 273 6,8
Ar Hélio 298 7,2 Hidrogênio Oxigênio 273 7,0
Ar Hidrogênio 298 7,2 Oxigênio Amônia 293 2,5
Ar Iodo 298 0,83 Oxigênio Benzeno 296 0,39
Ar Metanol 298 1,6 Oxigênio Nitrogênio 273 1,8
Ar Mercúrio 614 4,7 Oxigênio Vapor de 298 2,5
Água
Ar Naftalina 300 0,62 Vapor de Argônio 298 2,4
Água
Ar Oxigênio 298 2,1 Vapor de Hélio 298 9,2
Água
Ar Vapor de 298 2,5 Vapor de Nitrogênio 298 2,5
Água Água
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 803).

340 Introdução à Transferência de Massa


Tabela 3 - Coeficientes de difusão binária de soluções de líquidos diluídos e soluções sólidas a 1 atm

Substâncias T DAB Substâncias T DAB


B
A B
A (soluto) (solven- (K) (m2/s) (K) (×10-5 m2/s)
(soluto) (solvente)
te)
Dióxido de Borracha
Amônia Água 285 1,6 × 10-9 298 1,1 × 10-10
Carbono Natural
Borracha
Benzeno Água 293 1,0 × 10-9 Nitrogênio 298 1,5 × 10-10
Natural
Dióxido de Borracha
Água 298 2,0 × 10-9 Oxigênio 298 2,1 × 10-10
Carbono Natural
Cloro Água 295 1,4 × 10-9 Hélio Pyrex® 773 2,0 × 10-12
Etanol Água 283 0,84 × 10-9 Hélio Pyrex® 293 4,5 × 10-15
Dióxido
Etanol Água 288 1,0 × 10-9 Hélio 298 4,0 × 10-14
de Silício
Etanol Água 298 1,2 × 10-9 Hidrogênio Ferro 298 2,6 × 10-13
Glicose Água 298 0,69 × 10-9 Hidrogênio Níquel 358 1,2 × 10-12
Hidrogênio Água 298 6,3 × 10-9 Hidrogênio Níquel 438 1,0 × 10-11
Metano Água 275 0,85 × 10-9 Cádmio Cobre 293 2,7 × 10-19
Metano Água 293 1,5 × 10 -9
Zinco Cobre 773 4,0 × 10-18
Metano Água 333 3,6 × 10-9 Zinco Cobre 1273 5,0 × 10-13
Metanol Água 288 1,3 × 10-9 Antimônio Prata 293 3,5 × 10-25
Nitrogênio Água 298 2,6 × 10-9 Bismuto Chumbo 293 1,1 × 10-20
Oxigênio Água 298 2,4 × 10 -9
Mercúrio Chumbo 293 2,5 × 10-19
Água Etanol 298 1,2 × 10-9 Cobre Alumínio 773 4,0 × 10-14
Etileno
Água 298 0,18 × 10-9 Cobre Alumínio 1273 1,0 × 10-10
glicol
Meta-
Água 298 1,8 × 10-9 Carbono Ferro 773 5,0 × 10-15
nol
Clorofór- Meta-
288 2,1 × 10-9 Carbono Ferro 1273 3,0 × 10-11
mio nol
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 804).

UNIDADE 9 341
Tabela 4 - Coeficientes de difusividade binária da água em ar a 1 atm

DH O-Ar
T (°C) 2

(m2/s)
0 2,09 × 10-5
5 2,17 × 10-5
10 2,25 × 10-5
15 2,33 × 10-5
20 2,42 × 10-5
25 2,50 × 10-5
30 2,59 × 10-5
35 2,68 × 10-5
40 2,77 × 10-5
50 2,96 × 10-5
100 3,99 × 10-5
150 5,18 × 10-5
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 804).

1 EXEMPLO Desejamos comparar a difusão de dióxido de carbono (espécie A) em três meios dis-
tintos: ar, água e borracha natural (espécies B), a uma temperatura de 298 K e pressão
de 1 atm. Para tanto, calcule os fluxos mássicos da espécie A no ponto em que dCA/dx
= -1 kmol/(m3.m). Considere que a mistura esteja suficientemente diluída para que
a concentração molar total (C) possa ser admitida como constante. A massa molar
do CO2 é MMCO2 = 44 kg/kmol.

Solução:
Das Tabelas 1 e 3, podemos obter as difusividades para os três casos (aproximando
para o valor de T = 300 K na Tabela 1):

2
DCO2 -Ar  1, 57 . 10 5 m
s
2
DCO  2, 00 . 10 9 m
2 - Água s
2
DCO2 -Borracha  1, 10 . 10 10 m
s

Como C é uma constante, podemos usar a Lei de Fick da Difusão como:

dC A
jdif,A   DAB .
dx

342 Introdução à Transferência de Massa


Conhecidos os coeficientes DAB, resta apenas conhecer também a taxa de variação da
concentração molar da espécie A ao longo da direção x. O enunciado nos fornece o
valor dC A dx  1 kmol (m3 .m) , mas é importante ter claro o que este valor significa.
Considere o esquema a seguir:

Espécie A Espécie B

CA

X dC A
dx

Note que a concentração de CO2 (indicada no esquema por C A ) decresce ao longo


da direção x, afinal, estamos cada vez mais distantes da fonte da espécie A. Dessa
forma, o valor da variação dC A dx deve ser negativo. Além disso, a unidade kmol/
(m3.m), apesar de não parecer intuitiva, é simplesmente o resultado da divisão dos
valores infinitesimais:

 kmol 
 dC A  
 m3    kmol 
 dx   m   m . m 
3

 

