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A DOMINACAO MASCULINA DE PIERRE BOURDIEU: CRITICAS E REFLEXOES A PARTIR DA PSICOLOGIA ANALITICA Alessandra Munhoz LAZDAN! Fabio Tadeu REINA? Luci Regina MUZZETP. Paulo Rennes Margal RIBEIRO* RESUMO: 0 presente artigo, de cunho bibliogrifico, teve como objetive fazer uma reflexio da obra 4 dominacdo masculina de Pierre Bourdieu a partir dos conceitos da Psicologia Analitica de C. G. Jung. Esta corrente da Psicologia fundamenta-se, entre ‘outras questdes, na anilise dos prineipios masculino e feminino, trazendo um aparato Giferenciado para a discussio das ideias trazidas por Bourdieu que envolvem a dominagio masculina. A leitura da Psicologia Analitica compreende a questio desta dominagio a partir da visto patriarcal da sociedade, corroborando com Bourdieu na questo da submissio que esta cultura impde a mulher. No entanto, houve contrapontos no tocante qualidade e validagdo do referencial feminino, que a teoria bourdieuniana parece desqualificar. Entre as permanéncias ¢ mudangas das estruturas que reproduzem a ordem masculina, ambas as teorias se mostram concordantes com as atualizagdes referentes a estrutura patriarcal. PALAVRAS-CHAVE: Masculino. Psicologia. Sociologia Introdugio Pierre Bourdieu (2002) inicia sua obra A Domrinagdo Masculina alertando o leitor sobre o fato de estarmos inseridos em padries inconscientes de estruturas historicas da ordem masculina, e que, portanto, nosso olhar e anilise estardo sempre sob © viés dessa dtica. Toda sua obra se baseia nesse postulado e ¢ a partir dessa premissa que iremos discorrer algumas questdes que se fazem discordantes se tomarmos como contraposto a Psicologia Analitica de C. G. Jung. A escolha por esta vertente da psicologia se deve ao fato de Jung ter dedicado grande parte de sua teoria para a diferenciagao entre os prineipios masculino ¢ feminino, reconhecendo em cada uma dessas naturezas, qualidades ¢ forgas que se fazem complementares. Todavia, assim * Mestranda em Educagio Sexual. UNESP ~ Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciéncias ¢ Letras — Pés-Graduacao em Educagao Sexual. Araraquara - SP — Brasil. 14800-901 — amlazdan@yahoo.combr. * Docente. UNESP - Universidade Estadval Paulista. Faculdade de Ciéucias ¢ Letras — Niicleo de Sexualidade. Araraquara ~ SP — Brasil. 14800-901 — fireina@ig.com.br. 2 Docente. UNESP ~ Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Citncias e Letras — Nicleo de Sexualidade. Araraquara ~ SP — Brasil. 14800-901 — lucirmy@felar.nesp.br. * Coordenador. UNESP — Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciéncins ¢ Lewas ~ Pos- Graduagdo em Educagdo Sexual, Araraquara — SP — Brasil. 14800-901 - paulorennes@felar-unesp-br. como Bourdieu, identifica a submissao do principio feminino na sociedade patriarcal. No entanto, nao desqualifica essa natureza, ao contratio do que parece fazer 0 sociélogo francés, quando afirma categoricamente que toda e qualquer teoria ou pritica esta subordinada, inconscientemente, a dominagio masculina. No tocante as especifieagdes do que & considerado feminino ou maseulino (caracteristicas no apenas referente ao sexo, mas a atividades e coisas), Bourdieu assinala que foram objetivadas da mesma forma que caracteristicas homologas como: alto/baixo, em cima/em baixo, frente/atris, seco/timido, claro/escuro, ete. Ele argumenta que Esses esquemas de pensamento, de aplicagio universal, registram como que diferengas de natureza, inscritas na objetividade, das variagbes dos tracos distintivos (por exemplo, em matéria corporal) que eles contribuem para fazer existir, ao mesmo tempo que as “naturalizam”, inscrevendo-as em um sistema de diferencas todas igualmente naturais em aparéneia; de modo que as previsdes que elas, engendram sto incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, (BOURDIEU, 2002, p.15) Sinaliza algumas formas as quais podemos identificar © que seria o feminino, quais sejam a passividade, a interioridade e a sensibilidade, aspectos estes defendidos pelos anatomistas do séc. XIX, que justificavam a posigao social da mulher através de sua anatomia (KNIBIEHLER apud BOURDIEU, 2002). Outras definigdes ele traz na exposigdo de ritos de passagem que simbolizam a separagio com a mie, ampliando seus atributos colocando-a em paralelo com a terra, a umidade, a noite e a natureza. A observacio feita por Bourdieu & da organizagio da sociedade e da visto em tomo dela construida a partir das divisbes entre masculino e feminino. Afirma que o sistema mitico-ritual reforga e reconhece essa divisio, e que a partico entre os sexos parece estar na ordem das coisas, de forma natural, nonmal, “ela esta presente, a0 mesmo tempo, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus’ dos agentes, fimcionando como sistemas de esquemas de percepgio, de pensamento e de ago” (BOURDIEU, 2002, p.16). Ao contririo, segundo o autor, a forga masculina dispensa justificativas, A visio androcéntriea se impde de forma neutra, de maneira que a concebemos como natural, 5 Bourdieu (1983) define habitus como um sistema de disposigdes que define uma maneira de ser. S30 cestruturas construidas que deseucadeiam outras estruturas que compdem a pritica ¢ as representagdes de ‘um individuo. nao havendo necessidade, assim, de legitimé-la. A ordem masculina ¢ favorecida pela confirmagao constante do funcionamento da sociedade, que constréi o corpo como uma realidade sexuada, seguidora de principios de divisto sexualizante. Isso quer dizer que 0 corpo é construido socialmente; & a concepgio sexuada do mundo que transfere ao corpo a diferenga entre os sexos, que edifica a segmentacdo entre os géneros a partir de uma visio mitica ancorada na relagio arbitraria de dominago masculina sobre as nmulheres. Jugara T. Cabral (1995), abarcou o referencial mitico para trabalhar a questio da dominagio masculina na construgdo da relagio homem-mulher. De acordo com sua pesquisa, no inicio da humanidade, existe referéncia de ter havido um longo period dominado pelo matriareado. Provavelmente, 0 que contribuiu para essa vigéncia, foram os mistérios em tomo da mulher, como a menstruagio e a procriagao, até entdo, sem o conhecimento de haver a participagio masculina. Esses fatos davam grande poder & mulher. Gradativamente, esse poder comeca a declinar com a insergao da participagio do homem na teia de relagdes. A mitologia mostra essa decadéncia através dos mitos de criagao, antes com a origem do mundo a partir de uma deusa e gradualmente um deus & inserido nesta participaco, para no fim ser eriado por um tinico deus masculino. Cabral (1995) analisa que a relagdo da participago masculina nos mitos de criagdo e no poder da sociedade pode ter origem na descoberta de sua participagio na reprodugilo, chegando até mesmo a se acreditar que o homem era portador da semente e a mulher somente o receptéculo. Assim, 0 mistério em torno da mulher foi dissolvido junto com seu poder. Aristételes contribuin com a hegemonia masculina, alegando que o macho era por natureza superior 4 fémea e que essa regra era estendida aos géneros humanos. Também confirmou a ideia do homem ser o tnico portador da semente para a reprodugio humana (CABRAL, 1995). Para sacramentar a dominagdo masculina, cria-se 0 mito judaico-cristio, vigente até hoje. E considerado, inclusive, que os hebreus foram responsaveis pela passagem do matriarcado para o patriarcado. Eva é colocada como inferior desde seu nascimento, originaria de uma costela de Adio, Esse dado ¢ interpretado como uma necessidade masculina de nfo admitir a igualdade dos géneros. Depois, Eva ¢ a culpada pela expulsio do paraiso e por ter tentado Adio. Eva foi o modelo de mulher trazido ao Ocidente, um modelo para nao ser seguido. O mito traz no imaginario coletivo o cariter subversivo feminino ¢ a necessidade de se precaver dele (CABRAL, 1995). Observamos nesse movimento deserito pela autora supracitada, que a hegemonia masculina se deu por meio de um processo de construgdio. E certo que observamos sua ominagio na maior parte das instincias até os dias de hoje, mas discutiremos a abrangéncia de sua hegemonia no decorrer do texto. O principio masculino passou a ser o referencial para a ordem das coisas apos 0 inicio do patriarcado. Um exemplo era a representacdo da vagina como um falo invertido na Idade Média. A anatomia feminina se baseava a partir do corpo masculine. Essa representagio obedecia as demais oposicbes como 0 positivo/negativo, direito/avesso, sempre respeitando a orientagfo masculina como norteadora, segundo a pesquisadora Pouchelle citada por Bourdieu (2002 A identidade masculina, por sua vez, era reconhecida pela virilidade, tanto pelo porte fisico, como em questies de honra e ética. Tal postura, seguindo a leitura do autor, € esperada nos homens, evidenciando-se na poténcia sexual ¢ permeando as fantasias coletivas da poténcia que deflora e fecunda. Bourdieu argumenta que a divisdo sexual dos corpos vinculou o falo 20 prineipio do Jogos, responsiivel pela atividade piiblica e ativa do homem, pelo entfrentamento ¢ pela oratéria, e que tais exercicios seriam de monopélio masculine. O falo, segundo Robert Stein (1999), tem a conotagio de agao e de penetragao a esferas desconhecidas. Seria o elemento agente da iniciativa humana. O falo é também ‘um recurso de ligagdo, pois tem a forga que nos leva de um ponto em diregao a um novo objeto ou pessoa. O falo tem conexdo com aspectos vitais. Outra vertente ou aspecto do masculino, ou animus®, se refere a parte légica e organizacional, que ¢ representado pelo simbolo de Logos. Se os simbolos de Logos ¢ 0 Falo fazem parte das configuragdes do avrinus, iss0 quer dizer que no estamos falando de posturas construidas apenas socialmente, mas de forgas presentes na natureza psiquica e que fazem parte do inconsciente coletivo deserito por Jung, R, Stein (1999) afirma que, a partir da andlise de sonhos de muitas mulheres, existe a propensio delas a exigir do homem que ele seja sempre forte e potente, © A dimensio masculina é nomesda animus na teoria junguiana e é responsével pelo poder da razio e discriminacdo. © animus também € qualificado pela ago, progresso ¢ participacto do individuo na cultura (JUNG, E., 2003). inclinando-se a demonstrarem desprezo e até raiva por um homem que se mostre fraco on indeciso. Esta ideia mostra que sim, tais pré-disposigdes podem ser reforgadas ampliadas pelas culturas sociais. Aqui se encontra a grande armadilha para os homens que se deparam com a exigéneia da poténeia filica: a nto permissio para falharem! R. Stein (1999) lembra que nem sempre o falo esti ereto. Esta energia pode se