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A Ética Do Discurso Religioso, Entre o Estratégico e o Comunicativo
A Ética Do Discurso Religioso, Entre o Estratégico e o Comunicativo
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Luiz Signates
Universidade Federal de Goiás
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Luiz Signates
Resumo:
Introdução
A história do pensamento moderno tem sido a história da perda da força dos argumentos
religiosos e da capacidade de conferir explicações ao mundo a partir dos dogmas e fundamentos
absolutos. O pensamento religioso tem perdido a capacidade de explicar o mundo objetivo para as
ciências naturais, o mundo intersubjetivo para as ciências humanas e sociais e, mais recentemente, o
mundo subjetivo para as disciplinas psicológicas e psicanalíticas. A esfera religiosa acabou sendo
transferida para o movediço território do místico, o misterioso que precisou se pretender inexplicável por
definição, tal a essencialidade subjetiva presumida.
Texto inscrito no GT Comunicação e Religiosidade do XXI Congresso da Sociedade Brasileira de Pesquisadores da Comunicação
– Intercom, em setembro de 1999, no Rio de Janeiro – RJ.
Luiz Signates é jornalista e professor assistente da Universidade Federal de Goiás. Especialista em Políticas Públicas pela UFG,
e Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília, Doutor em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo.
esfaimado –, a religião manteve-se forte, em sua capacidade de aglutinar multidões e exercer fascínio e
poder sobre populações inteiras.
Uma pretensa filosofia materialista da consciência, que atribua tal realidade social à ignorância e
à miséria, sofre a dura crítica de ser contrafática (não é de modo algum evidente que os religiosos
estejam somente ou mesmo principalmente entre tais categorias, por mais iluministas ou elitistas sejam
os critérios que se possa utilizar), perdendo assim seu aspecto materialista, já que acaba
fundamentando-se num posicionamento de natureza ideológica. Trata-se, além disso, de uma
formulação simplista e pretensiosa, porque deixa de considerar ou subconsidera aspectos fundamentais
dos processos de sociabilidade, cultura e construção de sentidos e significados nas sociedades
modernas e contemporâneas.
A religião de fato não morreu. Isso, porém, não significa que tenha passado incólume às
transformações históricas e culturais da modernidade. Efetivamente, a religião se modernizou, no sentido
filosófico de adequar-se de forma negociada aos sentidos da modernidade. Trata-se, a modernização da
religião, de uma movimentação histórico-social cujas origens podem ser encontradas na extraordinária
conjunção operada pelo cristianismo entre as orientações sócio-culturais de pelo menos três sentidos da
antigüidade: a pretensão universalista da filosofia grega, a monoteísta da cultura judaica e a imperialista
da história romana. Tal conjunção ajuda sobremaneira a compreender a construção Católica (universal)
que transfunde o “um só Deus” do compromisso identitário judaico para o “único Deus”, transpondo um
privilégio local para o plano de uma postulação de validade absoluta, e dentro desse sentido,
lançando-se aos projetos de conquista e hegemonia do mundo.
É trivial considerar que tais sentidos não se restringe à esfera da crença, mas constitui-se em
racionalidade fundante da modernidade ocidental. Quando a superação da Idade Média irrompe na
forma da laicização do Estado e da sociedade, as construções científica e filosófica mantiveram, apesar
da ruptura com certas formas de teísmo, o projeto cristão praticamente intocado, no plano das práticas e
dos sentidos. O humanismo, entretanto, no campo da religiosidade, determinou as condições de
sobrevivência da religião, ao redimensionar esse projeto ao que talvez possa ser chamado de
monoteísmo mitigado, ou seja, a um quase politeísmo estruturado a partir da diversidade de crenças a
maioria das quais, cada uma, monoteísta à sua maneira. Eis que, lentamente, com a fundação da
sociedade de mercado, evidencia-se o que se traduz pela pós-modernização da religião.
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capitalista da concorrência implantou a disputa por mercados entre as instituições ideológicas e jurídicas
nas quais se materializaram as referencialidades fragmentárias. Nasce a religião pós-moderna, para a
qual o movimento New Age talvez seja o mais bem acabado exemplo (Terrin, 1992).