Com isso, podemos calcular os valores desejados. Por exemplo, para a difusão do
CO2 em ar, teremos o fluxo molar:

2  
jdif, CO2 -Ar    1, 57 . 105 m  .  1 kmol 3 
 s   m . m
jdif, CO2 -Ar  1, 57 . 105 kmol 2
m .s

UNIDADE 9 343
Podemos entender este resultado fisicamente como: uma vazão de 1, 57 x 10−5 kmol
de CO2 por segundo atravessa cada metro quadrado de interface CO2 – ar. Agora,
podemos utilizar a massa molar do CO2 para determinar o fluxo mássico, por meio
da relação:
jdif,A = MM A . jdif,A

Então, para o CO2 em ar:

kg kmol
jdif, CO2 -Ar  MM CO2 . jdif, CO2 -Ar  44 . 1, 57 . 105 2
kmol m .s
jdif, CO2 -Ar  6, 91 . 104 kg 2
m .s

De forma semelhante, fazendo para a água e a borracha natural como espécies B,


teremos os fluxos mássicos:

jdif, CO  8, 80 . 10 8 kg
2 - Água m2 . s
jdif, CO2 -Borracha  4, 84 . 10 9 kg 2
m .s

Como se pode observar, para um mesmo gradiente de concentração, o fluxo mássico


é bastante superior no meio gasoso em relação a meios líquidos e sólidos.
No contexto da transferência de massa, vários outros conceitos de física e química
podem nos ajudar a compreender e solucionar os problemas. No estudo de misturas de
gases a baixas pressões, por exemplo, podemos considerar a condição de gases ideais
e, com isso, podemos empregar a Lei de Dalton das Pressões Parciais com facilidade.
Caso não se lembre, esta lei diz que a pressão total (p) de uma mistura de gases é igual
à soma das pressões parciais (pi) dos gases individuais da mistura:

p   pi

Para gases ideais, é fundamental que você se lembre da relação:

p .V = n . R . T

344 Introdução à Transferência de Massa


Em que p é a pressão, V é o volume, n é o número de mols, T é a temperatura e R é a
constante dos gases ideais ( 8,314 J (mol.K ) ). Isolando p nesta equação, podemos
avaliar a “fração de pressão” do componente i ( yi = pi p ) na mistura:

ni . R . T
pi V ni = y
= = i
p n . R .T n
V
Em outras palavras, esta relação demonstra que a fração de pressão do componente i
em uma mistura de gases ideais é equivalente à fração molar desta espécie na mistura.
Dessa forma, pressões são parâmetros importantíssimos quando estudamos a
transferência de massa envolvendo gases. Isto é verdade não somente para misturas
de gases, mas também para interfaces gás-líquido em soluções diluídas, em que as
frações molares de uma espécie i nas fases líquida e gasosa são proporcionais entre si:
yi,g ás a yi,lí quido

Como acabamos de ver, para uma mistura de gases ideais à pressão total p, podemos
expressar a fração molar da espécie i na fase gasosa como:

pi , gás
yi,g ás =
p

Combinando estas duas equações, podemos escrever:

pi , gás a p . yi,lí quido

Com isso, podemos utilizar uma constante de proporcionalidade (c) para transformar
esta relação em uma igualdade:
pi , gás = c . p . yi,lí quido

Enfim, define-se a constante H = c . p , a qual é chamada de constante de Henry,


característica da espécie em questão e função apenas da temperatura para baixas
pressões (abaixo de 5 atm). Observe que este parâmetro tem dimensões de pres-
são. Alguns valores da constante de Henry para diferentes soluções aquosas estão
apresentados na Tabela 5. Então, podemos rearranjar a equação anterior na forma
conhecida como Lei de Henry:

pi , gás
yi,lí quido =
H

UNIDADE 9 345
Tabela 5 - Constantes de Henry (em bar) para alguns gases em água a baixas e médias pressões

Soluto 290 K 300 K 310 K 320 K 330 K 340 K


H2S 440 560 700 830 980 1140
CO2 1280 1710 2170 2720 3220 -
O2 38000 45000 52000 57000 61000 65000
H2 67000 72000 75000 76000 77000 76000
CO 51000 60000 67000 74000 80000 84000
Ar 62000 74000 84000 92000 99000 104000
N2 76000 89000 101000 110000 118000 124000
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 807).

Algumas observações podem ser feitas sobre a Lei de Henry e os valores da Tabela 5.
A primeira delas é a de que quanto maior a constante de Henry, menor a concentração
de gás no líquido (são inversamente proporcionais). Por outro lado, quanto maior
a pressão parcial do gás, maior é a fração molar yi,líquido, de modo que pressurizar o
gás aumenta a quantidade de gás dissolvido no líquido. Além disso, a constante de
Henry aumenta com a temperatura – ou seja, um aumento de temperatura leva a uma
diminuição dos gases dissolvidos no líquido. Estes são alguns dos aspectos físico-quí-
micos que fundamentam os processos de absorção e separação de líquidos e gases.
Apesar de ser um recurso poderoso e matematicamente simples, o uso da Lei de
Henry está limitado a soluções gás-líquido diluídas, ou seja, com uma pequena quan-
tidade de gás dissolvido em líquido. Neste caso simples, a relação yi,lí quido x pi,g ás é
linear (afinal, H é uma constante que depende somente da temperatura). Para situa-
ções em que isto não é válido, ou seja, quando o gás é altamente solúvel no líquido
(ou no sólido), utiliza-se a chamada Lei de Raoult, dada por:
pi , gás y=
= i,g ás . p yi,lí quido . pi ,sat (T )

Em que pi,sat (T) é a pressão de saturação da espécie i na temperatura de interface


T. Valores para pressões de saturação de soluções mais usuais estão disponíveis em
livros e manuais, como misturas água-amônia, amplamente utilizadas em sistemas
de absorção-refrigeração.