encontrar recuada, voltada para 0 interior, ¢ nao para o exterior, como de costume. Adverte que o homem estard fadado a continuas limitagdes enquanto associar a ideia de poténeia ao falo ereto. R. Stein (1999) corobora a ideia de C.G Jung ¢ James Hollis (2008) a0 confirmar que a libertagdio do homem desta concepeao equivocada de virilidade esta na entrega a “estados de passividade, desconhecimento e desamparo como expressdes da sua natureza feminina receptiva” (STEIN, 1999, p.163). Ou seja, os autores apontam que existem elementos femininos na psique masculina e que estes sio importantes para seu equilibrio, Jung formula os conceitos de feminino e masculino a partir de premissas semelhantes que Bourdieu descreve, 0 que, na visio junguiana, nao quer dizer que os coneeitos femininos possam ser considerados pejorativos. Jung considera a natureza do principio feminino tao singular como a do masculino, Além disso, Jung diferencia tais principios dos conceitos de género. Isso se deve ao fato dele reconhecer as instincias do feminino e masculino presentes em ambos os sexos, portanto, nao sendo exelusivas de nenhum género. Carl Gustav Jung (1987) da o nome de anima a parte feminina do homem. A anima é considerada o referencial de toda a experiéncia do homem com a mulher, sendo entendida como sua contrassexualidade que se encontra no nivel inconsciente masculino. Assim ele explica: Nao hi homem algum to exclusivamente masculino que nfo possia em si algo de feminino. [..] © homem considera uma virtude reprimir da melhor maneira possivel seus tragos femininos. A repressio de tendéncias e tacos femininos determina um actimulo dessas pretensdes no inconsciente (JUNG, C. G., 1987, p.65). Portanto, para a Psicologia Analitica, o feminino revela qualidades tdo essenciais quanto as do falo, que sim, simboliza a poténcia e atividades proprias do principio masculine (@ nio do género!), As nomas sociais fizeram com que os homens reprimissem sua parcela feminina e negligenciassem essa natureza, permitindo, dessa forma, a dominagdo masculina tal como descrita por Bourdieu. © fato de o homem negligenciar a mulher e o feminino pode ter explicagiio no fato dele interpretar os simbolos (aqui levando-se em conta o Falo e Logos) de forma conereta. Se os apreendermos metaforicamente, reconheceriamos nesses simbolos sua forga, e nfo sua forma de dominagio. Bourdieu argumenta que a dominagio masculina ¢ visivel até mesmo nas posigdes sexuais, lembrando que a posi¢ao considerada normal & aquela em que 0 homem fica por cima da mulher. O autor relata que a posigio na qual a mulher se coloca sobre o homem é condenada em varias eivilizagdes. Encontramos dados contririos a este tiltimo, De acordo com Gregersen (1983), a primeira posi¢ao sexual deserita acima havia sido imposta como correta pelos missionarios, sendo considerada a mais comum na cultura ocidental, mas apreciada de forma extremamente grotesca ou estranha em outras culturas, como para os indios Boror6 do sul do Brasil, por exemplo, mostrando que as preferéncias sexuais variam de acordo com cada cultura, Este dado nos ajuda a formular 0 argumento de que a dominagao masculina, a0 menos parte de sua abrangéncia, encontra seus limites ¢ maiores explicagdes de sua origem e permanéncia na cultura propriamente patriarcal, Reconhecemos a expressfio pura do masculino e da dominagio masculina nas manifestagdes de exploragao e do que traz honra ao homem, como meio de afirmar sta virilidade. O assédio sexual, por exemplo, pode significar menos uma posse sexual que uma ratificagio da dominagio. A posse seria o meio de afirmar a dominagao (BOURDIEU, 2002) O autor reafirma sua teoria ao dizer que a relago social de dominagao expressa na relagdo sexual é resposta da divisdo construida entre 0 masculino ativo e 0 feminino passivo, criando uma sociedade sexuada, como discutido anteriormente. Mas, segundo os tedricos junguianos citados, esta distincia e conseqiiente dominagio tem a possibilidade de minimizar-se com 0 reconhecimento ¢ amadurecimento das instancias femininas no proprio homem e de sua importincia na sociedade Bourdieu assegura que a incorporago da dominagio masculina é legitimada pelos ritos de instituigdo. Ele faz questdo de substituir o termo “ritos de passagem” por “titos de instituigao” por acreditar que © primeizo se reduz a uma nogio do senso comum, No entanto, embora sua descrigio de seu termo pessoal nao apresente istingdes do temo mais conhecido ~ sendo nomeado também por “ritos de iniciaga0” dentro da Psicologia ~ sua interpretagao sobre o significado dos ritos recebe conatagao divergente desta ciéncia, pois os interpreta como forma de dominagao. Para ele, tais ritos [.