Aplicada às movimentações religiosas, independente da validade que tais sentidos possam ter
para outras esferas sociais, a modernização da religião engendrou, desde a expansão do cristianismo a
partir de Paulo de Tarso, uma característica típica de discursividade: o conversionismo, que aqui
conceituamos como sendo o uso argumentativo e/ou performático da linguagem para modificar vínculos
religiosos, práticas rituais e disposições de crença. No quadro de uma pós-modernização da prática
religiosa, é possível identificarmos o aprofundamento da natureza performática dessa discursividade,
sobretudo pela emergência das práticas carismáticas e pentecostais das igrejas, de certa forma já
existentes nos ritos mediúnicos e nas diversas formas de mentalismo, fluidicismo e comportamentalismo
das demais tradições.
O recorte deste artigo, contudo, não pode abranger todos esses sentidos. Ficaremos com a
modernização e com a sua discursividade característica, o conversionismo. Dois aspectos distinguem
esse processo, podendo ser tomados como espaços heurísticos de pesquisa e também como categorias
de análise: a institucionalidade e a discursividade. A primeira diz respeito às formas concretas de
organização dos conteúdos e práticas religiosos e a segunda refere-se aos jogos discursivos dentro dos
quais as imagens religiosas de mundo e os rituais institucionalizados se movimentam no espaço social.
Numa perspectiva habermasiana – que parcialmente é a deste trabalho –, tais espaços podem
ser categorizados como sendo as interações sistêmicas e as relacionadas ao mundo da vida, tratadas a
partir do âmbito da esfera religiosa. Cada um desses tipos de interação implica uma orientação
específica, como coordenadora de ações sociais: estratégico-instrumental, no âmbito sistêmico, e
comunicativa, no quadro do mundo da vida. Este artigo pretende, por problemas de espaço, limitar-se à
questão da discursividade e, nesse sentido, levantar o problema do discurso conversionista, explícito em
algumas denominações religiosas e implícito em outras, procurando assim verificar até que ponto esse
discurso se movimenta dentro de uma lógica estratégico-instrumental ou de uma lógica comunicativa.
Essa tipificação é construída por Habermas (1981) a partir da crítica que faz à teoria weberiana
da ação. Habermas questiona a limitação da teoria de Max Weber a contextos exclusivamente
teleológicos, isto é, orientados a objetivos. A opção, então, é investigar a racionalização social levando
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em consideração o conceito de ação comunicativa, baseado na teoria dos atos de fala (Austin). Na ação
racional orientada a fins, o ator elege meios (adequados) e considera conseqüências (condições de
êxito, sendo o êxito a efetuação no mundo do estado de coisas desejado), para atingir a meta (fins
concretos). Os efeitos da ação podem ser: resultados (fim desejado); conseqüências (previsões do ator);
e efeitos colaterais (que o ator não previu). Habermas subdivide em dois tipos, as ações orientadas ao
êxito: instrumentais, cujas regras de ação técnicas medem-se pelo grau de eficácia da intervenção e
podem ser associadas a interações sociais; e estratégicas, cujas regras de eleição racional medem-se
pelo grau de influência sobre as decisões de um oponente racional e são, elas mesmas, ações sociais.
E, em seguida, distingue as ações orientadas ao entendimento: comunicativas, cujos atores não fazem
o cálculo egocêntrico de resultados, por buscarem atos de entendimento, e nem são orientados ao
próprio êxito, por buscarem fins individuais baseados numa definição compartilhada da situação
(negociação). Um acordo comunicativo, por definição, não pode ser induzido de fora, mas tem que ser
aceito como válido pelos participantes; deve ter uma base racional; e se baseia em convicções comuns.
Para identificar dentro desse modelo os atos de fala, Habermas trabalha a partir de Austin, que
distingue os atos de fala como: locucionário (que expressa estados de coisas, diz algo, utilizando-se
para isso de orações enunciativas e nominalizadas); ilocucionário (que realiza uma ação dizendo algo,
fixa o modo em que se emprega uma oração, por meio de afirmações, promessas, confissões, etc., e
cuja condição padrão é o verbo na primeira pessoa do indicativo); e perlocucionário (que causa um
efeito sobre o ouvinte ou o mundo). Os atos de fala resultantes do componente ilocucionário são
auto-suficientes, isto é, o propósito é que o ouvinte entenda e aceite a emissão, enquanto que nos
perlocucionários o ato de fala assume papel de ação teleológica.
