Professional Documents
Culture Documents
A Alma em Pecado Mortal
A Alma em Pecado Mortal
A alma em pecado mortal, por outro lado, vive na completa escuridão. É o que
explica Padre Paulo Ricardo nesta segunda pregação de nosso retiro, a partir da
visão que teve Santa Teresa das pessoas em pecado grave e dos tormentos do
inferno.
________
Vimos na primeira aula que o ser humano é, segundo São Paulo, “corpo”, “alma”
e “espírito”. Esse “espírito” corresponde em certa medida àquilo que Santa
Teresa chama de “castelo interior”, ou seja, o campo de ação da graça de Deus,
no qual entramos quando, escutando o convite divino e deixando-nos conduzir
por Seu auxílio, nos arrependemos dos nossos pecados e recebemos o
sacramento do Batismo, ou a absolvição na Confissão, por meio dos quais nos é
infundida a graça santificante.
Ao entrar nas primeiras moradas, a alma vê uma luz radiante, que ilumina todo o
ambiente. Mas como os olhos que se voltam para o sol, essa alma tem muita
dificuldade para enxergar corretamente as coisas, e não percebe toda a
maravilha daquele lugar. Além disso, as feras que trouxe de fora para junto dela
começam a mordiscá-la, diz Santa Teresa, obrigando-a “a fechar os olhos para
não ver senão a elas” (Primeiras moradas, II, 14) “. Nesse sentido, as primeiras
moradas padecem ainda de certa escuridão, embora já estejam iluminadas
pela ação da graça.
Muitos fazem pouco caso do pecado porque acreditam num Deus que não
condena ninguém. “Deus é amor”, dizem. O fato, porém, é que o pecado mortal
causa uma inimizade profunda contra Deus, inimizade que será totalmente
revelada na hora da morte, pela separação do corpo e da alma. No juízo, a alma
apresentar-se-á completamente nua, e todas as suas desordens estarão diante
dos olhos de Deus. Ela entrará na eternidade com um ódio irrevogável ao
Senhor, razão pela qual terminará no inferno, não por deficiência da misericórdia
divina, evidentemente, mas por sua própria rejeição e ódio a Deus — situação
deplorável na qual se encontrava no momento da morte. Por isso o inferno é um
lugar de blasfêmia, raiva, choro e ranger de dentes. Quem a ele se entrega não
pretende se arrepender, pois já tem o coração obstinado no mal. Trata-se de
algo que, infelizmente, já podemos enxergar em algumas pessoas neste mundo.
Para Santa Teresa, a visão do inferno foi uma verdadeira obra da misericórdia
de Deus. No Livro da Vida, ela descreve a agonia das almas condenadas e o
aposento que Satanás lhe preparava naquele lugar horrendo: “O caso é que
não sei como encarecer aquele fogo interior e aquele desespero, sobre tão
gravíssimos tormentos e dores… E digo que aquele fogo e desespero
interior é o pior” (XXXII, 2). Tal foi o horror da santa madre que, a partir
daquela hora, ela procurou emendar-se na oração, a fim de não terminar como
aqueles pobres diabos do inferno.
O exemplo de Santa Teresa deve ser, para nós, um impulso à vida interior. Se
ela, que provavelmente nunca cometeu um pecado mortal, temia o inferno,
quanto mais nós não deveremos temê-lo, pecadores miseráveis do século XXI.
É preciso ter bem claro que os piores padecimentos desta vida não são nada
perto dos tormentos do inferno. Foi a meditação sobre essas verdades que levou
Teresa a reformar o Carmelo: ela queria salvar as almas da perdição eterna.
A santa madre pensava sobretudo nos protestantes, que abandonaram o
sistema sacramental, o meio ordinário para a santificação. “Tive notícias dos
prejuízos e estragos que faziam os luteranos na França, e o quanto ia crescendo
esta desventurada seita”, lamentava-se (Caminho de Perfeição, I, 2). Assim,
Teresa determinou-se “a fazer este pouquinho”, que “é seguir os conselhos
evangélicos com toda perfeição possível e procurar que estas poucas
irmãs aqui enclausuradas fizessem o mesmo” (Caminho de Perfeição, I, 2).
Ela sentia-se realmente disposta a dar a própria vida pela salvação de uma
alma.