-] visam a instaurar, em nome e em presenga de toda a coletividade para tal mobilizada, uma separaco sacralizante, no sé como faz crer a nogao de rito de passagem, entre os que jd receberam a marca distintiva @ 0s que ainda néo a receberam, por serem ainda muito jovens, como também, ¢ sobretudo, entre os que sio socialmente diignos de recebé-la e as que delas estio definrivamente excluidas, isto 4, as mulheres (BOURDIEU, 2002, p.34, grifo do autor). Para a Psicologia Analitica, os ritos de passagem ou de separacdo tem o intuito de separar o menino da dependéncia materna, para que ele desenvolva sua masculinidade sem a interferéncia da mie, Para isso, 0 garoto passa por provas que variam de acordo com cada cultura, que pode ser desde uma circuncisio — considerada por Bourdieu um rito de instituigao da masculinidade — a provas de resisténcia fisica, que selam de forma concreta ¢ dolorosa 0 rompimento com a infincia para dar inicio a vida adulta. Hollis (2008) esclarece que o motivo da existéncia de tais ritos se explica pelo fato do elemento feminino ser crucial na organizagao psiquiea masculina. O lado feminino, com origem no complexo matemo, ou seja, com o estabelecimento da relaglo com a mie, confere ao homem um poder forte de atragdo pela dependéncia que ele suscita. Assim, Os ritos de separagdo eram firmes e poderosos para os rapazes, nito apenas por causa do medo do poder do complexo materno, mas também porque se esperava que se separassem do mundo natural, da vida dos instintos, e ingressassem no mundo cultural e artificial fabricado pelo homem (HOLLIS, 2008, Nos ritos de separagdo do homem com a mie, Bourdieu diz que ela, ou a mulher, recebe uma concepgio negativa, sendo definida pela falta, pelo que ela no é. Na concepgao psicolégica, o resultado do afastamento feminino nao resultaria em conceito negativo apenas, mas seria entendido como algo que se deve manter-se distante devido a forga de atraglo que ela produz, que pode fazer com que 0 homem regrida aos lagos maternos € abrevie seu desenvolvimento. De fato, a consegiiéncia do medo masculino pelo elemento feminino lhe acarreta no seu afastumento com os principios que ela abarca, ou seja, “do relacionamento, do sentimento ¢ da ligagio com a forga vital” (HOLLIS, 2008, p.49). Portanto, a concepgao negativa nao significa de forma alguma uma falta, ao contririo, inconscientemente o homem conhece a densidade que o feminino comporta. Tais significagdes sao referentes a questdes profundas da psique e do desenvolvimento psicolégico humano, nio sendo ficil sua compreensio nem permitida sua abstragao reducionista, A contengio fisica a qual a mulher foi submetida, no tocante ao seu comportamento, postura, vestudrio, sexualidade, ou seja, toda a disciplina dirigida ao seu corpo, que Bourdieu entende como parte da dominagao masculina (e de fato 0 é), teve sua origem com os mandamentos do cristianismo e legitimado no movimento puritano e prineipalmente no séc. XIX, época de maior repressto sexual registrada na historia (CRAWFORD, 1998; GARTON, 2009). Para Bourdieu, tais gestos femininos perduram até os dias atuais. E certo que a repressio sexual acentuada no vitorianismo do sée. XIX percebida ainda em nossos corpos, mas a liberdade sexual que evidenciamos atualmente, parece gradualmente se desvincular da dominagao masculina bourdieuniana. Mas o autor contra-argumenta o posicionamento acima, referindo que as mulheres que se mostram salvas da dominagao masculina, fazem uso de seu corpo ainda subordinando-0 a0 ponto de vista masculino, como meio de atrair € seduzir, “(...] adequado a honrar os homens de quem ela depende ou aos quais esta ligada [...) (BOURDIEU, 2002, p.40). Ora, Bourdieu parece honrar aqui a postura tipica da moral patriareal, a qual julga e desqualifica a sexualidade feminina, vulgarizando-a como forma de subordinag3o masculina, O que dizer da sedugio feminina como forma de atragio de um parceiro sexual ou como busca de um parceiro para unio estavel? Sera que necessariamente a relagio homem-mulher, dentro de uma perspectiva afetivo- sexual, estaria baseada numa relagdo de dominago? Novamente, existe o desprezo pelas qualidades femininas, ou da anima, tomando-se o termo junguiano, que contempla qualidades de passividade, receptividade e sensualidade, conceitos os quais nio devem ser considerados de forma pura, mas articulados com aspectos masculinos presentes na personalidade da mulher. Nao queremos dizer aqui que a dominagao masculina nio exista e que as mulheres estio de todo libertas dela, mas a critica que é feita se refere 4 sua generalizacdo e a nao legitimagao de Bourdieu pelas conquistas e qualidades femnininas. Ele proprio subjuga as atitudes femininas como sendo sempre subordinadas ao poder masculino. A sentenga seguinte mostra parte de seu julgamento: “f...] so elas que, encarregadas das preocupagdes vulgares da gestao cotidiana da economia doméstica, parecem comprazer-se com mesquinharias do cilculo, das contas ¢ dos ganhos que 0 homem de honra deve ignorar” (BOURDIEU, 2002, p.41), E provavel que essa visio preconceituosa que Bourdieu nos transmite seja decorrente do que ele proprio pontuou que a forga que a mulher exerce volta-se contra ela, quando de sua reagiio ao poder masculino, Considerando-se a confinagio a qual a mulher esti submetida, as proibigdes as quais esti sujeitas levam a condutas transgressoras. Toda e qualquer reagio feminina acaba por confirmar sua representatividade como seres maléficos e negativos. O preconceito em tomo da mulher contaminou sua fala e identidade, tomando-se custosa a reversio desse quadro. A violéncia simbélica Bourdieu nos chama a atengdo para os padrdes subjetivos aos quais estamos submetidos ¢ que sto objetivados nas relagdes de dominagie do cotidiano, Adotamos as crencas dos dominantes, incorporamos os esquemas de pensamento, produto das relagdes de poder que se expressam nas oposigdes da ordem simbélica (masculino/feminino) de forma inquestionavel, de maneira natural, constituindo-se assim a violéucia simbélica. “A violéncia simbélica se institui por intermédio da adesio que o dominado nao pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, a dominagio),...)” (BOURDIEU, 2002, p.46). Este padrio subjetivo é de tal forma incorporado que ele se manifesta em acdes que passam despercebidas, como a escolha da mulher por um homem mais alto e velho do que ela, representando para a mulher a inversio desse cenario como uma sensagio de ser diminuida junto de um homem diminuido. Tal argumento se justifica pela procura de maturidade ¢ seguranga. Outros sintomas da violéncia simbélica se manifesta em forma de emogdes corporais, como vergonha, humilhagao, timidez, culpa, ou também admiragao e respeito pelo dominador (BOURDIEU, 2002). De fato, esse padrio se mostra t2o internalizado e naturalizado que nao percebemos a relagao de dominago que esté ai embutida. Na psicologia junguiana dizemos que o individuo esté tomado pelo complexo, ou seja, esti inconsciente de sua dominagio por toda a configurago que envolve a temética em tomo de um simbolo, aqui, a masculina, Outro ponto importante esclarecido por Bourdieu se refere & dificuldade de desvinculagao com as teias da dominagao. Isso porque a libertacao da submissio nao depende apenas da tomada de consciéncia, uma vez que a dominacao € baseada em estruturas objetivas, que por sua vez so sustentadas pelos mecanismos que elas desencadeiam e que perpetuam sua reprodugao. Se a dominagao fo © apenas uma ideologia, a tomada de conseiéneia seria suficiente, mas ela esta inscrita igualmente nas coisas € nos corpos. Assim, de acordo com © autor, a ruptura com a dominagao simbilica s6 avonteceria [.-] com uma transformacao radical das condigdes sociais de producto das tendéncias que levam os dominados a adotar, sobre os dominantes e sobre si mesmos, 0 préprio ponto de vista dos dominantes. A violéncia simbélica nfo se processa sendo através de um ato de conhecimento e de desconhecimento pritico, ato que se efetiva aquém da conseiéncia [...] (BOURDIEU, 2002, p.53). O autor aponta que a dominagao masculina, ao mesmo tempo em que apresenta privilégios aos homens, oferece igualmente um peso grande a eles. Eles acabam por serem prisioneiros da propria construcao social. E imposto ao homem o dever de afirmar constantemente sua vitilidade, Este dado foi discutido anteriormente com a contribuigio de Hollis (2008), Bourdieu concorda com o fato dos homens temerem reconhecer e assumir elementos delegados a0 feminino, como angiistia e vulnerabilidade, “ | sempre expostas 4 ofensa, as mulheres so também fortes em tudo (que representa as armas da fraqueza [...]” (BOURDIEU, 2002, p.63). Interessante & observar que o ideal de virilidade leva ao paradoxo da vulnerabilidade, por ser humanamente impossivel de sustentar tal postura por tempo indeterminado. Por essa razio que a teoria junguiana considera e trabalha com a relagao dos opostos. J4 era conhecida por Jung a vertente inferior (ou compensatéria) de uma atitude unilateral da consciéneia (TUNG, 1987). Bourdien (2002) finaliza a reflexio dessa tematica concluindo que a virilidade foi construida pelos e para os homens, com 0 intuito de se voltar contra o feminino, reconhecendo assim, 0 medo masculino do feminino, Erich Neumann (2011), psicélogo junguiano que publicou varias obras com a tematica do feminino, afirma que este elemento possui, entre outras caracteristicas ja comentadas, a fungi de transformagio na psique masculina, o que iria contrario a tentativa de estabilidade da cultura que os representantes do patriarcado instituem. A formulagao do feminino negativo seria uma forma de autoprotecao masculina. O autor sugere que a desvalorizacao do feminino deve ser entendida como uma tentativa de superagio do medo sentido por ele. “O homem quer continuar a ser exclusivamente masculino e por medo rejeita 0 contato transformador com a nnulher de status igual ao sew” (NEUMANN, 2011, p.254). Mais uma vez, visualizamo Psicologia Analitica, contetidos positives e funcionais que o elemento feminino possui e com a contribuigao da que Bourdieu mostra nao reconhecer, sendo de certa forma condescendente & visio patriareal No segundo capitulo da obra intitulado Ananmese das constantes ocultas, Bourdieu ratifica a visio androcéntrica do mundo e questiona 0 inconsciente histérico presente em todos nés, que para ele, nio esti ligado 4 natureza biolégica ou psicologica em tomo dos postulados sobre os sexos, mas a uma construgio histériea que, portanto, seria suscetivel de transformagao a partir da modificagio das condigdes histéricas de sua produgio. Ele aponta a edueagio como facilitadora da criagdo das desigualdades entre ‘os géneros, favorecendo os meninos a se implicarem em jogos de dominagio. © autor pontua as disposigdes atuais nas quais a dominagdo se constitui € constréi um mundo hierarquizado, neste momento, de forma invisivel, camuflada e inquestionavel As premissas dominantes estao inscritas, segundo 0 socidlogo, no ambiente familiar — que se ope entre 0 universo piblico masculino, reconhecido pelos encontros nos bares ¢ clubes — podemos ampliar nos jogos de futebol, pescaria -, ¢ 0 privado feminino, abreviado no ambiente doméstico. Estas disposigdes se ampliam na