As conclusões de Austin são de que os êxitos ilocucionários têm com o ato de fala uma relação
interna ou regulada por convenções, ao passo que os efeitos perlocucionários dependem de efeitos
contingentes e não são fixados por convenções. Habermas, no entanto, considera problemático o critério
de convencionalidade, pois as convenções semânticas dos predicados da ação com que se formam atos
ilocucionários excluem, em alguns casos, certas classes de efeitos perlocucionários.
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Tal dificuldade levou Strawson, conforme Habermas (1981), a substituir os critérios de
convencionalidade pelo de demarcação distinta. Atos perlocucionários seriam uma subclasse de ações
teleológicas que o ator pode realizar por atos de fala, na condição de não confessar como tal o fim de
sua ação. Isto é: o falante, se quer ter êxito, não pode dar a conhecer seus objetivos. Ao contrário, os
fins ilocucionários só podem ser conseguidos fazendo-se expressos. Habermas considera, porém, que
essa distinção não tem caráter analítico, pois, se os efeitos perlocucionários são indício da integração de
atos de fala em contextos de interação estratégica, os ilocucionários, por sua vez, são incluídos em
ações teleológicas (orientadas ao êxito), donde se conclui que os atos de fala só servem a fins
perlocucionários se são aptos a fins ilocucionários (se o ouvinte não entender, nem atuando
teleologicamente o falante pode induzi-lo à sua finalidade). Mas, como os atos de fala nem sempre
funcionam assim, as estruturas da comunicação lingüística, para Habermas, têm de se explicar sem
recorrer às estruturas da atividade teleológica, pois a ação orientada ao êxito não é constitutiva do
sucesso dos processos de entendimento, nem mesmo quando inseridos em contextos de interação
estratégica.
Para Habermas, efeitos perlocucionários são uma classe especial de interações estratégicas
caracterizada por estados do mundo produzidos por intervenções no mundo e na qual as ilocuções são
meios em contextos de ação teleológica, num emprego sujeito, conforme Strawson, a determinadas
reservas, isto é, o propósito ilocucionário (ouvinte entender e contrair obrigações da oferta do ato de fala)
ser conseguido sem deixar perceber o propósito perlocucionário (no mínimo, um dos participantes se
conduz estrategicamente, engana os demais).
Ao definir que, numa condição standard, o falante não quer dizer nada diferente do significado
literal do que disse, Habermas busca reduzir a compreensão de uma emissão ao conhecimento das
condições sobre as quais a emissão pode ser aceita por um ouvinte: “entendemos um ato de fala,
quando sabemos o que o faz aceitável” (Habermas, 1981, p. 382). Ele identifica, pois, as condições de
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êxito ilocucionário às condições de aceitabilidade. Esse conceito, para Habermas, não deve ser
abordado de forma objetivista (aceitabilidade pela perspectiva de um observador), e sim como atitude
realizativa de um participante na comunicação. Aceitável é, pois, um ato de fala que cumpre as
condições necessárias (condições de reconhecimento intersubjetivo de uma pretensão lingüística que
estabelece um acordo) para uma postura do ouvinte, frente à pretensão de vínculo do falante. Duas são
as condições pressupostas: correção gramatical (corretamente formadas) e condições gerais de
contexto.
Habermas distingue ainda a validade (do ato ou da norma que o respalda), da pretensão de
validade (de que há o suficiente para que se cumpram as condições) e do desempenho (prova de que se
cumprem as condições de validade do ato ou da norma subjacente). É com a conexão interna entre
esses elementos que o falante pode garantir que aportará razões convincentes contra as críticas do
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ouvinte à sua pretensão de validade. Assim, a força vinculante de seu êxito ilocucionário, o falante deve
não à validade de seu dito, mas ao efeito coordenador que tem a garantia que oferece no desempenho
da pretensão de validade de seu ato de fala. Sempre que o papel ilocucionário expresse, não uma
pretensão de poder, mas uma pretensão de validade, não nos encontramos diante de uma força de
motivação empírica, mas uma força de motivação racional, própria da garantia que acompanha as
pretensões de validade.
Só os atos de fala aos quais o falante vincula uma pretensão de validade suscetível de crítica
têm, por sua própria força, a capacidade de mover o ouvinte à aceitação da oferta, podendo resultar
como mecanismo coordenador das ações. Isso define uma precisão maior para o conceito de ação
comunicativa: não basta que os participantes persigam sem reservas, os fins ilocucionários: com os
imperativos em sentido estrito (vinculados a uma pretensão de poder, e não de validade) e nas
exigências não normatizadas, os falantes podem perseguir sem reservas fins ilocucionários e, apesar
disso, estarem atuando estrategicamente. Na ação comunicativa, pois, só se inserem os atos de fala aos
quais o falante vincula pretensões de validade suscetíveis de crítica.
