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A alma em pecado mortal

O autoconhecimento é fundamental para o desenvolvimento espiritual e a


preservação da graça santificante. A alma que assim se sustenta vai para as
primeiras moradas e ali já recebe as luzes do “castelo interior”, embora ainda
precise de muita purificação para poder contemplar todas as maravilhas desse
castelo. A alma nesse estado continua numa certa escuridão porque está muito
apegada ao mundo.

A alma em pecado mortal, por outro lado, vive na completa escuridão. É o que
explica Padre Paulo Ricardo nesta segunda pregação de nosso retiro, a partir da
visão que teve Santa Teresa das pessoas em pecado grave e dos tormentos do
inferno.

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Vimos na primeira aula que o ser humano é, segundo São Paulo, “corpo”, “alma”
e “espírito”. Esse “espírito” corresponde em certa medida àquilo que Santa
Teresa chama de “castelo interior”, ou seja, o campo de ação da graça de Deus,
no qual entramos quando, escutando o convite divino e deixando-nos conduzir
por Seu auxílio, nos arrependemos dos nossos pecados e recebemos o
sacramento do Batismo, ou a absolvição na Confissão, por meio dos quais nos é
infundida a graça santificante.

Quem se digna, pois, a fazer um bom exame de consciência, colocando-se


humildemente na presença de Deus para diante d’Ele confessar a própria
miséria, é favorecido de muitas graças, e o próprio Senhor lhe revela a jóia mais
preciosa da natureza humana: a nossa imagem e semelhança com Deus. Por
isso Santa Teresa considerava lastimável a ignorância desses assuntos, pois
deles depende a nossa entrada no Castelo.

Ao entrar nas primeiras moradas, a alma vê uma luz radiante, que ilumina todo o
ambiente. Mas como os olhos que se voltam para o sol, essa alma tem muita
dificuldade para enxergar corretamente as coisas, e não percebe toda a
maravilha daquele lugar. Além disso, as feras que trouxe de fora para junto dela
começam a mordiscá-la, diz Santa Teresa, obrigando-a “a fechar os olhos para
não ver senão a elas” (Primeiras moradas, II, 14) “. Nesse sentido, as primeiras
moradas padecem ainda de certa escuridão, embora já estejam iluminadas
pela ação da graça.

Fora do castelo, todavia, a escuridão é total porque os pecados graves apagam


a luz da graça santificante. Nessa situação, a alma dá as costas para a sua fonte
de luz, voltando-se para as coisas de fora do palácio. Por isso Santa Teresa
advertia que “se todos entendessem o que seja, nem um só homem seria
capaz de pecar, ainda que tivesse de sujeitar-se aos maiores tormentos
para fugir das ocasiões” (Primeiras Moradas, II, 2). A santa madre
compreendia bem a gravidade do assunto, pois o próprio Deus revelou a ela a
situação de uma alma em pecado mortal. De fato, aqueles que vivem nesse
estado estão “na completa escuridão, tanto eles quanto suas obras” (Primeiras
Moradas, II, 2).

Muitos fazem pouco caso do pecado porque acreditam num Deus que não
condena ninguém. “Deus é amor”, dizem. O fato, porém, é que o pecado mortal
causa uma inimizade profunda contra Deus, inimizade que será totalmente
revelada na hora da morte, pela separação do corpo e da alma. No juízo, a alma
apresentar-se-á completamente nua, e todas as suas desordens estarão diante
dos olhos de Deus. Ela entrará na eternidade com um ódio irrevogável ao
Senhor, razão pela qual terminará no inferno, não por deficiência da misericórdia
divina, evidentemente, mas por sua própria rejeição e ódio a Deus — situação
deplorável na qual se encontrava no momento da morte. Por isso o inferno é um
lugar de blasfêmia, raiva, choro e ranger de dentes. Quem a ele se entrega não
pretende se arrepender, pois já tem o coração obstinado no mal. Trata-se de
algo que, infelizmente, já podemos enxergar em algumas pessoas neste mundo.

A Igreja sempre nos advertiu sobre a gravidade dos pecados


mortais. Santos de todas as épocas fizeram os sacrifícios mais penosos, tudo
para salvar as almas da condenação eterna. Os missionários jesuítas, por
exemplo, cruzaram o oceano rumo ao Novo Mundo — cientes de que nunca
mais retornariam às suas casas — só para converter as almas em risco de
perdição. É realmente triste, portanto, que teólogos modernos neguem essa
doutrina católica. Nivelar tudo por baixo, como se nada fosse pecado, não é uma
obra de caridade. Em vez disso, trata-se de um erro mordaz.

Para Santa Teresa, a visão do inferno foi uma verdadeira obra da misericórdia
de Deus. No Livro da Vida, ela descreve a agonia das almas condenadas e o
aposento que Satanás lhe preparava naquele lugar horrendo: “O caso é que
não sei como encarecer aquele fogo interior e aquele desespero, sobre tão
gravíssimos tormentos e dores… E digo que aquele fogo e desespero
interior é o pior” (XXXII, 2). Tal foi o horror da santa madre que, a partir
daquela hora, ela procurou emendar-se na oração, a fim de não terminar como
aqueles pobres diabos do inferno.

O exemplo de Santa Teresa deve ser, para nós, um impulso à vida interior. Se
ela, que provavelmente nunca cometeu um pecado mortal, temia o inferno,
quanto mais nós não deveremos temê-lo, pecadores miseráveis do século XXI.
É preciso ter bem claro que os piores padecimentos desta vida não são nada
perto dos tormentos do inferno. Foi a meditação sobre essas verdades que levou
Teresa a reformar o Carmelo: ela queria salvar as almas da perdição eterna.
A santa madre pensava sobretudo nos protestantes, que abandonaram o
sistema sacramental, o meio ordinário para a santificação. “Tive notícias dos
prejuízos e estragos que faziam os luteranos na França, e o quanto ia crescendo
esta desventurada seita”, lamentava-se (Caminho de Perfeição, I, 2). Assim,
Teresa determinou-se “a fazer este pouquinho”, que “é seguir os conselhos
evangélicos com toda perfeição possível e procurar que estas poucas
irmãs aqui enclausuradas fizessem o mesmo” (Caminho de Perfeição, I, 2).
Ela sentia-se realmente disposta a dar a própria vida pela salvação de uma
alma.

Santa Teresa via que o mundo estava em chamas, e a humanidade estava


prestes a crucificar Jesus outra vez. De fato, não é uma realidade muito diferente
da que testemunhamos hoje. O mundo, a carne e o diabo travam uma guerra
acirrada contra a Igreja, e a barca de Pedro ameaça afundar todos os dias.
Ainda assim, a promessa de que as portas do inferno não prevalecerão continua.
Como descreve o livro do Apocalipse, Babilônia cairá dentro de uma hora, ao
passo que as almas dos justos serão exaltadas para a glória de Deus e da
Jerusalém celeste (cf. 18, 1-24). Essas almas justas são precisamente a
daquelas pessoas que, no escondimento de suas vidas, resolveram praticar
piedosamente as máximas do Evangelho, cooperando na Paixão de Cristo pela
salvação das almas. Tal é a finalidade deste curso: colocar-nos entre aqueles
que se decidiram pela santidade.

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