divisio do trabalho, na escolha das profissies, assim como na hierarquia destas e de suas fungdes. Por exemplo, a escolha por cargos que exigem submissdo e necessidade de seguranga, sio executados pelas vitimas da dominagio de forma a se sentirem satisfeitas com tal tarefa, uma vez que naturalmente possuem qualidades de submissio, gentileza, docilidade, devotamento ¢ abnegacao (BOURDIEU, 2002). Seguindo o mesmo autor, as mulheres seriam orientadas a seguirem carreiras que envolvessem cuidados ¢ desestimuladas a apostarem em carreiras cientificas ou técnicas. A visio androeéntrica é injusta mesmo com as mulheres que t8m habilidades consideradas masculinas, pois, neste caso, sio exigidas, além das habilidades, posturas que elas no teriam por natureza e educagdo, como a estatura fisica, voz e aptiddes como a agressividade, seguranga e a autoridade “natural”, recursos que os homens foram treinados ao longo de sua educago. Claramente observamos o envolvimento das relagdes puras de poder como arbitrdrias na escolha masculina para a execugao de cargos de chefia. Uma mulher com aptiddes de lideranca desenvolvidas, poderia obviamente exercer esse papel, mas o que est envolvido aqui nao apenas o requisito, mas 0 poder masculino que nao pode ceder seu espago mulher No tocante & inserigio da dominagio nos corpos, Bourdieu aponta a projecio da dicotomia grande/pequeno como referencial para os corpos masculino ¢ feminino. Para os homens, a insatisfagio corporal ocome com as partes pequenas do corpo (0 tamanho do pénis € um exemplo clissico), enquanto as mulheres se incomodam com partes grandes de seu corpo, como 0 quadril ou os peitos. Sao referenciais construidos que impdem 0s tipos “nommais” e aceitos socialmente. No entanto, Bourdieu coloca a questio do simbolismo corporal e da dependéncia em relagio ao olhar dos outros como exclusive das mulheres. Se assim fosse, a preocupagio com o porte fisico e a exigéncia de virilidade constante nfo afetariam os homens como na verdade ocorre. Outro equivoco cometido pelo autor foi delimitar a expectativa do amor romantico a0 universo feminino. Anthony Giddens (1993) tabalhou de forma clara essa temitica, identificando também nos homens o efeito do mito do amor roméntico. Giddens observa que a cisio entre as polaridades do amor puro (decorrente do romantismo) ¢ 0 sexual para os hhomens geram discursos e impressdes pejorativas e preconceituosas sobre as mulheres. Para 0 autor, esses discursos mostram a dificuldade dos homens em perder sua hegemonia no controle das relagdes. Mais uma questo que no pode ser generalizada se refere 4 necessidade do olhar do outro para a constituigio corporal feminina, colocando-a como vulneravel & aprovagio alheia quanto sua aparéneia e postura. Bourdieu coloca este fato como universal entre as mulheres. No entanto, a mitologia grega nos oferece outros padres de disposigdes femininas que contrariam 0 postulado do autor francés. A mitologia divide a psicologia feminina em dois grandes grupos; o das deusas vulneriveis e o das deusas virgens. O primeiro se refere as deusas voltadas para o relacionamento e vineulo, que coresponderiam, de certa forma, as caracteristicas apontadas por Bourdieu. O segundo contempla as deusas que nfo se pautam na receptividade e na relagio, elas teriam caracteristicas mais masculinas, voltadas para sua independéncia e ambigdes proprias. A classificagio de virgem significa que elas nio estio dispostas a serem penetradas pela dimensio masculina, j4 que elas proprias contém tais atributos (BOLEN, 2005). A visio bourdieuniana mostra se pautar nas configuragdes passadas da mulher, aquelas originalmente restritas ao ambiente privado e que nao tinham a oportunidade de manifestar as caracteristicas das deusas virgens. Atualmente, apés as conquistas do movimento feminista, é possivel a expressdo dos atributos masculinos da mulher. Neste aspecto, Bourdieu denuncia a visio masculina sobre as mulheres que nio respeitam a vulnerabilidade esperada; refere que so vistas como nio femininas ou lésbieas. Se agem como homens em posigdes de poder, artiscam-se a perder a identidade feminina, se agem ao conttririo, voltam a corresponder ao padrio conhecido e entendido de forma pejorativa, ou seja, como ineapazes ¢ inadaptadas 4 situagdo. E a visio androcéntrica que nfo oferece alternative para a mulher se comportar da maneira que desejar sem estar livre de julgamento ou classificagdo. Questionamos a opinitio do autor, quando diz que a mulher nfo esti livre da dominagio masculina. Seu comportamento muitas vezes mostra estar fora dessa perspectiva, © que ocorre na verdade é a interpretagdo androcéntrica destoreida sobre seus atos. Ai, sim, a mulher no escapa da visio masculina, Outro apontamento que pensamos ser pertinente discutir se refere ao pensamento de Bourdieu em relagio as fungdes femininas vulnerveis. A vulnerabilidade em si costuma encerrar qualidades normalmente negativas, provavelmente porque esta pode ser a principal via para se instaurar a dominagdo. Por outro lado, a vulnerabilidade é também o ingrediente necessdrio para a formagio das relagdes de vineulo, as quais a mulher, devido a todo seu treinamento para qual & preparada, é mestra. Desejamos defender neste ponto a vertente positiva desta qualidade. E através desta receptividade que a mulher