A contribuição heurística de Lévinas é, sem dúvida, a da relação que estabelece entre a sua
concepção de alteridade, como sendo aquilo que não se dá ao conhecimento do eu, e a sua noção de
dialogicidade, isto é, ao fato de que a comunicabilidade com a alteridade do outro é, apesar disso,
possível. Por um lado, enfatiza ele que apenas coisas podem ser conhecidas, logo, não sendo coisa o
ser humano, dar-se ao conhecimento é significar-se a partir do que não se é. Entretanto, por outro lado,
Lévinas (1954) propõe que o “rosto” do outro (a emergência de sua alteridade como evento diante do eu,
ou, no dizer do próprio autor, “presença para mim de um ser idêntico a si mesmo” – Lévinas, 1954, p. 59)
se manifesta, evidenciando a diferença que lhe é constitutiva, que não pode ser ignorada pelo eu, porque
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lhe é vinculatória. E a relação do eu com o outro, na mediação inesperada do rosto, é o problema ético
fundamental da comunicação.
Ora, esse modo de ver apresenta a comunicação como um paradoxo: uma impossibilidade
cognitiva que, no entanto, ocorre concretamente. Impossibilidade, porquanto relação com o
desconhecido do outro; mas que ocorre, porque o sujeito social existe e se relaciona, apesar da
alteridade. O outro é espaço do indizível, mas há a relação com ele e relação tal que deixa marcas na
linguagem e nos contextos extra-lingüísticos. A linguagem é, destarte, verificação da distância e
condição da proximidade. Desperta o comum em nós, mas supõe alteridade e dualidade. Possibilita, a
um só tempo, transcendência e acesso. Acesso na mediação do conceito e transcendência porque o
conceito não esgota o ser. A alteridade na linguagem é a emergência do rosto de outrem, na sua
singularidade irredutível.
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Para uma exposição justificada dessas categorias, ver Signates, 1998a.
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um trabalho anterior comunicado a este GT (Signates, 1998a), o que possibilita um aproveitamento do
espaço deste texto para as questões relacionadas ao seu objeto específico.
Após as considerações teóricas enunciadas, a questão central deste trabalho pode ser
enunciada como a tentativa de proceder a uma avaliação empírica qualitativa da comunicatividade do
discurso religioso, no âmbito público da comunicação social (rádio, televisão e Internet). Examinando
com especificidade a discursividade conversionista, dada a sua característica moderna, a questão será
procurar perceber como se constrói esse tipo de discurso religioso como espaço de relações sociais,
tanto no sentido das pretensões de poder e/ou validade que o asseguram e que o vinculam ou às
racionalidades sistêmicas ou às relacionadas ao mundo da vida. Acredita-se aqui que uma reflexão a
partir do prisma dos movimentos religiosos, a respeito da tensão discursiva entre sistema e mundo da
vida, possa contribuir para situar as possibilidades de verificação do conceito de fraternidade ou de
solidariedade social num plano de análise ética fundada na natureza construtiva das regras
intersubjetivas e, com isso, propor aquele conceito dentro do quadro de uma ética comunicativa.
O primeiro, diz respeito ao estilo de programação adotado pelo Ministério Comunidade Cristã na
Rádio Aliança, especialmente o “Show do Rádio”, veiculado por Marcelo Albuquerque, um jovem egresso
de um dos grupos de juventude dessa denominação e que, sem qualquer formação acadêmica ou
técnica, adquiriu experiência trabalhando como produtor e locutor de programas evangélicos em diversas
emissoras de Goiânia. Observa-se, na programação da emissora e, em especial, no programa
movimentado por Marcelo Albuquerque, uma tentativa de negociação de sentidos entre o vocabulário e o
2
Esta parte da pesquisa reorganiza material empírico colhido para a dissertação de mestrado do autor (Signates, 1998, p.
205-216).