2 EXEMPLO Considere uma garrafa de 500 ml de água com gás, mantida a 17 °C, cuja pressão
interna é de 355 kPa (aproximadamente 3,5 atm). Duas fases estão presentes: uma
fase gasosa (que pode ser considerada como uma mistura saturada de CO2 e vapor
de água) e uma fase líquida (que contém água e CO2 dissolvido). Admitindo que
este volume de líquido corresponde a uma massa de aproximadamente 500 g, de-

346 Introdução à Transferência de Massa


termine (a) a fração molar de vapor na fase gasosa e (b) a massa de CO2 dissolvido
na fase líquida. Massas molares: MMH₂O = 18 g/mol, MMCO₂ = 44 g/mol. Considere
psat,água(17 °C) = 1,96 kPa.

CO2
H2O

17 °C
355 kPa

Fonte: adaptada de Çengel e Ghajar (2015).

Solução:

Estamos considerando condições de gás ideal tanto para o CO2 quanto para o vapor
de água. Além disso, não estão sendo levadas em conta perdas de massa pelas pare-
des da garrafa (ou seja, a massa dentro da garrafa é constante). Como o CO2 é pouco
solúvel em água, podemos aplicar a Lei de Henry. Para tanto, podemos consultar a
Tabela 5, em que, para a misturar CO2 em água a 17 °C (≈290 K), temos H = 1280 bar.
Para responder ao item (a), basta analisarmos a fase gasosa. Sabemos que a pressão
no interior da garrafa é p = 355 kPa . Então, na condição de gás ideal, para determi-
narmos a fração molar de vapor, basta conhecermos a pressão parcial do vapor. Este
problema pode ser resolvido lembrando do conceito de pressão de vapor, discutido
brevemente na Unidade 6, que é a pressão exercida por um vapor quando este está
em equilíbrio termodinâmico com o líquido que lhe deu origem.
Em outras palavras, a pressão parcial do vapor na fase gasosa será simplesmente
a pressão de saturação da água (fase líquida). A 17 °C, o enunciado nos informa que:
pvapor,g ás = psat,á gua (17 °C) = 1,96 kPa . Então:

pvapor , gás 1, 96 kPa


yvapor,g ás    0, 0055
p 355 kPa

UNIDADE 9 347
Veja que, se os únicos componentes presentes são água e CO2, temos:

yvapor,g ás  yCO2 ,g ás  1
yCO2 ,g ás  0, 9945
pvapor,g ás  pCO2 ,g ás  p  pCO2 ,g ás  355 kPa  1, 96 kPa
pCO2 ,g ás  353, 04 kPa

Este resultado pode ser utilizado na Lei de Henry, relacionando a pressão parcial do
CO2 na fase gasosa com a fração molar de CO2 no líquido:

pCO2 ,g ás 3, 5304 bar


yCO2 ,lí quido    yCO2 ,lí quido  2, 76.1103
H 1280 bar
E assim como fizemos para a fase gasosa, temos na fase líquida:

yá gua,lí quido  yCO2 ,lí quido  1


yá gua,lí quido  0, 99724

Com isso, conhecemos as composições molares da fase líquida. É necessário, agora,


uma forma de relacionar a fração molar com a fração mássica, pois o enunciado pede
a massa de CO2 dissolvido na fase líquida. Evidentemente, a grandeza que faz esta
relação é a massa molar, mas como podemos utilizá-la para isso? Esta pergunta pode
ser respondida lembrando dos conceitos básicos que estudamos na Unidade 1, deter-
minando a massa molar média da mistura. Caso você não se lembre perfeitamente
bem de como fizemos isso anteriormente, não se preocupe, vamos pelo passo a passo.
Primeiro, consideramos a base de cálculo de 1 mol de fase líquida (n = 1). Como
conhecemos as composições molares ( yCO2 ,lí quido e y água ,lí quido ), podemos utilizar
a relação:
n i = yi . n

Pela nossa base de cálculo e as frações molares determinadas anteriormente, teremos:

2, 76.103 mol CO2  nCO ,lí quido


nlí quido  1 mol  2

 0, 99724 mol H 2O  nH 2O,lí quido

348 Introdução à Transferência de Massa


Então, podemos avaliar a massa correspondente a estes números de mol utilizando
a relação da massa molar de cada componente:

mi  MM i . ni
g 
mCO2  44 . 2, 76.103 mol  mCO2  0, 1244 g 
mol 
 mlí quido  18, 0747 g
g
mH 2O  18 . 0, 99724 mol  mH 2O  17, 9503 g 
mol 