se dispde a casar (vinculo) e procriar (cuidado), formecendo a estrutura necesséria para a formacao e sustentacdo afetiva de uma familia, De fato, tais fungdes se encontram na esfera do privado, pois envolvem intimidade e acolhimento, oficios tio necessirios quanto & producdo e atividades pitblicas. Tendo dito, a esfera privada, discreta © as vezes silenciosa feminina nio deveriam ser paleo para discriminagao, tampouco para dominagao. O fato do universo feminino ser segregado pela visio androcéntrica, no deveria ser ratificado por uma teoria que se propde critica, como a bourdieuniana. A mmulher usa da perspicdeia da visio feminina para observar 0s jogos sociais masculinos, os quais ela nfo faz parte, Bourdieu toma como referéncia a obra de Virginia Woolf, La promenade au phare, para ilustrar essa relagio. A andlise que é feita a obra, permite ao autor refletir sobre teatro social o qual o homem ¢ inserido nas relacdes de dominacao, nas quais ele é protagonista. E func3o do homem, no papel de pai, mostrar ao filo a dureza © necessidades da vida, Compartilhando da ordem cultural, opde-se da fusdo atraente maternal, posicionando-se contra os impulsos da natureza feminina, Murray Stein (1998) corrobora esta visto bourdieuniana ao trabalhar com as polaridades masculino © feminino, as quais nomeia como consciéneia solar € lunar respectivamente. Denomina como consciéncia solar aspectos do masculino referente a conscigncia patriarcal. Refere-se 4 internalizacio das normas, ideais e valores coletivos. Para o autor, a consciéneia solar é constituida pela cultura e é responsavel por manter os padrdes culturais vigentes em determinado periodo. No seu aspecto mais forte, pode assumir a imagem de uma autoridade cuja fungdo é manter estruturas, desviar e canalizar atitudes impulsivas ou instintivas, tal como descritas por Bourdieu como os instintos maternos. Nas fungdes culturais as quais 0 homem é delegado, esti embutida a formagio do dominante, que compde o roteiro dos jogos sociais, aqueles instituidos pelos ritos de instituigdo, e pelos quais o homem é apreendido, tormando-se igualmente vitima de seu proprio jogo. Bourdieu mostra que as mulheres, no fazendo parte desse cenario, “[..] podem até pereeber a vaidade daqueles jogos e [...] (consideram) com divertida indulgéncia os desesperados esforgos do ‘homem-crianga’ para se fazer de homem eo infantil desespero em que © jogam suas derrotas” (BOURDIEU, 2002, p.92). Neste ponto, o autor revela que a esposa (personagem da obra) conhecia as fraquezas de seu marido, mas as respeitava, nfo fazendo uso delas a seu favor. De certa forma, reconhecia a vitima que ele havia se tomado. A dissimulagio da mulher em reconhecer a fraqueza masculina pode ser interpretada como sendo consequéneia da dominagao, mantendo-a em situagio de submissao e respeito ao dominante, mesmo tendo um trunfo a seu favor. A mulher pode pressentir, de maneira acertada, que 0 homem no da conta de administrar a propria vulnerabilidade. © respeita para ajudé-lo a manter sua hegemonia, mesmo porque ela também pode precisar de sua forga e da manutengao de sua estrutura na sociedade. Bourdieu confirma essa anélise ao afirmar que a sociedade instrui os homens a“... amar 6s jogos de poder a as mulheres a amar os homens que jogam” (BOURDIEU, 2002, p97). No wltimo capitulo de A dominagdo maseulina, Bourdieu aponta as permanéneias e mudangas da dominagao da atualidade. Um dos pontos de permanéncia, para o autor, refere-se & luta feminista que acaba por ignorar as relagdes ocultas de dominago sexual, ao enaltecer suas conquistas em detrimento da cegueira dos reflexos da dominagao. Este ponto foi discutido anteriormente no tema da violéncia simbélica, que denuneia as relagdes de hierarquia sexuada que estio de tal forma naturalizadas que passam despercebidas aos olhares mais criticos. Bourdieu sinaliza a estranha permanéneia dos esquemas de dominagio, que se mantém apesar das mudangas que afetaram as atividades produtivas e a divisto do trabalho, Refere a esse processo como 0 trabalho histérico de des-historicizagao, ou em outras palavras, a “historia da (te)eriagao continuada das estruturas objetivas ¢ subjetivas da dominagdo masculina” (BOURDIEU, 2002, p.99), que nada mais é que um trabalho historico de etemizagio das estruturas de dominacao. O autor aponta que os principais alicerces que sustentam e reproduzem continuamente o poder masculino sio a Tgteja, 0 Estado, a familia e a escola. O autor alerta que é mais importante analisar o estado do sistema de cada dominio apontado (Igreja, Estado, ete.), os pesos e medidas diferenciados para cada periodo histérico, do que apenas descrever as transformagdes das condigdes das mulheres ou da relagdo entre os géneros, pois a primeira parte foi responsavel por excluir da historia as relagdes de dominago masculina, Para Bourdieu, as transformagées percebidas sio decorrentes de transformagdes nos mecanismos e nas instituiges responsaveis pela perpetuacao das hierarquias dos géneros. A familia reproduz a visio masculina e da divisio do trabalho; a Igreja insereve a negatividade intensa sobre o feminino, agindo de forma simbélica nas estruturas inconscientes e a escola transmite os pressupostos da cultura patriareal (BOURDIEU, 2002). © autor observa que, finalmente, a dominagio masculina