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modo de falar próprio dos freqüentadores da igreja, e a linguagem que histórica e culturalmente se
estabeleceu como a “linguagem do rádio”. Albuquerque defende um modelo de rádio alegre, vibrante,
ligado ao formato do entretenimento, e critica emissoras e programas que, segundo ele,
“... não têm a cabeça aberta para a comunicação. Só querem mostrar o que têm
para mostrar, e não o que o ouvinte tem para mostrar. São emissoras mantidas
pelo dízimo das igrejas. Mesmo uma rádio evangélica, como a nossa, que é
voltada para o segmento evangélico, precisa tocar o que o evangélico gosta.”
Na prática, o tipo de rádio que esse locutor faz é uma verdadeira mimetização do rádio popular
profissional. O “Show do Rádio” é um programa de dicas, curiosidades, perguntas, brincadeiras, prêmios
e diversos quadros, como de receitas de bolo, bolsa de empregos, sempre com participação do ouvinte,
e tratando de temas atuais, como aborto, homossexualidade, problemas sociais e econômicos, etc., e
muita música gospel. Todo o direcionamento dos assuntos é evangélico ou bíblico, ou culmina numa
conclusão que privilegie esse sentido. As perguntas feitas ao ouvinte, solicitando a participação por
telefone, são do tipo que envolve diretamente a vida dentro da igreja: “Descobre-se que um membro da
igreja é homossexual. O pastor deve ou não excluí-lo?”; ou se remete a temas sociais gerais, como:
“Você é contra ou a favor do MST?”
Outro aspecto importante para a realização desse tipo de programação é a resistência que os
contatos comerciais dessa emissora têm para vender a rádio aos anunciantes. Segundo o radialista Túlio
Izac, diretor de programação da Rádio Aliança, o fato de a emissora ocupar o primeiro lugar no
segmento AM não impede que haja dificuldades desse tipo. Por isso, ele traz a própria experiência
profissional para tentar resolver o problema. Os comerciais são, então, produzidos com a finalidade de
criar alternativas para vencer a resistência dos anunciantes em anunciar em emissora evangélica. Assim,
por exemplo, o anúncio de uma marca de arroz é feita a partir de um estímulo à participação do ouvinte,
que sugere uma receita em que o produto seja ingrediente. A propaganda de um analgésico consome
um programete diário de 10 minutos a cada dia, pelo qual ouvintes são convidados a contar “qual é a sua
maior dor de cabeça” (que pode ser o vizinho, a sogra, etc.); após a narrativa, a emissora toca o jingle do
produto. Promoções no próprio ambiente do anunciante também são opções, como a propaganda de um
supermercado, para a qual se adotou o velho expediente de sortear um consumidor que ganha um
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tempo para encher o carrinho e ganhar produtos de graça, com o locutor junto, narrando ao vivo.
Garante Túlio Izac:
“Se não fizer assim, ele não anuncia de jeito nenhum. Para o comerciante, rádio
evangélica é aquele modelo de rádio de pregação chata. Eu nunca ofereço
inserção, nem na RBC, mas um projeto específico de venda do produto dele. E
vende.”
As “falsas entrevistas” podem ser feitas de dois modos: o modo de edição, em que, primeiro,
grava-se todo o conteúdo de forma declaratória e, depois, no processo de edição, são incluídas as
perguntas; e o modo planejado, em que os ditos são anteriormente preparados pelo entrevistador, sendo
a gravação da entrevista uma espécie de encenação, dentro da qual inexiste a possibilidade de surpresa
ou contraditório para qualquer dos interlocutores. Os pastores da Igreja Universal, na TV Record, utilizam
principalmente este segundo tipo. As entrevistas feitas por eles são sempre dirigidas dentro de um
formato simples e repetitivo. São, invariavelmente, quatro os seus momentos.
1º momento: Sempre se começa pela narrativa das desgraças da vida da família e da pessoa,
motivada por uma pergunta típica: “como era a sua vida?”;
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solicitação do tipo “Diga algo para aquele telespectador que está vivendo hoje um problema semelhante
ao que você viveu”, e normalmente termina com um comentário do próprio pastor, também nesse
sentido.
Durante todo o tempo da entrevista, são exibidos caracteres com nomes e endereços da Igreja
Universal. As variações de conteúdo ocorrem somente por conta do relato do entrevistado, que, naquele
momento, e dentro das condições de enquadramento formal da situação de falsa entrevista, expõe
fragmentos da própria vida, colorindo-os com as cores sempre berrantes que esse enquadramento
exige, seja para desqualificar totalmente a narrativa do passado (muitas vezes pontuada pelo combate
ao Espiritismo, à Umbanda ou ao Candomblé), seja para constituir uma imagem idílica do presente. O
cotidiano narrado torna-se, dessa forma, inteiramente subserviente do interesse da instituição que
possibilita sua narração. Sem que seja necessário duvidar da hipotética sinceridade do entrevistado, ou,
mesmo, sem pretender acusar a Igreja de “fabricar testemunhos” – talvez até porque tais gestos sejam
desnecessários, por conta do jogo de emoções desencadeado pelo exercício da fé – é notória a
condição de falsa entrevista em tais programas.