Veja que mlí quido é a massa de líquido calculada para 1 mol de líquido, ou seja, a
massa molar média do líquido pode ser dita como:

mlí quido 18, 0747 g


MM lí quido    MM lí quido  18, 0747 g
nlí quido 1 mol mol

Caso este processo não tenha ficado claro, revisite a Unidade 1, em que tratamos deste
aspecto de forma mais minuciosa. Lembre-se que, na prática, o que fizemos aqui foi
simplesmente uma média ponderada das massas molares. Veja que, em posse deste
valor, podemos relacionar frações mássicas com frações molares:

mi MM i . ni MM i
=wi = = . yi
mmistura MM mistura . nmistura MM mistura

Utilizando esta relação para o CO2 na fase líquida:

44 g
MM CO2 mol . 2, 76.103
wCO2 ,lí quido  . yCO2 ,lí quido 
MM líquido 18, 0747 g
mol
wCO2 ,lí quido  6, 72.103

E com isso, se a massa de líquido é de, aproximadamente, 500 g, basta fazer uma
última operação para responder o problema:

mCO2 ,lí quido  mlí quido . wCO2 ,lí quido  500 g . 6, 72.103
mCO2 ,lí quido  3, 36 g

UNIDADE 9 349
Como você pôde ver neste exemplo, a solução de problemas de transferência de
massa exige que você esteja bastante refinado no trabalho com frações mássicas,
molares e leis físicas que relacionam estas grandezas com propriedades dos com-
ponentes e misturas. Com prática, estes conceitos devem se tornar tão casuais a
você quanto respirar.

Como já mencionado, os gases também podem se dissolver em sólidos, de acordo


com o tamanho da molécula, a estrutura e porosidade do sólido, entre outras carac-
terísticas. Tais processos podem ser bastante complexos, envolvendo, até mesmo,
reações químicas entre o sódio e o gás. Não iremos a fundo neste estudo, mas faremos
uma abordagem inicial do conceito de solubilidade (S): grandeza correspondente à
constante de proporcionalidade entre a concentração da espécie gasosa i na superfície
do sólido ( Ci,sólido ) e a pressão parcial da espécie i na interface gás-sólido ( pi,g ás ).
Em termos matemáticos, isso pode ser resumido na expressão:
Ci ,sólido = S . pi , gás

Em que a unidade da solubilidade pode ser, por exemplo, kmol/(m3.bar). A Tabela 6


apresenta solubilidades para alguns pares gás-sólido.
Tabela 6 – Solubilidade de alguns gases em sólidos

Gás Sólido T (K) S (kmol/m³.bar)


O2 Borracha 298 0,00312
N2 Borracha 298 0,00156
CO2 Borracha 298 0,04015
He SiO2 293 0,00045
H2 Ni 358 0,00901
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 808).

350 Introdução à Transferência de Massa


Além disso, é convencional também definir o conceito de permeabilidade (P) como
o produto da solubilidade (S) com o coeficiente de difusão do gás no sólido ( DAB ).
Este parâmetro é uma medição da capacidade do gás de penetrar o sólido em questão.
Sua unidade pode ser, por exemplo, kmol/(s.bar).

3 EXEMPLO Uma lâmina de borracha é exposta a gás nitrogênio a 25 °C e 4 bar. Considerando que
a interface gás-sólido esteja em equilíbrio termodinâmico, determine a concentração
molar de nitrogênio na superfície da lâmina (CN₂,sólido). Admitindo N2 = 28 g/mol, de-
termine também a concentração mássica do gás na superfície da lâmina (ρN2,solido).

Solução:

Da Tabela 6, temos que nestas condições de temperatura (25 °C = 298 K), a solubi-
3
lidade de N2 em borracha é de S = 0, 00156 kmol (m .bar) . Como conhecemos a
pressão do gás ( pN 2 ,gás = 4 bar ), basta utilizarmos a equação da solubilidade para
determinar a concentração molar:

kmol
CN 2 ,sólido  S . pN 2 ,g ás  CN 2 ,sólido  0, 00156 . 4 bar
m3 . bar
kmol
CN 2 ,sólido  0, 00624
m3
Para apresentar o resultado em termos mássicos, basta multiplicar pela massa molar
do gás:
kmol g
rN 2 ,sólido  CN 2 ,sólido . MM N2  rN 2 ,sólido  0, 00624 3 . 28
m mol
kg
rN 2 ,sólido  0, 17472 3
m
Estes resultados podem ser entendidos como: há 0,00624 kmol (ou 0,17472 kg) em
cada m3 de borracha em interface com o gás.

UNIDADE 9 351
Convecção
de Massa

Assim como discutido na transferência de calor,


existe também o conceito de convecção de massa.
De forma completamente análoga à Lei de New-
ton do Resfriamento, poderíamos expressar a taxa
de convecção mássica como:

m conv  hmassa . As . (Cs  C )

Em que hmassa é o coeficiente convectivo de


transferência de massa, As é a área da superfície
normal à convecção e ( CS  C ) é a diferença
de concentração entre a superfície e o fluido em
movimento. Esta analogia é válida para pequenas
taxas de transferência de massa, em que a espécie
que está passando por convecção corresponde a
menos de 10% da vazão total da mistura de gás
ou líquido. Aqui, a convecção também amplifica
a transferência de massa e também existe o con-
ceito de camada limite de concentração: a região
onde existem gradientes de concentração (veja a
Figura 4).