nao se impde mais de forma indiscutivel. A dominagio nfo é mais instaurada de fonma tio silenciosa ou gratuita, € necessdrio agora ter justificativa ou defesa para sua instituigdo. Neste capitulo, ele mostra os contrapontos da atualidade ¢ se curva em reconhecer algumas transformagées nas relagdes de género a partir das conguistas da mulher, ou melhor dizendo, a partir de transformagdes nas disposigdes estruturantes que perpetuam a dominacio. A mais importante, segundo Bourdieu, foi a escola. O maior acesso das mulheres ao ensino secundério superior favoreceu sua ascensio no meio social, restringindo sua permanéneia no ambiente doméstico, A maior autonomia quanto ao proprio corpo, proporcionada principalmente pela pilula anticoncepcional, fez com que 0 tamanho da familia reduzisse e a mulher tivesse maior autonomia de escolha diante o casamento. O divércio aumentou, assim como a independéncia feminina em relacdo a um homem. Ainda sim, o autor sinaliza um paralelo entre uma resisténcia do habitus da ordem masculina e uma quebra de grande parte dessa dominagao por conta das transformagies na estrutura da familia, a visibilidade de outras formas de sexualidade, como a homossexualidade, 0 maior acesso da mulher no campo de trabalho, que necessariamente afeta a divisto das atividades domésticas. Foram esses apontamentos que defendemos ao longo do texto e que o autor parecia resistir em reconhecer. Ao final de sua obra, apés toda sua exposigao © argumentagdo em relagio 4 dominagdo masculina, ele pode se colocar de forma mais leve ¢ dialogar com as novas configuragdes de familia, sexualidade e relagdes que se apresentam na atualidade. © que Bourdiew alega como permanéncia da ordem masculina, refere-se a dificuldade de acesso da muther aos cargos de poder e as desigualdades na hierarquia das cameiras ingressadas por homens ou mulheres. Neste ponto, 0 autor parece novamente desqualificar as profissées escolhidas prioritariamente pelas mulheres. Refere que a divisio dos sexos projeta-se sobre a hierarquia das profissbes. Aos homens destinam-se as atividades piblicas e de poder (areas de economia e produgio ~ tecnologicas) e as mulheres as ocupagées de cunho privado (que lembram as fungdes domésticas € que envolvem cuidados), como servigo social, psicologia, ginecologia pediatria, Ou elas se envolvem em éreas que ele chama de produgio simbélica, como as literdrias e artisticas ou jornalismo. O problema nao se pauta na inelinagdo feminina a escolherem ais reas, mas esas areas serem desqualifieadas por serem predominantemente femininas. Reiteramos aqui o olhar pejorativo @ mis6gino sobre a dimensio feminina (considerando-se a concepgao junguiana do termo, por ser mais ampla e nfo se restringir ao género) em todas as propriedades em que ela se faz presente, Bourdieu parece compreender essa vertente ao fim do capitulo e da obra a0 diferenciar as nmudangas nas relagdes entre os géneros ¢ 0 panorama social onde é possivel visualizar a permanéneia da ordem masculina, O que causa inedmodo é que, a0 longo do livro, ele tende a um olhar macigo sobre as mulheres (com um coneeito enfraquecedor sobre o feminino), obrigando-nos a sair em suas defesas. De fato, concordamos que a dominac3o masculina, ou a visio patriareal, como comumente costumamos nos dirigir na psicologia junguiana, esta fortemente enraizada na couscigneia coletiva e inserita nos corpos. Contudo, pensamos que as transformagdes que ocorreram, e ainda ocorrem, no seio da familia, e que tiveram seu reflexo na teia de relagdes no campo do trabalho, possam ter seu prolongamento a longo prazo num panorama maior, como o reconhecimento e validagao das questdes humanas como fonte de poténcia e equilibrio para a sociedade. MASCULINE DOMINATION OF PIERRE BOURDIEU: CRITICAL AND ANALYSES FROM THE ANALYTICAL PSYCHOLOGY ABSTRACT: This bibliographical article aimed 10 analyze the work Masculine domination of Pierre Bourdieu, considering the concepts of Analytical Psychology from CG. Jing. Among other issues, this psychological theory is based on the analysis of the masculine and feminine principles in order to bring a different apparatus for discussion of the ideas brought by Bourdieu that involves masculine domination. The Analytical Psychology concepts understand this domination from the patriarchal view of society, according to Bourdieu in submission question that this culture imposes on women. However, there were counterpoints regarding the quality and validation of female reference that Bourdieu’s theory seems to disqualify. Among the permanencies ‘and changes of the structures that reproduce the masculine order, both theories show agreement with updates regarding the patriarchal structure KEYWORDS: Male. Psychology. Sociology REFERENCIAS As deusas e a mulhi ‘Sao Paulo: Paulus, : nova psicologia das mulheres. 7.ed. Trad, Maria 005. BOURDIEU, P. A dominagao masculina. 2.ed. Trad. de Maria Helena Kithner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. - Sociologia. Trad. de Paula Montero ¢ Alicia Auzmendi. So Paulo: Atica, 1983. CABRAL, J. T. A sexualidade no mundo ocidental. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995. CRAWFORD, P. Conhecimento sexual na Inglaterra, 1500 — 1750. In: PORTER, R; TEICH, M. (Org.). 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