Essa seqüência se repete com impressionante exatidão, mesmo nos VTs editados, sem a
configuração de perguntas e respostas ou na ausência visível de um pastor. Os VTs são normalmente
longos (de sete a onze minutos cada). No rodapé, em caracteres, os VTs de testemunhos sempre
contam com um rodízio dos endereços da Igreja Universal em Goiânia.
É incorreto, contudo, supor que os movimentos religiosos engendram tais sentidos de maneira
absoluta, ou seja, que a vinculação estratégico-instrumental seja própria ou necessária na discursividade
religiosa. Na Federação Espírita do Estado de Goiás, houve no início de 1997 uma desavença interna
entre a diretoria e o grupo de profissionais (jornalistas, radialistas e publicitários, todos espíritas,
trabalhando gratuitamente para a instituição) que produzia o programa “Espaço Aberto”, em exibição até
hoje aos domingos na TV Brasil Central. O programa era dividido em três blocos, sendo dois de
entrevista e um último, intitulado “Tome Nota”, composto de informações gerais sobre eventos
promovidos pelos espíritas. No formato inicial, proposto e executado pelo grupo de profissionais, dois
convidados, um espírita e outro não-espírita, tratavam de um tema social, dentre os mais comentados
pela imprensa, sob mediação de um jornalista profissional. Foram feitos, por exemplo, programas sobre
“Impunidade”, quando da morte de PC Farias; aborto, quando da discussão do Projeto Marta Suplicy no
Congresso Nacional; etc. A argumentação dos coordenadores era a de justamente romper com o
formato monologal do discurso religioso, adotando uma perspectiva de diálogo social, dentro da qual os
espíritas entrariam com uma das opiniões. Resguardadas as proporções, o modelo era até certo ponto
semelhante ao “25a. Hora”, transmitido pela TV Record. Entretanto, as discordâncias internas na
Federação Espírita do Estado de Goiás provocaram, no início de 1997, uma mudança total no quadro de
direção do setor de comunicação da instituição, e o programa mudou sua denominação para “Espaço
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Espírita”, passando a adotar o modelo de falsa entrevista, em que espíritas conversam entre si sobre
temáticas tipicamente doutrinários.
Um fato semelhante ocorreu também na Rádio Aliança. Durante o ano de 1995, essa emissora
colocava no ar todos os dias úteis, às 15 horas, um programa de debates que, por coincidência, às
segundas feiras se intitulava “Espaço Aberto”. Nela, o diretor à época, Carlos Antonio, debatia com
não-evangélicos diversas temáticas sociais, inclusive controvérsias religiosas, para as quais convidava
membros de outras correntes e denominações. Porém, a política programática desse diretor entrou em
choque com a da Transmundial, proprietária da emissora, para a qual a função do rádio é pregar e
converter, e, por isso, ele foi afastado, ocupando o seu lugar o pastor Oziander Reis, que adotou um
formato mais monológico de discurso religioso, passando a evitar toda e qualquer controvérsia religiosa
no espaço programático e discursivo da Rádio Aliança.
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O resultado dessa construção de sentidos é o desenvolvimento de modelos monológicos de fala,
sem qualquer espaço para o diálogo, ou que, quando são criados, culminam, conforme se constata, em
jogos de encenações, destituídos das pretensões de validade caracterizadoras da interlocução
comunicativa. A televisão, nesse caso, é percebida e feita não como uma forma de sociabilidade, e sim
como um espelho do mesmo. A falsificação dos diálogos gera, na verdade, uma espécie de “monólogo a
dois”, em que o ego religioso se presume iluminado pela Verdade e intenta converter a sociedade. O
discurso autoritário3 (Orlandi, 1993) termina em mero espelhamento, pois, ao ignorar os componentes
identitários da audiência e os usos que o público faz das programações, é lícito presumir que o processo
de recepção desenvolva resistências e talvez esta seja uma das razões ponderáveis pelas quais os
institutos de pesquisa captam em tais programas e nos “horários políticos” uma queda significativa de
audiência.