352 Introdução à Transferência de Massa


Tenha sua dose extra de conhecimento assistindo ao vídeo.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

ρA, ∞
V∞ Perfil de
concentração
Camada limite ρA, ∞
y de concentração

0
x ρA, s
Espécie A

Figura 4 - Desenvolvimento da camada limite de concentração para uma espécie A no escoamento


externo sobre uma superfície plana
Fonte: Çengel e Ghajar (2015, p. 831).

No nosso estudo sobre convecção de calor, mencionamos que o verdadeiro desafio


da transferência de calor é determinar os coeficientes convectivos (h). O mesmo
ocorre com a transferência de massa e, para tanto, diversos números adimensionais
são definidos para auxiliar no estudo e descrição de cada problema. Dessa forma,
focaremos nos conceitos que delineiam a convecção de massa e abordaremos ligei-
ramente o seu estudo prático no tópico a seguir.
O primeiro número adimensional que devemos mencionar é o número de Schmidt
(Sc), que compara a difusão de momento com a difusão mássica:
n difusividade molecular de momento
=
Sc =
DAB difusividade molecular mássica

Talvez não seja evidente, mas este número é análogo ao número de Prandtl (Pr)
definido na Unidade 7. Estes dois números estão intrinsecamente relacionados na
formação das camadas limite térmica e de concentração em escoamentos laminares.
Um número de Prandtl próximo de 1 ( Pr ≈ 1 ) indica que a difusão de momento e
de calor são semelhantes, de modo que as camadas limite de velocidade e de tempe-
ratura quase coincidem. O mesmo raciocínio se aplica para números de Schmidt
próximos de 1 ( Sc ≈ 1 ), indicando que a difusão de momento e de massa são seme-
lhantes, de modo que as camadas limite de velocidade e de concentração quase
coincidem.

UNIDADE 9 353
Com isso em mente, um pensamento intuitivo seria: “bem, se posso comparar as
camadas limite térmica e de concentração com a camada limite de velocidade, será
que posso comparar as camadas de temperatura e concentração entre si?”. E a resposta
para essa pergunta é sim, utilizando outro número adimensional, o chamado número
de Lewis (Le), definido como:
Sc a difusividade molecular t érmica
=
Le = =
Pr DAB difusividade molecular mássica

Apesar de estes números dizerem muito sobre as camadas limites do escoamento,


ainda não é evidente como eles nos ajudariam a determinar o coeficiente de convecção
mássica ( hmassa ). Na Unidade 7, vimos que a convecção de calor poderia ser estudada
com base no número de Nusselt, responsável por indicar o aumento da transferência
de calor como resultado da convecção frente à transferência de calor por condução.
E, pasme, existe um número análogo ao número de Nusselt para a transferência de
massa, o chamado número de Sherwood, definido pela seguinte expressão:

hmassa . LC
Sh =
DAB

Em que LC é o comprimento característico do escoamento. Não surpreendente, é


comum até mesmo encontrar bibliografias que se referem ao número de Sherwood
como “número de Nusselt mássico”.
Com estes números definidos, o estudo da convecção passa a ser uma análise do
escoamento, pois observa-se que, assim como o número de Nusselt é função dos
números de Reynolds e Prandtl, o número de Sherwood é função dos números de
Reynolds e Schmidt:
Nu = f (Re, Pr)
Sh = f (Re, Sc )

Então, surgem diversas correlações para diferentes condições de escoamento, flui-


dos e geometrias, que são capazes de determinar o coeficiente convectivo hmassa com
base nestes números adimensionais. Combinando os três fenômenos de transporte
(transferência de momento, calor e massa), chegamos, então, às analogias que regem
seus coeficientes todos simultaneamente.

354 Introdução à Transferência de Massa


Analogias entre
os Fenômenos
de Transporte

Imagine o caso hipotético em que todas as difu-


sividades são idênticas:

ν= α= DAB

Baseado nos números adimensionais que defini-


mos anteriormente, esta condição nos leva tam-
bém a:
= Sc
Pr = Le = 1

UNIDADE 9 355
Neste caso particular, os perfis normalizados de velocidade, temperatura e concen-
tração vão coincidir. Como resultado disto, temos também que:

f f v . LC hcalor . LC hmassa . LC
Re  Nu  Sh ou .  
2 2 n k DAB

Simplificando, como Pr = Sc = 1, podemos também escrever esta equação da seguinte


forma:
f Nu Sh
= =
2 Re . Pr Re . Sc

Esta relação é a chamada Analogia de Reynolds e é importantíssima para os fenôme-


nos de transporte, pois permite relacionar os coeficientes de atrito, de transferência
de calor e de transferência de massa entre si, parâmetros estes que, em uma primeira
observação, nem parecem ter relação um com o outro. Por conveniência, é comum
também determinar o número de Stanton, que pode ser dado nas suas formas térmica
e mássica, respectivamente:

hconv Nu
=
St t érmico =
r . v . c p Re . Pr
hmassa Sh
St m=
ássico =
v Re . Sc
E com isso, a analogia pode ser escrita como:

f
St= = Stt érmico = St mássico
2

Evidentemente, este é um caso muito específico e restrito. Ao longo da história, mui-


tos pesquisadores buscaram aprimorar a analogia de Reynolds, estendendo-a para
outros valores de Prandtl e Schmidt. Dentre estes trabalhos, destaca-se a Analogia
de Chilton-Colburn, proposta em 1934:
f 23
= St=
t érmico . Pr St mássico . Sc 2 3
2

Esta relação é válida para 0, 6 < Pr < 60 e 0, 6 < Sc < 3000 . Usando as definições dos
números de Stanton, podemos rearranjar estas equações formando as seguintes igualdades:

23 23
hcalor  Sc   α 
 ρ . cp .    ρ . cp .    ρ . c p . Le 2 3
hmassa  Pr   DAB 

356 Introdução à Transferência de Massa


Como você pode imaginar, esta última equação abre inúmeras portas no estudo dos
fenômenos de transporte, relacionando coeficientes e propriedades de fenômenos
(aparentemente) distintos. A estratégia é, então, utilizar estas analogias junto de cor-
relações experimentais para diferentes geometrias, possibilitando uma compreensão
unificada dos fenômenos de transporte.
Por simplicidade e valor conceitual, faremos aqui nosso último exemplo. Dentre
as várias correlações existentes, Çengel e Ghajar (2012) apresentam as seguintes para
o escoamento completamente desenvolvido em tubos circulares lisos:
• Escoamento laminar ( Re < 2300 ):

= , 66
Nu 3= Sh 3, 66

• Escoamento turbulento ( Re > 10000 ):

Nu  0, 023 . Re0,8 . Pr 0,4 (0, 7  Pr  160)


Sh  0, 023 . Re0,8 . Sc 0,4 (0, 7  Sc  160)
Vejamos, agora, um exemplo básico de como utilizar estas correlações.

4 EXEMPLO O interior de um tubo circular liso (D = 0,1 m) está molhado e, para secá-lo,
deseja-se utilizar uma corrente de ar disponível a 300 K e 1 atm. A velocidade
média do escoamento é de 2 m/s. Determine o coeficiente de transferência de
massa (hmassa) através da correlação para tubos lisos circulares. Utilize o resultado
obtido para determinar o coeficiente de transferência de calor através da Ana-
logia de Chilton-Colburn. Considere os seguintes dados, com propriedades do
ar seco para a mistura: Dágua-ar = 2,54.10-5 m²/s; ν = 1,562.10-5 m²/s; Pr = 0,7296;
ρar = 1,184 kg/m³; cp,ar = 1007 J/kg.K.

Solução:
Aqui, as considerações usuais são válidas: regime permanente, propriedades cons-
tantes e escoamento completamente desenvolvido. O primeiro passo é determinar
o número de Reynolds:

Re 
v.D

 s 
2 m .  0, 1 m 
 12804
n  1, 562.105 m2 

 s 

UNIDADE 9 357
Este valor indica que o escoamento é turbulento ( Re > 10000 ). Logo, para utilizar a
correlação adequada, é necessário calcular o valor do número de Schmidt (o número
de Prandtl foi fornecido). Pela definição:

 1, 562.105 m2 
n  s 
Sc    0, 615
DAB  2, 54.105 m2 

 s 

Repare que este valor é inferior à faixa proposta para utilização da correlação (mí-
nimo de 0,7). Entretanto, na ausência de outra mais apropriada, utilizaremos esta,
considerando que o valor encontrado será uma aproximação razoável. Com isso,
podemos determinar o número de Sherwood:

Sh  0, 023 . (12804)0,8 . (0,615)0,4  Sh  36, 6

E então, pela definição do número de Sherwood, chega-se ao coeficiente de trans-


ferência de massa:

hmassa . LC Sh . DAB
Sh   hmassa 
DAB LC
2
36,6 .  2, 54.105 m 
 s 
hmassa   9, 30.103 m
0, 1 m s

Em posse deste valor, podemos determinar o coeficiente de transferência de calor


utilizando a Analogia de Chilton-Colburn na seguinte forma:
23
 Sc 
hcalor  hmassa . r . c p .  
 Pr 

 
23
hcalor 
 9, 30.103 m 
.  1, 184 kg 3  . 1007 J
s  m  kg .K
 0,615 
. 
 0, 7296 
hcalor  9, 89 W 2
m .K

Com isso, concluímos a nossa breve introdução sobre os fenômenos de transferência


de massa e, junto disso, todo o nosso estudo de fenômenos de transporte cabível a
este material. Como você deve ter notado, esta unidade é de suma importância para
conciliar todos os conceitos que você viu até aqui; mas não se engane, o mundo dos
fenômenos de transporte é muito mais extenso e longo do que apresentamos aqui.
Sempre há algo que resta ser estudado!

358 Introdução à Transferência de Massa


Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução.

1. Considere o equilíbrio entre o ar e a superfície de um lago (veja a figura a seguir).


A temperatura é de 27 °C e a pressão atmosférica é de 130 kPa. Determine a
fração molar de ar dissolvido na superfície do lago. Para esta temperatura, a
pressão de saturação da água é de psat,água (27 °C) = 3,60 kPa. Considere condi-
ções de gás ideal.

Ar
Ar saturado par seco, gás

y ar seco, líquido
Lago
27 °C

359
2. Uma garrafa de 2 litros de refrigerante se encontra a 27 °C e 500 kPa. No seu
interior, observa-se a presença de duas fases em equilíbrio termodinâmico: uma
gasosa (contendo CO2 e vapor de água) e uma líquida (que pode ser aproximada
como uma solução de CO2 em água). Considerando condições de gás ideal e
que o volume de líquido corresponde a uma massa de, aproximadamente, 2 kg,
determine a massa de CO2 dissolvido na fase líquida. Massas molares: MMH2O =
18 g/mol, MMCO2 = 44 g/mol. Considere psat,água (27 °C) = 3,60 kPa.