Dos exemplos colhidos empiricamente, ressalta, como demonstração da existência fática de atos
de fala perlocucionários na discursividade conversionista, a utilização do modelo de falsa entrevista. O
contexto teleológico e o propósito perlocucionário só são percebidos pragmaticamente, isto é, apenas se
fazem evidentes quando a análise se desdobra para além da superfície do texto, abrangendo
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Eni Pulcinelli Orlandi (1993, p. 24) define o discurso do tipo autoritário como “o que tende para a paráfrase (o mesmo) e em que
se procura conter a reversibilidade (há um agente único: a reversibilidade tende a zero) e em que a polissemia é contida
(procura-se impor um só sentido) e em que o objeto do discurso (seu referente) fica dominado pelo próprio dizer (o objeto
praticamente desaparece)”. Tal discurso, para essa autora, opõe-se ao tipo polêmico, traduzido como aquele que apresenta “um
equilíbrio tenso entre polissemia e paráfrase, em que a reversibilidade se dá sob condições, é disputada pelos interlocutores, e me
que o objeto do discurso não está obscurecido pelo dizer, mas é direcionado pela disputa (perspectivas particularizantes) entre os
interlocutores, havendo, assim, a possibilidade de mais de um sentido: a polissemia é controlada”. Há, ainda, para Orlandi, o
discurso lúdico, que é “... aquele que tende para a total polissemia, em que a reversibilidade é total e em que o objeto do discurso
se mantém como tal no discurso”.
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circunstâncias de contexto, como a performaticidade insistentemente reproduzida e os conflitos que, não
raro, culminam em ações excludentes contra os adeptos que ousam romper com esse tipo de
discursividade. No discurso conversionista, percebe-se a existência de reservas (conteúdos a serem
ocultados pelo participante que atua estrategicamente na interação), derivadas do fato de as respostas
estarem prontas antes mesmo de as perguntas serem feitas, razão pela qual estas só comparecem na
interação de forma condicionada.
Resta, ainda, avaliar até que ponto o discurso religioso conversionista se efetua a partir de
pretensões de poder. Segundo Habermas, o modo de analisar esta categoria é a avaliação das
condições de aceitabilidade do ato de fala exigitivo em condições adequadas de contexto, sendo que tais
condições implicam razões radicadas no potencial de sanção, de natureza extralíngüística, vinculado de
forma externa ao ato de fala. Ora, no caso do discurso religioso contemporâneo, o potencial de sanção
só se dá em situações muito específicas de contexto, que é justamente o que as instituições religiosas
têm perdido ao longo do processo de modernização. Tais condições apenas existem de forma
importante no âmbito intrainstitucional, sendo interessante, na abordagem desses fatores, considerar os
estudos da microfísica do poder, em Michel Foucault. Assim sendo, pode-se concluir dessa análise que o
discurso conversionista é nitidamente estratégico e às vezes carregado de características instrumentais,
graças às pretensões de poder de que os seus falantes o revestem; entretanto, tais pretensões têm
perdido a capacidade de desempenho, devido tanto à fragmentação de sentidos, quanto à
democratização das capacidades de participação social.
E, por fim, o último referencial analítico diz respeito à possibilidade de crítica às pretensões de
validade. Nossa conclusão a esse respeito é a de que o discurso religioso conversionista não admite a
crítica de suas pretensões – exatamente por não serem pretensões de validade, e sim de poder – sem
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se descaracterizar como conversionista. A ação conversionista traz, por definição, uma dinâmica
identitária, para a qual o rosto do outro surge como problema a ser anulado e não como possibilidade de
desempenho cognitivo ou afetivo. Isso significa que – e esta conclusão tem valor axiomático para a
busca em direção à qual este trabalho se encaminhou – a condição de possibilidade da interação de tipo
comunicativo dentro da discursividade religiosa é diretamente dependente da renúncia ou da perda de
seu caráter conversionista. Este axioma é fundante, no estudo das condições de possibilidade da ação
comunicativa no discurso religioso.
Em termos conclusivos, reunimos alguns indicadores de ordem ética e discursiva do que pode
ser uma reconstrução da noção de fraternidade no interior das práticas religiosas.
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e) Desocultação das reservas. Efetuando com isso a ruptura com os procedimentos
perlocucionários.
Bibliografia
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