CO2
Água

3. O interior de um tubo circular liso (D = 0,02 m) está molhado e, para secá-lo,


deseja-se utilizar uma corrente de ar disponível a 300 K e 1 atm. A velocidade
média do escoamento é de 1,6 m/s. Determine o coeficiente de transferência de
massa (hmassa) através da correlação para tubos lisos circulares. Utilize o resul-
tado obtido para determinar o coeficiente de transferência de calor através da
Analogia de Chilton-Colburn. Considere os seguintes dados, com propriedades
do ar seco para a mistura: Dágua-ar = 2,54.10-5 m²/s; ν = 1,562.10-5 m²/s; Pr = 0,7296;
ρar = 1,184 kg/m³; cp,ar = 1007 J/kg.K.

360
LIVRO

Fundamentos de Transferência de Calor e de Massa (7ª edição)


Autor: Frank P. Incropera, David P. Dewitt, Theodore L. Bergman, Adrienne Lavine
Editora: LTC
Sinopse: outra das principais obras que tratam dos fenômenos de transferência
de calor e de massa, sendo frequentemente usada na formação de estudantes
de graduação em engenharia e áreas semelhantes. Nesta versão atualizada, os
autores incluíram pesquisas e abordagens mais recentes, mantendo o conteúdo
alinhado com as tendências e desafios atuais para a engenharia.
Comentário: excelente livro para o estudo da transferência de calor e massa,
com vários exemplos de aplicação e exercícios interessantes. A abordagem pode
ser um pouco mais pesada para estudantes que não estejam acostumados com
cálculo diferencial e vetorial, mas, por isto, também serve como próximo passo
para aprimorar seus conhecimentos de engenharia.

361
ÇENGEL, Y. A.; GHAJAR, A. J. Transferência de Calor e Massa: uma abordagem prática. 4. ed. Brasil: AMGH
Editora, 2012.

WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de Momento, de Calor e de


Massa. 6. ed. São Paulo: Editora LTC – GEN (Grupo Editorial Nacional), 2017.

REFERÊNCIA ON-LINE

¹Em: https://hypertextbook.com/facts/2001/AbantyFarzana.shtml. Acesso em: 07 out. 2019.

362
1. Como estamos na condição de gás ideal e o ar é pouco solúvel em água, podemos utilizar a Lei de Henry
para resolver o problema. Pela Tabela 5, podemos ver que a 27 °C (300 K) a constante de Henry para o par
ar-água é H = 74000 bar.

Admitindo que o ar na superfície está saturado, a pressão parcial do vapor na fase gasosa será simples-
mente a pressão de saturação da água (fase líquida). Dessa forma:

sat ,água 3, 60 kPa


pvapor p=
=
Com isso, baseado na Lei de Dalton, podemos verificar a pressão parcial do ar (seco, ou seja, sem a pressão
parcial do vapor):

p  par seco,g ás  pvapor  par seco,g ás  130 kPa  3, 60 kPa


par seco,g ás  126, 40 kPa  1, 264 bar

Então, basta usar este resultado na Lei de Henry para chegar ao resultado desejado:

par seco,g ás 1, 264 bar


yar seco,lí quido    yar seco,lí quido  1, 71.105
H 74000 bar

2. A resolução deste exercício é bastante semelhante à do exemplo desenvolvido no texto. Estamos con-
siderando condições de gás ideal tanto para o CO2 quanto para o vapor de água. Além disso, não estão
sendo levadas em conta perdas de massa pelas paredes da garrafa (ou seja, a massa dentro da garrafa é
constante). Como o CO2 é pouco solúvel em água, podemos aplicar a Lei de Henry. Para tanto, podemos
consultar a Tabela 5, em que, para a mistura CO2 em água a 27 °C (≈300 K), temos H = 1710 bar.
Inicialmente, devemos analisar a fase gasosa. Sabemos que a pressão no interior da garrafa é p = 500
kPa. Então, na condição de gás ideal, para determinarmos a fração molar de vapor, basta conhecermos a
pressão parcial do vapor. Aqui, novamente, a pressão parcial do vapor na fase gasosa será simplesmente
a pressão de saturação da água (fase líquida). A 27 °C, o enunciado nos informa que: pvapor,gás = psat,água (27
°C) = 3,60 kPa. Então:

pvapor , gás 3, 60 kPa


yvapor,g ás    0, 0072
p 500 kPa

363
Se os únicos componentes presentes são água e CO2, temos:

yvapor,g ás  yCO2 ,g ás  1  yCO2 ,g ás  1  0, 0072


yCO2 ,g ás  0, 9928
pvapor,g ás  pCO2 ,g ás  p  pCO2 ,g ás  500 kPa  3, 60 kPa
pCO2 ,g ás  496, 40 kPa  4, 964 bar

Este resultado pode ser utilizado na Lei de Henry, relacionando a pressão parcial do CO2 na fase gasosa com a
fração molar de CO2 no líquido:

pCO2 ,g ás 4, 964 bar


yCO2 ,lí quido    yCO2 ,lí quido  2, 90.103
H 1710 bar

E assim como fizemos para a fase gasosa, temos na fase líquida:

yá gua,lí quido  yCO2 ,lí quido  1


yá gua,lí quido  0, 9971

Com isso, conhecemos as composições molares da fase líquida. Agora, consideramos a base de cálculo de 1
mol de fase líquida (n = 1). Como conhecemos as composições molares, (yCO ,líquido e yágua,líquido), teremos:
2

2, 90.103 mol CO2  nCO ,lí quido


nlí quido  1 mol  2

 0, 9971 mol H 2O  nH 2O,lí quido


Então, podemos avaliar a massa correspondente a estes números de mol utilizando a relação da massa molar
de cada componente:

mi  MM i . ni
g 
mCO2  44 . 2, 90.103 mol  mCO2  0, 1276 g 
mol 
 mlí quido  18, 0754 g
g
mH 2O  18 . 0, 9971 mol  mH 2O  17, 9478 g 
mol 

364
Veja que mlíquido é a massa de líquido calculada para 1 mol de líquido, ou seja, a massa molar média do líquido
pode ser dita como:

mlí quido 18, 0754 g


MM lí quido    MM lí quido  18, 0754 g
nlí quido 1 mol mol

Em posse deste valor, podemos relacionar frações mássicas com frações molares:

mi MM i . ni MM i
=wi = = . yi
mmistura MM mistura . nmistura MM mistura

Utilizando esta relação para o CO2 na fase líquida:

44 g
MM CO2 mol . 2, 90.103
wCO2 ,lí quido  . yCO2 ,lí quido 
MM líquido 18, 0754 g
mol
wCO2 ,lí quido  7, 06.103

E com isso, se a massa de líquido é de, aproximadamente, 2 kg, basta fazer uma última operação para respon-
der o problema:

mCO2 ,lí quido  mlí quido . wCO2 ,lí quido  2 kg . 7, 06.103


mCO2 ,lí quido  14, 12.103 kg  14, 12 g

365
3. A resolução deste exercício é bastante semelhante à do exemplo desenvolvido no texto para as analogias
entre os fenômenos de transporte. As considerações usuais são válidas: regime permanente, proprieda-
des constantes e escoamento completamente desenvolvido. O primeiro passo é determinar o número de
Reynolds:

Re 

m 
v . D 1, 6 s .  0, 02 m 
  2048, 66
n  1, 562.105 m2 

 s 

Este valor indica que o escoamento é laminar (Re < 2300). Logo, para tubos circulares lisos, temos as correlações:

= , 66
Nu 3= Sh 3, 66

E então, pela definição do número de Sherwood, chega-se ao coeficiente de transferência de massa:

hmassa . LC Sh . DAB
Sh   hmassa 
DAB LC
2
3,66 .  2, 54.105 m 
 s 
hmassa   4, 65.103 m
0, 02 m s

Em posse deste valor, podemos determinar o coeficiente de transferência de calor utilizando a Analogia de
Chilton-Colburn na seguinte forma:

23
 Sc 
hcalor  hmassa . ρ . c p .  
 Pr 
 1, 562.105 m2 
ν 
 s 
Sc    0, 615
DAB  2, 54.105 m2 

 s 

 
23

hcalor  4, 65.10 3 m .  1, 184 kg 3  . 1007 J
s  m  kg . K
 0,615 
. 
 0, 7296 
hcalor  4, 95 W 2
m .K

366
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CONCLUSÃO

Nossa breve caminhada pelo mundo dos fenômenos de transporte chega ao fim! Se você
seguiu uma rotina de estudos equilibrada e consistente, com certeza neste momento
você possui uma base conceitual suficiente para continuar seguindo em frente, com
a perspectiva não só de um engenheiro, mas de um observador da natureza. Ao longo
da escrita, nosso intuito enquanto autores era simples: prover, a você, uma abordagem
objetiva, descomplicada, útil e com alto valor conceitual. De qualquer forma, agora você
conhece as mais importantes referências caso necessite relembrar algum conceito ou ir
mais a fundo em um determinado assunto relacionado aos fenômenos de transporte.
Vamos aproveitar este momento para fazer uma breve recapitulação do que você
aprendeu. Na Unidade 1, começamos nossos estudos sobre os fenômenos de transporte
de momento, calor e massa, desenvolvendo também as ideias básicas sobre balanços
materiais. Na Unidade 2, demos nossos primeiros passos no contexto da chamada mecâ-
nica dos fluidos, conhecendo-os e definindo suas propriedades. Isto se prolongou nas 4
unidades subsequentes: estudamos a estática e a cinemática dos fluidos, desenvolvemos
o conceito de balanço energético para chegar à famosa equação de Bernoulli e desven-
damos os efeitos das perdas de carga para escoamentos em condutos forçados. Então, nas
Unidades 7 e 8, migramos para o contexto da transferência de calor, chegando até a tratar
brevemente sobre trocadores de calor, equipamentos fundamentais para a indústria em
geral. Finalmente, na Unidade 9, demos nosso último passo apresentando a transferência
de massa, em que finalizamos nossa jornada conciliando os fundamentos estudados na
forma da analogia entre os fenômenos de transporte.
Dito isso, lembre-se que não existem atalhos e nem fronteiras para o conhecimento!
Experimente usar alguns dos livros que recomendamos ao longo deste material e con-
tinue se aprimorando. Na sua vida profissional, sempre que você se deparar com um
problema de engenharia, lembre-se de analisá-lo segundo a perspectiva dos fenômenos
de transporte, pois os fundamentos, às vezes, podem resolver problemas complexos de
maneira simples, mas eficiente para a situação. Esperamos que esta experiência tenha
sido proveitosa e agradecemos sua dedicação e leitura. Até a próxima!

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